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Como é ser diferente em

Administração?
A performance de discentes gays e bissexuais
em uma graduação heteronormativa

Prof. Dr. Diego Costa Mendes (UFV)


CONTEXTO

Diversidade nas organizações


Contato com estudos pós-estruturalistas: conceito de diferenças
Diferenças: discursivamente produzida, permeada por relações
de poder
Reflexões acerca das diferenças no curso de Administração

Seleção do campo: a partir das vivências e experiências neste


contexto (não neutralidade e subjetividade)

Recorte sobre as diferenças: orientação sexual

Lente teórica: teoria queer


Teoria Queer
 Problematiza a categorização das diferenças, as relações de poder
e de dominação (SOUZA, 2017; SOUZA, CARRIERI, 2010;
SEIDMAN, 2006)
 Questiona a normalidade, a dicotomização da sexualidade e a
exclusão das múltiplas possibilidades de identidade de gênero e de
orientação sexual (FILAX et al., 2015)
 Problematização da heteronormatividade (BERLANT;
WARNER, 1998) e da compulsoriedade heterossexual (RICH,
1980)
Teoria Queer

 Matriz de inteligibilidade/heterossexual (BUTLER, 2017).

 Performatividade: conjunto de normas que antecedem,


submetem e sobre-excedem a vontade do indivíduo que executa a
ação, impondo aos sujeitos normas linguisticamente constituídas e
naturalizadas socialmente mediante matriz de poder (BUTLER,
1993).

 Performance: atos performados frutos da indução promovida


pelas normas e convenções performativas (BUTLER, 1993).
Pergunta de pesquisa

Quais as implicações do discurso normalizador na


graduação em Administração sobre as performances de
estudantes gays e bissexuais do curso?
Procedimentos metodológicos
Abordagem: qualitativa
Episteme: de inspiração pós-estruturalista
Método: Análise Crítica do Discurso (ACD) de Fairclough (2016;
2012)
O que? Discurso discente
Quem? 16 discentes gays ou bissexuais do curso de Administração
Onde? IES privada no Recife
Por que? Localização, política institucional, acessibilidade,
conveniência e autorização
Como? Entrevistas semiestruturadas
Quando? Entre julho/18 (pré-teste) e
novembro/18 (findar da coleta) –
Se estendendo até fevereiro/19
Procedimentos metodológicos
Análises e discussões
Quais intertextos podem ser identificados nas falas dos discentes?
Família, religião, escola e mercado de trabalho

“Eu fui criado para ser hétero, querendo ou não a gente sabe que a família em
si, principalmente quem é convencional fica naquele negócio, na mesmice de
sempre, acha que todo mundo tem que seguir o mesmo padrão”. (José)

“Eu nasci num lar evangélico e eu me considero evangélico, só que alguns


temas eu penso por mim mesmo, não consigo pensar em determinados temas
como aborto e sexualidade na religião [...]. Era muito difícil antigamente essa
coisa da fé, então eu acreditava que era pecado”. (Júnior)
Análises e discussões
Quais intertextos podem ser identificados nas falas dos discentes?
Família, religião, escola e mercado de trabalho

“Quando eu tinha nove anos eu fui para o Colégio Militar. [...] pelo meu pai
ser militar, ele já me advertia antes de ir. Antes de eu começar as aulas, ele
dizia ‘tu não fica com essas coisas, tu não fala isso, tu não sei o quê’ [...] Eu
sofri muito”. (Lorenzo)

“E a gerente disse que não queria, porque ela não queria viado trabalhando
com ela. E aí ela me deu um prazo para eu deixar de ser viado. E se eu não
deixasse de ser ela ia me colocar pra fora. E foi o que ela fez”. (Lorenzo)
Análises e discussões
Quais intertextos podem ser identificados nas falas dos discentes?

O modelo heterossexual demanda dos discentes performances alinhadas à


matriz de inteligibilidade, inclusive no curso de Administração.

A homogeneização dos comportamentos, produção de autoaversão em


alguns estudantes e a necessidade de contestação de outros.

Comum preocupação sobre como a orientação sexual e a performance


interferirão na inserção no mercado trabalho.
Análises e discussões
Como as semioses identificadas nos discursos discentes se
relacionam com suas performances?

“Eu acho que uma pessoa séria, responsável... Em relação ao administrador em si,
acredito que em relação a sexualidade, vejo muito o perfil heterossexual. Uma
pessoa séria, comprometida, geralmente branco também”. (Felipe)

“A visão normativa é exatamente essa que gera aquela dúvida 'Será que ele é? Acho
que não! Por que ele se veste assim? Olha a roupa dele! Ele usa barba! Será que
ele é gay mesmo?' [...]. As roupas dizem muito das pessoas, enfim, e o que é
esperado é exatamente isso, a camuflagem, pelo menos na hora do trabalho”.
(Lorenzo)
Análises e discussões
Como as semioses identificadas nos discursos discentes se
relacionam com suas performances?

