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CRIMINILOGIA

CRIMINOLOGIA
Funções:
Prof. Adriano Augusto Placidino Gonçalves - explicar e prevenir o crime e intervir na pessoa do infrator.
- avaliar os diferentes modelos de resposta ao crime.
Graduado pela Faculdade de Direito da Alta Paulista – FA-
DAP. Advogado regularmente inscrito na OAB/SP A Criminologia como Ciência e a Interdisciplinaridade.

Quando nasceu, a criminologia tratava de explicar a origem da


delinquência, utilizando o método das ciências, o esquema causal e
- O CONCEITO, MÉTODO, OBJETO, explicativo, ou seja, buscava a causa do efeito produzido. Pensou-se
SISTEMA E FUNÇÕES DA CRIMINOLOGIA. que erradicando a causa se eliminaria o efeito, como se fosse sufi-
- A CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA E A ciente fechar as maternidades para o controle da natalidade.
INTERDISCIPLINARIDADE. Academicamente a Criminologia começa com a publicação
da obra de Cesare Lombroso chamad “L’Uomo Delinquente”, em
1876. Sua tese principal era a do delinquente nato.
Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado
A criminologia é um conjunto de conhecimentos que se ocupa em Rousseau, a criminologia deveria procurar a causa do delito na
do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle so- sociedade, baseado em Lombroso, para erradicar o delito deverí-
cial do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e amos encontrar a eventual causa no próprio delinquente e não no
da maneira de ressocializá-lo. Etmologicamente o termo deriva do meio. Um extremo que procura as causas de toda criminalidade na
latim crimino (crime) e do grego logos (tratado ou estudo), seria por- sociedade e o outro, organicista, investigava o arquétipo do crimi-
tanto o “estudo do crime”. É uma ciência empírica e interdisciplinar. noso nato (um delinquente com determinados traços morfológicos).
É empírica, pois baseia-se na experiência da observação, nos fatos e Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgâ-
na prática, mais que em opiniões e argumentos. É interdisciplinar e, nicas fracassaram. Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social.
portanto, formada pelo diálogo de uma série de ciências e discipli- Volta a tomar força os estudos de endocrinologia, que associam a
nas, tais como a biologia, a psicopatologia, a sociologia, a política, a agressividade do delinquente à testosterona (hormônio masculino),
antropologia, o direito, a criminalística, a filosofia e outros. os estudos de genética ao tentar identificar no genoma humano um
A Criminologia é uma visão de 360° sobre os seus objetos, não possível “gene da criminalidade”, juntamente com os transtornos da
apenas uma visão de “Ser contra” ou a “Favor” de uma punição, violência urbana, de guerra, da fome, etc.
desenvolvendo linhas de raciocínio e ultrapassando a linha do senso De qualquer forma, a criminologia transita pelas teorias que
buscam analisar o crime, a criminalidade, o criminoso e a vítima.
comum. Trabalha com dados de fatos passados e não é conclusiva,
Passa pela sociologia, pela psicopatologia, psicologia, religião (nos
dando subsídios as ciências penais. casos de crimes satânicos), antropologia, política, enfim, a crimino-
Assim, cabe definir a Criminologia como ciência empírica e in- logia habita o universo da ação humana.
terdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infra- Como em outras ciências, também em criminologia se tem ten-
tor, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que tado eliminar o conceito de “causa”, substituindo-o pela ideia de “fa-
trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a tor”. Isso implica no reconhecimento de não apenas uma causa mas,
gênese, dinâmica e variáveis principais do crime, contemplado este sobretudo, de fatores que possam desencadear o efeito criminoso
como problema individual e como problema social, assim como (fatores biológicos, psíquicos, sociais...). Uma das funções princi-
sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de pais da criminologia é estabelecer uma relação estreita entre três
intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito
ou sistemas de resposta ao delito. penal e a ciência político-criminal.
Esta aproximação ao conceito de Criminologia apresenta, desde Outra atribuição da criminologia é, por exemplo, elaborar uma
logo, algumas das características fundamentais do seu método (em- série de teorias e hipóteses sobre as razões para o aumento de um
pirismo e interdisciplinaridade), antecipando o objeto (análise do determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo
delito, do delinquente, da vítima e do controle social) e suas funções de informação a quem elabora a política criminal, os quais, por sua
(explicar e prevenir o crime e intervir na pessoa do infrator e avaliar vez, idealizarão soluções, proporão leis, etc. Esta última etapa se faz
os diferentes modelos de resposta ao crime). através do direito penal. Posteriormente, outra vez mais o criminólo-
go avaliará o impacto produzido por essa nova lei na criminalidade.
Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato
Objetos:
delituoso. Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime
- Ser Humano e sua imprevisibilidade. e uma tipologia do criminoso, assim como uma classificação do de-
- O Infrator. lito cometido. Essas causas e motivos abrangem desde avaliação do
- As determinantes endógenas e exógenas. entorno prévio ao crime, os antecedentes vivenciais e emocionais do
- A Vítima. delinquente, até a motivação pragmática para o crime.
- O Controle Social. Define-se também, em regra como sendo o estudo do crime e do
criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime
Métodos: e dos criminosos, dentro de um recorte causal, explicativo, infor-
- Empirismo. mado de elementos naturalísticos (psicofísicos). Não é uma ciência
- Interdisciplinaridade (Sociologia, Psicologia, Ciências Exatas, independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da
etc). organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia, se mostra
- Trabalha com fatos sociais e individuais. numa condição de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das
mais velhas ciências’’

Didatismo e Conhecimento 1
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Jovem e livre até da rotulação relativamente recente do respec- delito. No princípio do século XX, a escola neoclássica rejeitava as
tivo vocábulo, um termo híbrido, por Augusto Comte, do latim so- penas fixas e propunha que as sentenças variassem em função das
cius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, uma circunstâncias concretas do delito, como a idade, o nível intelectual
vez que a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada e o estado psicológico do delinquente. A chamada escola italiana
de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no outorgava às medidas preventivas do delito mais importância do
panorama cultural. que às destinadas a reprimi-lo. As tentativas modernas de tratamen-
Não é tarefa fácil para a Criminologia lidar com a delinquência to dos delinquentes devem quase tudo à psiquiatria e aos métodos
constantemente sofisticada, assim como com a violência, que hoje de estudo aplicados a casos concretos. A atitude dos cientistas con-
se banalizou. Para ficar mais a par do itinerário, e dos atalhos, que temporâneos é de que os delinquentes são indivíduos e sua reabili-
conduzem ao delito, sobretudo nos agregados sociais urbanos de tação só poderá ser alcançada através de tratamentos individuais e
densa população, a Criminologia precisa traçar uma tática eficaz. específicos.
A criminologia, não trata unicamente da pessoa humana, porque o Entretanto, há na ciência, Criminologia, já um acervo com que
homem é o agente do ato antissocial, mas sobre este agente exis- se deve contar, para ir em demanda das novas rotas que se nos de-
tem várias causas e muitas ainda desconhecidas, que modificarão o param. E esse acervo já vem sendo colhido em longas décadas de
caráter essencialmente humano ou antropológico do fenômeno. A estudo e de meditação, armazenando largos cabedais que consti-
criminologia é e deve ser considerada de acordo com a maioria dos tuem uma bibliografia inumerável, na qual, ao lado de muito joio,
estudiosos do assunto, uma ciência pré-jurídica, sua matéria de es- excelentes contribuições se podem contar. Todavia, alguns menos
tudos é o homem, o seu viver social, suas ações, toda sua evolução, ansiosos por avançar sempre na procura da solução de múltiplas in-
como espécie e como indivíduo. Para um estudo completo de crimi- cógnitas que ainda nos enfrentam, creem desde logo de assentar a
nologia devemos estudar tanto a filosofia, sociologia, psicologia, e a Criminologia em bases suficientemente estáveis.
ética. Esta última, que vai à base moral da humanidade, daí deve-se O crime apresenta uma transformação, ou ampliação, que de
entender melhor o que é essa Moral; pois o Código Penal apoia-se uma forma aceitavelmente denominada “normal”, se projeta hoje
sobre a moral. para configurações que poderiam ser consideradas “anormais”.
Esta ciência social que estuda a natureza, a extensão e as causas Apenas se deve ponderar que essa atual anormalidade assim se nos
do crime, possui dois objetivos básicos: a determinação de causas, apresenta por não terem podido estar os gabaritos normativos acom-
tanto pessoais como sociais, do comportamento criminoso e o de- panhando sempre as transformações psico-sociais que a época atu-
senvolvimento de princípios válidos para o controle social do de- al oferece, dada à tumultuosa evolução dos sistemas de vida e das
lito. Desde o século XVIII, são formuladas várias teorias científicas colisões sociais. E daí desde logo nos apresenta um dos problemas
para explicar as causas do delito. O médico alemão Franz Joseph básicos da Criminologia: é que ela se desenvolveu a partir do Direito
Gall procurou relacionar a estrutura cerebral com as inclinações cri- Criminal, mas, por assim dizer, disciplinada, ou jungida, às condi-
minosas. No final do século XIX, o criminologista Cesare Lombroso ções penais e, ainda, demarcada, em seus horizontes, por uma finali-
afirmava que os delitos são cometidos por aqueles que nascem com dade que ia mais às situações pós-delituais, e avança preferentemen-
certos traços físicos hereditários reconhecíveis, teoria refutada no te para os aspectos punitivos e, depois, recuperados do delinquente.
começo do século XX por Charles Goring, que fez um estudo com- Desta sorte, há uma Criminologia ainda hoje definida como um
parativo entre delinquentes encarcerados e cidadãos respeitadores ramo subsidiário do Direito Penal, e que serviria mais para a correta
das leis, chegando à conclusão de que não existem os chamados aplicação desse mesmo Direito; visaria ela ilustrá-lo com os conhe-
“tipos criminais” com disposição inata para o crime. Na França, cimentos que se foram adquirindo quanto à pessoa do criminoso, às
Montesquieu procurou relacionar o comportamento criminoso com condições do crime dentro da dinâmica delituosa e da eventual moti-
o ambiente natural e físico. Por outro lado, os estudiosos ligados aos vação do ato antissocial, inclusive pela incorporação da vitimologia
movimentos socialistas têm considerado o delito como um efeito hoje de tanta nomeada nos círculos científicos.
derivado das necessidades da pobreza. Outros teóricos relacionam a Tratar-se-á de uma Criminologia que se poderá denominar de
criminalidade com o estado geral da cultura, sobretudo pelo impacto pragmática e que, na escala do conhecimento, sempre definida como
desencadeado pelas crises econômicas, as guerras, as revoluções e sendo de posição pré-jurídica. A partir dos Códigos, e atendendo ao
o sentimento generalizado de insegurança e desproteção derivados seu espírito, busca essa Criminologia oferecer ao aplicador da Lei
de tais fenômenos. No século XX, destacam-se as teorias elaboradas os meios mais efetivos e esclarecidos para que o cumprimento dos
por psicólogos e psiquiatras, que indicam que cerca de um quarto da dispositivos penais se torne mais cientificamente apoiado e infor-
população reclusa é composta por psicóticos, neuróticos ou pesso- mado.
as instáveis emocionalmente, e outro quarto padece de deficiências Nessa mesma ordem de aplicação científica dos conhecimentos
mentais. A maioria dos especialistas, porém, está mais inclinada a criminológicos se situou o nosso sábio legislador de 1940 quando,
assumir as teorias do fator múltiplo, de que o delito surge como no já citado artigo 42 do Código Penal, ainda vigente, preceituou
consequência de um conjunto de conflitos e influências biológicas, que o Juiz, para aplicar a pena, deverá atender “aos antecedentes e à
psicológicas, culturais, econômicas e políticas. personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos
Ao lado do desenvolvimento das teorias sobre as causas do motivos, às circunstâncias e consequências do crime”.
delito, são estudados vários modelos correcionais. Assim, a antiga Aí estão, pois, as vias da Criminologia pragmática, auxiliar do
teoria teológica e moral entendia o castigo como uma retribuição à Direito, para assessorá-lo, em matéria de sua competência, e visando
sociedade pelo mal cometido. Jeremy Bentham procurou que hou- a personalização do tratamento penal. Como nem sempre se pode
vesse uma relação mais precisa entre castigo e delito e insistia na realizar este exame do delinquente antes do julgamento, momen-
fixação de penas definidas e inflexíveis para cada classe de crime, de to esse que seria idealmente o ótimo pra o levar a efeito, e como
tal forma que a dor da pena superasse apenas um pouco o prazer do é determinado pela Lei, segundo ficou registrado, quando menos

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deve essa análise do criminoso ser posta de triagem suficientemente opunha, ao falar biológico, a gênese social dos delitos. E houve, in-
capaz de apreciar a pluridimensional personalidade do agente an- crivelmente, um dissídio que pretendeu, cada um do seu lado, impor
tissocial. E dessa análise deverá surgir a orientação a seguir no trata- a conclusão de que o fator mesológico, ou o fator biológico, é que
mento, para melhor perspectiva de êxito do mesmo, desde que bem determinava prevalentemente o crime. Só mais tarde, e agora mais
adequado à personalidade do delinquente e às várias opções que se lucidamente, é que veio a prevalecer o princípio de uma globaliza-
ofereçam dentro do sistema penitenciário existente. ção de todos os chamados fatores criminogenéticos que, num caso,
Além desta Criminologia pragmática, ainda e sempre ao lado podem oferecer predomínio da influência mesológica, num outro
do Direito, para servi-lo nas suas indagações sobre a criminogênese caso, podem apontar a biologia como sobressalente, e, em muitos
dos fatos delituosos, poder-se-á colocar a Criminologia especulati- outros, se verificava certa equivalência na atuação de tais fatores.
va, causal da genética, que teria uma posição para-jurídica, cuidan- Mas sempre se reconhecendo, em todos os casos, a presença de am-
do da grande ambição de todos os criminólogos, ou seja, de indagar bos esses fatores, como desde Ferri, já se fazia patente. Daí resultou,
e identificar as causas da criminalidade. até, uma classificação de criminosos, que tem feito sucesso, e que é
É a grande meta que os estudos criminogenéticos têm como absolutamente natural em sua formulação.
alvo e que, se acaso lá pudéssemos aportar, nos levaria, quiçá, um Mesmo quando muito se haja batendo neste caudal das pos-
dia, a poder aplicar, com total sucesso, o velho preceito, que dita: síveis causas do delito, tanto no campo da biologia, quanto no da
“sublata causa tollitur effectus” ideal fagueiro dos estudos crimi- mesologia, ainda devemos confessar que a gênese delitual continua
nológicos, mas que tem sido ainda a miragem fugidia de todas as a oferecer pontos penumbrosos. De onde, as palavras de Roberto
esperanças causal-explicativas do delito. Lyra Filho.
Recorde-se, ainda uma vez, que, inicialmente, houve a fase bio- É que não há fatores específicos para o crime, que o venham a
lógica estrita; a Somatologia criminal, com os seus tipos lombro- ocasionar dentro de um determinismo irreversível - nem do ponto de
sianos, pretendeu fornecer a primeira chave para abrir a incógnita vista endógeno, nem dentro do ângulo exógeno. Essa identificação
criminogenética, chegando-se até à abstração do criminoso nato, de causas específicas, como se fossem sintomas patagnomônicos,
que não chegou a vingar. Recolhidos os contributos desta fase, pros- era a grande ambição do lombrosianismo, para desde logo caracteri-
seguiram as esperanças quando se iniciou a era endocrinológica, de zar os criminosos. Ao início de sua carreira, tinha o sábio de Turim
que nos dá informação assaz completa a monumental obra de Ma- essa visão: “um periodista francês, Laveleye, que o conheceu neste
riano Ruiz-Funes, Mestre espanhol que, na Faculdade de Direito da estágio de sua crítica científica, registrou a seguinte impressão sobre
Universidade de São Paulo, proferiu o curso “Endocrinologia Y cri- o emérito investigador, tocada de laivos de ironia:” Apresentaram-
minalidad”, de 1929, que marcou época pela amplitude e segurança -me esta noite um jovem sábio desconhecido, chamado Lombroso;
de seus conceitos. Esta fase funcional das endocrinias, por vez, deu fala de cenas caracteres pelos quais se poderia reconhecer facilmen-
ensejo à concepção biotipológica, já integrada do tipo humano vi- te o delinquente. Que útil e cômoda descoberta para os juizes de
vente, e que logo se desenvolveu para a Biotipologia criminal. E instrução...
a cada passo, novas esperanças, mas acompanhadas do reconheci- Buscava-se, então, a solução de um problema de conduta huma-
mento de que era mister da Psiquiatria forense, a então recente con- na sem atentar holisticamente para o autor desse tal comportamento.
cepção freudiana, mais euforia dominou o campo da criminogênese Não só a disputa de primazias bio ou mesológicas, como também,
- e a Psicanálise criminal dava a entender que tudo estava resolvido e principalmente, a exclusão do núcleo ético da personalidade, en-
a partir de então. tre os núcleos de geração do ato antissocial, levaram a decepções
O que estava a se verificar era o entusiasmo que cada “pílula no campo da caracterização naturalística das causas do delito. E só
científica”, cada nova fresta entreaberta, parecia anunciar-se como mais moderadamente se volvem as mentes dos criminólogos para
fórmula final para a solução da incógnita criminogenética. Mas, a uma conceituação mais globalizadora da gênese delital, incluindo
cada nova esperança, depois se verificava que nem tudo estava re- todos os elementos com que se deve contar: os chamados fatores cri-
solvido, e que só mais um ângulo, de abertura estreita, no caminho minogenéticos, e também os fundamentos éticos da personalidade,
cada vez mais longo da via causal do delito. E como já foi dito, sobre os quais agem exatamente aqueles fatores. O “cientificismo”
novas pílulas foram se acrescendo, até à diencefalose, criminógena, (expressão com que se busca denominar a falsa posição de uma ci-
até aos conjuntos cromossômicos aberrantes (XYX, XXY etc.), até ência daltônica que não sabe ver senão o seu estreito espectro de
às indagações citoquímicas, enzimáticas, até... aonde puderem ser visada) deve-se curvar à evidência de que, se podemos falar, como
levadas as observações mais agudas de campos cada vez mais miú- dizia Di Túllio e, fatores crimino-impelentes, devemos também
dos e estreitos. reconhecer, por parte daquele núcleo ético, a existência de fatores
Mas desde logo se percebe que a solução bio-criminogenética crimino-repelentes. O ato antissocial só resultará se, à ação dos ditos
é um dédalo em que se tem perdido a ânsia de resolver o problema falares que impelem para o crime, se somar à ação consensual do nú-
apenas por esse lado. E, ademais, desde logo se verificou que só o cleo ético da pessoa sobre a qual eles agem. Daí que é necessário não
exame do “uomo delinquente” não bastava, visto que ele era tam- nos fixarmos somente na Biologia criminal e na Sociologia criminal,
bém produto do meio. E a Sociologia se aplicou também aos estu- olvidando que, em cada pessoa, o que realmente a caracteriza como
dos criminogenéticos, dando origem á Sociologia Criminal, que se ser humano é a existência, ainda e sempre vigente, de um arbítrio.
arrogava, por sua vez, a pretensão de Ter em si a solução sempre tão Não é ele livre na existência do homem, como o é era sua essência:
ambicionada. Já vinha, aliás, de Platão, este pensamento precursor, mas é sempre, em certa medida capaz de enfrentar a ação dos fatores
“atribuindo os crimes à falta de educação dos cidadãos e má organi- criminogenéticos, E porque, às vezes, cede é que se faz mister julgar
zação do Estado”, como lembrava oportunamente Afrânio Peixoto, o homem inteligentemente, a fim de saber até onde e como agiram
em sua “Criminologia”. Com Durkhein, Ferri, Lacassagne, Tarde, os referidos fatores, e até que medida e de maneira o núcleo moral
Turati, Bataglia, Lafargue, Bebel... desenvolveu-se esta escola que consentiu, ou se dobrou, à ação dos ditos fatores.

Didatismo e Conhecimento 3
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O reconhecimento de uma avaliação globalizante das condições Evidentemente, a tripartição da Criminologia em seções, prag-
personalíssimas de cada criminoso, em razão desse conjunto ora re- mática (pré-jurídica), especulativa (para-jurídica) e dialética (me-
ferido, leva a um neo-ecletismo penal. Assim, só será válida a retor- tajurídica), não quererá significar, de forma alguma, que haja uma
nada da gênese criminal se, às causas endo e exógenas, soubermos separação estanque entre esses departamentos; antes, eles se entro-
anexar o núcleo sobre o qual elas agem, ou seja, a essência ética sam e entre si estabelecem uma linha de plena fusão. Apenas, em
da personalidade, sem cuja consideração a criminogênese clássica, graus sucessivos, procura-se ampliar progressivamente o estudo e
ou ortodoxa, cairá na decepção de que nos falava Afrânio Peixoto. o conhecimento da dificílima e ampla ciência que é a Criminologia,
Como entender a ação de fatores criminogenéticos sem os coligar para chegar até a formulação de princípios que solucionem os in-
à pessoa humana, e ao núcleo dessa pessoa no qual, enfim, se de- trincados problemas da vida contemporânea e prevejam as possíveis
libera? rotas a seguir para uma prevenção mais efetiva dos conflitos huma-
Atualmente, tomadas mais humildes, e sábias, por isso, as pre- nos, profilaxia essa que é o alvo supremo das cogitações, e que deve
tensões criminogenéticas naturalísticas, pode-se passar àquele neo- pretender chegar até às próprias estruturas e valores fundamentais, a
-ecletismo penal, em que, como causas, se escalonam as ambientais, fim de advertir quanto à conveniência ou necessidade de se realizar
as bio-psíquicas e as éticas (ou volitivas, em termos de deliberação, as mudanças possíveis e indicadas para se avançar no objetivo de
ou de arbítrio). uma Justiça Social mais efetiva. E só a partir de uma base que con-
sidere realisticamente, mais instruidamente, os fatos fundamentais
Então, só se podendo caracterizar o ratio crime se, aos fatores da vida humana hodierna, com todas as suas especificações mais
endo e exógenos, se associar o fato ético, esta tripeça, bio-psiquis- compreensivas da conduta dos homens, e não ficar só na obsessão de
mo, mesologia e anuência ética, deverá ser considerada como o con- saber como lutar mais efetivamente contra o delito já praticado, em
junto indispensável para se poder falar em delito, em seu sentido termos de penitenciariarismo, supostamente ressocializante. Assim,
mais exato, científico e compreensivo de um complexo pessoal que se fará a macro-criminologia de que nos fala, sábia e oportunamente,
só assim se constitui completamente. usando expressões trazidas das Ciências Econômicas, Roberto Lyra
Filho, indo, então, mais além da micro-criminologia que se atém ao
É desse fato fundamental, mas que se tem mantido sem a devida âmbito de estudo apenas do crime e do criminoso.
conotação consciente de seus elementos constitutivos, que decorre o
neo-ecletismo penal, o qual proclama estas verdades basilares, sem
No que se refere à Criminologia especulativa, sem dúvida al-
as quais a Criminologia nunca alcançará uma formulação mais inte-
guma, necessita-se do seu estudo pormenorizado, fazendo sentir
ligente à adequada das suas postulações.
quantas informações úteis se recolhem na análise pluridimensional
que busca das causas do delito, não só em sentido casuístico, e em
Desde que integremos estas noções, de que, na gênese crimi-
perspectiva globalizadora, em fluxo analítico-sintético, como tam-
nal, devem ser considerados os falares bio e mesológicos, e tam-
bém em sentido de generalização dos conceitos que daí decorreram,
bém o falar ético leva-nos a admitir, todavia, uma separação das
desse conhecimento individualizado, para prudentes considerações
capacidades que podem apreciar e decidir sobre a forma de atuação
e sobre a ordenação dos seus respectivos valores. É que os fatores gerais. Dentro desse estudo, outrossim, é necessário deixar bem pa-
bio-mesológicos, que procuram explicar a gênese criminosa, são de tente que cada delinquente deve ser considerado em seu contorno si-
apreciação criminológica estrita; ao passo que o fator ético, onde se tuacional, de modo a permitir uma avaliação dos fatores que possam
insere a condição que procura justificar a origem do delito, só pode explicar a sua conduta, e daqueles que a possam justificar, ou não.
ser apreciada pela capacidade do Juiz. Daí, surge aquela distinção Ou seja, sopesar ambos os campos em que se desenvolve a atuação
do Prof. López-Rey Y Arrojo, ao recordar que se deve distinguir humana, o daquele que sofre a ação dos fatores bio-psicológicos e
precisamente entre o que tende a explicar, daquilo que pode justi- sociais, e o daquele em que se manifesta o fator deliberativo, em ra-
ficar uma conduta antissocial. Se escusável, ou não, só o Juiz pode zão do arbítrio, à luz da ética exigível dentro do “mínimo de moral”
decidir, mas, para tanto, deverá ele atender às causas aferíveis que que se espera para a conduta humana.
podem explicar porque a deliberação humana tenha sido mais ou
menos comprometida pela influência dos fatores criminogenéticos Por fim, no que se projeta dentro do campo imenso e intensa-
endo e exógenos; e até que o ponto ético teria sido consensual com mente sedutor da Criminologia dialética, há que ensejar um amplo
a prática criminosa. debate em busca, ansiosa e plena de inquietude interrogativa, do
quanto se possa vislumbrar dentro da avaliação epistemológica do
Por isso, e para isso mesmo, deve ser considerada também, ao que, em verdade, possa continuar a ser admitido e respeitado, e do
lado da Criminologia pragmática (pré-jurídica) e da Criminologia quanto se deva ciente e conscientemente entender objeto de modifi-
especulativa (para-jurídica), uma Criminologia crítica ou, melhor, cação, de reformulação.
dialética, ao estilo do que o propõe Roberto Lyra Filho, a cuja po-
sição seria de colocação metajurídica. Esta Criminologia dialética É evidente que, por sua mesma posição de ciência auxiliar do
deve propor a si mesma um estudo das mutações do conceito so- Direito, a Criminologia só poderá ir ao ponto de oferecer a sua co-
cial da vida humana. Se voltarmos ao início destas considerações, laboração, sem pretender dogmatizar, o que seja uma atitude, aliás,
e nos recordarmos de que há uma criminalidade nova, devemos contrária ao espírito íntimo dessa disciplina especulativa e de in-
consequentemente ter a decisão de rever os valores sociais, éticos vestigação científica. Mas, se for válida esta atitude, estudar mais
e jurídicos, em face da sociedade tecnocrática em que ingressamos, afincadamente esta Ciência Criminológica, para poder oferecer uma
para buscar as formas adequadas para uma reformulação, inclusive cooperação cada vez mais instruída e idônea, e sacar dela prestimo-
estrutural, das condições anuais da vida humana. sas conclusões.

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Recorde-se que a referida definição assim soa: pena é “o trata- e permanência. Sem essa unidade de ordem, a vida seria insuportá-
mento compulsório ressocializante, personalizado e indeterminado”. vel e o caos social só seria de esperar. E aquilo que se poderia enten-
der como liberdade individual, sempre tão ardorosamente defendi-
Retira-se dessa definição um conceito acolhedor da mais atu- da, até além dos seus convenientes limites, desapareceria, envolvida
alizada doutrina neo-eclética, iniciando-se por caracterizar a pena a pessoa no turbilhão em que não poderia sequer sobreviver. Daí que
como tratamento. A introdução dessa expressão, hoje de livre curso a unidade de ordem é indispensável à própria liberdade, garantindo-
para os próprios jus-penalistas, desde logo dá a demonstração de -a, ainda que disciplinando-a.
como a influência médico-psicológica foi levada avante e com plena Disciplinado, em que sentido? No de união, conjugação, coo-
aceitação, em certos aspectos, pelos cultores do Direito. Nos nossos peração de esforços e de sacrifícios para o bem comum. Sem esse
dias, já não causa espécie o emprego dessa palavra, que traz em seu princípio, a liberdade seria licenciosidade, a pessoa passando a ser
bojo um conteúdo de índole médica, antropológica, clínica. uma vítima da solidão que essa própria liberdade então imporia, pois
Fala-se, pois, em tratamento como um processo a que deve ser que viver em sociedade é, essencialmente, conviver (com equivale a
submetido o criminoso e que visa corrigir os defeitos, que possa junto, e conviver significa viver junto).
haver apresentado em sua personalidade. É claro que o termo até Essa disciplina social precisa ser ensinada e reestruturada em
ultrapassa, de muito, o que em si mesmo quereria traduzir, desde que cada criminoso. O seu crime nada mais é do que um ato, afinal,
esse tratamento às vezes em nada será médico, podendo ser apenas de indisciplina. É mister que o ensino do respeito e da integração
pedagógico, ou social. E sempre deverá admitir parâmetros jurídico- dessa disciplina social seja ministrado subjetiva e objetivamente ao
-penais sob os quais ainda e sempre deve permanecer a aplicação delinquente. E até com um cuidado muito zeloso, eis que o crimi-
da Justiça, segundo o venho defendendo dentro do neo-ecletismo noso, ao deixar a prisão, certamente vai encontrar uma sociedade
penal. diversa daquela que ele deixou ao iniciar o cumprimento da pena, e
Assim, tratamento será a pena, dentro do amplo conceito ora isso devido ao vertiginoso desenvolvimento da era presente. Desta
expendido, em que entra a atividade médica propriamente dita, mas forma, acompanhando esse desenvolvimento, é indispensável que o
em que, ao lado dela, entra também a pedagogia, o cultivo de uma regime penitenciário coloque com o devido cuidado e com a neces-
profissão e que a pessoa humana tem de considerar, como “animal sária sapiência um sistema disciplinar que prepare o delinquente a
gregário” que é, e que lhe impõe o estabelecimento dessa Inter-rela- compreender que, sem aquelas limitações indispensáveis para a ma-
ção. E isso deve assim ocorrer para que o ser humano, no conjunto nutenção desse regime de convivência, sem essa obrigatória disci-
complexo da sua personalidade, seja deveras tratado lá onde o exigir plina, ao voltar ao convívio social, este lhe imporá, como resultante
a frincha que permitiu a maior influência crimino-impelente, seja da sua própria essência, aquelas e até novas limitações.
essa debilidade de ordem somático, fisiológico ou cultural, além de Esse regime disciplinar começa por impor ao criminoso um
ética. tratamento compulsório, isto é, um regime que não é adotado es-
A prática tem demonstrado que a “prisão não cura, corrompe”, pontaneamente, mas que se é obrigado a aceitar e a seguir. Haverá aí
segundo a frase feita que já corre mundo. Mas se a prisão ainda as- um certo ressabio aflitivo, e até retribuitivo. Mas não há mal algum
sim se apresenta, é apenas porque ela não se deixou embeber do seu em que se mantenha, na dose adequada, esse caráter também, desde
legítimo sentido e da sua verdadeira meta. que, enfim, o criminoso é submetido a esse tratamento a partir de
Para que a distorção do tratamento não venha a ocorrer na pri- um ato antissocial que praticou, em que foram feridos interesses,
são, levando-a para a perversão moral, é que tanto se está lutando valores, normas, de importância para a manutenção da comunidade.
no campo da doutrina para iluminar uma prática mais sadia. E o que E até hoje existe uma corrente que tende para uma revisão do ex-
aqui se vem dizendo, quanto ao tratamento, visa exatamente uma cesso de liberalidade em termos de regime penitenciário, com uma
prisão que não corrompa, que não destrua mais o que deve recons- também excessiva preocupação com o welfare of the offender, como
truir. E este último alvo é, sem dúvida, possível, para os legítimos se só o bem-estar do delinquente importasse e fosse o motivo e a
penalistas, cônscios, em verdade, da ciência a que servem. razão de ser dos sistemas penitenciários. Esta preocupação mereceu
E enfim, fale-se em tratamento, sempre como alvo que se suce- um justo reparo por parte do Prof.López-Rey Y Arrojo, que não dei-
de ao conhecimento da personalidade e ao reconhecimento das suas xou de criticar esse erro em colocar tanta ênfase naquilo que deve
possíveis falhas, deficiências ou defeitos. ser apenas um dos aspectos a considerar no regime prisional, mas
Ainda dentro desse tratamento, deve-se considerar o seu papel não o principal, nem o essencial. E que não pode fazer descuidar o
disciplinador, ou seja, criar ou desenvolver no delinquente a neces- que é primordial, que será sempre a recomposição de uma perso-
sidade basilar de integrar, em sua maneira de ser, uma estrutura dis- nalidade, inclusive pela compreensão que ela deva integrar quanto
ciplinatória de todas as suas vivências, tomando-as sintônicas com a ao erro cometido, pelo qual deve responder moralmente também. E
convivência, obrigatória, a que somos levados pela própria natureza então, neste neo-ecletismo penal que deve prevalecer nas modernas
da nossa vida social. perspectivas da Criminologia, não se pode descartar uma retomada
Disciplina, outrossim, não quer significar despersonalização, de posição quanto a estas implicações éticas do tratamento peniten-
amolgamento da vontade, submissão passiva a outrem, e coisas des- ciário, no qual se deve menosprezar o campo moral do problema, em
se tipo. Com disciplina quer-se significar a conjugação daquilo que termos de tratamento.
somos, em todos os nossos atributos e prerrogativas, com a neces- Há aqui toda uma infinita problemática penitenciária, que de-
sidade da convivência, que sempre impõe necessárias limitações e penderá das possibilidades efetivas de cada país e região; mas sem-
normas. O que define uma sociedade é justamente uma unidade de pre se devendo manter uma certa segurança e atenção para com o
ordem, que põe sentido, pragmatismo e possibilidade de sobrevivên- tipo especial de população com que se vai lidar, sem nos deixar se-
cia, de todo um grupo, mas que não pode abolir necessariamente a duzir por facilitações generosas, mas imprudentes, e sem deixarmos
personalidade de cada um, antes até lhe dá condições de preservação de considerar que, no início de tudo, sempre se parte de uma ação

Didatismo e Conhecimento 5
CRIMINOLOGIA
antissocial praticada, cuja responsabilidade moral cabe a, quem a Mas não se deixe de dizer que, feita a triagem de acordo com as
efetivou, sem escusa bastante para ela, como o julgamento o deve várias possibilidades que se ofereçam á administração penitenciária,
haver definido. Nunca os regimes penitenciários devem assumir li- e enviados os criminosos para os vários tipos de estabelecimentos
beralidades excessivas, e até às vezes anunciadas quase com exces- mais adequados às suas características pessoais, em cada um desses
so, que toca as raias de uma espécie de propaganda. Recentemente, estabelecimentos poder-se-á, e se deverá, ir mais longe na persona-
o noticiário dos canais de televisão deu conhecimento de suas peni- lização, a partir dos grandes grupos considerados.
tenciárias que se projetam em cidades do Interior de São Paulo, com De um ponto de vista ético, todavia, não deve se afastar esse
tantas vantagens para o welfare of the offender (piscinas, quadras tratamento: deve ele dar ao criminoso, sem que assim ele se sinta
de vários esportes, enxadrismo, cinema, TV, etc.) que o locutor de deprimido, ou deformado, ou mesmo sensibilizado, a noção da ne-
um dos canais, causticamente, comentou: o problema que está sur- cessidade da sua recuperação moral, desde que o ponto de partida da
gindo é o número excessivo de telefonemas para essas cidades, de sua ação agressiva contra a sociedade se reconheceu sempre no ani-
numerosos interessados em saber o que é necessário realizar para se mus que pôs ao serviço da mentalidade criminosa de que se deixou
ingressar e obter vagas nessas instituições. assenhorear o seu espírito. Tudo o mais que se possa fazer do ponto
de vista médico, psicológico, pedagógico em um enfoque holístico,
A justiça, que hoje vê bem e julga melhor, deve cercar-se de
enfim, ressocializante, deve-se apoiar na base de uma sólida, tão só-
serenidade, competência e profundo conhecimento, para saber o que
lida quanto possível, reconstrução ética da sua personalidade. Se não
deve ser feito de melhor, mas sempre com a extrema seriedade, que
houver a mudança da mente (a metanoia, dos gregos), se não houver
a superioridade da sua posição de suprema sabedoria e equanimi-
a sideração da vontade no sentido de se robustecer a âmago anímico
dade deve saber atender e impor. Não é conveniente esse caráter da personalidade, tudo o mais pode entrar em falência, pode a qual-
que, às vezes, assume uma inautêntica ciência penitenciária, de uma quer momento ser, de novo, submetido às forças crímino-impelentes
pieguice falsa e quase consensual com o delito e o delinquente. O e por elas dominado, e a reincidência se manifestar.
tratamento deve visar o reforço da intimidade anímica do criminoso, Portanto, dê-se a ênfase maior na reeducação e no fortalecimen-
robustecendo caracteres, e não alagando os autores de condutas que to do núcleo moral da personalidade; ou seja, daquele núcleo que é o
já foram agressivas para a sociedade, e que se necessita evitar que que define exatamente a natureza humana de que somos participan-
reincidam na cedência da vontade. E, para tanto, use-se a compre- tes. A partir daí, então, dê-se ao tratamento todo o conteúdo de um
ensão, o auxílio, a filantropia, o real interesse em tudo fazer para processo reeducativo, recuperador, ressocializante, indo alcançar
recuperar o criminoso, mas não se desvirtue a rota a seguir por falsas todos os ângulos da personalidade e mirando a volta de delinquente
imagens que se afastem da realidade crua da disciplina social e de ao convívio social, com todas as implicações que daí decorrem, in-
suas correspondentes responsabilidade. O tratamento deveria buscar clusive, e principalmente, a atenção que deva ser dada aos deveres
a reeducação (correção do caminho a seguir). sociais e à integração de uma pessoa na comunidade; o que importa
A personalização da pena foi uma das conquistas mais efetivas era receber logo estímulos vários para agir de maneira agressiva,
do positivismo penal e decorre diretamente da Antropologia Cri- antissocial e criminosa, aos quais é dever resistir.
minal. Foi a demonstração, feita a partir de Lombroso, de que se Ora, uma corrente de penalistas e criminologistas há muito
deve enfocar o criminoso em seus caracteres pessoais, diversos em vem reclamando de situação semelhante para a aplicação das pe-
cada indivíduo, quer do ponto de vista biológico, quer ainda das nas, naquilo que se denomina de pena indeterminada. De fato, um
influências mesológicas que haja recebido, o que levou a tentar um tratamento penal deverá ser aplicado até o momento em que um mí-
tratamento adequado a cada um desses tipos personalizados de cri- nimo de recuperação haja sido obtido, compatível com a volta do
minosos. criminoso ao convívio social. Passar daí, é arriscar-se em perder o
É bem claro que não deve ser permitido exagero nesse campo, que se haja alcançado. A doutrina tem repetido, com carradas de
aliás como em nenhum outro. Não é rigorosamente necessário que razão, que, tanto as penas de curta duração, quanto aquelas de longa
se pormenorize um só tratamento, e exclusivo, para cada um dos duração, são prejudiciais para a pessoa do delinquente. Ora, desde
criminosos. De fato, ainda como para os doentes, a terapêutica dis- logo se deduz que essa duração deverá ser idealmente aquela que
leve o indivíduo a obter aquele ótimo de recuperação, nem antes, e
põe de meios que abrangem grupos humanos com caracteres afins.
nem depois. E, assim, estabelecer-se-ia condições para um melhor
Há grupos que podem receber um tratamento basicamente comum a
resultado final.
todos os seus integrantes. Daí que sempre se cogitou de estabelecer
Dois óbices têm sido levantados contra esse ideal da pena in-
classificações penitenciadas dos criminosos, para ensejar um agru-
determinada: um decorrente ainda de um remanescente espírito re-
pamento de delinquentes de características assimiláveis, para serem tributivo, que deseja para uma espécie de crimes, uma pena mais
enviadas a estabelecimentos de determinado tipo. severa que para outras espécies de delitos; o outro óbice provém de
Na prática, é admissível, porque necessário, que se façam estes uma ideia, a ser corrigida, de que a execução penal passada, das
grupos de tipos afins. Mas não se creia que essa seja a maneira ideal mãos do Juiz, para as mãos do técnico.
de enfrentar e resolver o problema terapêutico penal, desde que, bem Quanto ao primeiro desses argumentos contrários à pena in-
no âmago dos fatos, está o ser humano, único em seu perfil e na sua determinada, deve-se informar que o tipo de delito praticado nem
colocação perante a circunstância ambiental. sempre corresponde à deformação da personalidade ocorrida no cri-
Como, todavia, será impraticável uma distribuição dos delin- minoso; às vezes, sim, desde logo se tem uma noção de gravidade do
quentes indo até uma personalização assim tão exclusiva, é admitida comprometimento dessa personalidade, como ocorre na hediondez
a divisão dos estabelecimentos penais em diversos tipos, dentro dos de certos crimes; mas pode acontecer o contrário, isto é, de um pe-
quais se enquadrarão, mais ou menos de acordo com os seus perfis queno delito seja, todavia, a primeira manifestação de uma persona-
individuais, os diversos tipos de personalizados de criminosos. lidade bastante agressiva.

Didatismo e Conhecimento 6
CRIMINOLOGIA
Justifica-se plenamente que a pena indeterminada seja dotada
nas nossas leis penais, desde que atendidos os pontos fundamentais - CONCEITOS DE CRIME, DE CRIMINOSO
anteriormente referidos, ou seja: que a sua indeterminação não fique E DE PENA NAS DIVERSAS CORRENTES
fora da competência judicante, a qual deliberará sobre a extinção da DO PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO (NAS
medida punitiva, desde que proposta pelos auxiliares técnicos do ESCOLAS CLÁSSICA, POSITIVA E TÉCNICO-
Juiz. JURÍDICA E NA CRIMINOLOGIA CRÍTICA).
Na realidade, a pena fixa é contrária à boa recuperação dos cri-
minosos, ao marcar limites artificiais à mesma, e apenas decorrentes
da quantidade do delito praticado. E deixando de lado a personali- O Crime, além de um fenômeno social, é na realidade, um
dade do réu, e sua capacidade de recuperação ético-social, mesmo episódio na vida de um indivíduo. Não podendo, portanto, ser dele
quando esteja em vigência o artigo 42 do Código Penal, até hoje não destacado e isolado, nem mesmo ser estudado em laboratório ou re-
atendido adequadamente quanto “aos antecedentes e à personalida- produzido. Não se apresenta no mundo do dia a dia como apenas um
de do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, conceito, único, imutável, estático no tempo e no espaço. Ou seja:
às circunstâncias e consequências do crime”. “cada crime tem a sua história, a sua individualidade; não há dois
que possam ser reputados perfeitamente iguais.” Evidentemente,
Não fique sem dizer que, também na apreciação criminológico- cada conduta criminosa faz nascer para as vítimas, resultados que ja-
-clínica do delinquente, deve entrar em cogitação a natureza do deli- mais serão esquecidos, pois delimitou-se no espaço a marca de uma
to praticado; é um dos elementos centrais que informa a observação agressão, seja ela de que tipo for (moral; patrimonial; física; etc...).
do criminoso. O próprio conceito de “crime” evoluiu no passar dos séculos,
“a elaboração do conceito de crime compete à doutrina”. Pois, o
Mesmo que fossem aceitos e praticados estes preceitos, sempre próprio Código Penal vigente, com suas alterações oriundas da Lei
caberá plenamente a manutenção da liberdade condicional, para os nº 7.209/84 que reformulou toda a Parte Geral do Código de 1940,
não define o que é “crime”, embora algumas de nossas legislações
que hajam estado segregados do convívio social. E isto porque ela
penais antigas o faziam. O Código Criminal do Império de 1830 de-
representa, nos dizeres de Flamínio Fávero, a convalescença penal,
terminava em seu artigo 2º, parágrafo 1º: Julgar-se-á crime ou delito
isto é, aquele período de prova em que se verifica se o delinquente
toda ação ou omissão contrária às leis penais. E, o Código Penal
já se encontra efetivamente em condições de conviver em sociedade
Republicano de 1890 assim se manifestava em seu artigo 7º: Crime
de maneira sintônica, e não agressiva.
é a violação imputável e culposa da lei penal.
O “crime” passou a ser definido diferentemente pelas dezenas
O neo-ecletismo penal pretende dar todo o valor, que é incons-
de escolas penais. E, dentro destas definições, haviam ainda subdi-
tante, à evolução da Criminologia Clínica e na investigação científi-
visões, levando-se em conta o foco de observação do jurista. Sur-
ca das causas da criminalidade, até onde elas possam ser rastreadas
gem então, os conceitos formal, material e analítico do crime como
e reconhecidas. Mas quer reivindicar a necessidade de se valorizar expressões mais significativas, dentre outras de menor expressão. O
a atenção para os aspectos morais do ente humano, que devem ser conceito formal corresponde à definição nominal, ou seja, relação
devidamente computados: de um termo a aquilo que o designa. O conceito material corres-
ponde à definição real, que procura estabelecer o conteúdo do fato
- para a indispensável avaliação da responsabilidade moral pelo punível. O conceito analítico indica as características ou elementos
ato praticado, em termos de uma justificação, ou não, de tal ato; constitutivos do crime, portanto, de grande importância técnica.

- para o reaparelhamento do núcleo moral do delinquente, a fim ESCOLA CLÁSSICA


de aumentar-lhe as resistências futuras aos falares crímino-impelen-
tes que no porvir venham a agir de novo sobre o indivíduo. A Escola Clássica surgiu no final do século XVIII, e constituiu-
-se de um conjunto de ideias, teorias políticas, filosóficas e jurídicas
Deixar de dar, entretanto, toda a ênfase que merece este núcleo acerca das principais questões penais. Antecessora ao positivismo,
Moral do ser humano é incidir num erro fundamental, visto que a ex- em sua primeira fase, a escola clássica procurou pontuar a diferen-
plicação científica da gênese do delito não afasta a necessidade de se ça entre a justiça divina e a justiça humana, lutando pela soberania
enfocar este outro aspecto da questão, que, no homem, é primordial. popular contra o absolutismo e também pelos direitos e garantias
individuais. Em um segundo momento, focou-se no estudo jurídico
A forma de atender às necessidades morais da criatura humana do crime e da pena através da sistematização de normas jurídicas re-
tem sido apanágio do ensino religioso; e este ensino tem sido facul- pressivas tendo como principais conceitos a responsabilidade penal,
tado nas instituições penitenciárias com ampla liberdade de crença. o crime e a pena.
Ao lado dele, entretanto, complementando-o e abrindo a visão para A responsabilidade penal baseia-se no livre arbítrio, sendo, des-
campos mais amplos, deve-se dar toda a oportunidade à instrução ta forma, o conceito de liberdade individual de primordial impor-
moral e cívica, de largo horizonte, o que não exclui, como disse, a tância para a manutenção de todo o sistema positivo, pois segundo
prática do culto religioso, mas que abrange inclusive os que não se preceitua Jiménez de Asúa em um dos postulados mais importantes
declaram religiosos, ou tenham apenas parcas noções sobre as suas dos clássicos – “a imputabilidade baseada no livre-arbítrio e culpa-
crenças. bilidade moral”.

Didatismo e Conhecimento 7
CRIMINOLOGIA
O crime como um ente jurídico, produto da livre vontade do Lombroso formulou a teoria do criminoso nato ao considerar
agente, ou seja, é a livre manifestação do sujeito. A pena como um certas características físicas e psíquicas – insensibilidade física e
mal e como meio de tutela jurídica, um mal justo que se contrapõe psíquica, baixo senso de moral, pronunciada assimetria craniana,
ao crime, um mal injusto, um castigo dado ao indivíduo pelo mau fronte baixa, dentre outras características – peculiares aos crimino-
uso de sua liberdade. sos que observara em seus estudos realizados na época. Acreditava
Como expoentes desta escola temos: Pelgrino Rossi, Giovan- que a propensão inerente ao crime, para certos indivíduos, tinha ori-
ni Carmignani, o alemão Anselmo Von Fewerbach e sem dúvida a gem em fatores biológicos, assim como nascem pessoas loucas ou
maior representação desta escola Francesco Carrara. doentias da mesma forma o criminoso já era constituído ao nascer,
Pelgrino Rossi consubstancia-se na necessidade social para não significando com isso que qualquer pessoa que tivesse algum
fundamentar a essência da lei penal. Sendo a necessidade social da
desses sinais seria potencialmente um criminoso, mas sim, que estas
pena limitada em relação ao homem em razão dos princípios morais,
características seriam mais acentuadas e peculiares a este tipo de
deve a ordem social funcionar como instrumento regulador de atua-
ção da ordem ética. Em outras palavras, o homem tem na sociedade indivíduo.
deveres sociais, sendo estes violados, consuma-se o crime, a pena
em contrapartida consiste no restabelecimento da ordem social afe- Portanto, para a escola positiva o crime é um fato humano origi-
tada pela conduta antagônica ao ordenamento jurídico. nado de fatores individuais, físicos e morais. Completamente oposto
Giovanni Carmignani também tem sua doutrina fundada na ne- ao que considerava a escola clássica, o crime como sendo um ente
cessidade política da conservação social. No seu ensinamento, sepa- jurídico.
ra a moral do campo do direito, entendendo que a lei ética funciona
como limite e medida da ciência jurídica, tendo na pena o instru- SEGUNDA FASE: Representada por Enrico Ferri, fase Socio-
mento necessário para preservar a sociedade de futuras agressões e lógica.
não como meio de vingar-se do delito já cometido. Ferri, considerado o criador da sociologia criminal, foi res-
ponsável pela expansão do trimônio causal do delito, embasado em
Anselmo Von Fewerbach, segundo sua doutrina a pena tem fatores antropológicos, sociais e físicos. Nos seus ensinamentos,
duas vertentes. A primeira abrange seus aspectos psicológicos, em substituiu a responsabilidade moral pela social, afirmando que o ho-
que o indivíduo é levado a não cometer delitos devido à influência mem só pode ser responsabilizado por algo porque vive em socieda-
negativa que a pena exerce diretamente sobre sua vida. Já a segunda de, estando ele isolado não lhe caberia nenhuma responsabilidade.
trata da coação propriamente dita, exercida pelo Estado na aplicação Buscou dar mais importância à prevenção em lugar da repressão,
da pena em concreto.
pontuando fatores econômicos e sociais como causas de origem da
criminalidade.
Francesco Carrara, com seus estudos que até hoje são atuais,
tratou de todos os assuntos do Direito Penal como entidade jurídica.
É o verdadeiro fundador da dogmática penal, estudando o delito e Estabeleceu uma classificação para os criminosos dividindo-os
a pena sub espécie juris, apesar de não se basear em nenhuma lei em cinco grupos: natos, loucos, habituais, ocasionais e passionais.
positiva ou código. Partindo da lei natural, constrói a teoria do delito Os natos e os loucos foram relacionados na primeira fase, a antro-
como ente jurídico e, em continuidade com esse método, estuda os pológica, e nesta foram mantidos. O criminoso habitual é fruto do
delitos em espécie, deixando um legado de estudos sobre a parte meio em que está inserido, geralmente começa bem cedo praticando
especial dos códigos que até hoje não foram superados. pequenos delitos dos quais lhe é imputado penas reduzidas e cum-
pridas de modo inadequado e em conjunto com demais presos de
ESCOLA POSITIVA diferentes graus de periculosidade, contribuindo cada vez mais para
sua corrupção a práticas delituosas. Ao contrário do criminoso oca-
Ao final do século XIX, quando se tornava insustentável a ideia sional, que por ser facilmente influenciado por situações – miséria,
do liberalismo extremado em que o homem era conduzido para uma más companhias, impunidade – é impulsionado na vida do crime.
situação social e política verdadeiramente desumana, onde se busca- Por último temos os criminosos passionais, que como o próprio
va com base na experiência e na observação explicações para todos nome indica, são impelidos a práticas criminosas no calor de suas
os fenômenos da realidade cósmica, dentre eles o crime, visto como emoções, geralmente se arrependendo logo após o fato o confessa.
fenômeno humano e social, surge a escola positivista, colocando-se
em posição antagônica aos seus predecessores – a escola clássica –
TERCEIRA FASE: Foi à fase Jurídica, representada por Rafael
sustentando ideias, tais como: as ciências causais-explicativas que
Garófalo.
estudam metajuridicamente o crime e a criminalidade, influenciando
Tendo como principal obra “criminologia”, em que sistematiza
no abstracionismo jusnaturalista do Direito Penal clássico e princí-
pios realistas que impuseram um contato mais acentuado da justiça a aplicação da antropologia e da sociologia ao direito penal, dividin-
penal com o indivíduo. do seus estudos em três partes: o delito, o delinquente e a repressão
penal. Buscou idealizar um conceito de crime que pairasse acima
A escola positiva pode ser dividida em três fases e cada uma das legislações e tinha na moral um bem indispensável a todos os
delas tem seu principal representante, que são: indivíduos que vivessem socialmente. A avaliação da conduta crimi-
nosa tinha que ser levada em consideração para determinar a dosi-
PRIMEIRA FASE: Foi a Antropológica, representada por César metria da pena, como também a constância e o grau de perversidade
Lombroso, médico legista, considerado criador da escola positiva. utilizada pelo infrator.

Didatismo e Conhecimento 8
CRIMINOLOGIA
ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA Ao indagar as causas do crime, a Criminologia Crítica pesqui-
sa a reação social, ampliando, assim, o campo de investigação para
A Escola Técnico-jurídica tem em sua formação grande influên- abranger as instâncias formais de controle como fator criminógeno
cia da Escola Clássica, pois junto a esta repudia a intervenção da fi- (as leis, a Polícia, o Ministério Público e os Tribunais). Buscando a
losofia no Direito Penal indo de encontro ao pensamento positivista. resposta sob o ângulo de uma problemática maior, defende que não
É, sem dúvida, a escola que mais exerce influência nos últimos tem- há outra solução para o problema criminal senão a construção de
pos, tendo como características a negação das investigações filosó- uma nova sociedade, mais justa, igualitária e fraterna; menos consu-
ficas, o crime com relação jurídica do conteúdo individual e social, mista e menos sujeita às vicissitudes dos poderosos.
a responsabilidade moral distinguindo imputáveis e inimputáveis,
sendo para aqueles, aplicada uma pena retributiva e expiatória e para Principais teorias da Criminologia Crítica:  
estes, aplicação de medida de segurança. 1. Teoria da Rotulação ou Labeling Approach (surge na dé-
cada de 1960) - Esta teoria considera que as questões centrais da
O princípio fundamental desta escola está em alicerçar o direito teoria e da prática criminológicas não se relacionam ao crime e ao
delinquente, mas, particularmente, ao sistema de controle adotado
penal na lei, ou seja, buscando sempre pela autonomia deste ramo do
pelo Estado no campo preventivo, no campo normativo e na seleção
direito, tendo a preocupação com a renovação metodológica no es-
dos meios de reação à criminalidade. No lugar de se indagar os mo-
tudo desta disciplina através de orientações ou mesmo uma direção
tivos pelos quais as pessoas se tornam criminosas, deve-se buscar
no estudo do direito penal. Esta orientação consiste em um estudo explicações sobre os motivos pelos quais determinadas pessoas são
sistemático do direito penal, com o fim de se determinar seu objetivo estigmatizadas como delinquentes, qual a fonte da legitimidade e as
principal e das ciências penais. Chegando-se, com isso, a conclusão consequências da punição imposta a essas pessoas. São os critérios
de que o crime é um ente jurídico, pois que é o direito que valoriza ou mecanismos de seleção das instâncias de controle que importam,
o fato e a lei que o considera crime, não obstante, sendo também um e não dar primazia aos motivos da delinquência.
fato natural e social, tendo também sua origem em fatores biológi-
cos e sociais. 2. Criminologia Radical ou Criminologia Marxista (surge
na década de 70) - Baseia-se na análise marxista da ordem social.
CRIMINOLOGIA CRÍTICA Critica a Teoria da Rotulação e a Etnometodologia, pois, fundamen-
talmente, não se diferenciariam da Criminologia Tradicional, fun-
Criminologia Crítica, também conhecida como Nova Crimino- cionando para a conservação da ordem social opressiva. Considera
logia, é o movimento criminológico que se levantou, na segunda o problema criminal insolúvel em uma sociedade capitalista, sendo
metade do século XX, contra o romantismo da Criminologia Tradi- necessária a transformação da própria sociedade. 
cional, que prosperou a partir do século XIX.
3. Criminologia Abolicionista (Anos 90) - apresenta a propos-
As legiões de conflitos e os recém-chegados modos de com- ta de acabar com as prisões e abolir o próprio Direito Penal, subs-
portamento registrados no mundo, ao longo da década de sessenta, tituindo ambos por uma profilaxia de remédios para as situações—
mormente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, são as marcas problemas com base no diálogo, na concórdia e na solidariedade dos
dos abalos sociais que estimularam o aparecimento da Criminologia grupos sociais, para que sejam decididas as questões das diferen-
Crítica. São memoráveis, nesse quadro, as mudanças nas formas de ças, choques e desigualdades, mediante o uso de instrumentos que
Governo, as campanhas dos direitos cívicos, as desavenças raciais, podem conduzir à privatização dos conflitos, transformando o juiz
a revolta estudantil contra as mazelas do ensino, a proliferação do penal em um juiz civil.
uso das drogas, a guerra do Vietnã, a revolução da música jovem e
o surgimento de um novo estilo de conduta, como a afluência dos 4. Criminologia Minimalista (Anos 90) – sustenta que é preci-
so limitar o Direito Penal, que está a serviço de grupos minoritários,
Hippies. Em todos esses acontecimentos foram detectadas fontes de
tornando-o mínimo, porque a pena, representada em sua manifesta-
antagonismos a exigir não só respostas satisfatórias à sociedade por
ção mais drástica pelo Sistema Penitenciário, é uma violência ins-
parte do Estado, como a tomada de inusitados posicionamentos do
titucional que limita direitos e reprime necessidades fundamentais
homem, nos vários setores da vida comunitária. das pessoas, mediante a ação legal ou ilegal de servidores do poder,
legítima ou ilegitimamente investidos na função.
A obra The New Criminology: For a Social Theory of Devian-
ce, publicada em primeira edição na Inglaterra, em 1973, por IAN 5. Criminologia Neo-realista (Anos 90) - Esta teoria admite
TAYLOR, PAUL WALTON e JOCK YOUNG, simboliza a inaugu- que as frágeis condições econômicas dos pobres na sociedade capi-
ração do movimento crítico no campo criminológico, porque abriu talista fazem com que a pobreza tenha seus reflexos na criminalida-
a discussão sobre pioneiras vertentes em torno do processo de cri- de, reconhecendo, contudo, que essa não é a única causa da atitude
minalização e sobre a legitimação e funcionamento da Justiça Penal, criminosa, também gerada por fatores como: expectativa superdi-
como sistema dinâmico do controle social. mensionada, individualismo exagerado, competitividade, agressivi-
dade, ganância, anomalias sexuais, machismo etc. Defende, pois,
Assim, imediatamente, floresceram as teses progressistas com que só uma política social ampla pode promover o justo e eficaz
delineamentos ideológicos e indicações metodológicas que constitu- controle das zonas de delinquência, desde que os Governos, com
íram um agrupamento de críticas ao tradicionalismo criminológico, determinação e vontade, compreendam que carência e inconformi-
em face da indispensável criação de uma cultura de política criminal dade, somadas à falta de solução política, geram o cometimento de
com apropriadas medidas alternativas. crimes.

Didatismo e Conhecimento 9
CRIMINOLOGIA
Resumindo: A expressão “vítimas” significa pessoas que, individual ou
coletivamente, sofreram dano, incluindo lesão física ou mental, so-
Escola Clássica – CRIME é um ente jurídico, pois consiste na frimento emocional, perda econômica ou restrição substancial dos
violação de um direito; PENA (1) É forma de prevenção de novos seus direitos fundamentais, através de atos ou omissões que consis-
crimes, defesa da sociedade: “punitur ne peccetur” (pune-se para tem em violação a normas penais, incluindo aquelas que proscrevem
que não se peque); PENA (2) É uma necessidade ética, reequilíbrio abuso de poder.
do sistema (inspiração em Kant e Hegel: punitur quia peccatum est). Na Declaração da ONU, de 1985, “vítimas são definidas, no
sentido amplo, como as pessoas que, individual ou coletivamente,
Escola Positiva – CRIME decorre de fatores naturais e sociais; tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimen-
DELINQUENTE não é dotado de livre-arbítrio; é um ser anormal to emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus
sob as óticas biológica e psíquica; PENA funda-se na defesa social; direitos fundamentais, por meio de atos ou omissões que violam as
objetiva a prevenção de crimes. Deve ser indeterminada, adequan- leis criminais nacionais ou de normas internacionalmente reconhe-
do-se ao criminoso para corrigi-lo (é a chamada teoria absoluta da cidas em matéria de direitos humanos”.
pena; quando visar recuperação do condenado é a teoria relativa; As vítimas de atos ilícitos, especialmente de delitos, passaram
nosso CP adota a teoria eclética ou mista, eis que os fins da pena por fases que, no dizer de Garcia-Pablos de Molina, correspondem a
é punir o condenado e ao mesmo tempo regenerá-lo, ou ao menos um protagonismo, neutralização, e redescobrimento.
tentar). O protagonismo correspondeu ao período da vingança privada,
em que os danos produzidos sobre uma pessoa ou seus bens eram
Escola Técnico-jurídica – CRIME fenômeno individual e so- reparados ou punidos pela própria pessoa. As chamadas ciências
cial; DELINQUENTE é dotado de livre-arbítrio e responsável mo- criminais - Ciência do Direito Penal, Criminologia e Política Cri-
ralmente; PENA meio de defesa contra a perigosidade do agente; minal, “abandonaram” a vitima, quando sua atenção volta-se para
tem por objetivo castigar o delinquente. o infrator.
A resposta ao delito assume critérios vingativos e punitivos,
Criminologia Crítica: A criminologia critica, oriunda das teo- quase nunca reparatórios. A idéia de neutralização da vítima en-
rias conflituais marxistas, rompe com a sociologia criminal liberal. tende que a resposta ao crime deve ser imparcial, desapaixonada,
Há uma mudança de paradigma. Partindo da ideia de rotulação, do despersonalizando a rivalidade. O problema daí decorrente é que a
labelling approach, vem mostrar o conflito social, que busca expli- linguagem simbólica do direito e formalismo transformaram vítimas
car os processos de criminalização das classes subalternas, historica- concretas em abstrações.
mente constituintes da clientela do sistema penal. Tal conflito resta Observe-se, ainda, que a punição serviria como prevenção ge-
verificado dependente do plano econômico da coletividade. ral. Pouca preocupação havia com a reparação. O redescobrimento
da vítima é um fenômeno do pós 2ª Guerra Mundial. É uma resposta
ética e social ao fenômeno multitudinário da macrovitimização, que
atingiu especialmente judeus, ciganos, homossexuais, e outros gru-
- VITIMOLOGIA. pos vulneráveis. Esse redescobrimento não persegue nem retorno à
vingança privada; nem quebra das garantias para os delinquentes: a
vítima quer justiça.
A vitimologia vem, efetivamente, conferir novo status à vítima,
Vitimologia pode ser definida como o estudo científico da ex- contribuindo para redefinir suas relações com o delinquente; com o
tensão, natureza e causas da vitimização criminal, suas consequên- sistema jurídico; com autoridades, etc.
cias para as pessoas envolvidas e as reações àquela pela sociedade, A propósito, o próprio conceito de vítima precisou ser revisto,
em particular pela polícia e pelo sistema de justiça criminal, assim posto que já não corresponde apenas ao sujeito passivo (protago-
como pelos trabalhadores voluntários e colaboradores profissionais. nista) do fato criminoso. Exemplo de modo amplo de compreender
A definição abrange tanto a vitimologia penal quanto a geral ou vítima é trazido por Sue Moody, ao mencionar como o principal
vitimologia orientada para a assistência. documento definidor de política pública para vítimas de delitos, na
O termo “vitimologia” foi utilizado por primeiro pelo psiquiatra Escócia, trata a questão: Vítima é qualquer pessoa que tenha sido su-
americano Frederick Wertham, mas ganhou notoriedade com o tra- jeita a qualquer tipo de crime, como também sua família ou aqueles
balho de Hans von Hentig “The Criminal an his Victim”, de 1948. que gozam de uma posição equivalente à de família.
Hentig propôs uma abordagem dinâmica, interacionista, desafiando
a concepção de vítima como ator passivo. Salientou que poderia ha- Ao lado do conceito mais amplo de vítima, surgiu também o de
ver algumas características das vítimas que poderiam precipitar os vitimização, que examina tanto a propensão para ser vítima quanto
fatos ou condutas delituosas. Sobretudo, realçou a necessidade de os vários mecanismos de produção de danos diretos e indiretos so-
analisar as relações existentes entre vítima e agressor. bre a vítima.
A vitimologia é hoje um campo de estudo orientado para a ação
ou formulação de políticas públicas. A vitimologia não deve ser de- Israel Charny entende que o processo de vitimização diz res-
finida em termos de direito penal, mas de direitos humanos. Assim, peito a relações humanas, que podem ser compreendidas como re-
a vitimologia deveria ser o estudo das consequências dos abusos lações de poder. Fattah (1979) identificava no crime como que uma
contra os direitos humanos, cometidos por cidadãos ou agentes do transação em que agressor e vítima desempenhavam papéis. Assim,
governo. As violações a direitos humanos são hoje consideradas a identificação de vulnerabilidade e de definibilidade da vítima são
questão central na vitimologia. essenciais no processo.

