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O SEU PRIMEIRO
ARGUMENTO DE CINEMA
EM TRINTA DIAS
João Nunes
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outro ebook gratuito:
A reescrita do
argumento em dez
passos
“Uma das coisas mais importantes
acerca de escrever o primeiro argumento
é o fato de realmente termos terminado
um argumento. Ter feito isso é uma etapa muito
importante — mesmo que ele seja uma porcaria.
Dá-nos uma certa confiança para seguir em frente
e fazê-lo outra vez.”
Charlie Kaufman
2
É possível escrever um guião em 30 dias? 4 As primeiras dez páginas 42
O conteúdo deste livro 6 Você não está a escrever um guião; está a escrever um
filme. 46
PRIMEIRA PARTE: O PLANO DE TRABALHOS 7
Conflito, conflito, conflito... 49
O plano de trabalhos 8
Surpresas, surpresas, surpresas… 52
1º Passo: Brainstorming 9
Escolhas, escolhas, escolhas… 54
2º Passo:Análise das ideias 10
Como escrever uma boa cena 56
3º Passo: Preparação 11
Elipses e ritmo narrativo. 59
4º Passo: Escaleta 15
Como gerir a informação? 62
5º Passo: Escrita 16
Como escrever os Cabeçalhos? 65
6ºPasso: Reescrita 17
Como escrever as Descrições? 69
SEGUNDA PARTE: AS DICAS DE ESCRITA 18
Como escrever os Diálogos e Parênteses 72
Como avaliar o potencial da sua ideia 19 Qual é o uso correto das Transições e Planos? 76
O seu protagonista é interessante? 20 A reescrita 79
Quais as consequências do fracasso do seu ANEXOS 82
protagonista? 22
Não vou mentir: terminar um guião de 100 páginas em trinta dias não é a coisa mais
fácil do mundo. Mas também não é impossível.
A prova de que isso pode ser feito foi o FrenesiDeEscrita 2013. Num artigo que
escrevi em Abril de 2013, lancei um desafio aos leitores do blogue:
São dezoito guiões que não existiam antes neste mundo. E dezoito leitores que, a
partir de agora, podem considerar-se guionistas.
Não menos importante: os restantes autores, mesmo não tendo terminado os seus
guiões dentro dos trinta dias, avançaram substancialmente na sua escrita.
Com certeza irão completá-los. Se não for num mês, será então em dois ou três - ou
nos que forem necessários.
O importante é que saíram das suas zonas de conforto e deram o primeiro passo
para tornar os seus sonhos em realidade.
Para eles, que já o fizeram, e para si, que vai agora embarcar nesta aventura, os
meus parabéns.
5
O conteúdo deste
livro
No mínimo, acredito que vai despertar a sua curiosidade quanto a esta arte e ofício
da escrita para cinema; idealmente, espero que o inspire a começar a escrever o
seu primeiro argumento cinematográfico.
6
PRIMEIRA PARTE:
O PLANO DE
TRABALHOS
7
O plano de trabalhos
Se já tiver uma ideia e a estrutura básica da estória que quer escrever tudo fica mais
fácil. A meta de escrever um guião em 30 dias representa pouco mais de 3 páginas
por dia. Uma boa hora de trabalho permite-lhe alcançar esse objetivo diário.
Se ainda não tem a ideia ou a estrutura, só tem de esforçar-se um pouco mais. Siga
os passos indicados no plano de trabalhos que descrevo a seguir e garanto-lhe que
chegará ao fim com uma primeira versão de um guião cinematográfico.
Estes números pressupõem que os guiões estão escritos no formato correto, o que
é fácil usando um software adequado, como indicado no anexo II deste livro.
8
1º Passo:
Brainstorming
Um dos exercícios que costumo fazer nas minhas aulas de guião é distribuir jornais
pelos alunos e pedir-lhes para escrever ideias baseadas nas notícias. Nunca faltam
ideias.
9
2º Passo:Análise das
ideias
Essa será a altura de ser crítico e exigente. Analise as suas ideias segundo os
seguintes critérios:
• força do conceito;
• originalidade;
• potencial dramático.
O objetivo é escolher uma e apenas uma ideia — aquela que o vai ocupar durante o
resto do mês.
10
3º Passo: Preparação
Mas vamos ser honestos: é melhor escolher uma ideia que não exija muita
investigação.
