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A Mesopotâmia

Protodinástica

II Unidade
A situação étnica e demográfica

 Após o parêntesis recessivo do protodinástico I (2900-2750), a


sequência formada pelo protodinástico II (2750-2600), IIIa .(2600-
2450) e IIIb (2450-2350) apresenta um desenvolvimento
homogêneo, que pode ser investigada a partir de documentos
arqueológicos e textuais. A princípio se trata somente de textos
administrativos, porém no final aparecem também textos sócio-
políticos e jurídicos.
A Baixa Mesopotâmia
A civilização suméria
A baixa Mesopotâmia no período
protodinástico
Características da situação geográfica, produtiva e política do
protodinástico II e III.

 Policentrismo: série de cidades-estados de dimensões similares;


 - Sul: Uruk, Ur e Eridu;
 - Leste: Lagash e Umma;
 - Centro: Shuruppak e Nippur;
 - Norte: Kish e Eshnununa;
 - Assur e Mari: centros de expansão suméria;
 - Susa: não é suméria, mas está integrada no sistema mesopotâmico;
 Mais além, sofrem influência política e comercial: Anatólia e Siria;
População, centros intermediários e aldeias

 População da planície mesopotâmia é muito superior a todos os períodos anteriores e está


mais bem dividida, ainda que tenhamos “ilhas” isoladas entre si por estepes áridas ou
terras. Redes de canais são a base desse sistema territorial integrado.
 Nas zonas de regadio, povoadas e cultivadas, perdura uma estrutura de vários níveis:
 Capital central
 - Centros intermediários ( com funções administrativas e produtoras-transformadoras
descentralizadas)
Aldeias

Aldeias entram em crise pela influência da organização central. Junto às velhas


aldeias, onde vivem núcleos de camponeses “livres”, sujeitos às prestações e
tributos ao templo da cidade, aparecem já assentamentos agrícolas que são uma
emancipação direta da organização central, que se encarregava de cultivar as
terras dos templos com mão-de-obra não livre.
Diferenças entre o norte e o sul

 Nas variedades regionais uma diferença entre o norte e o sul que é ecológica e
sociopolítica.
 - Ecológica: a parte alta controlava os cursos da água.
 - Sociopolítica: no sul, a colonização do templo é predominante. No norte tem um espaço
mais amplo para a população livre.
Variáveis Etnolinguísticas

 Cidades não se consideravam linguisticamente exclusivas, e nem conflitos eram étnicos.


 Desenvolvimento cultural mesopotâmico tem um suporte étnico e linguístico que é misto
desde o começo da documentação escrita. Sem dúvida, há variações no tempo e espaço.
 Protodinástico II e III – documentos estão escritos em sumério, elemento preponderante.
Por isso, se chama de suméria essa cultura.
 Realidade mais complexa:
 Semitas (Acádios) já estavam presentes nesta fase, com maior presença no norte dos
povos de língua semita.
A cidade-templo e a estrutura social

 A posição central do templo na cidade aparece agora com mais clareza, graças à
documentação escrita, em suas duas vertentes: de centro ideológico e cerimonial e de
centro de decisão e organização.
 O projeto arquitetônico do templo reflete esta ambivalência, de instituição total. Os
espaços onde se realizam tarefas econômicas e administrativas (armazéns, arquivos) e
moradia divina.
 Ambiguidade entre a função do templo como centro diretivo e como célula (sobretudo de
culto, mas também de produção e organização) na cidade-estado.
Palácio, templo e casas familiares
casa
 O centro diretivo fica com “palácio”, enquanto o templo conserva suas funções de culto e
também suas consolidadas funções econômicas, ainda que já integradas na organização
central global.
 Na divisão de funções entre templo e palácio, o primeiro fica com a primazia ideológica
(incluindo a legitimação divina do poder), enquanto o segundo com a primazia operativa.
 No âmbito da organização interna é importante assinalar que a visão mesopotâmia reuniu
templos, palácios e casas familiares na categoria unitária de “casa” no sentido de “unidade
produtiva” e administrativa, célula básica da sociedade.
Coexistência entre templo e palácios

