1) O documento resume um livro de Adam Phillips sobre a obra do psicanalista Donald W. Winnicott, destacando como Phillips vê Winnicott como propondo mudanças profundas na teoria e método psicanalítico.
2) Phillips aponta como Winnicott desenvolveu uma teoria do desenvolvimento diferente de Freud e Klein, com ênfase no papel da mãe e da ilusão na infância.
3) Apesar de reconhecer a originalidade de Winnicott, Phillips também aponta limitações em sua linguagem e falta de sistematização
Descrição original:
O artigo aborda alguns dos principais aspectos da concepção
winnicottiana sobre a agressividade e a destrutividade humanas,
à luz da teoria do amadurecimento
1) O documento resume um livro de Adam Phillips sobre a obra do psicanalista Donald W. Winnicott, destacando como Phillips vê Winnicott como propondo mudanças profundas na teoria e método psicanalítico.
2) Phillips aponta como Winnicott desenvolveu uma teoria do desenvolvimento diferente de Freud e Klein, com ênfase no papel da mãe e da ilusão na infância.
3) Apesar de reconhecer a originalidade de Winnicott, Phillips também aponta limitações em sua linguagem e falta de sistematização
1) O documento resume um livro de Adam Phillips sobre a obra do psicanalista Donald W. Winnicott, destacando como Phillips vê Winnicott como propondo mudanças profundas na teoria e método psicanalítico.
2) Phillips aponta como Winnicott desenvolveu uma teoria do desenvolvimento diferente de Freud e Klein, com ênfase no papel da mãe e da ilusão na infância.
3) Apesar de reconhecer a originalidade de Winnicott, Phillips também aponta limitações em sua linguagem e falta de sistematização
Aparecida, Idias & Letras. ISSN 85-98239-76-3 LEOPOLDO FULGENCIO Programa de Ps-Graduao em Psicologia da PUC-Campinas E-mail: ful@that.com.br
O livro de Adam Phillips, publicado pela primeira vez, em ingls, em
1988 e s agora, em 2006, disponvel em portugus, uma das primeiras obras a fazer um estudo sistemtico das propostas de Donald W. Winnicott. Ele considera que Winnicott fez transformaes profundas na teoria e no mtodo de tratamento psicanaltico. Nos ltimos 30 anos Winnicott tem sido estudado e cada vez mais reconhecido como um dos grandes psicanalistas ps-Freud. Alguns autores tais como Davis & Wallbridge, Clancier e Kalmanovitch, Geets, Pontalis, Green , apesar de reconhecerem a originalidade de Winnicott, no o tomam
como propondo uma nova teoria ou
novo fundamento para psicanlise, enquanto que outros, especialmente Loparic e Dias, consideram que ele fez uma revoluo paradigmtica (no sentido que Thomas Kuhn d a esta expresso) na psicanlise. A leitura do livro de Phillips contribui para esta discusso, sendo um texto enriquecedor tanto para a compreenso de aspectos mais sutis da teoria quanto para a avaliao do lugar a ser dado a Winnicott na histria do desenvolvimento da psicanlise. Phillips percorre toda a obra de Winnicott colocando em evidncia uma srie de temas propriamente winnicottianos, bem como explicitando diferenas significativas em relao obras de Freud e Klein. Nesta resenha no me ocuparei de retomar a diversidade dos comentrios de Phillips sobre estes temas propriamente winnicottianos ainda que seja possvel orientar o leitor para encontrar pontos especficos, tais como a importncia da me na constituio do self-verdadeiro
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(p. 186), a relao entre a submisso e