11
Cada estória passa por algumas etapas básicas que definem a sua estrutura. Para
não ficar perdido no momento de passar à escrita deve ter uma ideia dos principais
pontos de viragem da estória:
• o que acontece mais ou menos a meio do guião que representa uma viragem ou
escalada importante no conflito;
12
Estes elementos compõe o que se costuma designar por “paradigma” da estrutura
em três atos.
Este paradigma foi introduzido por Syd Field no seu livro Screenplay - The
Foundations of Screenwriting, cuja leitura é recomendada a todos os guionistas.
13
Escreva cada um destes momentos num post-it, cole-o na parede e terá a estrutura
essencial do seu guião já definida.
14
4º Passo: Escaleta
Para um guião de cinema de 100 páginas, como o que tem de escrever, deverá
definir cerca de 40 eventos.
Se quiser refrescar os conceitos básicos leia os artigos 20, 21, 22e 23 do meu curso
de guião online.
15
5º Passo: Escrita
Se seguiu este plano de trabalhos até ao momento tem 18 dias para terminar o seu
guião. Isso significa que terá de escrever pouco mais de 5 páginas por dia.
Escrever cinco páginas não é nada que não se consiga fazer em duas horas de
escrita intensa. O segredo é apenas um: sentar-se em frente do seu computador e
meter mãos à obra.
E não venha com desculpas de que não tem tempo para escrever. Se o guião for a
sua prioridade o tempo aparecerá.
16
6ºPasso: Reescrita
É importante esclarecer que o objetivo deste ebook não é ter um final draft perfeito
no fim dos trinta dias; apenas uma primeira versão, com todos os seus defeitos e
limitações. Por muito apressada e cheia de problemas que essa primeira versão
seja, será sempre melhor do que não ter nada.
Para tornar a sua primeira versão numa obra finalizada virá depois toda a fase de
reescrita. Quando chegar a essa etapa pode guiar-se pelo ebook gratuito que
disponibilizo aqui.
Durante o percurso que descrevi atrás pode ir lendo as dicas que deixo a seguir.
17
SEGUNDA PARTE:
AS DICAS DE
ESCRITA
18
Como avaliar o
potencial da sua
ideia
Uma forma de avaliar o potencial dramático do seu filme é fazer uma lista de todos
os obstáculos e empecilhos de que se consegue lembrar.
Se conseguir, sem muita dificuldade, pensar em meia dúzia ou mais, é bom sinal.
Se, pelo contrário, der voltas à cabeça e não se lembrar de mais do que um ou dois
obstáculos, talvez a sua ideia não tenha grande potencial de conflito e, logo, de
drama.
19
O seu protagonista é
interessante?
Um traço único - algo inesperado ou até paradoxal: o polícia que adora cozinhar, o
bandido que escreve sonetos nos tempos livres, a psicóloga que não se consegue
livrar de pesadelos terríveis. Pode ser um traço físico, uma atitude, um hobby, mas
será qualquer coisa que o torna mais memorável.
20
Uma falha - um defeito ou limitação inesperado que poderá ter algum efeito no
decurso da estória. Indiana Jones tem medo de cobras? Vamos lançá-lo num poço
cheio delas.
Um segredo - personagens com segredos, que não revelam tudo à primeira vista,
são mais interessantes de acompanhar. São, também, mais interessantes de
escrever.
O que é que o seu protagonista tem de especial? Escreva meia página sobre isso.
21
Quais as
consequências do
fracasso do seu
protagonista?
Num filme de modelo clássico o protagonista tem um objetivo claro desde muito
cedo, e corre atrás dele durante todo o tempo. O drama nasce dos obstáculos que
surgem no seu caminho.
Mas não basta ter um objetivo. Este tem de ser relevante, e o fracasso tem de ter
consequências sérias para o protagonista e para o mundo em que ele vive.
22
O objetivo de Lincoln não é aprovar a verba para renovação dos jardins da Casa
Branca; é aprovar a legislação que porá fim à escravatura e marcará toda a história
dos Estados Unidos e do mundo.
O objetivo de Juno não é encontrar o par de sapatos perfeito para combinar com o
casaco novo; é encontrar os pais perfeitos para o bebé que traz na barriga.
23
Quem é o seu
antagonista?
