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2.1.4.

4 – Gases Reais

Gases Reais

Os gases que encontramos na natureza apresentam desvios em relação ao modelo de gás


ideal, que traçamos até aqui. Os experimentos de Boyle, Charles e Gay-Lussac foram feitos há
mais de dois séculos e desde então novas equações e relações que descrevem o comportamento
dos gases tem sido desenvolvidas. A lei do gás ideal é uma lei limite, como já comentamos, e os
desvios dos gases reais são grandes em relação a ela, principalmente para altas pressões e para
baixas temperaturas, notadamente nos pontos onde o gás se aproxima da liquefação.
Os desvios que os gases reais apresentam em relação ao modelo do gás ideal devem-se
as interações moleculares. As forças repulsivas entre as moléculas contribuem para a expansão do
gás e as forças atrativas, para a compressão. Estas duas interações aparecem e desviam o
comportamento do gás do modelo do gás ideal.
As forças repulsivas agem principalmente quando as moléculas do gás estão muito
próximas, quase em contato. São interações de curto alcance, geralmente na escala de tamanho
das interações moleculares. Por conta de serem de curto alcance são importantes quando os
gases estão em alta pressão, momento em que um grande número de moléculas ocupa o mesmo
espaço.
Já as forças atrativas tem alcance relativamente grande e se manifestam em distâncias
várias vezes maiores que o diâmetro molecular. Se manifestam principalmente nas distâncias
intermediárias.
O Gráfico 1 apresenta a variação da energia potencial entre duas moléculas, em função da
distância.

Gráfico 1 – Variação da energia potencial de duas moléculas em função da distância entre


ambas

Em pressões baixas, quando a amostra ocupa grande volume, as moléculas estão tão
afastadas em média umas das outras que as forças intermoleculares tem influência insignificante e
o gás comporta-se como gás ideal. Nas pressões médias, quando as moléculas estão afastadas
por alguns diâmetros moleculares, as forças atrativas dominam as repulsivas. Nestes casos a
compressibilidade é maior do que a do gás perfeito, pois as forças atrativas contribuem para a
compressão. Conforme a pressão aumenta, porém, as moléculas passam a ficar muito próximas
umas das outras e as forças repulsivas passam a ser dominantes. O gás é menos compressível
que um gás ideal.
O modelo de gás real, portanto, derruba duas das hipóteses do modelo de gás ideal: a de
que as moléculas não interagem e a de que as moléculas tem tamanho desprezível.
As forças intermoleculares também são importantes quando a temperatura é muito baixa.
Neste caso as moléculas se movem muito lentamente e uma pode ser capturada por outra.

O fator de compressibilidade
Uma indicação das propriedades discutidas é dada pelo fator de compressibilidade, Z:

Z = PVm/RT

Onde Vm é o volume molar. O fator de compressibilidade é 1 para o gás ideal em quaisquer


circunstâncias. Assim, o desvio em relação a 1 é a medida do desvio do comportamento do gás em
relação ao gás ideal. O Gráfico 2 mostra o comportamento do fator de compressibilidade para um
gás com a pressão e em três temperaturas diferentes.

Gráfico 2 – Valor do Fator de Compressibilidade com a pressão e temperatura

Em pressões muito baixas todos gases tem Z ≈ 1. E,m pressões muito altas todos os
gases tem Z>1, o que mostra que é mais difícil comprimi-los do que a um gás real (as forças
repulsivas são dominantes). Em pressões intermediárias a maioria dos gases tem Z<1, o que
mostra a maior compressibilidade (domínio das forças atrativas). Alguns gases, como o Hidrogênio,
tem Z>1 para todas as pressões.
ideal
Outra expressão para o fator de compressibilidade é Z = V m/Vm .

