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Em função de tanto sacrifício que marca

toda uma representação simbólica, sabe-se

1.1 O contexto histórico

Quando se trata da Idade Média


remetemo-nos também a alguns nomes, que a maior fortuna configurada pelo
tais como Idade das Trevas ou Idade da patrimônio pertencente à Igreja Católica
Escuridão (MORAES, 2008, p. 73), enfim, o foi gerada na Idade Média e certamente
que se sabe e o que a escola básica nos toda a sua grande influência no mundo
ensina pontualmente ora pela Literatura, pós-moderno é fruto do trabalho
ora pela própria História, é que seu construído por esta nesse período da
percurso temporal se inicia no século V d.C. História.
e se finaliza no século XVI, marcando essa
Neste sentido, fato histórico de grande
época como um momento da história da
relevância foi a criação do Tribunal da
humanidade em que a Igreja Católica
Santa Inquisição, característico do
exerceu seu maior poder de Estado e
fenômeno social denominado inquisição,
assumiu o papel de gestora das atividades
cuja principal função era regular a vida dos
humanas, isto é, de reguladora e
indivíduos consolidando, por meio de
regulamentadora dela, aplicando leis e
interesses, como todos deveriam agir.
sansões humanas e desumanas, sendo alvo
(as desumanas) de um pedido de perdão Sabe-se, por meio da literatura, de um
por parte do Papa João Paulo II, pelo fenômeno denominado “compra do
extermínio de milhares de judeus durante perdão”, que pode ser explicado por toda a
a Idade Média. troca recíproca, ou seja, a Igreja Católica
recebia bens tangíveis e perdoava os
Nesse momento o direito assume um
eventuais pecadores, inclusive
papel restritivo e caracterizador de tais
de penas consideradas de superior
atividades humanas, regulando e
gravidade, tais como a queimada em praça
regulamentando tais ações de acordo com
pública.
interesses próprios da igreja católica.
Portanto, o que se materializa na Idade
O direito foi se consolidando nesse
Média enquanto fato histórico proveniente
contexto como uma espécie ferramenta
do direito é a presença dos elementos
inerente à propriedade privada, ou seja,
reguladores e regulamentadores
sobre o direito de propriedade do senhor
personificados pelo feudalismo, pela
feudal, ao contrário do que ocorreu
inquisição e pelo catolicismo soberano,
anteriormente, na Antiguidade, cuja terra
sendo o direito protagonista das ações
era de todos e cuja coletividade era
entre estes elementos.
sistêmica e uma eficiente forma de
sobrevivência humana. Na Idade Média 2.1 O contexto social
perdura a ideia de que as terras possuem
donos e só se abrirá mão de tal bem se for Em termos de organização, afirma-se aqui
por questões puramente próprias, tais que tem-se uma sociedade puramente
como receber o perdão do presbítero ou feudal caracterizada pelo senhor feudal e
conseguir a própria salvação. pelo servo. Neste sentido, mais uma é
possível identificar a forte presença da
igreja católica como centro aglutinador consolidando e implementando leis que
dessa sociedade, pois regem tais grupos sociais.