“Essa questão do visual [...] se eu arranjar um emprego na área administrativa a


proposta vai ter que ser outra, entendeu? Eu vou ter que fazer uma reconstrução de
imagem para poder atender o que eles querem. [...] Eles querem uma visão
normativa tanto dos homens como das mulheres”. (Lorenzo)

“É assim que eles acham, ou seja, como eu sou um homem, afeminado, que não
tenho uma voz tão grossa, para eles não é adequado [...]. Eu mesmo acho que hoje
se eu fosse trabalhar em uma empresa eu ia ter que aprender muito, muito”. (Júnior)
Análises e discussões
Como as semioses identificadas nos discursos discentes se
relacionam com suas performances?
Orientação sexual utilizada para diferenciar e hierarquizar sujeitos.
Estrutura de poder que concede (ou não) inteligibilidade sobre os corpos.
Há uma normatização sobre como o(a) profissional (e o/a estudante) deve
performar (associados à (a)normalidade).
Há estereótipo construído e compartilhado do modelo de sujeito
legitimado.
Maior pressão sobre homens afeminados.
A estilização reiterada dos sujeitos no curso não só conforma como
também demanda dos corpos sociais performances compatíveis com a
matriz de inteligibilidade heterossexual.
O aparelho discursivo presente na Administração e as relações de
poder dele desencadeadas parecem reforçar o ideal de fabricar "sujeitos
viáveis" (BUTLER, 1993).
Análises e discussões
Como os discentes enxergam o curso de Administração e o
contexto no qual estão inseridos?

“Eu até brinquei quando entrei na faculdade, que eu escolhi um curso muito hétero
para fazer parte [...] e eu continuo com essa percepção” (Caio)

“Eu acho o curso de Administração muito preconceituoso. [...] No curso de


Administração, pelo menos, eu acho que essas pessoas heterossexuais elas
conseguem se expressar melhor” (Isadora)

“É como se não fosse um curso para você, não é um curso que vá lhe contemplar
[...]. Usam isso como desculpa para lhe desqualificar, dependendo da sua
sexualidade e gênero” (Júnior)

“Não é falado sobre isso, sobre as diferenças mesmo de modo geral. [...] boa parte ali
recusa a falar sobre as diferenças também, sabe. Boa parte acha que isso se for bater
em sala de aula é ‘mimimi’, é [perda] de tempo” (Maria)
Análises e discussões
Como os discentes enxergam o curso de Administração e o
contexto no qual estão inseridos?
A graduação em Administração não é tão acolhedora às diferenças de
orientação sexual.

Caráter funcionalista, ínfimo estímulo à reflexão crítica, conservadorismo


e presença de preconceitos à diversidade sexual.

Clandestinidade em torno de temas sobre a sexualidade.

Silenciamento de docentes com relação a citada temática e sobre a


banalização de preconceitos contra os LGBTs.

A forma como a graduação está estruturada aparenta reforçar


estereótipo de suposta normalidade sobre a heterossexualidade, tornando
mais fácil o convívio aos heterossexuais e silenciando e reprimindo os que
possuem orientação "desviante".
Análises e discussões
Como as relações presentes no curso de Administração podem ser
caracterizadas a partir dos relatos discentes entrevistados?

“As pessoas se sentem um pouco julgadas porque sabe que tem gente olhando
para você, falando, rindo, a gente não sabe o que é que estão falando, mas a
pessoa vê que estão em sua direção” (José)

“Heterossexuais [homens], às vezes, não querem se aproximar de...


principalmente quando se trata de um homossexual feminino [afeminado]”.
(Carlos)

“As pessoas não levam os LGBTs a sério, não levam! Acham que a gente tá ali
para entreter, para fazer graça” (Lorenzo)

Uma professora minha que eu gostava bastante, me identificava muito, quando ela
soube também ela meio que se afastou bastante. E eu fiquei meio que, tipo,
perdida, sem entender” (Bruna)
Análises e discussões
Como as relações presentes no curso de Administração podem ser
caracterizadas a partir dos relatos discentes entrevistados?

Pouca afinidade entre os alunos LGBTs.


Os alunos afeminados tendem a ser alvo maior de estigmatizações.
Discentes não assumidos ou reservados tendem a não querer se relacionar
com os assumidos.
Parte dos discentes do curso se mantém afastada dos LGBTs e outra
parcela exterioriza seu preconceito mediante "brincadeiras“.
"Brincadeiras" aparentemente ressaltam caráter desviante dos alunos
LGBTs, materializando valores morais violentos.
"Brincadeiras" camuflam atos de preconceito e discriminação.
Análises e discussões
Como as relações presentes no curso de Administração podem ser
caracterizadas a partir dos relatos discentes entrevistados?