o falso-self (p. 189), a questo da originalidade e da criatividade (p. 189), o verdadeiro e o falso-self (p. 191), o problema da comunicao e da nocomunicao (p. 203), a recusa do conceito de pulso de morte (p. 152) etc. , mas focarei meus comentrios na questo das continuidades e rupturas que Phillips comenta ao comparar a posio de Winnicott com a de Freud e de Klein. Para isto, abordarei trs pontos especficos, comentados por Phillips: 1. o reconhecimento de que Winnicott apresenta modificaes profundas na teoria psicanaltica; 2. a avaliao da linguagem utilizada por Winnicott como sendo, por vezes, obscura, ainda que de grande criatividade; e 3. a considerao de que faltaria uma organizao sistemtica harmnica nas propostas tericas de Winnicott. Ao final da resenha, me ocuparei, ainda, de fazer alguns comentrios crticos relativos s opes de traduo dos termos instinct e ruthless. Phillips considera que Winnicott tem uma teoria do desenvolvimento diferente da de Freud e da de Klein, apresentando uma perspectiva prpria. Na pgina 143, temos: durante os anos 1940 Winnicott havia elaborado uma teoria do desenvolvimento poderosamente antagnica quela de Freud e de Klein, ao mesmo tempo includo os pedaos das obras dos mesmos que
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ele considerava teis; e nas pginas
182-3, temos: Em trs importantes artigos que podem ser lidos proveitosamente como uma srie O papel de espelho da me e da famlia no desenvolvimento infantil (1967), O uso do objeto e suas relaes atravs de identificaes (1969), e Distoro do Ego em termos de Verdadeiro e Falso Self, (1960) , Winnicott oferece as consideraes finais de sua teoria do desenvolvimento. Ainda que ele no chegue a caracterizar, como fazem alguns autores atuais, a teoria do amadurecimento pessoal proposta por Winnicott como uma teoria que mais ampla que a teoria do desenvolvimento da sexualidade (cf. Dias e Loparic), ele reconhece que Winnicott se afastou das teorias clssicas, oferecendo um novo paradigma para a psicanlise: Winnicott fez derivar tudo, em sua obra, inclusive uma teoria das origens da objetividade cientfica e uma reviso da psicanlise, do seu paradigma da relao me-beb (2006 [1988], p. 5). A avaliao da obra de Winnicott como sendo um novo paradigma para a psicanlise tambm foi defendida por Greenberg & Mitchell (Relaes objetais na teoria psicanaltica, de 1983) e por Zeljko Loparic (Esboo do paradigma winnicottiano, de 2001; De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudana paradigmtica, de 2006), ainda que
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em sentidos pouco diferentes. Eu
mesmo (Paradigmas na histria da psicanlise, 2007), dedicando-me a analisar como o termo paradigma tem sido utilizado na compreenso do desenvolvimento da psicanlise, mostrei a diferena entre usar o termo num sentido amplo (como o caso de Phillips) e no seu sentido mais tcnico, com maior ou menor preciso (como o caso de Greenberg & Mitchell e de Loparic). O caso de Phillips interessante de ser explicitado, pois, mesmo no usando o termo no seu sentido mais preciso, ele reconhece diversos pontos que diferenciam, de maneira radical, a psicanlise de Winnicott da de outros autores clssicos. Ao focar, por exemplo, a questo da desiluso, Phillips diz: Onde Freud e Klein haviam enfatizado o papel da desiluso no desenvolvimento humano, no qual crescer seria um processo de luto, para Winnicott haveria um sentido mais primrio em que o desenvolvimento era um processo criativo de colaborao. A desiluso pressupunha ter havido iluso suficiente. Para o beb, no incio, dado um ambiente de sustentao, o desejo era criativo, mais do que simplesmente voraz (p. 149). Phillips reconhece que Winnicott introduziu um perodo inicial no qual o beb vive um perodo de iluso, fruto da adaptao ambiental s necessidades do beb, uma iluso
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de que o mundo como ele necessita,