Pode-se dizer que a Igreja Católica foi a É importante destacar que para a
alma da sociedade feudal, onde o clero era configuração do direito enquanto
constituído como a única classe letrada e, elemento de organização social a posse da
os servos e senhores, na maioria terra torna-se fundamental ferramenta de
ignorantes e completamente analfabetos. consolidação desse direito, pois a era a
posse de terra que definia a divisão da
Os sacerdotes, arcebispos, padres e
sociedade.
párocos constituíam o clero secular,
porque seus membros viviam na sociedade A partir dessa definição pôde-se considerar
ou no mundo (do latim seculum). Os bispos a existência das duas classes supracitadas:
governavam uma diocese constituída de os senhores feudais, proprietários, que
várias paróquias e administravam em poderiam ser leigos ou eclesiásticos; e os
nome da Igreja. não proprietários, isto é, os servos (a
maioria da população).
Já o clero regular era dividido em
diversos grupos de comunidades e, cada Por não haver mobilidade entre esses dois
comunidade de convento que obedecia à grupos sociais, pois a condição era dada
mesma regra, denominava-se, como ainda por hereditariedade (filho de nobre era
hoje denomina-se "ordem". A importância nobre, filho de servo era servo), cada
do clero regular na cultura medieval foi segmento tinha uma situação jurídica e
enorme. Bastaria dizer-se que as obras social própria a inalterável, tornando a
mestras da literatura latina chegaram até sociedade fortemente estratificada; e mais
os nossos dias através dos manuscritos
A relação entre essas classes baseava-se na
copiados pelos monges. O respeito que
exploração do trabalho do servo. Era assim
impunham criava ao redor dos mosteiros
que o senhor feudal se mantinha como
uma zona de segurança, onde a massa
elite. O servo era trabalhador rural, que,
campesina encontrava asilo e proteção. A
sem a propriedade da terra e desamparado
Igreja enaltecia a dignidade do trabalho,
de qualquer defesa militar ou jurídica,
dando o exemplo com a operosidade de
buscava a proteção do nobre. Em troca das
seus monges na agricultura: "Ora et
terras concedidas pelos senhores, de
labora” - reza e trabalha.
proteção militar e jurídica os servos deviam
A pertinência da citação consiste no fato de uma série de obrigações como a corvéia[2],
que pode-se visualizar de forma objetiva a talha[3] e as banalidades[4]. Mas não
como se configurava o processo de havia apenas servos trabalhando; havia
organização social cujo protagonismo era ainda trabalhadores livres (vilões, ou seja,
proveniente da igreja católica, ou seja, moradores da vila). (MORAES, 2008, p. 85).
pode-se pensar que no topo da pirâmide
A fim de complementar a pertinente
social estão os religiosos católicos, numa
afirmação de Moraes, vale lembrar que a
segunda escala estão os senhores feudais e
mobilidade social praticamente inexistis e
em último lugar os servos.
que do ponto de vista do direito, rígidas
É por isso que entre tantos fatos sociais, tradições e vínculos jurídicos
vê-se que as relações de direito são determinavam a posição social das pessoas
permeadas pelos princípios religiosos e já desde o nascimento.
vão, de camada para camada se
Portanto, conclui-se que a mão-de-obra
predominante na Idade Média foi a servil,
o que configura que tal camada foi de Esse aspecto nos leva a concluir que as
fundamental importância para se pensar o decisões políticas (principalmente as que
direito como forma de inclusão aos menos consolidam os direitos e deveres sociais)
favorecidos, ou excluídos socialmente; já passaram a ser tomadas pelos poderes
que para os mais favorecidos ele sempre locais.
foi um elemento básico.
Essas decisões passaram a ser a base do
3 DIREITO MEDIEVAL: O CONTEXTO feudalismo e entre elas estão
ECONÔMICO o comitatus [6] (costume germânico)
direito consuetudinário [7] e a economia
3.1 A Igreja Católica e o feudalismo
rural[8].
Neste momento, será explicitado como o
Portanto, o direito se consolidava como
direito desenvolveu seu papel no cotidiano
elemento de organização social, todavia e
humano de forma a intermediar as
principalmente de forma a contemplar os
relações econômicas estruturais. O sistema
aspectos econômicos, pois percebeu-se
principal responsável pela consolidação da
que sem estes não haveria
economia durante a Idade Média era o
desenvolvimento social.
feudalismo[5].
4 DIREITO MEDIEVAL
A igreja católica desempenhou um papel
fundamental na formação do feudalismo, 4.1 O contexto político
pois como portadora principal do direito
Pode-se afirmar que a principal figura
ela estruturou a visão de mundo do
detentora do direito humano era o papa,
indivíduo medieval, unificou a cristandade
cujo poder era dominante, soberano e
sob seu poder, interferindo nas guerras e
definitivo, ou seja, era o papa o governador
nas sucessões monárquicas. Neste sentido,
geral direto ou indireto sobre a vida das
Moraes ratifica esse fato ao afirmar que “o
pessoas, ele era o grande tutor, dotado de
papa controlava vários territórios que
poderes nunca imagináveis em sociedade
compunham o patrimônio de São Pedro;
moderna.
além disso, várias ordens clericais
dispunham de feudos” (MORAES, 2008, p. Sabe-se que:
77).
No Século XIII, o papado achava-se no auge
2.2 O feudalismo e o direito de seu domínio secular; era independente
consuetudinário de todos os reinos; governava com uma
influência jamais vista ou possuída por
No feudalismo havia o sistema de colonato,
cetro humano algum; era o soberano dos
um sistema jurídico no qual o colono era
corpos e das almas; para todos os
obrigado a se fixar na terra, sob a tutela do
propósitos humanos, possuía um poder
proprietário; esse processo dá origem à
incomensurável para o bem e para o
servidão.
mal[9].
As grandes propriedades rurais (vilas)
Certamente o papa era o grande político
também colaboraram para a configuração