 No protodinástico, os templos já têm uma longa história, enquanto os palácios são mais
recentes. A classe dirigente “laica” sucede a classe dirigente do templo, que necessita
afirmar uma imagem mais personalizada da realeza, reforçando “dotes” humanos e sociais
compreensíveis como a força ou a justiça.
 Após a aparição dos palácios laicos, continua importante a função econômica do templo,
além da ideológica. Porém, mais matizada e condicionada pela existência do palácio. Na
mesma cidade coexistem templos muito extensos e complexos, onde se realizam atividades
econômicas, e outros menores onde se realizam atividades de culto.
Organização templária

 No princípio os deuses titulares dos templos (com personalidade, sexo, mitologia e


simbolismo) têm relações familiares e depois acabam formando parte de autênticos
sistemas teológicos, que diferem de uma cidade para outra.
 Redes de propriedades e atividades econômicas dos templos se organizam por meio da
família real, cujos membros são “titulares” dos templos, reflexo da estrutura familiar
divina.
Papel dos templos e suas funções

 O templo se torna uma célula do estado palatino, coesa, similar a outras células, e, portanto
módulo que pode multiplicar-se para servir de apoio a uma organização política mais
ampla e ampliável.
 No interior do templo há uma hierarquia de administradores sacerdotais que, em linhas
gerais, mantém um organograma já traçado nos textos arcaicos de Uruk. Abaixo dos
dirigentes, estão os vigilantes e em seguida, os trabalhadores.
 O templo se ocupa de vários setores: a administração, o armazenamento, os serviços e
produção primária. Entre os níveis há um grande número de pessoas, uma grande extensão
de terras de cultivo e uma proporção importante das atividades econômicas que dependem
do templo.
Cidade-Templo = Modelo

 (documentos de Lagash) – protodinástico IIIb


 - Cidade em que os santuários urbanos possuem todas as terras, de modo que todos os
habitantes dependem diretamente ou indiretamente deles.
Críticas ao modelo da cidade templo

 - Modelo foi criado a partir de modelos de templos (especificamente Lagash);


 - Protodinástico III – documentos de compra e venda de terras que não pertencem aos
templos; registo de uma força de trabalho temporária e complementar originária de fora da
organização;
Transformações da comunidade aldeã

 - Conclusão: reserva de comunidades aldeãs com terras próprias e sua própria organização
econômica; influência da grande organização é muito grande.
 - População aldeã “contribui” para a acumulação de produtos de duas formas:
 - mediante cessão de parte dos produtos que produz (taxação);
 - prestação de trabalho (agrícola ou militar);
A organização central no campo

 Organização central penetra no campo:



 - Obras de infraestrutura hidráulica

 - Rotação de novas terras destinadas a ser exploradas pelo templo;

 - Aldeias autossuficientes se tornam presas do sistema centralizado;

Distribuição de terras entre templo e aldeias:

 - Templo utiliza as terras que eram preparadas para o cultivo ao longo dos canais novos,
condenando as aldeias a desempenhar papel marginal e obter benefícios cada vez mais
reduzidos;
 Venda de terras:
 Combinação de tradição e inovação
 - Tradição: formas cerimoniais – vendedores recebem cotas decrescentes como dons de
acordo com seu grau de parentesco com vendedores primários, vestígios de propriedade
mais familiar que pessoal;
 - Inovação: - Testemunhas: escriba urbano (garantias e mediação); comprador único: que
substitui a propriedade familiar e inalienável por outra pessoa e convertida em mercadoria;
Dependência de setores da população à
organização central
 Parte da população que depende do templo e palácio é cada vez mais numerosa e
dominante. Administradores, comerciantes, escribas, artesão especializados -> representam
a inovação, racionalização e enriquecimento.
 Distinção nos aspectos funcionais entre dependentes do templo (especialistas) e “homens
livres” = superposição econômica de caráter classista. Pobreza dos aldeãos que os levam a
vender terras: tornam-se dependentes do templo.
Terra e Trabalho:

 Base econômica da civilização protodinástica é agropecuária.


