Você está na página 1de 3

Tecnologia e educação: o que está em jogo.

SEXTA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2007


O ESTADO DE S.PAULO

O Brasil tem nas mãos nas próximas semanas uma decisão crucial para
o futuro das suas crianças, do seu sistema de educação e das suas
possibilidades na era do conhecimento: continuar no século XIX com
reformas desconectadas do contexto em que vivemos e que só podem
contribuir para perpetuar a tragédia do nosso sistema de educação ou
dar um passo em direção ao futuro possível, num mundo que se
fragmenta continuamente num processo disruptivo que levará o poder
em todos os sentidos cada vez mais à unidade local.

É esta a essência do projeto One Laptop per Child – OLPC -, oferecido


ao Brasil e ao mundo por Nicholas Negroponte e sua equipe do MIT-
Media Lab. O cientista que previu a convergência das mídias há mais de
trinta anos e suas consequências – dos estertores do processo de
concentração econômica, que ainda estamos vivendo, à oxigenação de
uma economia na qual a inteligência estará nas pontas, graças à nova
infra-estrutura gerada pela Web. E que por isso mesmo botou este
centro de pesquisa a serviço de como as pessoas percebem a aprendem
o mundo em que vivemos.

A globalização, predicava Nicholas Negroponte anos atrás, privilegia


antes de tudo o “glocal”. E argumentava: “hoje, é óbvia a tendência da
Internet a modificar o papel que as pessoas exercem, mesclando a
separação entre vendedor e consumidor, entre editor e leitor. Todas as
coisas digitais são grandes e pequenas ao mesmo tempo – um
paradoxo, não uma contradição. Redes descentralizadas irão substituir
hierarquias, e os controles centrais serão substituídos por sistemas
auto-organizáveis que se parecerão muito mais com a relação entre o
homem e a natureza do que com relações institucionais”.

A cultura e consequente organização social, política e econômica


dominante na sociedade contemporânea ainda é aquela que começou a
nascer no séc XVI, quando um conjunto de inovações tecnológicas num
contexto histórico favorável contribuíram para o início do enterro do
Antigo Regime, no qual a Terra estava no centro do universo, a ordem
social era imutável e a Igreja, junto com o poder absolutista, tinha o
monopólio da informação. Longe, portanto, da nova ordem que bate nas
nossas portas no bojo da revolução das comunicações que estamos
sofrendo.
A prensa de Gutenberg estava entre as inovações tecnológicas que
contribuíram para a ascensão do mundo burguês. E os seus principais
produtos – o livro e o jornal – foram entendidos durante muitos anos
pela ordem dominante desta hoje longínqua época como ferramentas
subversivas. Esta subversão gestou e gerou o mundo que vivemos. Um
mundo onde a iniquidade social ainda incomoda e assusta, mas no qual
todas as barreiras para a geração de riqueza e de conhecimento foram
derrubadas, num processo que também gerou a onda de inovação que
estamos vivendo e a possibilidade de darmos o próximo salto.

Não é função da indústria pensar a Educação. A missão de qualquer


empresa é lutar com todas as suas forças para crescer e se perpetuar.
Mesmo quando isso vai de encontro aos interesses da comunidade onde
ela está inserida. Ela jamais poderá pensar com a devida isenção numa
plataforma de serviços focada em educação.

Por isso mesmo, nenhum representante da indústria de tecnologia


poderia ter sido pioneiro num projeto de educação fundamentado nas
profundas e dramáticas mudanças que a cibernética tem trazido para as
nossas vidas. A indústria reagiu à proposta que Nicholas Negroponte
apresentou ao mundo em Davos, no início de 2005, e trouxe ao Brasil
em julho do mesmo ano. E a reagiu de forma perversa propondo
destruição e ignorando que um pouco mais a frente este projeto vai
gerar uma economia estruturada e convergente aos seus próprios
interesses.

O sistema de educação com o qual convivemos nasceu e amadureceu


em função da era industrial. Foi um salto em relação ao passado e foi
útil para o amadurecimento desta era. Mas assim como a linha de
produção, é segmentado, compartimentado e instrucionista. Contribui
para anular a possibilidade da criança aprender a aprender, aprender a
pensar e refletir na flor da idade do início de uma nova era da História
da humanidade que exige o aprendizado contínuo e não a acumulação
enciclopédica de dados.

Ninguém em sã consciência negará que a computação e a conectividade


estarão cada dia mais presentes na educação. Se se acredita que a
tecnologia fornece novas janelas potenciais para a aprendizagem e o
desenvolvimento do indivíduo, através de sistemas que antes eram
praticamente impossíveis de serem articulados, temos que olhar com
seriedade para o projeto que o XO (0 laptop do OLPC) viabiliza.

Além do seu preço imbatível por ser fruto de um projeto humanitário


que não visa lucro, é a máquina das crianças porque são elas que
programam, contribuindo para a criação de um ambiente natural de
expressão e de comunicação. A proposta educacional não é treinar
crianças no uso do computador, mas sim levar para a escola, para a
família e para a comunidade uma ferramenta para aprender a pensar, a
refletir, a ser criativo ao trabalhar com música, matemática, história,
geografia, tendo como referência seu contexto local e não o da
burocracia da educação.

O que está proposto, através de uma plataforma aberta tanto em


termos de hardware quanto de software e conectividade, é a liberdade
de escolha e a possibilidade de participação efetiva. Isso ocorrerá de
qualquer forma mais cedo ou mais tarde, pois não há alternativa. Mas
podemos abreviar este tempo ampliando a possibilidade de participação
social, política e econômica, além de nos dar a oportunidade de sermos
donos do nosso futuro ao invés de esperar que as forças econômicas,
numa tentativa legítima dentro do sistema que vivemos, faça prevalecer
o seu interesse e a sua visão.

Rodrigo Lara Mesquita é jornalista

Você também pode gostar