Liquefação de gases
A baixas temperaturas as moléculas de gases se movem tão lentamente que as atrações
moleculares podem resultar em uma molécula sendo capturada por outra e aderindo a esta ao
invés de continuar se movendo livremente. Quando a temperatura fica menor que a temperatura
do ponto de ebulição o gás se condensa a um líquido. Na temperatura do ponto de ebulição e
abaixo dela as moléculas movem-se muito lentamente para escapar umas das outras e são
mantidas juntas pelas interações moleculares.
Outra forma de condensação dos gases envolve o aumento da pressão. Conforme um gás
é comprimido este pode atingir uma pressão, a pressão de vapor, acima da qual o vapor se
condensa.
Os gases também podem se liquefeitos pelo uso da relação entre temperatura e
velocidade molecular. Uma vez que velocidade média baixa corresponde a temperatura baixa,
reduzir a velocidade das moléculas é equivalente a esfriar o gás. Permitindo a um gás ocupar
maior volume, ou de outra forma aumentando a separação média entre as moléculas, resulta em
moléculas tendo velocidade média mais baixa. Assim, gases se esfriam quando expandem. Esta
observação é chamada efeito Joule-Thomson. O efeito Joule-Thomson é usado em alguns
refrigeradores comerciais para liquefazer gases. O gás a ser liquefeito é comprimido, permitindo
que seja expandido por um pequeno orifício, chamado regulador de pressão. O gás se esfria
quando expande e entra em contato com o gás comprimido que entra, esfriando-o ainda mais. Este
ciclo leva a liquefação dos gases e também serve para separar gases de mistura, por posterior
destilação fracionada. Exceção ao efeito Joule-Thomson é o comportamento de alguns gases
como hélio e hidrogênio, que tem interações atrativas fracas e interações repulsivas relativamente
fortes. Estes gases, excepcionalmente aquecem quando expandem.

Coordenadas Críticas
A Figura 1 mostra as isotermas para o dióxido de carbono, levantadas experimentalmente.

Figura 1 – Isotermas para o Dióxido de Carbono

A isoterma Tc, em 31,04ºC é especial no comportamento dos gases. Para as isotermas em


temperaturas inferiores (por exemplo, a de 20ºC) há transição entre as fases líquida e gasosa. Na
temperatura de de 31,04ºC, porém, não aparece transição entre líquido e gás. A fase de transição
gás-líquido (como por exemplo em EDC) se resume a um ponto apenas, marcado por *. Este ponto
é chamado de ponto crítico. As propriedades neste ponto são as propriedades críticas: a
temperatura crítica (TC), volume molar crítico (VC) e pressão crítica (PC). Na temperatura crítica
e acima dela não se forma a fase gás. As coordenadas críticas são usadas em diversos cálculos
termodinâmicos.
As coordenadas críticas são usadas no princípio dos estados correspondentes que
veremos mais adiante.
Equações de van der Waals e do virial
A equação PV=nRT descreve o comportamento dos gases ideais. Para os gases reais
equações mais complexas e com mais parâmetros são necessárias. Uma das primeiras equações,
desenvolvida com base em modelo teórico, é a equação de van der Waals. Esta equação usa
uma dois parâmetros, a e b, que são próprios para cada gás e determinadas experimentalmente. A
equação é:
2 2
(P +an /V )(V – nb) = nRT

Ou escrita de outra forma, explícita para P:


2 2
P = nRT/(V – nb) – an /V

O parâmetro a representa o papel das atrações e é relativamente grande para moléculas


que se atraem fortemente. O parâmetro b representa o papel das repulsões, podendo ser pensado
como representativo do volume das moléculas individuais. O fator de compressão para um gás que
segue a equação de van der Waals é:

Z = 1/(1-nb/V) - an/RTV

Para um gás ideal a e são iguais a zero. Para um gás que tem maiores contribuições
repulsivas a é pequeno e b é grande, de forma que Z>1. Já no caso onde há maiores contribuições
atrativas ocorre o contrário e Z>1.
A vantagem da equação de van der Waals é ser analítica e levar a conclusões gerais sobre
o comportamento dos gases. A Figura 1 mostrou isotermas experimentais. Na Figura 2 temos
isotermas preditas pela equação de van der Waals.

Figura 2 – Isotermas preditas pela equação de van der Waals

Vemos que as isotermas de van der Waals são bem parecidas com as experimentais. A
parte onde há oscilação no gráfico é irreal, pois levariam a um comportamento onde aumento de
pressão levaria a aumento de volume, algo que é impossível. Estas seções são trocadas por
segmentos de reta na prática.
A equação de van der Waals tem a seu favor também o fato de prever a existência de duas
fases, algo que a equação dos gases ideais não faz.
Em temperaturas elevadas a equação de van der Waals coincidem com a dos gás perfeito,
2 2
pois a parcela RT/(Vm – b) se torna muito maior do que an /V e a equação se resume a P = RT/Vm.
Podemos relacionar as coordenadas críticas a equação de van der Waals. O ponto crítico é
um ponto de inflexão na curva e pode ser determinado diferenciando a equação de van der Waals.
A solução disto leva a:
2
Vc = 3b PC = a/(27b ) TC = 8a/(27Rb) e: Zc = PCVc/RTC = 3/8