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CRIMINOLOGIA
A vulnerabilidade da vítima decorre de diversos fatores (de or- Também o modo como a política criminal trata a vítima é tema
dem física, psicológica, econômica e outras), o que faz com que o de relevo. O modo tradicional tenta, quando o faz, uma ressociali-
risco de vitimização seja diferencial, para cada pessoa e delito. Nes- zação do delinquente. Mas raramente se percebe que também a víti-
se sentido, o exame dos recursos sociais efetivos da vítima também ma precisa se encontrar, e ser reintroduzida ao convívio social. Não
deve ser levados em conta. sendo percebida, torna-se esquecida em todas as fases das políticas
Kurt Vonnegut Jr., com uma certa ironia, afirma que “Os evan- criminais. A chave para sua inclusão está no respeito a seus direitos,
gelhos ensinaram, de fato, o seguinte:” Antes de matar alguém, cer- para evitar vitimização secundária. Esta termina acontecendo quan-
tifique-se de que ele não é bem relacionado.” do se tem a lesão e sua não reparação; o crime e sua impunidade; a
Os judeus mataram Cristo. Mais de 2.000 anos depois, mais de vitimização e a ausência de investigação, de processo e de condena-
um bilhão de pessoas diariamente escutam, em todas as partes do ção. Uma tendência que tem sido observada é a introdução de pro-
mundo, a narrativa de sua morte. “Não sabíamos que era o Filho gramas de assistência à vítima, que incluem assistência strictu sensu,
de Deus”, poderão responder. Como, em Brasília, os garotos que reparação pelo infrator, programas de compensação, e programas
brincaram de incendiários, e queimaram o índio Galdino Pataxó dis- especiais de assistência, quando a vítima for declarante.
seram: “Não sabíamos que era um índio. Pensávamos que fosse só Talvez as maiores contribuições estejam sendo dadas a partir
um mendigo”. das reflexões sobre as relações existentes entre a vítima e sistema
legal, e a vítima e a justiça penal.
Contribuições da vitimologia O sistema legal costuma realizar perseguição aos delitos noti-
ciados. Estudos revelam que há subnotificação. Ou seja, os delitos
Os estudos de vitimologia tem dado imensa contribuição para praticados são em número superior às ocorrências registradas. Por
a compreensão do fenômeno da criminalidade, contribuindo para que se subnotifica? Quem melhor pode responder é a vítima, e o
melhor enfrentamento, a partir da introdução do enfoque sobre as sistema não pode ser indiferente às suas percepções.
vítimas atingidas e os danos produzidos. O primeiro aspecto obser- Ora, a alienação em relação ao sistema diz tanto quanto a afir-
vado por Garcia-Pablos diz respeito à compreensão da dinâmica cri- mação de notificar. O certo é que a vivência da vítima, e suas carac-
minal, e da interação delinquente-vítima. Em que medida a vítima terísticas e atitudes são elementos e fatores relevantes para o ade-
interfere para o desencadear da ação, ou sua precipitação. Em que quado funcionamento do sistema penal.
medida suas ações ou reações condicionam ou direcionam as ações A relação existente entre crimes conhecidos ou esclarecidos
dos agressores. E em que delitos o papel da vítima é de menor im- pela Polícia, ou processados, e o papel desempenhado pela vítima.
portância. Identificam que os crimes conhecidos ordinariamente resultam de
Análise sobre a vítima também se faz relevante para a preven- uma proatividade da polícia, ou de uma reatividade. Na pro-ativida-
ção do delito. A introdução da chamada “prevenção vitimaria”, que de, a polícia seleciona suspeitos pelos estereótipos. Isso pode impli-
se contrapõe à prevenção criminal, realça a importância de se evi- car em procedimentos discriminatórios por parte da polícia, desde
tar que delitos aconteçam, a partir da reorientação às vítimas, e aos que há grupos antecipadamente considerados como mais propensos
próprios órgãos do estado, para que adotem condutas e perspectivas à prática de delitos, e outros grupos imunes à suspeita, ou investi-
distintas, que reduzam ou eliminem as situações de risco. A reflexão gação.
parte da constatação de que o crime é um fenômeno seletivo, e que Na reatividade, a denúncia da vítima desempenha papel vital.
atinge os mais vulneráveis, no momento de maior vulnerabilidade. Mas eles advertem: nem toda vítima faz desencadear investigações.
Assim, a prevenção é dirigida aos grupos mais vulneráveis ou mais Só as capazes de se justificarem como tais. Ou seja, não é toda víti-
propensos à vitimização. Além disso, essa prevenção vitimaria exi- ma que consegue fazer com que a polícia inicie uma investigação. E
ge adoção de políticas públicas sociais, ensejando intervenção não é a polícia que define quem e o que investigar.
penal. Finalmente, corresponsabiliza todos. O que é muito próprio, As conclusões a que chegaram esses pesquisadores apontam no
já que vivemos em uma sociedade de risco. sentido de que a polícia não investiga quando a vítima se opõe forte-
mente, nem quando o investigado é muito poderoso. Por outro lado,
Outro aspecto absolutamente relevante é que a vítima é fonte o ministério público também constrói seu perfil de vítima ideal. Esta
de informações. Com efeito, as pesquisas de vitimização fornecem deve ser aquela que pode ser uma boa testemunha.
imensos subsídios a respeito de como os delitos ocorrem, em que Finalmente, os estudos de vitimologia ajudam a melhor com-
circunstâncias de tempo e lugar, e por quais fatores desencadeantes. preender a interação existente entre a vítima e justiça penal. O mo-
A partir da vítima, que é conhecida, e acessível de pronto, é possível delo clássico, com efeito, tem a vítima como objeto, ou pretexto,
identificar relações existentes ou não com a pessoa do agressor, e para a investigação. Mas ordinariamente não leva em conta seus
outros fatores relevantes. interesses legítimos. Isso fez com que fossem identificados fatores
que pudessem contribuir para mensurar a qualidade de uma justiça
O medo do delito e o medo coletivo de ser a próxima vítima são criminal. Entre esses, são examinados como se concebe o fato deliti-
também objeto do estudo da vitimologia. O medo, percepção e sen- vo e o papel dos protagonistas; como ou se se satisfaz a expectativa
timento individual, mas com forte conteúdo de objetividade, ajuda a dos protagonistas; qual o custo social; qual a atitude dos usuários
reconhecer a presença do risco, e orientar a conduta para minimizá- da justiça.
-lo ou mitigar seus efeitos. Mas também o medo aprisiona, e termina O Conselho de Ministros da União Europeia publicou uma De-
sendo, ele mesmo, fator de vitimização. A sensação de insegurança cisão Referencial sobre a Presença das Vítimas nos Procedimentos
coletiva, que enseja a adoção de políticas criminais fortemente re- Criminais. Como padrão mínimo é incluído o dever de informação
pressoras, plenas de abusos de direitos, e destruição de prerrogativas sobre tipos de apoio disponíveis para a vítima; onde e como comuni-
dos cidadãos, encontra aí sua raiz. car a queixa; os procedimentos criminais e o papel da vítima; acesso

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CRIMINOLOGIA
a proteção e aconselhamento; elegibilidade para compensação; re- Classificação Vitimológica
sultado do julgamento e da sentença. Uma boa comunicação com a
vítima é exigida em todas as fases do processo criminal. O vitimólogo israelita Benjamín Mendelsohn fundamenta sua
classificação na correlação da culpabilidade entre a vítima e o infra-
Em linhas gerais, podemos definir vitimologia, como muito tor. E o único que chega a relacionar a pena com a atitude vitimal.
mais do que o estudo da influência da vítima na ocorrência do delito, Sustenta que há uma relação inversa entre a culpabilidade do agres-
pois estuda os vários momentos do crime, desde a sua ocorrência até sor e a do ofendido, a maior culpabilidade de uma é menor que a
as suas consequências. O Direito Penal desde a Escola Clássica sem- culpabilidade do outro.
pre concentrou seus estudos no trinômio delinquente – pena – crime,
após trabalhos apresentados sobre a situação da vítima começaria a 1 - Vítima completamente inocente ou vítima ideal: é a vítima
mudar, com a evolução do Direito Penal e os estudos sobre o delito, inconsciente que se colocaria em 0% absoluto da escala de Mendel-
o infrator e a vítima foi tendo importância no mundo todo. sohn. E a que nada fez ou nada provocou para desencadear a situa-
Percebe-se então, que no estudo da vitimologia há dois pontos ção criminal, pela qual se vê danificada. Ex. incêndio
fundamentais: o estudo do comportamento da vítima de forma geral, 2 - Vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância:
sua personalidade, seu atuar na dinâmica do crime, sua etiologia e neste caso se dá um certo impulso involuntário ao delito. O sujeito
relações com o agente criminoso e a reparação do dano causado pelo por certo grau de culpa ou por meio de um ato pouco reflexivo cau-
delito. sa sua própria vitimização. Ex. Mulher que provoca um aborto por
Podemos dizer que no Brasil já tinha noções de vitimilogia, meios impróprios pagando com sua vida, sua ignorância.
quando estudos demonstram que o Santo ofício da Inquisição agia 3 - Vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária:
como uma espécie de jus punienti contra qualquer um que pudesse aquelas que cometem suicídio jogando com a sorte. Ex. roleta russa,
colaborar com ideias diferentes. Nunca se estabeleceu oficialmente suicídio por adesão vítima que sofre de enfermidade incurável e que
um Tribunal no Brasil, embora tenha sempre agido em terras brasi- pede que a matem, não podendo mais suportar a dor (eutanásia) a
leiras por intermédio das autoridades eclesiásticas locais e visitado- companheira (o) que pactua um suicídio; os amantes desesperados;
res. Na primeira década do século XVIII a Inquisição fez prisões em o esposo que mata a mulher doente e se suicida.
massa, no auto de fé de 1711 havia 52 brasileiros, as perseguições e 4 - Vítima mais culpável que o infrator:
os confiscos de propriedades nesse ano levaram a uma paralisação - Vítima provocadora: aquela que por sua própria conduta in-
crescente na fabricação do açúcar, prejudicando seriamente o co- cita o infrator a cometer a infração. Tal incitação cria e favorece a
mércio. Procurando resolver as demandas, necessita assim de um explosão prévia á descarga que significa o crime.
engajamento do poder público, a fim de proporcionar melhores con- - Vítima por imprudência: é a que determina o acidente por
dições de vida à população desprovida de recurso. falta de cuidados. Ex. quem deixa o automóvel mal fechado ou com
as chaves no contato.
Vítima: Etmon: Victima ae = da vítima + logos = tratado, estu-
do = estudo da vítima. 5 - Vítima mais culpável ou unicamente culpável:
A palavra foi usada pela primeira vez, por Benjamim Mendel- - Vítima infratora: cometendo uma infração o agressor cai ví-
son, advogado israelense, vítima da II Guerra mundial, em 1947, tima exclusivamente culpável ou ideal, se trata do caso de legitima
em palestra intitulada “The origins of the Doctrine of Victimology”. defesa, em que o acusado deve ser absolvido.
“Pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, - Vítima simuladora: o acusador que premedita e irresponsa-
inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda fi- velmente joga a culpa ao acusado, recorrendo a qualquer manobra
nanceira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, com a intenção de fazer justiça num erro.
como consequências de ações ou omissões que violem a legislação
penal vigente, nos Estados–Membros, incluída a que prescreve o Meldelsohn conclui que as vítimas podem ser classificadas em
abuso de poder”. (Resolução 40/34 da Assembléia Geral das Nações 3 grandes grupos para efeitos de aplicação da pena ao infrator:
Unidas, de 29/11/85). 1 - Primeiro grupo: vítima inocente: não há provocação nem
Pensou-se no passado que a vítima era sempre inocente e o cau- outra forma de participação no delito, mas sim puramente vitimal.
sador do delito o único e exclusivamente culpado. Com o tempo, as 2 - Segundo grupo: estas vítimas colaboraram na ação nociva e
pesquisas, os estudos e segundo a designação de Benjamin Mendel- existe uma culpabilidade reciproca, pela qual a pena deve ser menor
sohn, a vítima pode ser inteiramente inocente na dinâmica do crime; para o agente do delito (vítima provocadora)
pode ser tão culpada quanto o agente; mais culpada do que o agente; 3 - Terceiro grupo: nestes casos são as vítimas as que cometem
pode ser menos culpada de que o agente criminoso e ainda, poderá por si a ação nociva e o não culpado deve ser excluído de toda pena.
ser a única culpada do cometimento de um crime.
Proteção às Vítimas
O vitimólogo fundamenta sua classificação na correlação da
culpabilidade entre a vítima e o infrator. Vislumbrando, pois, em A política criminal não pode continuar limitada à ideia de “trata-
primeira mão, a atitude da vítima relacionada à aplicação da pena. mento”, deve-se tentar de todas as formas de intervenção destinadas
a neutralizar as cargas de medo e frustração da vítima, consolidando
Vitimização: Vitimização, processo vitimizatório, ou vitimação que se converta à vítima em fim autônomo da própria política criminal.
são termos neológicos, oriundos de “vítima”, e significam ação ou A inclusão real da vítima na investigação e no próprio processo
efeito de alguém vem a ser vítima de sua própria conduta ou da con- criminal na condição de aliada ao trabalho do Ministério Público,
duta de terceiro, ou fato da natureza. demonstram que, inúmeros delitos não ocorreriam se a vítima não

Didatismo e Conhecimento 12
CRIMINOLOGIA
facilita-se, diretamente a ação do criminoso. A Lei 9.807 de 13 de - Transformação da vítima em sujeito de direitos;
Julho de 1.999 estabelece normas e programas para proteção das - O fim da despersonalização do conflito;
vítimas, que tenham ou venham a ser ameaçadas pelos criminosos. - A ponderação das várias expectativas geradas pelo crime;
- A comunicabilidade, possibilidade do diálogo entre infrator
Diferentemente de Vitimologia o campo de Direitos Humano e vítima;
tem pouco apelo de pesquisa acadêmica e científica e menos litera- - Resolutibilidade, que a decisão adotada pelo juiz criminal re-
tura examinando temas de Vitimização. solva o conflito, é dizer, permita a reparação do dano;
- A vítima passa a ser comunicada de todo o andamento do feito
A Vitimologia pode oferecer aos Direitos Humanos a metodo- e de seus direitos;
logia e um conjunto de Teorias Vitimológicas e questões, sem contar - Evita-se a vulgarização da pena de prisão (última ratio) des-
com dados comparativos e outras categorias de vítimas, como víti- mistificando-se;
mas de crime. Com ênfase no crime, a Vitimologia pode auxiliar os - A pretensão punitiva, na linha da “força do Direito”.
Direitos Humanos a teorizar mais claramente sobre “crimes contra
a humanidade”, ainda parcialmente operacionalizado. Pode também Reparação do dano: O tema remota a mais longíqua antigui-
ajudar a melhor conceituar a Vitimização definida como Criminal, dade, vários monumentos legislativos da história demonstraram a
comparativamente às não consideradas Criminais, apesar de seus preocupação do legislador, da comunidade e do grupo social com
efeitos danosos. um todo, pela reparação do dano, exemplificando o Código de Ha-
murabi datado do século XXIII a.C.
O Direito Humano pode ajudar a examinar as fontes de Vitimi- Modernamente, há que se destacar a Lei n.º 9.099/95 que pre-
zação e a relação entre causa da opressão. As vítimas de opressão ocupou-se com a reparação do dano à vítima. Comenta Luiz Flávio
terão uma responsabilidade funcional para com a Vitimização? A Gomes: “...a lei 9.099/95, no âmbito da criminalidade pequena
que ponto as violações de Direitos Humanos emergem de mecanis- e média, introduziu no Brasil o chamado modelo consensual de
mos de controle social doméstico? Alguns grupos ou poucos po- Justiça Criminal. A prioridade agora não é o castigo do infrator,
deriam Ter sido designados implícita ou explicitamente vítima al- senão sobretudo a indenização dos danos e prejuízo causados
ternadamente “legitimadas”, não lhes garantindo proteção efetiva? pelo delito em favor da vítima”.
Paradoxalmente pode, se fornecer mais dados adotando perspecti- Assim, a Lei propõe uma inversão, a pena privativa de liber-
vas, mas amplas dos Direitos Humanos. dade como exceção para casos especiais, e maior destaque para as
penas alternativas.
Fases do Inter Victimae, o crime precipitado pela vítima A Lei enfoca a vítima direta ou indiretamente vária vezes com o
intuito de participação ativa desta no processo, visando, pois, mino-
- Intuição, “quando se planta na mente da vítima a ideia de ser rar os efeitos da vitimização secundária e, consequentemente, atin-
prejudicado por um ofensor”. gir um dos objetivos da vitimologia, a reparação do dano.
- Atos preparatórios (conatus remotus), “momento em que re-
vela a preocupação de tomar as medidas preliminares para defender- Há evidências disto quando do estudo dos novos institutos da
-se ou ajustar o seu comportamento”. Lei n.º 9.099/95, tais como, a composição civil que implica em re-
- Início da execução (conatus proximus), “oportunidade em que núncia da vítima ao direito de queixa ou representação; a ampliação
a vítima começa a operacionalização de sua defesa aproveitando a do rol de crimes que dependem de representação; e a suspensão con-
chance que dispõe para exercitá-la”. dicional do processo, institutos esses, que evidenciam, repita-se, o
- Execução (executio), “resistência da vítima para evitar a todo incentivo à reparação do dano.
custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor”.
- Consumação (consumatio), “quando a prática do fato demons- Outros diplomas legais preocuparam-se com a vítima no to-
trar que o autor não alcançou seu propósito (fins operantis) em virtu- cante a reparação do dano, citamos: a Lei n.º 8.078/90, Código de
de de algum impedimento alheio à sua vontade, aí pode se classificar Defesa do Consumidor; a Lei n.º 9.503/98 que instituiu o Código de
como tentativa de crime”. Trânsito; a Lei n.º 9.714/98 que deu  nova redação a vários artigos
do Código Penal; e a Lei n.º 9.605/98 que regulamentou a prestação
Diante do que discorre o artigo 59, Caput do Código Penal, pecuniária nos crimes ambientais.
passou a ser do magistrado na dosimetria da pena, analisar o com-
portamento da vítima (antes e depois do delito) como circunstância Mais do que em outros países do mundo, na América Latina,
judicial na individualização da pena imposta ao acusado. De acordo apesar das constituições democráticas e dos Códigos Penais, a per-
com o professor Edmundo de Oliveira, “Inter Victimae é o cami- cepção de crime está diretamente influenciada pelo uso que as elites
nho, interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em fazem dos aparelhos judiciais. Há uma confluência entre os alvos do
vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no medo, do crime das políticas judiciais e da percepção da mídia nas
desenvolvimento de Vitimização”. práticas criminosas que são os crimes comuns.

LEI 9.99/95 Em consequência, as políticas de prevenção do crime, espe-


cialmente aquelas propostas nas campanhas eleitorais visam menos
Principais avanços gerais: reduzir e controlar o crime e as oportunidades de delinquir ou apro-
- Concepção do delito como um fato histórico, inter pessoal, fundar a eficiência de políticas de prevenção ao crime, mas apenas
comunitário e social; diminuir o medo e a sensação de insegurança das classes.

Didatismo e Conhecimento 13
CRIMINOLOGIA
Teóricos apontam ferminização dos processos migratórios, Nosso Código Penal, em seu artigo 59, orienta o juiz na primei-
milhares de mulheres deixam o Terceiro Mundo para tentar a sorte ra fase de fixação da pena, levando em conta não só o agente ativo
em países industrializados e acabam se transformando na face feu- ou as circunstâncias, mas também a vítima, sendo o primeiro dispo-
dal das ricas e modernas sociedades privilegiadas. Tráfico humano, sitivo legal que permite a aplicação da vitimologia. Assim dispõe o
prostituição involuntária, casamentos forçados, são vários os méto- artigo: “art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes,
dos da escravidão moderna. Para as vítimas desse tráfico humano à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circuns-
moderno, o sonho de uma vida melhor quase sempre desmorona tâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da
mais rápido do que o esperado. O aumento da discriminação e da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para re-
violência contra os migrantes é uma das consequências de 11 de provação e prevenção do crime”.
Setembro de 2001. Com base neste artigo, o juiz deverá fixar o tipo de pena, sua
quantidade, o regime de cumprimento e, quando permitido, a subs-
O Departamento de Estado dos EUA, em relatório divulgado, tituição de pena, necessários e suficientes para a repressão do crime
considera o Brasil, País fornecedor de vítimas para o tráfico domés-
cometido e sua prevenção.
tico e internacional de seres humanos. Além de uma falta de per-
Esse dispositivo busca atender ao princípio constitucional da
cepção do crime por vítimas, denunciantes, órgãos de defesa e ope-
individualização da pena, a fim de alcançar reprovação e a preven-
radores de direito, outros fatores negativos são as leis inadequadas,
a falta de conhecimento da legislação nacional, tanto de brasileiros ção do crime praticado, bem como a ressocialização do agente, le-
quanto estrangeiros. As embaixadas e consulados também estão vando em consideração as circunstâncias judiciais, assim chamadas
despreparados para proceder nos casos de diagnósticos de tráfico, por servirem de base para uma atividade jurisdicional, nele mencio-
processos e inquéritos sistematizados. É essencial haver enfrenta- nadas. A reprovação equivale à punição do agente pelo delito prati-
mento do problema sob a ótica de responsabilização, aumentando a cado, já a prevenção está não só em fazer com que o agente não volte
capacidade institucional de investigação e incrementar políticas de a delinquir, como também em evitar que outras pessoas venham a
apoio às vítimas e testemunhas do tráfico. delinquir pelo medo da punição.
A legislação existente deve vigorar, não permitindo lacunas ou As circunstâncias judiciais são subdivididas em subjetivas,
in compreendendo os antecedentes, a conduta, a personalidade e os
correção legais. Aquele que “compra” a pessoa traficada deve motivos do delito e objetivas, que constituem as circunstâncias do
ser punido também, o tráfico não deve restringir à prostituição e sim crime, suas consequências e o comportamento da vítima. Estas cir-
incluir outras modalidades estabelecendo uma figura autônoma com cunstâncias são descritas por Barreiros, detalhadamente em seu arti-
punição mais elevada, depois do tráfico de drogas e de armas, o de go. Pelos antecedentes, entendemos as ocorrências criminais na vida
pessoas é o ramo mais lucrativo do crime estabelecido. Propõe-se pregressa do infrator, embora o STF esteja hoje levando em conside-
um novo modelo de Justiça Penal, em que o Estado dará resposta ração como antecedentes as circunstâncias do crime e a personalida-
eficaz à população que exige um sistema adequado garantindo o res- de do agente. Independente desse posicionamento entende-se mais
sarcimento do dano causado pela criminalidade. acertado não considerar antecedente, nada além das ocorrências cri-
minais, já que o artigo 59 traz circunstâncias mais apropriadas para
O artigo 59, caput do Código Penal Brasileiro e a dosimetria a análise desses outros fatores. Deve se ressaltar que os crime pres-
da pena critos não devem ser levados em consideração neste caso, embora
haja entendimento diverso.
Percebemos pela análise do Código Penal de 1940 que a re- A conduta social do acusado está relacionada, com a comuni-
ferência à reparação do dano é mínima, e durante muito tempo, a dade em que ele se encontra inserido, seu comportamento familiar,
vítima foi esquecida pelo Direito Penal, preocupando-se este, exclu- no trabalho, na vizinhança. Esse fator faz com que o juiz conheça a
sivamente, com a imposição da pena.
pessoa que está julgando a fim de analisar se merece maior ou menor
Recentemente, a situação vem se revertendo, o nosso ordena-
reprimenda.
mento jurídico abriga alguns dispositivos constitucionais e infra-
A personalidade do réu, não pode ser confundida com maus an-
constitucionais relacionados à vítima, tais como, o art. 245 da Cons-
tituição Federal de 1988 e arts. 59, 61, II, c, parte final e art. 65, III, tecedentes, servindo para determinar o âmbito de autodeterminação
c, do Código Penal. do indivíduo, a fim de firmar o grau de sua culpabilidade. Os moti-
Assim, a principal mudança deu-se com a reforma do Código vos são os fatos que levaram o individuo à prática da conduta cri-
Penal pelo advento da Lei n.º 7.209/84 que veio modificar a Parte minosa. É o elemento psicológico que propulsiona a conduta e, para
Geral do Código Penal, cujo texto contido no Capítulo III – Da apli- dosagem da pena, deve-se levar em conta sua natureza e qualidade.
cação da pena, art. 59 caput, passou a estabelecer, in verbis: “O juiz As circunstâncias do crime constituem um complemento ao
atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à tipo penal, não existindo sem ele. Elas promovem mudanças quali-
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conse- tativas e quantitativas na reprovabilidade da conduta e, consequen-
quências do crime, bem como o comportamento da vítima, esta- temente na sua gravidade. Não se confundem com as circunstâncias
belecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação legais dos artigos 61, 62, 65 e 66 do Código Penal.
e prevenção do crime”. As consequências do crime representam o dano causado pela
Resta claro, pois, a importância do art. 59, caput do Código Pe- conduta delituosa e sua repercussão social e clamor público.
nal no momento em que o magistrado vai fazer a dosimetria da pena, O comportamento da vítima, em estudo neste trabalho, poderá
sendo seu dever levar em consideração, dentre outras circunstâncias, aumentar ou diminuir a reprovabilidade da conduta delituosa, não
o comportamento vitimal no cometimento do delito e mesmo antes podendo haver compensação de culpas. Essa contribuição da vítima
deste, a fim de que se dê a correta aplicação da pena. O referido arti- é levada em conta apenas para o abrandamento da pena aplicada,
go, portanto, encontra amparo Constitucional - art. 5º XLVI. entretanto é de grande importância sua análise como explana Del-

Didatismo e Conhecimento 14
CRIMINOLOGIA
manto: “O comportamento do ofendido deve ser apreciado de modo Neste artigo 68, podemos observar o sistema trifásico de aplica-
amplo no contexto da censurabilidade do autor do crime, não só di- ção da pena de Nelson Hungria. O artigo 59, com suas circunstâncias
minuindo, mas também aumentando, eventualmente. Não deve ser judiciais é a primeira fase desse sistema, não bastando a mera men-
igual a censura que recai sobre quem rouba as fulgurantes jóias que ção à essas circunstâncias, sendo necessária sua fundamentação, sob
uma senhora ostenta e a responsabilidade de quem subtrai donati- pena de nulidade do ato decisório, seguida das circunstâncias legais
vos, por exemplo, do Exército da Salvação”. que atenuam ou agravam e aumentam ou diminuem a pena.
O processo de fixação da pena, como demonstra Barreiros, ao Todavia, faz-se importante o juiz, antes do início da fixação da
citar Nucci, é ato de discricionariedade onde o juiz, observando o pena, observar se existe qualificadora no caso em análise uma vez
limite mínimo e máximo da pena estabelecidos na lei para o deter- que a qualificadora altera a pena base, como ressalta Capez, citando
minado delito, estabelece o quantum de acordo com seu convenci- o exemplo do homicídio, cuja pena base está entre 6 e 20 anos, mas
mento, formado durante o processo. quando qualificado, esta passa para 12 a 30 anos.
Todavia, essa discricionariedade é limitada a fim de prevalecer Na primeira e segunda parte é impossível a fixação da pena
uma pena justa e suficiente para aquele delito e aquele delinquente. abaixo do mínimo ou acima do máximo, independente do fato de
Essa limitação está exatamente na exigência de fundamentação de todas as agravantes estarem contra o autor, ou todas as atenuantes
todos os argumentos utilizados na sentença, seja ela condenatória ou a seu favor, posto que a lei não estabelece quanto deve diminuir ou
absolutória, prevista no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal. aumentar.
A fundamentação faz-se necessária também, como lembra Bar- Já na terceira fase, onde são aplicadas as causas de aumento e
reiros, em caso de recurso. Estando a parte inconformada com a de- diminuição, tendo em vista que a lei traz previsão de quanto deve
cisão, irão exercitar e fundamentar seu direito de recurso com base aumentar ou diminuir, a pena final aplicada pode ficar abaixo do
na motivação. mínimo ou acima do máximo previsto para o tipo penal do caput.
Atualmente, entende-se que essa fundamentação somente se Havendo conflito entre circunstâncias judiciais favoráveis e
faz necessária, em relação aos pontos desfavoráveis ao infrator, vez desfavoráveis ao agente, deve-se levar em conta primeiramente as
que, para fixação da pena o juiz parte do mínimo previsto em lei e que digam respeito à personalidade do agente, aos motivos do crime
a pena final não pode ser inferior a esse mínimo. Presume-se assim e aos antecedentes, em seguida as circunstâncias subjetivas e, final-
que as circunstâncias não mencionadas são favoráveis ao réu.
mente, as consequências do crime e o comportamento da vítima.
O Código Penal, como ressalta Damásio, adotou o sistema de
Nos ensina Capez, que as circunstâncias judiciais do artigo 59,
fixação de pena de Nelson Hungria, que a divide em três fases. Na
além de influenciarem na fixação da pena, também são levadas em
primeira, o juiz deve considerar primeiro as circunstâncias judiciais
conta na fixação do regime de cumprimento da pena final fixada,
do artigo 59, dentre elas o comportamento da vítima, em relação à
devendo também ser fundamentada com base nelas a fixação de um
pena abstrata, para depois levar em conta as circunstâncias legais
regime mais severo ou mais brando. O artigo 59 também terá rele-
genéricas, sendo elas as agravantes e atenuantes, para, em seguida,
vância quando a lei e o caso concreto permitirem a substituição da
aplicar as causas de aumento ou diminuição. Estas últimas fases são
aplicadas em relação à pena fixada na primeira fase. pena privativa de liberdade por outra.
Essa posição é questionada pela doutrina, pois pode levar o juiz
a considerar duas vezes a mesma circunstâncias, ou seja, ao fixar a Síntese Histórica
pena base levaria em conta, por exemplo, o motivo, com fundamen-
to no artigo 59, e depois, na segunda fase, consideraria o mesmo As escolas penais, tanto a Escola Clássica de Becaria e Fuerba-
motivo, com fundamento no artigo 61, II, “a”. ch, como a Escola Positiva de Lombroso, Ferri e Garofalo, estavam
Essa discussão, contudo, segundo Damásio, não é correta, ten- centradas nos elementos delito/delinquente/pena. Não houve grande
do em vista que o juiz, ao levar em conta qualquer circunstância, preocupação com a vítima.
deve fundamentá-la de forma pormenorizada. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes e Antônio Garcia Pablos de
Molina comentam: “O abandono da vítima do delito é um fato
O artigo 68 do Código Penal trata da aplicação da pena, discipli- incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito
nando que esta se dará segundo os critérios do artigo 59, já estudado Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política
no item anterior, seguida da aplicação das circunstâncias atenuantes Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da
ou agravantes e das causas da diminuição ou aumento da pena. Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denun-
Cabe primeiramente diferenciar as elementares, que são os ciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo, advertem,
componentes essenciais do tipo sem as quais este não existe ou pode acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do
se configurar em outro, das circunstâncias que, como aponta Capez, infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito
são dados que se agregam à figura típica sem alterar o tipo, servindo da previsão social e do Direto civil material e processual”.
apenas para a dosagem da pena. Praticamente, só no final da Segunda Guerra Mundial, um ad-
Os critérios do artigo 59 bem como as atenuantes ou agravan- vogado de origem israelita chamado Benjamin Mendelsohn, tam-
tes, as causas de aumento ou diminuição, são circunstâncias, levadas bém vítima da guerra, começou a pensar em sistematizar uma nova
em conta na fixação da pena. As circunstâncias do referido artigo ciência ou desenvolver um ramo da criminologia que foi a vitimo-
são judiciais, pois são fixadas pelo juiz, de acordo com seu conven- logia.
cimento. Já as causas de aumento ou diminuição e as atenuantes ou Sua obra “Horizonte Novo na ciência Bio-psicosocial – A Vi-
agravantes são causas legais, que, quando presentes, devem obriga- timologia”, publicada em 1956 passou a ser um marco no assunto,
toriamente ser apreciadas pelo juiz, ficando a critério deste somente seguido posteriormente, de vários outros estudos iniciando uma fase
o quantum da atenuação ou agravamento. As causas de aumento ou de redescoberta da vítima, pois, até então não passava de um subde-
diminuição trazem o quantum já previsto no dispositivo legal. senvolvido sujeito passivo no crime ou no processo penal.

Didatismo e Conhecimento 15
CRIMINOLOGIA
Importante ainda, ressaltar no processo evolutivo, a Resolução Todavia, este argumento posteriormente fora refutado por Men-
n.º 40/34 denominada Declaração Universal dos Direitos da Vítima, delsohn, que ao ampliar seu conceito, considerando todas as catego-
promulgada pela ONU em 29 de novembro de 1985. rias de vítimas na sociedade, inclusive as não decorrentes de crimes,
Nesse sentido, Antônio Scarance Fernandes reconhece a im- antecipou-se à concepção atual de vitimologia. É por esta amplitude
portância da vítima na história do Direito Criminal, citando três conceitual que transcende o estudo das vítimas criminais, que a vi-
momentos distintos na história processual penal: o primeiro ainda timologia era considerada por Mendelsohn e hoje, por vários outros
à época da vingança Privada ou Justiça Privada, depois, correspon- estudiosos, como ciência autônoma.
deria, a punição do culpado, a um dever sagrado exercido conjun- Essa consolidação da vitimologia como ciência independente,
tamente pela Igreja e Estado e, por último, o estágio atual onde o veio a se confirmar com a Declaração dos Princípios Básicos de Jus-
direito de punir é exclusivo do Estado. tiça para as Vítimas de Delitos e Abuso de Poder, no 7° Congresso
A preocupação com a reparação causada injustamente como das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e Tratamento do
medida de justiça remonta desde a antiguidade, embora sem a cla- Delinquente, no ano de 1985, em Milão.
reza científica da vitimologia atual, como podemos verificar através Nesse congresso firmou-se um conceito mundial de vítima,
dos Códigos e Leis antigos, dentre eles o Código de Ur-Nammu, as como sendo o individuo ou coletividade que tenha sofrido lesões de
Leis de Eshnunna, o Código de Hammurabi, o Alcorão, o Código de qualquer tipo (físicas ou psíquicas) em decorrência de violações da
Manu e a Lei das XII Tábuas. legislação de cada Estado-Membro ou ainda de normas reconheci-
A vitimologia nasceu após a segunda Guerra Mundial, mais das mundialmente, relativas a Direitos Humanos.
especificamente em 1947, dois anos após seu término, em decorrên- No Brasil, temos como estudiosos do tema Edgard de Moura
cia do sofrimento dos judeus pelo nazismo de Hitler que teve como Bittencourt, Laércio Pelegrino e a professora Arminda Bergamini
resultado milhões de mortos, feridos e desaparecidos que chocou o Miotto, que contribuíram para a difusão da vitimologia no país.
mundo e influenciou o Direito Penal na Europa.
Com isso, o estudo da vítima, que se encontrava esquecida des- A aplicabilidade da Vitimologia no Brasil
de a época da vingança privada, voltou a ter importância deixando
de ser o Direito Penal, o Direito dos Criminosos, como afirmou Car- Atualmente temos o que podemos chamar de criminalida-
rara.
de oculta vez que nem todos os delitos que ocorrem são levados
Nos mostra Calhau que o estudo da vítima teve como seu pre-
a conhecimento das autoridades policiais e judiciária (cifra negra)
cursor Benjamim Mendelsohn, Professor Emérito da Universidade
devido ao medo de represálias ou pela descrença na justiça penal,
Hebraica de Jerusalém e também vítima da Guerra, quando falou em
fazendo com que as estatísticas oficiais não representem fielmente a
1947 sobre o assunto na conferencia realizada na Universidade de
real criminalidade.
Bucareste. No ano seguinte o tema foi abordado por Hans Von Hen-
tig ao divulgar sua pesquisa “O criminoso e sua vítima” na universi-
Assim, as pesquisas de vitimização compostas por questioná-
dade de Yale, onde traçou a importância da psicologia no estudo da
vítima juntamente com seu ofensor. rios estruturados, direcionados às vítimas dos delitos, sem levar em
Após estes estudiosos que deram o primeiro passo, outros vie- conta as estatísticas oficiais, como aponta Molinas, “permitem ava-
ram a discutir o tema, com destaque para Vasile Stanciu autor de liar cientificamente a criminalidade real, constituindo a técnica mais
grandes obras sobre sociologia criminal, com enfoque para a viti- adequada para quantificá-la e identificar suas variáveis”. Permitem
mologia. identificar variáveis como idade, nível econômico e sexo das vítimas
A vitimologia se consagrou como disciplina criminológica em em cada tipo de delito, facilitando os programas de prevenção.
1956 quando o próprio Mendelsohn sistematizou vários estudos de
sua autoria; começou a crescer, chegando em 1965 à América La- Nosso pais é recordista em analfabetismo, desigualdade social
tina, com Jimenez de Asúa, sendo ali o primeiro jurista a se ocupar pela alta concentração de renda nas mão de poucos, desemprego,
dela em seminário realizado na Faculdade de Direito de Buenos Ai- desnutrição infantil e falta de saneamento básico e água potável. Es-
res. Em seguida, chegou a Israel, onde foi realizado no ano de 1973, ses fatores favorecem, e muito, o processo de vitimização da nossa
na cidade de Jerusalém, sob a supervisão de Israel Drapkin (diretor população. Daí a necessidade de se dar maior importância à vitimo-
do Instituto de Criminologia da Faculdade de Direito da Universi- logia, não só buscando a punição do infrator ou a reparação das con-
dade Hebraica de Jerusalém), o I Congresso Internacional de Viti- sequências de sua conduta mas também orientando o Poder Público
mologia onde se discutiu as causas da vitimização e sua prevenção na prevenção dessas causas de vitimização.
e pesquisa.
Após este, vários outros simpósios foram organizados ao longo O estudo da vítima, sob seus variados aspectos constitui um
dos anos pelo mundo: 1976 em Boston, Estados Unidos; 1979 em dos grande desafios das ciências criminais. O assunto reúne à eleva-
Munter, República Federal da Alemanha; 1982 em Tóquio e Quioto, ção teórica uma significativa importância prática, isso concernente
Japão; 1985 em Zagreb, Iugoslávia e os Congressos Internacionais ao comportamento da vítima no julgamento e aplicação da pena e
realizados em 1980 nos Estados Unidos e em 1982 na Itália. quanto à reparação do dano.
O surgimento repentino da vítima, a exemplo do que ocorrera Podemos afirmar que a vítima foi, durante muito tempo esque-
no passado com o criminoso, fez com que Mendelsohn propusesse à cida, porém, modernamente, e com a edição da Lei n.º 9.099/95 que
ONU que considerasse a vitimologia como uma ciência e não mais trouxe importantes modificações, a tendência atual do direito penal,
como um desdobramento da criminologia, o que foi objetado por seguido por outros ramos do Direito, é a valorização da vítima.
Pinatel sob o argumento de que criminoso e vítima são indissociá- Resta claro, pois, que ainda há muito a se explorar, porém, é
veis, sendo a criminologia e a vitimologia o estudo do fato crimino- mister concluirmos pela ascensão do papel da vítima como elemento
so como um todo, definindo a tese de Mendelsohn como abrangente. estrutural do Estado Democrático de Direito.

Didatismo e Conhecimento 16
CRIMINOLOGIA
Direitos das vítimas As orientações psicológicas, entendida esta expressão em sua
Basicamente os direitos das vítimas consistem em tratamento acepção mais ampla, buscam a explicação do comportamento deliti-
justo e respeito à sua dignidade e privacidade; proteção contra agres- vo no mundo anímico do homem, nos processos psíquicos anormais
sor; informação sobre a tramitação processual, e garantia de pre- (psicopatologia) ou nas vivências subconscientes que têm sua ori-
sença em corte; acesso ao acusador público; restituição das coisas gem no passado remoto do indivíduo e que só podem ser captadas
indevidamente tomadas ou apreendidas; informação sobre a conde- por meio da introspecção (Psicanálise); ou, ademais, creem que o
nação, a sentença, a prisão e a libertação do agressor. comportamento delitivo, em sua gênese (aprendizagem), estrutura
A Declaração sobre os princípios fundamentais de justiça para e dinâmica, tem idênticas características e se rege pelas mesmas
as vítimas de delitos e do abuso de poder, da ONU, deram a direção pautas que o comportamento não-delitivo (teorias psicológicas da
que foi seguida pela norma americana: garantia de ACESSO A JUS- aprendizagem).
TIÇA E TRATAMENTO JUSTO; tratamento com compaixão e res- Por último, as orientações sociológicas contemplam o fato deli-
peito; Informação sobre seu papel e alcance; assistência apropriada tivo como “fenômeno social”, aplicando à sua análise diversos mar-
(legal, medica, psicológica); ressarcimento dos danos; informação cos teóricos precisos: ecológico, estrutural-funcionalista, subcultu-
sobre a tramitação processual. ral, conflitual, interacionista etc.
De qualquer maneira, a atual polêmica se desenvolve tendo por
Direitos Humanos e Vitimologia base pacífica o método empírico, o método científico.
Direitos Humanos e vitimologia resultam de um novo olhar so-
bre as vítimas, como consequência dos horrores da 2ª Guerra e do - A moderna criminologia “científica”: modelos teóricos ex-
nazi-fascismo. Não é obra do acaso o fato de o primeiro instrumento plicativos do comportamento criminal. Tradicionalmente tem-se
vinculante, promulgado no âmbito da ONU, ter sido a Convenção destinado à Criminologia, entre outras, a função de explicar cien-
contra o Genocídio, em 9 de dezembro de 1948, um dia antes da tificamente o crime elaborando modelos teóricos que esclareçam a
promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos. etiologia e gênese deste problema social e comunitário. E a Crimi-
A vitimologia é uma espécie de “filha” da Criminologia, ou nologia o tem tentado desde seu início, com melhor ou pior fortuna,
parte dela. Integra com esta última os pilares das ciências criminais seguindo caminhos muito diversos:
(ciência do direito penal, criminologia e política criminal). Analisa
o sistema de justiça e segurança. O seu objeto de estudo faz parte A Criminologia clássica e neoclássica: partiam do dogma do
(estando contido) no âmbito de atuação dos direitos humanos. O âm- livre arbítrio porque não poderiam admitir sequer a hipótese de que
bito dos direitos humanos é mais amplo. Abrange os direitos civis o comportamento humano estivesse regido por causas ou fatores.
e políticos (como vida, liberdade, integridade física e mental, julga- Opostas ao determinismo biológico ou social, atribuíam o crime
mento justo, propriedade, etc.), mas também acrescenta os direitos a uma decisão racional e livre do infrator baseada em critérios de
econômicos, sociais e culturais, conhecidos como DESCs. Assim, utilidade e oportunidade. A Escola Clássica e neoclássica não pro-
vítimas de fome, despejos forçados e coletivos, desemprego, discri- fessaram, portanto, uma teoria etiológica da delinquência senão, ao
minação, doenças, etc, são sujeitos de direitos no direito internacio- máximo, uma teoria situacional da mesma.
nal dos direitos humanos. O olhar solidário as enxerga, e as traz para
protagonizarem as lutas em defesa do reconhecimento e respeito de A Criminologia positivista: (que se inicia com a Scuola Positi-
seus direitos. va), pelo contrário, abraça o paradigma etiológico (busca das causas
do delito). Sua conhecida análise causal-explicativa atribui o com-
Quanto ao modo de atuar, a interdisciplinaridade caracteriza portamento criminal a certos fatores biológicos, psicológicos ou so-
tanto a criminologia e a vitimologia quanto os estudos de direitos ciais que determinariam o mesmo. Não obstante, na atualidade, estes
humanos. enfoques outrora simplistas e monocausais se tornaram mais com-
plexos apontando inclusive para modelos explicativos integrados;
e utilizando uma linguagem estatística relativizadora que mitiga as
pretensões deterministas radicais de seus pioneiros.
- CRIMINOLOGIA CIENTÍFICA E OS SEUS
MODELOS TEÓRICOS. No marco da Sociologia criminal: a teoria da reação social ou
do etiquetamento (labelling approach) marca um novo caminho ao
substituir as teorias clássicas (etiológicas) da criminalidade pelas
Com a luta de Escolas surgiram no panorama criminológico chamadas teorias da criminalização. Para o labelling approach, en-
três orientações relativamente definidas: as biológicas, as psicoló- foque que assume os postulados do modelo conflitual, não interes-
gicas e as sociológicas. sam as causas do delito, do desvio primário, senão os fatores e vari-
áveis que decidem o curso seletivo e discriminatório dos processos
As primeiras cuidam de novo do homem delinquente, tratan- de criminalização. Não importa porque se delinque, senão porque
do de localizar e identificar em alguma parte de seu corpo ou no precisamente certas pessoas são etiquetadas como delinquentes pe-
funcionamento dos diversos sistemas e subsistemas deste, o fator las instâncias do controle social formal. A análise criminológica se
diferencial que explica a conduta delitiva que é entendida como con- desloca, como consequência, do âmbito etiológico abstrato ao con-
sequência de alguma patologia, disfunção ou transtorno orgânico. creto dos processos de criminalização que administram as agências
As hipóteses são tão variadas como as disciplinas e especialidades do controle social de forma muito discriminatória, já que o decisivo
que existem no âmbito das ciências: antropológicas, biotipológicas, para estas não é o feito cometido (natureza definitória do delito) po-
endocrinológicas, genéticas, neurofisiológicas, bioquímicas etc. rém a condição do autor.

Didatismo e Conhecimento 17
CRIMINOLOGIA
Finalmente, diversas correntes da moderna Criminologia: (car- O modelo que agora se examina não é um modelo unitário e
reiras e trajetórias criminais, teorias do curso da vida, Criminologia monolítico. Receber contribuições de procedência muito distinta,
do desenvolvimento etc.) tratam de explicar o delito seguindo um cunhadas em marcos históricos também diferentes. Nasce, sem dú-
enfoque dinâmico com métodos preferencialmente longitudinais de vida, com o pensamento do Iluminismo que professava uma ima-
acordo com a natureza do processo de consolidação e mudança dos gem do homem como ser racional e livre; e uma concepção con-
padrões de conduta do indivíduo e a própria gênese do comporta- sensual da ordem social (filosofia do contrato social), que assumiu a
mento criminal, que evoluem em função das diversas etapas do cur- chamada Escola Clássica. No dito cenário, o dogma do livre arbítrio
so da vida do infrator. Estes enfoques dinâmicos, evolutivos, sequer não pretendeu oferecer uma teoria etiológica da criminalidade, das
pretendem trazer uma análise etiológica do delito (não, ao menos, causas desta, senão o suporte de uma resposta legal racional e justa
no sentido tradicional, de causas remotas ou processos causais que ao delito. Posteriormente, as orientações economicistas têm conver-
repousam no passado do sujeito e predeterminam sua conduta), nem tido um princípio abstrato racional-utilitarista pensado como funda-
uma teoria generalizadora da criminalidade. Perseguem, ao contrá- mento ao novo sistema de penas, no eixo e modelo do atuar humano,
rio, descrever a gênese do comportamento delitivo dinamicamente,
ao fazer da ponderação de custos e benefícios, do equilíbrio de ga-
isto é, inserindo o processo e evolução dos padrões de conduta no
nâncias e perdas, o critério diretor de qualquer decisão do indivíduo.
curso da vida do autor, nas diversas etapas deste, estudando, caso a
caso o comportamento das variáveis que interagem no mesmo.
A velha análise utilitarista de Bentham, redefinida e abafada
A presente classificação sublinha, a meu modo de ver, quatro com o manto fascinante de refinados métodos quantitativos conver-
dos principais modelos ou enfoques teóricos explicativos do com- teu o arquétipo quase algébrico da opção racional (opção econômi-
portamento criminal. Não esgota, contudo, a rica gama de recursos ca) em um novo modelo ou teoria explicativa do delito com pre-
e instrumentos que utiliza a Criminologia para analisar e descrever a tensões de universalidade. A teoria dissuasiva clássica se torna em
etiologia ou a gênese do delito. Teria que se mencionar, além disso, teoria da criminalidade. Finalmente, o paradigma da opção racional
aos autores que renunciam à pretensão ambiciosa de formular teo- culmina durante os últimos quinquênios na evolução mencionada
rias gerais da criminalidade optando por trazer no lugar das mesmas operando como cobertura teórica dos modelos prevencionistas nos
tipologias; ou análise sobre os fatores de risco. quais se integra. Estes constituem, sem dúvida, sua vocação natural.
As teorias situacionais, as de atividades rotineiras e as do meio am-
Não obstante, analisamos a teoria da reação social ou do etique- biente têm ressaltado o interesse prático que com objetivo da eficaz
tamento não como modelo ou paradigma independente (o conflito prevenção do delito tem o desenvolvimento e explicação do modelo
das teorias da criminalização), que provavelmente o seja, senão mar- analisado.
co das teorias de orientação sociológica. A decisão, que responde a
razões didáticas e expositivas, pretende situar a teoria do labelling Prescindindo dos antecedentes remotos do paradigma da opção
em seu contexto correto, sem isolá-la de outras teorias sociológicas. racional no mundo ilustrado e clássico e dos modelos dissuasivos
Não deve, contudo, induzir a erro porque a diferença de muitas des- que articulavam o sistema de penas daquele, muito arraigados no
tas últimas, a teoria da reação social ou do etiquetamento não é uma pensamento penal tradicional, pode se considerar representativa
teoria etiológica, senão uma teoria da criminalização. desta análise a obra de Wilson e Herrnstein, junto a Clarke e Cor-
nish, Becker, entre outros. Ponto de partida é a tese de que o ser hu-
- O modelo clássico do livre arbítrio da opção racional e te- mano se comporta de uma maneira ou outra dependendo das expec-
orias situacionais da criminalidade: o modelo da opção racional, tativas que associa em termos de benefícios e custos (não somente
a diferença das teorias etiológicas da criminalidade do modelo econômicos) a sua conduta, o que serviria também para a delitiva.
científico-positivista, não se remonta ao passado para buscar as cau- Face à imagem muitas vezes atormentada do infrator, e do delito
sas últimas do delito. Precisamente por sua herança ius naturalista mesmo, que muitas vezes trazem as teorias clássicas da criminalida-
(dogma do livre arbítrio) faz uma abstração deliberada dos fatores
de, o novo paradigma da opção delitiva desmistifica e retira o drama
que possam ter influído na decisão delitiva (predisposição deste,
ao invés de manter a racionalidade da opção delitiva que, sob um,
pulsões internas, frustrações, etc.), negando-lhes em todo caso rele-
ponto de vista motivacional, seria regida pelos mesmos padrões de
vância causal etiológica. Por isso, para quem ao longo dos séculos
conduta de qualquer outra decisão humana: seus custos e benefícios.
e de enfoque muito heterogêneo participam desta análise, filósofos,
economistas, psicólogos, juristas, importa fundamentalmente a pró-
pria eleição do autor, sua opção livre e racional a favor da conduta Naturalmente, se trata sempre de uma racionalidade limitada,
delitiva; decisão que, como qualquer outra decisão do indivíduo e não absoluta, e de um cálculo de custos e benefícios complexos nos
pela natureza deste, se explica por critérios utilitários que pondera quais intervêm numerosas variáveis, apreciadas subjetivamente pelo
o mesmo em cada contexto situacional ou cenário. O modelo da autor em um determinado momento temporal e contextual. O dito
opção racional realça, portanto, no presente do autor; sua autonomia cálculo foi submetido a possíveis erros e distorções porque não se
para decidir, livre de processos causais que determinem sua conduta; leva a cabo em um cenário ideal e o delinquente pode ter que deci-
e o utilitarismo de suas ações, guiado pelo anúncio da situação e dir em pouco tempo, com escassa informação e com suas próprias
da oportunidade. Como consequência, não verá no crime a resposta limitações cognitivas. Varia, ou pode variar, com cada delito, com a
cega aos conflitos, complexos ou tensões anímicas do sujeito; nem situação ou marco concreto no que este produz e com a personalida-
o produto inevitável da herança; nem o resultado de um complexo de do autor. Do mesmo modo, os conceitos de custo (castigo, perdas
processo de aprendizagem; ou de determinados fatores sociais; se- etc.) e benefício (recompensa, prazer etc.) associados ao comporta-
não, simplesmente, uma eleição racional e livre do autor. mento delitivo têm diversas dimensões e conteúdos.

Didatismo e Conhecimento 18
CRIMINOLOGIA
O primeiro (custo), inclui não somente as sanções formais, se- Excurso: O denominado neoclassicismo ou moderno classi-
não também, as perdas materiais, a desaprovação da conduta por ter- cismo. O crime como economic choice. Assistimos na década de
ceiras pessoas, o temor à vingança da vítima, o complexo de culpa setenta, do século passado, a um chamado revival do classicismo e
etc. Quanto aos benefícios ou recompensas, teria que se ponderar, de seus esquemas teóricos (let the punishment fit the crime). A um
também, a gratificação emocional, a aprovação dos pais e amigos, a tardio ressurgir ou retorno à ideia do castigo, da retribuição e do
satisfação pelo ajuste de contas com um inimigo, o realce do próprio controle social como meios eficazes de prevenção do delito, em um
sentimento de justiça etc. sentido muito semelhante ao que em seu dia mantiveram os autores
clássicos.
Três suborientações criminológicas respondem fundamental- Três fatos explicam, ao menos nos Estados Unidos, tal mudan-
mente às premissas do modelo da opção racional: o denominado ça de enfoque. O fracasso do positivismo em seu intento de isolar e
neomodernismo ou escola neoclássica, de acusado viés economi- identificar os fatores criminógenos e de oferecer uma teoria genera-
cista, as teorias das atividades rotineiras, que acentuam a relevância lizadora do delito; o escasso êxito dos programas ressocializadores,
etiológica do fator oportunidade e, por último, as teorias espaciais, que tornaram ambiciosas expectativas em frustração social e desen-
herdadas da tradição ecológica, que sublinham o meio ou entorno canto; e, por último, o incremento das taxas reais de criminalidade
físico colocando em destaque o particular atrativo criminógeno de e, em consequência, a necessidade apressada de dar resposta a curto
determinados lugares (hot spots). prazo e com eficácia a um problema grave.
Esta nova orientação, acusadamente neo-retribucionista, rene-
- Teoria da opção racional como opção econômica (“econo- ga os programas a longo prazo, das metas reabilitadoras, das inves-
mic choice”): os modelos de orientação economicista neoclássicos. tigações dirigidas a averiguar os fatores individuais e sociais que
A concepção do delinquente como indivíduo racional e livre que propiciam o fato criminal e, em seu lugar, voltam-se os olhos para
opta pelo crime em virtude de uma decisão guiada por critérios sub- a ideia do castigo, da retribuição, do just deserts, revivendo a polê-
jetivos de utilidade, tem larga tradição na Criminologia. Até o ponto mica sobre a pena capital e, sobretudo, sobre o efeito dissuasivo e
que para alguns autores as atuais teorias economicistas da crimina- efetividade das sanções (deterrence).
lidade reproduzem, com dois séculos de atraso, o pensamento de O moderno classicismo aborda o problema do impacto dissu-
Bentham. Não obstante, a análise econômica do delito transcende a asivo e efetividade das penas (deterrence), tratando de desenvolver
mera reformulação do pensamento racionalista e utilitário do mundo os esquemas clássicos à luz dos conhecimentos que hoje fornecem
clássico e ilustrado, tanto de um ponto de vista metodológico e ins- as ciências da conduta e dos dados trazidos por investigações empí-
trumental como ideológico. ricas a respeito da incidência da certeza e severidade do castigo nas
taxas da criminalidade.
Metodologicamente, a grande influência da Economia nas ciên- Enquanto a polêmica sobre a deterrence foi levada a cabo por
cias sociais e humanas tem generalizado o emprego de técnicas de sociólogos e criminólogos, os economistas monopolizaram a re-
investigação quantitativas (sobretudo, econométricas) à análise do lativa a respeito da severidade, celeridade e certeza da sanção nas
problema do crime, propiciando o êxito de um paradigma ou mode- decisões do delinquente potencial ou cidadão indeciso (“técnicas
lo, o da opção racional, que aquela professa de forma monopolista econométricas”). Desde G. S. Becker proliferaram-se os estudos
e trata de aplicar ao estudo de qualquer decisão humana. Não é em que respondem à denominada análise econômica do delito; isto é, se
vão, a juízo de um de seus pioneiros, Becker, a Criminologia poderia contempla a opção delitiva como uma opção racional, “econômica”
limitar-se a estender-se ao fenômeno criminal dito análise (econo- (economic choice) em termos de custos e benefícios para o autor
mic choice) prescindindo, sem mais das teorias convencionais da (não somente estritamente monetários; também se ponderam outros
anomia, a frustração, a herança etc. fatores: o prestígio, conforto, gosto, conveniência etc.); desde a aná-
lise econômica se reclama, também, um funcionamento operativo e
A análise econômica do delito tem contribuído, sem dúvida, decisional do sistema penal que responda ao citado cálculo de custos
para consolidar uma imagem de normalidade do infrator (e do pró- e benefícios.
prio fato criminal); racionalizar a resposta legal ao mesmo, otimi-
zando o emprego dos sempre escassos recursos do sistema; e, sobre- Procede, pois, examinar a denominada Escola “Neoclássica”
tudo, desenhar eficazes políticas criminais de prevenção e controle, ou “moderno classicismo”, ainda que mais de dois séculos separem
ponderando sempre critérios de custos e benefícios. seus representantes daqueles da Escola Clássica do final do século
XVIII.
Que a decisão racional de custos e benefícios expresse a es- Como recorda Schneider, a originária Escola “Clássica” pola-
trutura motivacional do infrator, e a de qualquer cidadão nos mais rizou toda sua teoria da criminalidade acerca do “livre arbítrio” e à
diversos âmbitos da vida humana, não exclui a possibilidade de va- racionalidade do indivíduo, signos distintivos do ser humano e cha-
lorações subjetivas discrepantes daqueles elementos pelos quais os ves de seu comportamento que lhe permitiram professar um profun-
processos decisórios seguem o mencionado esquema, mas intervêm do otimismo antropológico. O panorama mudou substancialmente
uma infinidade de variáveis, incluídas as pessoais. ao se impor o determinismo positivista, se bem que os postulados
clássicos subsistiram no âmbito da Dogmática Penal e no da “exe-
Mas o significado ideológico profundo do modelo racional da cução penal”. Com a crise do positivismo criminológico reaparecem
economic choice e seu contexto histórico pedem uma análise mais fortalecidos, com o apoio agora de um enfoque racionalista de corte
detida do denominado “neoclassicismo” ou “moderno classicismo”, econômico que vê no crime sem dúvida alguma, o resultado de uma
que triunfou nos EUA durante a década de setenta do século passa- opção livre, racional e interessada do indivíduo de acordo com uma
do. análise prévia de custos e benefícios.

Didatismo e Conhecimento 19
CRIMINOLOGIA
A primeira formulação nesse sentido procede do economista G. Por isso, partem do princípio de que as pessoas delinquem
S. Becker (em 1968), bem secundado, posteriormente (1973), pelo quando o coeficiente de benefícios e respeito dos custos é maior para
também economista I. Ehrlich. o comportamento criminal que para as alternativas não criminais. O
Segundo Becker, reiterando a argumentação dos clássicos, nada castigo, no entender dessa concepção, é um custo da atividade deli-
distingue o homem delinquente do não delinquente do ponto de vista tiva que, sendo certo, severo e com recursos (capital e mão-de-obra)
da racionalidade de seu comportamento, da estrutura motivacional pode diminuir as taxas daquela.
de um e outro. O que varia são as consequências que, em cada caso,
se desprendem de uma análise dos custos e benefícios derivados da Existem também diversas investigações sobre o efeito intimida-
decisão criminal que o infrator potencial pondera antecipadamente. tório e dissuasivo da aplicação de leis penais. V. Tullock (1980) e P.
Mas também esta é uma opção “racional”. O infrator valora, segun- J. Cook (1980), entre outros, manifestam seu convencimento de que
do suas fontes de informação, as “chances” que existem e escolhe quando falha o controle social formal (por exemplo, no caso de gre-
aquela alternativa que lhe traz maiores vantagens com os menores ves da Polícia) incrementam-se as taxas de criminalidade de forma
custos e riscos. alarmante. O efeito duradouro, a longo prazo, de uma aplicação con-
Em termos semelhantes se pronuncia Isaac Ehrlich, para quem sequente das leis penais consistiria, então, na fiança dos valores da
delinquente e não-delinquente reagem do mesmo modo e a idênticos sociedade, na criação de hábitos ajustados aos Direito e em respeito
estímulos, de acordo com a conhecida análise de custos e benefícios. às leis. Previsões radicalmente otimistas sobre as possibilidades de
O criminoso potencial, sobretudo nos delitos patrimoniais avalia o prevenir a criminalidade mediante o mencionado efeito dissuasivo
lucro e as vantagens pretendida, de uma parte (“benefícios”), e de das leis penais, efetiva e eficazmente aplicadas, podem ser encontra-
outra, a probabilidade de sua captura, apresentação ao juiz e impo- das em P. H. Rubin (1980). Segundo este autor, a sociedade tem o
sição de uma pena, assim como a gravidade e duração de uma even- crime que quer ter; isto é: dinheiro e meios para Polícia, Tribunais
tual privação de liberdade (“custos”). E atua como consequência. e estabelecimentos penitenciários que tornem muito verossímil a
Segundo Ehrlich, o indivíduo é um ser racional, não um preso de detenção e o castigo de todos os delinquentes. É fácil conseguir as
seu entorno, que nasce com a capacidade de escolher seu próprio máximas cotas de prevenção da criminalidade incrementando a du-
futuro, mediante o uso pragmático de seus recursos e possibilida- ração das penas privativas de liberdade e impondo um castigo mais
des, orientados à consecução de máximo proveito pessoal. Existiria, severo aos delinquentes.
pois, uma espécie de mercado invisible de ações delitivas que coor- Shlomo e Reuel Shinnar (1975) têm tratado de analisar, por sua
dena as modalidades de comportamento infrator, de suas possíveis parte, a comissão de delitos e a probabilidade de se converter em
vítimas e da aplicação das leis penais. Mercado em situação de equi- vítima de acordo com a menor ou maior gravidade das penas exis-
líbrio estável mercê à competição de preços diferentes: preços dos tentes e as modalidades de execução destas. Partem ambos de uma
negócios ilegais (preços “abertos”) e preços do sistema penal e dos constatação: a probabilidade de se converter em vítima de determi-
dispositivos privados de prevenção do delito (“preços na sombra”). nados delitos ao longo de toda vida passou, na cidade e no Estado de
A maior severidade das penas e a certeza, também maior, da efetiva Nova York, de 14% a 99% de 1940 a 1970; correlativamente houve
imposição das mesmas, produzirá, um indiscutível impacto dissua- aumento. Os custos e riscos unidos à comissão de tais delitos dimi-
sivo na comunidade, com a consequente queda da delinquência. O nuíram de forma sensível para o infrator potencial, durante o citado
risco comprovado de receber uma pena (que resulta da probabili- período (entendendo por “custos” e “riscos” a duração média das pe-
dade de ser capturado, condenado e executado o castigo) dissuade, nas privativas de liberdade impostas a uma pessoa condenada). De
sem dúvida, a uma parte da sociedade da comissão de delitos por acordo com S. e R. Shinnar, a tendência paulatina dos Tribunais de
medo do castigo. Dito efeito desestimulante nas penas privativas de Justiça a impor penas privativas de curta duração, e outros substitu-
liberdade tem uma relação estreita com a duração daquelas. Por isso, tivos destas, reduziu os custos da comissão do delito para o criminal.
a pena capital tem um óbvio impacto intimidatório em homicidas De modo que, existiria uma clara correlação, para os autores citados,
potenciais, superior ao da pena de perpétua privação de liberdade. entre o aumento muito apontado da criminalidade e as mudanças
Sob esta ótica economicista, os mecanismos de autoproteção empre- (mitigação) no processo e modalidades de execução das leis penais:
gados pelas vítimas em potencial do delito elevam os custos deste, se reduz a duração da pena e a segurança de sua imposição, afirmam,
a dificultar e encarecer sua execução. Por último, segundo Ehrlich, crescerá a criminalidade, posto que são reduzidos os custos e riscos
a desigualdade de receita e o desemprego involuntário são causas do infrator em potencial.
da criminalidade, pelo que seria oportuno buscar cotas superiores Não é necessário ressaltar, todavia, que um enfoque economi-
de ocupação e uma progressiva equiparação de rendas e acesso à cista rigoroso tem só aplicabilidade relativa ao mundo do crime.
cultura e instrução. Nem todos os delitos respondem a ações racionais e econômicas
nem pode supor-se que uma opção racional, exclusivamente racio-
Um modelo “economicista” similar de Ehrlich tem sido desen- nal, separa as “carreiras” criminais das não criminais. O homem não
volvido e aplicado por outros autores em diversos âmbitos de crimi- é tampouco um ser ideal e racional que opta, em cada momento, de
nalidade. Assim, por Ann P. Bartel (1979), com relação à criminali- acordo com uma análise puramente econômica de custos e benefí-
dade feminina; e por William M. Landes (1979), a propósito do se- cios. Outro dos postulados do enfoque exposto, o impacto preventi-
questro de aeronaves; por Wiliam E. Cobb (1973), G. Krohm (1973) vo e dissuasório da pena, tampouco conta com o necessário respaldo
e J. P. Gunning (1973) em determinadas modalidades de roubo etc. empírico. Nem a pena intimida o que se supõe, nem o faz da forma
que às vezes se pensa. Que a criminalidade aumentou porque expe-
Em definitivo, todas estas doutrinas buscam articular políticas rimentou-se uma suavização das penas é uma tese sem fundamento.
de controle do delito racionais a partir de um ponto de vista econô- Poder-se-ia sustentar o contrário, que as penas são cada vez menos
mico. severas porque a criminalidade aumenta.