Mas quantas vezes não é o antagonista que nós recordamos em primeiro lugar ou,
pelo menos, ao mesmo nível do protagonista. Por vezes até dão o título ao filme:
Terminator, Alien, Tubarão...
Certifique-se de que passa tanto tempo a pensar no seu antagonista como no seu
protagonista.
Qual é o seu objectivo? Porque é que é importante para ele? O que o motiva? Quais
as suas forças e fraquezas? Qual o seu plano, e que lógica há por trás dele? Qual é o
seu passado? Quais os seus sonhos?
24
Certifique-se também de que sabe o que o seu antagonista está a fazer em cada
momento da estória. Ele não pode entrar e sair apenas por sua conveniência. O que
é que ele está a fazer durante o resto do tempo. Não entrou em hibernação, pois
não?
25
Já tem um título para
o seu filme?
Quando for exibido nas salas o filme que está a escrever há de ter um título. O ideal
é que seja você a batizá-lo no guião.
Não é garantido que o nome que você escolher venha a ser adotado por toda a
gente que ainda vai dar parecer sobre o assunto: produtor, realizador, até os
distribuidores, poderão ter outras opiniões. Mas você tem a oportunidade de dar o
primeiro tiro, e muitas vezes é este que cola.
26
Que conclusões podemos tirar daqui:
• a maior parte dos títulos são muito curtos, uma ou duas palavras (Amour, Argo,
Flight, Lincoln, The Sessions, Anna Karenina, No...);
27
Mas é bom que durante todo o mês vá pensando nisso e tomando notas dos títulos
que lhe forem ocorrendo.
28
"Quando me sento para escrever já tenho uma lista de
todas as cenas, o que acontece em cada cena, e quantas
páginas prevejo que cada cena vai ocupar."
Paul Schrader
29
Já tem a sua
escaleta?
Depois, porque um guião tem uma dimensão limitada de mais ou menos 90 a 120
páginas. É muito mais fácil chegar ao fim dentro desses limites tendo feito um plano
de trabalho antes.
30
Para o guionista esse plano de trabalho é a escaleta.
Uma escaleta é uma lista dos principais momentos de uma estória, ou seja, dos
eventos dramáticas que impulsionam a estória para frente ou mudam o seu rumo
bruscamente.
Não é preciso escrever uma linha da escaleta para cada cena, apenas para cada
evento dramático.
Se faz parte dos seus planos escrever uma escaleta comece por definir os principais
eventos dramáticos da sua estória.
Por exemplo:
Com isso já terá oito eventos dramáticos, e um esboço de estrutura para a sua
estória. Agora só falta encher os espaços vazios entre uns e outros.
Para um filme de longa metragem deve contar com cerca de quarenta eventos
dramáticos.
Quantos eventos já identificou na sua estória? Faça a lista e estará perto de ter a sua
escaleta.
32
Qual o Género do seu
filme?
Nos nossos dias a maior parte das obras de ficção, especialmente os filmes,
também encaixam em géneros.
33
Os géneros são importantes porque carregam consigo uma série de convenções
bem estabelecidas que correspondem a certas expectativas das audiências.
34
caso de filmes de sucesso como O Sexto Sentido, Scream ou A Casa na Floresta, e
de um monte de comédias burras, como os Scary Movies e congéneres.
Vê-las e estudá-las com atenção e respeito, não para copiar, mas para ter a certeza
de que não defraudará desnecessariamente as expectativas dos seus espectadores.
35
Qual o Tema do seu
filme?
O que é, então, o Tema de uma estória? Talvez seja mais fácil começar por dizer o
que o Tema não é.
Em primeiro lugar, não é o assunto explícito da estória, a sua temática. O Tema dos
Salteadores da Arca Perdida, a existir um, não é a luta contra os Nazis. O Tema de O
Padrinho não é a luta das famílias da Mafia pelo poder.
Não é, também, a mensagem da estória, embora esteja mais próximo disso. Samuel
Goldwin, um famoso chefe de estúdio americano, gostava de dizer, "Se querem
enviar uma mensagem vão aos Correios". O Tema é mais subtil do que a mensagem
explícita que se possa tirar de um filme.
36
O Tema não tem a mesma importância em todos os tipos de filme. Costuma ter mais
peso em filmes dramáticos, que tocam questões morais e éticas importantes, e
menos relevância nos filmes de aventura e fantasia.