Portanto a equação de van der Waals prevê o valor de 3/8 para Z no ponto crítico, valor
mais razoável do que o 1 previsto pela equação dos gases ideais.
A equação de van der Waals, apesar de suas vantagens, está longe de ser a equação que
representa qualquer substância gasosa, e seria muito esperar que assim o fosse com uma forma
tão simples. Por conta disto existem outras equações, muito mais complexas e geralmente
resultado de adequação de resultados experimentais. Uma das equações mais úteis é a equação
do virial.
Nos volumes molares grandes e temperaturas elevadas as isotermas experimentais pouco
diferem do comportamento previsto pela equação do gás ideal. Esta pequena diferença sugere que
a equação dos gases perfeitos seja, na verdade, apenas o primeiro termo de uma expressão mais
complexa:
2 3
PV = nRT (1 + B/V + C/V + D/V ...)

Onde B, C, D, etc. são os segundos, terceiros, etc. coeficiente de virial. Outra expressão da
equação de virial é:

PV = nRT (1+ B’P + C’P + D’P...)

Para um gás ideal dZ/dP = 0. Para um gás que segue a equação de virial sempre existe
uma temperatura onde Z = 1 e o gás tem o comportamento de gás ideal. Esta temperatura é
chamada de temperatura Boyle (TB).
Os coeficientes de virial, que dependem da temperatura – B(T), C(T), etc. – são
encontrados ajustando dados experimentais a equação. Embora a equação de virial seja exata,
muitas vezes não temos os dados dos coeficientes.

Princípio dos estados correspondentes

Uma técnica importante em estudos científicos é tentar usar escalas relativas com base
numa grandeza fundamental. No caso dos gases estas grandezas fundamentais são as grandezas
críticas, já discutidas. As grandezas relativas são chamadas variáveis reduzidas:

Pr = P/PC Vr = V/Vc Tr = T/TC

O grande ponto no uso dos valores reduzidos é o chamado princípio dos estados
correspondentes: “gases reais diferentes em estados com mesmo volume reduzido e temperatura
reduzida tem a mesma pressão reduzida”. Esta é uma aproximação boa para o comportamento
real dos gases, que geralmente falha para moléculas pouco esféricas e polares. O Gráfico 3 ilustra
o principio para 4 gases diferentes. Observa-se que num único diagrama se reúnem informações
sobre diversos gases, numa ampla diversidade de estados. Esta é a principal utilidade do princípio
dos estados correspondentes.
Gráfico 3 – Fator de compressibilidade por pressão reduzida

A equação de van der Waals pode ser expressa em termos de coordenadas reduzidas
como:
2
Pr = 8Tr/(3Vr –1) – 3/vr

Outras equações também podem ser expressas em termos de coordenadas reduzidas.

Outras equações de estado para gases reais

Como dissemos, freqüentemente, em aplicações práticas são necessárias equações mais


precisas, ajustadas para o comportamento dos gases. Algumas destas equações são dadas a
seguir:

Equação de Berthelot:

Equação de Peng-Robinson:

Equação de Redlich-Kwong:

Podemos encontrar equações com muitos mais termos, mas quanto mais complexa a
equação, mas difícil determinar os valores dos parâmetros, e assim menos acessíveis estes são.
2.1.4.4 – Exercícios Resolvidos
Exercícios de Provas da PF
Prova Perito Área 6 – 2004 Nacional

Exercícios de Outros Concursos


CESPE – Ministério da Integração Nacional – Químico

CESPE – Petrobras – Químico de Petróleo 2004


CESGRANRIO – Petrobras – Químico de Petróleo
Outros exercícios
Um gás a 250K e 15 atm tem volume molar 12% menor que o calculado pela lei dos gases
perfeitos.

1 – O fator de compressibilidade é menor que 0,85.

Correto
Podemos calcular o fator de compressibilidade sabendo que para o gás ideal o valor de Z é 1.
Z = PVm/RT = 15 atm.Vm/0,082.250K = 1 => Vm = 0,082.250/15 = 1,367 L/mol.
Portanto, o volume do gás é 0,85.1,367 = 1,16 L/mol e:
Z = PVm/RT = 15.1,16 /0,082.250 = 0,8478

2 – O volume molar do gás é maior que 1,5L/mol.

Errado
Como calculamos no item anterior, o volume molar é 1,16L/mol.

3 – As forças repulsivas são dominantes neste gás.

Errado
Como Z<1, as forças atrativas é que são dominantes.

4 – Em um processo industrial, 92,4 kg de nitrogênio são aquecidos a 500K num vaso de volume
3
constante de 1000 m . A pressão calculada por gás ideal é de cerca de 87% da calculada por van
2 -2 -2
der Waals (a= 1,408L atm.mol e b= 3,91.10 L/mol).

