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RELEITURA DE OBRA DE ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR:

UM ESTUDO DE CASO

Gustavo Cunha de Araújo1


SEE/MG
gustavocaraujo@yahoo.com.br

GT 02: Educação e Arte

Resumo

Este estudo de caso de caráter descritivo e interpretativo foi realizado numa escola
pública de Mato Grosso. Teve como objetivo central entender como alunos dos últimos
anos do ensino fundamental concebem visualmente uma releitura de obra de arte no
contexto escolar. Foram utilizadas a observação participativa das aulas de Arte, a
análise bibliográfica e visual dos trabalhos produzidos pelos discentes. De acordo com
os resultados encontrados, é preciso esclarecer que o simples fato de modificarem a obra
de arte que foi tomada como base para a releitura, ao fazerem outro cenário, outras
formas no desenho etc., não é suficiente para revelarem um processo criativo, pois, é
preciso levar em consideração os domínios técnico e conceitual, para que os estudantes
possam desenvolver de maneira significativa suas criatividades e leituras. A releitura
visual não deve ser tratada como mera cópia ou atividade qualquer, sem importância em
sala de aula, ao contrário: contribui efetivamente para a produção de conhecimento, ao
possibilitar ao aluno realizar, de forma criativa, significativas leituras sobre qualquer
objeto visual da realidade a sua volta, mas, desde que sob orientação e mediação
adequada de um professor de Arte. Com efeito, tratar dessas questões é de fundamental
importância para que boas práticas docentes em Arte sejam produzidas nesse contexto
escolar.

Palavras-chave: Ensino de Arte. Releitura Visual. Educação.

1
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Graduado em Educação Artística com
Habilitação em Artes Plásticas (Artes Visuais) pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor de
Arte da Secretaria de Educação de Minas Gerais. E-mail: gustavocaraujo@yahoo.com.br.
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Introdução

O artigo tem como objetivo entender como alunos dos últimos anos do ensino
fundamental concebem visualmente uma releitura de obra de arte no contexto escolar.
Assim, alguns questionamentos surgiram durante o processo investigativo: os alunos
conseguem desenvolver seus processos criativos? Dominam conceitos sobre leitura e
releitura visual? Para a realização deste estudo foram utilizadas a observação
participativa das aulas de Arte e a análise bibliográfica das teorias que subsidiam as
reflexões produzidas neste manuscrito, e os trabalhos artísticos realizados pelos
discentes em sala de aula. Este estudo de caso se caracterizou como descritivo e
interpretativo, e teve como lócus de investigação uma escola da rede pública de ensino
em Cuiabá, Mato Grosso.
Foram observadas e analisadas seis turmas dos últimos anos do ensino
fundamental da rede pública de ensino de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, que
totalizaram aproximadamente 120 alunos. Vale lembrar que essas turmas tinham duas
aulas de Arte por semana, com carga horária de 2h/a, e a obra escolhida para releitura
visual para a produção dos trabalhos foi “Monalisa”, do artista italiano Leonardo Da
Vinci, que é uma das mais populares e conhecidas obras de arte em todo o mundo, daí, a
escolha do professor de Arte em utilizá-la em suas aulas.

1. O Ensino de Arte na Educação Escolar

A discussão em torno do ensino da Arte como obrigatória no currículo das


escolas primárias e secundárias brasileiras começou a ter maior destaque no cenário
educacional nas primeiras décadas do século XX. Na medida que o currículo se
modificou, passou-se a ter menos noções de geometria no conteúdo de desenho.
Segundo Barbosa (2010) a geometria se tornou matéria imprescindível para exames de
admissão ao ensino superior e, consequentemente, o desenho geométrico passou a ter
maior importância no currículo da escola nas aulas de Educação Artística. Nessa época,
o ensino da Arte na educação se restringia ao ensino do desenho (IAVELBERG;
MENEZES, 2013), pensamento este que também é compartilhado pela autora Barbosa
(2010, p.33): “antes de tudo, o ensino de arte na escola secundária e primária se resumia
ao ensino do desenho”.
Esse debate da arte aplicada à indústria levou a outras discussões, como as
relacionadas à iniciação profissional da população, pois, o progresso do país estava
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diretamente relacionado à capacitação profissional de seu povo. Nesse sentido, era


