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John Stuart Mill

(continuação)
Princípios de Economia
Política
No capítulo 2, Mill discute o “trabalho como agente de produção”.
O trabalho pode ser aplicado na produção direta, como o trabalho
do padeiro, ou em operações prévias, como os trabalhos do
moleiro, semeador, coletor, arador etc. Todos eles obtém sua
remuneração do preço do pão.
O preço do bem final remunera todos os trabalhadores envolvidos.
Arados, edificações, cercas etc. são remunerados a partir do pão
feito em diversas safras, até o desgaste total do equipamento;
também se leva em conta no preço do pão o pagamento de
operações de armazenagem e materiais de transporte.
Exemplo numérico...
Mill exemplifica: um arado de 12 anos, em cada ano computa-se 1/12 do
trabalho para fazer o arado.
Há também o trabalho para se produzir mantimentos que irão sustentar os
trabalhadores durante a produção.
Antecipações de alimentos e outros mantimentos para manter os
trabalhadores não serão remuneradas a partir do preço do pão, no exemplo
anterior, já que esse trabalho já foi remunerado.
No entanto, esses adiantamentos aos trabalhadores dão ao proprietários
deles uma remuneração pela abstenção, que é o lucro com o produto final.
Portanto, o lucro não paga o trabalho, mas a espera do capitalista.
O trabalho pode ser empregado sobre a
natureza com vistas à produção direta ou
indiretamente. No segundo caso, Mill fornece
seis exemplos:
Trabalho na produção de matérias-primas, como alimentos,
que são destruídas em um único emprego.
Trabalho empregado em fazer ferramentas ou implementos
para ajudar o trabalhador. O trabalho para se obter as coisas
que são usadas como meios imediatos de produção e que se
faz uso repetitivo. Neste caso, o trabalho de construção delas
é remunerado pelo total dos produtos que contribuem para a
produção.
Trabalho para a proteção da atividade, tais como construções para a
produção, trabalho do soldado, do policial e do juiz que são pagos com
impostos.
Trabalho para tornar o produto acessível, como os dos transportadores,
dos construtores de meios de transporte, construtores de estradas,
canais etc., negociantes e comerciantes. Todos são remunerados pelo
preço final, que cobre trabalho e abstenção.
Trabalhos que têm por alvo seres humanos, como os de médicos e
educadores.
Trabalho dos inventores de processos industriais, trabalho mental e
manual, remunerados também pela produção.
Trabalho improdutivo...
Na sociedade complexa é difícil demarcar se o trabalho é aplicado à
agricultura, às manufaturas ou ao comércio, muitas vezes servindo ele a
propósitos múltiplos.
No entanto, Mill acredita ser possível separar trabalho produtivo do
improdutivo. No capítulo 3 discute o trabalho improdutivo.
Definições de trabalho produtivo
Smith havia definido trabalho produtivo como aquela cujo resultado
é palpável em algum objeto material. Outros autores, como
McCulloch e Say, assimilam o termo improdutivo ao trabalho que
não produz coisa útil ou que é antieconômico. Há portanto diferentes
significados para a palavra produtivo e improdutivo. Quando se diz
que o trabalho improdutivo não tem por objeto a produção, deve-se
ter em conta que produção não significa necessariamente a
obtenção de matéria. Pois, não criamos matéria...