 Artesanato e comércio são atividades derivadas.
 Implantação das “grandes organizações” sobre esta base, com racionalização administrativa,
é um projeto ambicioso e difícil de ser levado a cabo, que só se consolida nos finais do III
milênio, na III dinastia de UR.
 Presença de textos administrativos = visão mais complexa e detalhada da agricultura-
segundo quarto do III milênio.
 Reconstrução da paisagem agrária:
 - Paisagem mista:
 -> Terras de cultivo interno (irrigação);
 ->Terras de reserva (pântanos);
Mecanismos redistributivos

 Rendimentos permitem acumular excedentes para sustento de especialistas.


 Excedentes = mecanismos redistributivos (desde a I urbanização);
 Uruk: divisão direta das rações alimentares entre pessoal acessório (camponeses);
 Protodinástico = além das divisões das rações alimentares, redistribuição entre
dependentes se realiza de outras formas, como a retenção de uma parte da colheita pelos
colonos, e entrega de terras para especialistas urbanos;
 O templo: princípio do parcelamento de terras com dependentes, que se torna hereditário;
O Governo das Cidades: Entre Administração e Ideologia

 Território dividido em várias cidades de dimensões regionais (30 km de diâmetro)


equivalentes em recursos.
 Cada cidade é governada por uma dinastia local, cujo título varia de uma cidade para outra;
 URUK = En (grande sacerdote) = poder real procede do templo;
 LAGASH = Ensi (trabalhador do deus) = dinastia depende do deus da cidade, como seu
administrador de confiança;
 UR e KISH = Lugal (Rei / homem grande) = destaca dotes predominantes humanos e é
paralelo ao é-gal (palácio / casa grande). Aparece na época protodinástica, enquanto os
outros são mais antigos. (Uruk e jendet Nasr).
 Reis mais poderosos quando aplicam política mais hegemônica em relação às outras
cidades-estados, e realçam a atividade bélica, se dá o título de Lugal.
Situação Complexa e Variável – Mudanças Gerais:

 Separação entre Culto e Política: realeza “laica” = contraditória


 Ideológico: legitimação divina da realeza, subordinação do rei ao deus.
 Administrativo: necessidade de subordinar os templos à administração estatal unificada,
convertendo-as em pontos cruciais ou articulações internas subordinadas ao poder da
decisão do palácio.
 1ª Questão: ideológica – mais ampla = afeta as relações do rei com toda a população;
 2ª Questão: administrativa – afeta relações de força no interior da classe dirigente;
 Relações entre Cidades-Estados: guerras endêmicas e ocasionais de hegemonia;
Plano jurídico – ideológico:

 Pluralidade dos deuses leva a uma pluralidade de centros políticos, um por cidade, um por
deus. Cada cidade eleva o papel do deus próprio, colocando-o acima do deus de outras
cidades.
Teologias e genealogias divinas

 Formulação de teologias e genealogias divinas que variam de cidade para cidade. Relação
entre cidades não são relações de iguais para iguais. Na mesma cidade se sucede diferentes
dinastias, que requerem justificativas teológicas. O deus concede ou retira seu aval de
acordo com o comportamento do monarca.
Ideia de uma realeza única

 Ao mesmo tempo que as teologias isolam tendências unificadoras, se abre caminho para a
ideia de uma realeza única, que circula nas cidades com formas hegemônicas que adiciona
sua origem prática a uma justificativa teológica. Reis mais poderosos = querem diminuir
conflitos entre cidades, ou assumir títulos que revelam controle sobre outras cidades.
Nippur

 Nippur: Mediação e Unificação;


 Cidade de Enlil = deus supremo;
 Reis fazem oferendas para Enlil (Ekur) e buscam legitimação para seu poder
 Enlil: Arbitrário supremo da divisão de poder entre cidades e em cada uma delas.
Papel dos reis

Reis: são administradores do território da cidade.