uma fase que ser a base sobre a qual toda e qualquer desiluso poder ocorrer... o beb no nasce desamparado, mas na sade, iludido de que o mundo que ele precisa aparece como fruto da sua necessidade (ainda que isto s seja possvel com a adaptao do ambiente, adaptao da qual ele no tem a mnima percepo ou idia). No incio, no h desamparo nem inveja, mas adaptao ambiental e iluso. Ele tambm mostrar que no que se refere ao tema da criatividade e da sublimao, h uma mudana profunda proposta por Winnicott: Na obra de Freud, a criatividade seria (acentuadamente adulta) a sublimao da sexualidade infantil, apesar de ele nunca ter fornecido um relato convincente da natureza verdadeira da prpria atividade sublimatria. Para Melanie Klein a criatividade como essencialmente reparadora para ela, arte era compensao seria secundria destrutividade inerente sexualidade infantil como testemunhada pelo prprio beb na posio depressiva. Na nova teoria de Winnicott, a criatividade era primria, pr-sexual e caracterizava o relacionamento naturalmente recproco entre um beb e sua me devotada comum (p. 150). Isto resultar, seguindo a questo da sublimao, numa teoria da cultura, da entrada do homem na cultura e sua
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vida como ser de cultura, totalmente
diferente da de Freud: Enquanto Freud se preocupava com as enredadas possibilidades de satisfao pessoal de cada indivduo, para Winnicott essa satisfao seria apenas parte do panorama mais amplo das possibilidades para autenticidade pessoal do indivduo, o que ele chamar de sentir-se real. Na escrita de Winnicott, a cultura pode facilitar o crescimento, assim como o pode a me; para Freud, o homem dividido e compelido, pelas contradies de seu desejo, na direo de um envolvimento frustrante com os outros. Em Winnicott, o homem s pode encontrar a si mesmo em sua relao com os outros, e na independncia conseguida atravs do reconhecimento da dependncia. Para Freud, em resumo, o homem era o animal ambivalente; para Winnicott, ele seria o animal dependente, para quem o desenvolvimento a nica certeza de sua existncia era a tentativa de se tornar separado sem estar isolado. Anterior sexualidade como o inaceitvel, havia o desamparo. A dependncia era a primeira coisa, antes do bem e do mal (p. 29). Enquanto em Freud o processo de entrada do homem na cultura marcado pela represso da pulso sexual, represso do egosmo, pelo crime horrendo do assassinato do pai e a distribuio da culpa, em Winnicott a entrada do homem na
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cultura um processo de expanso do
espao da brincadeira, lugar que no gerado por sublimao ou desvio da sexualidade, mas pelo encontro de si mesmo naquilo que est ao mesmo tempo dentro e fora de si. neste entre interno e externo que me encontro e encontro o outro, que vivo a iluso de que estamos no mesmo mundo e, por isso, nos comunicamos, partilhamos e podemos viver com os outros. Ressaltei apenas dois pontos para salientar que Phillips pertence aos autores que consideram a obra de Winnicott como um ponto de ruptura e de mudana no desenvolvimento da psicanlise. O leitor encontrar, ao longo da leitura deste livro, diversos outros aspectos que vo nesta mesma direo. Mas Phillips tambm tem suas reservas e crticas em relao a Winnicott, especialmente no que diz respeito sua linguagem e organizao da sua teoria enquanto uma totalidade harmnica. So estes pontos que gostaria de salientar num dilogo com as suas avaliaes. Phillips considera que a linguagem utilizada por Winnicott nem sempre clara, por vezes era mesmo obscura, alm de, por causa da criatividade que caracteriza esta obra, acaba por no apresentar uma elaborao que no nem sistemtica nem precisa. Isto pode ser encontrado em diversas
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passagens. Numa nota da pgina 181,