Didatismo e Conhecimento 20
CRIMINOLOGIA
A experiência parece demonstrar que os Tribunais contam com
a superpopulação dos cárceres no momento de ditar suas sentenças.
- O HOMEM DELINQUENTE. TEORIAS
E que uma maior intensidade na ação policial, e na dos restantes BIOANTROPOLÓGICAS, PSICODINÂMICAS
controles formais, têm menos repercussão da que poderia estimar E PSICO-PSICOLÓGICAS.
na prevenção do delito. Cumprir-se-ia a profecia de Jeffery: mais
Polícia, leis mais severas, mais cárceres significam um incremento
da população reclusa, mas não a correlativa diminuição da crimina- O Homem Deliquente
lidade real. Uma política repressiva baseada no progressivo rigor
das penas e na eficácia crescente do controle social formal enche A criminologia como uma ciência empírica surgiu com a escola
os cárceres, cria novos cárceres (que também preenche), mas não positiva italiana, mais especificamente em 1876, com a publicação
contêm as taxas de criminalidade real. da obra de Cesare Lombroso intitulada “O homem delinquente”.
Embora Lombroso não fosse o primeiro a realizar estudos anatô-
micos e antropológicos em prisões (como Lauvergne, na França, e
O Direito comparado põe em relevo que esta dinâmica conduz
Nicholson e Thompson, na Inglaterra), foi a doutrina do criminoso
paradoxalmente à necessidade de acordar medidas de graça, se quer
nato que lhe deu fama mundial.
para aliviar a situação congestionada dos estabelecimentos peniten-
A doutrina lombrosiana procurava características orgânicas e
ciários, e ao ensaio de medidas substitutivas da pena privativa de tipológicas que permitissem identificar o indivíduo delinquente de
liberdade, cujo efeito estigmatizante piora a sorte do infrator que pa- maneira diversa do indivíduo “normal”. Consoante esta doutrina,
dece de seu cumprimento nas instituições fechadas convencionais. o criminoso já nascia portando estigmas físicos e psíquicos herda-
dos de seus ancestrais, tais como um tamanho específico de crânio,
Em resumo, pois, a Escola “Neoclássica” ou “moderno classi- orelhas grandes e afastadas da cabeça, sobrancelhas largas ou lábios
cismo” propugna uma imagem “racional” ao impulso do comporta- virados.
mento humano, válida, em um setor da criminalidade econômico- De acordo com Lombroso, havia diversos troncos hominídeos
-patrimonial e na delinquência organizada, mas não suscetível de diferentes, uns mais antigos que outros. Quanto mais recente a espé-
generalização ao resto dos fatos puníveis. Extrapolar uma análise de cie humana de seu tronco original, mais agressivos e selvagens se-
custos e benefícios a significativos campos da criminalidade alheios riam os seus membros. Este conjunto de características, no entender
a motivações e chaves econômico-lucrativas é como desconhecer a de Orlando Soares, denotava a influência da teoria evolucionista de
realidade, muito mais complexa. Da realidade de separar, também, o Darwin na concepção lombrosiana.
moderno classicismo quando reitera sua desmedida confiança na lei Com o passar do tempo, e à medida que as espécies humanas
penal (efeito dissuasório desta) e nas instituições de controle social se distanciavam do tronco principal, mais civilizados se tornavam
formal. A experiência empírica desmistificou hoje em dia velhos tó- os homens. Os criminosos natos eram os indivíduos nascidos de
picos e dogmas clássicos. Não é já razoável seguir esperando uma troncos ainda atrasados, o que explicava a presença de pessoas mais
sociedade sem delito, nem muito menos supor accesible dita meta perigosas que outras.
mediante o rigor das leis penais ou o funcionamento mais eficaz do O criminoso lombrosiano possuia uma anormalidade em re-
controle penal. lação aos demais membros da sociedade decorrente da selvageria
ancestral. Tanto seu desenvolvimento físico como seu desenvolvi-
Os problemas “sociais”, e o crime é um problema social, não mento mental eram incompletos (por isso havia uma aproximação
são solucionados exclusivamente com leis penais, ao contrário, ao entre o louco moral e o delinquente).
Direito Penal corresponde um papel muito secundário (como “ulti- O resquício desta anomalia primitiva foi encontrada por Lom-
broso em 1871, quando realizava a autópsia do crânio de um ban-
ma ratio”, “subsidiário”) no controle e prevenção do delito. O mo-
dido milanês chamado Vilela. Nesta autópsia, Lombroso achou a
derno classicismo ou neoclassicismo implica um retorno extempo-
terceira fosseta média occipital, também encontrada em crânios de
râneo a posições retributivistas superadas.
homens primitivos. A partir disso, deu origem à sua teoria do ata-
vismo, que consistia no aparecimento de características da espécie
Como aponta Garland, diferentemente do que aconteceu com primitiva presente nos embriões, em virtude da herança de um as-
este enfoque teórico e sua incidência na Criminologia das décadas cendente remoto, ainda que não estivesse presente nos ascendentes
passadas, na atualidade, a análise econômica penetrou pouco a pou- imediatos.
co nas políticas de prevenção, contemplando delinquente e vítima
como agentes racionais e sugerindo programas que modifiquem o Destarte a teoria do atavismo, Lombroso nunca pregou o fata-
risco de cometer ou sofrer o delito. lismo biológico como se o crime fosse produto incontrolável da he-
rança primitiva dos pais. O próprio Lombroso já dizia: “assim como
A ideia surgiu, segundo o autor, no setor privado das Compa- há criminoso ocasional, assim também há aquele que, nascido de-
nhias de Seguros (estudos de custos) para inspirar, depois, desde os linquente, não se manifesta como tal, porque lhe falta a ocasião”. A
anos 1980, as instituições e práticas estatais. Desse modo, chegou-se hereditariedade era um dos fatores que contribuíam potencialmente
à “Criminologia da vida quotidiana”, isto é, a concepção do delito à prática do delito, agregados a fatores psicológicos e sociais. Ade-
como “evento normal e mundano” e a tese de que correspondem à mais, Lombroso também não pretendia afirmar que todos os crimes
Política Criminal “a gestão dos riscos delitivos”, como se tratasse de possuiam um fundo hereditário. Era o caso dos delinquentes ocasio-
qualquer outro risco social. nais e dos delinquentes passionais.

Didatismo e Conhecimento 21
CRIMINOLOGIA
Neste, o ímpeto era justamente o oposto do delinquente natu- Para essas teorias, embora permaneça o pressuposto de que o
ral, enquanto que, no criminoso ocasional, era possível encontrar comportamento será melhor compreendido se forem compreendi-
criminosos que cometeram apenas delitos motivados pelas circuns- das as determinantes biológicas, elas se diferenciam das antigas teo-
tâncias, como os criminosos políticos e prostitutas. rias bioantropológicas a partir da mudança na explicação do crime.
Como dizem Dias e Andrade: “[…] o que verdadeiramente caracte-
O ciclo iniciado por Lombroso ao investigar a delinquência a riza as modernas teorias bioantropológicas, mais do que o conteúdo
partir de fatores bioantropológicos influenciou diversos criminólo- das suas hipóteses, é a sua atitude fundamental face ao problema
gos que o sucederam. É possível citar, dentre os autores mais famo- da explicação do crime. Abandonaram-se, desde logo, as pretensões
sos, Ferri, Garofalo, Charles Goering (com a teoria da hereditarieda- de definitividade e exclusividade, características de autores como
de), Goddard (teoria da debilidade mental) e Ernest Hooton (teoria Lombroso ou Hooton. As teorias explicativas são acompanhadas de
da inferioridade antropológica). marcados coeficientes de dúvida e provisoriedade. Por seu turno,
parece ter-se superado a velha controvérsia natureza/educação […]
Na teoria de Ferri, a responsabilidade penal do criminoso deve- Não se pretende que as variáveis bioantropológicas sejam de per
ria ser compreendida a partir de sua raça. Na realidade, existia uma si determinantes do crime em geral ou de qualquer forma especí-
responsabilidade social, já que as circunstâncias que motivavam o fica de criminalidade. Entende-se, pelo contrário, que estas variá-
delito estariam relacionadas com a raça do criminoso e somente a veis funcionam em interação contínua com as variáveis de índole
partir da raça seria possível averiguar a responsabilidade do crime. sociológica ou ambiental. Como escrevem dois autores (S.Shah e
L.Roth) que mais têm contribuído para a fundamentação desta nova
Emílio Laurent, por sua vez, observava o biotipo de criminosos perspectiva: „Partimos do postulado de que o comportamento tem
famosos na História, como Calígula, cuja aparência descrita pelos de ser entendido como implicando uma interação entre um orga-
maxilares grossos e assimétricos, orelhas afastadas anormalmente nismo e um ambiente determinado. Por variáveis orgânicas enten-
do crânio, assimetria das arcadas orbitárias, lóbio superior levantado demos os fatores psicológicos, fisiológicos, bioquímicos, genéticos
de um lado, caráter atávico e expressão sardônica e cruel, revelaria e outros fatores biológicos que dotam o organismo com certas pre-
seus maus instintos. Em Nero, o mesmo cientista reparou a expres- disposições e capacidades de resposta e um sistema nervoso central,
são desvairada, comissuras labiais fundas e descaídas e um aspecto permitindo respostas muito diferenciadas a estímulos ambientais.
bestial. No Brasil, houve quem defendesse a autópsia do corpo de (…) Desejamos também explicitar que não há nenhuma categoria
Virgulino Ferreira, o Lampião, na tentativa de conhecer o biotipo de crime, nem mesmo os casos de violência episódica, que seja es-
criminoso do cangaceiro. pecificamente determinada por fatores biológicos. Não sustentamos
que exista qualquer nexo exclusivo de causalidade entre os fatores
Diante das descobertas da escola positiva italiana, surgiu a ne- bioantropológicos e o crime‟.
cessidade de reelaborar as políticas criminais, antes pautadas na es-
cola clássica, para extinguir as causas da criminalidade. Neste con- Teorias Psicodinâmicas
texto, qualquer política criminal eficiente deveria localizar a causa
do crime e adotar mecanismos aptos a eliminá-la. Em termos práti- O surgimento dessas teorias significa a passagem do plano bio-
cos, diminuir a taxa de criminalidade significava eliminar as raças antropológico para o plano da psicologia criminal.
de troncos ainda primitivos. Para essas teorias, o homem é um ser antissocial e, partindo
dessa premissa, elas se colocam a seguinte questão: Por que a ge-
Teorias Bioantropológicas neralidade das pessoas não comete crimes? Como bem explicam
Dias e Andrade, a diferença entre o delinquente e o cidadão normal
No século XIX, surgem as teorias bioantropológicas, que têm encontra-se no sucesso ou insucesso dos processos de aprendizagem
seu maior representante em Lombroso, cuja tese central era o ata- e socialização. Como diz Cohen: “As fontes de variação do impulso
vismo. Segundo essas teorias, há “tipos de pessoas” predispostas ao e das variáveis de controlo estão na biografia do indivíduo ou na
crime. Para Lombroso, por exemplo, criminoso nato seria o indiví- situação contemporânea e não na sua constituição biológica”.
duo que manifestasse os ferozes instintos, seja do homem primitivo, A preocupação dessas teorias gira em torno dos mecanismos de
seja dos próprios animais inferiores. indução do comportamento normal e não em torno do cometimento
do crime. Como dizem Dias e Andrade, “a explicação do crime é
Dentro dessa perspectiva, Hooton pretendeu dar bases científi- relativamente fácil”, visto ser resultante do conflito interior entre os
cas à tese de Lombroso do “tipo físico”. Segundo Dias e Andrade, impulsos naturais e as resistências adquiridas pela aprendizagem de
comentando a tese de Hooton, esse autor teria analisado mais de um sistema de normas (consciência ou super ego). Assim se percebe
13.000 reclusos e solidificado a tese da inferioridade. Para ele, o a preocupação com o estudo dos mecanismos de socialização para a
delinquente seria um ser humano físico, moral e intelectualmente investigação criminológica.
inferior. Sendo assim, o crime só poderia ser evitado com a elimi-
nação ou segregação absoluta dos indivíduos inferiores fisica, moral Há uma fórmula criada por Abrahansen que explicita bem essa
ou intelectualmente. percepção: C = T + S / R, onde C = crime; T = tendências impulsi-
vas; S = peso das variáveis situacionais e R = resistências racionais
Atualmente, com o desenvolvimento de disciplinas como a ge- e emocionais do indivíduo ao cometimento do crime. Destaca ainda
nética, a bioquímica, a endocrinologia e a psicofisiologia, surgiram o autor que as resistências podem ser interiores ou exteriores. Sendo
as “modernas teorias bioantropológicas” para tentar dar explicações interiores, elas se exprimem na culpa e, sendo exteriores, na vergo-
para o crime. nha ou no medo.

Didatismo e Conhecimento 22
CRIMINOLOGIA
Dentre essas teorias, vale a pena destacar a “criminologia psi- E quando a identidade é com o criminoso, a pena atua como
canalítica”, cujas primeiras manifestações se deram com as obras de uma espécie de “autopunição e expiação” dos sentimentos coletivos
Freud, Adler e Jung, e que objetiva “explicar o crime como um ato de culpa, ou seja, a sociedade se pune, punindo o delinquente, trans-
individual e analisar a psicologia da sociedade punitiva”. Confor- ferindo sua culpa para ele (teoria do bode expiatório).
me Dias e Andrade, a criminologia psicanalítica se baseia em três
princípios: Em razão das diferentes perspectivas da teoria psicanalítica do
- O homem é, por natureza, um ser a-social. Por isso é que crime, diversas são as propostas de política criminal. Enquanto a
Freud refere a criança como um perverso polimórfico e Stekel como interpretação etiológica do crime propõe para o criminoso um “tra-
um criminoso universal. tamento” pautado na psicanálise, a interpretação da sociedade puni-
- A causa do crime é, em última instância, social. “O crime, tiva propõe: “[…] a mais radical superação dos modelos tradicionais
escreve Glover, representa uma das parcelas do preço pago pela do- de sociedade, dos seus sistemas jurídico-institucionais, dos seus va-
mesticação de um animal selvagem por natureza; ou, numa formu- lores culturais e dos seus mecanismos de educação e socialização”.
lação mais atenuada, é uma das consequências de uma domesticação
sem êxito‟.
Teorias Psicossociológicas
- É durante a infância que se modela a personalidade. É, nou-
tros termos, durante a infância que se definem os equilíbrios ou de-
As teorias psicossociológicas se caracterizam pela abordagem
sequilíbrios que, com caráter duradouro, hão de dar origem ao com-
portamento desviante ou às condutas socialmente aceitas. dos vínculos do indivíduo com a sociedade, procurando detectar as
A tese central dessa teoria consiste, portanto, na explicação de resistências interiores e exteriores que conduzem o sujeito à obedi-
que o crime se dá quando o Super ego não consegue inibir o Ego, ência da lei. Dentre essas, se destacam a “containment theory” de
deixando-o livre para as demandas do Id. O crime significa uma Walter Reckless e a “teoria do vínculo social” de Travis Hirschi.
fuga à vigilância do Super ego.
Para fins de ilustração dessa teoria, vale destacar as categorias Para a “containment theory”, os processos de controle social se
do criminoso por sentimento de culpa e do criminoso normal. O cri- distinguem em internos (resistências do próprio indivíduo) e exter-
minoso por sentimento de culpa pratica um crime pela necessidade nos (resistências da estrutura social, cultural e moral do indivíduo).
de ser punido, ou seja, a culpa é a causa e não a consequência. A importância desses dois tipos de controle varia de sociedade para
É comum nesses criminosos formas inconscientes de autode- sociedade, ou seja, o controle externo, proveniente, por exemplo,
núncia e de confissão, como, por exemplo, deixar certos vestígios, da família e da vizinhança é maior numa sociedade fechada do que
ou mesmo, a tendência de voltar ao local do crime. Já o crimino- numa sociedade de mobilidade e diversidade, como a sociedade in-
so normal é aquele cuja personalidade se identifica com o crime, dustrial.
não havendo conflito, portanto, entre o Super ego e o Id. Trata-se
do sujeito socializado conforme modos de vida desviantes, como É importante diferenciar, pormenorizando, o controle externo
exemplo temos a “delinquência juvenil mais ou menos organizada e do controle interno (ou autocontrole).
a delinquência habitual”.
Segundo Dias e Andrade, controle externo: Trata-se das pres-
No que tange à psicanálise da sociedade punitiva, pode-se dizer sões, no sentido da conformidade às normas e às expectativas comu-
que a criminologia psicanalítica antecipou-se à teoria do labeling, nitárias, oriundas das estruturas socioculturais em que o indivíduo se
tentando descobrir os mecanismos que levam uma sociedade a punir insere. As suas componentes fundamentais são: a existência de uma
criminosos. estrutura ocupacional e de papéis aberta ao indivíduo; um quadro de
oportunidades de acesso ao status; a forte coesão do grupo ou co-
A psicanálise da sociedade punitiva procura, assim, responder munidade em que o indivíduo se integra e a identificação com uma
a um conjunto de questões do gênero: como deve compreender-se
ou várias pessoas deste grupo ou comunidade; sistemas alternativos
a indignação coletiva que o crime desperta? Como se explica que o
de meios para a satisfação das necessidades socialmente aceites. Em
crime exerça um fascínio latente tão poderoso e funcione como um
síntese, a eficácia do outer containment será, sobretudo, função da
“exemplo corruptor” com uma tão eficaz força infecciosa? Onde se
existência, no indivíduo, de um sentimento de pertença a uma comu-
situam as raízes dos sentimentos individuais e coletivos de vingan-
ça, expiação e retribuição? Como se explica o sentimento de justiça nidade e a uma tradição.
que preside à sociedade? Que funções desempenha o criminoso na
vida espiritual da comunidade e dos seus membros? Já controle interno (ou autocontrole) configura-se com a inte-
riorização do controle (consciência). A presença dessa consciência,
Nessa perspectiva, a pena tem a função de legitimação da or- desse autocontrole, dá-se através de cinco indicadores, como descre-
dem vigente. A punição reforça o Ego social, evitando o contágio do vem Dias e Andrade:
crime, pois castigar o delinquente significa reconfortar aquele que
cumpre a lei. Os sentimentos de ambivalência da sociedade frente ao - Uma imagem favorável de si mesmo (“um bom conceito-de-si
crime (ou seja, ora a sociedade se identifica com a vítima ora com o mesmo”) como pessoa responsável e fiel aos valores legais e morais;
agressor) se exprimem na pena. Portanto, a pena, violência legítima, - Orientação para objetivos (legais e legítimos);
livra a sociedade do uso de seus instintos de agressão quando essa se - Tolerância da frustração;
identifica com a vítima, pois quem aplica a pena, de forma legítima, - Realismo nos objetivos;
também pratica atos criminosos. - Identificação com a ordem legal e moral vigente.

Didatismo e Conhecimento 23
CRIMINOLOGIA
A “teoria do vínculo social”, também teoria do controle, ca- Por esse caminho, fica denotado que a segurança é pífia com re-
racteriza-se pela perspectiva de que a delinquência é resultante do lação aos homicídios e latrocínios, os quais ocorrem, por coisas tri-
enfraquecimento ou rompimento do vínculo entre o indivíduo e a viais, à luz do dia, em pleno centro e nos bairros, quase todos os dias
sociedade. Essa teoria, que sustenta críticas às teorias da subcultura e isto sem falar do trânsito com um percentual alto de condutores de
delinquente e da anomia, traz um equilíbrio entre os elementos psi- veículos mal preparados que chacinam e mutilam diariamente.
cológicos (quanto ao conteúdo) e sociológicos (quanto à metodolo-
gia e à linguagem). Tal teoria se vale de quatro elementos para ana- O Estado e os órgãos repressivos, lentos, enfraquecidos, e mal
lisar o vínculo social, quais sejam: apego (ou simpatia), empenho, preparados para os modelos de prevencionismo moderno, fazem o
envolvimento e crença. Explicam Dias e Andrade: que podem, mas os índices não diminuem. O pior é que empresas
privadas de segurança aproveitam o filão de ouro e passam a ocupar
Apego: “É o elemento emocional do vínculo social. Consiste na as lacunas deixadas pelo Estado com a venda de proteção aos apani-
ligação afetiva de apego, simpatia, empatia e atração do indivíduo guados da classe média alta e políticos.
para com o outro convencional; a sociedade, que aos olhos do jovem
se mostra sobretudo através do pais, professores e amigos.” Os Fatores Criminógenos
Empenho: “Este elemento corresponde, noutros termos, ao cál-
culo custos-ganhos que empresta racionalidade à decisão de come- Afinal de contas, de quem é a culpa pela expansão descomunal
ter ou não um crime […] Quanto mais o indivíduo investir (tempo, da criminalidade? Seria exclusivamente dos criminosos que por li-
recursos, energia) em carreiras convencionais, quanto mais expres- vre arbítrio escolhem o caminho do crime? Seria dos políticos e go-
sivas forem as gratificações realizadas ou esperadas, menos interes- vernantes corruptos que se aproveitam da ignorância do povo e não
sante surgirá a solução delinquente.” combatem os fatores que levam ao crime? Seria do próprio povo,
Envolvimento: “Representa a medida das energias e do tem- uma espécie de boiada mansa, movido pelo senso comum imposto?
po dispendidos em carreiras convencionais. Sendo as energias e o Seria da mídia, conhecida também como o quarto poder, a qual in-
tempo bens escassos, o seu consumo em atividades legais reduz as duz o povo a ter um determinado comportamento até mesmo com
oportunidades delinquentes.” o uso de enxertos subliminares? Seria do modelo neoliberal, com a
Crença: “Significa a validação moral das normas convencio- sua nova sociedade consumerista exacerbada e controlada por al-
nais e o grau de respeito que merecem por parte dos indivíduos.” guns que estão acima dos políticos?

Vários são os paradigmas, rotulagem, etiquetagem, estereótipos


- A SOCIEDADE CRIMINÓGENA. e estigmas desenvolvidos pela sociedade elitizada dominante, nos
últimos séculos, para com a classe mais pauperizada ou estigmati-
SOCIOLOGIA CRIMINAL E
zada, principalmente para com os negros, os pardos e os índios. O
DESORGANIZAÇÃO SOCIAL. TEORIAS reflexo dessa discriminação está refletida no cárcere, cadeia ou casa
DA SUBCULTURA DELINQUENTE E DA de detenção, denominado por Beccaria de “a horrível mansão do
ANOMIA. A PERSPECTIVA INTERACIONISTA. desespero e da fome”, nas quais a maioria dos detentos pertence aos
grupos citados. Só coincidência?
Alguns dos fatores criminógenos que influenciam no cresci-
mento da criminalidade entre os grupos secularmente estereotipados
A Sociedade Criminógena pela rotulagem ou etiquetagem, e por uma questão de justiça, e al-
guns fatores criminais enraizados nas classes sociais mais abastadas,
A criminologia de conflito é contrária à criminologia de con- individualistas e elitizadas da moderna sociedade globalizada.
senso. Enquanto esta corresponde à criminologia tradicional (ou De imediato podemos observar que as autoridades governa-
positiva) e, portanto, a seus pressupostos, aquela se caracteriza pela mentais continuam insistindo em dar maior atenção aos efeitos cri-
percepção da distribuição da criminalidade condicionada pelos mo- minógenos, enquanto que as causas exógenas, consorciadas com as
delos institucionais (em especial o modelo econômico). causas endógenas, as quais ensejam o surgimento dos crimes atra-
vés da indução, da imitação, das psicopatias, neuroses, fanatismo
A violência pandêmica urbana das médias e grandes cidades etc., são modestamente combatidas ou simplesmente ignoradas de
vem atingindo níveis cada vez mais contundentes e estarrecedores. acordo com os interesses circunstanciais do momento político ou
Em Boa Vista, capital do Estado de Roraima, a segurança está em econômico.
um contínuo processo de degradação. Os políticos, muitos apenas Várias são as origens históricas das causas criminógenas. Mo-
demagogos, pouco fazem para reverter a situação, além de se apro- dernamente podemos citar que, com o advento da 3ª revolução in-
veitarem dessa conjuntura social degradante. dustrial, nos últimos decênios, milhares de pessoas, desqualificadas
tecnologicamente, abandonaram a área rural pela pressão de lati-
O medo e a desconfiança são dominantes e estão refletidos nas fúndios nacionais e internacionais, sequiosos unicamente por lucros,
residências das classes média e alta, transformadas em verdadeiros pela monocultura predatória, pela mecanização e robotização da la-
“bunkers”, com muros altos, alarmes eletrônicos, câmeras de segu- voura, pela falta de terras, pela falta de trabalho e de perspectivas de
rança, cães de guardas, cercas eletrificadas e seguranças privados. uma vida melhor. Esses fatores impulsionaram e impulsionam ainda
O óbvio fica explícito com relação à confiança depositada na segu- o fenômeno da migração das famílias camponesas pobres em busca
rança pública oferecida pelo Estado. E os bons cidadãos, pobres e de novos horizontes mais promissores. O rumo tomado foi à direção
miseráveis das periferias, como fica a segurança deles? do brilho enganoso das grandes cidades.

Didatismo e Conhecimento 24
CRIMINOLOGIA
Nas cidades ocorreu e continua ocorrendo a não adaptação de Convém deixar frisado que algumas raízes criminógenas histó-
milhares de pessoas. Nas cidades, fatores sociais diversos e adver- ricas são alimentadas pelo injusto modelo concentrador neoliberal
sos, acabaram gerando a marginalização de milhões de seres huma- capitalista brasileiro, aliado a um modelo de globalização totalmente
nos, bem como o surgimento das favelas e de bairros miseráveis, insustentável para o planeta, o qual, diga-se de passagem, possui
os quais acabam servindo aos interesses de justiceiros, narcotrafi- recursos limitados, ou seja, milhões de pessoas jamais terão acesso a
cantes, grupos paramilitares (milicianos), de políticos oportunistas esses recursos. Em contrapartida, esse modelo gera para alguns um
de caráter pérfido, de religiosos fundamentalistas e de dezenas de enriquecimento descomunal, principalmente para banqueiros, nar-
cotraficantes, políticos adeptos de Maquiavel, empresários de mau
outros aproveitadores. Desse cadinho, agigantam-se, paulatinamen-
caráter, empresários da indústria de armamentos, igrejas etc.
te, os crimes contra a vida (humana/fauna/flora). A corrupção cria Com relação aos bancos, o iminente pesquisador e escritor Gus-
raízes profundas e, obviamente, os crimes contra o patrimônio pú- tavo Barroso já mostrava detalhes íntimos de fatores criminógenos
blico e privado não ficam de fora. Toda essa situação propicia um da Monarquia, e posteriormente com a República, nas transações
terreno muito fértil para os grupos citados, os quais estão a gerar financeiras. Os banqueiros sempre foram protegidos pelos gover-
outras dezenas de males e contaminando, de maneira insidiosa, a nantes (o governo do sociólogo FHC socorreu, com dinheiro públi-
nossa democracia, a qual já não ocupa uma boa posição no ranking co, os bancos que estavam prestes a quebrar, socializando o prejuí-
mundial (42º entre 165 países), sendo considerada uma democracia zo). Sempre foram favorecidos com juros escrachantes e aviltantes,
imperfeita. além, obviamente, do contumaz, septicêmico e histórico desvio do
erário público pela classe elitizada, através da corrupção endêmica
Nesse sentido, algumas opiniões são marcantes e pessimistas (uma das maiores do mundo) consorciada com a volúpia de ganhos
com relação à qualidade de vida nesses grandes centros urbanos. fáceis, pela fraude através de atos infames, enriquecidos pela enge-
nhosidade de burlar. Como esses fatores continuam entranhados nos
bastidores do poder e acentuados nos últimos decênios, eles acabam
“As maiores cidades brasileiras são grandes feridas sem cura
ajudando a enfraquecer ou a maquilar o trabalho do Estado no com-
provável a médio ou longo prazo. Em todas elas instalou-se o caos,
bate às verdadeiras causas da criminalidade, pois é mais interessante
uma desordem que, nem de longe, é semente que venha a produzir combater, ilusoriamente, os efeitos criminógenos das classes sociais
em um bom fruto. Segurança pública, saneamento básico, saúde, mais debilitadas e, de vez em quando, algemar (agora limitado)
trânsito, tudo é uma imensa sucata. Temo que os próximos quarenta algum figurão da alta sociedade, preferencialmente, com todos os
anos apenas agravem a atual situação”. holofotes midiáticos presentes para que o espetáculo circense desti-
nado para os cidadãos de senso comum não pare.
É lastimável, mas a opinião acima não deixa de ter uma boa O Estado vendo o crescimento descomunal do crime, numa ten-
dose de realidade. Nas cidades existem centenas de bolsões de misé- tativa paliativa de estancar a criminalidade crescente e organizada
ria. Nesses locais a promiscuidade com doenças sexualmente trans- nas grandes cidades, cria novas legislações penais mais duras, as
missíveis é crescente, a educação pública, caso exista, é de baixíssi- quais, infelizmente, não conseguem amainar o recrudescimento do
ma qualidade, não existe saneamento básico, o qual está a gerar inú- crime e acabam ajudando, ainda mais, a “empilhar” somente seres
meras doenças, a degradação ambiental é intensa e a inexistência de humanos miseráveis, analfabetos, alguns até inocentes, e outros por
crimes de bagatela, em presídios com chances mínimas de resso-
perspectivas para os mais jovens é um fato concreto. Nesses locais,
cialização, a não ser de se especializarem ainda mais no crime e no
o consumo de drogas lícitas (álcool), o consumo, comércio de dro-
ódio. Obviamente para os criminosos das classes abastadas tudo fica
gas ilícitas (cocaína, crack, psicotrópicos, maconha transgênica etc.) mais fácil com a contratação de bons advogados para se livrarem
e a desestruturação familiar são sintomas mais do que preocupantes, ou de emperrarem processos que se arrastam por anos nas estâncias
pois esses fatores ajudam a fomentar inúmeras ações criminosas. judiciárias superioras, além de conservarem todo ou parte do lucro
Ações estas que, na grande maioria, fogem do controle do Estado, do butim do erário público, das drogas, do descaminho etc. Sobra
gerando altíssimas cifras negras. tempo até para alguns virarem políticos e conseguirem o fórum pri-
vilegiado.
Dos crimes que chegam ao conhecimento do Estado apenas Entre as várias leis que buscam refrear o recrudescimento do
uma parcela ínfima acaba sendo elucidada. Essa parcela ínfima, de crime, uma se destaca, pois foi criada pela boa sociedade e pela pres-
acordo com alguns especialistas, é em torno de 2,5%. Isto não é são internacional com precípuo de proteger crianças, adolescentes e
mostrado pelos governantes, na mídia oficial televisiva, por ques- amenizar a violência contra elas. O Estado promulgou o Estatuto da
tões óbvias. É bom deixar explícito que os filhos de famílias abasta- Criança e do Adolescente (ECA), o qual possui, inquestionavelmen-
das também se envolvem com o uso e comércio de drogas e, sendo te, dezenas de artigos extremamente importantes para a proteção do
menor de idade, mas em contrapartida, o Estado é leniente para com
assim, há uma maior dificuldade de serem combatidos.
a aplicação integral do texto, além de ser extremamente paternalista
com menores de alta periculosidade.
Dentro da célula familiar a falta de conhecimentos gera a igno- As consequências dessa leniência foram à permanência da pros-
rância (mãe de todos os males), os bons costumes se pervertem e a tituição infantil, do trabalho escravo, do abuso sexual, dos crimes
moralidade entra em colapso pela má formação familiar. As virtudes contra o patrimônio e dos crimes contra a vida. Neste último quesito
viram moedas enferrujadas e sem valor. Os fatores que geram estas os infantes e adolescentes matam e morrem pela necessidade de so-
causas acabam ficando, hipocritamente, em segundo plano, induzin- brevivência ou movidos pelo ódio. Nessa degenerescência bárbara e
do a uma visão falseada da interpretação da verdadeira realidade estúpida, o Brasil prepara as levas de futuras gerações de brasileiros,
social, principalmente pelos governados de senso comum que veem pois os programas para eliminar as causas são deficitários na maioria
apenas os efeitos criminógenos. das cidades brasileiras.

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CRIMINOLOGIA
Para alguns criminólogos o ECA é uma falácia, já que as causas Enquanto isso, na sociedade civil, os fatores criminógenos am-
permanecem incólumes na grande maioria das cidades. Miguel Gra- pliam-se em proporções alarmantes, os bons costumes são inverti-
nato Velasquez, Promotor de Justiça, mostra alguns desses fatores dos ou pervertidos. O caos do medo e da desconfiança é instalado no
que maculam a infância brasileira, principalmente a pobre: “No en- seio das comunidades, além de ocorrer à banalização do bem mais
tanto, além da violência contra a vida, os jovens brasileiros também precioso do ser humano: a vida.
são submetidos a muitos outros tipos de violência, como a miséria, João Farias Júnior reforça alguns dos fatores criminógenos já
a negligência e abandono paternos, o desemprego, as agressões do- expostos quando assim se explana: “Além desses fatores há ainda a
mésticas, tanto físicas quanto psíquicas, a falta de atendimento bási- acrescentar as migrações e inadaptações sociais, os efeitos maléficos
co de saúde, a educação deficiente, as drogas e o tráfico e a moradia das comunicações sociais e imprensa, o tratamento corrupto e arbi-
em locais marcados pela criminalidade ou controlados pelo crime trário da polícia, a morosidade da justiça criminal e a degenerescên-
organizado. De fato, crescer no Brasil, especialmente para as popu- cia prisional”. E ainda complementa: “Os influxos sociais maléficos
lações carentes, é uma experiência de alto risco”. se transmitem e são contraídos por indução, instigação, contágio,
sugestão e imitação”.
Nesse sentido João Farias Júnior acrescenta: “É a criminalidade Como muito pouco se tem feito no combate as causas endó-
que, tendo suas raízes intocadas, cresce, devasta, violenta, chacina, genas e exógenas, ao atingirmos o fundo do poço, poderá haver o
mutila e dilapida patrimônio, e se torna cada vez mais poderosa, surgimento de um ordenamento jurídico penal cada vez mais con-
mais potente, e mais desafiante”. tundente e insidioso, com a possibilidade, dependendo do rumo po-
lítico dos hipócritas, de ocorrer à oficialização da prisão perpétua
Por outro lado, famílias das classes sociais abastadas, e prin- e da pena de morte e com o total apoio do povo míope, de senso
cipalmente as classes de parcos recursos, já não conseguem mais comum, conduzido até mesmo por enxertos subliminares midiáti-
impedir as más companhias dos filhos. Na luta pela sobrevivência cos. Concretizando essas duas modalidades de pena máxima, estará
dos mais pobres e pela ganância dos ricos, ocorre o afastamento dos decretado o afastamento definitivo das causas geradoras do crime e
genitores na educação básica das crianças. As influências negativas estarão atacando, potencialmente, apenas os efeitos criminógenos,
e sem limites da mídia televisiva em horário nobre, com o seu culto além de ensejar o surgimento de um Estado policial, semelhante ao
às futilidades, novelas que incentivam ao crime, à prostituição, às que ocorre nos EUA, cujo modelo já está sendo exportado para ou-
drogas, à indução consumerista sem limites e às armadilhas da inter- tros países que orbitam em sua volta.
net (pedófilos a caça de criancinhas, apologia as drogas, os perigos Qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência.
do Orkut) e filmes que induzem ao mundo da criminalidade é uma Loic Wacquant em sua magnífica obra deixa claro o tratamento dado
realidade incontestável e em plena ascensão. Milhares de infantes pelo Estado Policial dos EUA para com a sua população pobre es-
ricos e pobres estão sob os influxos da pedofilia, das drogas e da teoritipada: “O encarceramento serve antes de tudo para ‘governar
prostituição infantil. Frequentam lugares degradantes, utilizam-se a ralé’ que incomoda – segundo a expressão de John Irwin (1986),
de substâncias alucinógenas, muitas vezes vendidas nas portas das bem mais do que para lutar contra os crimes de sangue cujo espectro
escolas e até mesmo no interior delas. Tais fatos permitem que mi- frequenta as mídias e alimenta uma florescente industria cultural do
lhares sejam recrutados para as fileiras do crime organizado, outros medo dos pobres (com emissões de televisão Cops 911, que difun-
tantos serão explorados sexualmente ou escravizados por adultos de dem, em horas de grande audiência, vídeos de intervenções reais dos
personalidade e caráter pútrido e, entre esses exploradores, temos serviços de polícia nos bairros negros e latinos deserdados, com o
até autoridades ou profissionais de todos os níveis de educação que, mais absoluto desprezo pelo direito das pessoas presas e humilhadas
aparentemente, estão acima de qualquer suspeita. O lastimável é que diante das câmeras)”.
alguns desses criminosos, muitos de colarinho branco, frequentam Nesse sentido, algumas autoridades brasileiras já ensaiam me-
algumas sociedades que pregam as virtudes nobres, a moral, a reti- didas mais duras sem reconhecer os respectivos motivos que levam
dão nos pensamentos, a retidão nas ações, o humanismo, o holismo para o crescimento da criminalidade. Para essas comunidades po-
etc. O mais interessante é reparar que alguns deles continuam ativos bres, o direito básico constitucional de ir e vir são tolhidos, além de
em suas fileiras, mesmo depois de descobertos em seus torpes cri- outras garantias constitucionais serem desrespeitadas. Dessa manei-
mes contra crianças, contra o erário público etc. Há alguns séculos ra sórdida, a democracia de compadres e criminosos instalados no
passados seriam imediatamente banidos das fileiras de algumas des- poder de várias localidades não permitem que as oportunidades se-
sas organizações e teriam a espada de Dâmocles bailando acima das jam iguais para todos, estando a gerar os etiquetados e os rotulados
suas cabeças. dessa nossa pérfida sociedade. É festa na floresta de pedra para uns
poucos e desgraça para muitos.
Por sua vez, o Estado, permeado por agentes corruptos, já não Com tudo já exposto, as causas exógenas poderão ser amplia-
consegue mais esconder a degradação psíquica, ética e moral dos das ainda mais com a possibilidade de termos mais criminosos
reclusos sob a sua guarda, os quais passam a viver um inferno em instalados no poder dito democrático. E em todo o Brasil quantos
vida. Dentro dos presídios do Estado, os prisioneiros vivem em celas criminosos estarão pleiteando um cargo de prefeito ou vereador?
contaminadas por doenças, sujas, úmidas e superlotadas. A promis- O inacreditável é que pessoas, bem instruídas, chegam a dizer, la-
cuidade é tão acentuada que o preso perde a dignidade e a própria conicamente e ironicamente, que isto é salutar para a democracia.
honra que ainda lhe resta. O sistema prisional falhou e falha na res- Salutar para quem?
socialização da grande maioria dos detentos. A corrupção chega a O povo sem acesso as fichas sujas desses candidatos e sem uma
um nível pandêmico, provando definitivamente a falência do siste- excelente educação, com uma base sólida em organização social e
ma correcional vigente, bem como da ineficácia da legislação penal política do Brasil, bem como uma educação moral cívica aprofun-
baseada apenas nas causas criminais. dada, não terá condições de discernir entre os candidatos sérios e

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CRIMINOLOGIA
honestos (poucos) e centenas de criminosos que estão pleiteando Apesar de tudo, ainda temos saída para transformar a sociedade
cargos políticos, além do mais, muitos do povo pobre e miserável, criminógena em algo melhor? A reforma política é essencial, pois
vendem o seu voto por alguns míseros trocados. Não podemos nos assim como esta não haverá mudanças e a violência será ampliada.
esquecer de que temos (ex)governadores, (ex)senadores, (ex)depu- Os ilusionistas de plantão, os bandoleiros, os homicidas, os corrup-
tados, (ex)prefeitos e (ex)vereadores sendo processado por diversos tos, os pedófilos, os vendilhões da pátria etc., fazem parte da atual
crimes em todo o Brasil. Sofrerão algum tipo de punição? A maioria seara política malsã, estando a contaminar as três esferas gover-
escapará ilesa! É a criminalidade se organizando, ampliando os seus namentais e a própria República. Somente uma mudança drástica
tentáculos e ameaçando a própria democracia, além de instituciona- colocaria um ponto final nessa festa de “arromba” dos compadres
lizar a corrupção desenfreada. poderosos e perigosos que se escondem por de trás das coligações
políticas e que se revezam a cada pleito com utilização de urnas
As diversas causas sociais (exógenas), ampliam a criminalidade eletrônicas passíveis de fraude.
de maneira imensurável e para somar a essas causas criminógenas, Se a utópica reforma política chegasse a se concretizar teria que
ocorrer mudanças no Direito Penal brasileiro que é livre-arbitrista,
temos ainda, as dezenas de desequilíbrios fisiológicos que podem
ou seja, não se preocupa com influxos exógenos e endógenos. Para
levar o indivíduo a delinquir, muitas vezes de maneira dissimulada,
esse direito penal, o indivíduo se torna criminoso por sua livre von-
como por exemplo, os pedófilos que levam a desgraça a tantas crian-
tade, e, portanto, combate apenas os efeitos criminógenos com pu-
ças. Entre essas causas (endógenas) citaremos apenas algumas das
nições que não atingem a ressocialização correta. Essa visão penal
dezenas de distúrbios cientificamente catalogados: errônea e secular teria que mudar, pois, na realidade, está apenas a
realimentar a criminalidade.
- às Perversões e Anormalidades Sexuais, como por exemplo, a Se ocorressem mudanças saneadoras no ordenamento jurídico
necrofilia e a pedofilia; voltada realmente para as causas criminógenas, uma medida social
- os Paranóicos Ideológicos; por parte dos governantes seria cruciante: para alguns cientistas so-
- os Fanáticos Religiosos, como por exemplo, os integrantes ciais as cidades precisariam diminuir urgentemente o contingente
do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição (1231-1821) que levou populacional através de um plano social governamental realmente
milhares de inocentes a serem torturados e queimados vivos em fo- voltado para o povo. Milhares deveriam de retornar para a área ru-
gueiras, tudo em nome de Deus; ral para trabalhar em pequenas propriedades com apoio tecnológico
- mais modernamente surgiram novos grupos de Fanáticos Ter- baseado em uma racionalidade ambiental e uma produção diversi-
roristas Religiosos que já levaram milhares à morte (Torres gêmeas- ficada. Muitos aspectos positivos poderiam ser retirados dos belos
-EUA), novamente tudo em nome de Deus. exemplos oferecidos por Israel através dos Kibtuz, dos Moshav e
- Paranóia Persecutória; dos Ishuv Kehilati para um modelo autossustentável, apoiados na
- o Maníaco de Notoriedade; agroecologia e, por indução, respeito à biodiversidade, evitando-se
- o Deprimido; a monocultura e transgênicos, comprovadamente, nocivos a flora e
- o Explosivo; a fauna. Uma reforma agrária justa evitaria que milhares de hectares
- o Astênico; fiquem nas mãos de latifundiários, de estrangeiros, de igrejas e de
- a Neurose de Guerra; bancos, cujo objetivo é apenas o lucro exacerbado, não importando
- a Neurose Traumática; os meios.
- a Histeria; Um outro fator para mudanças nos grupos mais miseráveis da
- a Neurastemia etc. sociedade está relacionado com a educação que é uma das piores do
mundo. Há a necessidade de que ocorra a erradicação de mais de
A lista dos fatores endógenos apresenta centenas de psicopatias 14.000.000 de analfabetos, a erradicação dos milhares de analfabe-
tos funcionais que terminam o ensino fundamental e Ensino Médio
e os poucos exemplos acima servem apenas para chamar a atenção
mal sabendo ler e escrever e, obviamente, sem ter um senso crítico
de que as ações criminosas jamais poderiam ser um produto da li-
desenvolvido, o qual seria vital para amainar a criminalidade. Além
vre vontade do individuo, como querem os aguerridos defensores
do mais esse grupo social não está preparado para ser inserido no
do livre-arbitrismo do Direito Penal. Quantos chefes de nações já
mercado de trabalho altamente meritocrático e tecnológico, mesmo
estiveram ou estão sob algum influxo endógeno ou exógeno? Basta quando alguns conseguem concluir o ensino superior em algumas
ver o comportamento de alguns chefes de Estado no passado (Ale- instituições de qualidade duvidosa que os aceitam nessas condições.
manha/China/URSS/EUA etc.) e o que alguns líderes da atualidade Infelizmente esse povo, esquecido pelo Estado e pela sociedade
estão fazendo na África, Ásia, Ámerica do Sul e Oriente Médio. E individualista dos incluídos não passam de presas fáceis, uma espé-
como será a situação no Brasil? Alguém com transtornos mentais cie de “boiada mansa”, para direcionar votos aos políticos maquia-
pode ser eleito sem o menor percalço, pois nenhuma cobrança lhe vélicos deserdados de honra e dignidade.
será feita. Quem almeja um emprego público terá que provar a sua Essa situação paradoxal do analfabetismo e da inversão de va-
sanidade mental antes de assumir o cargo. lores morais como causas da criminalidade pode ser bem expres-
sa nas palavras do corifeu Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as
Por esse caminho, dos fatores endógenos, é sábio, conveniente nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver o poder
e salutar, observar que alguns medicamentos podem produzir efei- agigantar-se nas mãos dos maus, de tanto ver prosperar a desonra,
tos colaterais, os quais podem induzir o individuo a cometer atos de tanto ver a verdade vencida pela mentira, de tanto ver promessas
criminosos como, por exemplo, desenvolver a cleptomania. Expe- não cumpridas, de tanto ver o povo subjugado e maltratado, o ho-
rimente ler na bula os detalhes sobre efeitos colaterais. Você poderá mem chega a desanimar-se das virtudes, e a rir-se da honra, e a ter
ter surpresas. vergonha de ser honesto”.

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Dando continuidade à sequência salvacionista quase que ilusó- Essas propagandas e esses slogans fazem com que as comuni-
ria ou utópica, seria necessária ainda a criação de um sistema edu- dades marginalizadas e classe média aceitem, placidamente, as no-
cacional de cunho transdisciplinar, de tempo integral, para que se vas formas de controle social que lhes serão impostas em médio pra-
adquira a luz da cidadania, a luz do saber, a luz do humanismo, para zo. Para manter essa, digamos, “boiada assustada” sob controle, os
que se tenha a consciência de que tudo no universo está interligado donos do poder continuarão as distraindo e as marginalizando com
ao Todo. Para João Viegas Fernandes, a educação atual baseia-se na os campeonatos de futebol, com sexualismo desvairado da podridão
“fragmentação e compartimentação do conhecimento por discipli- das novelas indutivas de novos costumes deletérios, com os filmes
nas não permite a compreensão da complexidade da natureza nem violentos, com carnavais anuais e fora de época, com os progra-
da sociedade”. mas humorísticos, mantendo-as permanentemente assustadas com
Uma educação baseada em princípios transdisciplinares, aci- a criminalidade fora de controle, mantendo-as afastadas de vários
mentada na educação familiar correta, as trevas da ignorância se- problemas domésticos e principalmente políticos.
riam afastadas, a marginalização e o crime entrariam em declínio e Enfim, as peças enxadrísticas estão em movimento no grande
tabuleiro da curta e cruel história brasileira. Vamos ver qual o lado
com um percentual altíssimo. Cidadãos assim formados, dentro dos
que dará o cheque mate para o recomeço de mais um novo período
princípios de um novo humanismo e princípios holistas, teriam con-
histórico, o qual poderá ser totalmente democrático (para todos e
dições de criar um Código Preventivo Penal voltado para as causas
não para alguns), holista e humanizado ou poderemos ter o pior de
criminógenas (exógenas e endógenas), pois debelada estas, o efei- todos os horrores com o surgimento de regimes de extrema direita
to deixa de existir. Políticos hipócritas que veem apenas as causas policialesco ou algo de podre parecido, preferencialmente importa-
criminais e se aproveitam delas, a exemplo daqueles que queriam do dos EUA ou da Europa. Nesse tabuleiro um dos lados já está em
construir muros segregacionistas, isolando favelas, ensejando uma desequilíbrio acentuado.
indução a um apartheid social e econômico, deixariam de existir na Quem conseguir sobreviver ao trânsito caótico, regado a álcool
política brasileira. e da demência das nossas grandes cidades, quem conseguir sobrevi-
É interessante frisar que na visão de pensadores marxistas o de- ver às ações criminógenas das hordas de excluídos e dos desmandos
linquente seria um produto da sociedade capitalista, portanto apenas criminógenos dos incluídos, todos enriquecidos dentro das causas
uma vítima. A alternativa para a diminuição da criminalidade teria exógenas e endógenas, será a testemunha ocular de um novo regime
que partir da revisão dos valores capitalistas pela sociedade. Enfim em um futuro não muito distante.
corrigida as causas criminógenas históricas mais comuns (Sócio-fa-
miliares, Socioeconômicas, Sócio-ético-pedagógicos, Socioambien- Sociologia Criminal
tal), e, infelizmente, somente a longo prazo, a população carcerária
iria diminuir substancialmente. A criminalidade e a segurança iriam A Sociologia Criminal, segundo Fernandes e Fernandes busca
retornar a patamares aceitáveis nas cidades. Os crimes seriam apre- explicar e justificar a maneira como os fatores do meio ambiente
ciados sob a luz das causas endógenas e exógenas. A partir desse social atuam sobre a conduta individual, de forma a conduzirem o
enfoque seriam aplicadas medidas de ressocialização, adequadas a homem à iniciação delitiva, o crime seria um fenômeno social.
cada caso, e sob um severo controle tecnológico pelo Estado. Dias e Andrad elucidam que a referida teoria tem como propó-
O Estado, por sua vez, manteria uma economia aberta, porém sito problematizar a ordem social, ou seja, “a explicação sociológica
com oportunidades de ascensão social igual para todos e não apenas do crime deve ser tendencialmente globalizante: para além e antes
para uma minoria de privilegiados. Veja que estamos falando de um da sua explicação no plano do acontecer e dos dados sociológicos,
Estado voltado para os princípios humanistas e holistas e não do há que tentar explicá-lo ao nível da própria ordem social”.
atual Estado, minado pelo vírus da corrupção, que dividiu a Nação Para Garcia-Pablos, esta teoria contempla o fato delitivo como
em poucos incluídos e a maioria em excluídos, obviamente todos ro- fenômeno social e pretende explicá-lo em função de um determina-
do marco teórico. Ainda, os modelos sociológicos obtêm êxito em
tulados ou etiquetados e com um péssimo sistema educacional com
virtude da utilidade prática da informação que subministram para
reflexos diretos na economia, nas comunidades sociais pobres e na
os efeitos político-criminais. Esta teoria parte da premissa de que o
ascensão da criminalidade organizada.
crime é um fenômeno social muito seletivo, e que está unido a cer-
tos processos, estruturas e conflitos sociais, tratando de isolar suas
É interessante observar que essa minoria elitizada combate os variáveis, constituindo, hoje, o paradigma dominante e o contributo
efeitos criminosos com medidas cada vez mais repressivas, com um decisivo para um conhecimento realista do problema social.
absoluto desprezo pelos direitos das pessoas pobres, presas e humi- Em relação às causas que levam o homem ao crime a Socio-
lhadas, preferencialmente diante de algumas câmeras, esquecendo- logia Criminal, estudando as causas que levam o homem ao crime,
-se que esses efeitos criminógenos foram produzidos pelo seu mo- não desconsidera que a própria forma de organização da sociedade,
delo de vida egoístico, predador e individualista. com suas falhas e defeitos surgidos ao sabor da crescente comple-
xidade de suas exigências, pode revestir-se de condição para que a
A situação de insegurança da sociedade, deixa transparecer a criminalidade aconteça. Essa sociedade, diga-se, necessita de leis
possibilidade de que possam existir outros objetivos maiores, os gerais que presidam sua constituição, organização, funcionamento
quais, insidiosamente, dominam os políticos e a própria sociedade e sua própria evolução.
de maneira muito sutil. Na prática temos a ampliação da criminali- Constata-se assim, à luz dessa teoria, que o crime advém do
dade, com seus fatores endógenos e exógenos centrados apenas nos meio social em que o indivíduo interage. Conforme preceitua Has-
efeitos criminógenos, utilizados como desculpas para ampliar o con- semer, “há tempos encontram-se sinais favoráveis em relação às
trole sobre as populações marginalizadas, incluindo a classe média, teorias, cuja origem e desenvolvimento da conduta criminosa loca-
as quais são induzidas por propagandas midiáticas e, por “slogans lizam-se em um setor intermediário entre os fatores individuais e os
sem sentido”. sociais”.

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CRIMINOLOGIA
Segundo este mesmo autor de acordo com o ponto de vista das Em razão dessa perspectiva, a proposta de política criminal
teorias da socialização, a conduta criminosa é aprendida, é conduta apropriada, esclarecem ainda os autores mencionados, deve-se dar
socializada. A família, a escola, a vizinhança, os grupos de amigos, na pequena comunidade em que vivem os delinquentes, por meio da
o ambiente profissional, as instâncias que realizam, portanto, o pro- mobilização das instituições sociais locais, como, vizinhança, igreja,
cesso de socialização do indivíduo, sua prática no padrão de conduta escolas, etc, a fim de que seja reconstruída a solidariedade social,
social, sua mentalidade e as normas, são as instituições, cujos defei- atuante no controle dos delinquentes.
tos prematuros podem colocar o germe do desvio delitivo. Tal teoria procura explicar aqueles crimes de gangues, basean-
As teorias da socialização buscam as fixações históricas na do-se no livro Delinquent boys, de Albert Cohen. Afirma-se o se-
pessoa do próprio desviante, e estabelecem conexões com grupos guinte: tais gangues formam-se dentro das cidades e possuem um
sociais ou até mesmo com a sociedade em seu conjunto, a partir dos conjunto de valores próprios (Shecaira).Esse novo conhecimento
quais podem ser explicados os defeitos de socialização. Sutherland, que vai sendo incorporado como qualquer outro elemento cultural e
diz que “as chances de se tornar criminoso dependem da espécie, passa a ser aceito, fazendo parte de um comportamento que se afasta
intensidade e duração, em dado momento, de diversos contatos do cada vez mais do que é socialmente aceito (exemplo: vandalismo).
indivíduo com outros”. O que se passa na mente desses criminosos? Segundo Cohen, o
indivíduo pratica o crime por prazer, sem que haja uma explicação
Em suma, segundo o pensamento de Hassemer, a teoria crimi- racional para se cometer o crime, para ganhar status dentro do seu
nológica da aprendizagem pode ser compreendida como sendo uma grupo de delinquentes o qual se rege pelas regras totalmente opostas
conduta criminosa aprendida em interação com outras pessoas em às impostas pelo Estado. Assim, segundo Cohen, existem três fato-
um processo de comunicação, principalmente nos grupos pessoais res característicos da subcultura delinquencial: o não-utilitarismo;
íntimos. a malícia na conduta e o negativismo (Lallement). Em poucas pa-
lavras, o indivíduo pratica o crime sem que o produto lhe seja útil,
Ferri acreditava que o delito não era produto exclusivo de ne- tem prazer em desconcertar e agredir o outro e ainda nega as normas
nhuma patologia individual, para ele o delito era resultado da contri- vigentes, seguindo regras completamente opostas a fim de afrontar
buição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. Na tese de a sociedade, resultante do choque de culturas, o do sonho americano
da classe média e os jovens das classes populares.
Ferri, “o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e
etiologia específica, na qual predominam os fatores sociais”. A pena,
Teorias da Subcultura Delinquente
por si só, seria ineficaz, precisa vir antecedida ou acompanhada das
adequadas reformas econômicas, sociais, entre outras.
Diferentemente da teoria da desorganização social, as teorias
da subcultura delinquente partem da perspectiva de que há, na ver-
Sociologia Criminal e Teoria da Desorganização Social
dade, uma integração, por parte do criminoso nos valores cultural-
mente dominantes, ou seja, a busca por sucesso e status. No entanto,
A teoria ecológica deu início à criminologia americana nas dé- muitos são condenados à frustração, e esta acaba por conduzi-los à
cadas de 20 e 30. A escola criminológica de Chicago tratou o crime alternativas subculturais.
como um “[…] fenômeno ligado a uma área natural. Historicamente Segundo as teorias da subcultura delinquente, o crime resulta
coincidente com o período das grandes migrações e da formação das da interiorização e da obediência a um código moral ou cultural que
grandes metrópoles, teve a escola de Chicago que afrontar-se com o torna a delinquência imperativa. À semelhança do que acontece com
problema característico do ghetto.” o comportamento conforme à lei, também a delinquência significa a
Segundo Dias e Andrade, a teoria da desorganização social se conversão de um sistema de crenças e valores em ações. À luz destas
define como: “[…] o afrouxamento da influência das regras sociais teorias, não é só o delinquente que é visto como normal. Igualmente
de conduta existentes sobre os membros individuais do grupo” Tho- normal é o seu processo de aprendizagem, socialização e motivação.
mas. A desorganização social significa, do ponto de vista institu- Com efeito, ao obedecer às normas subculturais, o delinquente mais
cional, do grupo ou da comunidade, a impossibilidade de definir e não pretende do que corresponder à expectativa dos outros signifi-
impor modelos coletivos de ação. E corresponde, para o indivíduo, cantes que definem o seu meio cultural e funcionam como grupo de
a uma condição de total liberdade para a expressão das suas incli- referência para efeitos de status e de sucesso. Isto é, segundo a ex-
nações. Ainda segundo Thomas, a desorganização social não passa pressiva caracterização de Hirschi, “as teorias da subcultura partem
de uma fase de um processo dinâmico de mudança, alternando, por do princípio de que delinquentes são as culturas e não as pessoas”.
isso, com fases de organização social. As teorias subculturais surgem, na década de 50, como res-
Reforçando esse entendimento, vale a pena reproduzir o depoi- posta, talvez, ao problema que suscitavam determinadas minorias
mento de Stanley no livro de Shaw: “[…] a vida nas ruas, tornou-se marginalizadas, sobretudo nos Estados Unidos: minorias étnicas,
para mim fascinante e excitante (…). Eu era como uma canoa no políticas, raciais, culturais etc., muito ativas. Ainda que tais teorias
meio duma forte corrente (…), as possibilidades que eu tinha de do- pretendam circunscrever-se a esta temática (e, de modo particular,
minar os desejos de me deixar levar no sentido da corrente do mun- à delinquência “juvenil”), com a obra de Cohen elas se convertem
do subterrâneo, eram iguais aos que teria uma frágil canoa de vencer em uma explicação generalizadora da conduta desviada, chegando
a corrente”. E acrescenta: “Furtar na vizinhança era uma prática co- a adquirir um papel predominante nas teorias da criminalidade da
mum entre os rapazes e aprovada pelo pais. Sempre que os rapazes Sociologia Criminal norte-americana.
se juntavam era para falar de furtos e para o planear (…). Os mais As teorias subculturais sustentam três ideias fundamentais: o
velhos entregavam-se a tarefas mais sérias como roubos, assaltos e caráter pluralista e atomizado da ordem social, a cobertura normati-
furto de automóveis. Os mais novos admiravam os grandes golpes e va da conduta desviada e a semelhança estrutural, em sua gênese, do
aguardavam ansiosamente o dia de poderem participar deles”. comportamento regular e irregular.

Didatismo e Conhecimento 29
CRIMINOLOGIA
A premissa destas teorias subculturais, antes de tudo, é contrária Mas o conceito de “subcultura” está longe de ser pacífico. Al-
à imagem monolítica da ordem social que era oferecida pela Crimi- guns autores o utilizam como sinônimo de “subsociedade”; outros
nologia tradicional. Referida ordem social, a teor deste novo modelo para designar a mera “diferenciação de papéis” ou, inclusive, para
é um mosaico de grupos, subgrupos, fragmentado, conflitivo; cada expressar a bem distinta acepção de “contracultura”.
grupo ou subgrupo possui seu próprio código de valores, que nem Os autores mais representativos destas novas concepções foram
sempre coincidem com os valores majoritários e oficiais, e todos Cohen e Whyte, mas também são importantes as posteriores investi-
cuidam de fazê-los valer frente aos restantes, ocupando o correspon- gações de Matza, Bloch, Cloward, Ohlin, Wolfgang e Ferracuti etc.
dente espaço social. Cohen (Delinquent boys) e Whyte (Street corner society) são
A conduta delitiva para as teorias subculturais, diferentemente os promotores das teses subculturais. O primeiro centrou sua obra
do que sustentavam as teses ecológicas, não seria produto da “desor- na análise da delinquência juvenil nas classes baixas, concluindo, da
ganização” ou da “ausência de valores”, senão reflexo e expressão mesma maneira que Whyte, que as delinquency areas ou zonas onde
de outros sistemas de normas e de valores distintos: os “subcultu- se concentra a criminalidade não são âmbitos “desorganizados”, ca-
rais”. Teria, portanto, um respaldo normativo. Assim, tanto a con- rentes de normas e de controles sociais, senão zonas ou terrenos nos
duta normal, regular, adequada ao Direito, como a irregular, desvia- quais vigoram normas distintas das oficiais, é dizer, outros valores
da, delitiva, seriam definidas em relação aos respectivos sistemas “em bom estado de funcionamento”.
de normas e valores oficiais e subculturais, isto é, contariam com Cohen tratou de verificar por que as estatísticas oficiais refle-
uma estrutura e significação muito semelhante, visto que o autor, em tem índices de criminalidade tão elevados das baixas classes sociais
última análise (delinquente ou não-delinquente), o que faz é refletir dos bairros pobres (slum), concluindo que o comportamento delitivo
com sua conduta o grau de aceitação e interiorização dos valores da espelha um protesto contra as normas das classes médias da cultura
cultura ou subcultura à qual pertence (não por decisão própria), va- norte-americana. Posto que a estrutura social impede o jovem das
lores que se interiorizam, reforçam e transmitem, mediante idênticos classes baixas de ter acesso ao bem-estar por vias legais, ele ex-
mecanismos de aprendizagem e socialização, tanto no caso de con- perimenta um conflito “cultural” ou um “estado de frustração” que
duta normal ou regular como no de conduta irregular ou desviada. determina a sua integração em uma subcultura separada da socie-
dade ou cultura oficial, subcultura esta “maliciosa, negativa e não
utilitária”, provida de um sistema de valores próprio e conflitante
As teorias subculturais, não obstante, afastam-se sensivelmente
com o sistema oficial.
dos postulados estrutural-funcionalistas sustentados pelas teorias da
O delito, assim, não é consequência do “contágio social” ou
“anomia” e discrepam, também, da análise ecológica da Escola de
da “desorganização” (como sustentavam as teorias ecológicas), se-
Chicago.
não expressão de outros sistemas normativos (subculturais), cujos
valores diferem dos majoritários, quando não são deliberadamente
Com efeito, o conceito de subcultura pressupõe a existência de
contrapostos. A subcultura opera como evasão da cultura geral ou
uma sociedade pluralista, com diversos sistemas de valores diver-
como reação negativa frente a ela; é uma espécie de “cultura de re-
gentes em torno dos quais se organizam outros tantos grupos desvia- câmbio” que certas minorias marginalizadas, pertencentes a classes
dos. Obriga, ademais, examinar internamente referidas minorias e menos favorecidas, criam dentro da cultura oficial para dar vazão
seus códigos axiológicos, é dizer, a partir da óptica dos próprios sub- à ansiedade e frustração que sentem ao não poder participar, por
grupos. Mais importante: obriga compreender o delito como opção meios legítimos, das expectativas que teoricamente seriam ofereci-
coletiva, como opção de grupo, com um particular simbolismo ou das a todos pela sociedade. A via “criminal” é considerada, assim,
significado. No caso concreto da delinquência “juvenil”, ela deveria um mecanismo substitutivo da ausência real de vias legítimas para
ser vista como decisão de rebeldia aos valores oficiais das classes fazer valer as metas culturais ideais que, de fato, a mesma socie-
médias, não como atitude racional e utilitária própria do mundo dos dade nega para as classes menos privilegiadas. É uma forma que
adultos. Todas essas premissas, logicamente, são inadmissíveis para permitiria às classes proletárias participar, ainda que seja por meios
as teorias da “anomia”. ilegítimos, do conjunto de valores das classes médias (êxitos, respei-
tabilidade, poder, influência etc.).
De outro lado, para as teorias subculturais não interessa tanto Conforme Cohen, suas investigações demonstram que tais sub-
a estrutura interna dos “bandos” e “organizações” (objetivo prio- culturas criminais (de jovens) caracterizam-se por certas notas: não
ritário das teorias “ecológicas”), senão a “origem” deles, que estão são utilitárias, possuem uma clara intencionalidade, espírito de gru-
estreitamente vinculados ao problema da estratificação social. Elas po e pretendem negar os valores correlativos da sociedade oficial.
representam um “enfoque de classe social” que supera e enriquece a Não são “utilitárias” porque predomina em seus comportamentos o
análise puramente ecológica ou ambiental. Para os modelos subcul- “significado” simbólico sobre o material pecuniário: um furto, por
turais não são certas áreas deterioradas (desorganização social) que exemplo, afirma Cohen, quando é cometido em um contexto sub-
geram a criminalidade das baixas classes sociais que nelas vivem, cultural “está longe de reflexões vinculadas ao proveito ou ao lucro,
senão pelo contrário: as subculturas criminais constituem um produ- pois na verdade é uma atividade valorizada que se encontra estreita-
to do limitado acesso das classes sociais oprimidas aos objetivos e mente conectada com a fama, o valor e a íntima satisfação”. A inten-
metas culturais das classes médias, operando como instrumento para cionalidade nos grupos subculturais, conforme o autor, se aproxima
que aquelas obtenham suas formas de êxito alternativas ou sucedâ- da “malícia” (dolo) e consiste em uma particular autocomplacência
neos gratificantes em guetos restringidos. Dito de outra maneira: o para a provocação e o desafio dos tabus sociais da cultura “oficial”.
delito não é consequência da desorganização social ou da carência A última característica que apresentam as subculturas consiste no re-
ou vazio normativo, senão de uma organização social distinta, de chaço deliberado dos valores correlativos da classe média, pois não
certos códigos de valores próprios ou ambivalentes em relação aos em vão a própria subcultura se autodefine como alternativa, como
da sociedade oficial: dos valores de cada subcultura. recâmbio, como mecanismo de substituição.