“Podemos fazer com que ela assuma propriedades, em


virtude das quais se transformam de inútil para útil para
nós.”
As utilidades em Mill
Mill conceitua trabalho produtivo como o que cria riquezas, entendida
não como objetos, mas como algo produzido que gera utilidades. Há
três tipos de utilidades produzidas pelo emprego do trabalho:
1) Utilidades fixas e incorporadas em objetos externos;
2) Utilidades incorporadas aos seres humanos pela educação e
3) Utilidades não incorporados a objetos, tais como música e
apresentação teatral, que geram diretamente utilidades ao invés de
adequar uma coisa para que proporcione utilidade. Nessa categoria
está incluído também a ação do exército e do governo, mas não o
dos comerciantes, que apenas mudam o local do objeto.
Definição de trabalho
produtivo
Essas três categorias de trabalho produzem utilidades, mas não
necessariamente riquezas. As utilidades da terceira classe não
constituem riqueza, já que não são susceptíveis de serem
acumuladas, mas as capacidades adquiridas pelo homem são
riquezas.
Assim, trabalho produtivo para Mill é todo trabalho que é empregado
em criar utilidades permanentes, quer incorporada em seres
humanos, quer em quaisquer outros objetos, animados ou
inanimados. A questão chave é a permanência do produto, não tanto
a sua materialidade.
O trabalho improdutivo termina no prazer imediato, ele não aumenta
os produtos materiais gerados e até num certo sentido tornam a
humanidade mais pobre.
Consumo improdutivo
Mill também emprega os termos produtivo e
improdutivo para o consumo.
O consumo improdutivo em nada contribui para a
produção e o produtivo é destinado a manter e
aumentar as forças produtivas da sociedade.
Então há trabalhos destinados a atender ao consumo
produtivo ou improdutivo, e esta é, para Mill, a
distinção mais importante.
Outros capítulos do livro I
O livro I dos Princípios de Mill discute ainda a
natureza do capital, capítulos 4 a 6, a produtividade
dos agentes de produção, capítulos 7 a 9, e as leis
que comandam o crescimento demográfico, a
acumulação do capital e a produção agrícola,
capítulos 10 a 13.
Mill corrige e aprimora proposições que foram feitas
nestes temas pelos autores clássicos já vistos, não
se pretende aqui detalhá-las.
Livro II dos Princípios de
Mill
O livro II trata da distribuição da riqueza.
Como a distribuição depende das instituições, Mill se lança
a discutir a propriedade privada e o comunismo, tema
importante que merece por nós exposição detalhada.
Propriedade privada e comunismo
A instituição da propriedade privada pode ter características
variáveis e sua origem na sociedade não se deve a
considerações de utilidade. Mill apresenta dois grupos de
opositores ao princípio da propriedade individual.
Os comunistas, como R. Owen, que asseveram ser desejável a
igualdade absoluta na distribuição de recursos físicos de
subsistência e de prazer, e socialistas como L. B. Cabet que
admitem certa desigualdade fundamentada no princípio de
justiça ou equidade geral, em que cada qual deve “trabalhar
conforme a sua capacidade e receber segundo suas
necessidades.”
Objeção ao socialismo
Na versão socialista, terra e instrumentos de produção
seriam propriedade de comunidades, associações ou
do governo. Também se enquadram no socialismo, S.
Simon e C. Fourier.
Mill considera o socialismo viável, mas apresenta uma
objeção:
“Cada um estaria constantemente preocupado em
fugir da sua quota de responsabilidade no
trabalho.”
Maior controle no socialismo
Nas empresas das atuais economias mercantis, comenta
Mill, o trabalhador deve ser vigiado e o trabalho de controle
e supervisão sempre tem o olho do patrão.
Em um regime socialista, cada trabalhador é supervisionado
pela comunidade inteira.
Reconhece Mill que no sistema de trabalho vigente não há
estímulo para uma maior produtividade do trabalhador e
que no comunismo o trabalho seria executado com maior
eficiência, já que o espírito público seria maior, como no
caso de padres e monges.
Outras funções do socialismo
Mill se pergunta se o comunismo não poderia levar ao
crescimento demográfico imprevidente. Ao que conclui
negativamente, uma vez que nele a opinião pública e as
punições resolveriam este problema.
A distribuição das tarefas entre os indivíduos e as punições
seriam um problema a se resolver no comunismo,
problema difícil mas não impossível.
Qual a melhor sociedade?
Mill lembra que na resposta a essa questão deve-se comparar o
comunismo ideal com a melhor forma de organização que o
regime de propriedade privada poderia estabelecer.
Se na origem a propriedade privada foi obtida pela força, não há
hoje em dia relação entre o princípio da propriedade privada e os
males físicos e sociais que se associa a ele.
A defesa desse princípio passa então pela proporção entre a
remuneração e o trabalho. Há duas condições para a realização
das massas sob quaisquer regimes: a educação e o controle
populacional.
Mill se pergunta:
Qual dos dois regimes se compagina com o máximo
de liberdade e de espontaneidade humana?
E em defesa do comunismo argumenta:
“As restrições impostas pelo comunismo seriam
liberdade, em comparação com a condição atual
da maioria dos seres humanos.”
Outras considerações do cap.1
(livro II)
Mill critica também a opressão das mulheres.
Novas regras para a remuneração do trabalho poderiam tornar o
regime de propriedade privada mais justo.
Mill demonstra nutrir grande admiração pelos sistemas filosóficos
socialistas, não comunistas, de Simon e Fourier. O primeiro prega a
divisão desigual da produção, que cada um tenha ocupações
conforme vocação e capacidade e que as remunerações sejam
proporcionais à eficiência do trabalho e aos seus méritos.
O que Simon atribui aos governantes é para Mill um tanto
quimérico.
Fourier não suprime a propriedade privada e a herança.
Fourier defende a organização do trabalho por associações e a
distribuição com base nos talentos, capacidade de trabalho e
dotação de capital.
Ele defende que os sistemas de propriedade comunitária
deveriam ser tentados.
Livro II: a propriedade privada
No capítulo 2, Mill começa perguntando quais considerações
devem delimitar a aplicação do princípio da propriedade privada.
Define o direito de propriedade como