Para muitos autores, o Tema é um conceito moral, ético ou filosófico que o filme
implicitamente discute. Nesse sentido, os Temas dos filmes acima mencionados
talvez fossem a importância do indivíduo, nos Salteadores, e a primazia da lealdade
no Padrinho.
37
Por isso a minha visão do Tema toma esse aspecto em consideração.
Aqui está outro conceito nem sempre bem entendido: o Tom de um filme. No
entanto, é um conceito extremamente importante de compreender.
Por exemplo, há filmes que misturam muito bem drama e comédia, como o Silver
Linnings Playbook. Mas isso fica claro desde os primeiros minutos de exibição, e o
espectador aceita sem problemas essa combinação.
40
Usando dois eixos Leve - Pesado e Realista - Fantasista obtemos quatro
quadrantes nos quais podemos enquadrar praticamente todos os filmes de modelo
clássico.
41
As primeiras dez
páginas
O que incluir?
Uma das regras de escrita de cinema é entrar numa cena o mais tarde possível, e
sair dela o mais cedo que se consiga. Isto também se aplica às estórias; devemos
42
começar a nossa estória o mais perto possível do início da verdadeira ação, do
caudal principal da narrativa.
Há mil maneiras de arrancar com uma estória. Temos apenas de escolher aquela
que é mais relevante e atrativa para a nossa.
Se Frodo Baggins não recebesse um certo anel para guardar, a sua vida continuaria
calma e tranquila, e não haveria O Senhor dos Anéis; se Olive não fosse convocada
para a final do Little Miss Sunshine a sua família continuaria calmamente
disfuncional; se Andy não fosse julgado e condenado pela morte da mulher nunca
44
iria ser um d’Os Condenados de Shawshank; se Juno não descobrisse estar grávida
continuaria a ser apenas mais uma adolescente normal na sua escola.
Linda Seger refere nos seus livros que, por vezes, não é fácil identificar um gatilho (a
que ela chama catalizador) individual.
Conclusão
Apesar de 30 dias ser muito pouco tempo para escrever um guião, certifique-se de
que reserva pelo menos um dia para rever e polir as suas dez páginas iniciais.
45
Você não está a
escrever um guião;
está a escrever um
filme.
O que isso significa é que temos de deixar cair todos os hábitos provenientes da
literatura e privilegiar os que são específicos do meio cinema.
Em primeiro lugar, só podemos escrever num guião aquilo que possa ser mostrado,
por imagem e por som, num filme.
Parece óbvio, mas na realidade não o é. Quantos guiões já eu li em que são escritas
frases como a seguinte:
46
Francisco olha para Sofia e recorda como ela estava linda no dia
em que se conheceram.
Como é que mostramos isto num filme? É impossível, a não ser que nós o tornemos
explícito de outra forma. Por exemplo:
47
Em segundo lugar, devemos sempre privilegiar as soluções visuais e auditivas
específicas da linguagem cinematográfica antes de recorrer a outras. É o famoso
"show, don't tell" - "mostra, não contes".
Por exemplo, podemos ter um personagem a contar a outro como foi difícil
desativar o alarme do banco e entrar no cofre; ou podemos mostrar essa cena de
grande tensão, sem um único diálogo. Qual opção acha que teria mais impacto
numa sala de cinema?
Olhe para o seu guião e faça esta análise: escreveu alguma coisa que não possa ser
mostrada em imagens ou sons? Escreveu alguma coisa que possa ser mostrada
apenas em imagens ou sons?
48
Conflito, conflito,
conflito...
Silêncio.
— E…?
O mesmo personagem tem o mesmo objetivo. Mas, desta vez, tem obstáculos no
caminho. Conflito. Surpresas. Aqui, sim, as coisas aquecem.
Quais são os tipos de conflito que o seu protagonista pode encontrar? Com ele
mesmo? Com um opositor ou uma força antagónica? Com a sua família ou vizinhos?
Com a sociedade? Com espíritos superiores?
Qualquer uma dessas forças - ou todas elas - podem ser antagonistas à altura do
seu protagonista. Certifique-se apenas de que ele as encontra no caminho.