ele afirma: A falta de clareza conceitual convencional sempre remete a uma perplexidade essencial em sua obra. Noutro momento ele tambm diz: ao mesmo tempo em que Winnicott iniciava distines importantes, ele tambm mudava a terminologia de forma confusa; nas citaes acima, componentes se tornaram impulsos [impulses] e vida instintual [instintual life] mudara para fora vital. Todos estes termos tm implicaes bem diferentes (p. 160). Considero que Winnicott construiu uma linguagem nova, harmnica com seu sistema terico, que deve ser entendida segundo alguns parmetros que no foram considerados por Phillips. O que o prprio Winnicott afirmou sobre sua maneira de teorizar (sua linguagem) cada uma das fases do desenvolvimento: A linguagem de uma parte especfica inadequada para outras (Natureza Humana, p. 52). A opo por linguagens especficas para cada fase no , pois, confuso ou falta de clareza, mas de uma opo metodolgica que procura descrever com a maior preciso possvel as dinmicas dos relacionamentos interhumanos em jogo, considerando-se as maturidades e as capacidades do beb ou da criana em cada um destes momentos e conquistas do amadurecimento. Assim, por exemplo, totalmente inadequado
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dizer que um beb inveja o seio, que
um beb pode experienciar relaes do tipo edpicas, etc. Phillips tambm considera que Winnicott, mesmo tendo apresentado uma teoria sem contradies, no apresentou uma teoria em que todos os seus enunciados se encaixam construindo um sistema harmnico: justo reconhecer tambm que Winnicott tinha as virtudes psicanalticas de seus vcios cientficos: ele no se tornou sistematicamente coerente em detrimento de sua prpria inventividade (p. 147). Esta posio estaria em consonncia com a sua avaliao sobre a linguagem utilizada por Winnicott. Aqui caberia uma discusso sobre a existncia ou no de uma teoria sistematicamente organizada em Winnicott. Alguns autores (em especial o grupo fundado por Dias e Loparic, constituindo a Escola Winnicottiana de So Paulo, cf. www.sociedadewinnicott.com.br, e, mais recentemente, em 2008, Jan Abram, Donald Woods Winnicott (1896-1971): A Brief Introduction, IJP 89) tm se dedicado a mostrar esta sistematicidade, e talvez a esteja um ponto de divergncia entre a avaliao que Phillips faz da importncia e do lugar da obra de Winnicott na histria da psicanlise, e a que estes autores tm proposto. Por outro lado h outros intrpretes da obra de Winnicott que
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o colocam na continuidade, sem rupturas, com a obra de Freud e de Klein
(Joseph Aguayo, Christopher Reeves, dentre outros). No creio ser o caso de desenvolver aqui esta discusso, quero apenas apontar para esta questo, indicando aos leitores um problema importante a ser considerado na leitura de Phillips e de outros comentadores importantes da obra de Winnicott. Ao final desta resenha quero, ainda, fazer uma observao relativa ao trabalho da traduo e da reviso tcnica e da apresentao do livro de Phillips. O revisor tcnico considera que a sombra de Melanie Klein paira sobre a originalidade e independncia de Winnicott Winnicott, j maduro, kleiniano, livre pensador e autnomo criador de si mesmo (p. 10) , avaliando que Winnicott permanece neste terreno, a ponto de dizer que sua obra pode ser considerada como uma variao dos temas kleinianos Winnicott variou os temas kleinianos de modo a simultaneamente se inscrever neles e se diferenciar (p. 13). Este vis levou, creio, a erros de traduo que prejudicam profundamente a leitura do livro de Phillips. Optou-se por traduzir ou reiterar a traduo de instinct e impulse, nos seus mais variados usos, por pulso; cito alguns exemplos dentre as inmeras passagens: instinctual life por vida pulsional sexual (p. xx, no original; p. 22,
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na traduo); instinctual experiences por