Didatismo e Conhecimento 30
CRIMINOLOGIA
Em todo caso, a subcultura criminal é uma cultura de “grupo”, - Voltada sobretudo para a delinquência juvenil;
coletiva, não uma opção individual, privada, no sentido de Merton. - Visão contraposta à orgânica: a ordem social é um mosaico de
A tese de Cohen é inequivocamente sociológica, ainda que ad- grupos, subgrupos, fragmentado, conflitivo;
mita a existência de uma pluralidade de “tipos” de delinquentes ju- - Cada grupo possui seu código de valores e é analisado não a
venis, sendo que alguns se determinariam não por fatores subcultu- partir de um código geral, mas do seu código;
rais senão psicogenéticos. O decisivo, para o referido autor, é porque - Delito como opção coletiva ou de grupo, contraposto à visão
existem as subculturas, e a gênese das mesmas, é dizer, como e por patológica, com particular simbolismo ou significado. Delinquente é
que surgem, que relação mantêm com a sociedade oficial etc., não normal, assim como normal é seu processo de aprendizagem.
porque um jovem passa de uma subcultura a outra. Estratificação - Não são produto da desorganização social ou ausência de va-
social, dualismo normativo (valores das classes médias versus valo- lores, mas da existência de valores distintos (“subculturais”);
res das classes baixas), conflito e atitude ambivalente do jovem das - Caráter pluralista e atomizado da ordem social;
baixas classes sociais e frustração são os conceitos básicos da teoria - Cobertura normativa da conduta desviada, “o crime resulta da
subcultural de Cohen. interiorização e da obediência a um código moral ou cultural que
torna a delinquência imperativa”;
Com efeito, para este autor cada classe social tem seu particular
- Semelhança estrutural, em sua gênese, do comportamento re-
código de valores. A classe média põe especial ênfase na eficiên-
gular e irregular;
cia e na responsabilidade individual, na racionalidade, no respeito
- Não são certas áreas deterioradas (desorganização social) que
à propriedade, na construtividade, no emprego do tempo livre, na
geram criminalidade das classes baixas, senão o contrário: as sub-
poupança, na desconsideração do prazer e na mobilidade social. Por culturas criminais são produto da ausência de acesso aos goals cul-
sua vez as classes baixas concedem maior importância à força física turais das classes médias, formando guetos restritos;
e à coletividade e menor à desconsideração do prazer e à poupança. - Delito não é consequência da desorganização social nem do
Os jovens pertencentes a estas últimas classes estão propensos ao vazio normativo, senão de uma organização social distintas e códi-
conflito e à frustração porque se acham em desvantagem. De algum gos ambivalentes em relação aos da “sociedade oficial”.
modo, participam de ambos sistemas de valores, pois pertencendo
à classe trabalhadora seus próprios pais se sentem atraídos pelos Delinquência Juvenil: “A explicação da delinquência juvenil é
modelos das classes médias, atitude que é reforçada pelo sistema óbvia: o crime resulta da identificação dos jovens das classes tra-
educativo e pelo bombardeio institucional que oferece êxito e estima balhadoras com os valores e as regras de conduta emergentes da
social. Sem embargo, carecem das adequadas técnicas de socializa- subcultura delinquente” (Figueiredo Dias). Representa “a resposta
ção para seguir alguns valores, os das classes médias, que não se coletiva às experiências de frustração nas tentativas de aquisição de
coadunam com o status destes jovens, o que constitui um handicap status no contexto da sociedade respeitável e sua cultura”.
intransponível para atender às demandas da sociedade. O “conflito”
é produzido, diz Cohen, quando referidos jovens se identificam com Pressupostos:
as classes médias e, ao mesmo tempo, interiorizam os valores da - delinquência é fundamentalmente produto dos jovens mascu-
classe a que pertencem. Vinculados a uma posição social inferior, e linos de classe média baixa;
em desvantagem, não poderão superar as demandas do grupo a que - subcultura delinquente é não-utilitária (não é meio racional),
aspiram sem sofrer graves problemas de adaptação. má (malicious) (jovens das gangs revelam prazer em quebrar regras
O conflito, na opinião do autor aqui várias vezes citado, admite e tabus) e negativa (subversão total e inversão das normas).
três alternativas: a adaptação, a transação ou o pacto e a rebelião
frente aos valores das classes médias. O delinquent boy resolve sua Formação da subcultura:
“frustração de status” enfrentando de forma aberta os padrões da - Adesão ao “american dream”: sonho de sucesso apenas apa-
sociedade oficial, porque a subcultura criminal não “pactua” nem rentemente “democrático”, que coloca em desvantagem o jovem de
tolera ambiguidades e, ademais, precisamente referida rebeldia con- baixa renda, pois valores como racionalidade, disciplina, cortesia,
cultura acadêmica, etc. não são compartilhados no seu processo de
fere-lhe prestígio. Na gênese da subcultura criminal, por outra parte,
socialização. Ética da responsabilidade individual X Ética da reci-
outorga Cohen grande relevância a certo processo psicológico, psi-
procidade. Isso gera frustração e humilhação, confundindo sucesso e
canalítico, de “formação reativa”, que explicaria, ademais, algumas
virtude, razão pela qual optam por “sair do jogo” e criar seu próprio
características da delinquência subcultural: trata-se, em suma, de
código;
um mecanismo de neutralização dirigido a compensar a angústia do
jovem das baixas classes sociais que para conseguir a estima social - Processo coletivo de reação/formação, coletivo e dialógico,
do seu grupo se lança contra os valores e estilos de vida, por ele já produto de interações recíprocas.
interiorizados, das classes médias. - Walter Miller, cultura da “lower class” (sistema cultural radi-
calmente diferente, delito seria adesão a essa cultura);
Características Gerais: - Subcultura da classe média, “Youth culture” (subcultura ju-
- Sempre existiram teorias subculturais (ex. “classes perigosas” venil que não se opõe à dominante, apenas a distorce em nome do
da literatura vitoriana), o que caracteriza as teses sociológicas é a hedonismo e crises de identidade);
busca da origem das subculturas, vinculadas à estratificação social; - Integração com a teoria da anomia (Cloward e Ohlin). Acres-
- Surgidas na década de 50 nos EUA como resposta ao pro- cem à anomia o conceito de “oportunidades ilegítimas”, que tratam
blema das minorias marginalizadas: étnicas, raciais, culturais, etc., do aprendizado de valores e técnicas necessárias ao papel desvian-
muito ativas; te e possibilidade de atuação com apoio subcultural, formando al-

Didatismo e Conhecimento 31
CRIMINOLOGIA
ternativas como as subculturas criminal (roubos, furtos, carreiras Essa escola se originou no pragmatismo americano e particu-
criminais), de conflito (violência difusa) ou de evasão. Atribuem a larmente no trabalho de George Herbert Mead, que demonstrou que
formação da subcultura a um sentimento coletivo, não individual, de os egos (self) das pessoas são produtos sociais, sem deixar de ser
injustiça, que causaria a alienação. propositados e criativos. Outros pioneiros na área foram Hebert Blu-
mer e Charles Cooley. Blumer, um estudioso e intérprete de Mead,
Teoria da Anomia e criador do termo “interacionismo simbólico”, pôs em evidência as
principais perspectivas dessa abordagem: as pessoas agem em rela-
Essa teoria parte da perspectiva de que o crime é produto do ção às coisas baseando-se no significado que essas coisas tenham
sistema e é tratado como um resultado normal, ou seja, esperado e para elas; e esses significados são resultantes da sua interação social
funcional para o próprio sistema. A teoria da anomia parte do pres- e modificados por sua interpretação.
suposto de que os indivíduos são homogeneizados na identificação
com os valores do american dream. A ambição, por exemplo, con- Sociólogos que trabalham nessa linha pesquisaram uma exten-
duz o comportamento desviante. Como diz Merton, a anomia é um siva gama de tópicos utilizando uma variedade de métodos de inves-
conceito sociológico que se refere à “ruptura dos padrões sociais que tigação. Entretanto, a maioria das pesquisas de interacionistas utili-
comandam a conduta”. O grau de anomia aumenta com a diminui- za métodos de pesquisa qualitativa, como observação participante,
ção da força das regras na regulação da conduta. para estudar aspectos da interação social e/ou self (individualidade).
É por conta da frustração socialmente induzida que o sujeito
recorre à delinquência, ou seja, para a realização dos objetivos cul- As áreas da sociologia que foram mais influenciadas pelo inte-
turais (sucesso). Não tendo meios legítimos, o sujeito recorre aos racionismo simbólico incluem a sociologia das emoções, compor-
ilegítimos. Trata-se da defasagem entre a estrutura cultural e a estru- tamento desviante / criminologia, comportamento coletivo / movi-
tura social, como diz o referido autor. mentos sociais e a sociologia da vida sexual. Os conceitos interacio-
A seguinte teoria trará uma forma de pensamento irreverente: nistas que ganharam ampla difusão incluem definição de situação
não mais encarará o crime como uma anomalia, disfunção ou pa- (definition of the situation); trabalho emocional; administração de
tologia, mas sim como um fato integrante e necessário da socieda- impressão (manipulação da identidade); espelhamento do self (for-
de, um elemento dessa. Os autores de tal teoria consideram o crime
mação da identidade); e instituição total.
como um fato social que possui uma função dentro da sociedade, as-
Erving Goffman, embora tenha reivindicado não ter sido um
sim como os outros institutos (Shecaira). Não é, portanto, algo ruim
interationista simbólico, é reconhecido como um dos principais con-
e negativo, mas sim um fenômeno normal que integra a sociedade
tribuintes à perspectiva.
desde seu nascimento e possui o poder de retificar valores dentro da
Herbert Blumer selecionou três premissas básicas dessa pers-
mesma, posto que um crime gera indignação e assim aciona princí-
pectiva que ampliam a compreensão usual do é a motivação, a tradi-
pios consagrados que se revalidam quando da aplicação da sanção.
ção e suas transformações (re-significações):
Reforça o chamado sentimento de “justiça feita”.
Assim, no pensamento de Durkheim, criminoso é o individuo - “Os seres humanos agem em relação às coisas com base nos
que deixa de obedecer as leis (símbolo visível da solidariedade so- significados que eles atribuem a essas coisas”.
cial e fenômeno de ordem moral), produzindo uma ruptura no orga- - “O significado de tais coisas é derivado de, ou é anterior à,
nismo social. Robert Merton, outro autor concordante com tal teoria, interação social que uns têm com outros e com a sociedade”.
afirma que toda vez que a sociedade impõe metas (um determinado - “Esses significados são controlados em, e modificados por,
estilo de vida, por exemplo) sem oferecer respaldo para que os indi- um processo interpretativo usado pelas pessoas interagindo entre si
víduos as atinjam, está criando uma situação de anomia (a = ausên- e com as coisas que elas encontram (em função do consenso que, no
cia; nomos = lei) já que exerce pressão sobre o individuo. mínimo, torna a comunicação possível)”.
Blumer seguiu Mead e apresentou a proposição de que as pes-
Perspectiva Interacionista soas interagem umas com as outras por meio de interpretação mu-
tua das ações e definição um do outro, em vez de somente reagir
O interacionismo simbólico é uma abordagem sociológica das às ações um do outro. Suas respostas não são dadas diretamente às
relações humanas que considera de suma importância a influência, ações um do outro, mas baseadas no significado que eles atribuem
na interação social, dos significados bem particulares trazidos pelo a tais ações. Assim, interação humana é mediada pelo uso de sím-
indivíduo à interação, assim como os significados bastante particu- bolos e significados, através de interpretação, ou determinação do
lares que ele obtém a partir dessa interação sob sua interpretação significado das ações um do outro (Blumer). Blumer comparou esse
pessoal. Originada na Escola de Chicago, essa abordagem é espe- processo, que ele designou “interação simbólica”, com as explica-
cialmente relevante na microsociologia e psicologia social. ções behavioristas do comportamento humano que não consideram
O interacionismo simbólico não se limita a essa interpretação. a interpretação entre estímulo e resposta.
Segundo a proposição de Hegel, por exemplo, e de outros filósofos O interacionismo simbólico também vê além de simples indiví-
que escreveram sobre a linguagem, o mundo simbólico só se cons- duos espalhados em atividades de comércio e fast-food. Na realida-
troi por meio da interação entre duas ou mais pessoas e, portanto, de, muitas das redes de fast-food, como McDonald’s, Burger King
o simbolismo não é resultado de interação do sujeito consigo ou e outras do gênero, utilizam interacionismo simbólico. Com efeito,
mesmo de sua interação com um simples objeto. Apesar de ser um o que elas têm em comum é o uso das cores primárias vermelho e
sentido individual e uma base para todos e quaisquer sentidos que amarelo nos anúncios das suas casas comerciais.
cada um dá às suas próprias ações, ela é fundada nas interações do O vermelho e o amarelo se associam, em nossa sociedade, à
individuo, ou naquilo que o “eu” faz sendo regulado pelo que “nós” fome, porque eles simbolicamente representam catchup e mostarda.
construímos socialmente. Assim, aumentam o fluxo de clientes com fome.

Didatismo e Conhecimento 32
CRIMINOLOGIA
Estudiosos do interacionismo simbólico investigam como as
pessoas criam significados durante interação social, como eles se - A CRIMINOLOGIA E O PARADIGMA DA
apresentam e constroem o próprio ego (ou “identidade”), e como REAÇÃO SOCIAL.
são definidas as situações de co-participação com outros. Um das
idéias centrais dessa perspective teórica é que as pessoas agem como
elas agem por causa do modo como definem tais situações. Uma das
aplicações de tais estudos é a sociologia da saúde-doença. Conceito de Paradigma: “Aquilo que os membros de uma
comunidade científica compartilham” (T. Kuhn, Estrutura das Re-
voluções Científicas). E, inversamente, uma comunidade científica
Embora conceitos do interacionismo simbólico tenham ganho
consiste em homens que compartilham um paradigma.
um difundido uso entre sociólogos e influenciado especialistas em
psicologia social, tal perspectiva foi criticada, particularmente du-
Paradigma Etiológico Paradigma da Reação ou Controle So-
rante os anos setenta quando os métodos quantitativos eram domi- cial: Porém, a mudança de paradigma na ciência não tem ultrapas-
nantes na sociologia. sado o espaço acadêmico para alçar o público da rua e provocar a
necessária transformação cultural no senso comum sobre a crimina-
Ás críticas metodológicas, se somam críticas ao interacionismo lidade e o sistema penal.
simbólico por sua limitação teórica para lidar com estrutura social O objeto agora é o sistema penal e o fenômeno do controle. A
(um conceito sociológico fundamental) entre outros aspectos macro- pergunta passa a ser: por que algumas pessoas são rotuladas pela so-
sociologicos. Apesar de vários teóricos do interacionismo simbólico ciedade e outras não? O desvio e a criminalidade não são uma qua-
dirigiram-se a estes temas sem contudo conseguirem reconhecimen- lidade intrínseca da conduta, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída
to ou influenciara os trabalhos que focalizam esse nível de interação. a determinados sujeitos através de complexos processos de seleção.
Trata-se de um duplo processo: definição legal de crime + a seleção
Essa teoria se insere na teoria das ciências socias que estudam que etiqueta um autor, dentre todos os outros, como criminoso. Por
as representações sociais e etnomedodologias. Destacams-se como isso, em vez de falar em criminalidade, devemos falar em criminali-
continuadores Becker e Goffman ambos com importantes contribui- zação. A investigação passa dos controlados para os controladores.
ções ao estudo do desvio, saúde mental e criminologia. Criminalização secundária é o momento do etiquetamento. Todos os
sistemas de controle (religião, mídia, família) produzem seleções.
Este paradigma, com a qual nasceu a Criminologia como ci-
Os participantes da Teoria das representações coletivas ou so-
ência no final do século XIX liberta-se, assim, de suas condições
ciais iniciada na sociologia e antropologia com as contribuições de
originárias de nascimento para se transnacionalizar em grande es-
Durkheim e Lévy-Bruhl (teoria da magia, das religiões e do pensa-
cala permanecendo, não apenas na Europa, na base de posteriores
mento mítico) desenvolvimentos da disciplina, inclusive os mais modernos que, à
indagação sobre as causas da criminalidade, forneceram respostas
Destacam-se ainda Peter Berger importante teórico da Socio- diferentes das antropológicas e sociológicas do positivismo originá-
logia do conhecimento autor do livro A construção social da rea- rio e que nasceram, em parte, da polêmica com ele (teorias explica-
lidade em co autoria com Thomas Luckmann, da Universidade de tivas de ordem psicanalítica, psiquiátrica, multifatoriais, etc.).
Frankfurt;
Mas enquanto a Criminologia europeia permanece relativamen-
Berger e Luckmann situam Durkheim, Marx ,e Weber entre te estanque, do ponto de vista epistemológico, é no mundo anglo-
seus antecessores onde quanto aos aspectos sócio-psicológicos, es- -saxão, em particular na América do Norte, que experimentará um
pecialmente importantes para análise da interiorização da realidade posterior desenvolvimento, sobretudo como Sociologia Criminal,
social, como destacam se dizendo influenciados por Mead e a escola assumindo a dianteira teórica da disciplina e preparando o terreno
simbólico interacionista, também criticando esta por não ter cria- para uma mudança de paradigma em Criminologia.
do um conceito de estrutura social o que os impediu de relacionar
suas perspectivas com uma teoria macro-sociológica. Além de opor Foi assim que a introdução do labelling approach, devido so-
esta às contribuições de Freud identificando uma incompatibilidade bretudo à influência de correntes de origem fenomenológica (como
entre Freud e Marx especialmente quanto aos fundamentos antropo- o interacionismo simbólico e a etnometodologia) na sociologia do
desvio e do controle social e de outros desenvolvimentos da reflexão
lógicos do Marxismo ao contrário da teoria de Mead que também
histórica e sociológica sobre o fenômeno criminal e o Direito penal
propõe uma relação dialética entre a sociedade e o indivíduo. (Ber-
determinaram, no seio da Criminologia contemporânea, a constitui-
ger; Luckmann) ção de um paradigma alternativo relativamente ao paradigma etio-
lógico: o paradigma da “reação social” (social reation approach) do
No âmbito da psicologia considera-se que sobretudo Mead e “controle” ou da “definição”.
Blumer representam a principal corrente das denomindadas formas
sociológicas da psicologia social. Modelado pelo interacionismo simbólico e a etnometodologia
como esquema explicativo da conduta humana (o construtivismo
A teoria das representações sociais por sua vez influenciou os social) o labelling parte dos conceitos de “conduta desviada” e “re-
trabalhos de Vigotsky (desenvolvimento cultural) e Piaget (teoria ação social”, como termos reciprocamente interdependentes, para
das representações infantis) além de Winnicott. formular sua tese central: a de que o desvio e a criminalidade não

Didatismo e Conhecimento 33
CRIMINOLOGIA
é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica Neste sentido, não apenas a criminalização secundária insere-se
preconstituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) no continuum da criminalização primária, mas o processo de crimi-
atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos nalização seletiva acionado pelo sistema penal se integra na mecâ-
de interação social; isto é, de processos formais e informais de de- nica do controle social global da conduta desviada de tal modo que
finição e seleção. para compreender seus efeitos é necessário apreendê-lo como um
Uma conduta não é criminal “em si” (qualidade negativa ou subsistema encravado dentro de um sistema de controle e de seleção
nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos tra- de maior amplitude. Pois o sistema penal não realiza o processo de
ços de sua personalidade ou influências de seu meio-ambiente. A criminalização e estigmatização à margem ou inclusive contra os
criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a processos gerais de etiquetamento que tem lugar no seio do con-
determinados indivíduos mediante um duplo processo: a “definição” trole social informal, como a família e a escola (por exemplo, o fi-
legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal e a “seleção” lho estigmatizado como “ovelha negra” pela família, o aluno como
que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos “difícil” pelo professor etc.) e o mercado de trabalho, entre outros.
aqueles que praticam tais condutas. (Hassemer)
Consequentemente, não é possível estudar a criminalidade in- E desta perspectiva relativizado fica tanto o lugar do Direito e
dependentemente desses processos. Por isso, mais apropriado que da Justiça Penal no controle social formal quanto o lugar deste em
falar da criminalidade (e do criminoso) é falar da criminalização (e relação ao controle social global.
do criminalizado) e esta é uma das várias maneiras de construir a Assim, ao invés de indagar, como a Criminologia tradicional,
realidade social. “quem é criminoso?”, “por que é que o criminoso comete crime?” o
Esta tese, da qual provém sua própria denominação (“etiqueta- labelling passa a indagar “quem é definido como desviante?” “por
mento”, “rotulação”) se encontra definitivamente formulada na obra que determinados indivíduos são definidos como tais?”, “em que
de Becker nos seguintes termos: “os grupos sociais criam o desvio condições um indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?”,
ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas “que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?”, “quem de-
regras a certas pessoas em particular e qualificá-las de marginais fine quem?” e, enfim, com base em que leis sociais se distribui e
(estranhos). Desde este ponto de vista, o desvio não é uma qualidade concentra o poder de definição? (Baratta).
do ato cometido pela pessoa, senão uma consequência da aplica-
Daí o desenvolvimento de três níveis explicativos do labelling
ção que os outros fazem das regras e sanções para um “ofensor”. O
approach, cuja ordem lógica procede aqui inverter:
desviante é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qua-
- um nível orientado para a investigação do impacto da atribui-
lificação (etiqueta); a conduta desviante é a conduta assim chamada
ção do status de criminoso na identidade do desviante (é o que se
pela gente.”
define como “desvio secundário”);
Numa segunda aproximação, a criminalidade se revela como o
- um nível orientado para a investigação do processo de atribui-
processo de interação entre ação e reação social de modo “que um
ção do status de criminoso (“criminalização secundária” ou proces-
ato dado seja desviante ou não depende em parte da natureza do
ato (ou seja, se quebranta ou não alguma regra), e em parte do que so de seleção);
outras pessoas fazem a respeito”. - um nível orientado para a investigação do processo de defini-
Pois, ainda no dizer de Becker “devemos reconhecer que não ção da conduta desviada (criminalização primária) que conduz, por
podemos saber se um certo sua vez, ao problema da distribuição do poder social desta definição,
ato vai ser catalogado como desviante até que seja dada a res- isto é, para o estudo de quem detém, em maior ou menor medida,
posta dos demais. O desvio não é uma qualidade presente na condu- este poder na sociedade. E tal é o nível que conecta o labelling com
ta mesma, senão que surge da interação entre a pessoa que comete o as teorias do conflito.(Baratta)
ato e aqueles que reagem perante o mesmo”.
Ao afirmar que a criminalidade não tem natureza ontológica, A investigação se desloca, em suma, dos controlados para os
mas social e definitorial e acentuar o papel constitutivo do controle controladores e, remetendo a uma dimensão macrosociológica, para
social na sua construção seletiva, o labelling desloca o interesse cog- o poder de controlar. Pois ao chamar a atenção para a importância
noscitivo e a investigação das “causas” do crime e, pois, da pessoa do processo interativo (de definição e seleção) para a construção
do autor e seu meio e mesmo do fato-crime, para a reação social da e a compreensão da realidade social da criminalidade, o labelling
conduta desviada, em especial para o sistema penal. demonstrou também como as diferenças nas relações de poder in-
Como objeto desta abordagem o sistema penal não se reduz ao fluenciam esta construção. Assenta, pois, na recusa do monismo
complexo estático das normas penais mas é concebido como um cultural e do modelo do consenso como teoria explicativa da gênese
processo articulado e dinâmico de criminalização ao qual concor- das normas penais e da sociedade, que constituía um pressuposto
rem todas as agências do controle social formal, desde o Legislador fundamental da Criminologia positivista.
(criminalização primária), passando pela Polícia e a Justiça (crimi- Manifesta é, pois, a ruptura epistemológica e metodológica
nalização secundária) até o sistema penitenciário e os mecanismos operada com a Criminologia tradicional, traduzida no abandono do
do controle social informal. Em decorrência, pois, de sua rejeição paradigma etiológico-determinista (sobretudo na perspectiva bio-
ao determinismo e aos modelos estáticos de comportamento, o la- -psicológica individual) e na substituição de um modelo estático e
belling conduziu ao reconhecimento de que, do ponto de vista do descontínuo de abordagem por um modelo dinâmico e contínuo que
processo de criminalização seletiva, a investigação das agências o conduz a reclamar a redefinição do próprio objeto criminológico.
formais de controle não pode considerá-las como agências isoladas Opera por este caminho como se auto atribuem seus represen-
umas das outras, autossuficientes e autorreguladas, mas requer, no tantes e a literatura em geral subscreve, um verdadeiro salto qualita-
mais alto grau, um approach integrado que permita apreender o fun- tivo, uma “revolução” de paradigma no sentido kuhneano, consubs-
cionamento do sistema como um todo. (Dias e Andrade). tanciado na passagem de um paradigma baseado na investigação das

Didatismo e Conhecimento 34
CRIMINOLOGIA
causas da criminalidade a um paradigma baseado na investigação Assim, consoante exposição de Capra, a adoção do sistema car-
das condições da criminalização, que se ocupa hoje em dia, funda- tesiano no mundo ocidental resultou na concepção de partes separa-
mentalmente, da análise dos sistemas penais vigentes (natureza, es- das para o homem, razão pela qual se estendeu à sociedade, gerando
trutura e funções). A Criminologia contemporânea desenvolvida na nações, raças, religiões e políticas.
base deste paradigma, especialmente a Criminologia crítica, tende a Contudo, a partir da evolução operada na humanidade, o mo-
transformar-se, assim, de uma teoria da criminalidade em uma teoria delo mecânico tornou-se ultrapassado, ocasionando o surgimento
crítica e sociológica do sistema penal. do pensamento sistêmico, isto é, a visão de estruturas interligadas,
Além dos já referidos resultados da investigação sobre o im- formando um todo em relação às partes, ao mesmo tempo em que
pacto do etiquetamento podemos enunciar, ainda que sumariamen- são partes de um todo maior.
te, um conjunto de resultados irreversíveis deste paradigma sobre a Em complementação ao exposto, dispõe Almeida que as quali-
seletividade do sistema penal que, oriunda dos demais níveis referi- dades das partes resultam desta interação das partes no interior do
dos, reconhece nele uma complexa formulação. sistema e da interação dos múltiplos sistemas. Portanto, as qualida-
Desde o ponto de vista das definições legais, a criminalidade des das partes não lhes são intrínsecas. Disso resulta não ser possível
se manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma compreender a vida senão pela compreensão dos sistemas e não ser
minoria perigosa da população e em todos os estratos sociais. Se possível compreender os sistemas apenas pela análise.
a conduta criminal é majoritária e ubíqua e a clientela do sistema Desta forma, torna-se visível a distinção entre os modelos me-
penal é composta, “regularmente”, em todos os lugares do mundo, cânico e sistêmico, uma vez que o primeiro visualiza cada parte em
por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, isto indi- separado, enquanto o segundo percebe o todo para as partes, assim
ca que há um processo de seleção de pessoas, dentro da população como as partes somente são perceptíveis a partir do todo.
total, às quais se qualifica como criminosos. E não, como pretende Inobstante ao exposto, adiciona Almeida ao referir que esta pe-
o discurso penal oficial, uma incriminação (igualitária) de condutas culiar forma de representar o mundo pode ser concebida como eco-
qualificadas como tais. O sistema penal se dirige quase sempre con- logia profunda, aquela que, possuidora de uma percepção espiritual
tra certas pessoas, mais que contra certas ações legalmente definidas da vida, reconhece a interdependência de todos os elementos, de
como crime. A conduta criminal não é, por si só, condição suficiente todos os fenômenos, de todos os indivíduos, concebendo-os como
peças de encaixes perfeitos, interconectadas em processos cíclicos
deste processo. Pois os grupos poderosos na sociedade possuem a
da natureza.
capacidade de impor ao sistema uma quase que total impunidade das
No tocante ao Direito, o pensamento cartesiano resultou na se-
próprias condutas criminosas.
dimentação do positivismo jurídico, o qual, por sua vez, abstinha o
Desta forma, a minoria criminal “perigosa” a que se refere a ex-
aplicador do Direito das interpretações filosóficas, éticas e religio-
plicação etiológica (Criminologia positivista) resulta de que as pos-
sas, reduzindo, assim, a sua atuação à análise metódica, ao apenas
sibilidades (chances) de resultar etiquetado, com as graves conse-
disposto pelo legislador.
quências que isto implica, se encontram desigualmente distribuídas.
A seu turno, o Direito Penal trabalhava com o “Paradigma Etio-
E um dos mecanismos fundamentais desta distribuição desigual da
lógico”, a partir de Lombroso e Ferri, concebendo-o como ciência
criminalidade são precisamente os estereótipos de autores e vítimas causal-explicativa, ou seja, instituto com função única de normatizar
que, tecidos por variáveis geralmente associadas aos pobres (baixo os delitos pré-constituídos.
status social, cor, etc) torna-os mais vulneráveis à criminalização: Destarte, ao ver o delinquente penal como ser possuidor de ca-
é “o mesmo estereótipo epidemiológico do crime que aponta a um racterísticas que o tornam inadequado e perigoso para o convívio so-
delinquente as celas da prisão e poupa a outro os seus custos”. (Dias cietário, tal instituto ensejou no surgimento de indagações referentes
e Andrade) ao que o “criminoso” faz e a razão de fazê-lo, negando a relação
A clientela do sistema penal é constituída de pobres não por- conexa entre autor e fato-crime como fatores que se processam de
que tenham uma maior tendência para delinquir mas precisamente igual forma no interior do meio societário.
porque tem maiores chances de serem criminalizados e etiquetados Em razão das mudanças transformadoras sofridas pela esfera
como criminosos. penal, a década de 60 marcou o surgimento de um novo paradigma
Em suma, como conclui Sack, a criminalidade (a etiqueta de contemporâneo de criminologia, o qual se propõe a analisar em que
criminoso) é um “bem negativo” que a sociedade (controle social) condições um indivíduo pode ser chamado desviante, afastando-se
reparte com o mesmo critério de distribuição de outros bens positi- das causas do paradigma etiológico, e gerando o paradigma da re-
vos (o status social e o papel das pessoas: fama, patrimônio, privi- ação social, fundamentado no modelo sistêmico, a partir da com-
légios etc.) mas em relação inversa e em prejuízo das classes sociais preensão do todo, observando a rede de conexões das partes que
menos favorecidas. A criminalidade é o exato oposto dos bens posi- formam o todo.
tivos (do privilégio). E, como tal, é submetida a mecanismos de dis- O Paradigma da Reação Social, ou labelling approach, basea-
tribuição análogos, porém em sentido inverso à distribuição destes. do no modelo sistêmico e sedimentando pela Criminologia Crítica,
opõe-se ao grande inspirador da Criminologia Tradicional, o Para-
Postulado por René Descartes (1596-1650) em seu livro Dis- digma Etiológico, desconsiderando a natureza humana ou a socieda-
curso do Método, o paradigma cartesiano defende a divisão como de como dados postos, imutáveis, sendo as qualidades, defeitos e as
modelo científico, a partir da separação entre dois grandes domínios: dores sociais caracteres somente passíveis de percepção desde que
ciências exatas e humanas. Por conseguinte, o homem foi dividido inseridos no contexto social, em sua totalidade.
em corpo e mente, vendo o universo em um sistema mecânico, re- Neste sentido, expõe Almeida que “a sociedade é o produto da
grado por leis matemáticas e composto por blocos, bem como acre- interação do comportamento de seus membros que se estabelece
ditando em uma sociedade de luta de classes. numa rede contínua e inseparável de inter-relacionamentos”.

Didatismo e Conhecimento 35
CRIMINOLOGIA
Diante da visão explicativa da conduta humana, o Paradigma da Fundamentando tal pensamento, Andrade discorre que a equa-
Reação Social centra o desenvolvimento de sua tese em dois pontos ção minoria (dos baixos estratos sociais ou pobres) regularmente
fundamentais, quais sejam a “conduta desviada” e a “reação social”, criminalizada x maioria ( dos estratos sociais médio e alto) regular-
razão pela qual preconiza Andrade, a saber: “a criminalidade não é mente imune ou impune, na qual vimos sinteticamente traduzindo a
uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica seletividade, indica também que a impunidade não é uma disfunção
pré-constituída à reação (ou controle) social, mas uma qualidade do sistema, mas sua regra de funcionamento.
(etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos
processos de interação social; isto é, de processos formais e infor- Assim, em consonância com a autora em apreço, apenas uma
mais de definição e seleção”. porcentagem relativa a 10% das infrações despertam a reação social,
Não obstante ao exposto, acrescenta Andrade no tocante à tese devido à incapacidade estrutural do sistema penal em atender a toda
do Paradigma da Reação Social: “(...) os grupos sociais criam o des- abrangência com que se propõe a lei penal, bem como a plena efi-
vio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas cácia do sistema penal implicaria em criminalização a quase toda a
regras a certas pessoas em particular e qualificá-las de marginais (es- população, uma vez sendo todas as infrações penalizadas.
tranhos). Desde este ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do
ato cometido pela pessoa, senão uma consequência da aplicação que Igualmente, entende que a seletividade decorre da especificida-
os outros fazem das regras e sanções para um ofensor. O desviante é de da conduta praticada e das características sociais do autor desta,
uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qualificação (eti- pois a seleção desigual de pessoal coordena-se a partir do status so-
queta); a conduta desviante é a conduta assim chamada pela gente”. cial desta, e não da incriminação igualitária de condutas, conforme
Desta forma, a própria intervenção do sistema penal na socie- complementa: “o sistema penal se dirige quase sempre contra certas
dade implica na constituição da criminalidade, seja pela definição pessoas, mais que contra certas condutas legalmente definidas como
legal de crime pelo Legislativo, pela definição de pessoas a serem crime e acende suas luzes sobre “quem” em detrimento do “que”.
etiquetadas, ou ainda, pela estigmatização de criminosos dentre De modo que a gravidade da conduta criminal não é, por si só, con-
aqueles que praticam tal conduta considerada ilícita, razão pela qual dição suficiente deste processo. Pois os grupos poderosos na socie-
se defende que o sistema penal constrói socialmente a criminalidade dade possuem a capacidade de impor ao sistema uma quase que total
a partir da seletividade criada pela lei por ele instituída. impunidade das próprias condutas criminosas”.
Em continuidade ao exposto, afirma Andrade que a criminali- Assim, o próprio sistema penal desencadeia um processo de cri-
dade se manifesta como o comportamento da maioria das pessoas minalização, o qual vem a produzir ou não o “etiquetamento”, cuja
na sociedade, e em todos os estratos sociais, antes que o comporta- atribuição do status criminoso é dada, desde que o mesmo apresente
mento de uma minoria perigosa da população, mas a criminalização a conotação social estereotipada.
é, com regularidade, desigual ou seletivamente distribuída; ou seja, Neste diapasão, Andrade reforça que as condutas sociais rela-
o sistema penal criminaliza e está estruturalmente preparado para tivas aos danos sociais de maior gravame (danos econômicos, eco-
criminalizar apenas uma minora de pessoas e pertencentes aos mais lógicos, criminalidade organizada e desvio de verba estatal) são ge-
baixos estratos sociais. ralmente imunizadas pela intervenção estatal, enquanto nos crimes
que oferecem um dano menor à sociedade, porém com maior visi-
Neste sentido, a autora em estudo afirma que o sistema se dirige bilidade (crimes contra o patrimônio, por exemplo), seus agentes,
à determinadas pessoas, bem como a clientela penal é basicamente advindos das mazelas da sociedade, são criminalizados.
populada por pobres, sendo os mesmos, devido às características Portanto, traduz-se que a impunidade é a regra de funcionamen-
que possuem, que tendem a serem criminalizados e etiquetados com to do sistema penal, bem como, juntamente com a criminalização,
maior frequência. fundamentam-se a partir das desigualdades nas relações de proprie-
dade e poder.
Em adição, Zaffaroni e Baratta ponderam que a criminalidade Desta maneira, a reação social ocorre a partir do dever do Esta-
se manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma do em garantir a paz pública e a segurança jurídica frente ao moles-
minoria perigosa da população e em todos os estratos sociais. Se tamento societário provocado por indivíduos adversos ao convívio
a conduta criminal é majoritária e ubíqua e a clientela do sistema social, razão pela qual o mesmo é selecionado e destinado ao etique-
penal é composta, “regularmente”, em todos os lugares do mundo, tamento, afastando-o do corpo social.
por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, isto indi- A partir do exposto, verifica-se que o controle penal desempe-
ca que há um processo de seleção de pessoas, dentro da população nha uma eficácia simbólica, uma vez que as funções que declara e
total, às quais se qualifica como criminosos. E não, como pretende o defende não são e não podem ser cumpridas, fazendo com que o
discurso penal oficial, uma criminalização (igualitária) de condutas mesmo venha a cumprir aquelas que compõem seu discurso crimi-
qualificadas como tais. O sistema penal se dirige quase sempre con- nológico, incidindo negativamente na existência dos indivíduos e da
tra certas pessoas, mais que contra certas ações legalmente definidas sociedade, bem como aumentando as relações desiguais de proprie-
como crime. A conduta criminal não é, por si só, condição suficiente dade e poder, ensejadoras da disfunção operada no sistema penal.
deste processo. Pois os grupos poderosos na sociedade possuem a A exposição retro revela a constituição da ideologia penal do-
capacidade de impor ao sistema uma quase total impunidade das minante e legitimadora de seu funcionamento às avessas, sendo o
próprias condutas criminosas. Por isso, consoante leciona Baratta, Estado moderno um poderoso instrumento de violência e poder po-
ao serem tutelados determinados bens jurídicos, o legislador pode lítico ao sistema penal, operado a partir da racionalização e legi-
não atender ao interesse da maioria, bem como a própria seletivi- timação, sendo a primeira marcada pela justificação e legitimação
dade deriva da seleção feita pelos indivíduos estigmatizados entre através da legalidade, enquanto a segunda traduz-se na legitimação
todos que praticam tais condutas. relacionada com os fins da pena.

Didatismo e Conhecimento 36
CRIMINOLOGIA
Máximo Sozzo vai trabalhar, através do precioso livro de Rosa
- CRIMINOLOGIA NA AMÉRICA LATINA E AS sobre a criminologia argentina, as relações de adoção, rechaço e
AGÊNCIAS DE CONTROLE. complementação das ideias criminológicas europeias na virada do
XIX para o XX. Analisando as resistências de Luis Drago, em 1888,
na Sociedade de Antropologia Jurídica às relações entre tatuagem
e criminalidade, ou a crítica do conceito de degeneração que José
O percurso da história social das ideias na Criminologia tem Ingenieros vai desenvolver na Argentina em 1905, ele vai trabalhar
que nos servir de alguma coisa, na “periferia do capitalismo”. A essas traduções no sentido amplo, demonstrando o caráter criativo
criminologia crítica foi um dique utópico contra as violências dos da linguagem que só pode fazer sentido no contexto local.
ciclos militares nos anos 70 na América Latina. Trinta anos depois Na periferia da colonização, a tradução confere o prestígio do
devemos retomá-la para pensar nos nossos impasses. O argentino estrangeiro central, contrapondo sempre a modernização e a civili-
Máximo Sozzo atualiza essa discussão trabalhando a tradução, a zação ao atraso ontológico dos territórios bárbaros. É este prestígio
importação cultural e a história do presente da criminologia no con-
que dava o caráter de especialista, cuja configuração moderna seria
tinente. Ele relaciona a criminologia e o problema da tradução como
o “fast-thinker” de Pierre Bourdieu: aquele especialista que fala para
atividade cultural, da criminologia psiquiátrica à política: entender
a mídia o que ela quer ouvir. Como os discursos criminológicos não
a questão criminal como um conjunto de racionalidades, programas
e tecnologias governamentais para a gestão de indivíduos e popula- só criam sentido, mas também constroem espacialidades, arquitetu-
ções. A partir da história do presente, da situação atual, ele caminha ras, essa matriz discursiva comum vai forjar o projeto penitenciário
na perspectiva da genealogia foucaultiana. É Marc Bloch que afirma na América Latina como uma adaptação mal- enjambrada do panop-
não ser o historiador antiquário, a colecionar coisas velhas. É sem- ticum de Bentham.
pre o presente que nos impulsiona a voltar os olhos sobre nossas A criminologia crítica, construída como sociologia do direito
pegadas no passado. penal, também foi uma tradução. Na Venezuela dos anos 70 do sé-
O nascimento da Criminologia na América Latina começa com culo XX, o espaço democrático que ali sobrevivia deu abrigo a mui-
a tradução do positivismo, como uma importação cultural que vai tos exilados latino-americanos (inclusive Darcy Ribeiro) e produziu
configurar racionalidades, programas e tecnologias. Por outro lado, um intenso e profícuo debate. É famoso na história da criminologia
já aprendemos com Walter Benjamin que traduções não são neutras, o Manifesto Coletivo Crítico de 1976, proposto no IX Congresso
constituem-se em metáforas de translação, no sentido estrito ou no Internacional de Defesa Social, liderado pela socióloga Rosa Del
sentido amplo. No sentido estrito caminhariam na direção de uma Olmo e pela criminóloga Lola Aniyar de Castro.8 É famoso tam-
mediação “neutra”, no sentido amplo seriam levadas adiante pelo bém o debate em torno do Grupo Latino-americano de Criminolo-
outro autor, numa atividade intelectual. Sozzo cita a expressão do gia Crítica que se reúne em 1981, em torno da questão da depen-
grande criminólogo argentino Roberto Bergalli para falar do assom- dência cultural. É Rosa Del Olmo quem constrói a ideia de ruptura
broso transplante do positivismo. Raúl Zaffaroni, em curso de mes- criminológica ao denunciar o colonialismo cultural e as cópias de
trado no Rio de Janeiro, reforçava esse assombroso transplante na pautas que distorcem a realidade. Anos mais tarde ela vai analisar
tradução e disseminação das ideias de Lombroso na Bahia africana como a “questão drogas” entra no Brasil a partir da “guerra contra
de Nina Rodrigues. Como um corpo de ideias tão contra nós pode as drogas” dos EUA sem ter nenhuma relação com um problema
se instalar, criar raízes e ter uma permanência tão sólida nas nossas brasileiro. Rosa Del Olmo denuncia as pautas, relatórios e verdades
ciências humanas? divulgadas, difundidas e financiadas com recursos que subordinarão
Sozzo vai recuperar a ruptura criminológica da grande Rosa Del a programação acadêmica na América Latina. Ela vai estar apon-
Olmo, que desconstruirá as importações criminológicas (inclusive tando o processo de transnacionalização do controle social e seus
as críticas) na direção de uma metodologia que se adeque ao objeto
efeitos na nossa produção criminológica, o que fica bem mais claro
da questão criminal a partir das nossas realidades. É Rosa que fará a
nos dias de hoje.
primeira tentativa de reconstrução histórica da criminologia latino-
Máximo Sozzo analisa a perda da hegemonia do positivismo na
-americana trabalhando os encontros internacionais, as publicações
e as cátedras como fontes. Ela vai associar os processos econômicos criminologia latino-americana e o empobrecimento das produções
e culturais ao processo de mundialização do capitalismo, da divisão culturais entre os anos 30 e 70 do século XX. Este vazio produziu
internacional do trabalho à entrada do positivismo e do correcio- um continuum de racionalidades, programas e tecnologias nas polí-
nalismo na América Latina. Rosa vai empreender a descolonização ticas governamentais ao sul do continente (Grillo Flores escreve na
ideológica da criminologia, entendendo-a como uma internacionali- Colômbia, em 1985, a Miséria da Criminologia). Das permanências
zação do controle social dos resistentes. positivistas no “defensismo” dos anos 60 e 70 surge uma deman-
Ela vai demonstrar como, a partir de 1870, as necessidades so- da pela crítica da criminologia. Rosa Del Olmo traduz em 1969 na
ciais das classes dominantes vão “deformar” a antropologia crimi- Venezuela o trabalho de Sutherland sobre os crimes de colarinho
nal, institucionalizando o que é útil e descartando o que não serve. A branco. A crítica marxista deve muito a este trabalho do sociólogo
grande pauta colonizadora seria transmitida através dos Congressos norte- americano que demonstra, nos Estados Unidos dos anos 40
de Criminologia. O historiador Pedro Tórtima analisou essa pauta e 50, o caráter seletivo dos sistemas penais, ao revelar o fenômeno
na Conferência Policial de 1917. A relação entre as pautas impostas das cifras ocultas. Lola Aniyar de Castro também realiza inúmeras
e seus desdobramentos pode ser mais facilmente compreendida se traduções dos críticos do hemisfério norte na prestigiosa Revista Ca-
nos debruçarmos sobre o Congresso Internacional de Criminologia pítulo Criminológico: Platt, Quinney, Baratta, Pavarini. A descons-
sediado no Rio de Janeiro nos albores do século XXI: dos temas pro- trução metodológica da criminologia crítica também desenvolve
postos aos stands de venda de tecnologias de segurança poderemos visitas, intercâmbios, congressos e projetos. Contra os perigos da
nos dar conta das necessidades de ordem do capitalismo de barbárie reprodução de esquemas teóricos, a combativa Rosa propõe a pro-
dos nossos dias. dução de um saber latino-americano próprio.

Didatismo e Conhecimento 37
CRIMINOLOGIA
Ela faz a crítica às leituras apologéticas da produção central, Raúl Zaffaroni vai trabalhar o discurso criminológico entenden-
criando novas dependências, traduções no sentido estrito. Ela con- do-o nos seus marcos temporais: o saber sustentador do controle
clama, na sua ruptura criminológica, a um encontro com o saber repressivo da colônia e o saber sustentador do controle repressivo
local e o momento empírico. depois do deslocamento das primeiras potências coloniais. Na cri-
Nesta perspectiva o livro de Raúl Zaffaroni, Criminologia: minologia de Zaffaroni aparecem as resistências ao genocídio colo-
aproximación desde un margen, representa um marco paradigmá- nizador: os movimentos do Tupac Amaru (1780-1783), as revoltas
tico na história da criminologia latino- americana. Ela propõe ali a bolivianas (de 1869, 1921, 1925, 1927 e 1929), a famosa sublevação
tentativa de um discurso a partir da realidade da margem, o realismo de Pablo Zárate em 1898, movimentos indígenas que culminam com
marginal: “Desse modo, fui sentindo que também na dogmática jurí- a eleição recente na Bolívia de Evo Morales, liderando os cocaleros.
dica havia algo que não encaixava. Não demorei muito para advertir Todos esses movimentos foram criminalizados e ensejaram crimi-
que a chave estava na política criminológica e em sua estreita depen- nologias, como os discursos hegemônicos do Brasil escravista ao
dência da política geral, em perceber que a dogmática jurídico-penal disseminar o fora-da-lei para todas as manifestações africanas, do
é um imenso esforço de racionalização de uma programação irrea-
Candomblé aos capoeiras e aos malês. O que foi a luta de Antô-
lizável e que a criminologia tradicional ou etiológica é um discurso
nio Conselheiro nos nossos sertões, se não a chacina fundacional da
de poder de origem racista e sempre colonialista”.
nossa República, perguntaria Nilo Batista?
Pensando na criminologia como um rio e na aproximação pela
margem, ele indica os significados diversos que as ideologias dos Zaffaroni, que mais adiante iria transfigurar o conceito fou-
países centrais apresentam na nossa periferia. Só poderíamos pro- caultiano de instituição de sequestro ao associá-la a América Latina
mover essa aproximação a partir da compreensão da “multiplicação como um todo, desnuda os nossos discursos criminológicos legi-
latino-americana das perguntas centrais, somada à notória inferiori- timantes do extermínio histórico. Nossa formação socioeconômica
dade no desenvolvimento teórico e nos recursos informativos dispo- cultural apresentaria os sincretismos decorrentes do encontro de
níveis” e também na dramaticidade do nosso cotidiano violento. Diz vários povos descartados: os índios, os africanos, os europeus po-
ele que no holocausto “normal” do nosso dia a dia, o maior núme- bres, os judeus e os árabes e muçulmanos. Ele propõe a escuta de
ro de mortes é causado por agências do Estado, seja nas execuções um saber popular, “o conhecimento ou aproximação à realidade que
protagonizadas por policiais e parapoliciais (ou milícias), seja pela cada grupo humano conservou ou trouxe à América Latina, confor-
escolha de políticas públicas que causarão mortes prematuras de me pautas de sua respectiva cultura originária e aos processos de
crianças por falta de atendimento, seja nas fumigações e ingestões aculturação, de reinterpretação e de identificação recíproca de
químicas de substâncias proscritas nos países centrais. elementos (sincretismos) que vêm protagonizando”.
Zaffaroni analisa a discursividade criminológica como um fato Sua esperança na criatividade cultural do nosso processo sin-
de poder, poder letal, do centro para a periferia. Nossa aproximação crético nos daria capacidade de encontrar soluções originais para
vem de uma determinada margem, por isso parcial. Para ele, uma resolução de nossos conflitos com redução dos danos provenientes
das técnicas do poder é o monopólio da informação que impede a da repressividade do sistema penal. “A única função racional da cri-
comunicação com as margens: é o isolamento internacional e intra- minologia em nossa margem é a de impulsionar o movimento con-
marginal. Porque incorporamos acriticamente a ideologia das pri- trário, redutor de violência estrutural (...)”.
sões de segurança máxima norte-americana e não sabemos nada da É assim que o realismo marginal proposto por Zaffaroni vai
questão criminal na África? O que une e o que separa a prisão-RDD analisar as incorporações da periferia no colonialismo pela revo-
de Presidente Prudente e a prisão de camponeses pobres em Cabro- lução mercantil, no neocolonialismo pela revolução industrial e no
bó? A dramaticidade da questão criminal em nossos países exige tecnocolonialismo pela revolução tecno-científica. As dificuldades
que nossa criminologia explique: “que são nossos sistemas penais, do realismo não são poucas: o encontro com o empírico vai lidar
como operam, que efeitos produzem, porque e como nos ocultam com a falta de recursos proporcionalmente inversos à concentração
esses efeitos, que vínculo mantêm com o resto do controle social e
de recursos nas pautas importadas das elites financiadas. Máximo
do poder, que alternativas existem a essa realidade e como se podem
Sozzo revela a estratégia da referência teórica sincrética contra as
instrumentar”. Toda a energia do seu trabalho dirige-se também a
traduções estritas da criminologia do poder central. É através do en-
construir “um saber que permita ajudar as pessoas criminalizadas a
reduzir seus níveis de vulnerabilidade ao sistema penal”. Ele acusa o contro com o empírico, com o conhecimento da realidade nua e crua
controle social em nossa margem de caracterizar-se por um sistema dos nossos sistemas penais letais que poderemos reconstruir nosso
de punição institucionalizada que impõe uma cota de dor e privação, saber crítico.
não prevista em lei e também levada a cabo pelo controle social
para-institucional ou “subterrâneo”, segundo Lola Aniyar de Castro. O problema das ciências sociais é deixar de ser olhar colonial,
É um poder destrutivo em ato, o local subordinado ao projeto esquecer a grande narrativa: “A arte de narrar está em declínio, por-
mais amplo de genocídio do holocausto colonizador aos campos de que o espírito épico da verdade, a sabedoria, tende a desaparecer...
concentração, da devastação da África aos “territórios ocupados” do É na realidade um fenômeno que consiste de forças seculares que
Oriente Médio e às favelas cariocas. É o que Paulo Arantes chama pouco a pouco expulsaram o narrador do domínio da palavra viva
de guerra cosmopolita, vista como “uma questão judicial de crime para confiná-lo na literatura”. Sozzo chama de grandes narrativas
e castigo, uma questão de polícia enfim”, um estado de sítio plane- as racionalidades, programas e tecnologias governamentais. O di-
tário. A produção midiática da “aquiescência passiva”, aquilo que lema da sociologia contemporânea cabe dentro dessa discussão. A
Chomsky denominou manufatura do consentimento: “do lado de cá, criminologia teria deixado de produzir uma alternativa concreta ou
a guerra civilizou-se a tal ponto que já não é mais guerra, mas uma a alternativa concreta seria não reproduzir as racionalidades, pro-
operação de polícia mundial, algo como uma extensão global do gramas e tecnologias governamentais da questão penal? Joel Rufino
processo de pacificação na origem das sociedades bem policiadas dos Santos, em debate pela imprensa, afirmou que a crítica de que
de hoje”. a “esquerda” não tem projeto de segurança pública é equivocada.

Didatismo e Conhecimento 38
CRIMINOLOGIA
A esquerda, os que se identificam com o povo brasileiro, tem é que um filósofo, um psicanalista e um antropólogo (Renato Janine
que defender os vulneráveis das dores e privações de um poder pu- Ribeiro, Renato Mezan e Roberto da Matta) defendiam o uso das
nitivo que quanto mais atualiza historicamente suas racionalidades, suas emoções punitivas para repercutir a superexposição de um caso
mais sofrimento e dor em massa promove nas suas margens. trágico acontecido no Rio de Janeiro.
Vinte anos mais tarde, Raúl Zaffaroni propõe um replanteo
epistemológico na criminologia a partir do livro do professor neo- Voltando ao replanteo de Zaffaroni nas margens neozelandesas
zelandês Wayne Morrison. O livro apontaria uma contribuição das de Morrison, chega-se à visão da criminologia como um discurso
ciências sociais sobre o debate entre os penalistas da Europa e da extremamente parcial, “construído em torno de um mundo de fatos
América Latina sobre o inimigo no direito penal.21 A partir da com- politicamente delimitado”. Ele cita Dickens ao referir-se à Austrália
preensão cabal da vitória, a nível global, do liberalismo desencanta- sem levar em consideração os povos que ali viviam há 40.000 anos.
do, da modernidade “democrática”, Zaffaroni e Morrison colocam Seres que não contam.
em questão a criminologia “global”, que não pode deixar de discutir
o genocídio: do não civilizado ameaçador de Hobbes à coerção so- A criminologia lida com essas características seletivas e Zaffa-
bre o incivilizado ameaçador de Kant. roni e Morrison demonstram como o belga Quetelet, célebre estatís-
Na resenha do livro de Morrison, cujas pegadas seguimos ago- tico, construiu o conceito de homem médio, que iria empurrar para
ra, Zaffaroni destaca a importância do 11 de setembro, não pelo nú- as margens várias categorias. O terceiro capítulo do livro de Mor-
mero de vítimas, mas pela invasão do espaço civilizado pelo não- rison tem o título emblemático de “Estatística criminal, soberania
-civilizado, o que produziu novos medos para o curso dos discursos. e controle da morte: de Quetelet a Auschwitz”. Propõe-se então, a
O período Bush aprofundou, a partir dos novos temores, a simbiose ampliação do conceito de genocídio para abarcar os crimes massi-
entre os discursos da guerra e do crime. Ele aponta como os áulicos vos de Estado cuja exclusão jurídica só faz sentido na racionaliza-
do fim da história ecoavam na criminologia, desistoricizada e buro- ção perversa do extermínio “dos que não contam”. Só no Rio de
cratizada, pronta para dar eficiência e efetividade ao controle social Janeiro foram mortos mais de 30.000 jovens nos últimos 10 anos.
do capitalismo de barbárie. Aparece um novo sentido, mais emocio- Mas a principal conclusão é a de que o universo criminológico lida
nal, mais “popularizado” e politizado através de uma nova relação o tempo todo com uma “parcialização arbitrária”, seria como “uma
com os meios de comunicação. ciência da realidade que passa indiferente a muitos milhões de ca-
Sobre isso, Máximo Sozzo revela um paradoxo da política geral dáveres”.
e também criminal na América Latina. As forças políticas que ame-
açavam o poder central e que lograram chegar ao poder e construir A explicação para a impossibilidade do direito e da criminolo-
uma base social para as classes trabalhadoras eram chamadas de gia incorporarem o genocídio seria pela sua estreita vinculação com
“populistas”: o trabalhismo, no Brasil; o peronismo, na Argentina; o imperialismo: é só fazer a contagem de corpos da “democratiza-
a Guatemala de Jacobo Arbenz; os militares nacionalistas no Peru. ção” do Iraque. As vítimas europeias e americanas são vítimas, os
Esses avanços políticos e sociais sofreram intervenções veladas e iraquianos e afegãos são “danos colaterais”. “O genocídio não pode
diretas dos Estados Unidos determinando a sua hegemonia, dos anos entrar na criminologia, porque está sendo cometido pelos poderes
50 até os dias de hoje, do liberalismo e sua cesta-básica de oscila- hoje dominantes”. Este seria o nó metodológico na criminologia,
ções entre o autoritarismo militar e o de mercado. Os números de reconhecer a seletividade arbitrária e “sepultar definitivamente à ilu-
mortos do autoritarismo de mercado é estarrecedoramente mais alto, são de ciência”: Zaffaroni propõe a passagem da assepsia à crítica
no Brasil, do que no período militar. ideológica. Retomando as suas aproximações de uma margem, Za-
Mas a verdade é que surge na América Latina o fenômeno do ffaroni apresenta a criminologia tradicional latino-americana como
“populismo punitivo”, aquele discurso da perene emergência. Sozzo um saber colonial e racista constitutivo do nosso “apartheid crimi-
analisa a maneira como a maior presença cotidiana de delitos come- nológico”. Podemos pensar então, se “está empiricamente verifica-
ça a ser compreendida de uma outra forma: a insegurança urbana do que nenhum crime de Estado é cometido sem ensaiar ou apoiar-
vira “objeto de intercâmbio político, de mercadoria política”. Esta -se em um discurso justificante”, que a matança em curso no Brasil
eleitoralização da emergência produziu um mercado de trocas sim- neoliberal se sustenta em uma criminologia funcionalista e acrítica,
bólicas, de novos agentes e especialistas que vão dar novos sentidos que pretende reordenar, eficientizar o controle social letal legitiman-
para produzir consensos e controles sobre as subjetividades diante do a expansão da barbárie, que se traduz no emparedamento em vida
do fato criminal. David Garland fala da “criminologia do outro”, e no aniquilamento de milhares de jovens brasileiros. Este processo,
construindo sólidas fronteiras entre nós e os outros. Já nos debruça- que analisamos como filicídio, apresenta um número cada vez maior
mos na análise da maneira como no Brasil e mais especificamente de crianças e adolescentes presentes nos dois lados das estatísticas
no Rio de Janeiro, o medo foi o fio condutor legitimante das perma- criminais no Brasil, como autores e como vítimas. A tragicidade da
nências de uma estética da escravidão. Uma das características do violência cotidiana no Brasil aparece nas duas pontas da questão
populismo (esse sim!) seria o apagamento de uma reflexão crimino- criminal: o problema é que as criminologias “politicamente corre-
lógica acadêmica para o surgimento de um novo especialista: a víti- tas”, em conjunto com o populismo punitivo, vão disparar o velho
ma. Se na Argentina aparece um pai “vítima” na cena política, com dispositivo positivista, agora reciclado nas neurociências, contra o
possibilidade de ser candidato a Presidente, no Brasil serão os pais e setor mais vulnerabilizado pela economia de mercado, a clientela
mães das vítimas (brancas, é claro) que darão o tom do debate crimi- histórica dos nossos sistemas penais.
nológico e da mudança das leis penais no sentido de maior “rigor”. Para concluir (já que nosso texto aqui quer dar conta das tra-
Essa emocionalidade é estratégica para o processo de expansão de duções e suas apropriações pela margem), Zaffaroni realiza uma
poder punitivo no mundo contemporâneo. Não é a toa que assisti- imersão verdadeiramente oswaldiana e antropofágica da teoria das
mos no Brasil ao assustador debate, nos meios de comunicação, em técnicas de neutralização de Sykes e Matza.