necessário educar para progredir, e tinha nas escolas dessa época, como a denominada
“Escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso” em Cuiabá, uma das pioneiras nesse
momento, que décadas depois, mais precisamente em 2008, se tornaria o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso – IFMT.
Porém, uma nova concepção de educação pedagógica para o âmbito escolar
começou a surgir pós década de 1930, devido a trabalhos relevantes na área educacional
do teórico John Dewey (1859-1952), defensor da função educativa baseada na
experiência, o que também deveria acontecer na arte. Para esse pensador a produção
artística poderia contribuir para a construção de conhecimento, pois, “a experiência
ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está
envolvida no próprio processo de viver” (DEWEY, 2010, p.109).
No entanto, a Arte foi incluída pela primeira vez no currículo das escolas
brasileiras de Educação Básica com o nome de Educação Artística por meio da Lei n.
5.692/71, mas, considerada como atividade educativa e não como disciplina.

Art.7° - Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,


Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos
currículos dos estabelecimentos de 1° e 2° graus (BRASIL, 1971).

Como reflexo disso, houve uma desvalorização dos conhecimentos específicos


de diferentes linguagens artísticas, levando a uma aprendizagem que não contribuía
efetivamente para a construção de conhecimento em arte no aluno, pois, era enfatizada
apenas a reprodução, e bem menos – ou quase nada – a criatividade.
Contudo, no final dos anos de 1980 o ensino da Arte no Brasil não era dos
melhores. Com a reforma curricular nas escolas de primeiro e segundo graus a
Educação Artística passou a ser excluída do currículo da maioria dessas escolas. O
ensino da Arte no currículo de primeiro e segundo graus perdeu mais relevância,
prejudicando o processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
A formação do professor de Arte também era precária nesse período, pois
desde a Lei 5.692/71 em que a Educação Artística era trabalhada pelas quatro
linguagens: Artes Visuais, Teatro, Música e Dança, todas essas eram lecionadas pelo
professor de Arte que se formava em cursos de licenciatura curtos, o que de fato, causou
uma má formação deste profissional, pois era impossível aprender e ensinar todos os
conhecimentos e especificidades dessas linguagens em apenas um curso de licenciatura.
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Essas licenciaturas curtas “resultaram em um professor que exercia a polivalência e,


assim, diluía os conteúdos específicos de cada linguagem, banalizando a arte na escola”
(IAVELBERG, 2014, p.50). Essa preparação aligeirada do professor de Arte hoje é
resultado de uma má formação histórica no ensino da Arte no Brasil (COUTINHO,
2006). Para Barbosa (2011) esses cursos de licenciaturas curtos, na verdade,
contribuíam para que a disciplina de Arte fosse cada vez mais secundarizada no
currículo das escolas brasileiras de ensino básico.
Nesse sentido, compartilho do pensamento de Nóvoa (2012, p.12) ao afirmar
que “é essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseadas
numa pesquisa que tenha como problemática a ação docente e o trabalho escolar”. Ou
seja, é preciso ampliar e produzir pesquisas sobre a formação e profissionalização
docente na educação escolar para que as mazelas existentes em seu campo possam ser
solucionadas ou amenizadas. O que deverá ocorrer também no campo da arte/educação.

O professor de Arte, junto com os demais docentes e através de um


trabalho formativo e informativo, tem a possibilidade de contribuir
para a preparação de indivíduos que percebam melhor o mundo em
que vivem, saibam compreendê-lo e nele possam atuar (FERRAZ;
FUSARI, 2010, p.22).