experincias pulsionais (p. 79-80; p. 121); instinctual elements e instinctual conflict por elementos pulsionais e conflito pulsional (p. 102 e pp. 149150); The life-force, as expressed by the impulse gesture por A fora-vital, como expressa pelo gesto pulsional (p. 111; p. 162). Ele tambm traduziu ruthless por cruel, tambm nas suas diversas aparies no texto de Phillips e de Winnicott citado por Phillips, das quais cito como exemplo os seguintes casos: To use the mother ruthlessly por usar a me cruelmente (p. xx; p. 25); ruthless love por cruel amor (p. 70; p. 109); idea of the ruthless early relationship to the mother por idia da cruel relao inicial com a me (p. 87; p. 130). Estas escolhas so posies histrica e conceitualmente insustentveis, que adulteram o texto original de tal forma que, caso houvesse esta possibilidade, uma substituio dos termos pulso e cruel por instinto e incompadecido, deveria ser realizada em todos os exemplares. No se trata aqui de uma questo de gosto pessoal, mas de uma avaliao conceitual. Winnicott recusou teses fundamentais do pensamento kleiniano, tais como, a ttulo de exemplos: o dipo precoce no posso ver nenhum valor na utilizao do termo Complexo de dipo quando um ou
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mais de um dos trs que formam o
tringulo um objeto parcial (1988, p. 67); a teoria da posio esquizoparanide que considero uma de suas teorias menos bem elaboradas, mas, de qualquer modo, o seu termo regresso perseguio no fez sentido algum para a maioria das pessoas que a escutavam (carta a Esther Bick); e a teoria da inveja inata a inveja em um beb s pode fazer parte de um estado de coisas muito complexo, no qual h uma representao aterradora do objeto (Melanie Klein: sobre o seu conceito de inveja, p. 340), o que s poderia ocorrer depois de um amadurecimento, dado que no incio o beb no teria tais capacidades. Ainda que Winnicott reconhea o passo importante dado por Klein ao propor a posio depressiva, ele a redescrever como sendo a fase do concernimento, no aceitando a perspectiva patolgica para a qual aponta o termo kleiniano (como escreveu Phillips: Winnicott renomeia de estgio da preocupao; algo que soava ameaadoramente como uma sndrone psiquitrica se torna um sentimento mais comumente reconhecvel, p. 156). No texto em que Winnicott faz um balano das contribuies de Melanie Klein para a psicanlise (Enfoque pessoal da contribuio kleiniana, de 1962), ele reconhece que ela fez contribuies importantes explicitando o que ele
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acha vlido e o que no acha, marcando diferenas significativas entre
eles. Como contribuies vlidas, ele cita, dentre outras: o uso da tcnica ortodoxa estrita na psicanlise de crianas facilitada pelo uso de pequenos brinquedos nos estgios iniciais, compreenso das foras ou objetos internos benignas e persecutrias e sua origem em experincias instintivas satisfatrias ou insatisfatrias, importncia da projeo e da introjeo como mecanismos mentais, a posio depressiva (comparvel descoberta do complexo de dipo por Freud (cf. p. 162)); como propostas duvidosas, que na verdade ele considera inaceitveis, ele cita: a manuteno do uso da teoria do instinto de vida e instinto de morte, e a tentativa de considerar a destrutividade do lactente em termos de hereditariedade e de inveja (cf. p. 162). Nas suas cartas, reunidas no livro O gesto espontneo, Winnicott insistiu sobre o carter no cientfico e ideolgico, por vezes at mesmo religioso, que o desenvolvimento da teoria psicanaltica estava sofrendo com a afirmao dogmtica das posies kleinianas. Em termos da prpria histria da psicanlise na Inglaterra, Winnicott tambm no foi adepto nem do grupo de Anna Freud nem do de Melanie Klein, sendo inclusive afastado das atividades didticas da
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Sociedade Britnica de Psicanlise