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CRIMINOLOGIA
Para essa teoria, “muitas formas de delinquência se baseiam Essas transformações que marcam fortemente a feição do
essencialmente numa extensão não reconhecida das defesas para controle punitivo até os dias atuais, malgrado as modificações es-
os crimes, na forma de justificações à desviação percebidas como truturais que ocorreram e que ocorrem contemporaneamente, são
válidas para o delinquente, mas não pelo sistema legal ou sociedade analisadas sob diversas perspectivas. Dentre elas, encontramos as
mais ampla”. análises historiográficas que têm como objetivo, guardadas as dife-
As técnicas de neutralização seriam, para Zaffaroni, como as renças epistemológicas, entender as funções declaradas e latentes do
racionalizações trabalhadas pelos psicólogos como mecanismos de controle punitivo.
fuga. Enquadram-se neste modelo argumentativo, obras como “Pu-
O giro epistemológico proposto seria entender as técnicas de nição e Estrutura Social” de Rusche e Kirchheimer, “Cárcere y
neutralização, não como o mesmo objeto de Sykes e Matza, mas Fabrica” de Melossi e Pavarini, e “Vigiar e Punir” de Michel Fou-
analisando a ideologia que vai sustentar os massacres oficiais: do cault. A partir da distinção entre as funções latentes e declaradas,
Congo belga ao filicídio no Rio de Janeiro, os matadores serão con- estas análises não concluem pelo fracasso do controle punitivo, mas
siderados heróis e mártires da manutenção da nova ordem mundial. antes pelo seu êxito ao alcançar seus objetivos, que são distintos
Uma apavorante técnica de neutralização teorizada pelos europeus daqueles declarados.
e expandida pelos Estados Unidos como doutrina de segurança na- A tese comum dessas obras historiográficas sustenta que o
cional, vai-se atualizando nos dias de hoje contra o outro/estranho/ controle punitivo se desenvolve em consonância às mudanças es-
inimigo. Essa técnica produz um estranho e perverso consenso que truturais relativas ao novo sistema econômico e político capitalista.
não só vai legitimar a matança em curso e a expansão assustadora Nesse sentido o foco principal recai sobre o surgimento das prisões
do sistema penal, como vai produzir um inquietante deslocamento enquanto punição central desta nova forma de controle.
entre os métodos e seus objetivos. É Paulo Arantes também que vai Deste grupo, a versão mais ortodoxa está compreendida entre as
dizer que o que sobra, o que resta é a crueldade: “com a onipotên- duas primeiras obras citadas acima. Elas possuem perspectiva mate-
cia, a violência vira uma segunda natureza e o ato de guerra, uma rialista e compreendem que o controle punitivo está cumprindo suas
rotina”. Na discussão sobre a questão criminal no Brasil de hoje, funções latentes que servem às necessidades da ordem capitalista.
não importa que o extermínio, a violência contra os moradores de O objeto de estudo da obra “Punição e Estrutura Social” é o
favelas e os sem-terra, a tortura e o isolamento nas prisões não tenha
desenvolvimento da forma de punição característica da sociedade
nenhum efeito sobre as condições reais de segurança. Não importa
capitalista, qual seja a pena de prisão. Ao realizar uma análise dos
que quanto mais prendemos, torturamos e matamos não melhore em
sistemas punitivos, os autores sustentam a tese de que “todo sistema
nada a situação dos nossos jardins cercados, a brutalidade e o exter-
de punição tende a descobrir punições que correspondem às suas
mínio fazem sentido por si; trata-se de um engajamento subjetivo à
relações de produção.” E acrescentam que “somente um desenvol-
barbárie. É por isso que a criminologia do senso comum vai precisar
vimento específico das forças produtivas permite a introdução ou
de filósofos, psicanalistas, antropólogos e sociólogos que destilem
rejeição de penalidades correspondentes.” Sob essa perspectiva, as
emoções baratas. O importante é que a população não se identifique
e não se compadeça da face mestiça e pobre da questão criminal no penalidades são constituídas por fatores condicionantes negativos
Brasil contemporâneo. Este o escândalo: uma sociedade democrá- e positivos. Os primeiros decorrem do fato de que para que as pe-
tica consolidada tendo de conviver com níveis de violência jamais nalidades sirvam enquanto forma de controle do delito elas devem
vistos - não só na escala, mas, sobretudo no horror das atrocidades representar uma piora nas condições de existência do condenado.
omitidas, obviamente espetacularizadas pela mídia - e sua amplia- Os positivos são decorrentes da própria estrutura social a qual deve
ção, a classe política. corresponder a forma de punição. Nesse sentido, exemplifica-se do
A questão nossa é como o pensamento brasileiro pode se con- seguinte modo: (...) se uma economia escravista acha o suprimen-
trapor à barbárie. Parte da sociologia se policizou no mercado dos to de escravos insuficiente e a demanda pressiona, não se despreza
direitos humanos e nas consultorias para a gestão acrítica da segu- a penalidade da escravidão. No feudalismo, por outro lado, (...) o
rança pública. Nos anos setenta do século XX, Darcy Ribeiro fazia retorno para antigos métodos, pena capital ou corporal foi então ne-
uma analogia entre a sua antropologia e a hegemônica, afirmando cessário, uma vez que a pena pecuniária para todas as classes era
que ele procurava salvar os índios brasileiros do genocídio, enquan- impossível em termos econômicos. A casa de correção foi o ponto
to a outra realizava algo igual a “discutir o barroco alemão durante alto do mercantilismo e possibilitou o incremento de um novo modo
o bombardeio de Dresden”. Que o espírito inquieto de Darcy nos de produção. A importância das casas de correção desapareceu, en-
obrigue a formar um novo dique utópico contra as permanências do tretanto, com o aparecimento do sistema fabril.
sentido histórico da crueldade no Brasil. Seguindo este raciocínio, em especificamente no capitalismo, o
controle se transformou na medida das necessidades da expansão do
Agências de Controle. modelo econômico. É assim que se explica a substituição da inflição
de castigos físicos por outros métodos, como por exemplo, a pena
O controle penal moderno, constituído especialmente no sécu- privativa de liberdade.
lo XVIII, emergiu historicamente a partir de quatro transformações Decorre dessa hipótese central da obra, que relaciona as penali-
fundamentais: de uma relação estreita entre controle punitivo e o dades, e o controle punitivo de modo geral, à estrutura socioeconô-
desenvolvimento do Estado Moderno, burocrático, racionalizado e mica correspondente, algumas outras teses, como a relação deferida
centralizado; da formação de um corpo de especialistas responsável ao mercado de trabalho e o sistema punitivo. De acordo com essa
pela inflação das diversas classificações de desvio; do desenvolvi- suposição conclui-se que se a força de trabalho é excedente as puni-
mento das instituições totais para segregar os desviados; e, por fim, ções são mais cruéis, vez que não há preocupação com sua preserva-
da substituição do castigo enquanto inflição de dor corporal para a ção, mas antes há interesse em sua destruição até certa medida. Em
mente enquanto objeto de repressão. caso contrário, caso a mão-de-obra seja escassa, os métodos puniti-

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CRIMINOLOGIA
vos buscam utilizá-la a fim de aproveitá-la, de modo que se evita a Todavia, ao confrontá-las com o surgimento do controle puni-
aplicação de castigos físicos. Como exemplo da demonstração dessa tivo moderno na América Latina, e no Brasil, mais especificamente,
tese, os autores afirmam que: Todo o sistema penal da Baixa Ida- duas importantes questões se apresentam. A primeira delas refere-se
de Média deixa claro que não havia escassez de força de trabalho, ao objeto de análise que figura como centro do desenvolvimento das
pelo menos nas cidades. Como o preço da mão-de-obra abaixou, a teses sustentadas nas obras aqui expostas: a pena privativa de liber-
valorização da vida humana tornou-se cada vez menor. A luta re- dade. De modo que se deve investigar se esta é a pena que emerge
nhida pela existência moldou o sistema penal de tal forma que este como método punitivo principal nas sociedades latino-americanas,
se constituiu num dos meios de prevenção de grandes crescimentos durante a formação do controle penal moderno.
populacionais. A segunda questão refere-se à limitação teórica das análises das
A centralidade da relação entre mercado e sistema punitivo é obras aqui delineadas. Por se tratar de examinar o controle punitivo
bastante discutida. Ressalta-se especialmente o aspecto reducionista capitalista, que tem como uma das características principais a sua
a que se pode converter a análise, que é em verdade muito mais com- relação com a formação do Estado Moderno (que reivindica, em seu
plexa, dos fatores constitutivos e determinantes do controle penal. E cerne, o monopólio da violência), as análises têm por objeto, espe-
assim, uma das principais refutações que se aventa é a ausência do cialmente, o controle punitivo institucionalizado. Motivo pelo qual
elemento da disciplina na compreensão do funcionamento do cárce- elas tendem a se fragilizar ao se tornarem referencial de análise da
re, enquanto fator configurador do sistema punitivo. E é justamente construção do sistema punitivo latino-americano, o qual guarda uma
esse conceito que é desenvolvido na obra de Foucault, reservando- relação complexa entre os meios institucionais e não institucionais
-lhe um lugar central em sua teoria ao considerá-lo enquanto moda- de punição.
lidade própria do controle social capitalista. Para tanto, ele analisa Ao tomar-se como referência de análise a Europa Ocidental,
os métodos punitivos não como simples consequências de direito mais especificamente, Inglaterra e França, é possível identificar uma
ou como indicadores de estruturas sociais; mas como técnicas que sucessão de práticas punitivas e constituições de controles sociais,
têm sua especificidade no campo mais geral dos outros processos de vinculados a discursos políticos legitimadores.
poder (os castigos vistos sob a perspectiva de tática política). A começar pela Inglaterra, antes do encarceramento se genera-
Do mesmo modo, embora utilizando-se de conceitos diversos, lizar como prática punitiva, ainda no século XVIII, período de acu-
mulação capitalista, havia a previsão da imposição de pena de morte
Foucault relaciona também as transformações relativas ao poder de
com seus ritos e espetáculos. Na prática, contudo, sua aplicação era
punir às mudanças nas relações de produção.
reduzida, seja pela prática judiciária, seja pela concessão de graça.
Tanto é que o autor utiliza-se expressamente das pesquisas de
A prisão, por sua vez, ainda pouco adotada, era substituída muitas
Rusche e Kirshheimer a fim de estabelecer a relação entre sistema
vezes pela deportação para a América. Fato esse intimamente ligado
punitivo e sistemas de produção. Entretanto afirma que as transfor-
à colonização e à posição marginal de poder deste continente, vez
mações não transcorrem de forma tão simplificada como explicita-
que representou a recepção seguidas vezes de grupos marginados
do pelos frankfurtianos, acrescentando à análise, a relação de poder
do poder central. Neste período, a prisão era apenas utilizada en-
e saber que constituem o aparelho punitivo. Sendo assim, não há quanto recurso processual, nos momentos de espera de sentenças,
como ignorar que para Foucault o processo de acumulação do capi- e quando aplicada como pena, tratava-se de raríssimos casos de pe-
tal e o desenvolvimento do poder disciplinar se deram concomitan- quenos infratores. Neste ínterim, houve transformações por conta
temente e se influenciaram reciprocamente. Assim, ele deixa clara a da independência dos EUA, que impossibilitaram a deportação para
relação que se estabelece: “Digamos que a disciplina é o processo esse novo país. Sendo assim, esta espécie de pena foi substituída
técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo de ônus em grande medida pela penas de galés. Nos anos seguintes, fins do
reduzida como força “política”, e maximalizada como força útil. O século XVIII e início do século XIX, passa-se a generalizar a prisão
crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade enquanto pena central tendo como um de seus discursos racionaliza-
específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos proces- dores as ideias utilitaristas de Bentham.
sos de submissão das forças e dos corpos, cuja “anatomia política”, O discurso utilitarista de Bentham, fundado sob a compreensão
em uma palavra, podem ser postos em funcionamento através de da pena como forma de disciplinar os instintos e as enfermidades
regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversa”. dos pobres, sob a lógica castigo/recompensa, foi bastante funcional
para assegurar a hegemonia da classe burguesa na Inglaterra.
Sob essa perspectiva, o desenvolvimento econômico, sob suas Todavia, em outros países europeus, a esse tempo, a burguesia
novas formas de relação de propriedade e produção, requereu a pro- ainda lutava para conquistar sua hegemonia, de modo que esse dis-
dução concomitante de novas formas de poder, nas quais se insere o curso não lhe servia. Portanto, predominava outro fundamento de
poder sobre a mente, traduzido de forma mais contundente através racionalização do poder punitivo, assentado desta vez, sob a base
da prisão enquanto pena central do controle punitivo. Muito embora, teórica do contratualismo, a partir da qual o crime representava a
uma vez construída essa nova forma de poder, também ela adquire violação do contrato e não uma enfermidade, bem como a pena cor-
lógica própria que não depende inteiramente da lógica do capital. respondente era signo da reparação do dano causado pela violação.
Nesse sentido, tanto Foucault quanto Rusche e Kirshheimer, Nesse sentido, Pavarini disserta sobre a função da pena privativa de
buscam explicar a passagem de práticas punitivas que estavam an- liberdade nesse contexto. Pois se o objetivo é a reparação do dano,
tes mais centradas nos castigos físicos e nos corpos do condenados, e aquele que causa o dano é o pobre, então sua única maneira de
para o método punitivo central do controle penal moderno, qual seja, responder por isso é através de sua única propriedade, ou seja, sua
a prisão. Realizam suas análises sob enfoques diversos e contribuem força de trabalho, única mercadoria que se pode oferecer ao merca-
ambos para a compreensão do moderno controle punitivo. De modo do. Em assim sendo, a prisão possibilita justamente impedir que por
que não é possível negar a existência de relação entre essas teses, um período de tempo o indivíduo possa sobreviver a partir de seu
aqui expostas em linhas gerais. único bem.

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CRIMINOLOGIA
Pois além de possibilitar e se enquadrar nesse processo de ra- Em assim sendo, a ideia do panóptico não se aplicou aqui, por-
cionalização do poder punitivo burguês, a pena privativa de liber- que não se havia nem população carcerária para tal, já que a con-
dade se parece adequada também à nova concepção matemática de centração de habitantes se encontrava no meio rural, nem mercado
imposição de penas, própria de uma percepção mercantilista. que necessitasse desse disciplinamento, uma vez que se estava ainda
Pois assim sua uniformidade permite medir linearmente o sofri- longe de uma possível Revolução Industrial latino-americana.
mento (segundo a concepção utilitarista) e o período necessário para Ao se constatar um distanciamento entre o desenvolvimento do
a reparação de dano (segundo o contratualismo) em que o indivíduo controle penal latino-americano e seus discursos legitimadores im-
deveria estar encarcerado. portados da Europa central, a Criminologia latino-americana torna-
A transposição desses discursos à América Latina processou-se -se atenta para as diversidades da emergência do controle punitivo,
com certas peculiaridades de acordo com o País que os recepcionou e depara-se com a compreensão histórica da existência de sistemas
e sua formação cultural e econômica. penais paralelos e subterrâneos.
Entrementes, como assevera Zaffaroni há como ponto comum É exemplo de sistemas penais paralelos o sistema de incorpora-
deste processo a posição de elites coloniais e pós-coloniais que ins- ção forçada ao exército, dirigida à camada marginal das sociedades
trumentalizaram as ideologias centrais do controle punitivo a fim de latino-americanas. Já entre os sistemas subterrâneos, o controle pri-
assegurar sua ascensão e permanência no poder. Para conquistarem vativo dos latifundiários, que se utilizavam de formas não oficiais de
o poder político nas colônias se utilizaram e reproduziram o discurso punição dirigidas especialmente aos camponeses com a colaboração
contratualista europeu, bem como para assegurar o poder conquista- de autoridades estatais.
do, passaram a propagar o discurso positivista. Nesse sentido, afirma Rosa del Olmo: “(...) os países latino-
-americanos necessitavam da lei e da ordem internamente, mas so-
Relativamente ao período colonial o controle punitivo ancorou- bretudo (...) para incorporar-se ao sistema econômico internacional.
-se na fidedignidade às legislações de seus Países colonizadores, Sem embargo, o resultado foi uma política de ensaio e erro porque a
Espanha e Portugal, embora, valha ressaltar, em sua operacionali- própria estrutura econômica dessas sociedades deformava inclusive
zação não tenha havido o cumprimento estrito dessas leis deveras as boas intenções. Por isso não é de se estranhar que sempre persis-
rigorosas e sangrentas. Foi posteriormente, enquanto constituição tiram dois tipos de justiça: a europeia, que se queria implantar nas
do controle sócio-punitivo pós-colonial, que foi instrumentalizado o cidades e da qual se falava nas universidades; e a justiça local, que
discurso contratualista e disciplinarista em substituição ao discurso imperava fundamentalmente nas zonas rurais, onde sempre tinha ra-
absolutista próprio dos Estados latinos colonizadores. zão o mais forte”.
Especificamente no Brasil, ao se fazer referência ao controle
Entretanto, essa modificação pouco tem a ver com a transfor- punitivo, faz-se remissão direta às Ordenações portuguesas, em que
mação efetiva da operacionalidade do controle punitivo. Foi no mais estão previstas as penas correspondentes a um regime absolutista,
das vezes uma adaptação discursiva e legitimadora a novas deman- como as inflições de castigo físico: pelourinho, grilhões, chicotes,
das de “racionalização e civilidade” iluministas. Veja-se por exem- tronco. Entretanto, inobstante as previsões legais, o controle sócio-
plo a contraditoriedade entre o discurso liberal adotado pelo Império -punitivo que se origina no Brasil colonial está centrado especial-
Brasileiro, já no século XIX e a adoção da escravidão enquanto mo- mente nas unidades latifundiárias. São esses os centros de justiça
delo produtivo. Essa contradição se expressava em termos filosófi- por excelência que se desenvolvem em paralelo a todo o arcabouço
cos, contrapondo o liberalismo político da Constituição de 1822 e a legal. Quem detinha o monopólio da violência era antes o próprio
escravidão enquanto situação de fato; e em termos mesmo jurídicos, senhor do latifúndio que, em suas relações hierárquicas nas unidades
entre uma doutrina que se expressava a partir do direito natural e a produtivas, guardava total controle sobre a população que participa-
própria escravidão reconhecida juridicamente. Ironicamente, Bosi va daquela comunidade: família, agregados, escravos. Deste modo,
afirma, demonstrando de forma categórica a adoção funcional e sua as normas e os castigos correspondentes às violações ficavam a en-
finalidade puramente discursiva das ideologias centrais pelas elites cargo dos latifundiários antes que ao governo central. Desta forma,
locais, que as classes escravocratas relacionavam o liberalismo às no Brasil, o latifúndio constituiu-se enquanto núcleo organizado do
prerrogativas que elas poderiam acumular, como por exemplo, o di- poder punitivo, onde também se utilizavam mecanismos de discipli-
reito à manutenção da escravidão enquanto direito adquirido. namento de mão-de-obra, como por exemplo, o recurso à religião e
disciplina do trabalho.
Houve a adoção praticamente literal das legislações dos Países Com a expansão econômica que passa a transpor os limites das
Centrais, que se apresentavam de modo quase inadaptável à reali- unidades latifundiárias, também se desenvolve uma nova complexi-
dade marginal. O Código Penal Brasileiro de 1830, por exemplo, dade da organização punitiva no Brasil Colônia.
combinou em sua redação matrizes disciplinaristas e contratualistas, Surgem novos conflitos, como a resistência quilombola, aos
e produziu contraditoriedades, especialmente quanto à regulação de quais o controle restrito ao latifúndio não mais podia responder. So-
conflitos em que os escravos eram parte. brevém, deste modo, a necessidade de uma certa especialização do
Entretanto, se na Europa Ocidental a prisão tornou-se uma pena controle social, que se refletiu na produção de matéria legislativa
relacionada à disciplina das massas marginalizadas ao mercado de repressiva, na formação de um quadro policial de perseguição dos
trabalho capitalista, o mesmo não se pode falar da América Lati- escravos fugidos e demais aparatos necessários.
na. Muito embora sua adoção legislativa tenha acompanhado os ar- No século XVIII, com o desenvolvimento de outras atividades
gumentos racionalizadores do poder central, não havia as mesmas econômicas, como a mineração e o extrativismo no Norte, em novos
condições histórico-econômicas que permitissem a funcionalização espaços da Colônia, organizou-se ainda mais o controle punitivo,
da pena privativa de liberdade da mesma forma que nos Países do que por óbvio não excluía de qualquer modo o controle privado se-
Poder Central. nhorial, mas antes o complementava.

Didatismo e Conhecimento 42
CRIMINOLOGIA
Foi, contudo, especialmente no século XIX, com o processo de Pois assim se constata que teoricamente a análise do controle
urbanização brasileiro, que se deu a passagem do controle punitivo punitivo deve se estender às suas diversas formas de manifestação,
privado senhorial enquanto modelo exclusivo, para o controle puni- em consonância ao substrato social no qual se desenvolve. Nesse
tivo público. sentido, um exame da produção da Criminologia Crítica permite
Mas como alerta Evandro Chaves Piza Duarte: “(...) também concluir que uma das contribuições de maior grau da produção te-
a organização da cidade possibilita a continuidade de um controle órica proveniente da América Latina, desenvolvida em especial na
baseado no ‘segredo’, ‘subterrâneo’, para além das formas públicas década de 70 e 80, com grande participação do Instituto Interameri-
de representação do Direito, feitas, por exemplo, nas academias ju- cano de Direitos Humanos, é justamente a ampliação de seu objeto
rídicas. Portanto, a partir do controle social ‘privado’, por que nas de estudo.
mãos dos senhores de seus representantes e exercido primordial-
mente no interior da propriedade privada, passa-se a um controle Seguindo a tese de Rusche e Kirshheimer pode-se afirmar que,
público, exercido pelos agentes do Estado e no espaço urbano, que estando a América Latina, inserida em um modelo socioeconômico
se desdobra em uma dupla face: uma visível, a do espetáculo, e ou- da periferia do sistema capitalista, suas formas de controle social são
também particulares, tendo em vista que a cada organização socioe-
tra realmente vivenciada no cotidiano; aquela pública, esta secreta
conômica correspondem formas diversas de controle social.
nas suas formas de manifestação; a primeira atacável e suprimível
pelos pudores jurídicos, a segunda indispensável à continuidade das
No entendimento de Castro, a análise das variações e comple-
formas de dominação”.
mentariedades do controle punitivo deve se dar a fim de identificar
Esse processo de urbanização não se dá de modo uniforme, as formas de dominação existente, admitindo-se que na América
tanto se constituiu de maneiras diversas nos espaços públicos, de Latina se observa, desde sua colonização, a coexistência de sistemas
acordo com a situação, favorável ou desfavorável, de crescimento diversos de produção, como subsistemas feudais, pré-capitalistas e
e decadência das cidades, quanto não impediu a manifestação do capitalistas.
poderio dos senhores das áreas rurais.
Portanto, ocorreu não uma simples transferência do controle No mesmo sentido, Raul E. Zaffaroni afirma: “(...) a impossi-
privado ao público, ou antes, uma simples especialização e publici- bilidade de nos referirmos a ´feudalismo’, ‘pré-capitalismo’ ou ‘ca-
zação do controle punitivo, mas sim uma relação de complementa- pitalismo’ latino-americanos em sentido estrito, ou seja, no mesmo
riedade entre essas duas formas de controle. sentido dado nos países centrais onde estes fenômenos aparecem
Sob essa formação histórica do controle penal brasileiro, tudo como sentidos originários, surgidos de sua própria dinâmica. Por
leva a concluir que em sua organização, o alto grau de violência e, isto, também é absolutamente inadmissível a pretensão do desen-
bem, a presença de um controle subterrâneo em consonância ao con- volvimentismo neo-spenceriano ao tentar compreender o controle
trole oficial é antes uma formação endêmica própria da estruturação social latino-americano por analogia com etapas presentes ou pas-
marginal econômica e política e de suas contraditoriedades. sadas do controle central. Nossa região marginal tem uma dinâmica
Quando se está a estudar o controle punitivo a partir da perspec- que está condicionada por sua dependência e nosso controle social
tiva das teorias centrais, as quais não podem ser ignoradas, deve-se está a ela ligado”.
ressaltar primeiramente a que estrutura social e, consequentemente, A partir dessas considerações Castro desenvolve a concepção
a que controle punitivo correspondente se está adequando. Como de controle penal subterrâneo afirmando que: “o sistema subterrâneo
se pode depreender das análises precedentes, o controle punitivo na operaria nos diferentes níveis do sistema social. É dizer, tanto nos
América Latina e Brasil caracteriza-se, em sua origem, à convivên- mecanismos de controle formal, como nos do controle informal. E
cia com uma estrutura marginal e dependente de poder. Não se pode, apareceria tanto nos conteúdos como nos não-conteúdos do contro-
deste modo, pretender que o exame da sucessão de práticas puniti- le social, especialmente o formal.” A autora deduz essa forma de
vas descritas a partir de teses recebidas da produção teórica central, controle da análise da operacionalização do sistema penal latino-
inserida em uma estrutura capitalista também central, seja a mesma -americano, atuando de modo disperso, desigual e seletivo.
Entretanto, é Zaffaroni quem desenha um quadro sinóptico,
de sociedades nas quais convivem diversas formas de controle so-
apontando as diversas formas que assume o controle punitivo nas
cial bem como formas diversas de relações de produção, como é o
sociedades latino-americanas. Nesse sentido o autor estabelece
caso do Brasil, onde oficialmente perdurou por mais tempo, o modo
uma classificação do controle sócio-punitivo em: institucionalizado
de produção escravista.
como punitivo (sistema penal em sentido estrito e paralelo) e como
Se por um lado, o controle penal não se restringe, ao menos na não punitivo (assistencial, terapêutico, tutelar, laboral, administra-
América Latina colonial e pós-colonial, a um controle publicizado e tivo e civil); e parainstitucional ou subterrâneo. Para ele, o caráter
institucionalizado, por outro essa constatação traz à tona a insufici- punitivo do controle não depende da lei, mas sim da “imposição
ência do exame do controle penal restrito ao surgimento do Estado material de uma cota de dor ou privação que não responde realmente
Moderno europeu. Para além da multiplicidade de formas tomadas a fins distintos do controle da conduta”.
pelo controle punitivo no continente latino-americano, tampouco Partindo desta compreensão mais ampla de controle punitivo,
ele surge em concomitância ao desenvolvimento do Estado, já que entende-se que há não apenas um controle punitivo institucionaliza-
anteriormente, em suas origens ainda coloniais, já se manifestavam do em sentido estrito, mas há também um sistema institucionalizado
formas de controle punitivo. Ademais, também não se encontra pre- paralelo, “composto por agências de menor hierarquia e destinado
sente a predominância da pena privativa, enquanto prática punitiva formalmente a operar com uma punição menor, mas que, por sua
tipicamente capitalista, na origem do desenvolvimento econômico desierarquização, goza de um maior âmbito de arbitrariedade e dis-
latino-americano. cricionariedade institucionalmente consagradas”.

Didatismo e Conhecimento 43
CRIMINOLOGIA
O controle sócio-punitivo parainstitucional ou subterrâneo é, Segundo o penalista lusitano, Jorge de Figueiredo Dias, “políti-
por sua vez, operacionalizado pelos próprios segmentos institucio- ca criminal, dogmática jurídico-penal e criminologia são assim, do
nais ou por alguns deles, através de um processo não institucional ponto de vista científico, três âmbitos autônomos, ligados porém,
e de métodos institucionalmente não admitidos (técnicas de tortura, em vista do integral processo da realização do direito penal em uma
técnicas de morte, ocultação de cadáveres e outros). unidade teleológico-funcional”. De igual modo, Claus Roxin admite
Estas categorias de compreensão do sistema punitivo surgem que “política criminal, prevenção e fins da pena possuem um direi-
contextualizadas na busca do conhecimento da estrutura material de to de argumentar também na dogmática jurídico-penal”, pois “são
poder de regiões da América Latina. Isto não significa, entretanto, ideias reitoras que podem constituir uma ponte de ligação com a
que estas categorias, hoje, não sejam utilizadas como referência para criminologia”.
compreender práticas punitivas ocorridas em outras regiões, como Aliás, as comportas da criminologia e da política criminal têm
na Europa ou no Norte da América. O que apenas evidencia a neces- sido o canal de comunicação da dogmática penal com outros ra-
sidade de troca de produções de conhecimento constantes. Mas que, mos do saber humano. É por esse flanco que o professor Alessandro
por outro lado, reforça a necessidade de refutar a assimilação acríti-
Baratta lança as bases de sua Criminologia Crítica e o mestre Joe
ca de discursos produzidos em contextos políticos e sociais diversos.
Tennyson Velo solidifica os alicerces de sua Psicologia Analítica. É
pela política criminal que o doutrinador Antonio Beristain alija as
raízes de seus estudos sobre a Vitimologia. Nesta mesma seara, o
- CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL. laureado mestre Jacinto Nelson de Miranda Coutinho tem importa-
do conceitos da Psiquiatria para preencher a lacuna da dogmática em
relação à atividade jurisdicional. De igual modo, o notável professor
Juarez Cirino dos Santos buscou na Sociologia Criminal a amplia-
Há muito, a doutrina penal se ressente de uma explicação mais ção dos horizontes científicos para fundamentar a sua Moderna Te-
substanciosa para o crime. Com efeito, o complexo existencial hu- oria do Fato Punível.
mano, de proteiformes manifestações, entre picos de lucidez e de- Durante muito tempo predominou a idéia atomista de ciência. A
pressões de inconsciência, não é satisfatoriamente explicado por cognição científica era aquela que conseguia individualizar o núcleo
uma dogmática encastelada no árido universo das normas (ou, para embrionário de um conhecimento despoluído de todos os elementos
utilizar a expressão de Zaffaroni, no impenetrável “mundo do esqui- que gravitavam em torno sua órbita. Foi assim que se alcançou o
zofrênico”). Malgrado sua repercussão acadêmica, impende aquies- átomo, na física; a célula, na biologia; a fração numérica, na mate-
cer que o conceito analítico de crime, ação típica, antijurídica e cul- mática; a vírgula, na gramática. Todavia, com o passar dos anos, o
pável, não é suficiente para satisfazer a exigência de uma explicação paradigma científico mudou. Nasceu a ideia de estruturalismo. As
plausível do comportamento criminoso. Não raro, a concepção de ciências passaram a conceber a idéia de todo e de conjunto, como
crime, tal qual é difundida nos bancos acadêmicos, afigura-se pri- busca do conhecimento. Hodiernamente, a contextualização e a vi-
mária e ginasiana, quando cotejada com as modernas elucubrações são estrutural fazem parte da moderna dialética que estuda o fenô-
da psicanálise e com as recentes descobertas da (meta) física. É que meno jurídico, sob o prisma da complementaridade, de que falam
(como é consabido) a conduta humana transcende e extravasa os Miguel Reale e Luiz Fernando Coelho.
estreitos conceitos da dogmática penal, de modo que não pode ser Daí essa noção de tridimensional das ciências penais. De um
asfixiada pela redoma analítica sob a qual alguns pretendem aprisio- lado, o aporte dogmático que lhe confere estabilidade científica.
ná-la. Urge, pois, que novas categorias conceituais sejam trazidas Noutro vértice, o arrimo criminológico que lhe garante investiga-
para o continente jurídico-penal a fim de enriquecer os paradigmas ções empíricas. Por fim, o supedâneo político-criminal que lhe as-
pelos quais a doutrina entrevê o comportamento humano. segura o retorno às soluções concretas. Essas três faces constituem
Não se trata de negar a idéia analítica do crime. Refutá-la, ja- um poliedro inquebrantável que se consubstancia na penalística con-
mais. Aperfeiçoá-la, sim. Na era pós-freudiana, com os adventos da
temporânea. Esse influxo de três canais a um mesmo ponto de con-
psiquiatria sobre o arquétipo humano, permanecer com a simples
vergência fomenta uma efervescência científica que se oportuniza
idéia de que crime é, tão somente, ação típica, antijurídica e culpá-
uma abertura a enfoques multidisciplinares.
vel, seria um subterfúgio evasivo para negligenciar os avanços da
Dentro dessa abertura, cabe destacar o oportuno trabalho da la-
ciência humana.
vra do professor Doutor Cândido Furtado Maia Neto em parceria
É aí que se inserem duas perspectivas do direito penal: a Crimi- com o médium Carlos Lenchoff que observa a Criminalidade e a
nologia e a Política Criminal. Doutrina Penal sob a ótica da Filosofia Espírita. É interessante ob-
servar essa ampliação do leque de convívio dos conceitos penais,
Na dicção de Franz Von Lizst, as ciências criminais perfazem ora tendentes à psicanálise, ora inclinados à sociologia e agora vol-
uma enciclopédia que pode ser vista a partir de três recortes episte- tados à filosofia espírita. Quanto mais dilatado for o espectro rela-
mológicos: cional do direito penal com outros ramos do saber humano, tanto
maior será a contribuição da jurisprudência para a sociedade. Por
- a dogmática estrita, como substrato científico do direito penal; outro lado, o isolamento hermético da doutrina penal em relação às
- a criminologia, como plataforma para as investigações sobre ciências que lhe tangenciam atravancam a evolução do pensamento
as origens do crime e da delinquência; criminal. É por isso que o jurista moderno deve estar aberto às múl-
- a política criminal como trampolim para a concreção de medi- tiplas manifestações do conhecimento: para entender mais e mais o
das que visem diminuir a criminalidade. comportamento humano.

Didatismo e Conhecimento 44
CRIMINOLOGIA
Levando-se em consideração que as condições econômicas pos- A Defesa Social, posteriormente transformada em Nova Defesa
sibilitam diferentes formas de proteção contra a criminalidade, elas Social, foi um movimento criado por Filippo Gramatica que fundou
não são suficientes e nem superiores a força protetora do Estado. o Centro Internacional de Defesa Social. Em 1954, com a publica-
Embora as formas de proteção, diante da criminalidade, variem de ção do livro La Défense Sociale Nouvelle de Marc Ancel, Gramatica
acordo com as condições sócio-econômicas, existe um fato comum: perdeu seu lugar  em decorrência do novo pensamento defendido
todas as camadas da sociedade imploram uma enérgica intervenção por Marc que buscou a transformação e humanização do direito pe-
estatal objetivando combater a escalada da violência e o estabeleci- nal ao invés da sua eliminação, contrariando Gramatica. Daí, a de-
mento de uma aceitável segurança social. nominação de Nova Defesa Social, movimento que seria uma con-
Por isso, sempre que são cometidos crimes que chocam a co- jugação de aspirações humanistas e democráticas, em matéria penal.
letividade ou a quantidade de crimes supera o limite do suportável, A Nova Defesa Social foi a corrente de pensamento da política
as autoridades são chamadas a prestar esclarecimentos sobre as ati- criminal de maior aquiescência pela sociedade cientifica do século
tudes tomadas pelos órgãos públicos no intuito de conter e punir os XX, conforme apresentado por Salo Carvalho, em sua obra:
infratores da lei. Apropriando-se deste legado e ciente de sua autonomia dis-
Nesse ponto, surge a Política Criminal que através de decisão cursiva, Marc Ancel criará o movimento político-criminal de maior
política desenvolve meios e técnicas para diminuir e controlar a aceitação pela comunidade científica das ciências criminais do sé-
atividade criminosa na sociedade. Nesse sentido, para Zaffaroni e  culo XX: a Nova Defesa Social (NDS). A NDS unifica e formata os
Pierangelli “A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar discursos político-criminais com a finalidade de criação de medidas
os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e os caminhos de prevenção da reincidência em todos os níveis repressivos.(...) A
para tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já política criminal atuaria como conselheira dos órgãos de segurança
eleitos”. pública e “se limitaria a indicar ao legislador onde e quando crimi-
Em sua obra, Nilo Batista, conceitua a Política Criminal como: nalizar condutas.
Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apre- Nesse sentido, as idéias propugnadas pela Nova Defesa Social
sentem novas ou antigas propostas do direito penal, das revelações estão consolidadas na coerência do pensamento moderado sobre os
empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que inte- pensamentos exagerados de Gramatica, que defendiam a eliminação
gram o sistema penal, dos avanços e descobertas da criminologia,
do Direito Penal.
surgem princípios e recomendações para a reforma ou transforma-
O movimento da Nova Defesa Social tem três características
ção da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplica-
básicas: caráter multidisciplinar ao abrigar diversas posições; ca-
ção. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se
ráter universal por se encontrar acima das legislações nacionais e
política criminal.
como traço peculiar a mutabilidade por variar no tempo se adequan-
Assim, do mesmo modo Rocha assevera: “(...) a política cri-
do ao avanço da sociedade.
minal determina a missão, os conteúdos e o alcance dos institutos
Dentre os seus postulados, a Nova Defesa Social visa o exame
jurídicos-penais, bem como a aplicação prática do direito penal aos
casos concretos. São as opções da política criminal que decidem so- crítico das instituições vigentes, a conexão com todos os ramos do
bre a incriminação ou não de determinadas condutas, considerando- conhecimento humano e um sistema político criminal de proteção
-se a vantagem social da qualificação, bem como quem deve ser dos direitos dos homens.
responsabilizado”. Não perdendo a crítica, Santoro Filho, com espeque no Estado
 Não obstante, com bastante propriedade, Salo de Carvalho, traz Democrático de Direito, descarta a utilização dessa corrente no or-
em sua obra os prolegómenos da política criminal: denamento jurídico:
  Segundo Franz Von Liszt, a política criminal nasce na segunda A Nova Defesa Social, assim, que represente em relação ao mo-
metade do século XVIII na Itália, fundamentalmente com o advento vimento de lei e ordem muito maior proximidade com a perspectiva
da publicação da obra de Beccaria e sua preocupação com as formas de elaboração de um direito penal democrático, fundado em bases
eficazes de prevenção do delito e o conteúdo legislativo efetivo para cientificas e não passionais, não está isenta de sérias críticas a pontos
alcançar tal finalidade. essenciais de sua teoria, que trazem, inclusive, riscos aos direitos e
 O questionamento de Beccaria projeta a teoria do direito penal garantias individuais, o que impede a sua admissão, entre nós, como
da estrutura meramente descritiva e submissa às funções declarati- idéia fundamental para uma nova política criminal.
vas da lei penal (perspectiva de lege lata) à busca de soluções para o Compartilhando com o entendimento, Araújo Junior explica: A
problema da criminalidade (perspectiva lege ferenda). Novíssima Defesa Social adotou um caminho moderado para pro-
Seguindo o entendimento dominante, a política criminal seria o moção das reformas penais, preferindo não correr os riscos das mu-
conjunto de princípios e recomendações para reagir contra o fenô- danças bruscas, que podem conduzir, em caso de insucesso, à perda
meno delitivo através do sistema penal (instituição policial, institui- das grandes conquistas já obtidas ou à interrupção de sua evolução.
ção judiciária e a instituição penitenciária), utilizando os meios mais Evidentemente, não se trata de um movimento revolucionário, mas,
adequados para o controle da criminalidade. sim, de uma política criminal humanista, ancorada em profundas ba-
  ses científicas, que dá ao Direito Penal caráter preventivo e protetor
Principais movimentos da Política Criminal da dignidade humana.
Portanto, o movimento da Nova Defesa Social, em decorrência
Para compreensão da Política Criminal, se faz necessário um da concepção universalista e da manutenção do princípio da legali-
exame sobre suas principais correntes de pensamento. Neste caso, dade como forma protetora atrelada ao processo legislativo, sofreu
destacam-se três correntes: A Novíssima Defesa Social ou Nova grande abalo a partir do surgimento das correntes críticas da crimi-
Defesa Social (NDS), Movimentos de Lei e Ordem (MDLO) e a nologia nos anos 60 que constatarão o fracasso das penas privativas
Política Criminal Alternativa ou Nova Criminologia. de liberdade.

Didatismo e Conhecimento 45
CRIMINOLOGIA
O Movimento da Lei e Ordem tem origem nos Estados Unidos Dentre os princípios fundamentais deste movimento alternativo
da América onde ficou conhecido como “law and order”. Sua orien- tem-se a abolição da pena privativa de liberdade, pois é considerada
tação de reação ao fenômeno criminal tem sentido, absolutamente inútil como meio de repressão do delito e como forma de ressocia-
oposto ao da Defesa Social. É um movimento integrado principal- lização do delinquente. Além deste princípio basilar o movimento
mente por políticos e sensacionalistas que defendem uma ideologia prega uma Política Criminal voltada para duas classes, ou seja, a
da repressão para conter um inimigo criado através do medo. Para criminalidade deve ser considerada segundo a classe social de que
isso, a mídia difunde a idéia de que a criminalidade e a violência en- provenha. Ainda, dentre os postulados básicos, com a finalidade de
contram-se sem controle criando um verdadeiro estado de pânico e alcançar a abolição do sistema penal, a corrente defende um pro-
desespero entre as pessoas que reclamam, sem muita racionalidade, cesso gradativo passando pela descriminalização, despenalização e
solução imediata para o angustiante problema da segurança pública. desjudicialização.  Ao lado dessa ampla redução de atividade puniti-
Nesse sentido, vale ressaltar o entendimento de Araújo Jr. sobre va do Estado recomenda a criminalização dos comportamentos que
a corrente: Este movimento, integrado principalmente por políticos causem dano ou ameacem os interesses essenciais da comunidade
com inclinações contrárias às conquistas das organizações de defesa e, por fim, com o objetivo de difundir sua  ideologia  propõe uma 
dos direitos humanos, e pela mídia voltada à população econômica intensa propaganda, visando aumentar seus discípulos.
e culturalmente menos favorecida, parte do pressuposto de que a Nesse sentido, Araújo Júnior ao falar que a Nova Criminologia
criminalidade e a violência encontram-se em limites incontroláveis, explora seu objeto de estudo demonstra que o seu princípio basilar
e que este fenômeno é fruto de legislação muito branda e dos benefí- tem um seu caráter dialético: Ela parte da ideia de sociedade de clas-
cios excessivos conferidos aos criminosos, pois não têm estes receio ses, entendendo que o sistema punitivo está organizado ideologica-
de sofrer a sanção. mente, ou seja, com o objetivo de proteger os conceitos e interesses
Portanto, na tentativa de defender seus interesses escusos, os que são próprios da classe dominante. Os instrumentos de controle
integrantes dos Movimentos de Lei e Ordem pregam que a pena social, por isso, estão dispostos opressivamente, de modo a manter
tenha caráter de castigo e retribuição, os crimes graves requerem dóceis os prestadores de força de trabalho, em benefício daqueles
longa privação de liberdade ou morte, a serem cumpridas em esta- que detém os meios de produção. O Direito Penal é, assim, elitista
belecimentos penais de segurança máxima, em regime de rigorismo, e seletivo, fazendo cair fragorosamente seu peso sobre as classes
tais como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Além disso, sociais mais débeis, evitando atuar sobre aquelas que detém o poder
proclamam que exista uma resposta imediata ao crime, com amplia- de fazer as leis. O sistema destina-se a conservar a estrutura vertical
ção da prisão provisória e que a execução da pena deve ser realizada de dominação e poder, que existe na sociedade, a um tempo desigual
pela autoridade penitenciária, restringindo-se os demais controles, e provocadora de desigualdade.
dentre ele o judicial. Realmente, o caminho pelo qual enveredou a Criminologia
Com bastante propriedade, Santoro Filho, desmascara essa Crítica foi inicialmente aberto pelas correntes mais progressistas da
política de medo implantada na sociedade: O movimento de lei e criminologia liberal. Hoje, ela parte da idéia de sociedade de classes,
ordem representa a perspectiva de um direito penal simbólico, uma entendendo que o sistema punitivo está organizado ideologicamen-
onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, te, ou seja, com o objetivo de proteger os conceitos e interesses que
por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves pro- são próprios da classe dominante. Por essa linha alternativa, Nilo
blemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos Batista citando Baratta ao propor uma das quatro indicações estraté-
desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os gicas para uma política criminal das classes dominadas, discorre  o
principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado seguinte: (...) propõe Baratta uma “batalha cultural e ideológica em
e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade. favor do desenvolvimento de uma consciência alternativa no campo
Essa Política Criminal defende a luta contra a criminalidade de das condutas desviantes e da criminalidade”, tentando-se inverter as
forma irresponsável onde,  na maioria das vezes, os postulados da “relações da hegemonia cultural com um trabalho de decidida crítica
dignidade humana são desrespeitados e o Estado Democrático de ideológica, de produção científica e de informação”.
Direito é ameaçado pela ideologia do Estado do Terror. A Política Criminal, portanto, assinala métodos considerados
Geralmente, em decorrência dessa linha de pensamentos, sur- racionais visando combater a criminalidade. Na verdade, a realidade
gem grupos de extermínio conhecidos como esquadrão da morte e não é considerada em si própria e, sim, os interesses daqueles que
grupos que cultivam a imagem da caveira sobreposta ao fardamento detêm o controle e manipulam a sociedade. Daí surge à confirmação
da polícia, o maior destes grupos foi a Scuderie Detetive Le Coq de arbitrariedade por parte da atual Política Criminal na adoção de
(SDLC), que surgiu para vingar a morte do famoso detetive Milton medidas para atender aos interesses de uma elite detentora do poder.
Le Coq, tendo por finalidade executar pessoas consideradas crimi- Nesse sentido, Zafarroni sustenta que: (…) todo saber criminológi-
nosas, muitas vezes utilizando métodos lombrosianos. co está previamente delimitado por uma intencionalidade política
ou “político-criminal” se preferir. Em nossa opinião, a criminologia
Baseados, em sua maioria, nos discursos de descriminalização, não é uma ciência, mas o saber, proveniente de múltiplos ramos,
as políticas criminais alternativas proporão novas formas de gestão necessário para instrumentalizar a decisão política de salvar vidas e
do fenômeno delitivo. Na verdade, trata-se de um movimento que diminuir a violência política em nossa região marginal com vistas a
tem por expressão genérica outras tendências que conforme Araújo se alcançar um dia, a supressão dos sistemas penais e sua substitui-
Junior são as seguintes: “Criminologia Crítica, Criminologia Radi- ção por formas efetivas de solução de conflitos.
cal, Criminologia da Reação Social, Economia Política do Delito” Nesse sentido, vale destacar a contribuição de Lênin revelando
e outras. Em verdade, a Nova Criminologia tem um cunho de ins- a dominação existente na política: Os homens foram e serão sempre
piração marxista que ao longo do tempo vai se transformar numa em política os ingênuos enganados pelos outros e por si próprios, en-
criminologia dialética em oposição à criminologia sociológica. quanto não tiverem aprendido, por detrás das frases, das declarações

Didatismo e Conhecimento 46
CRIMINOLOGIA
e das promessas morais, religiosas, políticas e sociais, a discernir Por isso, aproveitando o entendimento de Richard Quinney
os interesses de tais ou tais classes. Os partidários das reformas e mencionado por Nilo Batista, indubitavelmente “compreender  que
melhoramentos serão sempre enganados pelos defensores da velha o sistema penal não serve à sociedade como um todo, mas serve os
ordem das coisas, enquanto não tiverem compreendido que toda a interesses da classe dominante, é o começo de uma compreensão
velha instituição, por mais bárbara e apodrecida que pareça, é sus- crítica do direito criminal, na sociedade capitalista”.
tentada por forças de tais e tais classes dominantes. Torna-se fundamental destacar que diante desta perspectiva,
Diante desta constatação, em seu importante trabalho, Nilo Ba- demasiado clara, as teorias  utilizadas para legitimar a intervenção
tista, consegue de forma surpreendente ser explicitamente crítico e estatal começam a dar sinais de desgaste. O Estado está tendo di-
demonstrar o verdadeiro papel atual da omissão existente no aca- ficuldades para arcar com as responsabilidades assumidas e quem
tamento das leis: Quando a criminologia positivista não questiona sofre com isso é a coletividade, independente da esfera social. Pois,
a falta de enfrentamento aos graves problemas sociais (saúde, fome,
a construção política do direito penal (como, porque e para quê se
desemprego, educação, dentre outros) resulta em crescimento dos
ameaçam penalmente determinadas condutas, e não outras, que atin-
conflitos de interesses e da criminalidade.
gem determinados interesses, e não outros, com o resultado prático,
Portanto, para entendimento do contexto é necessário fazer uma
estatisticamente demonstrável, de se alcançar sempre pessoas de análise sob a perspectiva da Crise da Modernidade para só assim
determinada classe, e não de outra), nem a aparição social de com- utilizar uma Política Criminal justa e combater a criminalidade de
portamentos desviantes (seja pelo silêncio estratégico do legislador, forma efetiva e enérgica sem mascarar a realidade. Por isso, só em
que não converte aquilo que a maioria desaprova, desviante, em de- uma sociedade em que as relações sociais e interpessoais estejam
lituoso, seja pelo descompasso entre vetustas bases morais, a partir equilibradas é que se torna possível o exercício sereno e justo da
das quais se instalaram instrumentos de controle social, e sua in- função jurisdicional.
cessante transformação histórica, seja até pela própria etiologia en- A criminologia se ocupa do estudo do criminoso e das causas da
quanto processo social individualizável), nem a reação social (desde criminalidade, enquanto que a política criminal, estuda e recomenda
as representações do delito, do desvio, da pena e do sistema penal, os meios de prevenção e repressão à delinquência. Todavia, nos dias
dispersas no movimento social, ou sinalizadas na opinião pública e de hoje, essa distinção quase não existe mais, pois a criminologia já
nos meios de comunicação, até o exame das funções, aparentes e não se preocupa tanto em querer explicar as causas do comporta-
ocultas, que a pena desempenha, nomeadamente a pena privativa da mento do criminoso, mas em fazer críticas e sugerir estratégias para
liberdade, tal como existe e é executada pelas diversas instituições o controle da criminalidade, confundindo-se, dessa forma, com os
que dela participam); quando a criminologia positivista não questio- objetivos da política criminal.
na nada disso, ela cumpre um importante papel político, de legitima-
ção da ordem estabelecida. Como ciência social, os diversos elementos que compõe a so-
ciedade também são articulados pela criminologia. Quando este
Sem dúvida, esta situação crítica resultou num processo em
ramo de estudo passou a criticar o poder criminalizante e o direi-
que a responsabilidade pela formação da opinião pública sobre a
to penal se questiona a respeito do sentido ideológico da punição,
criminalidade e segurança foi assumida por leigos que, com ou sem ambas as áreas se convergem no campo da política criminal, que,
interesses escusos, ocuparam o centro das atenções, como frequen- segundo Zaffaroni, “deve ter sempre um fundamento antropológico
temente é observado nos programas sensacionalistas. Consequente- (filosofia)”.
mente, isso fez decrescer a importância dos pesquisadores criminais A abordagem etiológica da criminologia positivista despertou
no papel de trazer credibilidade as discussões públicas. Por isso, an- o desenvolvimento da multidisciplinariedade, ampliando as formas
tes de uma crise de legitimidade, existe, portanto, um grave conflito metodológicas para tratar da questão criminal.
de credibilidade, onde a palavra do cientista criminal não tem valor A política criminal consiste na orientação advinda dos respon-
diante dos apelos midiáticos anunciados por leigos. sáveis políticos quanto aos aparelhos repressivos, condizentes com
Em sua obra, Zaffaroni tratando da possibilidade de resposta a situação legislativa do momento; Por sua vez, através das decisões
político-criminal a partir do realismo marginal supõe que: O amplo políticas, essa orientação pode vir a ser exteriorizada na legislação
direito à informação não é limitado quando não se impede a circu- penal, que tão-somente limita-se a compilar as condutas que ferem
lação das notícias, mas quando se proíbe inventar fatos violentos os bens jurídicos fundamentais e lhes atribui sanções correspon-
não ocorridos, mostrar pela televisão cadáveres despedaçados, ex- dentes à gravidade do dano. Quem acreditou na interação das três
plorar a dor alheia surpreendendo declarações de vítimas desoladas vertentes de modo a favorecer a aplicação do direito penal na tarefa
e desconcertadas, violar privacidade de vítimas humildes e outros sócio-política de controle do fenômeno do crime foi Liszt, que a esse
recursos semelhantes, como a incitação de brigas entre vizinhos de conjunto atribuiu o nome de “enciclopédia das ciências criminais”.
Defendem também essa interação Molina e Núñez Paz, ao afirmar,
bairros populares, invenção de pseudo-especialistas em matérias
o primeiro, que os três âmbitos aduzidos são pilares do sistema das
que desconhecem totalmente, apresentação de profissionais desco-
ciências criminais, e o segundo, que a possibilidade integradora da
nhecidos como catedráticos, etc., isto é, a propagação de mensagens
dogmática e da análise criminológica se assentam na política crimi-
irresponsáveis que constituem uma deslealdade comercial com o nal como pilar básico (Núñez Paz).
simples objetivo de obter audiência, numa competição viciada que Os estudos da criminologia ao longo do tempo ocasionaram
se considera normal na região. O grau de aberração é tão grande sua “desconstrução epistemológica” (Andrade) a partir da teoria do
que quem consegue filmar um homicídio ou um suicídio pula para a labelling approach, subsistindo com sua carga contributiva social,
fama, questão que pouco tem a ver com o direito de dar ou receber e agora, também política. Se a criminologia positivista já poderia
informação. ser considerada como “ciência do controle social” por ter estimu-

Didatismo e Conhecimento 47
CRIMINOLOGIA
lado a construção de uma política criminal com base nos estudos Nesse sentido, o positivismo jurídico e a dogmática penal se
causal-explicativos do crime, a criminologia contemporânea, por se instalaram firmemente, fazendo entrever os fundamentos do Estado
interferir com mais assiduidade nas ciências criminais, pode receber Democrático de Direito, por vezes, paradoxalmente ao estabelecido
a nomenclatura de “ciência do controle sócio-penal”. Para finalizar na Carta Magna. A criminologia crítica, por abarcar o estudo do so-
este artigo, ilustro as contribuições que a criminologia, através de cial, transparece a atuação estatal penal em detrimento do homem,
seus estudos seculares, pode proporcionar no campo jurídico penal. interferindo-se na política criminal e no direito penal.

No tribunal do júri, afirma que os advogados criminais frequen- Desta forma, revela-se a viabilidade funcional das questões cri-
temente têm se concentrado nos estudos criminológicos pautados no
minológicas na atuação do jurista, de modo a ampliar a sua visão
comportamento da vítima, quando não encontra muitas provas da
diante dos processos, da interpretação dos códigos, das audiências,
inocência do réu. A inserção dos conceitos da Vitimologia, visando
da seletividade e da falibilidade do aparato repressor formal, do en-
o acesso à justiça pela vítima e sua maior adequação na estrutura
judiciária, faz com que aproxime o infrator da vítima, estimulando foque vitimológico, do controle social, da relação do fenômeno da
um diálogo positivo entre eles e propiciando condutas socialmente criminalidade com a identidade social e com os aspectos econômi-
positivas (Smanio). Já com base na criminologia contemporânea, cos, dentre outras.
assinala a contribuição na execução penal, destacando que o méto-
do APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados),
que pode comportar em sua gênese as teses criminológicas para sua - CRIMINOLOGIA E CIÊNCIA CRIMINAIS.
melhor propagação. No que tange ao artigo 59 do Código Penal, o
magistrado procura se preocupar mais com relação à condenação
ou não do acusado, manifestando-se vagamente com as expressões
“nada nos autos sobre a personalidade do réu” ou “o dolo é intenso”; As Ciências Criminais tem absorvido novos conteúdos próprios
Aqui também, a atuação da criminologia pode auxiliar na análise de uma sociedade em constante evolução. Todavia, não deve se per-
da personalidade do agente. A criminologia pode ainda apontar as der no complexo normativo abstrato, ou seja, na redução da com-
situações jurídicas que possam se enquadrar como atividades de or- plexidade social que comporta toda norma jurídica, limitando sua
ganizações criminosas, já que o crime organizado não tem definição função ao estudo acrítico das normas penais. Sua tarefa deve consis-
em lei, gerando entendimentos não consensuais. Para a aplicação da tir na descoberta da realidade social subjacente e na análise crítica
remissão e na escolha da medida socioeducativa ao adolescente in- das normas jurídico-penais elaboradas para a tutela de bens jurídicos
frator, a criminologia também pode indicar subsídios de acordo com
fundamentais para o indivíduo e para a coletividade. Nesse contex-
o caso concreto, de modo que o agente ministerial realize a oitiva
to, deve compreender e apreender as profundas transformações es-
informal do adolescente com bom senso, podendo se beneficiar dos
conceitos da criminologia concernentes à delinquência juvenil. Por truturais e valorativas que se refletem no arcabouço legislativo.
fim, evidenciando a amplitude de atuação da criminologia, Newton
e Valter Fernandes apresentam os ramos e atribuições da criminolo- Assim, considerando todo o exposto acerca das particularidades
gia, segundo a reunião internacional da Unesco: criminologia cientí- da criminologia, sendo esta é um conjunto de conhecimentos que
fica, criminologia aplicada, criminologia acadêmica e criminologia estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade
analítica (Fernandes). do delinquente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-
-lo, a Ciência Criminal pode dividir esta em dois grandes ramos: o
Estas são as contribuições reunidas pelos autores que engrande- da biologia criminal e o da sociologia criminal.
cem o diálogo restabelecido entre o social, o econômico, o político
e o jurídico graças à ciência da criminologia e sua práxis humanista. Estuda-se na Biologia Criminal o crime como fenômeno indi-
vidual, ocupando-se essa ciência das condições naturais do homem
Já a partir da apresentação da ciência da criminologia, mostra- criminoso no seu aspecto físico, fisiológico e psicológico. Inclui ela
-se inquestionável a sua amplitude de fundamentos e de estudos. os estudos da antropologia, psicologia e endocrinologia criminais.
O cunho ramificado devido ao envolvimento com uma diversidade A Antropologia Criminal, criada por César Lombroso, preocupa-se
de ramos científicos requer do jurista uma visão mais dinâmica, ca- com os diferentes aspectos do homem n que concerne à sua consti-
bendo à ele a convergência dos variados pontos de vista. Ao tomar tuição física, aos fatores endógenos e à atuação do delinquente no
como base a visão de conjunto sobre o fenômeno da criminalidade,
ambiente físico e social. A Psicologia Criminal trata do diagnóstico
ou da criminalização, amplia-se o modo de proceder perante este
e prognóstico criminais. Ocupa-se com o estudo das condições psi-
problema. A preocupação com a criminalidade partiu da visão do
cológicas do homem na formação do ato criminoso, do dolo e da
humanismo racionalista até a perquirição das causas inerentes à
pessoa do delinquente, fatores biopsicológicos, atingindo enfim, o culpa, da periculosidade e até do problema objetivo da aplicação
exaurimento dessas teorias. A mudança de paradigma da crimino- da pena e da medida de segurança. A Endocrinologia Criminal é
logia se direcionou aos fatores externos ao indivíduo delinquente, e a ciência que estuda as glândulas endócrinas e a sua influência na
ademais, aos reflexos da atuação estatal sobre ele. A defesa social, à conduta do homem.
época, foi defendida sob a concepção de que fossem identificáveis
os indivíduos que transgrediam a norma, sem se atentar à mudança Tomando-se o crime como um fato da vida em sociedade, a
na sociedade e aos estudos evolutivos, vindo a influenciar assim, um sociologia criminal estuda-o como expressão de certas condições do
preconceito social com relação aos submetidos ao controle formal. grupo social.

Didatismo e Conhecimento 48
CRIMINOLOGIA
Toda esta colheita probatória é presidida por profissional ba-
- CRIMINOLOGIA E O SISTEMA DE charel em Direito, previamente aprovado em concurso público de
provas e de títulos, denominado Delegado de Polícia, que tem por
JUSTIÇA CRIMINAL.
finalidade gerenciar esta produção pluricientífica, com lastro na le-
gislação em vigor e, principalmente, atento aos preceitos estatuídos
na Constituição Federal.
O ordenamento jurídico brasileiro é composto por uma série de Confeccionado o caderno policial, a polícia judiciária, após o
microssistemas normativos, cada um voltado para disciplinar deter- delegado de polícia realizar a subsunção cognitiva do fato criminoso
minada seara de atuação social. à norma penal, dá por termo as investigações, indiciando formal-
Assim temos os Direitos Civil, Empresarial e Trabalhista (regu- mente o investigado, que passa então a figurar como indiciado.
lam, em regra, as relações privadas), bem como os Direitos Cons- Concluídas as investigações o Inquérito Policial é remetido à
titucional, Administrativo, Tributário, Previdenciário, Processual, “Justiça”, terminando-se assim a fase administrativa do Sistema de
Ambiental, dentre outros, que moldam as condutas sociais onde o Justiça Criminal. Na “Justiça” - Poder Judiciário -, inicia-se a segun-
interesse público estatal possui uma maior atenção em evitar o des- da fase, denominada judicial, onde a vitima e/ou seu representante
cumprimento de tais preceitos. legal, bem como o Ministério Público, possuem o direito -para o
Ao conjunto de normas impostas coercitivamente pelo Estado parquet dever - de promover a ação penal contra o autor daquele
com a finalidade de manter a paz social, definindo crimes e impondo delito apurado no Inquérito Policial. Ao Juiz cabe decidir pela ab-
sanções ou medidas de segurança, denomina-se Direito Penal. solvição ou condenação do acusado, conforme as provas dos autos.
Esse ramo do Direito é chamado pelos penalistas modernos Tanto na fase administrativa como na judicial o acusado de um
como a “última razão”, ou seja, só deve atuar quando as outras for- crime tem o seu direito à liberdade ameaçado. É para não ferir os
mas jurídicas de controle social, leia-se, outros ramos do Direito, Princípios da Igualdade Formal e da Dignidade da Pessoa Humana
foram ineficazes em evitar uma conduta contrária ao ordenamento que as autoridades que presidem a colheita de provas de um deter-
jurídico vigente. minado crime - Delegado de Polícia na fase administrativa, e Juiz,
Evidentemente que o Direito Penal não regula todos os com- na fase judicial - devem assegurar a produção de todas aquelas que
portamentos sociais, bem como nem pode, sob pena de cair em tenham alguma relação com o fato delituoso, sejam elas prejudiciais
descrédito. Reserva a esta Ciência o controle das atividades mais ou benéficas ao imputado.
nocivas que um ser humano pode praticar em sociedade - Princípio Tanto é assim que a doutrina e a jurisprudência brasileira é qua-
do Direito Penal Mínimo. se uníssona no sentido de que as únicas autoridades existentes no
Contudo, a aplicação do Direito Criminal está jungida a uma Sistema de Justiça Criminal são os Delegados de Polícia e os Juízes,
teia organizacional composta de vários órgãos chamada de Sistema pois estas devem se pautar pela imparcialidade quando no desem-
de Justiça Criminal. O Sistema de Justiça Criminal deve ser consi- penho de suas atribuições legais. Os outros órgãos estatais que por
derado sob dois ângulos: “lato sensu” e “estricto senso”. O primeiro ventura venham a atuar na repressão criminal ou são partes, tendo
leva em consideração todas as medidas estatais preventivas da cri- interesse em uma determinada decisão - Ministério Público, Exem-
minalidade, como a distribuição da renda, educação, saúde, sanea- plo: ou são testemunhas favoráveis ou contrárias aos interesses do
mento básico, emprego etc, em síntese, tem enfoque sociológico. O Estado acusador (policiais militares, bombeiros, agentes penitenci-
segundo é o que interessa no momento. ários, etc.).
Com o advento da Constituição Federal de 1988 instaurou-se
no Brasil um novo modelo de justiça criminal, cujo mecanismo de Vários estudiosos do fenômeno da criminalidade e do Sistema
funcionamento é dividido em duas fases. A primeira é a administra- de Justiça Criminal consideram um equívoco a Polícia Judiciária
tiva, chamada pelos aplicadores do Direito como extrajudicial, e que pertencer à estrutura do Poder Executivo, pois é exatamente este Po-
tem início com o trabalho ostensivo/preventivo da polícia uniformi- der que exerce as atribuições de acusador na esfera criminal, através
zada, com escopo de impedir a prática de delitos. Nessa fase, quando dos Promotores de Justiça, não sendo coerente que as autoridades
o trabalho preventivo não é capaz de evitar o crime, cabe ao Estado, que investigam Delegados da Polícia Civil e Federal, pertençam à
atendidas algumas exigências legais, o dever de descobrir o autor mesma estrutura que acusa. Assim, existem estudiosos que defen-
do ilícito para que o mesmo seja submetido a julgamento, eis que é dem a Polícia Judiciária pertencente à estrutura do Poder Judiciário.
“vedado ao particular fazer justiça com as próprias mãos”.
Durante a década de 1990, como os índices de criminalidades
A tarefa investigativa é consagrada nas Constituição da Repú- na maior parte do Brasil atingiam níveis aceitáveis, não se deu a de-
blica e dos estados-membros à Polícia Judiciária (Polícia Civil nos vida atenção ao Sistema de Justiça Criminal. Com o crescimento da
Estados Membros e Federal, na União), através do procedimento criminalidade nesta década as entidades políticas, principalmente a
denominado Inquérito Policial. União e os Estados-Membros, sentiram a necessidade de implemen-
tar medidas no campo da Justiça Criminal, pois os índices atingiram
Nesse instrumento investigatório são produzidas provas que níveis inaceitáveis. Depararam-se, no entanto, com o sucateamento
visam elucidar a autoria e materialidade da infração objeto de in- do Sistema de Justiça Criminal (polícias judiciárias, estabelecimen-
vestigação, tais como depoimentos testemunhais, declarações de vi- tos prisionais etc).
timas, reconstituição de crimes, confissões de suspeitos, apreensão Percebeu-se que o “elo de ligação” entre as fases administrativa
de instrumentos e/ou objetos e/ou produtos de crimes, exames de e judicial da persecução penal encontrava-se, no aspecto estrutural
necrópsia, reconhecimento de pessoas, acareações, dentre outras. (recursos humanos e materiais), em dissonância com a demanda so-
cial.

Didatismo e Conhecimento 49
CRIMINOLOGIA
Algumas medidas já começaram a serem adotadas no sentido - roubo a transeunte – 202.577;
de “recuperar o tempo perdido”, no que pertine ao aperfeiçoamento - estupro – 7.550;
do Sistema de Justiça Criminal. São políticas que apesar de tardias - atentado violento ao pudor – 7.172 vítimas.
são bem vindas e necessárias, satisfazendo uma exigência da po-
pulação. Contudo, não se pode perder de vista os direitos consti- Por fim, a ação da sociedade civil e a mídia têm também cha-
tucionais assegurados aos cidadãos, sejam eles quem for, sob pena mado atenção para uma série de fenômenos: corrupção, violência
de que na “ânsia de reduzirmos a criminalidade a qualquer custo”, contra grupos vulneráveis (mulheres, crianças, idosos, GLBT, de-
retornemos ao período da Inquisição. fensores de direitos humanos, trabalhadores rurais), contrabando,
A segurança pública, nos últimos anos, tornou-se uma das áreas tráfico de armas etc. Essa forte preocupação social, por sua vez, tem
de políticas públicas de maior preocupação dos brasileiros. Isto pode despertado na sociedade e no Estado (setores de saúde, educação,
ser notado em pesquisas de opinião pública realizadas recentemente. urbanização, trabalho etc.) novas ações que contribuem para a me-
A pesquisa CNT-Sensus trabalhou com três indicadores: lhora da situação ao atuar na prevenção da violência e do crime.
- a avaliação dos entrevistados sobre o controle da violência e No entanto, embora alguns estudos venham questionando a
da criminalidade pelas autoridades; ideia de prisão de criminosos como forma de intimidar o crime e as-
- a forma de violência pela qual o entrevistado se sente mais segurar a ressocialização, a responsabilidade mais específica sobre
ameaçado; o problema, atribuída pela mídia e pelos atores políticos de manei-
- a classificação da cidade como mais ou menos violenta, se- ra geral, continua sendo do sistema de justiça criminal. O objetivo
gundo o entrevistado. deste estudo foi avaliar a atuação desse sistema de justiça criminal.
Duas são as perspectivas de avaliação: o respeito ao Estado Demo-
Os resultados mostram que, para 76,1% dos entrevistados, a crático de Direito e os resultados dos órgãos em relação às infrações
violência e a criminalidade estão fora do controle das autoridades. penais.
Para o segundo indicador, entre as opções apresentadas, o assalto
em casa ou na rua foi escolhido por 38,4% dos entrevistados como Desenho Institucional do Sistema de Justiça Criminal
a violência que mais ameaça. Os demais entrevistados escolheram:
- tráfico de drogas (31,7%); O sistema de justiça criminal abrange órgãos dos Poderes Exe-
- estupro (9%); cutivo e Judiciário em todos os níveis da Federação. O sistema se
- sequestro (7%); organiza em três frentes principais de atuação: segurança pública,
- violência na família (6,1%); justiça criminal e execução penal. Ou seja, abrange a atuação do
- brigas em locais públicos (5,9%). poder público desde a prevenção das infrações penais até a aplica-
ção de penas aos infratores. As três linhas de atuação relacionam-se
Por último, a cidade onde mora o entrevistado foi considera- estreitamente, de modo que a eficiência das atividades da Justiça co-
da muito violenta por 14,7%, violenta por 16,9%, mais ou menos mum, por exemplo, depende da atuação da polícia, que por sua vez
violenta por 29,7%, pouco violenta por 27,8%, e nada violenta por também é chamada a agir quando se trata do encarceramento, para
10,1% dos entrevistados. Os resultados dessa pesquisa revelam vigiar externamente as penitenciárias e se encarregar do transporte
também, entre outros aspectos, que os entrevistados tendem a ser de presos, também à guisa de exemplo.
críticos quanto à atuação das autoridades, mesmo aqueles que con- A política de segurança pública, de execução penal e a adminis-
sideram relativamente pouco violentas as cidades em que moram. tração da Justiça são majoritariamente desenvolvidas pelos poderes
A percepção dos brasileiros sobre a situação de violência e cri- estaduais. Os poderes públicos federal e municipal desempenham
minalidade é influenciada pela ampla cobertura que os meios de co- papel de menor importância nesta área.
municação de massa dão aos casos de violência. Em qualquer lugar
do país, tem-se informação sobre crimes ocorridos em São Paulo, O objetivo desta seção é apresentar o desenho institucional de
Rio de Janeiro, outras cidades de grande e médio porte, e também, cada um dos subsistemas da Justiça criminal. Além dos órgãos en-
embora mais raramente, em pequenos municípios. Isso não quer volvidos em cada nível da Federação, busca-se aqui também mos-
dizer, no entanto, que não existam motivos reais para uma grande trar a relação entre eles e as principais normas legais que regem
preocupação com o tema. a atuação governamental na área, de modo a subsidiar a posterior
Em relação às mortes por agressão (homicídios ou latrocínios), análise sobre o funcionamento do sistema, assim como permitir ao
por exemplo, num conjunto de 80 países, o Brasil é o primeiro em leitor uma maior familiaridade com o tema.
número absoluto de mortes, o quarto em taxa de mortos por agressão
por 100 mil habitantes (26,4), e o quarto na proporção entre as mor- Estrutura do Sistema de Segurança Pública
tes por agressão sobre o total de mortes (4,8%). Embora o risco de
morte por agressão do brasileiro em um ano seja, segundo estes da- O sistema de segurança pública no Brasil organiza-se com
dos, de apenas 0,026%, a comparação com outros países evidencia base em órgãos do Poder Executivo Federal, estadual e municipal.
um grave problema de segurança pública no Brasil. Outros crimes A Constituição Federal (CF) de 1988 traz as diretrizes gerais para
também preocupam. A Secretaria Nacional de Segurança Pública o sistema, prevendo o papel dos órgãos policiais e dos entes fede-
(Ministério da Justiça) conseguiu reunir outros dados de vítimas de rativos em sua organização. No art. 144, a CF define a segurança
crime no país, relativos a 2005. Os números são os seguintes: pública como dever do Estado e responsabilidade de todos. Define,
- lesão corporal dolosa – 308.952 vítimas; ainda, que os órgãos responsáveis por sua manutenção são a Polícia
- tentativa de homicídio – 21.461; Federal as Polícias Rodoviária e Ferroviária Federais; as Polícias
- extorsão mediante sequestro – 617; Civis; as Polícias Militares; e os Corpos de Bombeiros Militares.