O movimento denominado de “arte-educação” surgiu após esse contexto da


precarização da formação docente no Brasil, principalmente na década de 1980, que
teve o objetivo de buscar e discutir novas metodologias de ensino e aprendizagem em
arte nas escolas que pudessem contemplar no aluno um verdadeiro saber artístico,
fundamentado na Abordagem Triangular2 da pensadora Ana Mae Barbosa, no final dos
anos de 1980. Essa Abordagem também teve a intenção de melhorar efetivamente a
qualidade desse ensino oferecido às escolas brasileiras e ajudar as pessoas a “verem” a
arte, a usufruir dela, e não concebê-la como distante delas. Por isso, é possível dizer que
“a educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção
estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência
humana” (BRASIL, 1997, p.19).
O papel do ensino da Arte nos últimos anos, bastante enraizado nessa teoria,
está diretamente relacionado aos aspectos estéticos e artísticos do conhecimento
(PILLAR, 2008), o que leva a entender que a educação estética de determinada obra de
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A Proposta ou Abordagem Triangular propõe a construção do conhecimento em arte por meio da
contextualização, leitura e o fazer artístico. Foi sistematizada no início dos anos 1990 pela intelectual Ana
Mae Barbosa. É considerada atualmente a principal teoria para o ensino da Arte nas escolas brasileiras.
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arte não é apenas conhecer a vida, obra e procedimentos técnicos utilizados pelo artista,
mas também, compreender e construir conhecimento em arte, através da
contextualização, da leitura e do fazer artístico.
Com o ensino da Arte obrigatório em toda a Educação Básica por meio da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 e com o reconhecimento das
principais linguagens artísticas da área da Arte – Artes Visuais, Teatro, Dança e Música
– pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, foi proposta uma renovação teórico-
metodológica desse ensino, pautada principalmente nas experiências e contribuições
dessa Abordagem. Entendo que essa teoria é importante para subsidiar os trabalhos
feitos com releitura de imagem e da obra de arte na educação nos dias atuais.
Nessa linha de pensamento, Araújo e Oliveira (2013) reforçam a ideia de que
essa proposta recebeu influências de diferentes métodos de leituras de imagens
utilizados no ensino de arte nas últimas décadas, que pudessem contribuir para a leitura
da obra visual na educação escolar, principalmente no que toca ao trabalho do professor
dessa área com alunos por uma diversidade de obras visuais, ao ressaltar a questão da
leitura e releitura da imagem da obra de arte.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 a aprendizagem em
arte está relacionada ao desenvolvimento contínuo do processo criativo, que precisa ser
cultivado não apenas pelo aluno, mas também pelo professor de Arte, ao oferecer ao
aluno subsídios como imagens de obras artísticas, visitas orientadas a museus, pesquisas
sobre diferentes temas artísticos aprendidos na escola etc., durante seu processo de
escolarização. Dessa forma,

fazer arte e pensar sobre o trabalho artístico que realiza, assim como
sobre a arte que é e foi concretizada na história, podem garantir ao
aluno uma situação de aprendizagem conectada com os valores e os
modos de produção artística nos meios sócio e culturais (BRASIL,
1997, p.35)

À luz dessas reflexões, penso que esses estudos e pesquisas realizados nos
últimos anos sobre a arte/educação podem contribuir para que os termos leitura e
releitura ganhem mais relevância no debate educacional, a qual Pillar (2011, pp.7-8) faz
uma importante observação ao tratar desse assunto: “para compreender precisamos
decodificar e, se apenas decodificamos sem compreender, a leitura não acontece”. Ou
seja, ler é atribuir significado ao texto, imagem ou uma obra de arte. Essa teórica
entende que a leitura, a qual denomina de atribuição de significados – compreensão –, é
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feita por um indivíduo que tem uma história e experiências de vida já adquiridas, que o
possibilitará apropriar-se do mundo do qual faz parte. Neste caso, é preciso considerar e
analisar os trabalhos feitos pelos alunos, inseridos na cultura escolar, de forma
contextualizada, pois realizar a releitura de uma obra de arte leva a,

ver construtivamente a articulação de seus elementos, suas


tonalidades, suas linhas e volumes. Enfim, apreciá-la, na sua
pluralidade de sentidos, sejam imagens da arte erudita, popular,
internacional ou local; sejam produção dos alunos; o meio ambiente
natural ou construído; imagens da televisão; embalagens; informações
visuais diversas presentes no cotidiano (PILLAR, 2008, p.81).

A partir dessa reflexão, a releitura visual não deve ser tratada como mera cópia,
reprodução ou atividade qualquer, sem importância em sala de aula, ao contrário:
contribui efetivamente para a produção de conhecimento, ao possibilitar ao aluno
realizar, de forma criativa, significativas leituras sobre qualquer objeto visual, mas,
desde que sob orientação e mediação adequada de um professor de Arte. Sobre esse
pensamento, Pillar (2011, p.14) contribui ao afirmar que “reler é ler novamente, é
reinterpretar, é criar novos significados”; portanto, releitura se difere de cópia.
Contudo, Buoro (2002) alerta para o fato desse termo ainda ser bastante
problemático nos dias atuais, pois “é importante perceber que a problemática que se
construiu em torno da palavra ‘releitura’ está reduzindo-se assim o seu significado. Fica,
pois, claro que há necessidade desse mesmo educador aprofundar-se na compreensão e
na contextualização da produção de releituras” (BUORO, 2002, p.22). Ou seja, se o
professor utilizar a cópia de obra de algum artista, é necessário propor que, com essa
cópia, o professor busque um conhecimento a ser elaborado sobre determinada questão.