“O direito de dispor com exclusividade daquilo que alguém


produziu com seu próprio trabalho, ou recebeu
espontaneamente.”
Os proprietários dos fundos de capitais, que representam
trabalho anterior acumulado, também devem ser recompensados
pelo trabalho anterior e pela abstinência.
O direito de herança
Tal direito é o exercício da vontade de dispor de um
bem privado ao bel-prazer do proprietário.
Há os proprietários legais, mas também a posse não
contestada dentro de um número de anos deve ser
entendida como propriedade plena.
As leis que defendem a propriedade também
asseguram o direito de transferência na forma de
doação testamentária.
O direito de doação não se confunde com o de herança, e as leis
atuais que regulam este devem ser reparadas. A herança não faz
parte do conceito de propriedade. Hoje a propriedade é inerente a
indivíduos e não a famílias.

Se os filhos não devem reivindicar a posse plena dos bens dos


pais, após a morte deles, Mill investiga o que a lei poderia fazer
para ampará-los. Critica os direitos de herança dos parentes em
linha colateral e acredita que os direitos dos filhos são reais e
inalienáveis.

É preciso garantir a eles uma provisão razoável a fim de que se


mantenha o mesmo padrão de quando seus pais eram vivos.
Doações testamentárias
O direito de se fazer doações testamentária, atributo do princípio
da propriedade privada, pode em certas circunstâncias ser
limitado se necessário.
Mill cita o caso dos direitos à propriedade da terra. Já que é o
proprietário quem melhora as terras, esse direito deve vir
associado às melhorias implementadas em irrigação, adubo etc.
De modo geral, a propriedade da terra é uma questão de
conveniência geral: pode ou não ser injusta. Além disso, o direito
à terra para cultivo não implica direto exclusivo de passagem.
Outros temas do livro II
Ainda no livro sobre distribuição, Mill discute as classes
entre as quais é distribuída a produção, capítulo 3, a
concorrência e o papel dos costumes na determinação dos
preços, capítulo 4, a escravatura, capítulo 5, a propriedade
camponesa, capítulos 6 e 7, o sistema meeiro e a posse
Cottier, capítulos 9 e 10.
O capítulo 11
O capítulo 11 é particularmente de interesse. Intitulado os
salários, nele Mill lança os fundamentos da famosa teoria do
fundo de salários e a hipótese de trabalho homogêneo.

Sobre o que determina os salários, ele afirma:


“Os salários dependem sobretudo da procura e da oferta de mão-de-obra; ou então,
como se diz com frequência, da proporção existente entre a população e o capital. Por
população entende-se aqui somente o número de trabalhadores, ou melhor, daqueles
que trabalham como assalariados; e por capital, somente o capital circulante, e, nem
sequer este em sua totalidade, senão apenas a parte gasta no pagamento direto da mão-
de-obra. A isso, porém, devem-se acrescentar todos os fundos que, sem serem capital,
são pagos em troca de trabalho tais como os vencimentos de soldados, criados
domésticos e todos os outros trabalhadores improdutivos. Infelizmente, não há maneira
de expressar com um único termo comum o conjunto daquilo que se tem denominado o
fundo salarial de um país; e já que os salários da mão-de-obra produtiva constituem
quase a totalidade desse fundo, costuma-se passar por cima da parte menor e menos
importante, e dizer que os salários dependem da população e do capital. Será
conveniente empregar essa expressão, mas lembrando-se de considerá-la como elíptica,
e não uma afirmação literal da verdade integral.
Ressalvadas essas limitações inerentes aos termos, os salários não somente dependem
do montante relativo do capital e da produção, senão que, sob o domínio da
concorrência, não podem ser afetados por nehuma outra coisa. Os salários
(naturalmente, no sentido de taxa geral de salário) não podem aumentar a não ser em
razão de um aumento do conjunto de fundos empregados para contratar trabalhadores
ou em razão de uma diminuição do número daqueles que competem por emprego;
tampouco podem baixar, a não ser porque diminuem os fundos destinados a pagar mão-
de-obra ou porque aumenta o número de trabalhadores a serem pagos.”
Sobre os salários...
Na passagem anterior estão explicitados os fundamentos da
teoria do fundo de salários que seria muito criticada a partir dos
anos 1860.
Em seguida, no mesmo capítulo, Mill prossegue criticando
opiniões aceitas sobre o que determinam os salários: eles não
dependem da situação dos negócios, nem dos preços elevados,
e nem variam com os preços dos alimentos, como acreditou
Ricardo.
A discussão sobre os salários prossegue nos capítulos 12 a 14,
onde Mill, relaxando a hipótese de trabalho homogêneo, discute
os diferenciais de salários nas diversas ocupações e algumas
soluções populares para os baixos salários.
Finalmente, o capítulo 15 discorre sobre os lucros
e o seguinte sobre a renda da terra.
Teoria do valor...
O livro III discute a questão das trocas de mercado. Lá aparece a
versão milliana da teoria do valor. Sem romper com a teoria
clássica, ele enriquece a compreensão do valor. Mill diz que ele é
um conceito para se discutir a distribuição, mas que na medida em
que a distribuição não é regida pela concorrência, mas pelo uso ou
costume, o conceito adquire menor importância. A questão do valor
não afeta a produção, argumenta, mas é fundamental no estágio
social da troca generalizada nos mercados. Afirma então:

“Felizmente nada resta, nas leis sobre o valor, a ser


esclarecido por mim ou por qualquer autor futuro; a teoria
sobre esta matéria está completa.”
Ledo engano de Mill, pois, anos depois, aconteceria a Revolução
Marginalista e, com ela, ampla revisão das teorias sobre valor.
Valor de uso:
Mill aponta ambiguidades na aplicação do conceito de
valor de uso por Smith. Em economia, observa, a
utilidade de uma coisa significa a capacidade dela de
satisfazer a um desejo ou servir a uma finalidade. O valor
de uso entendido nesse sentido é um valor teleológico.
“O valor de uso, ou, como o denomina o sr. De Quincey, o valor teleológico
é o limite extremo do valor de troca. O valor de troca de uma coisa pode ser
inferior – para qualquer montante – ao seu valor de uso; mas que jamais
possa superar o valor de uso, implica contradição; isso supõe que as
pessoas pagarão, para possuir uma coisa, mais do que o valor máximo que
elas mesmas lhe dão como meio de gratificar as suas inclinações.”
Valor de troca:
Valor é sinônimo de valor de troca, entendido como poder de
compra em geral e não uma soma em dinheiro. Na hipótese
de concorrência plena e autointeresse dos agentes envolvidos,
Mill irá investigar as causas que originam o valor.
No capítulo 2, discute a procura e a oferta e sua relação com o
valor, diz que há dois requisitos a fim de que uma coisa tenha
valor de troca: a utilidade e a dificuldade para consegui-la.
A utilidade regula o máximo de valor, alcançado no regime de
monopólio, mas a compreensão do valor pressupõe o
conceito de oferta e demanda.
Oferta e procura:
A oferta é a quantidade que pode ser obtida, em determinado tempo e
lugar, por aqueles que desejam comprar o bem.
A procura efetiva é resultante do desejo e do poder de compra e varia
com o valor. A concorrência tende a igualar oferta e procura por meio
de um ajuste no valor.
Custos de produção e valor
Se em última instância é o mercado que regula o valor, qual
o papel dos custos de produção? Tal pergunta é respondida
no capítulo 3.
Qualquer mercadoria, para ser produzida, deve ter um
valor que cubra os custos de produção.
O valor é determinado pela oferta e procura, mas, se ele
não compensa o custo de produção e não assegura o lucro
normal, a mercadoria deixa de ser produzida.
Mill trabalha com a noção de valor necessário que cobre
tanto o custo de produção quanto o lucro normal.
O valor nunca estará permanentemente acima ou abaixo do
valor necessário já que se supõe que a oferta de capital e
de mão-de-obra esteja disponível em quantidade
indefinida.
A equalização das expectativas de lucro em diferentes
ocupações faz com que as coisas sejam trocadas à razão de
seu custo de produção. Com lucros iguais em diferentes
mercados, o valor necessário iguala-se ao valor natural,
dado pelos custos de produção.
A renda da terra, no entanto, não faz parte dos custos de produção que
determinam o valor.

Este tema é objeto do capítulo 5; nos capítulos restantes do mesmo


livro, Mill ainda discute as questões de crédito e comércio
internacional.
Livros IV e V
O livro IV examina os impactos sobre valores,
salários, lucros e renda da terra do crescimento da
economia, mostrando a tendência dos lucros em
direção a um mínimo e lançando a famosa
hipótese do estado estacionário.
O livro V conclui a obra discutindo temas de
tributação.

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