50
“Esqueça todas as regras que o Syd Field, Robert McKee
ou qualquer outro guru da escrita lhe ensinaram. Todas
menos uma: Nunca seja chato”.
David Mamet
51
Surpresas, surpresas,
surpresas…
Como David Mamet diz, a única obrigação do guionista é não ser chato. Ou seja,
manter os espectadores curiosos sobre o que vai acontecer a seguir. Se não houver
surpresas, se tudo for plano e previsível, isso será impossível. Filme sem surpresas
não consegue prender o espectador.
Alfred Hitchcock, nas entrevistas que deu a Truffaut, diz preferir o suspense à
surpresa, como refiro no artigo 17 do curso de guião.
52
De acordo com a sua teoria, é mais eficaz saber que há uma bomba que pode
explodir a qualquer momento, do que vê-la simplesmente explodir.
E no seu guião, que surpresas existem que implicam uma mudança do rumo da
estória? Se não houver nenhuma, onde poderia incluí-las?
53
Escolhas, escolhas,
escolhas…
Para isso, para podermos revelar os seus comportamentos, temos de criar situações
que os obriguem a agir. Mas, melhor ainda, é criar situações em que os obriguemos
a fazer escolhas, pois é através dessas escolhas que mostramos quem eles
realmente são.
Se enviarmos um carro contra ele e a sua mulher, forçamo-lo a escolher entre dois
cursos de acção: desviar-se sozinho, ou salvar a mulher primeiro, com risco da
própria vida.
54
Mas se enviarmos dois carros, um contra a sua mulher e outro contra a sua mãe,
criamos um dilema - uma escolha sem solução ótima.
Crie cenas que obriguem os seus personagens a fazer escolhas. Quanto mais
difíceis forem, mais reveladoras de caráter serão, e o seu guião ganhará com isso.
55
Como escrever uma boa
cena
O guionista John August escreveu em tempos um artigo sobre como escrever uma
cena. Ryan Rivard, um outro guionista, fez um infografismo inspirado nesse artigo
que teve bastante divulgação no Twitter.
Em suma, para escrever um guião cheio de boas cenas, deverá dar estes passos
para cada uma delas:
Pessoalmente, acho que falta um aspeto muito importante: o que muda na estória
com esta cena?
A maior parte dos pontos referidos por John August são óbvios e não exigem
grande explicação, mas chamo a atenção para o 4 e o 5.
Quanto ao ponto 5 - Este é um exercício para fazer sempre, mas para aplicar apenas
de vez em quando.
Não é para usar estas possibilidades loucas em todas as cenas, obviamente. Mas se
em algumas cenas do seu guião introduzir algum elemento completamente
inesperado, vai ganhar vivacidade e energia com isso.
Siga estes passos na escrita das suas cenas (ao fim de algum tempo eles tornam-se
praticamente instintivos) e o seu guião só terá a ganhar.
58
Elipses e ritmo
narrativo.
Uma das principais regras na escrita de uma cena é "entrar tarde, sair cedo". Ou
seja, começar a cena o mais perto possível do seu núcleo dramático e sair dela logo
que a sua razão de ser esteja cumprida.
59
O que é que a definição acima quer então dizer?
Se o nosso protagonista vai visitar a namorada - uma cena possível no seu mundo
ficcional - nós não precisamos de mostrá-lo a pegar na chave do carro, sair de casa,
descer as escadas, atravessar a rua, entrar no carro, ligar o carro, fazer uma
trajetória tipo Google Street View, estacionar o carro, sair do carro, tocar à
campainha, etc, etc. Com o trânsito que há normalmente, teríamos gasto metade do
filme só nessa cena.
Em vez disso, podemos simplesmente passar dele a agarrar na chave do carro para
ele a tocar a campainha. Ou, melhor ainda, cortar simplesmente para o nosso
personagem a fazer um café, já na cozinha da namorada.
60
A elipse é, pois, uma espécie de potenciómetro que nos permite aumentar ou
diminuir o ritmo de uma narrativa, acelerando ou atrasando a passagem de uma
situação para outra.
O ritmo final de um filme será resultado das decisões do realizador e editor do filme
na fase de montagem, manuseando cenas, aparando diálogos, cortando planos.
Mas a definição desse ritmo começará sempre no guião que estamos a escrever.