Sendo assim, por releitura entende-se aqui a tradução da significação


do objeto como fundamento de uma nova construção, buscando-se
nessa ação a re-significação do mesmo objeto: re-ler para aprofundar
significados. Dessa forma, considera-se que toda nova produção
oriunda de uma imagem referente é construção de um novo texto, no
qual o sujeito produtor elabora uma interpretação, podendo até mesmo
partir para a criação (BUORO, 2002, p.23).

A partir desse raciocínio, é possível dizer que o estudante vive numa sociedade
repleta de imagens: as revistas, os jornais, a televisão, cinema, outdoor, até em livros
didáticos entre tantos outros. A maioria dessas mensagens visuais está ao alcance da
população e bastantes presentes em seu cotidiano. Essa multiplicidade imagética torna
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necessário um olhar mais atento e reflexivo por parte do educador e do aluno, para
entender os potenciais comunicativos que elas transmitem, construindo conhecimento
sobre as diferentes formas de leitura, e não apenas consumir toda e qualquer informação
imagética que vem ao encontro (BUORO, 2002).

2. Análises Sobre a Releitura Visual Discente

Durante as aulas de Arte realizadas com alunos dos últimos anos do ensino
fundamental, de uma escola da rede pública estadual de ensino em Cuiabá, Mato
Grosso, foi solicitado aos discentes que fizessem algumas releituras de obras de
importantes artistas da história da arte, de diferentes épocas, como Leonardo Da Vinci
(1452-1519), Edvard Munch (1863-1944) e Johannes Vermeer (1632-1675). Antes de
realizarem a produção artística, foram apresentadas aos alunos pelo professor algumas
teorias sobre leitura e releitura da obra de arte na arte-educação, de autores como
Barbosa (2012; 2008), Buoro (2002), Ferraz; Fusari (2010) e Pillar (2008; 2011; 2013)
procurando contextualizar tais imagens para a realidade dos discentes, para que
pudessem construir trabalhos significativos.
Após uma breve parte teórica sobre releitura visual apresentada pelo docente,
ficou decidido à turma de alunos que eles realizariam um trabalho de releitura a partir
da pintura “Monalisa”, do artista renascentista italiano Leonardo Da Vinci, que mostra
uma mulher, serenamente sentada, com os braços apoiados em seu colo, com um
sorriso, no mínimo, enigmático.
Ao iniciarem a releitura dessa obra, constatei nas aulas observadas que a
maioria dos alunos afirmou não saber desenhar. O que é frequente nas aulas de Arte,
pois por ser uma disciplina que alia teoria com bastante aula prática, ao se depararem
com trabalhos de arte que necessitam de certa habilidade para produzirem, como é o
caso do desenho, os alunos se sentem inseguros para realizá-lo. Isso deixa claro porque
muitos ainda concebem a disciplina de Arte na educação escolar como o espaço e
oportunidade para aprenderem desenhar, colocando a essa disciplina uma concepção
equivocada. A disciplina de Arte não forma artistas, o que de fato, não é seu objetivo,
mas sim possibilitar ao aluno da educação desenvolver sua formação estética, ampliar
seu conhecimento cultural, levar o estudante a dominar diferentes técnicas artísticas e
conceituais do campo das artes e, consequentemente, construir conhecimento a partir do
contato e acesso as diferentes manifestações artísticas, como desenho, pintura,
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fotografia, dança, música, teatro, arte computacional entre tantas outras, além de teorias
da história da arte.
Pude observar que alguns alunos fizeram os trabalhos rapidamente, na intenção
de terminar logo o desenho. Entretanto, outros demoraram mais de uma aula para
finalizar a releitura, se dedicando mais na produção da mesma. Alguns utilizaram
apenas lápis e borracha, outros experimentaram materiais como o lápis de cor. Enquanto
isso, o professor de Arte observava a realização dos desenhos, orientando-os quanto a
alguma dúvida sobre a releitura.
Um dos alunos criou elementos visuais que não estão presentes na imagem
original, como o colar no pescoço da Monalisa e os detalhes em seu cabelo, além do
fundo do desenho que representa uma paisagem bem diferente da obra original, com um
sol e três figuras que assemelham a triângulos. Nesse desenho foram utilizados o lápis
grafite e lápis de cor.
Nesse exercício o cabelo, a boca e as unhas da mulher são coloridos, assim
como o sol, localizado na parte superior esquerda da imagem. Contudo, a imagem da
mulher não apresenta contornos definidos relacionados à proporção da figura humana.
Sobre o processo inicial de criação, Ostrower (2013, p.53) assim se pronuncia:

Todos os processos de criação representam, na origem, tentativas de


estruturação, de experimentação e controle, processos produtivos onde
o homem se descobre, onde ele próprio se articula à medida que passa
a identificar-se com a matéria.