Didatismo e Conhecimento 50
CRIMINOLOGIA
A seguir será traçada a estrutura do sistema, de acordo com os Dessa forma, a Polícia Federal cumpre um importante papel nas
papéis e a organização de cada nível da Federação: União, poder investigações que envolvem crimes contra o patrimônio da União,
estadual e poder municipal. aí incluídos delitos cometidos por autoridades políticas, no policia-
- Órgãos federais de segurança pública: No âmbito do governo mento de fronteira, e no combate ao tráfico de drogas, atuando em
federal, a segurança pública é assunto da área de competência do todo o país por meio de suas unidades regionalizadas – 27 supe-
Ministério da Justiça, no qual se encontram vinculados os seguintes rintendências regionais e 81 delegacias, além de postos avançados,
órgãos: Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Depar- centros especializados, e delegacias de imigração, entre outros.
tamento de Polícia Federal, e Departamento de Polícia Rodoviária A Polícia Federal atua também na fiscalização nos aeroportos, na
Federal. Cabe mencionar, ainda, a existência de conselhos ligados emissão de passaportes e no registro de armas de fogo. Seus princi-
ao Ministério da Justiça, tais como o Conselho Nacional de Segu- pais órgãos centrais são: Comando de Operações Táticas, Academia
rança Pública, que também exercem papel importante para as defi- Nacional de Polícia, Diretoria Técnico-Científica, Coordenação-
nições e avaliações da política. -Geral de Polícia de Imigração, e Coordenação-Geral de Controle
A Senasp, criada em 1997, tem por principais atribuições: de Segurança Privada.
promover a integração dos órgãos de segurança pública; planejar,
acompanhar e avaliar as ações do governo federal na área; estimu- A Polícia Rodoviária Federal, que também tem suas atribuições
lar a modernização e o reaparelhamento dos órgãos de segurança definidas constitucionalmente, deve exercer o patrulhamento das
pública; estimular e propor aos órgãos estaduais e municipais a ela- rodovias federais. Integram sua atuação: realizar patrulhamento os-
boração de planos integrados de segurança; e implementar e manter tensivo, inclusive operações relacionadas com a segurança pública;
o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública exercer os poderes de autoridade de polícia de trânsito; aplicar e ar-
(Infoseg), entre outras. recadar multas impostas por infrações de trânsito; executar serviços
É a Senasp que gerencia o programa Sistema Único de Segu- de prevenção, atendimento de acidentes e salvamento de vítimas;
rança Pública (Susp), bem como a administração dos recursos do assegurar a livre circulação nas rodovias federais; efetuar a fiscali-
Fundo Nacional de Segurança Pública, por meio do qual são apoia- zação e o controle do tráfico de crianças e adolescentes; colaborar
dos projetos de estados e municípios. e atuar na prevenção e repressão aos crimes contra a vida, os cos-
O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado em 2000, tumes, o patrimônio, o meio ambiente, o contrabando, o tráfico de
logo após o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, drogas e demais crimes.
e tem por objetivo apoiar projetos na área de segurança pública e Na espera do governo federal, cabe mencionar também a atu-
projetos sociais de prevenção à violência, tanto de estados quanto de ação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da Re-
municípios, desde que atendam aos critérios estabelecidos. pública, que é o órgão de coordenação das atividades de inteligência
O Susp, lançado em 2003, é um programa criado para articular federal e, juntamente com outros doze, compõe o Sistema Brasileiro
as ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pú- de Inteligência, cujo órgão central é a Agência Brasileira de Inteli-
blica e da Justiça criminal. A integração ao Susp se dá via assinatura gência (Abin), também responsável por atividades relacionadas à
de um protocolo de intenções entre o governo do estado e o Minis- segurança pública, e que atua muitas vezes em conjunto com a Se-
tério da Justiça, a partir do qual se institui no estado um Gabinete de cretaria Nacional Antidrogas (Senad) e com a Polícia Federal.
Gestão Integrada, composto por representantes do Poder Executivo
estadual, das polícias e guardas municipais, Polícia Federal e Polícia A Senad, por sua vez, subordinada ao Gabinete de Segurança
Rodoviária Federal, além da cooperação do Ministério Público e do Institucional da Presidência da República, é “o órgão executivo das
Poder Judiciário. O gabinete deve definir as ações a serem imple- atividades de prevenção do uso indevido de substâncias entorpecen-
mentadas, e suas decisões são repassadas para o Comitê Gestor Na- tes e drogas que causem dependência, bem como daquelas relacio-
cional. Este modelo já está em funcionamento em todos os estados nadas com o tratamento, recuperação, redução de danos e reinserção
da Federação, mas esbarra na dificuldade de falta de regulamentação social de dependentes”. A secretaria gerencia o Fundo Nacional An-
por parte do Susp do ponto de vista normativo. tidrogas e, junto ao Conselho Nacional Antidrogas, atua na imple-
mentação da Política Nacional sobre as Drogas, lançada em 2005.
O papel da Senasp vem sendo sobretudo fomentar a discussão, Finalmente, cumpre lembrar a recente instituição da Força Na-
delinear diretrizes gerais, especialmente na área de capacitação de cional de Segurança Pública, criada em novembro de 2004, por meio
recursos humanos, de informação e conhecimento, e manter o elo do Decreto no 5.289, considerando “o princípio de solidariedade fe-
entre governo federal e governos estaduais e municipais. derativa que orienta o desenvolvimento das atividades do sistema
único de segurança pública”, para exercer atividades relacionadas
Ainda no âmbito do Ministério da Justiça, o Departamento de com policiamento ostensivo no caso de solicitação expressa de um
Polícia Federal cumpre uma função bem distinta. A norma consti- governador de estado.
tucional define que cabe à Polícia Federal “apurar infrações penais Integram a Força Nacional servidores de órgãos de segurança
contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços pública estaduais e federais selecionados e treinados para trabalhar
e interesses da União (...) assim como outras infrações cuja práti- conjuntamente. Os estados podem aderir voluntariamente ao progra-
ca tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repres- ma. O emprego da Força Nacional será determinado pelo ministro
são uniforme”. Cabe, ainda, “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de da Justiça, sempre de forma episódica e planejada, e após solicita-
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho (...)”, ção do governador de estado. Portanto, a Força Nacional não possui
“exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de frontei- sede própria nem contingente próprio, os policiais capacitados para
ras” e “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária integrá-la são convocados para missões específicas, e tampouco fun-
da União” (CF, art. 144, § 1o, incisos I a IV). ciona de maneira permanente.

Didatismo e Conhecimento 51
CRIMINOLOGIA
- Órgãos Estaduais de Segurança Pública: A Constituição Fe- O governador deve publicar em lei o número de cargos exis-
deral define o papel das Polícias Civil e Militar, que se subordinam tentes nas polícias, com base na proposta do comandante-geral da
ao Poder Executivo estadual. A Polícia Militar deve realizar o po- corporação.
liciamento ostensivo e garantir a preservação da ordem pública. A Uma das possibilidades encontradas nos estados é a organiza-
Polícia Civil tem como principal atribuição a investigação de cri- ção da Polícia Civil em departamentos e institutos, o que contribui
mes. Nesse sentido, cumpre a função de polícia judiciária, devendo para uma especialização entre os policiais e das próprias delegacias,
apurar as infrações penais, com exceção das militares. que se voltam para áreas como: homicídios e proteção à pessoa; nar-
As Polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros e os órgãos cóticos; crime organizado, além de departamento de polícia da ca-
de perícia vinculam-se ao Poder Executivo estadual e organizam-se, pital e departamento de polícia do interior; e departamento de inteli-
sob o princípio da norma constitucional, de acordo com a legislação gência, entre outros. Há ainda grupos ostensivos em alguns estados.
local, havendo diferenças entre os estados brasileiros. São as cons- Normalmente ligado à unidade de perícias está o instituto de
tituições estaduais que explicitam a organização das corporações identificação, visto que cabe à Polícia Civil executar os serviços de
policiais e da política de segurança pública local. identificação civil e criminal. Outras unidades desta polícia são cor-
regedoria e academia, além de departamentos administrativos e de
Em geral, compõem as Secretarias Estaduais de Segurança Pú-
apoio, órgãos colegiados ou equivalentes.
blica: Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia
As carreiras da Polícia Civil também encontram diferenças de
Técnico-Científica, quando separada da Polícia Civil, Departamento
um estado para outro, havendo necessariamente distinção entre car-
de Trânsito, conselhos comunitários, instituto de identificação, além
reira de delegado de polícia e de agente, além de carreiras específi-
de Corregedoria e Ouvidoria de Polícia. cas ligadas às atividades de perícia. O ingresso em todas as carreiras
A Polícia Civil atende a população em delegacias ou distritos, se dá mediante concurso público, sendo necessário, para delegado,
nos quais são registradas as ocorrências de infrações. Em geral, cada ser detentor de curso superior em Direito.
delegacia de polícia deve registrar e apurar os delitos de sua área de Em alguns estados, a Polícia Científica, que trabalha nas ativi-
circunscrição. É o delegado de polícia que abre o inquérito policial dades de perícia e medicina legal, constitui uma corporação especí-
para investigar os crimes e realiza os procedimentos relacionados fica, independente da Polícia Civil.
à investigação, como interrogatório de testemunhas, solicitação de A organização da Polícia Militar (PM) também difere entre os
perícias etc. Com vistas a subsidiar a investigação, entra em ação o estados, mas em geral é formada por batalhões e companhias. Exis-
trabalho da Polícia Científica, formada pelos especialistas que atu- tem atualmente doze graus hierárquicos, de soldado a coronel – em
am nos institutos de criminalística e institutos ou departamentos de reprodução à organização do Exército, à exceção do grau de general,
medicina legal. inexistente na polícia. O comandante-geral da polícia no estado deve
Uma vez concluído, o inquérito policial (procedimento admi- ter a patente de coronel. Os integrantes das polícias militares são de-
nistrativo anterior à ação penal) é encaminhado para o Judiciário, nominados pela Constituição Militar dos estados, constituindo força
que o remete ao Ministério Público. auxiliar do Exército.
Este pode requerer seu arquivamento ou apresentar denúncia. O O trabalho de mais visibilidade da PM é o policiamento osten-
Ministério Público tem competência privativa de promover a ação sivo, caracterizado pela ação em que o agente é identificado pela
penal pública, fazendo a denúncia que dá início ao processo crimi- farda, pelo equipamento e pela viatura, podendo ser: ostensivo geral,
nal. Cabe lembrar, ainda, que as provas produzidas pela polícia, urbano e rural; de trânsito; florestal e de mananciais; rodoviário e
como os depoimentos, têm de ser refeitas no âmbito do Judiciário, ferroviário, nas vias estaduais; portuário; fluvial e lacustre; de radio-
para que sejam respeitados os princípios do contraditório, da ampla patrulha terrestre e aérea; e de segurança externa dos estabelecimen-
defesa e do devido processo legal. tos penais, entre outros.
O inquérito policial não é obrigatório. Se já há elementos para
propor a ação penal, ele se torna dispensável. No caso de infrações Cada corporação policial possui uma corregedoria-geral encar-
penais de menor potencial ofensivo, a polícia pode lavrar termo cir- regada de investigar infrações penais e transgressões disciplinares
de seus agentes, assim como de realizar correições. Além da corre-
cunstanciado, encaminhado ao Judiciário, no contexto dos procedi-
gedoria, quatorze estados já possuem também Ouvidorias de Polí-
mentos mais simplificados para a conclusão judicial.
cia, tanto ligadas especificamente a cada corporação quanto confi-
A relação da Polícia Civil com o Judiciário e o Ministério Pú-
guradas como ouvidorias únicas. A Ouvidoria de Polícia atua como
blico se dá em diferentes circunstâncias, não somente ao longo da
controle externo da atividade policial, encaminhando denúncias e
instrução do inquérito policial e do processo criminal, mas também acompanhando seu andamento junto à Corregedoria, que se incum-
para cumprir mandados de prisão, de busca e apreensão, entre ou- be das apurações.
tros. No âmbito do Poder Executivo estadual, coordenam as ações
Cada estado organiza seu departamento de polícia civil de ma- relativas à segurança pública as secretarias estaduais (Secretarias de
neira independente, sendo que, na maioria das vezes, tal organização Segurança Pública e Secretarias de Defesa Social), que muitas vezes
é normatizada por uma lei orgânica. também têm como atribuição a fiscalização de trânsito urbano. Na
Frequentemente há ainda, em separado, um estatuto, um regu- verdade, o Código Nacional de Trânsito remeteu esta fiscalização
lamento disciplinar e um código de ética, todos publicados por lei aos municípios, mas ela ainda se encontra sob a responsabilidade
estadual ou decreto governamental, embora seja mais comum que dos governos estaduais na maioria dos casos, ou sob responsabilida-
a lei orgânica aborde todos os aspectos relativos à organização da de compartilhada, por meio de convênios entre estado e município.
corporação, finalidades, atribuições, regime disciplinar, cargos e É a Polícia Militar a responsável, na maior parte dos estados, pela
carreiras etc. fiscalização de trânsito.

Didatismo e Conhecimento 52
CRIMINOLOGIA
Pode-se concluir que a organização dual das forças policiais no Em 2005, o número de pessoas ocupadas em serviços de se-
Brasil se explica pela seguinte divisão: a ação da Polícia Militar se gurança privada já alcançava 45% do total de ocupados na área de
dá enquanto o crime ocorre ou para evitá-lo, ao passo que a ação da segurança, sendo que na região Sudeste já alcançava 51,6% do to-
Polícia Civil se dá prioritariamente após a ocorrência do crime. tal, ultrapassando o número de ocupados em serviços de segurança
pública. Esta expansão dos serviços de segurança privada no Brasil
- Órgãos Municipais de Segurança Pública: A Constituição engendra questionamentos importantes relacionados até mesmo ao
Federal de 1988, em seu art. 144, prevê que os municípios poderão papel do Estado.
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, A importância de garantir o monopólio estatal da coerção física
serviços e instalações. As guardas municipais são instituições de ca- tem como pressuposto a proteção dos indivíduos e dos grupos so-
ráter civil, que se encarregam não somente de zelar pelo patrimônio ciais, inclusive contra abusos do próprio Estado no exercício desta
público e cuidar da segurança coletiva em eventos públicos, mas sua função. Diante da preocupação de que a expansão da segurança
também atuam em rondas e assistência nas escolas, em atividades privada colocaria em risco importantes conquistas da democracia
de defesa civil, e na mediação de conflitos, entre outras atividades ocidental, cabe ressaltar a necessidade de o Estado permanecer com
desenvolvidas, conforme levantamentos realizados pela Senasp. as atribuições de polícia e justiça criminal e com o monopólio da
Destaca-se o importante papel das guardas municipais na prevenção delegação e regulação do uso da força, delimitando as atribuições
da violência e da criminalidade, por meio da articulação de proje- públicas e privadas (Musumeci).
tos sociais e comunitários. Tem-se observado, ainda, a expansão da
atuação das guardas municipais no sentido de cumprir papéis legal- Estrutura dos Órgãos de Justiça Criminal
mente destinados às corporações policiais, o que vem sendo tema de
debates e propostas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo. A Constituição Federal delineia uma série de princípios e dire-
trizes relativos ao processo penal. Entre os princípios constitucio-
Nesse sentido, uma importante questão reside na permissão nais, destacam-se:
para porte de armas de fogo pelos integrantes das guardas muni- - a presunção da inocência, ou da não-culpabilidade, como pre-
cipais. A legislação federal determina que podem ter porte de arma ferem alguns juristas;
de fogo os integrantes das guardas municipais das capitais e dos - o princípio do devido processo legal, contraditório e da ampla
municípios com mais de 500 mil habitantes, enquanto os integran- defesa;
tes das guardas municipais de municípios com população entre 50 - o da verdade real ou da busca da verdade;
mil e 500 mil habitantes, e de municípios de regiões metropolitanas, - da irretroatividade da lei penal; v) o princípio da publicidade;
podem utilizar arma de fogo quando em serviço. Tal permissão está - do juiz natural – “ninguém será processado nem sentenciado
condicionada à existência de mecanismos de fiscalização e controle senão pela autoridade competente” (CF, art. 5º, LIII).
interno nas instituições, assim como de formação de seus integrantes
em estabelecimentos de ensino de atividade policial. Os órgãos de Justiça criminal no Brasil organizam-se nos níveis
federal e estadual: juízes federais, Tribunais Regionais Federais, Mi-
Existem hoje no Brasil cerca de 400 guardas municipais, que nistério Público Federal e Defensoria Pública da União, no primeiro
se reúnem por meio de uma associação denominada Conselho Na- caso, e juízes estaduais, Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e
cional das Guardas Municipais. Diversos municípios, especialmente Defensorias Públicas Estaduais, no último. As competências de cada
os de maior porte e aqueles localizados em regiões metropolitanas, um destes órgãos são ditadas pela Constituição Federal e pelas legis-
possuem também Secretarias Municipais de Segurança Pública. lações específicas, como as leis estaduais de organização judiciária.
A seguir, serão apresentados brevemente os principais órgãos
Segurança Privada: Os serviços particulares de segurança e vi- de cada nível de governo, suas atribuições e os principais elementos
gilância são normatizados no Brasil desde a década de 1980, quando de organização institucional do sistema de justiça criminal.
foram estabelecidas as normas para a segurança de estabelecimen-
tos financeiros. A Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, alterada - Órgãos Federais de Justiça Criminal: O Poder Judiciário no
posteriormente por leis de 1994, 1995 e 2001 e regulamentada por âmbito federal é composto pelas justiças especializadas, Justiça do
portarias do Ministério da Justiça, estabelece, entre outros, que o Trabalho, eleitoral e militar, e Justiça comum, constituída pelos juí-
vigilante deve ter no mínimo 21 anos, ter concluído até pelo menos a zes federais e pelos Tribunais Regionais Federais.
4a série do ensino fundamental, ter concluído curso de formação em
estabelecimento credenciado, não ter antecedentes criminais e ter As competências da Justiça comum federal são definidas pela
sido aprovado em exames de saúde física e mental e psicotécnico. Constituição Federal, em seus artigos 108 e 109. Entre elas, no que
diz respeito às competências criminais, destaca-se o julgamento:
O Ministério da Justiça deve conceder autorização para o fun-
cionamento das empresas especializadas em serviços de vigilância, - dos crimes políticos e das infrações penais praticadas em de-
serviços de transporte de valores, e dos cursos de formação de vi- trimento de bens, serviços ou interesse da União;
gilantes. O vigilante pode portar arma de fogo quando em serviço, - dos habeas corpus em matéria criminal de sua competência
sendo os calibres permitidos definidos na lei, e as armas de proprie- ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não
dade das empresas têm de ser registradas junto à Polícia Federal. estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
Como já apontava estudo de Musumeci (1998), o pessoal ocupado - dos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves;
na atividade de vigilância e guarda vem aumentando consideravel- - dos crimes de ingresso ou permanência irregular de estran-
mente ao longo dos anos. geiro.

Didatismo e Conhecimento 53
CRIMINOLOGIA
Enquanto os juízes federais constituem o primeiro grau de juris- O Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
dição, os Tribunais Regionais Federais, cinco em todo o país, cada 1940) divide-se em: parte geral, alterada pela Lei nº 7.209, de 11 de
qual com sua área de jurisdição, constituem o segundo grau, com a julho de 1984, que prevê as normas não-incriminadoras, referentes à
competência de julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos aplicação da lei penal, crime, imputabilidade penal, penas e medidas
juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência de segurança, tipos de ação penal e extinção da punibilidade; e parte
federal em sua área de jurisdição, além de processar e julgar manda- especial, que prevê as normas incriminadoras, que descrevem uma
dos de segurança e habeas corpus contra ato do próprio tribunal ou conduta e impõem as respectivas penas.
de juiz federal, entre outras competências. A legislação brasileira prevê dois tipos de infrações penais: cri-
A Justiça federal em cada região está organizada em varas es- mes (ou delitos) e contravenções. Estas últimas são infrações penais
pecializadas e não-especializadas, havendo varas federais criminais de menor impacto e estão tipificadas na Lei de Contravenções Pe-
em algumas comarcas, além dos Tribunais Regionais Federais e dos nais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941).
Juizados Especiais Federais. Cada tribunal atua por meio de seu ple- O Código Penal define, portanto, somente os crimes ou delitos,
que podem ser cometidos por ação ou por omissão, podem ser dolo-
no, de seu órgão especial e de seções e/ou turmas especializadas, en-
sos ou culposos e, ainda, terem sido consumados ou caracterizar-se
tre as quais algumas se dedicam, exclusivamente ou não, aos feitos
como tentativa.
de matéria penal.
Os tipos de pena são: privativas de liberdade, restritivas de di-
Os Juizados especiais federais criminais julgam infrações de
reitos, e multa. As penas privativas de liberdade podem ser de re-
menor potencial ofensivo de competência da Justiça federal, pau-
clusão, cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, ou de
tando sua atuação pelos princípios de oralidade, simplicidade, infor- detenção, cumprida em regime semiaberto ou aberto.
malidade, economia processual e celeridade, de acordo com a Lei Os regimes para cumprimento das penas privativas de liberdade
nº 10.259/2001. são, portanto:
- Órgãos Estaduais de Justiça Criminal: Os juízes de direito, - Fechado, que por lei deveria ser cumprido em cela individual,
em primeira instância, e os Tribunais de Justiça, em segunda ins- de no mínimo seis metros quadrados, com trabalho durante o dia e
tância, integram o Poder Judiciário nos estados e se regem pelas isolamento à noite;
constituições estaduais e pelas normas específicas que organizam - Semiaberto, cumprido em colônia agrícola, industrial ou simi-
suas unidades e atribuições. lar, em alojamento coletivo, com possibilidade de atividades exter-
Os Tribunais de Justiça Estaduais atuam por meio das varas cri- nas sem vigilância, caso permitidas pelo juiz da execução;
minais, Juizados Especiais Criminais e tribunais do júri. O número - Aberto, no qual o preso trabalha sem vigilância e se recolhe à
e a distribuição das varas criminais, das varas não-especializadas casa de albergado para dormir e passar os dias de folga.
que tratam das causas relacionadas a crimes, das varas de execução Se a pena definida é superior a oito anos, inicia-se seu cum-
penal e dos juizados especiais e tribunais do júri são determinados primento em regime fechado; para penas maiores de quatro anos e
pela lei de organização judiciária de cada estado, complementada inferiores a oito, em regime semiaberto; e para as penas menores de
pelo regimento interno do Tribunal de Justiça Estadual. quatro anos, no caso de réus primários, inicia-se em regime aber-
O fluxo de justiça criminal obedece a sequências e ritos espe- to. Por regra, o cumprimento da pena deve ser progressivo. O juiz
cíficos de acordo com alguns fatores relacionados à infração penal da execução define o regime inicial e sua progressão ocorre com o
cometida. A primeira distinção diz respeito ao tipo de ação penal, tempo e de acordo com o comportamento do preso. Para passar de
pública ou privada, que determinará os procedimentos a serem ado- um regime para outro mais brando, o condenado deve cumprir pelo
tados pela autoridade policial, pelo Ministério Público, assim como menos um sexto da pena no regime anterior, sendo que a progressão
os respectivos fluxos no âmbito do Poder Judiciário. depende de pareceres internos que avaliam o comportamento e a
O tipo de crime e a pena cominada no Código Penal definem recuperação do preso. Além disso, para passar para o regime aberto,
os ritos a serem seguidos no âmbito do Poder Judiciário para que é preciso comprovar trabalho ou promessa de emprego. No caso de
o condenado sofrer nova condenação ou desobedecer às exigências
sejam ouvidas as testemunhas, os acusados e, finalmente, para que
da execução, o regime penitenciário pode regredir.
possa haver formação de convencimento pelo juiz e este profira a
A Lei nº 8.072/90 previa, em seu art. 2º, § 1º, que a pena por cri-
sentença.
mes hediondos, tráfico de drogas e terrorismo deveria ser cumprida
O Código de Processo Penal prevê o procedimento comum e os
integralmente em regime fechado.
especiais. Entre estes, cabe destacar os ritos do júri e dos Juizados
Contudo, no dia 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal
Especiais Criminais. Federal julgou tal determinação inconstitucional, por violar o prin-
cípio constitucional da individualização da pena.
Estrutura do Sistema de Execução Penal Brasileiro O livramento condicional, por sua vez, se dá somente após
cumprimento de um terço da pena, se o condenado tem bons ante-
A Constituição prevê diretrizes relativas à pena para o trans- cedentes e não é reincidente em crime doloso. Se é reincidente, deve
gressor das leis: a pena é individual e pode ser de privação ou res- ter cumprido metade da pena. Para ter o livramento condicional,
trição de liberdade, de perda de bens, de multa, de prestação social deve comprovar bom comportamento, aptidão para prover a subsis-
alternativa ou de suspensão ou interdição de direitos, entre outras. tência e ter reparado o dano, se possível. Durante o livramento con-
A Carta Magna veta a pena de morte, a de caráter perpétuo, a dicional, é preciso cumprir diferentes condições impostas pelo juiz,
de trabalhos forçados, a de banimento e as penas cruéis, e prevê os como ter ocupação, voltar para casa em hora fixada e não frequentar
direitos básicos do apenado. determinados lugares.

Didatismo e Conhecimento 54
CRIMINOLOGIA
No caso de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terro- A Lei de Execução Penal, que regulamenta o cumprimento das
rismo, se o condenado é primário, tem direito ao livramento condi- penas privativas de liberdade, especifica o princípio constitucional
cional somente após cumprir dois terços da pena em regime fechado. de individualização da pena, ao determinar tanto que cabe à Comis-
A graça ou indulto individual, outro benefício concedido a pre- são Técnica de Classificação elaborar o programa individualizador
sos que atendam a determinados critérios, é também vetada a pra- da pena, como que devem ser separados nos estabelecimentos pe-
ticantes de crimes hediondos e assemelhados. A graça e o indulto nais os presos provisórios dos condenados, e os primários dos rein-
são concedidos pelo presidente da República, por meio de decreto cidentes.
que especifica todos os apenados sujeitos a ter suas penas perdoadas É de fundamental importância ressaltar que a função da pena no
ou aliviadas – individual, no caso da graça, e coletivo, no caso do Brasil, de acordo com a legislação em vigor, é a reinserção social do
indulto. condenado. A exposição de motivos da nova parte geral do Código
A suspensão condicional da pena, ou sursis, é outro instituto Penal, reformulada em 1984, explicita e defende este princípio, que
previsto no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal deve permear a atuação de todos os integrantes do sistema de exe-
(LEP, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), por meio do qual se cução penal.
suspende uma pena de reclusão ou de detenção, desde que atendidos Nossa legislação estabelece que são penalmente inimputáveis
os critérios especificados na lei. A suspensão é condicional porque os menores de dezoito anos, os doentes mentais e os índios ditos
o condenado deve cumprir as condições estabelecidas pelo juiz para não-aculturados. No caso dos menores de dezoito anos, o Estatu-
continuar tendo direito ao benefício. to da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de
A Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, alterou a Lei 1990) disciplina as chamadas medidas socioeducativas no caso de
de Execução Penal, ao prever o Regime Disciplinar Diferenciado ato infracional; e no caso dos índios não-aculturados, o regime penal
(RDD), que deve ser aplicado ao preso que cometer crime doloso, ao deve ser de semiliberdade, sob controle da Fundação Nacional do
preso que apresente “alto risco para a segurança do estabelecimento Índio (Funai). Os doentes mentais que cometerem infrações deverão
penal ou da sociedade”, e ao preso suspeito de ligação com o crime cumprir medida de segurança em hospitais de custódia e tratamento
organizado. O RDD tem duração máxima de trezentos e sessenta psiquiátrico. Isto se aplica no caso de infratores com doença ou de-
dias e se caracteriza pelo recolhimento em cela individual, visitas ficiência mental no ato da infração e para presos com doença mental
semanais de duas pessoas por no máximo duas horas, e banho de sol
adquirida durante o cumprimento da pena. Para readquirir liberdade,
de duas horas diárias, quando o preso sai da cela.
é preciso exame psiquiátrico específico, sendo a sanção de tempo in-
Dessa forma, no RDD estende-se o prazo limite para as sanções
determinado, pois somente é aplicada se constatada periculosidade.
de isolamento, suspensão e restrição de direitos, previstas original-
Além das penas privativas de liberdade, existem as penas res-
mente na Lei de Execução Penal.
tritivas de direitos, também chamadas penas alternativas, e as penas
A nova lei prevê, inclusive, a construção de estabelecimentos
de multa. As penas restritivas de direito podem ser: prestação pecu-
penais destinados exclusivamente aos presos sujeitos ao regime dis-
niária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade,
ciplinar diferenciado.
A mesma norma que criou o RDD aboliu a necessidade de exa- interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Estas
me criminológico, previsto no Código de Processo Penal e na Lei penas são imputadas pelo juiz da execução, após conversão da pena
de Execução Penal, para a avaliação da progressão de regime, o que de prisão, se esta for inferior a quatro anos e se o crime não tiver sido
vem sendo objeto de grande controvérsia entre especialistas da área. cometido com violência ou grave ameaça contra pessoa, e quando,
Alguns criminalistas acreditam que a ausência do exame dá mais qualquer que seja a pena, se tratar de crime culposo.
dinamismo à execução penal e se justifica na medida em que o preso O condenado não pode ser reincidente em crime doloso, apenas
não é permanentemente acompanhado pelo Estado, lacuna que não excepcionalmente, e o juiz deve verificar se a substituição da pena
poderia ser preenchida por um exame realizado em condições pou- de prisão por uma pena restritiva de direitos é suficiente para a re-
co transparentes e em circunstâncias pontuais. Muitos estudiosos, provação do crime cometido.
contudo, defendem que o exame criminológico embasa em grande Dessa forma, a pena de prisão de até um ano pode ser substi-
medida a decisão do juiz e é fundamental por contemplar aspectos tuída por pena restritiva de direitos ou multa, e a pena de prisão de
referentes à personalidade do apenado, vida pregressa, comporta- um a quatro anos pode ser convertida em pena restritiva de direitos
mento na prisão, percepção sobre o crime e sobre a pena, e possibili- e multa ou em duas penas restritivas de direitos. Caso o condenado
dade de reinserção social, entre outros. Após a mudança, com vistas não cumpra as medidas impostas, a pena converte-se em privativa
a determinar a progressão de regime, a lei se atém tão-somente ao de liberdade.
bom comportamento carcerário, que deve ser atestado pelo diretor No caso de todas as infrações penais de menor potencial ofen-
do estabelecimento. No entanto, muitos operadores do direito inter- sivo (contravenções penais e crimes cujas penas não ultrapassem
pretam que a lei não aboliu o exame criminológico, mas somente dois anos de privação de liberdade), admite-se a transação penal,
sua obrigatoriedade, interpretação adotada pelo Superior Tribunal isto é, se o acusado aceitar a pena restritiva de direitos ou de multa
Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, sem a instauração do processo e o julgamento da causa, não perde
quando da avaliação do pedido de progressão de regime, o juiz da a primariedade e o caso se extingue no Juizado Especial Criminal.
execução pode solicitar a realização do exame criminológico. A execução penal fica predominantemente a cargo dos estados,
A pena privativa de liberdade poderá ser reduzida pelo traba- que organizam o sistema penitenciário de acordo com as leis na-
lho, à razão de um dia de pena por três dias de trabalho do preso. A cionais e locais em vigor. No âmbito do governo federal, além dos
legislação brasileira determina que ninguém pode permanecer preso órgãos do Poder Judiciário, existem os órgãos do Poder Executivo
por mais de trinta anos, mas ainda há controvérsias a respeito das encarregados de definir a política penitenciária e fiscalizar sua apli-
regras para progressão de regime e livramento condicional no caso cação nos estados. A seguir, serão tratados os dois níveis de governo
de penas superiores a trinta anos. separadamente.

Didatismo e Conhecimento 55
CRIMINOLOGIA
- Órgãos Federais do Sistema Penal: Ligados ao Ministério Os estabelecimentos penitenciários federais já estavam previs-
da Justiça, os principais órgãos do sistema penal na esfera federal, tos na Lei de Execução Penal, de 1984, para recolher condenados
com finalidades definidas inclusive na Lei de Execução Penal, são o em local distante da condenação caso isto seja necessário para a se-
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e gurança pública e a segurança do próprio condenado.
o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Somam-se a estes Atualmente, dois presídios federais encontram-se em funcio-
o Ministério Público Federal, os presídios federais e os órgãos da namento, um localizado em Catanduvas (PR) e outro em Campo
Justiça federal envolvidos na execução penal. Grande (MS), e outras três unidades encontram-se em processo de
construção. Os presídios federais são de segurança máxima e pos-
O CNPCP foi instalado em 1980 e é composto por treze mem- suem, cada um, 208 celas padronizadas. Os presos ocupam celas
bros designados pelo ministro da Justiça entre professores e pro- individuais, sendo a segurança monitorada por equipamentos de alta
fissionais da área de execução penal, bem como por representantes tecnologia.
da comunidade e de ministérios da área social. O mandato de seus Os presídios vêm recebendo presos considerados de alta pericu-
integrantes é de dois anos, o colegiado se reúne ordinariamente uma
losidade e ligados ao crime organizado e ao tráfico de drogas, além
vez por mês, e vem atuando especialmente mediante a publicação de
de presos que se encontrem em regime disciplinar diferenciado. O
resoluções e de pareceres.
Conselho da Justiça Federal (CJF) determinou que os detentos só
podem permanecer nestes presídios pelo prazo máximo de um ano,
Tal conselho tem como competências, entre outras:
- Propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do que pode ser prorrogado se solicitado pelo juiz federal encarregado
crime, administração da Justiça criminal e execução das penas e me- da execução.
didas de segurança; No caso dos presídios federais, resolução do CJF estabeleceu
- Promover a avaliação periódica do sistema criminal, assim regras para a atuação dos juízes federais na execução penal. O Tri-
como estimular e promover a pesquisa criminológica; bunal Regional Federal de cada região deve designar o juízo compe-
- Elaborar programa nacional de formação e aperfeiçoamento tente para a execução penal nas unidades.
do servidor penitenciário; A atuação do Ministério Público Federal (MPF) na execução
- Estabelecer regras sobre a construção e reforma de estabele- penal se assemelha à dos Ministérios Públicos Estaduais, sendo que,
cimentos penais; no caso do MPF, a atuação se refere aos crimes contra a União, a
- Inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais e informar- administração pública, aos chamados crimes federais, e em relação
-se acerca do desenvolvimento da execução penal nos estados; aos presos nas penitenciárias federais.
- Representar ao juiz da execução ou autoridade administrativa
para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em - Órgãos Estaduais do Sistema Penal: Conforme determina a
caso de violação das normas de execução penal; Lei de Execução Penal (LEP), são órgãos da execução penal nos
- Representar à autoridade competente para a interdição de es- estados: o Juízo da Execução, o Ministério Público, o Conselho Pe-
tabelecimento penal; nitenciário, o Conselho da Comunidade, o Patronato e os departa-
- Opinar sobre matéria penal, processual penal e execução penal mentos penitenciários locais.
submetida à sua apreciação; Cada Unidade da Federação possui uma legislação específica
- Estabelecer os critérios e prioridades para aplicação dos recur- para a organização judiciária. É nestas normas que se explicitam as
sos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen – Decreto nº 5.834, varas existentes em cada comarca e suas atribuições. Normalmente,
de 6 de julho de 2006). nas comarcas maiores existem varas criminais e vara de execução
penal. O juiz da vara de execução penal é o responsável por todas
O Departamento Penitenciário Nacional, também vinculado ao as determinações e acompanhamento relativos ao cumprimento da
Ministério da Justiça, é o órgão executivo da política penitenciária pena pelo condenado, tomando decisões referentes a: progressão e
nacional. Deve zelar pela aplicação da legislação penal e das dire-
regressão de regimes, soma ou unificação de penas, remição, livra-
trizes emanadas do Conselho Nacional de Política Criminal e Peni-
mento condicional, saídas temporárias, revogação de medidas de se-
tenciária, o qual apóia administrativa e financeiramente. Tem como
gurança, conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva
principais competências:
de direitos, inspeção periódica dos estabelecimentos penais, entre
- Planejar e coordenar a política penitenciária nacional; outras competências delineadas na LEP. No caso de não haver vara
- Inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e específica de execução penal, a lei de organização judiciária indica o
serviços penais; juiz incumbido destas competências.
- Assistir tecnicamente às Unidades federativas na implementa-
ção dos princípios e regras da execução penal; A atuação do Ministério Público (MP) no que tange à execução
- Colaborar com as Unidades federativas, mediante convênios, penal está delineada na mesma lei. Seu papel é fiscalizar a execu-
na implantação de estabelecimentos e serviços penais e gerir os re- ção da pena e da medida de segurança, zelando pela regularidade
cursos do Funpen; dos procedimentos e correta aplicação da medida de segurança e da
- Colaborar com as Unidades federativas na realização de cur- pena. Entre outras competências, cabe ao MP requerer a conversão
sos de formação de pessoal penitenciário e de ensino profissionali- de penas, a progressão ou regressão de regimes, e a revogação da
zante do condenado e do internado; medida de segurança. O MP deve fiscalizar mensalmente os esta-
- Coordenar e supervisionar os estabelecimentos penais fede- belecimentos penais e pode interpor recursos de decisões proferidas
rais. pela autoridade judiciária.

Didatismo e Conhecimento 56
CRIMINOLOGIA
O Conselho Penitenciário é órgão consultivo, deve emitir pare- No caso de ato infracional praticado por adolescente, com idade
ceres sobre pedidos de indulto e de livramento condicional, e fisca- entre doze e dezoito anos, podem ser adotadas, além das supracita-
lizador da execução da pena, deve inspecionar os estabelecimentos das, as seguintes medidas, de acordo tanto com as circunstâncias e a
penais e supervisionar os patronatos e a assistência aos egressos. gravidade do ato como com as capacidades do adolescente:
Integrado por membros nomeados pelo governador de estado, entre
professores e profissionais da área e representantes da comunidade, - advertência;
sua função primeira está relacionada ao livramento condicional, so- - obrigação de reparar o dano;
bre o qual não apenas deve obrigatoriamente emitir parecer, indis- - prestação de serviços à comunidade;
pensável para a decisão do juiz, como pode protocolar diretamen- - liberdade assistida;
te o pedido. O Conselho Penitenciário de cada estado encaminha - inserção em regime de semiliberdade;
anualmente relatório ao Conselho Nacional de Política Criminal e - internação em estabelecimento educacional.
Penitenciária. Os conselhos penitenciários, criados originalmente
em 1924, estão hoje presentes em todas as Unidades da Federação.
A internação é medida excepcional, não pode ultrapassar três
O patronato é a instituição encarregada dos programas de as-
anos, e deve ser aplicada somente no caso de ato infracional come-
sistência aos egressos e também aos albergados. De acordo com
tido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por reiteração no
a LEP, pode ter caráter público ou privado, e tem também como
atribuições orientar os condenados a penas alternativas, fiscalizar as cometimento de outras infrações graves e/ou por descumprimento
penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim reiterado e injustificável de medida imposta anteriormente. O ado-
de semana, bem como colaborar na fiscalização do cumprimento das lescente deve ser recolhido em estabelecimento específico para esse
condições da suspensão e do livramento condicional. Na maior parte fim, que deve contar com atividades pedagógicas, educacionais e
dos estados, o patronato insere-se no sistema de execução penal, profissionalizantes.
enquanto órgão ligado ao Poder Executivo estadual. Mas sua pre-
sença ainda é muito limitada: segundo apuração do Departamento O Estado de Direito e o Sistema de Justiça Criminal no Brasil
Penitenciário Nacional (Depen), somente quatro estados possuem
patronatos atualmente. Para verificar o respeito ao Estado Democrático de Direito no
A LEP prevê, ainda, como um dos órgãos da execução penal, o Brasil pelos órgãos do sistema de justiça criminal é importante, pri-
Conselho da Comunidade, que deve existir em cada comarca e ser meiramente, debruçar-se sobre os fundamentos básicos para o siste-
composto por representantes da sociedade civil. Incumbe ao Con- ma. Na Constituição Federal está estabelecida uma série de direitos
selho visitar pelo menos mensalmente os estabelecimentos penais individuais e limites para o funcionamento do sistema de justiça cri-
existentes na comarca, entrevistar os presos, apresentar relatórios minal. São eles, entre outros:
ao Conselho Penitenciário e ao juiz da execução, e providenciar a
obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência - Direitos individuais e limites gerais: todos são iguais perante
ao preso. a lei; são invioláveis os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à
Alguns estados possuem ainda órgãos ligados ao Poder Execu- segurança e à propriedade; é proibida a tortura e o tratamento desu-
tivo encarregados da administração penitenciária, como é o caso das mano ou degradante; são invioláveis a intimidade, a vida privada,
Secretarias de Estado do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba. a honra e a imagem das pessoas; toda lesão ou ameaça de direito
No caso dos estabelecimentos penais administrados pelos esta- sempre pode ser apreciada pelo Poder Judiciário; é proibido juízo ou
dos, têm-se os seguintes tipos: tribunal de exceção; crimes e penas devem ser estabelecidos em lei
- Penitenciárias estaduais, destinadas à pena de reclusão em re- e só serão reprimidos a partir dela; o preso será informado de seus
gime fechado; direitos; aos presos deve ser assegurada a integridade física e moral;
- Colônias agrícolas, industriais ou similares, destinadas ao
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
cumprimento da pena em regime semiaberto;
processo legal; habeas corpus; as crianças e adolescentes são inim-
- Casas do albergado, para os condenados em regime aberto e
putáveis e estão sujeitos à legislação especial;
com pena de limitação de fim de semana;
- Centros de observação, onde são realizados exames gerais; - Direitos individuais e limites para ação e abordagem policial:
- Cadeias públicas, para o recolhimento de presos provisórios, a a casa é asilo inviolável do indivíduo; ninguém será preso senão em
LEP determina que cada comarca tenha pelo menos uma; flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
- Hospitais de custódia, destinados aos sentenciados para cum- judiciária competente; a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
prir medida de segurança. encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à
família do preso;
A Constituição Federal garante que crianças e adolescentes - Direitos individuais e limites no processo penal: nenhuma
com menos de dezoito anos de idade são penalmente inimputáveis pena passará da pessoa do condenado; a lei regulará a individuali-
(art. 228). Diante disso, em caso de cometerem infração, crime ou zação da pena; não haverá penas de morte, de caráter perpétuo, de
contravenção penal, devem se adequar às normas estabelecidas pelo trabalhos forçados, de banimento e cruéis; nenhum brasileiro será
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069, de 13 de extraditado; ninguém será processado nem sentenciado senão pela
julho de 1990). O ECA estabelece que ao ato infracional cometido autoridade competente; aos litigantes e aos acusados em geral são
por criança, com até 12 anos de idade, correspondem medidas de assegurados o contraditório e ampla defesa; ninguém será conside-
proteção como tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, in- rado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condena-
clusão em programa de auxílio à família, tratamento a alcoólatras ou tória; são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
toxicômanos, matrícula e frequência obrigatórias em escola, entre ilícitos; o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos
outras. que comprovarem insuficiência de recursos;

Didatismo e Conhecimento 57
CRIMINOLOGIA
- Direitos individuais e limites para o sistema penal: a pena Tais violações são classificadas por Costa em sete tipos de vio-
será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a na- lência policial: abuso da força letal, tortura, detenções violentas,
tureza do delito, a idade e o sexo do apenado; às presidiárias serão mortes sob custódia, controle violento de manifestações públicas,
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos intimidação e vingança.
durante o período de amamentação. Dispõem-se de poucos dados sobre violência policial. Não há
pesquisas de vitimização nacionais que tenham dimensionado o fe-
No Brasil, em complemento à norma constitucional, está em nômeno. Nas corregedorias de polícia (militares, civis, rodoviária
vigor um conjunto de atos multilaterais que estabelecem direitos in- federal e federal) são registrados casos de violações cometidas por
dividuais, limites e diretrizes para a atuação do Estado e do sistema policiais, mas não há uma sistemática de coleta, análise e divulga-
de justiça criminal: ção destas informações. Algumas ouvidorias de polícia estaduais e
- A Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Inter- secretarias de segurança pública divulgam números, e organizações
nacional sobre Direitos Civis e Políticos; da sociedade civil, como SOS Tortura e Comissão Teotônio Vile-
- O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos la, acompanham denúncias e colaboram na produção de relatórios,
Civis e Políticos; como o já citado do Núcleo de Estudos da Violência da USP, além
- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de daqueles produzidos por relatores especiais da ONU (United Na-
São José da Costa Rica); tions).
- A Convenção sobre os Direitos da Criança; Num dos poucos estados com informações facilmente acessí-
- A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas veis, São Paulo, registram-se fortes indícios de um constante abuso
Cruéis, Desumanos ou Degradantes; da força letal. Neste estado, no período 1996-2006, morreram 5.447
- O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros pessoas em conflito com a polícia, estando os policiais em serviço
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; ou em folga, isto é, uma média de 495 pessoas mortas por ano (Go-
- O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre os Di- verno do Estado de São Paulo). Além disso, morreram 503 policiais
reitos Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte; em serviço. Assim, somente as mortes envolvendo policiais (em ser-
- A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. viço ou não) e não policiais respondem por aproximadamente 4%
das mortes por agressão31 no período 1996-2005. Neste caso, não
Além deles, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a
fica configurado que as mortes de pessoas em conflito com policiais
Lei de Execução Penal, entre outras leis, estabelecem os parâmetros
ocorreram de forma ilegal. No entanto, mesmo que houvesse a cer-
e as bases para o funcionamento do sistema de justiça criminal, con-
teza de que todos os casos atendem aos requisitos da legítima defesa,
forme descrito na seção anterior.
surge o questionamento sobre se a operação policial respondeu da
Há uma vasta bibliografia no Brasil que trata do desrespeito
melhor maneira possível ao incidente que a provocou, ou seja, pro-
pelo Estado Brasileiro aos direitos individuais básicos na atuação do
curando preservar a integridade física de suspeitos, policiais e de-
sistema de justiça criminal.
mais cidadãos, e respeitando os princípios do uso da força: necessi-
Recentemente foram publicados quatro documentos que reú-
nem uma extensa lista de casos de violações aos direitos humanos dade, legalidade e proporcionalidade (Comitê Internacional da Cruz
cometidos por agentes dos órgãos pertencentes aos sistemas de jus- Vermelha). Os indícios de abusos aumentam quando se consideram
tiça criminal: os registros de denúncias recolhidas pela Ouvidoria de Polícia do
estado. O Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria de
- U.S. State Department, 2007; Polícia do Estado de São Paulo aponta que foram recebidas 3.809
- Nev, 2007; denúncias de homicídios que teriam sido cometidos por policiais de
- Amnesty International, 2007; 1995 a 2006 (Governo do Estado de São Paulo). No estado do Rio
- Human Rights Watch, 2007. de Janeiro, a situação também é grave: apenas entre janeiro e junho,
foram registrados 652 autos de resistência (Instituto de Segurança
Nestes documentos são citados casos recentes de violência po- Pública), que são, na realidade, mortes de civis em intervenções po-
licial e de péssimas condições de custódia em presídios. Além de liciais (Cano).
casos narrados, há críticas quanto à não-punição de responsáveis. Um fato que chamou grande atenção da opinião pública foram
Logo a seguir, serão tratados separadamente alguns problemas rela- as mortes ocorridas no período dos ataques atribuídos ao Primeiro
tivos à violência policial, ao acesso à defensoria pública e à situação Comando Capital em São Paulo. Segundo notícia da Ouvidoria de
das prisões, enquanto indicadores do respeito ao Estado de Direito. Polícia do Estado de São Paulo, houve 87 vítimas em 52 casos de
execução sumária no período de 12 a 21 de maio daquele ano. Em
Violência Policial: Há uma ampla gama de direitos e de proibi- onze casos, segundo a ouvidoria, há suspeitas de participação de
ções que podem ser violados na ação policial. Partindo apenas dos policiais (Governo do Estado de São Paulo).
direitos civis assegurados na CF, os suspeitos, os indiciados ou uma
pessoa qualquer podem ser alvos de vários tipos de excessos pas- Além dos homicídios já citados, a Ouvidoria de Polícia rece-
síveis de serem cometidos por agentes policiais e que violem sua beu, desde 1995, denúncias de: abuso de autoridade sem classifica-
integridade física e moral: tortura, violação da imagem, abertura ção específica (2.159 casos); agressão (468); constrangimento ile-
de correspondência e grampo telefônico sem autorização judicial, gal (431); invasão de domicílio (136); prisão (69); ameaça (1.518);
desrespeito à inviolabilidade do domicílio, detenção de civis sem tortura (834); agressão (799); lesão corporal (444); tentativa de ho-
mandado judicial ou flagrante delito, a demora na comunicação de micídio (274); maus tratos (177); abordagem com excesso (124);
prisões ao juiz e familiares, não informação ao detido sobre seus di- maus tratos a presos (32); superlotação carcerária (26); entre outras
reitos, vedação à assistência da família e de advogados ao detido etc. (Governo do Estado de São Paulo).

Didatismo e Conhecimento 58
CRIMINOLOGIA
A Ouvidoria de Polícia de São Paulo apresenta também núme- Não há informações, por exemplo, sobre uso de provas ilícitas
ros sobre os resultados dessas denúncias. De 1998 a 2006, de um ou sobre a utilização de elementos produzidos no inquérito policial
total de 22.279 denúncias contra policiais, houve os seguintes encer- como provas, sem que tenham passado por contraditório. Sem tal
ramentos (Governo do Estado de São Paulo): transparência o controle social fica muito prejudicado.
Um dos poucos direitos sobre os quais há informações de aces-
- 11.398 denúncias não confirmadas (51,16%); so é em relação à assistência jurídica, mesmo que só em relação às
- 3.992 denúncias procedentes (17,92%); Defensorias Públicas, órgãos responsáveis pela prestação de assis-
- 2.450 denúncias não apuradas (11,00%); tência jurídica integral e gratuita. Pesquisa realizada sobre a Defen-
- 1.848 denúncias improcedentes (8,29%); soria Pública no Brasil (Ministério da Justiça) mostra que cerca de
- 1.208 denúncias parcialmente procedentes (5,42%); 20% dos atendimentos realizados pelas defensorias são relativos à
- 280 denúncias não encaminhadas para nenhum órgão (1,26%); área criminal, o que corresponderia a um total aproximado de 1 mi-
- 84 denúncias retiradas a pedido do denunciante (0,38%); lhão e 300 mil atendimentos. As Defensorias Públicas, também pro-
- 68 denúncias encaminhadas a outros órgãos (0,31%); puseram 275.422 ações criminais – sem contar Ceará, Distrito Fede-
- 951 com outros encaminhamentos (4,27%). ral e a Defensoria Pública da União. Segundo o estudo, no entanto,
nem todas as comarcas têm acesso aos serviços de defensoria. Entre
Aqui o maior problema são as denúncias que nem sequer foram os estados pesquisados que possuem defensoria pública, o grau de
apuradas. Outra informação é que, de um total de 23.549 policiais cobertura é de apenas 37,7% das comarcas existentes.
denunciados à ouvidoria, 8.001 foram investigados e 4.923 punidos Além disso, em apenas seis Unidades da Federação todas as
(Governo do Estado de São Paulo). Infelizmente, não há informa- comarcas são atendidas (AC, AP, DF, MS, PB e RR). A situação é
ções mais detalhadas sobre as punições e os tipos de casos mais ainda agravada pelo fato de a Defensoria Pública da União (DPU)
punidos. estar presente em apenas 17,7% das comarcas.
Alguns operadores do direito também apontam violações em A pesquisa revelou também outras informações da capacidade
ações ordinárias das polícias. Em artigo, o juiz de Direito Sérgio de atendimento atual das defensorias:
Ricardo de Souza critica a falta de proteção à imagem, ao nome - Presença nas varas de execução penal: nos estados em que foi
e à honra de suspeitos e indiciados em operações realizadas pela implantada, a Defensoria Pública está presente nas varas de execu-
Polícia Federal. Segundo ele, (...) não há qualquer lei que autorize ção penal, à exceção do Pará;
a autoridade policial a submeter o suspeito ou mesmo o indiciado - Plantões regulares em delegacias de polícia: existente em ape-
(investigado) ao constrangimento de ser filmado ou fotografado pe- nas sete estados (AM, AP, CE, MS, PA, PI e RS). A DPU não realiza
los profissionais ligados aos meios de comunicação jornalística e, tais plantões;
acha-se patente que esse investigado não perde a sua condição de ser - Plantões regulares em unidades prisionais: constituído em de-
humano e a proteção constitucional a sua honra e imagem (CF, art. zesseis Unidades da Federação (AL, BA, CE, DF, ES, MS, MT, PA,
5º, incisos V e X). Logo, quando a autoridade que mantém a custó- PB, PE, PI, RJ, RO, RR, RS e SP). A DPU não realiza tais plantões;
dia dele vem a submetê-lo a tal constrangimento, age com manifesto - Plantões regulares em unidades de internação de adolescentes:
abuso de autoridade e em afronta à lei respectiva (...) (Souza). constituído em quatoze Unidades da Federação (AL, AP, BA, DF,
Outro abuso de autoridade criticado é a utilização banal do ba- ES, MS, PA, PB, PE, PI, RJ, RO, RR e RS). A DPU não realiza tais
culejo ou revista policial. Segundo artigo de Edison Miguel da Silva plantões;
Júnior, procurador de Justiça em Goiás, a revista policial só seria - Núcleos especializados no atendimento ao sistema prisional:
legal se há fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo objeto existentes em quatro estados (AC, CE, RJ e SP).
fruto de crime, de porte proibido ou de interesse probatório. Nessa
perspectiva, as blitz policiais com revistas aleatórias seriam ilegais A situação nas Prisões: Para a avaliação do sistema de exe-
(Silva Júnior). cução penal em relação ao respeito aos direitos civis previstos na
Constituição Federal, é possível prever os seguintes tipos de viola-
Acesso à Defensoria Pública ções dentro de estabelecimentos penais: tortura; tratamento desuma-
no ou degradante; violação de correspondência; exclusão de apre-
Também considerando os parâmetros constitucionais, os cida- ciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça de direito; restrições
dãos podem ser vítimas diante do Judiciário, entre outras, nas se- à assistência da família; ausência de assistência legal; violação da
guintes situações: não poder submeter à apreciação do Judiciário integridade física e moral; não separação de estabelecimentos penais
lesão ou ameaça de direito; não ter habeas corpus quando se achar segundo delito, idade e sexo; presidiárias cujos filhos não permane-
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de loco- çam consigo em período de amamentação, entre outros.
moção, por ilegalidade ou abuso de poder; não ter acesso a contra- A Lei de Execução Penal prevê ainda os seguintes direitos: ali-
ditório e ampla defesa; ter provas contra si que foram obtidas por mentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remu-
meios ilícitos; não ter recursos para custear um advogado e não dis- neração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionali-
por de assistência jurídica integral e gratuita. dade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recre-
ação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e
No entanto, a avaliação da atuação da Justiça criminal também desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena; assis-
é prejudicada pela falta de informações. Faltam pesquisas que veri- tência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; pro-
fiquem a qualidade do acesso à justiça criminal ou que identifiquem teção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal
violações de direitos que possam estar sendo cometidas nesse aten- e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira,
dimento. de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal;

Didatismo e Conhecimento 59
CRIMINOLOGIA
igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individuali- rado e duração excessiva, implicando violação à proibição do esta-
zação da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; belecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos
representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; ou degradantes, prevista nos instrumentos citados. Ademais, a falta
contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, de tipificação clara das condutas e a ausência de correspondência
da leitura e de outros meios de informação que não comprometam entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição decorrente,
a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido revelam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção adminis-
anualmente, sob pena de responsabilização da autoridade judiciária trativa, sendo, antes, uma tentativa de segregar presos do restante da
competente. Apesar da escassez de informações, é possível se for- população carcerária, em condições não permitidas pela legislação
mar um retrato da situação. (Ministério da Justiça).
Em termos de separação por idade e sexo, poucos são os esta- Além desse parecer, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)
dos que possuem estabelecimentos separados para o sexo feminino. está sendo discutido na Justiça. O Ministério Público de São Paulo,
Somente catorze contam com penitenciárias, dois possuem colônia no final de 2006, ingressou com recurso especial no Supremo Tribu-
agrícola, industrial ou similar, três possuem casa do albergado, e nal de Justiça e recurso extraordinário no STF para que seja anulado
nenhum possui cadeia pública ou hospital de custódia e tratamento um acórdão da 1a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São
psiquiátrico para mulheres. Por fim, estabelecimentos para presos Paulo que considerou inconstitucional o RDD.
maiores de 60 anos, conforme estabelecido pela Lei nº 9.460/97, são Nesta seção, destacou-se que os casos de violência policial, os
inexistentes. Com isso, o tratamento diferenciado a estes grupos fica limites do acesso aos serviços da Defensoria Pública e a situação nas
comprometido. prisões são indicadores importantes para demonstrar as falhas exis-
Os estabelecimentos existentes também apresentam déficit de tentes no respeito ao Estado de Direito pelo sistema de justiça cri-
vagas. Segundo dados do Ministério da Justiça, no sistema peniten- minal. Estas falhas não significam apenas desrespeito à Constituição
ciário havia, 105.075 condenados submetidos a medidas de segu- ou aos direitos humanos: elas tendem a acentuar a desigualdade so-
rança, e presos provisórios além da capacidade do sistema, que é de cial, como a existente entre réus que podem contratar um advogado
233.907. Este número já é maior que o déficit encontrado (Lemgru- e os demais, a desconfiança na polícia e a certeza de que os presídios
ber): 104.363 vagas. Além disso, indevidamente, há 58.721 presos não têm capacidade de tratar os infratores. Assim, as violações ao
sob responsabilidade da Polícia Civil. Assim, o sistema precisaria Estado de Direito contribuem também para reduzir a credibilidade
ampliar em 70% o número de vagas para zerar o déficit. no sistema de justiça criminal e a sua própria eficácia. No entanto,
A consolidação dos relatórios com informações estatísticas do não se pode deixar de reconhecer certos avanços nos últimos anos.
sistema prisional das Unidades da Federação permite notar a situa- A criação de ouvidorias de Polícia, por exemplo, tem sido im-
ção de mais alguns quesitos para sua avaliação (Ministério da Jus- portante para aumentar o controle social sobre as polícias. Nos últi-
tiça). No caso da saúde do preso, existiam 3,7 leitos ambulatoriais mos anos, as Defensorias Públicas foram instaladas em mais estados
por estabelecimento penal, pois 921 estabelecimentos informaram e a Defensoria Pública da União também foi expandida, permitindo
que contavam com 3.417 leitos. Em termos do respeito ao direito à aumento no atendimento aos cidadãos de baixa renda. Na área de
vida, a situação é preocupante. Faleceram dezesseis pessoas por mo- execução penal, a Lei nº 9.099/95 favoreceu a aplicação de penas
tivo criminal (em 921 estabelecimentos penais). Estas mortes que alternativas à prisão, contribuindo para impedir um maior aumento
ocorrem sob a custódia do Estado, além de constituírem uma marca na superpopulação carcerária.
clara de sua incapacidade para fazer cumprir a lei, indicam um clima
de insegurança nos estabelecimentos que em nada colabora para o O Sistema de Justiça Criminal e a Prevenção
objetivo de tratamento dos internos..39/
Uma pesquisa nacional realizada (Ministério da Justiça/FIR- O segundo parâmetro de avaliação do sistema de justiça cri-
JAN/SESI/PNUD) identificou outros problemas à época: minal está relacionado com seus objetivos finais, ou seja, a sua ca-
- 36% dos presos em delegacias eram condenados, contrariando pacidade de garantir o direito “à vida, à liberdade, (...) à segurança
as normas legais; e à propriedade” (CF, art 5o, caput), e prevenir os crimes definidos
- 4.355 condenados a regimes semiaberto e aberto cumpriam na lei brasileira. Assim, o problema para a política pública pode ser
pena em delegacias policiais, sem poder usufruir de benefícios como definido como a ocorrência de violações aos direitos à vida, integri-
trabalho externo e visita ao lar; dade física, liberdade, propriedade, e também enquanto toda uma
- apenas 70,6% dos presos recebiam visitas; aproximadamente gama de violências, como assédio moral, assédio sexual, violência
48% dos sistemas penitenciários estaduais não dispunham de cre- psicológica, violência de trânsito, violência doméstica, ameaças, cri-
ches para os filhos pequenos de mulheres presas. mes contra os direitos difusos (patrimônio histórico, meio ambiente
A execução penal sofre ainda suspeita de violar as previsões etc.) e outros crimes definidos no Código Penal.
constitucionais por meio de um instituto relativamente recente: o re- Nesse sentido, pode-se partir do pressuposto de que o objeti-
gime disciplinar diferenciado (Lei nº 10.792/03). As conclusões de vo final do sistema de justiça criminal é a prevenção. Mas antes de
parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária passar à avaliação da capacidade do sistema em fazê-lo, é preciso
do Ministério da Justiça apontam que: Diante do quadro examinado, detalhar este pressuposto.
do confronto das regras instituídas pela Lei nº 10.792/03 atinentes Considera-se que, por sua natureza, as ações do sistema de jus-
ao Regime Disciplinar Diferenciado, com aquelas da Constituição tiça criminal podem ser analisadas sob a ótica da prevenção. No caso
Federal, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e das Re- da punição, por exemplo, buscam-se dois resultados, entre outros.
gras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, Primeiro, defender e reforçar as leis, isto é, por meio das sanções
ressalta a incompatibilidade da nova sistemática em diversos e cen- negativas (penas) os infratores e a sociedade em geral são informa-
trais aspectos, como a falta de garantia para a sanidade do encarce- dos de que as infrações às leis são reprovadas e de que o Estado

Didatismo e Conhecimento 60
CRIMINOLOGIA
se encarrega de puni-las, dissuadindo novos crimes. O segundo re- A prevenção primária: Em termos de prevenção primária, po-
sultado almejado é a reinserção na sociedade, ou seja, no Brasil as de-se dizer que o sistema de justiça criminal age basicamente de três
penas visam ao tratamento do infrator, de maneira a que sua vida em formas. Primeiro, por meio do policiamento ostensivo.
sociedade se guie pelo respeito às leis. O policiamento realizado nas ruas, rodovias, ferrovias, flores-
Ao se propor a prevenção aos crimes como objetivo, a avalia- tas, rios, aeroportos, rodoviárias, ferroviárias etc., a guarda de repar-
ção da eficácia do sistema de justiça criminal é, no entanto, dificul- tições públicas, o policiamento de diversões públicas, a guarda ex-
tada. Os crimes são fenômenos sociais complexos e sua prevenção terna de estabelecimentos penais e a segurança de autoridades visam
em vários aspectos está fora da governabilidade do sistema. O crime inibir a ocorrência de crimes e violências. Parte-se do pressuposto
e a violência ocorrem num contexto em que os aspectos culturais e de que a presença policial aumenta o risco para qualquer pessoa que
sociais devem ser considerados. Os valores culturais ajudam a de- cometa infrações penais de ser presa em flagrante, assim como reduz
finir o que é violência e, no limite, quão reprováveis são os crimes a possibilidade de que uma briga ou tumulto resulte num dano mais
ou mesmo que grupos sociais são mais passíveis de serem alvo do sério. Assim, a ostensividade policial, por exemplo, em áreas/situ-
sistema. Nesse sentido, hoje em dia, por exemplo, o sistema é cada ações de forte concentração de pessoas (ruas movimentadas, even-
vez mais capaz de punir as lesões corporais domésticas (violência tos artísticos e esportivos, manifestações públicas) pode dissuadir
doméstica), pois as mudanças culturais na sociedade brasileira colo- a ocorrência de crimes. No entanto, é impossível garantir efetivos
caram em xeque o antigo padrão em que a violência interna familiar policiais em todos os lugares. De qualquer forma, o patrulhamento
estava fora das preocupações do espaço público. Também o crime e policial é um claro indicativo de que a população pode contar com
a violência podem ser favorecidos pelas condições sociais existen- o auxílio da polícia, como quando um crime esteja ocorrendo, e que
tes. Fortes desigualdades sociais, consumo de drogas legais, baixa a área não é completamente dominada por quadrilhas criminosas.
mobilidade social, fácil acesso a armas de fogo são fatores, entre Faltam, no entanto, informações públicas a respeito. Não há um
outros, que podem ter influência na ocorrência dos crimes. Há assim mapeamento no Brasil dos locais que podem contar com policia-
mudanças que têm lugar na sociedade, provocadas diretamente pelo mento ostensivo e ronda policial, tampouco sobre a qualidade deste
Estado ou não, que podem auxiliar (ou prejudicar) na prevenção da policiamento.
violência (ou dos crimes em geral) e que pouco têm a ver com o A segunda forma de atuação da prevenção primária se dá pela
sistema de justiça criminal. implementação e apoio aos programas educativos, como aqueles de
Além disso, a atuação da sociedade e do Estado vai muito além prevenção do uso de drogas.
do que é feito pelo sistema de justiça criminal. Os investimentos
sociais (educação, saúde, moradia, cultura, emprego, geração de O trabalho educativo realizado por Polícias Militares Estaduais
renda, saneamento básico etc.) e urbanos, o crescimento econômico, junto a adolescentes, no âmbito do Programa Educacional de Re-
a atuação de ONGs (atendimento de vítimas, trabalho com adoles- sistência às Drogas e à Violência (Proerd), e o apoio a projetos pela
centes em liberdade assistida, denúncia de violência policial etc.) e a Secretaria Nacional Anti-Drogas são alguns exemplos. Faltam, con-
resolução de conflitos pelas vias da justiça cível ou canais pacíficos tudo, pesquisas avaliativas para tais ações.
alternativos (projetos de justiça comunitária, por exemplo) podem
ter um impacto positivo forte na prevenção da violência. Nesse sen- O terceiro meio de atuação reside na própria capacidade do sis-
tido, tal sistema exerce um papel complementar nesta prevenção e tema de justiça criminal de punir. Aqui é a impunidade o problema.
é muito difícil isolar o impacto que ele produz, ao se tentar medi-lo, Considerando hipoteticamente que a punição dos crimes fosse total,
de outros provocados pelas ações dos demais atores, assim como o risco para quem comete crimes seria da ordem de 100%. No limi-
das mudanças no contexto que podem contribuir para uma redução te, só ocorreriam crimes nos casos de atos irracionais, desconheci-
da criminalidade. mento ou desafio à lei, ou quando os efeitos positivos obtidos com
De qualquer forma, este trabalho propõe-se a avaliar a atuação o crime fossem considerados pelos infratores superiores às penas.
desse sistema em três níveis de prevenção:
- Prevenção primária: “estratégia centrada em ações dirigidas A prevenção secundária: A prevenção secundária se refere,
ao meio ambiente físico e/ou social, mais especificamente aos fato- como se viu anteriormente, às ações dirigidas às pessoas mais sus-
res ambientais que aumentam o risco de crimes e violências (fatores cetíveis a praticar crimes e violências, mais especificamente aos fa-
de risco) e que diminuem o risco de crimes e violências (fatores de tores que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência destas
proteção), visando a reduzir a incidência e/ou os efeitos negativos de pessoas. Inscrevem-se na prevenção secundária ainda pessoas mais
crimes e violências” (Ministério da Justiça/FIRJAN/SESI/PNUD); suscetíveis de serem vítimas de crimes e violências. Os órgãos do
- Prevenção secundária: “estratégia de prevenção centrada sistema de justiça criminal podem atuar junto a grupos populacio-
em ações dirigidas a pessoas mais suscetíveis de praticar crimes e nais, nos quais a proporção de vítimas e infratores é superior à dos
violências, mais especificamente aos fatores que contribuem para demais grupos da população. Há aí um primeiro problema, qual seja,
a vulnerabilidade e/ou resiliência dessas pessoas (...), bem como a o de conhecer quais são esses grupos. Não há pesquisas de vitimiza-
pessoas mais suscetíveis de ser vítimas de crimes e violências”; ção nacionais e nem registros administrativos tratados atualmente a
- Prevenção terciária: “estratégia de prevenção centrada em ponto de permitir saber com foco e precisão em quais grupos popu-
ações dirigidas a pessoas que já praticaram crimes e violências, vi- lacionais se concentram vítimas e agressores por cada um dos tipos
sando a evitar a reincidência e promover o seu tratamento, reabi- penais. No entanto, pesquisa da Senasp (Ministério da Justiça), com
litação e reintegração familiar, profissional e social, bem como a dados de ocorrências policiais no Brasil, indica, para alguns crimes,
pessoas que já foram vítimas de crime e violências, visando a evitar as faixas etárias e sexo de vítimas e agressores. Segundo a pesquisa,
a repetição da vitimização e a promover seu tratamento, reabilitação o grupo com maior número de agressores é o de homens entre 18 e
e reintegração familiar, profissional e social”. 24 anos. Os números são:

Didatismo e Conhecimento 61
CRIMINOLOGIA
- Homicídios dolosos – 36,7% dos infratores com sexo e faixa Registro de crimes: O conhecimento das ocorrências de crime
etária informada; não depende apenas da polícia. A polícia não conta com um sistema
- Lesão corporal dolosa – 28,7%; de vigilância que lhe permita identificar a ocorrência da maioria dos
- Tentativa de homicídio – 35,4%; crimes. Os crimes que ela pode conhecer sem o auxílio da população
- Extorsão mediante sequestro – 40,9%; são aquelas ocorrências identificadas pelo trabalho de patrulhamen-
- Roubo a transeunte – 57,6%; to policial, por um sistema de vigilância por câmeras de vídeo que
- Roubo de veículos – 48,6%; pertença à própria polícia ou aqueles que eventualmente sejam des-
- Estupro – 34,1%; cobertos pelos policiais em serviço ou em folga.
- Atentado violento ao pudor – 19,6%; Uma maior coordenação de esforços com outros órgãos pú-
- Posse e uso de drogas – 42,1%; blicos (Ibama, Receita Federal, Controladoria Geral da União, Mi-
- Tráfico de drogas – 32,2%. nistério Público, conselhos, companhias de trânsito, penitenciárias,
hospitais, escolas, universidades etc.) e privados (bancos, concessio-
Já o grupo com maior número de vítimas depende do crime: nárias de rodovias, companhias de trânsito, empresas de segurança
- Homens entre 18 e 24 anos – no caso dos homicídios dolo- privada, ONGs etc.) pode também ajudar no conhecimento de cri-
sos (35,2%), tentativas de homicídio (31,1%), furto a transeunte mes. No entanto, o registro depende fundamentalmente de vítimas
(12,9%), roubo a transeunte (20,4%) e roubo de veículo (21,5%); e testemunhas que acionem a polícia. Uma baixa colaboração dos
- Mulheres entre 18 e 24 anos – no caso de lesões corporais cidadãos contribui para limitar a capacidade do sistema em punir.
dolosas (18,6%); Uma pesquisa aplicada nas cidades de São Paulo, Rio de Ja-
- Mulheres entre 30 e 34 anos, no crime de extorsão mediante neiro, Recife e Vitória apontou que o registro de ocorrência pela
sequestro (13%); população é baixo em geral (ILANUD/FIA/GSI). Com exceção dos
- Mulheres entre 12 e 17 anos – nos crimes de atentado violento crimes de roubo/furto de automóveis, para todos os crimes pesqui-
ao pudor (19,3%) e estupro (44,4%). sados (roubo, furto de algo dentro do carro, furto, agressão física,
agressão sexual, arrombamento e tentativa de arrombamento) não
Assim, fica claro que jovens, sejam como vítimas ou agresso- chegou a 40% a proporção de vítimas entrevistadas que registrou o
crime na polícia.
res, e mulheres merecem uma atenção especial de políticas de pre-
No entanto, a baixa notificação pode ser em parte relacionada
venção.
ao próprio desempenho do sistema de justiça criminal. Se a vítima
Um segundo problema é que o trabalho do sistema de justiça
não registra o crime porque teme retaliação do infrator, porque não
criminal pode ser altamente estigmatizador. O princípio da preven-
acredita que haverá persecução penal e condenação e quer evitar
ção, numa sociedade democrática de direito, não permite que de-
ainda se submeter a algum desrespeito no distrito policial, porque
terminados grupos populacionais (moradores de favela e periferias,
não reconhece a importância dos registros para a política de segu-
jovens, famílias monoparentais, sem-teto, sem-terra, moradores de rança pública, e porque enfrenta resistência da autoridade policial
rua, desempregados, apenados e egressos do sistema de execução para o registro de um crime, entre outros possíveis motivos, é res-
penal ou do sistema de medidas socioeducativas, entre outros) sejam ponsabilidade do sistema enfrentar esses empecilhos.
alvos de um trabalho de vigilância policial especial. Ao fazê-lo, as Áreas dominadas por quadrilhas de tráfico de drogas (Zaluar)
vulnerabilidades sociais, antes existentes ou não, podem se cons- e milícias parecem ser exemplos claros de que o sistema não gera
tituir ou se ampliar. O princípio prevê que se atue sobre os fatores a confiança necessária para que vítimas e testemunhas dos crimes
que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência, e não que se praticados por estes grupos venham a comunicá-los à polícia. Ape-
os fortaleça pela colocação desses indivíduos em suspeição. Nesse sar de existirem programas de proteção de vítimas e testemunhas,
sentido, este tipo de prevenção parece poder ser mais bem empreen- os crimes cometidos por tais quadrilhas na maioria das vezes não
dido dentro de políticas sociais e por seus atores clássicos: agentes são notificados. Também a falta de confiança prejudica a notificação
da saúde, assistentes sociais, educadores etc. Há, porém, programas dos crimes.
com características de prevenção secundária e terciária e que envol- Segundo pesquisa de opinião pública de agosto de 2005, 61%
vem ação policial e social. dos entrevistados não confiavam na Polícia e 51% não confiavam
Um exemplo é o Fica Vivo, um programa de controle de homi- no Poder Judiciário (IBOPE). No entanto, apesar desse quadro, duas
cídios em territórios definidos, com ações de prevenção e controle inovações parecem estar tendo impacto na notificação de crimes: as
da criminalidade, gerido pelo governo do estado de Minas Gerais Ouvidorias de Polícia e os serviços de disque-denúncia. As ouvido-
em Belo Horizonte (Andrade e Peixoto). rias estão em funcionamento em quatorze Unidades da Federação.
Elas parecem estar servindo para aproximar o sistema de justiça
A prevenção terciária: O foco maior de ação do sistema de jus- criminal da população. Primeiro, por receberem denúncias contra
tiça criminal é a prevenção terciária, ou seja, as ações dirigidas para policiais e indicarem que a Secretaria de Segurança Pública está pre-
pessoas que já praticaram crimes. O objetivo da ação do sistema é ocupada em punir os desvios. Segundo, porque a ouvidora é mais
evitar a reincidência e promover o tratamento, reabilitação e rein- um canal para notificação de crimes e para outras reclamações. A
tegração familiar, profissional e social do infrator. Nesse sentido, Ouvidoria de Polícia de São Paulo, por exemplo, recebeu 1.693 de-
para dar conta do fluxo crime-pena, reinserção social, a atuação do núncias de falta de policiamento, 1.585 solicitações de intervenção
sistema será avaliada nos seguintes subsistemas: polícias, justiça cri- em pontos de droga, 1.041 comunicações de crimes, 698 solicita-
minal e sistema de execução penal. ções de policiamento, 154 denúncias de morosidade no andamento
de polícia judiciária, e 69 denúncias de falta de recursos materiais,
Polícias: A atuação das polícias no que diz respeito à prevenção entre outros (Governo do Estado de São Paulo). Os números são
terciária envolve principalmente o registro do crime, sua apuração ainda baixos, talvez pela pouca confiança na polícia e reduzido co-
e as prisões. nhecimento da existência da ouvidoria.

Didatismo e Conhecimento 62
CRIMINOLOGIA
O disque-denúncia é um exemplo de parceria entre o Estado e A segunda fase é a que se dá com o inquérito policial instaura-
a sociedade. Ao garantir o anonimato do denunciante, o serviço pa- do. Segundo o Código de Processo Penal (CPP), a polícia deverá:
rece contribuir para o aumento de notificações e mesmo para outras garantir a preservação do local do crime; apreender os objetos rela-
ações do sistema, favorecendo o melhor desempenho policial. No cionados ao fato, depois de liberados pelos peritos; colher todas as
Rio de Janeiro, o disque-denúncia foi lançado em 1º de agosto de provas; ouvir o ofendido; ouvir o indiciado; proceder ao reconheci-
1995 e é mantido numa parceria entre o Movimento Rio de Combate mento de pessoas e coisas e realizar acareações; proceder ao exame
ao Crime e a Secretaria de Segurança Pública do estado. Segundo de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; ordenar a identi-
os responsáveis pelo projeto, o serviço atingiu, até 8 de agosto de ficação do indiciado e juntar aos autos sua folha de antecedentes;
2007, a cifra de 1.120.016 denúncias,40 e o projeto foi replicado em averiguar a vida pregressa do indiciado; produzir um relatório do
Pernambuco, Goiás, Espírito Santo, Ceará, São Paulo e Bahia. Em que tiver sido apurado; e enviar os autos ao juiz competente, entre
São Paulo, segundo o Instituto São Paulo contra a Violência, nos outras atribuições. Estes procedimentos não se aplicam a todos os
primeiros quatro anos de existência do serviço na Região Metropo- casos e podem variar conforme o tipo ou circunstância da infração.
Para uma avaliação dessa apuração faltam dados nacionais do nú-
litana de São Paulo, houve 1,6 milhão de denúncias.
mero de inquéritos policiais que permitem o início da ação penal,
mas há algumas pesquisas locais. Segundo uma delas, realizada em
O registro de crimes depende também de uma boa comunicação
Recife, de 8.778 casos de homicídio ocorridos no triênio 1998-2000,
entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, pois os crimes identificados apenas 356 casos foram encaminhados ao Ministério Público e, des-
nas chamadas ao serviço 190 da PM ou de outra forma pelos poli- tes, apenas 262 foram transformados em denúncia. Embora possam
ciais militares deveriam ser registrados nas delegacias de polícia. existir mais alguns casos que tenham sido levados adiante até os dias
Nesse sentido, o desempenho policial é comprometido se os todos de hoje, estes números indicam que apenas 3% dos casos de homi-
os crimes registrados no sistema 190 ou em talões de ocorrência da cídio chegaram à denúncia (Zaverucha). Outra pesquisa (Vargas),
PM não forem registrados em boletins de ocorrência da Polícia Civil com 444 casos de estupros registrados na Delegacia de Defesa da
ou em termos circunstanciados produzidos pela Polícia Militar. Mulher de Campinas (SP) entre 1988 e 1992, mostrou que, até 2000,
71% dos boletins de ocorrência foram arquivados e apenas 55% dos
Uma análise mais conclusiva da capacidade da polícia de co- inquéritos instaurados levaram à queixa-crime.
nhecer os crimesdepende da comparação do número de registros
com os resultados de pesquisas de vitimização. Contudo, atualmen- Realização de prisões: Em relação ao trabalho de prender, a
te, não há uma pesquisa de vitimização nacional disponível para se polícia pode efetuar a prisão em flagrante, cumprir os mandados de
efetuar tal avaliação. prisão expedidos pelas autoridades judiciárias e representar junto à
Justiça criminal acerca das prisões preventivas e temporárias. Em
Apuração dos crimes: O trabalho de apuração dos crimes en- síntese, são dois trabalhos: apreender pessoas e realizar adequada-
volve levantar informações sobre uma infração e sua autoria. A Polí- mente os procedimentos formais para que a privação de liberdade
cia Civil e a Polícia Federal realizam esta apuração como uma rotina atenda aos requisitos legais.
comum, e a Polícia Militar, somente em caráter excepcional, como No caso de São Paulo, foram registradas 90.935 prisões e 7.980
nos casos de crimes cometidos por policiais militares e para o regis- apreensões, que resultou num total de 85.875 pessoas presas em
tro de termos circunstanciados. flagrante, 42.260 presas por mandado, além de 10.845 adolescen-
tes apreendidos em flagrante e 1.478 adolescentes apreendidos por
O desempenho policial pode ser medido pela proporção de mandado (Governo do Estado de São Paulo). A proporção de prisões
crimes registrados pelas polícias que chegam até a denúncia (ou por total de ações com objetivo de prender e apreender seria um bom
queixa-crime) nos procedimentos ordinários ou sumários da Justiça indicador para avaliar o sucesso destas operações. Não há, entretan-
to, no caso de São Paulo, registros de quantas tentativas de prisão fo-
criminal relativos aos casos de crimes comuns, ou até a audiência
ram frustradas ou do total de ações destinadas a este fim. Verifica-se
preliminar de procedimento sumaríssimo nos casos de infração de
aqui um problema maior, porque em casos de crimes como o tráfico
menor potencial ofensivo. Quanto maior a proporção, mais eficaz a
de drogas, a corrupção policial tende a impedir tanto o registro do
ação da polícia. Pode-se dividir a apuração em três fases: pré-inqué- crime quanto a prisão em flagrante.
rito, durante o inquérito, e após o inquérito. Quanto ao cumprimento de mandados de prisão, indicadores
de desempenho seriam um baixo estoque de mandados de prisão a
A primeira fase de apuração pela Polícia Judiciária ocorre em cumprir e um curto tempo para a realização da prisão. No entanto,
geral nos casos de comunicação de crimes pelo ofendido, seu repre- estas informações não estão disponíveis.
sentante, uma pessoa do povo ou uma instituição (Receita Federal, O outro trabalho é a preparação dos documentos necessários
por exemplo). Nestes casos, é do poder discricionário do delegado para representar junto ao Judiciário as prisões preventivas e tempo-
de polícia a decisão de instaurar inquérito policial, ou produzir ter- rárias. A avaliação deste trabalho dependeria, entre outros requisitos,
mo circunstanciado. Se crimes registrados não levarem a inquérito de se ter informações sobre a proporção de prisões sancionadas pelo
policial ou termo circunstanciado, a eficácia do sistema estará sendo Judiciário frente ao total de representações apresentadas.
comprometida. No caso de São Paulo, por exemplo, foram registra- Tais dados são inexistentes atualmente. Em suma, deve-se des-
dos 1.977.149 delitos. No mesmo ano, foram produzidos 295.316 tacar que a eficácia do trabalho policial depende da ajuda da popu-
termos circunstanciados e instaurados 313.457 inquéritos policiais lação e de órgãos públicos ou privados. As informações disponibili-
(Governo do Estado de São Paulo). Assim, numa estimativa, um zadas por vítimas, testemunhas e organizações são fundamentais no
terço das infrações penais notificadas deram início a procedimentos registro e apuração de crimes e na detenção de infratores. Um maior
administrativos, o que indica que a capacidade de apuração inicial incentivo a esta colaboração depende da própria polícia e do sistema
das infrações penais é limitada. de justiça criminal.

Didatismo e Conhecimento 63
CRIMINOLOGIA
A repressão à violência e à corrupção policial, uma maior apro- Esta política está fortemente regulamentada e descrita na Lei de
ximação com a comunidade e a redução da impunidade podem au- Execução Penal (LEP), que estabelece, entre outras diretrizes, o tipo
mentar a confiança da população nas instituições deste sistema. A de tratamento que deve ser dado ao apenado, visando à sua reinser-
implantação de ouvidorias de polícias nos últimos anos, as parcerias ção social. Entre os seus instrumentos estão:
com ONGs em projetos como disque-denúncia e Fica Vivo, a maior - Estabelecimentos penais: penitenciária; colônia agrícola, in-
divulgação das informações sobre a ação policial, assim como a im- dustrial ou similar; casa do albergado; centro de observação; hospi-
plantação de projetos de policiamento comunitário são iniciativas tal de custódia e tratamento psiquiátrico; e cadeia pública;
existentes em alguns estados que favorecem um melhor desempe- - Órgãos da execução penal: Conselho Nacional de Política
nho policial. Criminal e Penitenciária, Juízo de Execução, Ministério Público,
Conselho Penitenciário, Departamento Penitenciário, Patronato e
Processo e Justiça Criminal: Neste item, o foco principal é a Conselho da Comunidade;
atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário na área crimi- - Assistência ao egresso (liberado definitivo e o liberado con-
nal. Em termos práticos, o desempenho ótimo do Ministério Público dicional): orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade,
estará em alcançar a condenação ou medida de segurança no máxi- concessão de alojamento e alimentação por até quatro meses, auxílio
mo de casos em que for proposta ação penal, para todos os réus e para a obtenção de trabalho;
na pena que foi pedida, e atuar com celeridade de forma a evitar a - Assistência ao preso: material (alimentação, vestuário e ins-
prescrição de crimes. talações higiênicas), à saúde (atendimento médico, farmacêutico e
Já para o Poder Judiciário, o bom desempenho reside, por odontológico), jurídica, educacional (instrução escolar e formação
exemplo, em impedir a prescrição de crimes, atuar rapidamente na profissional), social (recreação, orientação, amparo à família) e re-
resposta aos pedidos de autorização de ações policiais, e ter um nú- ligiosa;
mero reduzido de casos em que sejam reconhecidas nulidades for- - Trabalho: o trabalho deve ter finalidade educativa e produtiva,
mais em recursos a sentenças. objetivando a formação profissional do condenado. O produto da
Há poucas pesquisas e dados sobre a matéria. Contudo, os já remuneração deverá atender: à indenização dos danos causados pelo
existentes apresentam um quadro bastante preocupante. Uma pes- crime; à assistência à família; a pequenas despesas pessoais; ao res-
quisa recente (Cano) estimou que na cidade do Rio de Janeiro, ape- sarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do
nas 21% dos processos de homicídio que chegaram a uma sentença condenado; e à constituição de pecúlio.
em primeira instância resultaram em condenação. Nestes dois anos, A avaliação ficará concentrada na existência dos estabeleci-
de um total de 5.652 processos, 1.178 (20,8% do total) resultaram mentos penais, na existência e atuação dos órgãos de execução pe-
em sentença condenatória. Segundo o autor, em todos os outros ca- nal, na assistência ao preso, na quantidade de presos trabalhando e
sos houve impunidade. Em outros 785 processos, por exemplo, a na aplicação de penas alternativas.
sentença foi absolutória (13,9%). Isto pode significar que um ino- Após 22 anos da sanção da LEP, há estados que ainda não pos-
cente não foi punido, mas indica certamente que o culpado também suem todos os estabelecimentos penais para os presos provisórios,
não o foi. Fica então a suspeita de que o Ministério Público possa ter condenados à pena restritiva de liberdade ou submetidos à medi-
despendido esforços num caso em que a materialidade do delito ou da de segurança (penitenciária, cadeia pública, casa do albergado,
a autoria não estavam claros, ou que o júri tenha, apesar de provas colônia agrícola, industrial ou similar, e hospital de custódia e tra-
em contrário, optado pela absolvição. tamento). Segundo dados do Ministério da Justiça, alguns estados
Problema maior parece ser o que envolve os 770 casos (13,6%) possuem apenas um tipo de estabelecimento penal: é o caso do Acre
em que o processo foi extinto por prescrição. Isto indica provavel- e do Amapá.
mente uma incapacidade do Judiciário, do Ministério Público e da Apenas cinco estados (AM, CE, PA, PE e RJ) possuem todos os
Polícia Civil de imprimir maior celeridade ao processo. estabelecimentos penais. Porém, nem todos eles cumprem a exigên-
Segundo a pesquisa supracitada realizada em Recife, de 356 cia de uma cadeia pública e uma casa de albergado por comarca.49
casos de homicídio e encaminhados ao Ministério Público, apenas A própria existência de instituições classificadas como presídios no
262 foram transformados em denúncia, ou seja, 73,6% dos casos quadro produzido pelo Depen parece indicar que nesses locais há
(Zaverucha), e isto não significa que houve ou haverá sentença tran- diversos tipos de internos. Em relação à existência de órgãos de exe-
sitada em julgado para todos os casos. cução penal, algumas informações disponíveis são de uma pesquisa
já citada neste texto (Ministério da Justiça). Segundo seus resulta-
Sistema de Execução Penal: O objetivo maior do sistema de dos, apenas 16,7% dos estados possuíam patronatos e 61% dos esta-
execução penal está em evitar a reincidência e promover o trata- dos tinham conselhos da comunidade. A inexistência de patronatos
mento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social dos compromete a assistência aos albergados e egressos e a orientação
apenados. Um importante indicador de resultado é a taxa de reinci- aos condenados à pena restritiva de direitos, comprometendo a rein-
dência, isto é, o número de apenados ou ex-condenados que voltam serção social. Além disso, sem o patronato, a própria aplicação de
a cometer um crime. penas alternativas, suspensão de pena e livramento condicional tam-
Entretanto, não há números nacionais sobre a reincidência no bém fica comprometida, pois, segundo a lei, este órgão é responsá-
Brasil. O único número disponível é a proporção de reincidentes na vel por fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à
população prisional, que estaria em torno de 42,3%.47 Assim, a ava- comunidade e de limitação de fim de semana, e por colaborar na fis-
liação do sistema pode passar pela verificação do seu desempenho. calização das condições da suspensão e do livramento condicional.
Uma forma de fazê-lo é considerar se o apenado está cumprindo a Quanto ao monitoramento das unidades prisionais, a pesquisa
pena de acordo com os parâmetros estabelecidos pela política de constatou que os estados não contavam com a atuação de cada um
execução penal. dos órgãos de execução penal:

Didatismo e Conhecimento 64
CRIMINOLOGIA
- os conselhos de comunidades atuavam em 52,2% dos estados; vem sendo usada como cela. Visitamos diversas galerias e celas nas
- o Ministério Público da Vara de Execuções Penais, em 87,5%; quais constatamos, sem qualquer dificuldade, a precariedade do es-
- o Juízo da Vara de Execuções, em 91,7%; tabelecimento, sempre para falar o menos. A saber: solário sem gra-
- o Conselho Penitenciário Estadual, em 79,2%; v) o Depen, des; restos de alimentação com água para fermentar bebidas; celas
em 56,5%; com quatro beliches sem chuveiros; estoques; peças de ventiladores
- o CNPCP, em 36,4%. para potencializar os celulares; buracos de toda espécie, inclusive
para vigiar os policiais; vergalhões que servem como armas; inter-
O mesmo estudo também trouxe resultados sobre a assistência ligação de galerias e alas; buracos no chão, que se comunicam com
ao preso. Segundo ele, apenas 17,3% dos presos estavam envolvi- o pátio de visita; enfim, locais de toda espécie para esconder armas,
dos em alguma atividade educacional, comprometendo a sua futura drogas, baratas e roedores. Na área externa das galerias, vimos duas
reinserção social. quadras de futebol; ala de visitas com canos aparentes e locais ala-
Além disso, com base nos questionários e visitas realizadas, gados. Para visita íntima, que se dá aos sábados, não existe qualquer
concluiu-se que, apesar de 88% dos estados informarem que havia controle para DST, e as visitas familiares, que deveriam acontecer
distribuição de material de higiene nos seus sistemas penitenciários aos sábados, ocorrem aos domingos, em local desapropriado e insa-
e 40% sustentarem que distribuíam vestuário e roupa de cama, tal lubre. Enfim, um verdadeiro caos! (Ministério da Justiça).
distribuição, em geral, não era regular. No caso das penas alternativas, há pouca informação disponível
No que tange ao trabalho de presos, num total de 1.076 esta- sobre a situação atual de aplicação dessas penas. Segundo relatório
belecimentos cadastrados pelo Sistema Integrado de Informações de avaliação do Programa Modernização do Sistema Penitenciário
Penitenciárias, Infopen (Ministério da Justiça), mais de novecentos Nacional, cerca de 170 mil penas e medidas alternativas estão sendo
estabelecimentos penais informaram sobre o total de pessoas em cumpridas, envolvendo 39 centrais de penas e medidas alternativas,
programas de laborterapia, dentro ou fora do estabelecimento penal, 56 núcleos de apoio no interior dos estados, e sete varas judiciais
somando um total de 77.030 pessoas em tais programas. especializadas (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão).
Apesar de poder haver outros em laborterapia, nos mais de 100 Segundo o Ministério da Justiça, 527 municípios e o Distrito Federal
estabelecimentos que não informaram, este valor representa apenas desenvolvem trabalhos nesta área. O documento, no entanto, não
18% do total da população em custódia. apresenta a informação sobre se há aplicação de penas e medidas
Mesmo com os avanços produzidos pelo Depen na produção de alternativas em todas as comarcas. Outra dúvida é se a aplicação
informações, falta um diagnóstico nacional mais abrangente dos es- destas penas e medidas está sendo comprometida pela falta de in-
tabelecimentos penais para demonstrar a situação do cumprimento fraestrutura, como a falta de patronatos mencionada anteriormente.
das penas restritivas de liberdade. Para trazer um dado atualizado so- Por fim, cabe ser analisado o trabalho com os egressos das pe-
bre a situação em um desses estabelecimentos penais, optou-se por nas restritivas de liberdade para verificar a sua eficácia na reinserção
citar trecho extraído do Relatório de Inspeção no estado do Espírito social do apenado. Segundo prevê a LEP, o egresso deve receber,
Santo (Ministério da Justiça), no qual os conselheiros do CNPCP se necessário, alojamento e alimentação pelo prazo de dois meses,
relatam a visita a um presídio de segurança máxima: e o serviço de assistência social deverá colaborar para que o egres-
so obtenha trabalho. Não há, no entanto, informações disponíveis
Trata-se de prédio novo, com menos de 4 (quatro) anos de sobre o número de egressos atendidos e nem sobre a qualidade do
construção, que causou péssima impressão (...) porque praticamente atendimento.
destruído (para não falarmos destruído totalmente) em seu interior,
conforme se vê nas fotografias e filmes em anexo. O estabelecimen- Procedimento no rito ordinário ou processo comum. Aplica-
to de regime fechado é (...) destinado somente a homens. Possui -se a crimes punidos com reclusão.
capacidade para 520 (quinhentos e vinte) presos, sendo que a sua
lotação, no dia da inspeção, era de 613 (seiscentos e treze) presos Oferecimento da denúncia ou queixa com rol de testemunhas
provisórios (sim, presos provisórios) e condenados. A unidade não de acusação. → Recebimento da denúncia ou queixa; juiz designa
possui celas individuais, apresentando um consultório médico e data para interrogatório e manda citar o réu. → Citação do réu. →
uma enfermaria e uma área para isolamento de presos tuberculosos. Interrogatório do acusado. → Defesa prévia com rol de testemu-
Exclama-se que os presos-pacientes ficam no chão, na ausência de nhas. → Audiência das testemunhas de acusação. → Audiência das
acomodações apropriadas. Exclama-se, ainda, que constatamos a testemunhas de defesa. → Prazo para diligências das partes (24 ho-
presença, naquele dia, de dois paraplégicos e de duas auxiliares de ras para cada parte). → Alegações finais. → Diligências ex officio.
enfermagem. O médico somente atende a unidade duas vezes por → Sentença.
semana, não possuindo os referidos locais de atendimento médico
condições higiênicas mínimas. Ao revés. São elas deploráveis. Ade- Procedimento no rito sumário. Aplica-se a crimes punidos
mais, não são realizados trabalhos de prevenção ou controle de do- com detenção, prisão simples ou multa.
enças infecto-contagiosas e de doenças sexualmente transmissíveis
(DST). Sobreleva-se informar que não há atividades educacionais e Oferecimento da denúncia ou queixa com rol de testemunhas
a parte cultural é desenvolvida, tão-só, por grupos religiosos. (...) Na de acusação (máximo de cinco). → Recebimento da denúncia pelo
entrada do presídio encontramos três presos contidos num lugar que, juiz, que designa data para interrogatório e manda citar o réu. →
a princípio, deveria ser destinado unicamente ao guarda-volumes, Citação do réu. → Interrogatório do réu. → Defesa prévia com rol
mas, em razão da superpopulação carcerária, vem sendo utilizado de testemunhas de defesa (máximo de cinco). → Audiência das tes-
como cela; bem como cerca de 25 (vinte e cinco) presos na cela que, temunhas de acusação. → Despacho saneador. → Audiência das
a rigor, só deveria ser de passagem, mas que, pelas mesmas razões, testemunhas de defesa, debates e julgamento.

Didatismo e Conhecimento 65
CRIMINOLOGIA
Procedimento nos crimes de competência do Tribunal do Júri 2) Audiência de instrução e julgamento. Iniciada a audiência,
Aplica-se aos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consuma- haverá nova tentativa de conciliação. → Não havendo conciliação,
dos. o defensor irá responder à acusação. → O juiz receberá a denúncia
ou queixa – caso o juiz não a receba, caberá apelação, no prazo de
1ª fase – Instrução criminal (Vara Auxiliar do Júri) dez dias, que será julgada pela Turma Recursal do JECrim. → Serão
ouvidas a vítima, as testemunhas de acusação e as testemunhas de
Oferecimento da denúncia com rol de testemunhas de acusa- defesa, nesta ordem. → Interrogatório do acusado. → Debates orais,
ção. → Recebimento da denúncia pelo juiz, que designa data para no prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, para cada
interrogatório e manda citar o réu. → Citação do réu. → Interroga- parte. → Sentença.
tório do acusado. → Defesa prévia com rol de testemunhas. → Au-
No caso de ação penal pública:
diência das testemunhas de acusação. → Audiência das testemunhas
de defesa. → Prazo para diligências das partes (24 horas para cada
1) Audiência preliminar
parte). → Alegações finais. → Diligências ex officio – não poderão
ser acrescidas novas provas. → Sentença do juiz: de pronúncia, im- a) Ministério Público propõe acordo:
pronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. - nos crimes apenados com multa ou cuja pena máxima não
ultrapasse um ano → aplicação imediata da multa. Nos crimes cuja
No caso de pronúncia, o réu será submetido ao julgamento pelo pena mínima não exceda um ano → suspensão do processo pelo
júri, que constitui a 2ª fase, descrita a seguir. Em caso de sentença de período de dois a quatro anos. → O acusado aceita o acordo. A acei-
impronúncia (quando os indícios não forem suficientes para remeter tação do acordo não implica reconhecimento → de culpa nem terá
o réu ao júri), o processo é encerrado. No entanto, como não há um efeito para reincidência. → O juiz homologa o acordo
julgamento de mérito pelo juiz, caso surjam novas evidências, novo
processo poderá ser instaurado. A sentença de absolvição advém de b) Se não houver proposta de acordo por parte do Ministério
um julgamento de mérito pelo juiz, à qual cabe recurso pela acu- Público, o promotor fará denúncia oral, que será reduzida a termo.
sação. A desclassificação ocorre quando o juiz entende que não se → O juiz marca data para audiência de instrução e julgamento. →
trata de crime doloso contra a vida, não sendo portanto competência Estando o acusado presente, receberá uma cópia da denúncia, →
do júri. Neste caso, o processo é encaminhado ao juiz competente. sendo considerado citado e cientificado da data da audiência. → Se
o acusado não estiver presente na audiência preliminar, deverá ser
2ª fase – Tribunal do Júri (Plenário) citado pessoalmente. →

2) Audiência de instrução e julgamento – conforme procedi-


Libelo acusatório, com rol de testemunhas de acusação. →
mento da ação privada.
Contrariedade do libelo, com rol de testemunhas de defesa. → De-
saforamento (transferência do julgamento para outra comarca), se
necessário. → Determinação da data de julgamento e intimação das
testemunhas. → Convocação do júri. → Exortação (juramento dos - CRIMINOLOGIA E O PAPEL
jurados). → Interrogatório do réu. → Relatório do juiz. → Inquiri- DA POLÍCIA JUDICIÁRIA.
ção das testemunhas de acusação. → Acareação, se necessário. →
Debates orais. → Elaboração e leitura dos quesitos. → Votação –
dos quesitos pelos jurados, de forma secreta e sem intervenções das As instituições policiais, de um modo geral, representam o po-
partes. → Sentença: absolutória, condenatória ou desclassificatória. der de polícia do Estado. A Carta Magna brasileira, em seu art. 144 e
parágrafos, capitula as diversas instituições policiais que compõem
Procedimento sumaríssimo. Aplica-se a infrações penais (cri- a segu­rança pública estatal em todas suas esferas, definindo expres-
mes e contravenções) cuja pena não ultrapasse dois anos. samente suas atribuições. Tal dispositivo constitucional delineia
nitida­mente a existência de dois tipos de polícia: a administrativa
No caso de ação penal privada: e a judiciária.

1) Audiência preliminar. Estando presentes o autuado e a víti- À polícia judiciária compete a apura­ção das infrações penais
(exceto as mili­tares), o que ocorre por meio do que se denomina
ma, ambos assistidos por seus advogados, haverá tentativa de con-
“investigação preliminar” ou “investigação criminal”, formalizada
ciliação, conduzida pelo juiz, que consiste na composição dos danos
por meio do inquérito policial.
sofridos pela vítima. → Havendo conciliação, a composição dos
danos será reduzida a termo e homologada pelo juiz. → O acordo Não obstante a previsão constitucio­nal (explícita ou implíci-
homologado é irrecorrível e implica renúncia ao direito de queixa ta) da prática de atos de investigação por outros entes fe­derativos,
ou representação do ofendido. → Não havendo acordo, a vítima po- tal como ocorre nos inquéritos policiais militares, inquéritos civis
derá oferecer a queixa oralmente, na própria audiência preliminar, públi­cos, Comissões Parlamentares de Inqué­rito e processos admi-
ou fazê-lo em outro momento, sendo, então, designada data para nistrativos discipli­nares, vislumbra-se nítida a divergência entre o
audiência de instrução e julgamento, devendo o acusado ser citado sujeito e/ou a finalidade de tais procedimentos e do inquérito poli-
pessoalmente. → cial.

Didatismo e Conhecimento 66
CRIMINOLOGIA
Nesta senda cabem exclusivamente à polícia judiciária a apu- Atribuições Constitucionais de Polícia Judiciária
ração de fatos delituosos e a coleta preliminar dos ele­mentos de
prova que sustentarão a viabi­lidade ou não do subsequente proces- O poder de polícia, a cargo da Ad­ministração Pública, é exer-
so penal – meio instrumentalizador do di­reito de punir do Estado. cido por duas modalidades de polícias distintas: a admi­nistrativa e
Deve, portan­to, a fase preliminar do jus puniendi ser realizada por a judiciária. Os objetos dessas polícias são distintamente previstos
ente imparcial e extrínseco ao futuro processo penal, com a perfeita tanto na Carta Magna quanto na legislação ex­travagante. Cada qual
separação entre o Estado-investigador, Estado-acusador e Estado- persegue fim dife­rente, apresentando como traço diferen­ciador o
-julgador, ga­rantindo e preservando o exercício dos direitos funda- fato de a polícia administrativa atuar preventivamente para evitar
mentais do cidadão por meio da salvaguarda de princípios como do que o crime aconteça e de a polícia judiciária dirigir a investigação
devido processo legal e da segurança jurídica, norteadores do Estado criminal, buscando a elucidação dos delitos já cometidos.
democrá­tico de Direito. É à polícia judiciária, formada pelas polícias civis estaduais e
federal, que cumpre reprimir a prática de infrações penais, conforme
O poder de Polícia do Estado e a Polícia Judiciária: Breve preleciona o art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal.
Evolução Histórica Dessa leitura, extrai-se, com clarivi­dência, a ordem constituinte
de outorgar poder investigatório, quando voltado para a apuração
O poder de polícia do Estado teve origem na Idade Média, du- de delitos, com exclusi­vidade à polícia judiciária. Na mesma linha
rante o período feudal, em que o príncipe era de­tentor de um poder seguiu a legislação infraconstitucional, especialmente o Có­digo de
conhecido como jus politiae. Esse poder compreendia uma série de Processo Penal em seu Título II ao trazer regramento ao inquéri-
normas postas pelo príncipe ao povo, sem haver, no entanto, sua to policial, ins­trumento formalizador da investigação criminal. Por
própria subsunção a qualquer regramento (Mo­raes). toda sua extensão, ao tratar da matéria, menciona o estatuto a figu-
ra da autoridade policial, referindo-se ao delegado de polícia como
Com o surgimento do Estado de Di­reito, baseado nos princípios o representante estatal legitimado a presidir todos os atos investi­
do libera­lismo, inaugura-se nova fase de organi­zação social, tendo gativos preliminares.
Importa frisar que a investigação preliminar tem por escopo
como princípio básico a legalidade, em que o próprio Estado se sub-
elucidar um evento criminoso, verificando sua real existência e/ou
mete às leis por ele mesmo impostas.
materialidade e buscando a identificação de seu autor. To­davia, a
atuação da polícia judiciária, sendo pré-processual, deve ater-se à
Nesta seara, o poder de polícia do Estado tem por objetivo man-
coleta de todas as provas necessárias à elucidação do fato, sirvam
ter a ordem pública, de acordo com as suas finali­dades, estabelecen-
estas ou não à acusação. Tem, por fim, o inquérito policial – como
do restrições que se oponham à política do Estado e atentem contra
instrumento de investigação preliminar − a for­mação de convicção
a ordem e a segurança da coletivi­dade em geral, quer em caráter
por parte do Estado-acusador e, de modo determinante, do Estado-
preventi­vo, quer em caráter repressivo.
-julgador acerca da existência ou não de um processo criminal.
Neste sentido preleciona Lopes Júnior: Con­cluindo, para que
Vale a lição de Frederico Marques: O Estado quando pratica a razão predomine sobre o poder, é neces­sário que a denúncia ou
atos de investigação, após a prática de um fato delituoso, está exer- queixa venha acompanhada de um mínimo de provas, mas suficien-
cendo seu po­der de polícia. A investigação não passa do exercício tes para demonstrar a pro­babilidade do delito e da autoria afirma-
do poder cautelar que o Esta­do exerce, através da polícia, na luta dos, para motivar e fundamentar a decisão do juiz de receber ou
con­tra o crime, para preparar a ação penal e impedir que se percam não a acusação e nisso reside a importância da investigação preli-
os elementos de convicção sobre o delito cometido. minar: fornecer elementos de convicção para justificar o processo
ou o não-processo, evitando que acusações infundadas prosperem.
Entretanto, a consolidação do combate ao crime como atividade Encontra-se disseminado o entendimento doutrinário e juris-
eminentemente estatal deu-se ao longo de 300 anos, entre os séculos prudencial de que o inquérito policial configura peça me­ramente
XVII e XIX. O ápice desse pro­cesso histórico e sociológico ocorreu informativa, reforçando sua prescindibilidade para instauração da
com a criação de desenhos institucionais, em que o poder de polícia, ação penal. Todavia, ao longo dos anos, a reali­dade prática tem mos-
especialmente no que tange à prevenção e repressão crimi­nal, apa- trado que raríssimas são as ações penais interpostas sem o auxílio e
rece dissociado da figura direta do representante físico do Estado. provas alcançados pelo inquérito po­licial e inúmeros os julgamentos
cuja condenação se baseava, quase com exclusividade, nas provas
No Brasil a noção de polícia teve sur­gimento ainda no período produzidas pelo caderno investigativo. A nova redação dada ao art.
colonial com a figura dos alcaides que, vinculados aos juízes, exer- 155 do CPP, pela Lei nº 11.690/082, proibindo de forma expressa o
ciam as funções de polícia ad­ministrativa e judiciária. Ditas funções juiz de conde­nar exclusivamente com base nas provas produzidas na
só foram tomar feições distintas a partir do século XIX, tendo marco fase investigativa (salvo as não-repetíveis, antecipadas ou advindas
histórico a criação da polícia judiciária no ano de 1841, com a pro- de medidas cautelares) atesta o que a prática, à inexistência de nor-
mulgação da Lei nº 261, que instituiu o cargo de delegado de polícia mativa expressa, vinha operando.
seguida pelo Regulamento 120/1942, que dividiu a polícia em admi- A utilidade da investigação preliminar, pela polícia judiciá­ria,
nistrativa e judiciária (Gonzales). tem viés antagônico. É firmada pela proximidade existente entre a
atividade policial, por sua essência, e a ocorrência do evento crimi-
Hodiernamente a Constituição brasi­leira, em seu art. 144, de- noso; e pela distância entre o ente administrativo investigador e os
fine as funções de polícia administrativa e judiciária, no­minando as demais sujeitos estatais que compõem a futu­ra relação processual-
instituições que as compõem e definindo suas atribuições. -penal.

Didatismo e Conhecimento 67
CRIMINOLOGIA
Por oportuno, observa-se ser a polícia judiciária instituição que dos Delega­dos de Polícia do Brasil, Adepol Brasil, alegando a in-
mais se aproxima da verdade natural do fato, porquanto é a primeira constitucionalidade da Lei complementar nº 75 (Estatuto do MPU)
a ter contato com o crime a partir de sua realização. Destarte pos- e Resolução nº 77 de 2004 (que regulamen­ta o art. 8º do Estatuto
sui maiores condições de proporcionar a produção de provas que se o qual dá poderes investigatórios ao MP), e a ADI nº 3.836, de au-
aproximem com maior eficiência do discutido3 princípio da verda- toria da OAB, contestando a consti­tucionalidade da Resolução nº
de real, que norteia o processo penal. Isso reforça a importância da 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que
prova produzida no inquérito policial como elemento relevante para legisla sobre matéria proces­sual penal e dá poderes ao parquet para
levar ao acusador e ao julgador as evidências que os ponham em conduzir investigações criminais. Ambas as ações ainda não foram
contato com o crime, seus motivos, circunstâncias e seu autor. decididas, tendo como última manifestação dos postulantes (nos
No entender de Manoel Pedro Pimentel, o in­quérito policial não dois casos), em meados do corrente ano, pedido de preferência ao
é uma simples peça informativa, mas um processo (procedimento) julgamento dos feitos.
preparatório em que existe formação de prova, dispondo a autorida- As mais diversas argumentações são utilizadas como justifican-
de policial de poderes para inves­tigação. Não se apresenta, então, tes da legitimida­de investigativa na apuração de delitos por institui-
como procedimento estático em que o delegado de polícia se limita ções diversas da polícia judiciária.
a recolher os dados que, eventualmente, cheguem ao seu conheci- Busca amparo a pretensão investi­gativa do Ministério Público
mento. no Direito comparado. O fundamento é ilustrado com legislações de
As provas técnicas produzidas no inquérito policial, por ques­ países como França e Espanha onde vigora o sistema do juiz instru-
tão de tempo e oportunidade, não podem ser repetidas em juízo e tor – que coordena a investigação preliminar, bem como Alemanha,
servem integralmente para a instrução do processo penal. Resta Itália e Portugal, onde existe a figura do promo­tor investigador.
para revalidação judicial o interrogatório, oitiva da vítima e a prova É o que sustenta Lopes Júnior: Atualmente, existe uma ten­
testemunhal, ressalvada, por óbvio, a possibilidade de produção de dência de outorgar ao Ministério Público a direção da investiga-
outros meios de provas úteis na fase instrutória. ção preliminar, de modo que o promotor investigador po­derá obrar
Nesse diapasão a investigação preliminar e seu conteúdo pro- pessoalmente e/ou por meio da Polícia Judiciária (necessariamen-
batório devem servir à análise acerca da viabilidade de con­cretude te subordinada a ele). A instrução preli­minar a cargo do MP tem
do jus puniendi do Estado, motivo pelo qual deve ser conduzido por sido adotada nos países europeus como um substituto ao modelo
ente estranho ao processo. de instrução judicial anterior­mente analisado (juizado de instru-
ção). Neste sentido, a reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do
A relevância do poder investigatório na promoção da segu­rança juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador. A partir de
pública vem sendo tema de acirradas disputas institucio­nais acerca então, outros países, com maior ou menor intensidade, foram re­
da legitimidade de seu exercício, nas mais variadas esferas federa- alizando modificações legislativas nessa mesma direção, como su-
tivas. cedeu, v.g, na Itália (1988) e em Portugal (1995). Na Espanha, a
A exemplo disso, no Rio Grande do Sul, a Portaria nº 172 da Lei Orgânica (LO) 7/88 que instituiu o procedimento abreviado deu
Secretaria de Justiça e Segurança (à época), ainda em vigor, sob o os primeiros passos nessa direção, ao outorgar ao fiscal maiores
fundamento de prestação de auxílio à polícia civil permite que a bri- poderes na instrução preliminar.
gada militar lavre termos circunstanciados, quando o autor do fato Todavia, nos sistemas citados houve notória reformulação le-
e a vítima se fizes­sem presentes no momento do crime e registre gislativa para atri­buição de poder investigatório a outros entes,
ocorrências dos crimes de menor potencial ofensivo. O termo cir- especialmente ao Ministério Pú­blico. Por óbvio, tais modificações
cunstanciado é procedimento investigativo que visa à apuração de não afrontam os preceitos constitucionais dos países legitimantes.
infrações penais de menor potencial ofensivo, o que, mesmo sendo Ao revés, no Brasil, a Constituição Federal confere expres­samente
fato de pouca gravidade, é atribuição das polícias civil e federal e à polícia judiciária a atribuição para investigar a prática de delitos.
deve passar pelo crivo da autoridade policial. Não pode, portanto, qualquer legislação infra­constitucional dispor
Igualmente, o registro de ocorrências policiais por milicia­nos de maneira diversa. Acertadamente não o faz o digesto pro­cessual
sem a devida formação jurídica, como sói acontecer, pre­judica a pátrio, lei nacional, pretendendo fazê-lo, exempli gratia, o Estatu-
posterior investigação do fato pela polícia civil, dadas as deficiên- to do Mi­nistério Público da União, lei federal, de alcance limitado
cias de correta tipificação do delito, o cadastramento de pessoas (e portanto.
seu respectivo envolvimento) no sistema de da­dos integrado, e a co- Embasamento diverso, porém desti­nado ao mesmo fim, en-
leta imediata de depoimentos, entre outras mazelas. contra guarida na previsão legal de outros procedimentos investi-
Recentemente, ainda no Estado gaúcho, tem a polícia mili­tar gatórios, não atribuídos à polícia judiciária, tais como as Comissões
levantado sua legitimidade para pedidos e cumprimentos de manda- Parla­mentares de Inquérito, o inquérito policial militar, o inquérito
dos de busca e apreensão e lavratura de autos de prisão em flagrante, civil público e os proce­dimentos administrativos disciplinares.
contrariando os preceitos constitucionais já men­cionados e a própria A sustentação perde espaço por­quanto tais procedimentos têm
essência preventiva, inerente às funções de polícia administrativa. sujeitos e objetos distintos do inquérito policial, não objetivando,
Na mesma linha e de forma mais veemente, longínqua a dis- precipuamente, a apu­ração de infrações penais e sua conse­quente
cussão acerca do poder investigatório do Ministério Público, no que penalização.
tange à titularidade da investigação preliminar. Às Comissões Parlamentares de In­quérito, CPIs, é atribuído po-
O embate mais recente ganhou notoriedade acadêmica e ju- der inves­tigatório no art. 58, § 3º, da Constituição Federal, diferente-
risdicional culminando com numerosas arguições de inconstitu­ mente do que ocorre com o Ministério Público. São-lhes confe­ridos
cionalidade, tanto via controle difuso, como concentrado. Traz-se à poderes similares aos de autorida­de judicial, podendo, de plano, de-
baila, a título ilustrativo, a ADI n. 3.309 interposta pela Associação cretar a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefôni­co. No entanto,

Didatismo e Conhecimento 68
CRIMINOLOGIA
tal investigação não obje­tiva diretamente a apuração de infrações Seguisse o ordenamento jurídico-penal tal linha de raciocí­
penais, mas sim a comprovação de atos de improbidade adminis- nio, desnecessárias as atuações não só da polícia judiciária como
trativa e quebra de decoro parlamentar, culminando na aplicação de também do próprio Ministério Público, permanecendo no cenário
sanções disciplinares como cassação de mandato e perda de direitos processual apenas a figura do juiz. Se indistintamente quem pode o
políticos. De tal sorte, se no decorrer dos trabalhos a comissão evi- mais pode o menos, corolário lógico aquele que julga poder também
dencia a prática de infrações penais, os relatórios são en­viados à Po- investigar e propor a ação penal.
lícia Federal para que instaure o devido inquérito policial, promova De outra banda, inaplicável a teoria dos poderes implícitos em
dili­gências e posterior indiciamento. matéria na qual há atribuição de poderes explícitos, como no caso
No que tange aos crimes militares, igualmente por força em exame. O texto constitucional é expresso no art. 144, § 1º, em
constitucional, possuem as respectivas instituições Jus­tiça própria que atribui exclusivamente à polícia judiciária a apuração de in-
com promotores e juízes militares, tendo suas penas caráter admi­ frações penais. De igual forma a função do Minis­tério Público no
nistrativo. Assim a investigação também fica a cargo do ente militar. respeito à instrução preliminar, conferindo-lhe expressamente o art.
Vale lembrar, contudo, que, se o militar comete crime comum, é 129, VIII, da mesma Carta poder requisitó­rio restrito para postular
julgado pela Justiça comum – federal ou estadual – sendo a investi­ realização de diligências e instauração de inquérito policial, às devi-
gação presidida pela polícia judiciária, a ação proposta pelo pro- das autoridades, com necessária fundamentação.
motor de justiça ou procurador da república é julgada pelo juiz de Assim, a explicitude exclui a implicitude, não havendo espaço
direito ou federal. para hermenêutica com regramento expresso, claro e definido.
A ação civil pública, constitucional­mente instituída, dá poderes Diante do esposado, entende-se que os argumentos aferi­dos não
investigató­rios ao MP para instauração de inquérito civil e não cri- encontram amparo na Constituição da República, nos legislatórios
minal, com fim de preserva­ção do meio ambiente, patrimônio his­ infra-constitucionais e tampouco em teorias jurídi­cas não aplicáveis
tórico, artístico, cultural e paisagístico e demais interesses difusos e in casu, restando evidenciada a exclusividade da investigação crimi-
coletivos. Tal procedimento objetiva a elaboração de compromisso nal pela polícia judiciária.
de ajustamento de condu­ta que por sua vez possui natureza civil e
não penal. Destarte não são permitidas, no curso do inquérito ci- A Polícia Judiciária e sua relevância no Estado Democrático
vil, representa­ções por prisões provisórias ou medidas cautelares de Direito
de cunho eminentemente investigativo-criminal, a exemplo das in­
terceptações telefônicas. (Lopes). Muito embora a noção de Estado de Direito tenha sido trazida
Os processos administrativos discipli­nares, por fim, são desti- ao ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição do Império, foi
nados à apuração de infrações disciplinares praticadas por funcio- somente na Carta de 1988 que o conceito de Estado democrático
nários públicos, e sua investigação cabe ao órgão correcional da de Direito aparece como norteador da organização e do desenvolvi-
instituição a qual está vinculado o servidor. A inves­tigação, processo mento da sociedade brasileira.
e punição têm caráter exclusivamente administrativo. Se o ser­vidor, Sendo o Estado de Direito aquele onde vigora o império da lei,
além de infração disciplinar, come­te algum crime, tais informações não só a sociedade como o próprio Estado deve subme­ter-se ao re-
devem ser repassadas à polícia judiciária para respectiva investiga- gramento por ele imposto. Nesta senda, tem como características
ção e procedimento policial, a fim de embasar eventual pro­cesso- essenciais a unidade do ordenamento jurídico, o primado da lei, a
crime. divisão dos poderes estatais e o reconheci­mento e proteção dos di-
Pertine lembrar que a nova lei de fa­lências veio a reconhecer a reitos e garantias fundamentais.
preservação do inquérito policial, inexistente no anti­go regramen- A divisão pelo Estado dos poderes a ele próprio conferidos é
to. Foi abolido o famigerado inquérito judicial, uma homenagem ao medida fundamental para sua própria limitação, conferindo assim,
sistema do juiz instrutor não adotado no Brasil, que permitia ao juiz segurança jurídica ao cidadão e garantindo a manuten­ção do Estado
a produção de provas para julgamento dos crimes fa­limentares. Pre- democrático de Direito.
servou o legislador, no entanto, a via atrativa do juízo falimentar no Segundo Konrad Hesse, pela interpretação hodierna do prin­
julgamento dos crimes. A justificativa está no fato de que a apuração cípio da separação de poderes: Objeto da divisão de poderes é, an-
de tais delitos não tem como foco único aplicar a pena, mas também tes, positivamente uma ordem de colaboração humana, que cons-
garantir, com a comprovação da prática criminosa, a declaração do titui os poderes individuais, determina e limi­ta suas competências,
período suspeito, a indisponi­bilidade de bens e o pagamento dos cré- regula sua colaboração e, desse modo, deve conduzir à unidade do
ditos falimentares. poder estatal - limitado. Essa ta­refa requer não só um refreamento
Em suma, evidencia-se em todos os procedimentos mencio­ e equilíbrio dos fatores de poder reais, senão ela é também, sobre-
nados não haver investigação direta de crime comum visando à apli- tudo, uma questão de determinação e coordenação apropriada das
cação de sanção penal, uma vez que isso somente cabe à Polícia funções, assim como das forças reais que se personificam nesses
Judiciária. órgãos.
Não raro, encontra alicerce a busca pelo poder investiga­tório, O exercício do jus puniendi do Estado vem balizado nessa di-
especialmente no que se refere ao Ministério Público, na teoria dos visão de poderes, conforme disposições constitucionais ex­pressas.
poderes implícitos. Invocada para sustentar que, em sendo o parquet Ao Executivo, por meio da polícia judiciária, cumpre investigar. Ao
o titular da ação penal, tendo atribuição para propô-la também pos- Ministério Público, titularizar a ação penal. Ao Ju­diciário, julgar. Tal
sui poderes para dirigir, produzir e ins­trumentalizar as provas que a partição traz inegável segurança jurídica ao cidadão que comete o
embasam, rendendo preito ao jargão jurídico “quem pode o mais, delito, na certeza de que o poder que investiga não é o mesmo que
pode o menos”. acusa e nem aquele que julga.

Didatismo e Conhecimento 69
CRIMINOLOGIA
A produção de provas, unilateralmente, em sede prelimi­nar pelo Em outras palavras, o estado de direito é aquele no qual os man-
Ministério Público macula tal princípio, uma vez que é órgão acu- datários políticos (na democracia: os eleitos) são submissos às leis
sador e parte no processo. Tal possibilidade fere a garantia consti- promulgadas.
tucional, cláusula pétrea, do devido processo penal, cuja essência A teoria da separação dos poderes de Montesquieu, na qual se
é preservar todas as garantias do réu, como forma de equilibrar a baseiam a maioria dos estados ocidentais modernos, afirma a dis-
relação entre o Estado, investigador, acu­sador, julgador, e o cidadão. tinção dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e suas
Considerando que as provas técnicas produzidas no in­quérito limitações mútuas. Por exemplo, em uma democracia parlamentar, o
policial não são repetidas em juízo, como já falado, sua produção legislativo (Parlamento) limita o poder do executivo (Governo): este
unilateral pelo Ministério Público fere sobremaneira o princípio do não está livre para agir à vontade e deve constantemente garantir o
devido processo legal, o equilíbrio entre os poderes e a própria no- apoio do Parlamento, que é a expressão da vontade do povo. Da
ção de Estado democrático de Direito. mesma forma, o poder judiciário permite fazer contrapeso às certas
Tem a polícia judiciária, como parte do sistema repressivo es- decisões governamentais (especialmente, no Canadá, com o poder
tatal, importante papel a desempenhar na manutenção do Estado de- que a Carta dos Direitos e Liberdades da pessoa confere aos magis-
mocrático de Direito. Como titular da instrução preli­minar garante trados). O estado de direito se opõe assim às monarquias absolutas
uma investigação imparcial, que busca a verdade e não a tendência de direito divino (o rei no antigo regime pensava ter recebido seu
de municiar uma ou outra parte processual, mas sim de embasar a poder de Deus e, assim, não admitia qualquer limitação a ele: “O
viabilidade da própria existência ou não do processo. Estado, sou eu”, como afirmava Luís XIV) e às ditaduras, na qual a
Não é permitido ao Estado sujeitar o cidadão ao processo-crime autoridade age frequentemente em violação aos direitos fundamen-
sem um mínimo de indícios que autorizem o início da ação penal. tais. O estado de direito não exige que todo o direito seja escrito. A
Eis o objetivo do inquérito policial: colher provas da exis­tência do Constituição do Reino Unido, por exemplo, é fundada unicamente
fato, da autoria e de suas circunstâncias, para que possa o dominus no costume: ela não dispõe de disposições escritas. Num tal sistema
litis, formar sua convicção e promover a denúncia ou solicitar o ar- de direito, os mandatários políticos devem respeitar o direito ba-
quivamento do fato perante o Estado-Juiz. seado no costume com a mesma consideração que num sistema de
O inquérito policial, como instrumento de investigação da polí- direito escrito.
cia judiciária, configura, em ampla análise, garantia de pre­servação
O poder do Estado é uno e indivisível. A função do poder se di-
dos direitos fundamentais do indivíduo, não subme­tendo a pessoa
vide em três grandes funções: a função legislativa, a função judicial
humana, sem fundada razão, aos percalços de uma ação penal.
e a função executiva.
Objetivamos demonstrar o papel da polícia judiciária no or-
denamento jurídico brasileiro. À luz da Constitui­ção Federal e da
Estado Democrático de Direito
legislação extravagante, restou evidenciada a titularidade exclusi­va
da polícia judiciária no que concerne à investigação destinada à apu-
Estado democrático de direito é um conceito que designa qual-
ração de infrações penais.
quer Estado que se aplica a garantir os respeitos das mulheres em
A despeito das justificativas utiliza­das para legitimar outras ins-
tituições, mormente o Ministério Público, para proceder à instrução liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas li-
preliminar, foram trazidos contra-argumentos substan­ciais para a berdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção
preservação da investi­gação criminal pela polícia judiciária. Destar- jurídica. Em um estado de direito, as próprias autoridades políticas
te, vislumbrou-se no inquérito policial um instrumento de garantia estão sujeitas ao respeito da regra de direito. Trata-se de um termo
para a correta aplicação da Lei Penal, uma vez que realizado por complexo que define certos aspectos do funcionamento de um ente
ente im­parcial e distante da eventual relação processual/penal que político soberano, o Estado.
derive do fato in­vestigado, servindo, primordialmente, para análise O termo “estado democrático de direito” conjuga dois conceitos
de viabilidade da própria formação desta relação. distintos que, juntos, definem a forma de funcionamento tipicamen-
Por fim, afirmou-se a relevância do poder investigatório na te assumido pelo Estado de inspiração ocidental. Cada um destes
persecução cri­minal e na efetivação do jus puniendi do Estado, termos possui sua própria definição técnica, mas, neste contexto,
ressaltando-se a necessida­de da manutenção deste poder-dever na referem-se especificamente a parâmetros de funcionamento do Es-
esfera da polícia judiciária como forma de assegurar todas as garan- tado ocidental moderno.
tias constitucionais daí decorrentes e de manter a essência do Estado Neste contexto específico, o termo “democracia” refere-se à
democrá­tico de Direito. forma pela qual o Estado exerce o seu poder soberano. Mais espe-
cificamente, refere-se a quem exercerá o poder de estado, já que o
Estado propriamente dito é uma ficção jurídica, isto é, não possui
- A CRIMINOLOGIA NO ESTADO vontade própria e depende de pessoas para funcionar.
DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Em sua origem grega, “democratia” quer dizer “governo do
povo”. No sistema moderno, no entanto, o povo não governa pro-
priamente (o que representaria uma democracia direta). Assim, os
atos de governo são exercidos por membros do povo ditos “politica-
O Estado de Direito é uma situação jurídica, ou um sistema mente constituídos”, que são aqueles nomeados para cargos públi-
institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, cos através de eleição.
do simples indivíduo até a potência pública. O estado de direito é No Estado democrático, as funções típicas e indelegáveis do
assim ligado ao respeito da hierarquia das normas, da separação dos Estado são exercidas por indivíduos eleitos pelo povo para tanto, de
poderes e dos direitos fundamentais. acordo com regras pré-estabelecidas que regerão o pleito eleitoral.