Correto
Por gás ideal temos que P = nRT/V. Em 92,4 kg de nitrogênio temos 3300 mols de N2 e :
3
P = 3300 mol.8,314J/(mol.K).500K/1000m = 13720 Pa

Já para van der Waals temos:


2 2 -2 2
P = nRT/(V – nb) – an /V = 3300.8,314.500/(1000 – 3300.3,91.10 )–1,408.3300/(1000 )=15750 Pa
Portanto a pressão calculada é 13720/15750 = 87% da calculada por gás ideal.

2 -1
Um gás tem as coordenadas de van de Waals – a = 0,751 L .atm.mol e b = 0,0226L/mol.

5 – O valor da pressão crítica é superior a 50 atm.

Correto
A pressão crítica para um gás que segue van der Waals é:
2 2
PC = a/(27b ) = 0,751/(27.0,0226 ) = 54,5 atm

6 – A temperatura na qual não há mais formação de líquido é menor que a temperatura ambiente.

Correto
A temperatura na qual não se forma mais a fase líquida é a temperatura crítica:
TC = 8a/(27Rb) = 8.0,751/(27.0,082.0,0226) = 120 K
Logo, a temperatura é 120K, bem abaixo da temperatura ambiente.
7 – É mais fácil comprimir este gás que o gás ideal nesta condição.

Correto
O valor de Z para um gás que segue van der Waals é 3/8 e o para o gás ideal é 1. Como o valor de
Z é menor para o gás que segue van der Waals, é mais fácil comprimi-lo que ao gás ideal.

8 – Alguns peritos estavam estudando o vazamento de um gás, que gerou intoxicação em


trabalhadores de uma fábrica. O vaso onde o gás estava armazenado era capaz de sustentar até
uma pressão de 5,5 atm tranquilamente. Os responsáveis pelo armazenamento do gás informaram
que 1,50 mols eram armazenados em cada carga e que a temperatura era mantida a 0ºC. O
volume do vaso de pressão era 5L. No laudo pericial os peritos poderiam confirmar a hipótese do
responsável pelo armazenamento, de que a causa do vazamento foi um erro no controle de
temperatura, e não a resistência do vaso a pressão do gás. Observando uma tabela, os peritos
2 -2
viram que os valores dos coeficientes de van der Waals para o gás eram a = 16,2 L .mol. atm e
-2
b=8,4.10 L/mol.

Correto
Usando a lei dos gases ideais encontraríamos uma pressão de 6,72 atm. Porém usando a equação
de van der Waals temos:
2 2 -2 2
P = nRT/(V – nb) – an /V = 1,5.0,082.273/(50-1,5.8,4.10 ) – 16,2.(1,5/5,00) = 5,44 atm

Portanto, a pressão deveria ser suportada nas condições dadas. Caso a temperatura fosse
elevada, porém, a pressão subiria e poderia realmente aumentar a chance de vazamento. A
hipótese do responsável da fábrica é razoável.

9 – A pressão de uma amostra de fluoreto de hidrogênio está mais baixa do que a esperada e
sobre mais depressa à medida que a temperatura aumenta do que o predito pela equação do gás
ideal. Este comportamento é explicado pela ligação de hidrogênio existente no HF.

Correto
A ligação de hidrogênio é importante no HF. Em baixas temperaturas estas ligações fazem com
que as moléculas de HF sejam atraídas umas pelas outras mais fortemente, formando dímeros e
cadeias, e desta forma abaixando a pressão. À medida que a temperatura aumenta, as ligações de
hidrogênio são quebradas e a pressão sobe mais rapidamente que a de um gás ideal.

10 – Analise os itens a seguir:


I - gases reais diferentes em estados com mesmo volume crítico e temperatura crítica tem a
mesma pressão crítica.
II – A equação de van der Waals prevê o comportamento correto para as transições entre gás e
líquido em todas temperaturas.
III – Os parâmetros da equação de van der Waals prevêem a polaridade da molécula e a força das
ligações internas da molécula.
Entre os itens acima existe apenas um correto.

Errado
Todos os itens são incorretos. O princípio dos estados correspondentes refere-se a valores
reduzidos e não críticos, como consta em I. A equação prevê um comportamento irreal nas
mudanças de estado (pontos onde aumento de pressão levaria a aumento de volume). Por fim, os
parâmetros a e b estão relacionados com as interações de atração (a) e repulsão (b) das
moléculas, e não com o que sugere III.

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