Ou seja, o desenvolvimento criativo está relacionado, entre outros fatores, ao


conhecimento em arte que o indivíduo tem, isto é, na sua experiência estética. E o
ensino de arte nas escolas públicas precisa promover situações que essa leitura, ao
possibilitar aos alunos oportunidades de construir conhecimento com mais senso crítico,
produzindo discussões relevantes sobre a visualidade de diversas produções a sua volta
(PILLAR, 2013). Com efeito, se o aluno tem contato e acesso contínuo às
manifestações artísticas de sua localidade e de outros povos, seja por meio de visitas a
museus, pesquisas em livros e na internet, ou mesmo nas aulas de Arte, pode elevar
consideravelmente seu campo de conhecimento estético e artístico.
Em outras releituras os alunos produziram a partir da cópia, ao tentarem
reproduzir a imagem original. Foi possível notar em um dos desenhos traços simples
que representam uma mulher, na posição central do desenho, com outros elementos
visuais na composição: um sol na parte superior esquerda, pássaros localizados acima
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da personagem, e dois elementos na parte inferior esquerda e direita, que mais parecem
representações de plantas. Ao fundo foi possível notar uma paisagem brevemente
esboçada, mas não finalizada. Todos esses elementos, mesmo inexistindo na obra
original de Da Vinci, foram desenhados de forma simples, sem se preocupar em dar um
melhor acabamento nas imagens. Vale lembrar que a aluna copiou, nessa tentativa de
releitura, a obra original tida como referência – Monalisa – para a produção de seu
trabalho.
Com relação ao olhar do professor de Arte, Buoro (2002) diz que é construído
basicamente pelas teorias da história da arte encontradas em livros. Com isso, os
professores dessa área têm pouco contato com o produtor-artista e suas obras, os quais
só conhecem por meio de impressos ou internet, isto é, “vemos por meio de olhos
alheios, sem que cheguemos a experimentar diretamente os caminhos de construção de
significados que somente a relação direta entre sujeito e objeto propicia” (BUORO,
2002, p.59).
É possível perceber nessas análises tentativas de realizar um exercício de
releitura visual, ora por meio da cópia da obra de arte, ora por meio da observação da
imagem original. Contudo, é preciso esclarecer que o simples fato de modificarem a
obra de arte que foi tomada como base para a releitura, neste caso, a Monalisa, de Da
Vinci, ao fazerem outro cenário, outras formas no desenho etc., não é suficiente para
revelarem um processo criativo, pois, é preciso levar em consideração os domínios
técnico e conceitual, para que os estudantes possam desenvolver de maneira
significativa suas criatividades e leituras. Para criar, é preciso ter acesso ao que já é
produzido em determinado campo; disponibilizar esse conhecimento é papel da escola e
do professor de Arte. Com efeito, ao se perder essa referência, o processo criativo passa
a ser tratado como algo espontâneo, fruto da liberdade de expressão, secundarizando o
ensino de Arte e o próprio professor dessa área.
A releitura é fundamental para que o aluno exercite a sua criatividade e
expressão, e tem no professor importante mediador nesse processo, pois, “só um saber
consciente e informado torna possível à aprendizagem em arte” (BARBOSA, 2008,
p.17). Mas, é importante que ela não seja confundida como cópia.
Sobre a docência em Arte, me parece que uma das mazelas presentes na
formação de professores dessa área nos dias atuais se depara, dentre outros problemas,
com a falta – carência – de cursos de formação inicial e continuada, como acontece no
contexto educacional em Mato Grosso. Penso que esses cursos podem ressaltar temas
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relacionados às práticas pedagógicas que envolvem questões sobre leitura e releitura da