O Deus é o dono da propriedade e seus habitantes. O Rei seu “administrador delegado”, rei é o amo sempre
que respeite as comemorações sociais e religiosas.
Funções do Rei: - Administração da economia; administração da defesa;
Responsabilidade: divino e real
- Responsabilidade operativa de criar e controlar as infraestruturas produtivas e o sistema
redistributivo. Boas colheitas se devem ao deus.
Guerra e o culto

 Guerra: rei manda nas operações, mas o resultado depende da vontade divina, das
vontades, entre os deuses em contenda. Comportamento do deus é reflexo do
comportamento real. Rei comete infração = o deus abandona a proteção sobre a colheita e
a cidade.
 O culto – o rei é responsável pelas boas relações com a divindade. Legitimidade é
ideológico, pois justificava que o poder procede da capacidade de exercê-lo. Isso fica claro
para usurpadores, que legitimam seu poder pelas suas capacidades (dotes especiais).
 Cultos diários: festas, ano novo e oferendas não periódicas. Complexo cerimonial,
dirigido pelos sacerdotes, em que o rei é o primeiro ator, como legitimo representante da
comunidade urbana ante o deus da cidade.
Situação do camponês ante a essa máquina redistributiva e administrativa:

 Camponês oprimido pelos fenômenos naturais e pela administração central;


 Controle deve funcionar em função do bem comum, cuja referência maior é o deus;
 Rei = precisa criar uma imagem de forte e justo. Eficácia do poder e sua ligação com o
deus. Exigir monumentos celebrativos (estátuas reais) e festas. Tumbas reais demonstram
esse fenômeno (aparato celebrativo da realeza);
O Mundo Divino e a Função Mítica:

 Revolução Neolítica: religiosidade centrada na importante questão da fertilidade e


reprodução da vida animal e vegetal;
 Revolução urbana: panteão politeísta com divindades “especializadas” nos distintos
âmbitos da vida econômica e social
Cidades - Estados: necessidade de uma
fundação “ideológica” do poder

 Textos religiosos: o politeísmo mesopotâmio está maduro e com aparato ideológico e


cultural;
 Patrimônio religioso sumério:
 - listas de divindades;
 - descrições de templos;
 - componentes dos hinos;
 Mundo divino é superposição de uma série de explicações de caráter mitológico sobre a
organização do mundo atual.
Justificativa Cultural e Mítica:

 Cultural: mecanismo de oferta que é levada aos templos todos os dias. Mobilização de
trabalho e concentração excedentes se realiza no marco de uma organização racional de
recursos econômicos, no âmbito das relações entre o mundo humano e divino. Camponeses
acham que estão mantendo a divindade, sendo estas as “consumidoras” do excedente, em
troca de uma contrapartida futura.
 Mítica: situar a figura do deus ou um herói fundador na origem dos aspectos físicos e
culturais da vida atual, que se situa em um tempo mais ou menos remoto.
 1ª Organização do Mundo: passado inicial, deus supremo.
 Aspectos mais específicos: atribuição a distintas divindades, que seguem funcionando.
 Aparecem seres semidivinos ou não divinos: reis antiquíssimos, aos que se deve a introdução de
novos elementos no cenário urbano, progresso técnico. Não há uma separação clara entre deuses e
heróis. Separação entre natureza e cultura;
 Deuses: fundações dos fatos naturais.
 Heróis: culturais – instituições sociais.
 Mas se dá traços divinos aos protótipos míticos da realeza e ao poder humano. Algumas divindades
da lista real suméria (dumulzi a gilgamesh) tem uma origem humana e histórica.
 Histórias míticas com uma intenção fundadora estão sujeitas a reinterpretações. Não se pode
afirmar que os mitos de fundação remontem ao protodinástico, pois muitos de seus temas se
referem a períodos posteriores.
Gilgamesh