Constante estado de vigilância nos estudantes LGBTs.


Sofrimento e angústia em alguns textos.
Como forma de resistência, alguns alunos mantêm performances
condizentes com a maneira com a qual se identificam:

"eu encaro a minha presença aqui como essa questão de desmistificar essa
coisa, de mostrar para eles que existe algo mais além, que as relações podem
ser construídas independente da sexualidade" (Lorenzo)
Temor generalizado por parte dos heterossexuais com relação a orientação
sexual alheia.
A não coerência entre a orientação sexual e/ou a performance de
alguns discentes com o aparato ideológico heteronormativo estimula a
produção de atos intolerantes e excludentes.
Análises e discussões
Como pode ser desenhada a prática social sobre a graduação em
Administração a partir dos discursos de discentes gays e bissexuais
do curso pesquisado?

“Assim, tem muitas brincadeiras dos meninos [héteros] lá no fundo [...],


agora assim é mais no tom de ofender [...], colocar a pessoa para baixo e tal,
entre eles é tudo brincadeira, é o que vejo pelo menos, em grupo também da
faculdade, enfim. Whatsapp também é a mesma coisa, xingamentos e tal, um
brincando com o outro assim, é dessa forma”. (Felipe)

“Tudo bem que é brincadeira, mas toda brincadeira tem fundo de verdade. E
só porque é brincadeira não estou obrigado a gostar”. (Miguel)

“Têm alunos também que meio, não te acolhem pelo seu jeito de ser
também” (Bruna)
Análises e discussões
Como pode ser desenhada a prática social sobre a graduação em
Administração a partir dos discursos de discentes gays e bissexuais
do curso pesquisado?
O curso de Administração é um curso heteronormativo.
A heteronormatividade percebida nesta prática social parece distanciar
sujeitos que não se enquadram no padrão estereotipado sobre a graduação.
Aparelhamento discursivo sexista.
A estrutura de poder desencadeia relações de desigualdade e discriminação.
Há prática discursiva baseada no humor, que reforça a normalidade e
menospreza em tom de ironia as sexualidades "desviantes".
A heteronormatividade evidenciada na prática social da Administração
compele práticas compulsórias aos discentes do curso, sendo regidas por
normas que instigam a repetição de performances legitimadas e que se
amparam na compreensão linear entre corpo, sexo e desejo.
Outras performances "desviantes" mostraram a existência de espaços
de subversão à lógica performativa.
Considerações finais ou iniciais?!
Quais as implicações do discurso normalizador na graduação em
Administração sobre as performances de estudantes gays e
bissexuais do curso?

 A performatividade sobre a Administração parece reforçar pré-


condição sobre a orientação sexual: a heterossexual.

 A performance no curso de Administração é condicionada aos


códigos de significação da matriz de inteligibilidade heterossexual
(conformidade entre sexo, gênero e sexualidade).

 Práticas discursivas presentes no curso fabricam o padrão aceito de


administrador(a) (matriz curricular, conteúdo abordado em sala de
aula).
Considerações finais ou iniciais?!
Constatação: o discurso subjacente de orientação sexual presente na
graduação em Administração possui pressupostos normalizadores e
heteronormativos, que restringem as categorias identitárias
reconhecidas neste contexto específico e demandam dos estudantes
performances consideradas legitimadas no curso.

 A performance dos discentes pesquisados tendeu em sua maioria a


reproduzir as normatizações instituídas pela matriz heterossexual.

 Evidência de controle social na Administração a partir de elementos


legitimados e universalizantes que buscam conformar os corpos discentes
sobre identidades previamente arquitetadas.

 Aqueles que desafiam subverter a matriz de poder costumam ter como


consequências atos de recriminação, preconceito, discriminação e exclusão.
Considerações finais ou iniciais?!
 No caso dos discentes LGBTs, parecem sobrar dois caminhos possíveis:
- o silenciamento e a adequação da performance ou
- as sensações de incompletude e de instabilidade na vida profissional.

 A experiência no campo revelou ainda aproximação e relação


interdiscursiva do ethos do curso de Administração com o ethos do mercado
de trabalho.

 A heteronormatividade na Administração atua como poder hegemônico


continuado sobre o curso, podendo:
- criar barreira à inserção dos sujeitos diferentes na graduação;
- silenciar ou limitar a manifestação identitária e a performance daqueles
que adentram o curso;
- estimular a construção de estereótipos e práticas discriminatórias;
- naturalizar no imaginário discente modelo único de performance
profissional (a partir da orientação sexual dominante).
O findar que instiga recomeços

Questionar a reprodução de uma metanarrativa que


privilegia uns e exclui outros sujeitos perante normas de
inteligibilidade associadas a sua orientação sexual.

Busca por (re)construir práticas sociais mais humanas,


inclusivas e abertas às diferenças.
Dúvidas ou
comentários?

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