CARREIRA E AUTONOMIA: O CENTRO DE OPORTUNIDADES E TALENTOS DA FECAP
Augusto Dutra Galery
Cesar Martins Guimarães Centro de Oportunidades e Talentos (COT) FECAP O COT é um serviço oferecido aos alunos e ex-alunos do Centro Universitário Fecap com o objetivo de fazer a integração entre eles e o mercado de trabalho. Oferece três principais serviços: 1) busca de vagas para oferta à comunidade discente; 2) administração de estágios; e 3) aconselhamento de carreira. Contexto
Programas de acesso ao ensino superior, como o Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e a Lei 12.711/2012, conhecida como Lei das Cotas tiveram um impacto no perfil dos estudantes que entram em muitas instituições privadas de ensino superior. No Centro Universitário Fecap, Instituição de Ensino Superior (IES) que constitui o presente estudo de caso, cerca de 60% dos alunos têm algum tipo de benefício. 63,6% dos alunos tem renda familiar mensal inferior a R$ 6 mil. 88,9% dos alunos se utilizam de transporte público para frequentar as aulas. 86,6% dos alunos trabalham ou estão à procura de emprego. Métodos e técnicas A pesquisa aqui relatada se caracteriza como uma pesquisa-ação de caráter psicossociológico uma vez que: 1. dados foram coletados no processo de aconselhamento de carreira pela própria pessoa responsável pela condução da atividade; 2. a metodologia levou a uma reflexão autocrítica visando atingir tanto uma melhoria na própria prática de aconselhamento quanto uma transformação na realidade vivida pelos alunos em sua inserção no campo das carreiras; 3. a pesquisa foi conduzida como uma análise de implicação de ênfase social onde os momentos de ação e reflexão são inseparáveis e constantes; e 4. essa reflexão foi conduzida com o objetivo de ser compartilhada, isso é, publicada. Em complemento, dados que qualificam a instituição pesquisada e seus alunos foram levantados a partir de documentos oficiais produzidos pela própria instituição de ensino. Como toda pesquisa-ação, foi observada uma dimensão ética e filosófica e, neste caso, tem-se em vista a prática do valor da autonomia. Abordagens Teóricas Autonomia: Psicanálise de Castoriadis e Enriquez e Sociologia do Trabalho de André Gorz. Carreira como a dinâmica do campo profissional, no sentido do Pierre Bourdieu: • o grau de aspiração de carreira varia em função do capital econômico e social dos agentes. • há uma série de capitais (valores, ativos, recursos) que estão em jogo no campo, como o capital econômico (relacionado à propriedade de ativos financeiros e bens), capital cultural (educação, competências, habilidades, estilo de vida, conhecimento, diplomas, objetos culturais – como os livros), capital social (redes de relacionamento), capital simbólico (honra social) e capital físico (saúde, forma física e corpo construído de acordo com padrões estéticos socialmente instituídos). Abordagens Teóricas • a educação superior formal provê oportunidades de acesso à aquisição não só de capital cultural, mas também da formação de redes de relacionamento, status social (pelo fato de ser universitário e, posteriormente, graduado) e possibilidades de competir pelas posições profissionais com maior remuneração. • porém, mais do que redistribuir capital, os modelos educacionais predominantes tendem a contribuir à manutenção da desigualdade, uma vez que o próprio acesso à educação superior de qualidade e a continuidade dos estudos até a diplomação dependem da posse prévia desses mesmos capitais que se aspira. • o habitus de carreira é um habitus relevante em um campo de carreira específico. Está, portanto, especificamente relacionado a um campo de carreira, mas pode ser relevante para vários campos de carreira distintos ao mesmo tempo. Resultados • Mais da metade dos estudantes atendidos no serviço têm problemas relacionados a baixa autoestima e/ou dificuldades com o conceito de carreira. Num ambiente em que cerca de metade dos estudantes não têm referência de seu núcleo familiar sobre o ensino superior, o discurso desses estudantes, que estão em ascensão social devido ao acesso à universidade, caracteriza o trabalho como submissão e sofrimento necessário à subsistência. • O trabalho não se vincula ao propósito individual, assim como a motivação intrínseca é uma abstração bastante difícil e distante. Em um país diverso e desigual como o Brasil, esse discurso de heteronomia ainda encontra eco dentro de muitas empresas que também buscam o trabalhador adestrado e dócil. Resultados • A heteronomia está ligada à origem social e atravessa a subjetividade, com os estudantes de menor acesso à cultura mostrando-se mais concretos em relação ao trabalho e com dificuldades de abstração em relação ao seu desejo, o que se reflete em um quadro de confusão, sofrimento e embotamento em relação à própria carreira. • Como impacto, esses sujeitos tendem a falhar em processos seletivos para os quais os profissionais de RH busquem motivação intrínseca, propósitos individuais e valores compatíveis à organização e à vaga. A subjetividade heterônoma torna- se um teto de vidro já na seleção. Considerações Finais • As mediações propostas em nosso exercício profissional têm impacto objetivo sobre os aconselhados, mas subjetivo sobre ambos. Coloca-se, tanto para conselheiro quanto para aconselhando, o paradoxo entre a autonomia e o campo do trabalho conforme estruturado atualmente. • Em nosso caso particular, esse paradoxo assume contrastes de sofrimento mental, mais uma vez para as duas partes. É patente o sofrimento dos atendidos, sofrimento este ligado à heteronomia, à falta de perspectivas, à compulsão à repetição, reflexo de uma pulsão de morte nas organizações, conforme sugere Enriquez. • Coloca-se, também, ao próprio profissional a dicotomia entre autonomia e heteronomia, entre objetivo abstrato do processo de aconselhamento e frustração frente à atuação possível. Considerações Finais • Dá-se, então, uma espécie de “formação de compromisso que permite ao próprio conselheiro de carreira atuar diminuindo as experiências de fracasso e culpa em relação à situação do orientando. • Ao apresentar os campos atuais como provisórios, buscamos possibilitar a saída do estudante da pulsão de morte imposta pela heteronomia em relação ao trabalho, sem colocar-lhe em risco imediato de sobrevivência. • Para tanto, é necessária uma escuta que possibilite que seus desejos apareçam, que o sujeito investigue suas aspirações e propósitos, o que é permitido a partir da ampliação das opções que o estudante acredita ter.