 Na lista dinástica, Gilgamesh consta como o quinto monarca da


primeira dinastia pósdiluviana de Uruk.
 As várias discrepâncias cronológicas são de menor importância em
vista da comprovação da existência de Gilgamesh como
personagem histórico: um rei que provavelmente comandou uma
bem sucedida expedição para trazer madeira das florestas do norte e
que certamente foi um grande construtor. As muralhas de Uruk eram
famosas, mas ainda não eram construídas com tijolo cozido
 O herói é descrito no começo do poema. Ele é dois terços deus e
 um terço homem, pois sua mãe era uma deusa, como a mãe de
 Aquiles. Dela Gilgamesh herdou grande beleza, força e inquietude. De
 seu pai herdou a mortalidade. A história tem muitos desdobramentos,
 mas eis sua tragédia: o conflito entre os desejos do deus e o destino do
 homem. A mãe de Gilgamesh era uma deusa relativamente obscura,
 que possuía um templo-palácio em Uruk. Na lista dinástica, seu pai é
 descrito um tanto misteriosamente como um "lillû", que quer dizer um
 "tolo" ou um demônio vampiresco, e também como um sumo
 sacerdote
 Numa obra que existe há tanto tempo e que foi tão freqüentemente copiada e alterada, é
inútil buscar precisão histórica nos eventos narrados. Exprimi a opinião de que a situação
política do terceiro milênio constitui o mais provável pano de fundo da ação.
 O fato mais impressionante é o grau de unidade espiritual encontrado em
 todo o ciclo — no sumério, no babilônio antigo e no assírio —, unidade
 que se origina do caráter do herói e de uma atitude profundamente
 pessimista em relação ao mundo e à vida humana
 A história é dividida em episódios: um encontro de amigos, uma
jornada pela floresta, o insulto a uma deusa caprichosa, a morte do
companheiro e a busca da sabedoria ancestral e da imortalidade.
como um estímulo à ambição do herói de deixar um nome a ser
lembrado; mas após a morte de seu fiel companheiro o tema torna-
se mais imperioso: "Como posso descansar depois que Enkidu, a
quem amo, virou pó, e quando também eu morrerei e serei enterrado
para sempre?".
 No final do poema, este espírito se transforma devido às
oportunidades perdidas e às esperanças desfeitas. Esta
atmosfera continua até a cena final, a da morte do próprio
herói, quando a ambição humana é tragada pelo destino e
acaba por se realizar através dos antigos rituais
Influência do meio ambiente no Egito e
na Mesopotâmia
 A civilização mesopotâmia se desenvolve em um meio
notavelmente distinto. Aqui temos um elemento de força e
violência que não se observava no Egito. O Tigre e o Eufrates
não são como o Nilo; suas vias são caprichosas e
imprevisíveis, podem romper os diques construídos pelo
homem e arrasar suas colheitas.
Assim, na Mesopotâmia a natureza na plenitude de seu
poderio, interfere e contrapõe a vontade do homem, fazendo-
o sentir claramente sua pouca importância.
Caráter da civilização mesopotâmia

 Colocado entre estas forças, o homem se deu conta de sua impotência, com o
temor produzido ao encontrar-se no campo de ação de forças gigantescas. Seu
caráter tornou-se tenso, sua falta de poder o proporcionou uma consciência aguda
de suas trágicas possibilidades.
 A experiência da natureza que produziu esse caráter teria sua expressão direta na
noção que o mesopotâmio formou acerca do cosmos em que vivia.
 De modo algum foi cego à grande regularidade do cosmos; o considerou como
ordem e não como um conjunto anárquico. Nele e abaixo dele percebia uma
multidão de poderosas vontades individuais, virtualmente divergentes,
potencialmente em conflito, repletas de elementos anárquicos. Estava diante da
natureza e de suas forças gigantescas e obstinadas.
A ordem cósmica para o mesopotâmio

 Portanto, em sua concepção de cosmos, o mesopotâmio


tratava de dar expressão a uma integração de vontades, isto
é, o representava como uma espécie de ordem social, à
semelhança da família, da comunidade e, mais
particularmente, do Estado.
 Em uma palavra, o mesopotâmio considerava a ordem
cósmica como uma adequação de vontades – como um
Estado.
A democracia primitiva