Que cenas ou momentos do seu guião pode cortar ou prolongar? Como é que isso
afecta o ritmo narrativo da sua estória? Tenha consciência disso e dominará melhor
a experiência dramática dos seus leitores/espectadores.
61
Como gerir a
informação?
Uma das principais tarefas de um guionista é gerir o fluxo de informação que passa
entre os seus personagens e o leitor/espectador.
Os primeiros dois casos ficam bem claros na situação que Hitchcock descrevia na
sua distinção entre surpresa e suspense.
Por exemplo, no 3º ato de A Parte dos Anjos o protagonista explica aos amigos o
seu plano para o clímax do filme. A cena começa com um diálogo normal mas
depois passa a ser mostrada à distância, e deixamos de ouvir as suas palavras.
Outro exemplo: no fim de Juno a protagonista escreve uma mensagem que vai
deixar em casa dos pais adotivos do seu bebé. Nós sabemos que ela a escreveu,
mas não o seu conteúdo.
Em ambos estes casos os personagens passam a ter uma informação de que nós
não dispomos, o que aguça a nossa curiosidade e aumenta a expectativa sobre o
que irá acontecer a seguir.
63
É claro que esta terceira situação só funciona se soubermos que os personagens
têm uma informação que nós desconhecemos. Caso contrário, não se cria efeito de
suspense; quando muito de surpresa, quando ela for revelada.
64
Como escrever os
Cabeçalhos?
Num guião de cinema uma cena é uma unidade dramática definida por um
determinado local e período, sem quebras de tempo.
Se mudarmos de local devemos começar uma nova cena. Se houver uma passagem
de tempo, mesmo que o local se mantenha, também devemos começar uma cena
nova.
deve começar indicando se é uma cena passada num interior ou exterior, INT. ou
EXT.
ou
66
ou
(não tem ponto final depois do INT; não tem lógica um campo de futebol ser
interior; e os números de cena, quando se indicam, não é dessa forma).
ou
(deveria ser toda em maiúsculas; começar com EXT.; e usar um travessão em vez do
segundo ponto e vírgula).
A escrita dos cabeçalhos tem mais algumas subtilezas que pode explorar num
artigo que escrevi no blogue, incluindo o uso de Cabeçalhos Secundários. Mas
90% das situações são resolvidas como indicado.
67
Os softwares de escrita de guião, como o Final Draft, o CeltX ou o Trelby, resolvem
automaticamente a formatação dos Cabeçalhos e restantes elementos.
Processadores de texto como o Word ou o Pages também podem ser usados,
desde que se respeitem as convenções de formato.
68
Como escrever as
Descrições?
Cada nova cena começa com um Cabeçalho, como vimos ontem. O parágrafo
seguinte, separado por uma linha vazia, deve sempre ser uma DESCRIÇÃO.
Descrição, ou Ação, são os parágrafos do guião onde se descreve o que pode ser
visto ou ouvido no filme (com a exceção dos Diálogos, que têm outro tratamento).
Isto inclui a descrição dos locais onde as cenas decorrem, dos adereços ou veículos,
dos personagens, incluindo a sua aparência, dos efeitos especiais ou sonoros, etc.
Tudo o que deva ser visto ou ouvido no filme deve ser colocado nas Descrições. Os
americanos têm uma frase para isso; "If it's not on the page, it's not on the stage" - se
não está na página, não está no filme.
69
Algumas notas importantes quanto às Descrições:
• São escritas sempre na terceira pessoa do singular: Pedro olha. O carro despista-
se. O cão ladra.
• Sempre que um personagem é apresentado pela primeira vez num guião, o seu
nome deve ser indicado em maiúsculas. Também é costume dedicar-lhe uma
pequena descrição, tanto mais cuidada quanto mais importante ele for.
71
Como escrever os
Diálogos e Parênteses
Na maior parte dos filmes - mesmo nos mudos - os personagens falam. E, quando
bem utilizados, os Diálogos são um elemento fundamental de um guião.
• Não são óbvios e expositórios. Não estão na cena apenas para cumprir alguma
função ou responder a alguma necessidade.
Em termos formais, para apresentar os diálogos num guião usam-se três elementos:
os Personagens, Diálogos e Parênteses.
73
PEDRO
Queres saber o que me aconteceu
hoje?
RITA
(irónica)
Mal posso esperar…
PEDRO
(pausa)
Queres saber, ou não?