obra de arte, pois são importantes para que o docente saiba orientar adequadamente os
trabalhos sobre releituras produzidos na educação escolar, principalmente no que se
refere a desenhos.
Além disso, a disciplina de Arte na Educação Básica possui carga horária
menor no currículo escolar, em relação às demais disciplinas. Na escola pesquisada não
foi diferente. As turmas do ensino fundamental tinham apenas duas aulas por semana,
com carga horária de duas horas, enquanto que as turmas do ensino médio tinham
apenas uma aula semanal, de uma hora. Isso é muito pouco para uma disciplina que
possui um conteúdo extenso que precise abordar Artes Visuais, Dança, Teatro e Música,
essa última à única obrigatória3 prevista na Lei n. 9.394/96, atualizada em 2013. Nesse
sentido, é importante valorizar mais a disciplina de Arte na educação, não deixando-a
"marginalizada", com o estereótipo de “saber secundário”, pois é uma área do saber, que
produz conhecimento; portanto, é importante na escola.
Nessa perspectiva, Iavelberg (2014) faz uma importante observação:

A falta de professores de arte é um problema frente à obrigatoriedade


da área de conhecimento a partir da LDB 9.394/96. Além disso, não
existe a determinação da carga didática, o que faz com que muitas
escolas planeje cada aula com 50 ou 45 minutos para arte, em geral
com uma aula por semana [...]. Portanto, o que se observa é que as
demais áreas do conhecimento, principalmente língua portuguesa e
matemática, são priorizadas no planejamento, e arte fica com o tempo
que resta no desenho curricular (IAVELBERG, 2014, p.54).

Nessa reflexão, é preciso fazer uma importante observação: o Estado de Mato


Grosso apresenta apenas um curso de graduação em artes (Música/Bacharelado e
Licenciatura), o que de fato, é pouco e preocupante para um Estado que se caracteriza
por ser um dos maiores do Brasil em extensão geográfica, e um dos mais ricos
artisticamente, o que causa um paradoxo: como pode um Estado possuir tantas
manifestações artísticas – músicas e danças regionais, importantes artistas plásticos de
renome nacional e internacional etc., - se há apenas um curso de graduação em nível
superior em artes? Consequentemente, se formam poucos professores de Arte para
atuarem na Educação Básica, o que faz surgir um grande déficit desse campo no Estado.
Essa situação precisa ser repensada, para que haja mudanças efetivas nesse cenário. Por
isso, é necessário e urgente que novos cursos de formação inicial e continuada na área

3
Lei n. 11.769 de 2008.
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de artes sejam criados em Mato Grosso, para que possam atender a demanda crescente
de profissionais da educação – docentes – para atuarem na rede pública de ensino. Com
efeito, além de contribuir para a qualificação e capacitação desse profissional,
contribuirá também para a melhoria da qualidade desse ensino ofertado nas escolas e,
consequentemente, para uma educação pública com qualidade.

3. Palavras finais...

Mesmo o professor ter apresentado aos alunos conceitos e fundamentações


visuais e teóricas sobre importantes artistas da história da arte e autores da
arte/educação que pesquisam a leitura e releitura visual na educação, é necessário que os
alunos ampliem seus conhecimentos sobre as concepções de leitura e releitura, além de
conceitos técnicos e artísticos da produção em arte. A maioria se deteve na reprodução
como cópia da obra visual que estavam trabalhando em sala de aula. Ou seja, a cópia
ainda é bastante presente nas práticas pedagógicas em arte na educação escolar nos dias
atuais. É importante esclarecer que esse termo se difere da releitura, pois não auxilia o
aluno na produção de reflexões e de leituras significativas e críticas da realidade a sua
volta, deixando de ampliar seu conhecimento de mundo.
É preciso uma atenção maior por parte das esferas municipais, estaduais e
federal no que toca a valorização e maior reconhecimento da disciplina de Arte na
educação escolar, principalmente no ensino básico, que se encontra, atualmente,
bastante secundarizada no currículo das escolas públicas. Não se pode mais considera-la
e concebê-la, em pleno século XXI, como complemento de atividades de outras
disciplinas curriculares ou disciplina sem importância. Lutar contra as mazelas da
educação e, especificamente, para a melhoria dessa disciplina é um dever nosso
enquanto educadores e profissionais da educação. Com efeito, é uma forma de
contribuir não apenas para o seu reconhecimento enquanto importante disciplina no
processo de ensino e aprendizagem do estudante, mas também para a elevação da
qualidade dessa área do conhecimento na educação pública brasileira.

Referências

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12

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