 Na nova cidade-estado o poder político reside na assembleia geral


constituída por todos os homens livres. Normalmente os assuntos
cotidianos da comunidade eram atendidos por um conselho de
anciãos; porém em épocas de crise, quando havia ameaça de guerra,
a assembleia geral podia conferir poderes absolutos a algum de seus
membros proclamando-o rei. Essa função se desempenhava por tempo
limitado e, do mesmo modo que a assembleia podia conferi-lo, também
podia revogá-lo uma vez passada a crise.
Estado pré-histórico era o fundamento da
concepção de universo para o mesopotâmio
 A própria concepção de mundo indica que isso já tinha sido
atingido. Como temos dito, a civilização Mesopotâmia
considerava o universo como um Estado. Contudo, o
fundamento desta interpretação não era o Estado que existiu
nas épocas históricas, mas o Estado pré-histórico – ou seja, a
democracia primitiva. Por conseguinte podemos supor que a
ideia de Estado cósmico se formou em uma época primitiva,
quando o tipo de Estado que prevalecia era a democracia
primitiva – ou seja, que surgiu com a civilização
mesopotâmia.
A atitude do mesopotâmio ante os
fenômenos da natureza
 O mesopotâmio via nos fenômenos em sua
volta, um mundo semelhante à sociedade em
que vivia, isto é, as relações entre os
fenômenos naturais eram tratadas da mesma
forma que as relações sociais, de uma ordem
em que operam vontades conjugadas de um
Estado.
Fenômenos particulares- vitalidade

 Em um grande número de fenômenos particulares,


como as pedras de sílex, a Mesopotâmia acreditava
estar diante a um só ser. Sentia, por assim dizer, a
presença de um centro comum de poder, possuidor
de uma personalidade particular e que, em si
mesmo, era pessoal. Esse centro pessoal de poder
penetrava nos fenômenos individuais, transmitindo-
lhes o caráter que neles se advertia: “sílex” em todas
as pedras de sílex, Nidaba em todos os juncos, etc.
Fenômenos

 Para compreender a natureza, aos múltiplos e


variados fenômenos que rodeiam o homem, era
necessário compreender as personalidades que se
manifestavam em ditos fenômenos, conhecer suas
características, o sentido de suas vontades e,
também, a magnitude de seu poderio.
O mesopotâmio aplicava à natureza a experiência que
havia adquirido no seio de sua própria sociedade e a
interpretava conforme suas categorias sociais.
 Tratava-se de uma tarefa que não se diferenciava em nada a que
devia realizar-se para compreender os homens, conhecendo
suas características, suas vontades e a magnitude de seu poder
e de sua influência. De modo intuitivo o mesopotâmio aplicava à
natureza a experiência que havia adquirido no seio de sua
própria sociedade e a interpretava conforme suas categorias
sociais.
O fogo como um juiz

 É claro que o homem recorria ao fogo porque conhecia seu poder


destrutivo. Entretanto o fogo possuía vontade própria; podia destruir as
efígies – e nelas os seus inimigos – somente quando assim o quisera. De
tal modo que, para decidir se destrói ou não as imagens, o fogo se converte
em juiz entre o homem e seus inimigos, a situação se transforma em um
litígio, no qual o homem advoga em sua causa e pede ao fogo que atenda
sua queixa. O poder do fogo tem sua forma definida, e é interpretado
conforme as categorias sociais: é um juiz.
Democracia primitiva = concepção do universo
= organização estatal
 Quando o universo começou a adquirir forma para o mesopotâmio, este
vivia como temos dito, em uma democracia primitiva. Todas as empresas
grandiosas e todas as decisões de importância eram tomadas na
assembleia geral constituída por todos os cidadãos; sem que fosse a
incumbência de um só indivíduo. De acordo com isso, era natural que, ao
tratar compreender a maneira como se produziam os grandes
acontecimentos cósmicos, dera grande importância à indagação da forma
em que as forças individuais do cosmos cooperavam ao curso do
universo. Em sua concepção do universo as instituições cósmicas
chegaram a adquirir enorme importância e a estrutura do universo veio a
ser eternamente igual à organização do Estado.
A estrutura do Estado cósmico

O Estado formado pelo cosmos mesopotâmio compreendia todo o mundo


existente, de fato, tudo podia ser pensado como um ente: homens, animais, objetos
inanimados e fenômenos naturais, o mesmo que noções como justiça, retidão, a
forma do círculo, etc. Já temos dito como podiam considerar-se tais entes como
membros do Estado, tinham vontade, caráter e poder.