mundial e ainda continua exercendo forte
dessa estrutura. Segundo Figueira (2005,
influência no mundo contemporâneo,
p.72) “com a decadência das atividades
entretanto o mais marcante fato que
urbanas e as penetrações bárbaras, as vilas
entrou para a História da humanidade
se tornaram o centro da vida econômica e
durante este período foi
refúgio dos camponeses que tentavam se
proteger dos bárbaros”.
certamente criação dos tribunais da Santa proporcionava aos acusados defesa muito
Inquisição. mais amplas e penas menos severas, razão
por que a maioria das pessoas procurava
Sabe-se que a inquisição durou mais de
estar sob jurisdição eclesiástica. [11]
cinco séculos, sua força política foi brutal a
ponto de causar danos humanitários Outro importante fenômeno jurídico social
distantes de qualquer avaliação real. era a excomunhão, recurso utilizado para
coibir dissidências que pudessem
Sobre sua instituição jurídica, pode-se
eventualmente atingir os princípios básicos
afirmar que
da sã doutrina. Ao indivíduo excomungado
Em 1231, no Concílio de Toulouse, sob a pelo presbítero cabia a sansão de ser
liderança de Gregório IX, Papa de 1227 a excluído da comunidade dos fiéis e não
1241, foi oficialmente criada a Inquisição podia receber os sacramentos e os
ou Tribunal do Santo Ofício, um tribunal católicos, bem como não podiam ter
eclesiástico que julgava os hereges e as nenhuma relação ou contato com ele.
pessoas suspeitas de se desviarem da
Aos senhores feudais insistentes na
ortodoxia católica. Em 1252, o Papa
persistência da rebeldia, a sansão imposta
Inocêncio IV (1243-1254) publicou o
pela igreja era a de interdição, cuja
documento "Ad Exstirpanda", autorizando
implicância estava no fato de que se
a tortura e declarando que
consolidava a proibição de realizar de
"os hereges devem ser esmagados como
qualquer cerimônia religiosa no feudo.
serpentes venenosas". [10]
Uma eficiente ferramenta de se conseguir
Os tribunais eclesiásticos eram de extrema
confissões entre os fiéis por parte da
importância durante a Idade Média,
inquisição era a tortura imposta a adultos e
sobretudo porque não julgavam apenas os
crianças sem distinção de gênero. Todos
membros do clero, mas faziam
passavam por um processo de inquisição
manifestações políticas a respeito de todos
que era sumário; sendo que aos réus não
os temas relacionados de forma direta ou
era concedido o direito de apelação da
indireta com a igreja, como a elaboração
sentença e os advogados nomeados eram
de contratos celebrados sob juramento, os
fiéis papistas, ou seja, defendiam menos os
testamentos, as questões referentes à
direitos dos acusados do que os interesses
órfãos e viúvas, casos de bruxarias, os
de Roma, por exemplo.
sacrilégios, entre outros.
Figueira afirma que
Importante destacar que
Qualquer pessoa, até anônimos e crianças,
A maneira de julgar dos
podiam acusar alguém de heresia. A
tribunais eclesiásticos era sumamente mais
denúncia era a prova. O julgamento era
justa que os processos bárbaros utilizados
secreto e particular. Se o réu confessasse
pela justiça feudal, como os "ordálios" e
podia se beneficiar com a absolvição dada
"juízos de Deus". Nos tribunais ordálios
por um padre, para livrar-se do inferno. As
exigia-se que o acusado provasse sua
testemunhas poderiam ser submetidas a
inocência colocando a mão no fogo ou
tortura, se entre elas houvesse indícios de
água fervente. Os "juízos de
contradições. Tão logo recebiam a
Deus" submetiam o acusador e o acusado à
denúncia, os inquisidores providenciavam
luta, e tinha ganho de causa o vencedor.
a prisão do acusado. A partir daí ele ficava
O julgamento da Igreja Católica pautava-se
preso e incomunicável por um tempo
por um conjunto de normas que
indeterminado. Qualquer tentativa da
constituíam o direito canônico, o qual
família ou de amigos de demonstrar Portanto, houve uma troca de valores, pois
interesse pelo livramento do herege, a igreja deveria ser uma instituição da
poderia ser arriscada, pois amigos de manutenção da fé humana, do perdão, da
herege também eram hereges (LOPES, manutenção dos bons hábitos e costumes,
2000, p. 75). no entanto tornou-se de forma pontual
uma instituição política e jurídica,
Faz-se pensar que se houvesse ilicitude da
embaralhando questões políticas com
parte denunciante o prejuízo moral era
religiosas e essa confusão ainda ecoa nos
infinito, ainda mais se a denúncia partisse
dias atuais.
de uma família nobre seria considerada
socialmente como uma verdade absoluta,
fazendo-nos crer que o direito era para os
mais favorecidos; o que prevalece até hoje.

A reclusão carcerária, temporária ou


perpétua, os trabalhos forçados nas galés e
a excomunhão e entrega às autoridades
seculares para serem levados à fogueira
eram as principais sansões, além do
confisco dos bens e flagelação das vítimas
eram de praxe em todos os casos.

Como penas severas contra os hereges o


Tribunal da Santa Inquisição estabeleceu o
banimento, o confisco de bens, a pena de
demolição de casas, a declaração de
infâmia e pôr fim a perda de direitos civis.

O que se percebe é que com o


assentamento das leis da inquisição, o
bispo torna-se uma espécie de juiz papal,
assumindo os encargos da inquisição sobre
determinados casos na sua jurisdição
eclesiástica e, em inúmeros casos, sendo
que este poder de ação eclesial é de
caráter eminentemente político.

O rei nomeava bispos e padres com


interesse bilateral, ou seja, contemplando
uma troca de favores que tinha uma
inclinação natural para personalidades
voltadas a planos terrenos, e não divinos,
como deveriam ser.

A consequência histórica destes atos


originou o desvirtuamento da igreja, pois
pessoas condenadas à fogueira, na maioria
das vezes, foram condenadas por membros
do clero a fim de atender aos interesses
dos soberanos, vezes sem par, à revelia do
Papa.

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