RITA
(para a cozinha)
Paula, trazes-me um cafézinho?
(para Pedro)
Estavas a dizer…?
74
• os Personagens começam a ser escritos a 9,25 cm da margem esquerda e alinham
à esquerda (não são centrados na página);
75
Qual é o uso correto
das Transições e
Planos?
Quando procuramos na net guiões para ler muitas vezes encontramos os chamados
shooting scripts, ou guiões de rodagem.
São versões dos guiões que já foram reescritas de acordo com as indicações dos
realizadores para servir de guia durante a rodagem do filme. Por isso incluem
muitas indicações de câmara e de edição, como planos, movimentos, transições,
etc.
O tipo de guião que você vai escrever é o chamado guião literário. O seu objetivo é
contar a estória do filme de uma forma envolvente, que transporte o leitor para
dentro do universo dramático e o ajude a imaginar o filme.
O tipo de direção que podemos fazer num guião é indireta e subjetiva. Por
exemplo, se escrevermos
78
A reescrita
Talvez não o tenha terminado, e fique desanimado com isso. Mas não é para ficar.
Se não foi em trinta dias, será em 60, ou 90, ou nos que forem necessários. Mas no
fim terá a satisfação de ter transposto para o papel algo que só existia na sua
cabeça.
79
A fase seguinte será a reescrita, e só através dela poderá ter um guião digno de
mostrar a produtores, realizadores, atores e outros leitores.
• Em primeiro lugar, deixe o guião repousar durante algum tempo, para conseguir o
distanciamento necessário. Pode aproveitar esse período para fazer o seu registo.
• Comece depois por rever o seu enredo e estrutura. Procure os pontos fracos, os
erros lógicos, os segmentos desnecessários ou mais aborrecidos, as falhas no
encadeamento das cenas, etc.
• Depois, passe para a análise das cenas individuais, da sua dinâmica interna, dos
conflitos e tensões. Veja como estão escritas as descrições, se são visuais, se só
80
está a descrever o que pode ser visto ou ouvido, se a sua escrita é concreta mas
também evocativa e inspiradora. É nesta fase que deve rever os diálogos,
assegurar-se de que eles são escorreitos e interessantes, e de que cada
personagem tem uma voz própria e distinta.
Estas etapas são descritas com mais detalhe no ebook gratuito Como reescrever o
seu argumento em dez passos que disponibilizo no site.
81
ANEXOS
82
ANEXO 1: Não tenho
tempo para escrever
Uma meta destas pode ser alcançada, sem demasiado esforço, reservando uma ou
duas horas diárias para a escrita.
Mas muitos aspirantes a escritores afirmam ter uma vida demasiado ocupada para
conseguir libertar tanto tempo todos os dias. Para alguns, até 30 minutos de escrita
são impossíveis de encaixar na agenda totalmente preenchida.
83
Mas, como Laura Vanderkam destacou num artigo recente do Wall Street
Journal, em vez de “não tenho tempo”, devemos ter a coragem de dizer
simplesmente “isso não é uma prioridade para mim”.
Se calhar:
• escrever não é uma prioridade, mas ver a nova temporada de Game of Thrones é;
• escrever não é uma prioridade, mas dar uma volta no shopping no intervalo do
almoço é;
84
Mudando as palavras, mudamos a nossa perspetiva sobre o assunto, olhando-o de
uma maneira muito mais honesta: o tempo é igual para todos, as prioridades é que
variam.
Quando escrever for realmente uma prioridade para si, alguma outra coisa deixará
naturalmente de o ser. E o tempo necessário aparecerá — nem que sejam apenas 30
minutos por dia.
85
ANEXO 2: Recursos
úteis
• Software CeltX
• Software Trelby
• Software Fountain
• Ebook de reescrita
86
Sobre o autor
87
TRABALHOS PRODUZIDOS
Cinema
Televisão
88
Liberdade 21 — Série, vários episódios, RTP
Realização
Teatro
Animais de Palco
89
Direitos de consulta
e reprodução
Este documento foi escrito e produzido por João Nunes, e publicado gratuitamente no site
http://joaonunes.com.
Pode ser impresso para uso e consulta particular, mas não pode ser vendido nem integrado em
qualquer outro texto ou publicação.
90
91