Didatismo e Conhecimento 70
CRIMINOLOGIA
O estado de direito é aquele em que vigora o chamado “império - a igualdade meramente formal, sem atuação efetiva e inter-
da lei”. Este termo engloba alguns significados: primeiro que, neste ventiva do Poder Público, no sentido de impedir distorções sociais
tipo de estado, as leis são criadas pelo próprio Estado, através de de ordem material.
seus representantes politicamente constituídos; o segundo aspecto é
que, uma vez que o Estado criou as leis e estas passam a ser eficazes Embora configurasse relevantíssimo avanço no combate ao ar-
(isto é, aplicáveis), o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento bítrio do absolutismo monárquico, a expressão “Estado de Direito”
das regras e dos limites por ele mesmo impostos; o terceiro aspecto, ainda carecia de um conteúdo social.
que se liga diretamente ao segundo, é a característica de que, no Pela concepção jurídico-positivista do liberalismo burguês,
estado de direito, o poder estatal é limitado pela lei, não sendo ab- ungida da necessidade de normas objetivas inflexíveis, como úni-
soluto, e o controle desta limitação se dá através do acesso de todos co mecanismo para conter o arbítrio do Absolutismo monárquico,
ao Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia para considerava-se direito apenas aquilo que se encontrava formalmente
garantir que as leis existentes cumpram o seu papel de impor regras disposto no ordenamento legal, sendo desnecessário qualquer juízo
e limites ao exercício do poder estatal. de valor acerca de seu conteúdo. A busca da igualdade se contentava
Outro aspecto do termo “de direito” refere-se a que tipo de direi- com a generalidade e impessoalidade da norma, que garante a todos
to exercerá o papel de limitar o exercício do poder estatal. No estado um tratamento igualitário, ainda que a sociedade seja totalmente in-
democrático de direito, apenas o direito positivo (isto é, aquele que justa e desigual.
foi codificado e aprovado pelos órgãos estatais competentes, como Tal visão defensiva do direito constituía um avanço e uma ne-
o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal, e somente ele po- cessidade para a época em que predominavam os abusos e mimos do
derá ser invocado nos tribunais para garantir o chamado “império da monarca sobre padrões objetivos de segurança jurídica, de maneira
lei”. Todas as outras fontes de direito, como o Direito Canônico ou o que se tomara uma obsessão da ascendente classe burguesa a busca
Direito natural, ficam excluídas, a não ser que o direito positivo lhes da igualdade por meio de normas gerais, realçando-se a preocupação
atribua esta eficácia, e apenas nos limites estabelecidos pelo último. com a rigidez e a inflexibilidade das regras. Nesse contexto, qual-
Nesse contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. quer interpretação que refugisse à visão literal do texto legal poderia
Nela delineiam-se os limites e as regras para o exercício do poder ser confundida com subjetivismo arbitrário, o que favoreceu o sur-
estatal (onde se inscrevem as chamadas “garantias fundamentais”), gimento do positivismo jurídico como garantia do Estado de Direito.
e, a partir dela, e sempre tendo-a como baliza, redige-se o restante Por outro lado, a igualdade formal, por si só, com o tempo, acabou
do chamado “ordenamento jurídico”, isto é, o conjunto de leis que revelando-se uma garantia inócua, pois, embora todos estivessem
regem uma sociedade. O estado democrático de direito não pode submetidos ao império da letra da lei, não havia controle sobre seu
prescindir da existência de uma Constituição. conteúdo material, o que levou à substituição do arbítrio do rei pelo
do legislador.
Origem: Considera-se o livro Die deutsche Polizeiwissenschaft Em outras palavras: no Estado Formal de Direito, todos são
nach den Grundsätzen des Rechtsstaates (A Ciência Policial Ale- iguais porque a lei é igual para todos e nada mais. No plano concreto
mã de acordo com os princípios do estado de Direito), do escritor e social não existe intervenção efetiva do Poder Público, pois este já
alemão Robert von Mohl, como a obra seminal, inauguradora do fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do ponto de
pensamento teórico sobre o “império da lei”. A obra foi escrita entre vista do aparato legal. De resto, é cada um por si.
1832 e 1834 e publicada em 1835. Além disso, existe corrente teóri- Ocorre que as normas, embora genéricas e impessoais, podem
ca do pensamento político alemão, que foi comandada pelo influente ser socialmente injustas quanto ao seu conteúdo. É perfeitamente
filósofo político Friedrich Hayek, que considera os escritos de Im- possível um Estado de Direito, com leis iguais para todos, sem que,
manuel Kant como a base sobre a qual se construiria, mais tarde, o no entanto, se realize justiça social. É que não existe discussão sobre
pensamento político de von Mohl. os critérios de seleção de condutas delituosas feitos pelo legislador.
A lei não reconhece como crime uma situação preexistente, mas,
Direito Penal no Estado Democrático de Direito ao contrário, cria o crime. Não existe necessidade de se fixar um
conteúdo material para o fato típico, pois a vontade suprema da lei
A Constituição Federal brasileira, em seu art. 1º, caput, defi- é dotada de poder absoluto para eleger como talo que bem entender,
niu o perfil político-constitucional do Brasil como o de um Estado sendo impossível qualquer discussão acerca do seu conteúdo.
Democrático de Direito. Trata-se do mais importante dispositivo da Diante disso, pode-se afirmar que a expressão “Estado de Di-
Carta de 1988, pois dele decorrem todos os princípios fundamentais reito”, por si só, caracteriza a garantia inócua de que todos estão
de nosso Estado. submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica em aberto, limitado
Estado Democrático de Direito é muito mais do que simples- apenas à impessoalidade e à não-violação de garantias individuais
mente Estado de Direito. Este último assegura a igualdade mera- mínimas.
mente formal entre os homens, e tem como características: Por essa razão, nosso constituinte foi além, afirmando que o
- a submissão de todos ao império da lei; Brasil não é apenas um Estado de Direito, mas um Estado Demo-
- a divisão formal do exercício das funções derivadas do poder, crático de Direito.
entre os órgãos executivos, legislativos e judiciários, como forma de Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela
evitar a concentração da força e combater o arbítrio; proclamação formal da igualdade entre todos os homens, mas pela
- o estabelecimento formal de garantias individuais; imposição de metas e deveres quanto à construção de uma sociedade
- o povo como origem formal de todo e qualquer poder; livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional;
- a igualdade de todos perante a lei, na medida em que estão pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das
submetidos às mesmas regras gerais, abstratas e impessoais; desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem comum;

Didatismo e Conhecimento 71
CRIMINOLOGIA
pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e Com isso, pode-se afirmar que a norma penal em um Estado
quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º, I a IV); pelo Democrático de Direito não é somente aquela que formalmente des-
pluralismo político e liberdade de expressão das idéias; pelo resgate creve um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende
da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e ou não o sentimento social de justiça; ao contrário, sob pena de coli-
pelo respeito inarredável da dignidade humana. dir com a Constituição, o tipo incriminador deverá obrigatoriamen-
Significa, portanto, não apenas aquele que impõe a submissão te selecionar, dentre todos os comportamentos humanos, somente
de todos ao império da mesma lei, mas onde as leis possuam conteú- aqueles que realmente possuam lesividade social.
do e adequação social, descrevendo como infrações penais somente É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação
os fatos que realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamen- ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o le-
tais para a sociedade. gislador diz sê-Io (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta
Sem esse conteúdo, a norma se configurará como atentatória pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,
aos princípios básicos da dignidade humana. A norma penal, portan- não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
to, em um Estado Democrático de Direito não é somente aquela que Imaginemos um tipo com a seguinte descrição: “manifestar
formalmente descreve um fato como infração penal, pouco impor- ponto de vista contrário ao regime político dominante ou opinião
tando se ele ofende ou não o sentimento social de justiça; ao contrá- contrária à orientação política dominante: Pena - 6 meses a 1 ano
rio, sob pena de colidir com a Constituição, o tipo incriminador de- de detenção”.
verá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos Evidentemente, a par de estarem sendo obedecidas as garantias
humanos, somente aqueles que realmente possuem real lesividade de exigência de subsunção formal e de veiculação em lei, material-
social. mente este tipo não teria qualquer subsistência por ferir o princípio
Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, por reflexo, da dignidade humana e, consequentemente, não resistir ao contro-
seu direito penal há de ser legítimo, democrático e obediente aos le de compatibilidade vertical com os princípios insertos na ordem
princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal constitucional.
a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em Tipos penais que se limitem a descrever formalmente infrações
consonância com os princípios derivados deste perfil político-cons- penais, independentemente de sua efetiva potencialidade lesiva,
titucional. Não se admitem mais critérios absolutos na definição dos
atentam contra a dignidade da pessoa humana.
crimes, os quais passam a ter exigências de ordem formal (somente
Nesse passo, convém lembrar a lição de Celso Antônio Ban-
a lei pode descrevê-Ios e cominarlhes uma pena correspondente) e
deira de Mello: “Violar um princípio é muito mais grave do que
material (o seu conteúdo deve ser questionado à luz dos princípios
transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa
constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito).
não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo
Pois bem. Do Estado Democrático de Direito partem princípios
o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
regradores dos mais diversos campos da atuação humana. No que
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
diz respeito ao âmbito penal, há um gigantesco princípio a regular
porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de
e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal de-
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
mocrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que deriva
lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado bra-
sileiro, a partir do qual partem inúmeros outros princípios próprios Aplicar a justiça de forma plena, e não apenas formal, impli-
afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o ca, portanto, aliar ao ordenamento jurídico positivo a interpretação
legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando do evolutiva, calcada nos costumes e nas ordens normativas locais,
princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III). erigidas sobre padrões culturais, morais e sociais de determinado
Podemos, então, afirmar que do Estado Democrático de Direito grupo social ou que estejam ligados ao desempenho de determinada
parte o princípio da dignidade humana, orientando toda a formação atividade.
do Direito Penal. Qualquer construção típica, cujo conteúdo contra- Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem
riar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitu- atuar como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação
cional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência das normas penais, não se podendo cogitar de uma aplicação mera-
de nosso Estado. mente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela verificação
Cabe ao operador do Direito exercer controle técnico de verifi- rudimentar da adequação típica formal, descurando-se de qualquer
cação da constitucionalidade de todo tipo penal e de toda adequação apreciação ontológica do injusto. Da dignidade humana, princípio
típica, de acordo com o seu conteúdo. Afrontoso à dignidade huma- genérico e reitor do Direito Penal, partem outros princípios mais es-
na, deverá ser expurgado do ordenamento jurídico. pecíficos, os quais são transportados dentro daquele princípio maior,
Em outras situações, o tipo, abstratamente, pode não ser contrá- tal como passageiros de uma embarcação.
rio à Constituição, mas, em determinado caso específico, o enqua- Desta forma, do Estado Democrático de Direito parte o prin-
dramento de uma conduta em sua definição pode revelar-se atentató- cípio reitor de todo o Direito Penal, que é o da dignidade humana,
rio ao mandamento constitucional (por exemplo, enquadrar no tipo adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e erigindo-o à cate-
do furto a subtração de uma tampinha de refrigerante). goria de Direito Penal Democrático. Da dignidade humana, por sua
A dignidade humana, assim, orienta o legislador no momento vez, derivam outros princípios mais específicos, os quais propiciam
de criar um novo delito e o operador no instante em que vai realizar um controle de qualidade do tipo penal, isto é, sobre o seu conteúdo,
a atividade de adequação típica. em inúmeras situações específicas da vida concreta.

Didatismo e Conhecimento 72
CRIMINOLOGIA
Os mais importantes princípios penais derivados da dignidade No Estado Democrático de Direito é necessário que a conduta
humana são: legalidade, insignificância, alteridade, confiança, ade- considerada criminosa tenha realmente conteúdo de crime. Crime
quação social, intervenção mínima, fragmentariedade, proporciona- não é apenas aquilo que o legislador diz sê-Io (conceito formal),
lidade, humanidade, necessidade e ofensividade. uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser conside-
De pouco adiantaria assegurar ao cidadão a garantia de sub- rada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores
missão do poder persecutório à exigência prévia da definição legal, fundamentais da sociedade.
se o legislador tivesse liberdade para eleger de modo autoritário e Da dignidade nascem os demais princípios orientadores e limi-
livre de balizas quais os bens jurídicos merecedores de proteção, ou tadores do Direito Penal, dentre os quais merecem destaque:
seja, se pudesse, a seu bel-prazer, escolher, sem limites impostos por
princípios maiores, o que vai ser e o que não vai ser crime. Insignificância ou Bagatela: originário do Direito Romano, e
O Direito Penal é muito mais do que um instrumento opressi- de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de
vo em defesa do aparelho estatal. Exerce uma função de ordenação minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no
dos contatos sociais, estimulando práticas positivas e refreando as sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na reali-
perniciosas e, por essa razão, não pode ser fruto de uma elucubração zação dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal.
abstrata ou da necessidade de atender a momentâneos apelos dema- Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se
gógicos, mas, ao contrário, refletir, com método e ciência, o justo com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos
anseio social. incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem
Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma limitação jurídico.
à eleição de bens jurídicos por parte do legislador, ou seja, não é A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem ju-
todo e qualquer interesse que pode ser selecionado para ser defendi- rídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imagi-
do pelo Direito Penal, mas tão-somente aquele reconhecido e valo- nado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou
rado pelo Direito, de acordo com seus princípios reitores. incapazes de lesar o interesse protegido.
O tipo penal está sujeito a um permanente controle prévio (ex Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre
ante), no sentido de que o legislador deve guiar-se pelos valores con- que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o
sagrados pela dialética social, cultural e histórica, conformada ao interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não
espírito da Constituição, e a um controle posterior, estando sujeito estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão
ao controle de constitucionalidade concentrado e difuso. pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos
A função da norma é a proteção de bens jurídicos a partir da atípicos.
solução dos conflitos sociais, razão pela qual a conduta somente será O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua 5ª Turma,
considerada típica se criar uma situação de real perigo para a cole- tem reconhecido a tese da exclusão da tipicidade nos chamados de-
tividade. litos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância,
De todo o exposto, podemos extrair as seguintes considerações: dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta,
- O Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido à luz insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade.
do perfil constitucional do Estado Democrático de Direito, devendo, Na hipótese de crime de descaminho de bens, em que o débito
portanto, ser um direito penal democrático. tributário e a multa não excederem determinado valor, a Fazenda
- Do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco tentá- Pública se recusa a efetuar a cobrança em juízo, nos termos da Lei
culo, a regular todo o sistema penal, que é o princípio da dignidade n. 9.579/97, sob o argumento de que a irrisória quantia não com-
humana, de modo que toda incriminação contrária ao mesmo é subs- pensa a instauração de um executivo fiscal, o que levou o Superior
tancialmente inconstitucional. Tribunal de Justiça a considerar atípico o fato, por influxo do prin-
- Da dignidade humana derivam princípios constitucionais do cípio da insignificância. De acordo com o art. 20 da Lei nº 10.522,
Direito Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de sele- de 19 de julho de 2002, as execuções fiscais da União de débitos
ção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material iguais ou inferiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) serão
do crime. arquivadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, sem cobrança,
- Esses contornos tomam o tipo legal uma estrutura bem distinta dada a insignificância do valor da dívida. Com isso, entendemos que
da concepção meramente descritiva do início do século passado, de referido montante passou a servir de parâmetro para se considerar
modo que o processo de adequação de um fato passa a submeter-se atípica a sonegação fiscal de até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos
à rígida apreciação axiológica. reais) (Atualmente, esse valor sofreu nova modificação, de forma
- O legislador, no momento de escolher os interesses que mere- que serão arquivados os autos das execuções fiscais de débitos ins-
cerão a tutela penal, bem como o operador do direito, no instante em critos como Dívida Ativa da União inferiores a R$ 10.000,00 (dez
que vai proceder à adequação típica, devem, forçosamente, verificar mil reais) (CF art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com a redação deter-
se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade minada pela Lei nº 11.033/2004). Mantido o raciocínio, atualmente,
humana ou os princípios que dela derivam. Em caso positivo, estará a sonegação fiscal de até R$ 10.000,00 (dez mil reais) passa a ser
manifestada a inconstitucionalidade substancial da norma ou daque- atípica, em face do princípio da insignificância).
le enquadramento, devendo ser exercitado o controle técnico, afir- Não se pode, porém, confundir delito insignificante ou de ba-
mando a incompatibilidade vertical com o Texto Magno. gatela com crimes de menor potencial ofensivo. Estes últimos são
- A criação do tipo e a adequação concreta da conduta ao tipo definidos pelo art. 61 da Lei nº 9.099/95 e submetem-se aos Juizados
devem operar-se em consonância com os princípios constitucionais Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa não pode ser acoi-
do Direito Penal, os quais derivam da dignidade humana que, por mada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível
sua vez, encontra fundamento no Estado Democrático de Direito. socialmente, não podendo falar-se em aplicação desse princípio.

Didatismo e Conhecimento 73
CRIMINOLOGIA
O princípio da insignificância não é aplicado no plano abstra- não autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas, Crimes, L-011.343-
to. Não se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenções 2006, poder-se-ia alegar ofensa a este princípio, pois quem usa dro-
penais são insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto ga só está fazendo mal a própria saúde, o que não justificaria uma
não se pode revelar verdadeiro. Andar pelas ruas armado com uma intromissão repressiva do Estado (os drogados costumam dizer: “se
faca é um fato contravencional que não pode ser considerado insig- eu uso droga, ninguém tem nada a ver com isso, pois o único preju-
nificante. São de menor potencial ofensivo, submetem-se ao proce- dicado sou eu”).
dimento sumaríssimo, beneficiamse de institutos despenalizadores Tal argumento não convence. A Lei n. 6.368/76 – revogada,
(transação penal, suspensão condicional do processo etc.), mas não L-011.343-2006 não tipifica a ação de “usar a droga”, mas apenas o
são, a priori, insignificantes. porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela
Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de detenção, evitando facilitar a circulação da substância entorpecente
acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de uso
uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras próprio. Assim, existe transcendentalidade na conduta e perigo para
a saúde da coletividade, bem jurídico tutelado pela norma do art. 16.
palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal
Interessante questão será a de quem consome imediatamente a
é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um prin-
substância, sem portá-Ia por mais tempo do que o estritamente neces-
cípio aplicável no plano concreto, portanto.
sário para o uso. Nesta hipótese o STF decidiu: “não constitui delito
Com relação à aplicação desse princípio, nos crimes contra a
de posse de droga para uso próprio a conduta de quem, recebendo
administração pública, não existe razão para negar incidência nas
de terceiro a droga, para uso próprio, incontinenti a consome”. Neste
hipóteses em que a lesão ao erário for de ínfima monta. É o caso do caso não houve detenção, nem perigo social, mas simplesmente o
funcionário público que leva para casa algumas folhas, um punhado uso. Se houvesse crime, a pessoa estaria sendo castigada pelo Poder
de clips ou uma borracha, apropriando-se de tais bens. Como o Di- Público, por ter feito mal à sua saúde e a de mais ninguém. Não se
reito Penal tutela bens jurídicos, e não a moral, objetivamente o fato pode confundir a conduta de portar para uso futuro com a de portar
será atípico, dada a sua irrelevância. No crime de lesões corporais, enquanto usa. Somente na primeira hipótese estará configurado o
em que se tutela bem indisponível, se as lesões forem insignifican- crime do art. 16 da Lei de Tóxicos, art. 28, L-011.343-2006. Quem
tes, como mera vermelhidão provocada por um beliscão, também detém a droga somente durante o tempo estritamente necessário em
não há que se negar a aplicação do mencionado princípio. que a consome limita-se a utilizáIa em prejuízo de sua própria saúde,
Finalmente, a insignificância nos delitos patrimoniais não leva sem provocar danos a interesses de terceiros, de modo que o fato é
em conta a capacidade econômica do ofendido, mas o valor do bem atípico por influxo do princípio da alteridade.
em si mesmo. Assim, o furto de um automóvel jamais será insig- O princípio da alteridade veda também a incriminação do pen-
nificante, mesmo que, diante do patrimônio da vítima, o valor seja samento (pensiero non paga gabella) ou de condutas moralmente
pequeno quando cotejado com os seus demais bens. censuráveis, mas incapazes de penetrar na esfera do altero.
O bem jurídico tutelado pela norma é, portanto, o interesse de
Alteridade ou Transcendentalidade: proíbe a incriminação de terceiros, pois seria inconcebível provocar a interveniência criminal
atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razão, repressiva contra alguém que está fazendo apenas mal a si mesmo,
revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. O fato típico pressupõe como, por exemplo, punir-se um suicida malsucedido com pena pe-
um comportamento que transcenda a esfera individual do autor e cuniária, corporal ou até mesmo capital.
seja capaz de atingir o interesse do outro (altero).
Ninguém pode ser punido por ter feito mal só a si mesmo. Não Confiança: trata-se de requisito para a existência do fato típico,
há lógica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se açoita, na não devendo ser relegado para o exame da culpabilidade. Funda-se
lúgubre solidão de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do na premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas
próprio autor, não há fato típico. que estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da so-
ciedade, visando a evitar danos a terceiros. Por essa razão, consiste
Tal princípio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o qual
na realização da conduta, na confiança de que o outro atuará de um
“só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos
modo normal já esperado, baseando-se na justa expectativa de que
de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imo-
o comportamento das outras pessoas se dará de acordo com o que
ral. À conduta puramente interna, ou puramente individual - seja
normalmente acontece.
pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente -, falta a lesividade
Por exemplo: nas intervenções médico-cirúrgicas, o cirurgião
que pode legitimar a intervenção penal” (Nilo Batista). tem de confiar na assistência correta que costuma receber dos seus
Por essa razão, a autolesão não é crime, salvo quando houver auxiliares, de maneira que, se a enfermeira lhe passa uma injeção
intenção de prejudicar terceiros, como na auto-agressão cometida com medicamento trocado e, em face disso, o paciente vem a fale-
com o fim de fraude ao seguro, em que a instituição seguradora será cer, não haverá conduta culposa por parte do médico, pois não foi
vítima de estelionato (CP, art. 171, § 2º, V). sua ação mas sim a de sua auxiliar que violou o dever objetivo de
No delito previsto no art. 16 da Lei n. 6.368/76 – Art. 28, Cri- cuidado. O médico ministrou a droga fatal impelido pela natural e
mes e Penas, Atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e esperada confiança depositada em sua funcionária.
Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas, Sistema Outro exemplo é o do motorista que, trafegando pela preferen-
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, Sisnad, Medidas para cial, passa por um cruzamento, na confiança de que o veículo da via
Prevenção do Uso Indevido, Atenção e Reinserção Social de Usuá- secundária aguardará sua passagem. No caso de um acidente, não
rios e Dependentes de Drogas, Normas para Repressão à Produção terá agido com culpa.

Didatismo e Conhecimento 74
CRIMINOLOGIA
A vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um Entretanto, é forçoso reconhecer que, embora o conceito de
tivesse de vigiar o comportamento do outro, para verificar se está adequação social não possa ser aceito com exclusividade, atualmen-
cumprindo todos os seus deveres de cuidado; por conseguinte, não te é impossível deixar de reconhecer sua importância na interpreta-
realiza conduta típica aquele que, agindo de acordo com o direito, ção da subsunção de um fato concreto a um tipo penal. Atuando ao
acaba por envolver-se em situação em que um terceiro descumpriu lado de outros princípios, pode levar à exclusão da tipicidade.
seu dever de lealdade e cuidado.
O princípio da confiança, contudo, não se aplica quando era Intervenção mínima: assenta-se na Declaração de Direitos do
função do agente compensar eventual comportamento defeituoso de Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só
terceiros. Por exemplo: um motorista que passa bem ao lado de um deve prever as penas estritamente necessárias.
ciclista não tem por que esperar uma súbita guinada do mesmo em A intervenção mínima tem como ponto de partida a caracte-
sua direção, mas deveria ter se acautelado para que não passasse tão rística da fragmentariedade do Direito Penal. Este se apresenta por
próximo, a ponto de criar uma situação de perigo (Gunther Jako- meio de pequenos flashs, que são pontos de luz na escuridão do uni-
bs). Como atuou quebrando uma expectativa social de cuidado, a verso. Trata-se de um gigantesco oceano de irrelevância, ponteado
confiança que depositou na vítima qualifica-se como proibida: é o por ilhas de tipicidade, enquanto o crime é um náufrago à deriva,
chamado abuso da situação de confiança. procurando uma porção de terra na qual se possa achegar.
Deste modo, surge a confiança permitida, que é aquela que de- Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos
corre do normal desempenho das atividades sociais, dentro do papel em que a lei descreve um fato como crime; ao contrário, quando ela
que se espera de cada um, a qual exclui a tipicidade da conduta, em nada disser, não haverá espaço para a atuação criminal. Nisso, aliás,
caso de comportaménto irregular inesperado de terceiro; e a confian- consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder
ça proibida, quando o autor não deveria ter depositado no outro toda punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua
a expectativa, agindo no limite do que lhe era permitido, com nítido esfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles
espírito emulativo. raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal.
Em suma, se o comportamento do agente se deu dentro do que Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio infini-
dele se esperava, a confiança é permitida; quando há abuso de sua to da ausência de previsão e refoge à incidência punitiva. O sistema
parte em usufruir da posição que desfruta incorrerá em fato típico. é, portanto, descontínuo, fragmentado (um tipo aqui, um tipo ali,
outro lá e assim por diante).
Adequação social: todo comportamento que, a despeito de ser Por outro lado, esta seleção, a despeito de excepcional, é fei-
considerado criminoso pela lei, não afrontar o sentimento social de ta sem nenhum método científico, atendendo apenas aos reclamos
justiça (aquilo que a sociedade tem por justo) não pode ser consi- momentâneos da opinião pública, da mídia e das necessidades im-
derado criminoso. Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica postas pela classe dominante, conforme bem ressaltou Juarez Ta-
condutas que tenham certa relevância social. O tipo penal pressu- vares, em ácida crítica ao sistema legiferante: “Analisando atenta-
põe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente mente o processo de elaboração das normas incriminadoras, a partir
aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para primeiramente do dado histórico e depois do objetivo jurídico por
serem erigidos à categoria de infrações penais; por conseguinte, as elas perseguido, bem como o próprio enunciado típico das ações
condutas aceitas socialmente e consideradas normais não podem so- proibidas ou mandadas, chega-se à conclusão inicial, embora trági-
frer este tipo de valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora ca, de que efetivamente, na maioria das vezes, não há critérios para
padecer do vício de inconstitucionalidade. essa elaboração. Isto pode parecer panfletário, à primeira vista, mas
Por isso é que Jakobs afirma que determinadas formas de ativi- retrata fielmente a atividade de elaboração legislativa. Estudos de
dade permitida não podem ser incriminadas, uma vez que se toma- Haferkamp na Alemanha e Weinberger na França demonstram que,
ram consagradas pelo uso histórico, isto é, costumeiro, aceitando-se com a institucionalização do poder político, a elaboração das nor-
como socialmente adequadas. mas se expressa como evento do jogo de poder efetuado no marco
Não se pode confundir o princípio em análise com o da insig- das forças hegemônicas atuantes no Parlamento.
nificância. Na adequação social, a conduta deixa de ser punida por A norma, portanto, deixaria de exprimir o tão propalado interes-
não mais ser considerada injusta pela sociedade; na insignificância, se geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio
a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade. representativo para significar, muitas vezes, simples manifestação
Critica-se essa teoria porque, em primeiro lugar, costume não de interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessi-
revoga lei, e, em segundo, porque não pode o juiz substituir-se ao dade da nação.
legislador e dar por revogada uma lei incriminadora em plena vigên- Além disso, as descrições são abstratas, objetivas e impessoais,
cia, sob pena de afronta ao princípio constitucional da separação dos alcançando uma gigantesca gama de situações bem diversas entre si.
poderes, devendo a atividade fiscalizadora do juiz ser suplementar Os tipos nesse sistema fragmentário transportam desde gravíssimas
e, em casos extremos, de clara atuação abusiva do legislador na cria- violações operadas no caso concreto até ínfimas agressões. Quando
ção do tipo. se descreve como infração penal “subtrair para si ou para outrem
Além disso, o conceito de adequação social é um tanto quanto coisa alheia móvel”, incrimina-se tanto o furto de centenas de mi-
vago e impreciso, criando insegurança e excesso de subjetividade na lhões de uma instituição bancária, com nefastas consequências para
análise material do tipo, não se ajustando por isso às exigências da milhares de correntistas, quanto a subtração de uma estatueta oca de
moderna dogmática penal. gesso em uma feira de artesanato.

Didatismo e Conhecimento 75
CRIMINOLOGIA
O tipo do furto é uma nuvem incriminadora na imensidão do Se existe um recurso mais suave em condições de solucionar
céu de atipicidade, mas o método abstrato, que tem a vantagem da plenamente o conflito, torna-se abusivo e desnecessário aplicar ou-
impessoalidade, tem o desconforto de alcançar comportamentos de tro mais traumático.
toda a ordem, mesmo contando com descrição taxativa. A intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal
A imperfeição não decorre da construção abstrata do tipo, mas decorrem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democráti-
da fragmentariedade do sistema criminalizador, totalmente depen- co de Direito, e são uma exigência para a distribuição mais equili-
dente de previsões genéricas, abstratas e abrangentes, incapazes de, brada da justiça.
por si sós, distinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes
que nela formalmente se subsumem. Proporcionalidade: além de encontrar assento na imperativa
Além de defeituoso o sistema de criação normativa e da ex- exigência de respeito à dignidade humana, tal princípio aparece
cessiva abrangência dos modelos objetivos, os quais não levam em insculpido em diversas passagens de nosso Texto Constitucional,
consideração a disparidade das situações concretas, concorre ainda quando abole certos tipos de sanções (art. 5º, XLVII), exige indivi-
a panacéia cultural que faz surgir, dentro do mesmo país, inúmeras dualização da pena (art. 5º, XLVI), maior rigor para casos de maior
nações, com costumes, tradições e conceitos bem diversos, mas sub- gravidade (art. 5º, XLII, XLII e XLIV) e moderação para infrações
metidas à mesma ordem de incriminação abstrata. menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relação custo-benefício.
Nesse triplo problema, déficit do sistema tipificador, diversida- Toda vez que o legislador cria um novo delito, impõe um ônus à
de cultural e abrangência demasiada de casos concretamente diver- sociedade, decorrente da ameaça de punição que passa a pairar sobre
sos, mas abstratamente idênticos, insere-se o caráter fragmentário todos os cidadãos.
do Direito Penal, fincando a questão: Como solucionar, por meio de Uma sociedade incriminadora é uma sociedade invasiva, que
descrições pontuais e abstratas, todos os variados problemas reais? limita em demasia a liberdade das pessoas.
Por outro lado, esse ônus é compensado pela vantagem de pro-
A resposta se impõe, com o reconhecimento prévio da existên-
teção do interesse tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade vê
cia da fragmentariedade e da necessidade de empregar critérios re-
limitados certos comportamentos, ante a cominação da pena, mas
paradores das falhas de todo o sistema, dentre os quais a intervenção
também desfruta de uma tutela a certos bens, os quais ficarão sob a
mínima.
guarda do Direito Penal.
Somente assim será possível compensar o alcance excessiva-
Para o princípio da proporcionalidade, quando o custo for maior
mente incriminador de hipóteses concretas tão quantitativamente
do que a vantagem, o tipo será inconstitucional, porque contrário ao
diversas do ponto de vista da danosidade social.
Estado Democrático de Direito. Em outras palavras: a criação de
A intervenção mínima tem, por conseguinte, dois destinatários
tipos incriminadores deve ser uma atividade compensadora para os
principais. Ao legislador o princípio exige cautela no momento de membros da coletividade.
eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de Com efeito, um Direito Penal democrático não pode conceber
incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segun- uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação
do comprovada experiência anterior, não puderam ser conveniente- social do que benefício à coletividade.
mente contidos pela aplicação de outros ramos do direito deverão Somente se pode falar na tipificação de um comportamento hu-
ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais. mano, na medida em que isto se revele vantajoso em uma relação de
Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao en- custos e benefícios sociais. Em outras palavras, com a transforma-
quadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser ção de uma conduta em infração penal impõe-se a toda coletividade
satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos uma limitação, a qual precisa ser compensada por uma efetiva van-
agressivos do ordenamento jurídico. Assim, se a demissão comjusta tagem: ter um relevante interesse tutelado penalmente.
causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a so-
empregado, o direito trabalhista tomou inoportuno o ingresso do ciedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a
penal. Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solu- descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de
cionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é, a resposta puni-
freguês, não há necessidade de movimentar a máquina persecutória tiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido
do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organi- ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se
zada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário. admitindo penas idênticas para crimes de lesividades distintas, ou
Da intervenção mínima decorre, como corolário indestacável, a para infrações dolosas e culposas.
característica de subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal só deve Exemplo da aplicação do princípio da proporcionalidade ocor-
atuar quando os demais campos do Direito, os controles formais e reu no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, na
sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer qual o Supremo Tribunal Federal suspendeu, por liminar, os efeitos
essa tutela. Sua intervenção só deve operar quando fracassam as de- da Medida Provisória n. 2.045/2000, que proibia o registro de armas
mais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ra- de fogo, por considerar não haver proporcionalidade entre os custos
mos do Direito. Pressupõe, portanto, que a intervenção repressiva no sociais como desemprego e perda de arrecadação tributária e os be-
círculo jurídico dos cidadãos só tenha sentido como imperativo de nefícios que compensassem o sacrifício.
necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e último Necessário, portanto, para que a sociedade suporte os custos
recurso para a proteção do bem jurídico, cedendo a ciência criminal sociais de tipificações limitadoras da prática de determinadas con-
a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana a dutas, que se demonstre a utilidade da incriminação para a defesa do
outros campos do Direito, e atuando somente em último caso (ulti- bem jurídico que se quer proteger, bem como a sua relevância em
ma ratio) (Nilo Batista). cotejo com a natureza e quantidade da sanção cominada.

Didatismo e Conhecimento 76
CRIMINOLOGIA
Humanidade: a vedação constitucional da tortura e de trata- O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos
mento desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5º, III), a os chamados “delitos de perigo abstrato”, pois, segundo ele, não há
proibição da pena de morte, da prisão perpétua, de trabalhos força- crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.
dos, de banimento e das penas cruéis (art. 5º, XLVII), o respeito e Não se confunde com princípio da exclusiva proteção do bem jurí-
proteção à figura do preso (art. 5º, XLVIII, XLIX e L) e ainda nor- dico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente
mas disciplinadoras da prisão processual (art. 5º, LXI, LXII, LXIII, morais, éticos ou religiosos, mas tão-somente os bens fundamentais
LXIV, LXV e LXVI), apenas para citar alguns casos, impõem ao para a convivência e o desenvolvimento social. Na ofensividade,
legislador e ao intérprete mecanismos de controle de tipos legais. somente se considera a existência de uma infração penal quando
Disso resulta ser inconstitucional a criação de um tipo ou a
houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No
cominação de alguma pena que atente desnecessariamente contra
primeiro, há uma limitação quanto aos interesses que podem ser tu-
a incolumidade física ou moral de alguém (atentar necessariamen-
telados pelo Direito Penal; no segundo, só se considera existente o
te significa restringir alguns direitos nos termos da Constituição e
quando exigido para a proteção do bem jurídico). delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo
Do princípio da humanidade decorre a impossibilidade de a efetivo, real e concreto.
pena passar da pessoa do delinquente, ressalvados alguns dos efeitos “A função principal do princípio da exclusiva proteção de bens
extrapenais da condenação, como a obrigação de reparar o dano na jurídicos é a de delimitar uma forma de direito penal, o direito penal
esfera cível, que podem atingir os herdeiros do infrator até os limites do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral,
da herança, (CF, art. 5º, XLV). os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias
sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma
Necessidade e idoneidade: decorrem da proporcionalidade. A penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser
incriminação de determinada situação só pode ocorrer quando a ti- conceituado como um conjunto normativo destinado à tutela de bens
pificação revelar-se necessária, idônea e adequada ao fim a que se jurídicos, isto é, de relações sociais conflitivas vaI oradas positiva-
destina, ou seja, à concreta e real proteção do bem jurídico. mente na sociedade democrática. O princípio da ofensividade, por
Quando a comprovada demonstração empírica revelar que o sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou forma do direito
tipo não precisava tutelar aquele interesse, dado que outros campos penal, senão que expressa uma forma de compreender ou de conce-
do direito ou mesmo de outras ciências têm plenas condições de ber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico. E disso deriva,
fazê-lo com sucesso, ou ainda quando a descrição for inadequada, como já afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras for-
ou ainda quando o rigor for excessivo, sem trazer em contrapartida a mas de delito (mera desobediência, simples violação da norma im-
eficácia pretendida, o dispositivo incriminador padecerá de insupe- perativa etc.). Em face do exposto impende a conclusão de que não
rável vício de incompatibilidade vertical com os princípios constitu- podemos mencionar tais princípios indistintamente, tal como vêm
cionais regentes do sistema penal. fazendo alguns setores da doutrina e da jurisprudência estrangeira”
Nenhuma incriminação subsistirá em nosso ordenamento jurí- (Princípio da ofensividade).
dico, quando a definição legal revelar-se incapaz, seja pelo crité- A função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão
rio definidor empregado, seja pelo excessivo rigor, seja ainda pela punitiva estatal, de maneira que não pode haver proibição penal sem
afronta à dignidade humana, de tutelar concretamente o bem jurí- um conteúdo ofensivo a bens jurídicos.
dico. O legislador deve se abster de formular descrições incapazes de
Surge, então, a necessidade de precisa definição do bem jurídi-
lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o interesse tutelado pela
co, sem o que a norma não tem objeto e, por conseguinte, não pode
norma. Caso isto ocorra, o tipo deverá ser excluído do ordenamento
existir. Um tipo sem bem jurídico para defender é como um proces-
jurídico por incompatibilidade vertical com o Texto Constitucional.
so sem lide para solucionar, ou seja, um nada.
Toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um bem ju-
O conceito de bem jurídico é, atualmente, um dos maiores desa-
fios de nossa doutrina, na busca de um direito protetivo e garantista, rídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância
e, portanto, obediente ao Estado Democrático de Direito. social, será considerada nula e materialmente inconstitucional.
O intérprete também deve cuidar para que em específico caso
Ofensividade, princípio do fato e da exclusiva proteção do concreto, no qual não se vislumbre ofensividade ou real risco de
bem jurídico: não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao afetação do bem jurídico, não haja adequação na descrição abstrata
menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao contida na lei.
bem jurídico. A punição de uma agressão em sua fase ainda embrio- Em vista disso, somente restará justificada a intervenção do Di-
nária, embora aparentemente útil do ponto de vista da defesa social, reito Penal quando houver um ataque capaz de colocar em concreto
representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma atuação de- e efetivo perigo um bem jurídico.
masiadamente intervencionista do Estado. Delineando-se em termos precisos, a noção de bem jurídico
Como ensina Luiz Flávio Gomes, “o princípio do fato não per- poderá exercer papel fundamental como mecanismo garantidor e
mite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das limitador dos abusos repressivos do Poder Público.
pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes inter- Sem afetar o bem jurídico, não existe infração penal. Trata-se
nas (enquanto não exteriorizada a conduta delitiva)...”. de princípio ainda em discussão no Brasil. Entendemos que subsis-
A atuação repressivo-penal pressupõe que haja um efetivo e te a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em
concreto ataque a um interesse socialmente relevante, isto é, o surgi- nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do
mento de, pelo menos, um real perigo ao bem jurídico. bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário,

Didatismo e Conhecimento 77
CRIMINOLOGIA
reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo Princípio da co-culpabilidade ou corresponsabilidade: enten-
concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo de que a responsabilidade pela prática de uma infração penal deve
do Estado em proteger adequadamente certos interesses. Eventuais ser compartilhada entre o infrator e a sociedade, quando essa não
excessos podem, no entanto, ser corrigidos pela aplicação do prin- lhe tiver proporcionado oportunidades. Não foi adotado entre nós.
cípio da proporcionalidade (Cf. sobre o assunto nosso Estatuto do
Desarmamento). Os limites do controle material do tipo incriminador
Princípio da autorresponsabilidade: os resultados danosos É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação
que decorrem da ação livre e inteiramente responsável de alguém só
ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o le-
podem ser imputados a este e não àquele que o tenha anteriormen-
gislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta
te motivado. Exemplo: o sujeito, aconselhado por outro a praticar
pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,
esportes mais “radicais”, resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendo
um acidente e vindo a falecer. O resultado morte não pode ser im- não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
putado a ninguém mais além da vítima, pois foi a sua vontade livre, Imaginemos um tipo com a seguinte descrição: “manifestar
consciente e responsável que a impeliu a correr riscos. ponto de vista contrário ao regime político dominante ou opinião
capaz de causar melindre nas lideranças políticas”. Por evidente, a
Princípio da responsabilidade pelo fato: o direito penal não se par de estarem sendo obedecidas as garantias formais de veicula-
presta a punir pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser ção em lei, materialmente esse tipo não teria qualquer subsistência,
das pessoas, mas, ao contrário, fatos devidamente exteriorizados no por ferir o princípio da dignidade humana e, assim, não resistir ao
mundo concreto e objetivamente descritos e identificados em tipos controle de compatibilidade vertical com os princípios insertos na
legais. A função do Estado consiste em proteger bens jurídicos con- ordem constitucional. Na doutrina não existe divergência a respeito.
tra comportamentos externos, efetivas agressões previamente des- A polêmica circunscreve-se aos limites desse controle por parte do
critas em lei como delitos, bem como estabelecer um compromisso Poder Judiciário. Entendemos que, a despeito de necessária, a verifi-
ético com o cidadão para o melhor desenvolvimento das relações cação do conteúdo da norma deva ser feita em caráter excepcional e
intersociais. Não pode castigar meros pensamentos, ideias, ideo- somente quando houver clara afronta à Constituição.
logias, manifestações políticas ou culturais discordantes, tampou- Com efeito, a regra do art. 5º XXXIX, da Constituição Federal,
co incriminar categorias de pessoas. Os tipos devem definir fatos, segundo a qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem
associando-Ihes penas, e não estereotipar autores. Na Alemanha
pena sem prévia cominação legal”, incumbiu, com exclusividade, ao
nazista, por exemplo, não havia propriamente crimes, mas crimino-
legislador a tarefa de selecionar, dentre todas as condutas do gênero
sos. Incriminavam-se os “traidores” da nação ariana e não os fatos
humano, aquelas capazes de colocar em risco a tranquilidade social
eventualmente cometidos. Eram tipos de pessoas, não de condutas.
Castigavam-se a deslealdade com o Estado, as manifestações ide- e a ordem pública. A isso se convencionou chamar “função seletiva
ológicas contrárias à doutrina nacional-socialista, os subversivos e do tipo”.
assim por diante. Não pode existir, portanto, um direito penal do A missão de detectar os anseios nas manifestações sociais é
autor, mas sim do fato. específica de quem detém mandato popular. Ao Poder Legislativo
cabe, por conseguinte, a exclusiva função de selecionar as condu-
Princípio da imputação pessoal: o direito penal não pode cas- tas mais perniciosas ao convívio social e defini-Ias como delitos,
tigar um fato cometido por quem não reúna capacidade mental su- associando-Ihes penas. A discussão sobre esses critérios escapa à
ficiente para compreender o que faz ou de se determinar de acordo formação predominantemente técnica do Poder Judiciário. Daí por
com esse entendimento. Não pune os inimputáveis. que, em atenção ao princípio da separação dos Poderes, ínsito em
nosso Texto Constitucional (art. 2º, III), o controle judicial de cons-
Princípio da personalidade: ninguém pode ser responsabiliza- titucionalidade material do tipo deve ser excepcional e exercido em
do por fato cometido por outra pessoa. A pena não pode passar da caso de flagrante atentado aos princípios constitucionais sensíveis.
pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV). Não padecendo de vícios explícitos em seu conteúdo, não cabe ao
magistrado determinar o expurgo do crime de nosso ordenamento
Princípio da responsabilidade subjetiva: nenhum resultado jurídico, sob o argumento de que não reflete um verdadeiro anseio
objetivamente típico pode ser atribuído a quem não o tenha produzi-
popular. O controle material é, por essa razão, excepcional e deve
do por dolo ou culpa, afastando-se a responsabilidade objetiva. Do
ser feito apenas em casos óbvios de afronta a direitos fundamentais
mesmo modo, ninguém pode ser responsabilizado sem que reúna
do homem.
todos os requisitos da culpabilidade. Por exemplo: nos crimes quali-
ficados pelo resultado, o resultado agravador não pode ser atribuído
a quem não o tenha causado pelo menos culposamente. Tome-se o Da Parte Geral do Código Penal: finalidade
exemplo de um sujeito que acaba de conhecer um hemofílico e, após
breve discussão, lhe faz um pequeno corte no braço. Em face da pa- Ao se analisar o Código Penal brasileiro, verifica-se que a sua
tologia já existente, a vítima sangra até morrer. O agente deu causa estrutura sistemática possibilita, desde logo, vislumbrar os princí-
à morte (conditio sine qua non), mas não responde por ela, pois não pios comuns e as orientações gerais que o norteiam. É a denominada
a causou com dolo (quem quer matar corta a artéria aorta, não o “Parte Geral”. Nela constam os dispositivos comuns incidentes so-
braço), nem com culpa (não tinha como prever o desfecho trágico, bre todas as normas. Na concepção de Wetzel, a finalidade da Parte
pois desconhecia a existência do problema anterior). É a inteligência Geral do Código Penal é assinalar as características essenciais do
do art. 19 do CP. delito e de seu autor, comuns a todas as condutas puníveis.

Didatismo e Conhecimento 78
CRIMINOLOGIA
Assim é que toda ação ou omissão penalmente relevante é uma Com a ruptura do paradigma do Estado Liberal e a formação
unidade constituída por momentos objetivos e subjetivos. A reali- do Estado Social, no qual são cunhados os direitos sociais, os direi-
zação dessas condutas percorre diferentes etapas: a preparação, a tos fundamentais clássicos são revisados sob essa nova perspectiva
tentativa e a consumação. A comunidade pode valorar tais condutas paradigmática, como por exemplo, o direito de propriedade e sua
como jurídicas ou antijurídicas, culpáveis ou não. Elas estão relacio- função social. Políticas públicas são implantadas a fim de planificar
nadas inseparavelmente com seu autor, cuja personalidade, vontade desigualdades, ou seja, constituem uma tentativa de propiciar justiça
e consciência imprimem sua peculiaridade. Expor esses momentos social a partir da efetiva garantia de igualdade de chances e de uma
é a missão da Parte Geral, competindo, por sua vez, à Parte Especial maior distribuição de riquezas.
delimitar as classes particulares de delitos, como o homicídio, o es-
Contudo, a impossibilidade de o Estado Social resolver todas as
tupro, o dano etc.
demandas e a crítica às políticas eticizantes decorrentes do paterna-
Miguel Reale Júnior acentua a função restritiva da Parte Ge-
lismo socioestatal, que alijam minorias, já que normatizam questões
ral, ao fixar certos limites de incidência das normas incriminado-
ras e das sanções. E, referindo-se ao ensinamento de Romagnosi, sem a provável adesão dos seus destinatários, fundamentam a crítica
sustenta “que a liberdade legal depende da fixação de quais são as e propõem a ruptura deste paradigma.
ações verdadeiramente criminosas, tarefa que compreende não só a Destarte, no contexto do paradigma do Estado Democrático de
especificação de quais são os atos que podem a buon diritto cair sob Direito, este se funda nas autonomias pública e privada dos indiví-
sanção, mas também dos limites dentre os quais o delito tem exis- duos, que são garantidas através de sua co-originalidade e equipri-
tência e os quais, ao se ultrapassar, deixam de existir e nem punir se mordialidade. Na formulação de Habermas: A intuição expressa-se,
possa. Esta finalidade ao ver de Romagnosi não é apenas um objeto por um lado, no fato de que os cidadãos só podem fazer um uso ade-
importantíssimo mas primário para o legislador que comanda e para quado de sua autonomia pública quando são independentes o bas-
os cidadãos que obedecem”. tante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimemen-
te assegurada; mas também no fato de que só poderão chegar a uma
A vítima de crime no Estado Democrático de Direito regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado
de sua autonomia pública enquanto cidadãos do Estado. (Habermas)
A importância da vítima para a Vitimologia foi definida em três Assim, no Estado Democrático de Direito, o cidadão deve ser
fases: a fase protagonista, identificada com a vingança privada e a compreendido como autor e destinatário do direito, de modo que a
justiça privada; a fase de neutralização, fundada na compreensão principal mudança, baseada na crítica às políticas eticizantes do Es-
da expropriação do conflito penal pelo Estado; e a fase da redes- tado Social, há pouco ressaltada, consiste justamente na participação
coberta, que se inicia a partir da Segunda Guerra Mundial, com a
dos afetados no processo de construção e reconstrução comunicativa
formação e a estruturação da Vitimologia como ciência autônoma,
de seus direitos, aliando autonomia pública e autonomia privada.
ou vinculada à Criminologia. (Gomes).
Como analisam Canêdo e Chamon Junior: O Estado Democrático
Importante salientar que a denominação redescoberta da víti-
ma, para a fase atual de estudo da Vitimologia (como ressalta Ana de Direito implica uma pretensão de aceitabilidade do Direito por
Sofia Schimidt de Oliveira), não é adequada, já que sugere um retor- todos, diferente do Estado do Bem-Estar social, em que a expansão
no à “Idade de Ouro”, isto é, a retomada de um papel anterior, que do Estado, no sentido de buscar um tratamento jurídico de qualquer
era o de protagonista (Oliveira). Ela não é adequada, pois não condiz situação que visasse o “fim social”, acabou criando “guetos jurídi-
com o paradigma do Estado Democrático de Direito, cunhado em cos” (direito dos negros, da criança, das mulheres, dos idosos etc)
sua visão procedimentalista, que será exposta em sequência, já que sem que houvesse uma efetiva participação dos afetados pelas nor-
indicaria a retomada da vingança privada, o que de forma alguma é mas criadas. (Canedo e Chamon).
pretensão daqueles que estudam a vítima. E é justamente a partir desta compreensão do Estado Democrá-
Assim, é de se perquirir qual seja o papel pretendido para a tico de Direito que se precisa analisar a participação da vítima de
vítima no Estado Democrático de Direito, compreendido a partir crime na solução do fato, com base no devido processo penal.
de uma visão procedimentalista do Direito (Habermas). Para tanto,
será feita uma breve exposição a respeito dos paradigmas do Estado O movimento vitimológico no Estado Democrático de Direito
Liberal e do Estado Social, e de sua ruptura, até se atingir a compre-
ensão do paradigma do Estado Democrático de Direito. Adotando a compreensão do Estado Democrático de Direito a
No paradigma do Estado Liberal, vislumbra-se uma divisão partir da concepção jurídica procedimentalista de Habermas, é im-
entre a sociedade civil e seus interesses, como liberdade, proprie- portante definir a perspectiva do movimento vitimológico, no refe-
dade, relação de trabalho, isto é, a esfera privada do indivíduo, e a
rido paradigma.
sociedade política, definida como a esfera pública. De modo que os
Para tanto, é possível buscar amparo na análise feita por Ha-
direitos são compreendidos como normas abstratas e genéricas, que
bermas do movimento feminista, que antes polarizava entre as pers-
garantam a menor intervenção na esfera privada dos indivíduos e,
assim, os direitos fundamentais estruturam-se como forma de limi- pectivas do Estado Liberal, igualdade de liberdades subjetivas, e do
tação da atuação estatal. Estado Social: políticas públicas que garantam justiça social.
A crítica ao Estado Liberal decorre da não consecução das liber- Isso porque, em um primeiro momento, as demandas femininas
dades individuais como realizadores de justiça social, já que direitos eram por direitos de iguais liberdades subjetivas, como direito ao
como igualdade, liberdade e propriedade são garantidos somente em voto e direito à igualdade de tratamento, coibindo discriminações
seu “status jurídico negativo” (Habermas). existentes no âmbito da educação, do trabalho.

Didatismo e Conhecimento 79
CRIMINOLOGIA
Mas as garantias de liberdades subjetivas, apenas em seu as- A questão da Sobrevitimização
pecto negativo, não propiciavam a efetivação dos respectivos direi-
tos. Por consequência, na perspectiva do Estado Social, se impõe a A Vitimologia inicia-se, em sua perspectiva criminológica, a
necessidade de políticas públicas de proteção, principalmente nas partir do estudo do comportamento vitimal, de suas causas biológi-
áreas relativas ao trabalho e à família, para compensação das de- cas, antropológicas e sociais, realizando pesquisas, a fim de definir
sigualdades. Contudo, as políticas paternalistas do Estado Social classificações e categorias para as vítimas, analisando o comporta-
ampliaram ainda mais as desigualdades e a segregação, gerando o mento da vítima como uma das causas da culpabilidade do autor.
fenômeno da feminização da pobreza. Ou seja, a instituição de polí- Mas, como ressaltado por Bustos, o movimento vitimológico, no
ticas que ao invés de protegerem acabam gerando discriminação dos paradigma do Estado Democrático de Direito, compreende e criti-
destinatários, daqueles que visava proteger. ca esses estudos de feições positivistas (Bustos), que se propõem a
Logo, a crítica ao modelo eticizante do Estado Social pode ser estudar a vitimização primária. No novo paradigma, o estudo da ví-
rompida com a compreensão da coesão interna entre autonomias pú- tima reclama a compreensão de que o crime representa um conflito
de natureza dialógica, assim revelado por Bustos: esto no significa
blica e privada, pela qual os sujeitos de direitos são compreendidos
desconocer que los tipos penales no describen un comportamiento,
tanto como autores, quanto como destinatários das normas jurídicas.
sino un âmbito situacional y, por tanto, que hay que tener en cuenta
Pois, no Estado Democrático de Direito, busca-se a participação dos
la posición y actitud de la víctima, y que por ello los tipos penales
afetados, através da compreensão de seu papel como sujeito de di- expresan um conflito y, consecuentemente, una relación dialogal
reitos, na formulação das pautas públicas. (autor,víctima, colectivo, Estado).
Com conclui Habermas a respeito das políticas femininas de É em virtude de sua natureza dialógica que ganham respaldo as
equiparação: ... surge agora uma concepção jurídica procedimen- críticas do movimento abolicionista a respeito da posição do Estado,
talista, segundo a qual o processo democrático precisa assegurar ao como aquele que rouba o conflito dos seus verdadeiros protagonistas
mesmo tempo a autonomia privada e autonomia pública: os direitos (Hulsman e Celis).
subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento au- Logo, no Estado Democrático de Direito, o movimento vitimo-
tônomo e provado para suas próprias vidas, não podem ser formula- lógico volta seus olhos para o estudo da sobrevitimização, também
dos de modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e denominada vitimização secundária, gerada a partir do “indevido
fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento funcionamento do sistema processual e da irregular atuação da má-
igual ou desigual em casos típicos. (Habermas) quina policial e judiciária” (Fernandes).
Esse é o ponto de contato para a compreensão do movimento Atualmente, tem-se atribuído muito mais relevo à preocupação
vitimológico no paradigma do Estado Democrático de Direito: não com a vitimização secundária, do que com a primária. Como revela
se pode propor políticas de proteção às vítimas de crime sem lhes Ana Sofia Schimidt de Oliveira: Vale analisar alguns possíveis mo-
garantir a participação na definição de pautas publicas relevantes e tivos pelos quais a vitimização secundária é mais preocupante que
adequadas e sem a garantia de sua participação no processo penal, a primária. O primeiro deles diz respeito ao desvio de finalidade:
como sujeito de direitos. afinal, as instâncias formais de controle social destinam-se a evitar a
Ou seja, compreender a vítima de crime como sujeito de direi- vitimização. Assim, a vitimização secundária pode trazer uma sen-
tos, garantindo- lhe a co-originalidade de sua autonomia privada e sação de desamparo e frustração maior que a vitimização primária
sua autonomia cidadã. (do delinquente, a vítima não esperava ajuda ou empatia). (Oliveira)
Assim, a posição da vítima no processo penal, fundada na com- Esse ponto deve ser analisado sob o paradigma do Estado De-
preensão da expropriação do conflito pelo Estado, na qual esta (a ví- mocrático de Direito. Não é aceitável, sob este paradigma, que aque-
tima) era neutralizada, já que seu interesse era a vingança, não pode le que é o titular responsável pela tutela jurisdicional, necessária
mais ser sustentada. Bem como, não se pode afirmar que o estudo da para efetivar o devido processo penal, ao atuar, lese direitos daquele
que já foi atingido e prejudicado pelo delito.
fase atual da Vitimologia se denomine redescoberta.
Cumpre afirmar que a sobrevitimização, expressão aqui usa-
Na visão procedimentalista do direito, é necessário garantir às
da como sinônima de vitimização secundária, foi preferida por
vítimas dos delitos a possibilidade de participar do contraditório de-
demonstrar com maior eficácia o desvio de finalidade da atuação
finido no processo penal, já que o devido processo legal visa a re- jurisdicional, porque reforça a noção de uma nova vitimização em
construir o fato delituoso, o qual foi protagonizado por dois sujeitos: decorrência do aparato processual penal, e não apenas de uma con-
o acusado e a vítima. sequência da vitimização primária, como se denota da expressão
Pois o processo, na referida concepção, define-se como um con- “vitimização secundária”.
junto de atos e posições subjetivas, dirigidas a um provimento final, A sobrevitimização é, portanto, o desrespeito às garantias e aos
realizado em contraditório pelos afetados pela decisão (Fazallari). direitos fundamentais das vítimas de crime no processo penal, que
Assim, é através do procedimento realizado em contraditório que os olvida a compreensão de que a vítima é sujeito de direitos, e como
afetados participam da construção do provimento final, em posição tal deve ter garantida a participação no processo penal como parte
de simétrica paridade, pois a eles incumbe o ônus da argumentação contraditora, já que também afetada pela decisão jurisdicional.
da norma jurídica mais adequada ao caso concreto. (Gunther) Nessa perspectiva, ganha importância a Declaração de princí-
Conclui-se, portanto, que no paradigma do Estado Democráti- pios básicos de justiça para as vítimas de delitos e abuso de poder,
co de Direito deve-se garantir a participação das vítimas de crimes, aprovada pela ONU em 1985. Pois ela pontua e define justamente
tanto nas decisões a respeito das políticas públicas de proteção, de direitos e garantias para as vítimas, a fim de, exatamente, evitar a
definição e garantia de direitos fundamentais, como também sua sobrevitimização, já que enfoca garantias como o acesso à justiça e
participação no processo que reconstruirá o fato criminoso, ou seja, o tratamento justo das vítimas, a assistência às vítimas e o direito à
no processo penal. reparação do dano.

Didatismo e Conhecimento 80
CRIMINOLOGIA
QUESTÕES DE PROVA ANTERIOR 7. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) Assinale a
afirmativa correta.
1. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) Constituem a) A Escola de Chicago faz parte da Teoria Crítica.
objeto de estudo da Criminologia b) O delito não é considerado objeto da Criminologia.
a) o delinquente, a vítima, o controle social e o empirismo. c) A Criminologia não é uma ciência empírica.
b) o delito, o delinquente, a interdisciplinaridade e o controle d) A Teoria do Criminoso Nato é de Merton.
social e) Cesare Lombroso e Raffaelle Garofalo pertencem à Escola
c) o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. Positiva.
d) o delinquente, a vitima, o controle social e a interdisciplina-
ridade.
e) o delito, o delinquente, a vítima e o método. GABARITO:

2. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) O Positivis- 1 C


mo Criminológico, com a Scuola Positiva italiana, foi encabeçado 2 A
por 3 E
a) Lombroso, Garofolo e Ferri 4 B
b) Luchini, Ferri e Del Vecchio 5 D
c) Dupuy, Ferri e Vidal. 6 A
d) Lombroso, Dupuy e Garofolo. 7 E
e) Baratta, Adolphe e Vidal.

3. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) O efeito EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO


criminógeno da grande cidade, valendo-se dos conceitos de desor-
ganização e contágio inerentes aos modernos núcleos urbanos, é 1. A criminologia é uma ciência que dispõe de leis
explicado pela a) imutáveis e evolutivas.
a) Teoria do Criminoso Nato. b) inflexíveis e evolutivas.
b) Teoria da Associação Diferencial c) permanentes e flexíveis.
c) Teoria da Anomia. d) flexíveis e restritivas.
d) Teoria do Labelling Aproach. e) evolutivas e flexíveis.
e) Teoria Ecológica.

4. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) O comporta- 2. “L’uomo delinquente” ou “O homem delinquente” é uma
mento abusivo, praticado com gestos, palavras e atos que, praticados obra clássica da criminologia, de autoria de
de forma reiterada, levam á debilidade física ou psíquica de uma a) Marquês de Beccaria.
pessoa b) Césare Lombroso.
a) define reação ao crime. c) Francesco Carrara.
b) define assédio moral. d) Pellegrino Rossi.
c) é um mecanismo intimidatóno, mas não criminoso. e) Enrico Pessina.
d) é a despersonalização do eu, que aflige grande número de
detentos.
e) define efetividade do impacto dissuasório. 3. Segundo a teoria behaviorista, o homem comete um delito
porque e seu comportamento
5. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) A prevenção a) é uma resposta às causas ou fatores que o levam à prática do
terciária da infração penal, no Estado Democrático de Direito, está crime.
relacionada b) decorre de sua própria natureza humana, independentemente
a) ao controle dos meios de comunicação. de fatores internos ou externos.
b) aos programas policiais de prevenção. c) é dominado por uma vontade insana de praticar um crime.
c) à ordenação urbana. d) não permite a distinção entre o bem e o mal.
d) à população carcerária. e) impede-o de entender o caráter delituoso da ação praticada.
e) ao surgimento de conflito.

6. (PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia) Assinale a 4. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Agente de Polícia) É correto
alternativa incorreta. A Teoria do Etiquetamento afirmar que a Criminologia contemporânea tem por objetos
a) é considerada um dos marcos das teorias de consenso. (A) o delito, o delinquente, a vítima e o controle social.
b) é conhecida como Teoria do Labelling Aproach. (B) a tipificação do delito e a cominação da pena.
c) tem como um de seus expoentes Ervinh Goffman. (C) apenas o delito, o delinquente e o controle social.
d) tem como um de seus expoentes Howard Becker. (D) apenas o delito e o delinquente.
e) surgiu nos Estados Unidos. (E) apenas a vítima e o controle social.

Didatismo e Conhecimento 81
CRIMINOLOGIA
5. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Agente de Polícia) O compor- 10. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Agente de Polícia) Entende(m)-
tamento inadequado da vítima que de certo modo facilita, instiga ou -se por prevenção primária
provoca a ação de seu verdugo é denominado (A) as ações policiais dirigidas aos indivíduos vulneráveis.
(A) vitimização terciária.
(B) as políticas públicas dirigidas aos grupos de risco.
(B) vitimização secundária.
(C) periculosidade vitimal. (C) aquela dirigida exclusivamente ao preso, em busca de sua
(D) vitimização primária. reinserção familiar e/ou social.
(E) vitimologia. (D) o trabalho de conscientização social, o qual atua no fenô-
meno criminal, em sua etiologia.
(E) aquela que age em momento posterior ao crime ou na imi-
6. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Perito Criminal) Assinale a nência de seu acontecimento.
alternativa correta.
(A) No modelo clássico (tradicional) de Justiça Criminal, a ví-
tima é encarada como mero objeto, pois dela se espera que cumpra
seu papel de testemunha, com todos os inconvenientes e riscos que 11. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Investigador de Polícia) A
isso acarreta. atuação das polícias, do ministério público e da justiça criminal,
(B) A Vitimologia não possui relação com a Sociologia. quando focada em determinados grupos ou setores da sociedade, por
(C) A Vitimologia não estuda a vítima e suas relações com o possuírem maior risco de praticar o crime ou de ser vitimados por
infrator e com o sistema de persecução criminal. este, constitui programa de prevenção
(D) A Vitimologia não possui relação com a Criminologia. (A) secundária.
(E) No modelo clássico (tradicional) de Justiça Criminal, a ví- (B) quaternária.
tima é encarada como sujeito passivo da relação jurídica, pois dela
(C) primária.
se espera que cumpra seu papel de ofendido, com todos os direitos e
deveres que isso acarreta. (D) quinária.
(E) terciária.

7. (MPE-SC - 2013 - MPE-SC - Promotor de Justiça) A polí-


tica criminal do Direito Penal Funcional sustenta, como moderniza- 12. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Escrivão de Polícia Civil) São
ção funcional no combate à “criminalidade moderna”, uma mudan- teorias do consenso as teorias
ça semântico-dogmática, tal como: “perigo” em vez de dano; “risco” (A) da desorganização social; da identificação diferencial; da
em vez de ofensa efetiva a um bem jurídico; “abstrato” em vez de
concreto; “tipo aberto” em vez de fechado; e “bem jurídico coletivo” criminologia crítica.
em vez de individual. (B) do etiquetamento; da associação diferencial; do conflito
cultural.
a) VERDADEIRA (C) da criminologia crítica; da subcultura; do estrutural funcio-
b) FALSA nalismo.
(D) da criminologia radical; da associação diferencial; da iden-
tificação diferencial.
8. (MPE-SC - 2013 - MPE-SC - Promotor de Justiça) A cri-
(E) da desorganização social; da neutralização; da associação
minalização primária, realizada pelos legisladores, é o ato e o efeito
de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a puni- diferencial.
ção de determinadas pessoas; enquanto a criminalização secundária,
exercida por agências estatais como o Ministério Público, Polícia e
Poder Judiciário, consistente na ação punitiva exercida sobre pesso- 13. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Escrivão de Polícia Civil)
as concretas, que acontece quando é detectado uma pessoa que se Assinale a alternativa correta, a respeito da Vitimologia.
supõe tenha praticado certo ato criminalizado primariamente. (A) O comportamento da vítima em nada contribui para a ocor-
rência do crime contra si praticado.
a) VERDADEIRA
(B) A Vitimologia estuda o papel da vítima no episódio danoso,
b) FALSA
o modo pelo qual participa, bem como sua contribuição na ocorrên-
cia do delito.
9. (MPE-SC - 2013 - MPE-SC - Promotor de Justiça) Em (C) A Vitimologia nasceu como ramo das ciências jurídicas, por
sede de Política Criminal, o Direito Penal de segunda velocidade, conta das observações feitas pelos estudiosos a respeito do compor-
identificado, por exemplo, quando da edição das Leis dos Crimes tamento da vítima perante o ordenamento jurídico em vigor.
Hediondos e do Crime Organizado, compreende a utilização da (D) A Vitimologia surgiu, como ramo da Criminologia, em
pena privativa de liberdade e a permissão de uma flexibilização de 1876, por meio da obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lom-
garantias materiais e processuais.
broso.
a) VERDADEIRA (E) O comportamento da vítima sempre contribui para a ocor-
b) FALSA rência do crime contra si praticado.

Didatismo e Conhecimento 82
CRIMINOLOGIA
14. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Escrivão de Polícia Civil)
Entende-se por sobrevitimização ANOTAÇÕES
(A) a vitimização secundária, a qual consiste em sofrimento
causado à vítima pelas instâncias formais da justiça criminal.
(B) a vitimização secundária, a qual consiste em efeitos decor-
rentes do crime, como, por exemplo, o dano patrimonial, físico e
moral sofridos pela vítima, como consequência do crime. —————————————————————————
(C) a vitimização primária, a qual consiste em discriminação
oriunda do círculo de relacionamentos familiares e sociais da vítima, —————————————————————————
em razão do delito.
(D) a vitimização primária, a qual consiste em efeitos decorren- —————————————————————————
tes do crime, como, por exemplo, o dano patrimonial, físico e moral —————————————————————————
sofridos pela vítima, como consequência do crime.
(E) a vitimização terciária, a qual consiste em discriminação —————————————————————————
oriunda do círculo de relacionamentos familiares e sociais da vítima,
em razão do delito. —————————————————————————
—————————————————————————
15. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Escrivão de Polícia Civil) As
políticas públicas de prevenção criminal terciária têm por público- —————————————————————————
-alvo
(A) a vítima de violência doméstica. —————————————————————————
(B) o adolescente.
—————————————————————————
(C) o preso.
(D) o idoso. —————————————————————————
(E) o usuário de drogas ilícitas
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GABARITO:
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1 E —————————————————————————
2 B
3 A —————————————————————————
4 A —————————————————————————
5 C
6 A —————————————————————————
7 A
—————————————————————————
8 A
9 B —————————————————————————
10 D
11 A —————————————————————————
12 E —————————————————————————
13 B
14 A —————————————————————————
15 C
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ANOTAÇÕES —————————————————————————
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CRIMINOLOGIA

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