Não obstante mesmo quando todas as coisas imagináveis formavam parte do


Estado cósmico, nem todos os membros ocupavam o mesmo nível político. O critério
que servia para diferenciá-los era a magnitude de seu poder.
Estado terreno e Estado cósmico

 No Estado terreno havia grandes grupos que não tinham participação no


governo. Os escravos, as crianças e as mulheres não tinham o direito de
falar nas assembleias. Somente os adultos livres podiam decidir os negócios
públicos: somente eles eram cidadãos no sentido estrito da palavra.
 No Estado constituído pelo universo encontramo-nos com algo eternamente
análogo. Somente aquelas forças naturais cujo poderio inspirava temor ao
mesopotâmio e que, em consequência, seriam classificados de deuses,
eram considerados como cidadãos do universo, atribuindo-lhes direitos
políticos e reconhecendo que podiam exercer influência na marcha do
Estado. Portanto, a assembleia geral dentro do Estado cósmico era uma
assembleia de deuses.
 Na literatura mesopotâmia existem frequentes referências a
esta assembleia que nos levam, a saber, como funcionavam
e confirmavam todas as decisões importantes a respeito do
curso das coisas e acerca da sorte de todos os seres.
Porém, antes de chegar a ele, as proposições eram
discutidas, talvez, em forma acalorada pelos deuses que
estavam pró ou contra elas.
 O dirigente da assembleia era Anu, o deus do céu. Ao seu lado falava seu
filho Enlil, deus da tempestade. Por meio da discussão se esclareciam os
problemas levantados, até que se chegasse a uma solução. No curso dos
debates se concedia grande importância às palavras de um pequeno grupo
formado pelos deuses mais proeminentes, “os sete deuses que
determinam os destinos”. Por último, a discussão culminava com um
completo acordo, quando os deuses pronunciavam a palavra “aprovado” e
então Anu e Enlil proclamavam a decisão tomada. As faculdades
executivas estavam encomendadas, ao parecer, ao deus Enlil.
 Anu, o deus supremo era o deus do céu e seu nome era a palavra
usual para designar o “céu”. A função dominante que o céu
desempenha na composição do universo visível e a posição eminente
que ocupa, colocado acima e por cima de todas as coisas, explica
perfeitamente porque considerava Anu como a força mais importante
do cosmos.
 É o que inspira majestade. Há nele a experiência de grandeza ou, mais
exatamente do terrível. O homem se dá conta de sua própria
insignificância, de sua distância intransponível.
 Enlil, o segundo em importância, era o deus da tempestade. A
tempestade que domina todo o espaço que se estende sob o
firmamento, ocupava o segundo lugar entre os grandes componentes
do cosmos.

Enlil se revela na tempestade. A violência, a força que a constitui e


que se experimenta nela era o deus, era Enlil.
 A terra era o terceiro elemento fundamental do universo visível. Ki, a
“Terra” se manifesta antes de tudo como “Mãe Terra”, como a grande
fonte inesgotável e misteriosa da nova vida e da fecundidade em todas
as suas formas. Cada ano dá nascimento a pastos e plantas novas. Em
uma só noite o árido deserto se transforma em campo verde. Os
pastores levam seus rebanhos para pastar. As ovelhas e as cabras
parem cordeiros e cabritos. Todas as coisas crescem e prosperam. Nas
boas terras da Suméria “o grão, a donzela verde, olha para cima nos
canais” em breve uma rica colheita preencherá os celeiros e os
armazéns, até que se transbordem. A humanidade bem alimentada farta
de cerveja, de pão e de leite sentirá como a vida move em seus corpos
em ondas de um tranqüilo e profundo bem estar.
 Da terra provêm também as frescas águas, portadoras de vida, a água
que brota nas nascentes, que corre nos rios, e no tempo mais remotos
se considerava “águas que atravessam a terra” como parte de seu
próprio ser, como um dos múltiplos aspectos em que se manifestava.
Porém ao enfocá-la deste modo se estimava que o poder que
apresentava era masculino, era Em-ki, o “Senhor da Terra”. Somente na
época histórica o nome de Enki e o papel que a ele se atribui em certos
mitos nos indicam que ele e a água que representa foram antes um
simples aspecto da terra.

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