(SBP). Afirm-lo como Kleiniano, sendo que ele mesmo e a prpria SBP no o tomaram como tal, no parece convir com os fatos, sejam histricos sejam conceituais. A questo da traduo do termo ruthless tambm serve para mostrar a diferena que separa radicalmente Winnicott de Klein. Para Melanie Klein, o beb, desde sua fase mais primitiva j pode relacionar-se de uma maneira cruel com a me, podendo invejar a me (ou melhor, o seio, dado que no se trata neste momento da me como uma pessoa inteira, mas um objeto parcial), am-la e atac-la. No entanto, para Winnicott, o beb no tem maturidade para realizar estas aes psquicas, as quais exigiriam reconhecer um objeto fora de si (logo, uma noo de interno e externo), um objeto que tem qualidades que ela no tem, que ela tem a inteno de destruir porque o objeto se comportou mal em relao a ela, que sua inteno destrutiva reparadora do seu mal-estar, etc. No incio, o beb, para Winnicott, de tal forma imaturo, que no h, ainda, um eu (ainda que rudimentar) a partir do qual os relacionamentos podem ocorrer; o beb age (apoiado e sustentado pelo ambiente) como se o mundo que ele encontra (a me, o seio, etc., quando isto ocorre de modo satisfatrio) surgissem como resultado
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natural de suas necessidades, ele age
como se no houvesse nada externo a ele, ainda que do ponto de vista do observador, vejamos uma me e um beb. Ao dizer que o beb ruthlessly Winnicott est afirmando que o beb age sem se preocupar com a me, enquanto um objeto externo, age incompadecidamente. Para afirmar que o beb cruel com a me, seria necessrio reconhecer a me (mesmo como objeto parcial) como algo fora dele que alvo de uma ao destrutiva especfica. O beb no cruel com a me e Winnicott no considera que seja. A traduo de ruthless por crueldade , pois, um erro conceitual e no apenas uma opo verncula. Este mesmo tipo de erro j ocorreu quando da traduo do livro de Jan Abram, A linguagem de Winnicott, tambm sobre a traduo de ruthless por cruel, algo que foi criticado por Abram e comentado tambm como inadequado por David Bogomoletz, ao fazer a resenha do livro de Abram (Revista Natureza Humana, vol. 3, n. 1, 2001). Outro termo, instinct que na traduo da obra de Winnicott para o francs opta por pulsion e nas tradues para o portugus oscila entre pulso e instinto diz respeito a uma discusso conceitual relativa presena ou ausncia de conceitos metapsicolgicos (do tipo que caracteriza a metapsicologia freudiana) na obra
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Adam Phillips 2006: Winnicott
de Winnicott. No necessrio aqui
retomar a totalidade desta discusso e de suas referncias, mas teria sido obrigao do revisor referir-se a este cenrio para justificar sua escolha de traduo. Neste ponto a pergunta central saber se, quando Winnicott usa instinct em sua obra, o faz no mesmo sentido que Freud quando usa o termo Trieb (traduzido nas SE, por Strachey, por instinct). Para Freud as pulses so idias abstratas (1915c: as pulses e suas vicissitudes), um conceito que tem a natureza de uma conveno (idem), um conceito obscuro que tem a caracterstica de ser um tipo de mitologia da psicanlise (Freud 1933a: Novas lies introdutrias psicanlise, Lio 30; e Freud 1933b: Sobre a guerra). Mas para Winnicott, os instintos no so convenes nem mitos, mas poderosas foras biolgicas que vm e voltam na vida do beb ou da criana, e que exigem ao (1988: Natureza Humana, p. 57). Talvez fosse
possvel dizer que Winnicott utiliza o
termo consagrado na traduo de Strachey, mas que ele, na verdade, tem em mente o conceito cunhado por Freud. Isto no defensvel, como fica evidente na definio freudiana de pulso e na winnicottiana de instinto. Mas, mesmo que assim fosse e que houvesse uma ponderao argumentando que este tema precisa ser melhor discutido, ento, seria necessrio suspender o juzo e no decidir de antemo, como foi feito na verso final do livro em portugus, corrigindo tanto Phillips quanto Winnicott, fazendo-os usar o termo pulso, quando sempre encontramos o termo instinto em seus textos. Feitas estas observaes, podemos retornar ao excelente livro de Phillips, que contribui de forma rica e estimulante para a compreenso da obra de Donald Winnicott. um clssico da literatura secundria e uma leitura necessria.