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Isabella D. Maluf
Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIT-MG).
Marcus V. Chiaradia
Professor titular de Pediatria e Neonatologia do Hospital Escola da Faculdade de Medicina de
Itajubá - MG. Coordenador de Ensino de Internato e Residência de Pediatria do HE-FMIT-MG
Angélica G. F. Junqueira
Professora assistente de Pediatria da Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIT-MG).
Endereço para correspondência: Isabella D. Maluf. Rua Miguel Viana, 191 - Morro Chic - Itajubá -
MG - CEP 37500-000 - E-mail: isabellamaluf@ hotmail.com - Tel.: (35) 622-6998.
Sumário
O artigo tem como objetivo apresentar uma revisão atualizada e didática dos principais aspectos
da etiopatogenia, apresentação clínica, diagnóstico diferencial e linhas gerais no tratamento da
taquipnéia transitória do recém-nascido, oferecendo subsídios para uma pesquisa completa
sobre a doença. Métodos: Revisão bibliográfica pelo sistema Medline e Lilacs, pesquisa na
literatura através de livros-texto de referência e protocolos de tratamento utilizados pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Itajubá. Resultados: A taquipnéia transitória
do recém-nascido constitui numa entidade clínica extremamente comum na prática médica
pediátrica, fazendo parte dos principais distúrbios respiratórios do período neonatal. Embora em
geral tenha um caráter benigno e autolimitado, não pode ficar isenta de cuidados básicos e
terapêutica adequada, pois disso depende sua boa evolução. O conhecimento da etiopatogenia
do retardo de absorção de líquido pulmonar, atualmente a etiologia mais aceita e de sua
apresentação clínica se faz necessário para que, além do diagnóstico diferencial com as principais
patologias respiratórias desse período, façamos o manuseio correto de seu tratamento e,
principalmente, de sua prevenção. O presente artigo procura oferecer um roteiro de fácil
compreensão e aplicação a respeito desses aspectos. Conclusões: Conhecimento a respeito de
sua apresentação clínica, etiopatogenia e terapêutica, assim como medidas efetivas para
prevenção da asfixia intra-uterina, cuidados durante a sedação e hidratação, no parto cesáreo e
na assistência ao recém-nascido na sala de parto, com adequada reanimação e cuidados de
enfermagem, são fundamentais na redução da incidência e na abordagem correta da taquipnéia
transitória do RN, quando seu diagnóstico se faz presente.
Sumary
Objective: The article aims at presenting an up-to-date revision and practice on the main aspects
of the etiopathogenesis, clinical presentation, differential diagnosis and the general lines of
treatment in transient tachypnea of the newborn, offering subsidies for a complete research on
the subject.
Methods: Bibliographical revision by the Medline and Lilacs system, research in the literature
through reference textbooks and protocols of treatment used by the Clinics Hospital of the
Itajubá Medicine College.
Results: Transient tachypnea of the newborn constitutes an extremely common clinical entity in
medical Pediatric practice, being one of the main breathing disturbances of the neonatal period.
Although it has a benign and self-limited character, it cannot be left without a basic and
appropriate therapeutic care, because on that depends its good evolution. Knowledge about the
mechanism of retardation in absorption of the pulmonary liquid and clinical picture is necessary,
so that, besides the differential diagnosis with the main breathing pathologies of that period, it
many lead to a correct handling of its treatment. The present article tries to offer a route for easy
understanding and application in those aspects.
Conclusions: Knowledge regarding of its clinical presentation, etiopathogenesis and therapeutics,
as well as effective measures of asphyxia prevention, such as sedation and maternal hydration
cesarean delivery and care of the newly born in the delivery room, with appropriate reanimation
and nursing cares, are fundamental in the reduction of the incidence and the correct therapeutic
approach when the diagnosis of t.t.n. is present.
Introdução
A TTRN pode ser definida como síndrome clínica de caráter benigno, caracterizada por
desconforto respiratório de leve a moderada intensidade, manifestado por sinais clínicos não
específicos e constituído de taquipnéia superior a 60 movimentos por minuto, retração
intercostal e esternal, gemido expiratório e, menos freqüentemente, cianose.
É uma entidade clínica bastante freqüente na prática médica pediátrica e está relacionada a
recém-nascidos a termo ou pré-termo limítrofes(3), sendo autolimitada, com início já ao
nascimento ou próximo a este e evolução com melhora progressiva ao longo dos dias.
Sua patogenia, ainda discutida, é atribuída ao atraso na reabsorção do líquido pulmonar, com
repleção dos linfáticos hilares, o que fez Kuhn et al., em 1969, associarem ao quadro radiológico
a presença de espessamento da cisura interlobar, em virtude de edema subpleural e edema
intersticial perivascular, o que reforçou a hipótese atualmente aceita.
Incidência
Etiopatogenia
Este líquido, que é produzido pelo epitélio respiratório (alvéolos fetais) a partir da 20ª semana de
gestação, também está presente na árvore traqueobrônquica, além de colaborar com o
desenvolvimento das vias aéreas distais (ácinos) e ser responsável pelo não colabamento
pulmonar quando da primeira respiração, época em que passa a ser substituído pelo ar
inspirado.
O líquido pulmonar possui grande quantidade de íons cloreto e baixas concentrações de
bicarbonato e proteínas, apresentando composição diferente do plasma, uma vez que há células
controlando a passagem seletiva e ativa de seus elementos do setor intersticial para o espaço
alveolar. É produzido numa velocidade de 4-5 ml/kg/hora e alcança um volume de 25-30 ml/kg
ao final da gestação.
Cerca de dois a três dias antes do nascimento se inicia a redução de sua secreção intra-alveolar e
importantes adaptações cardíacas e pulmonares ocorrem, culminando com sua reabsorção,
principalmente durante a transição intra para extra-uterina(8), sendo substituído por ar nos
espaços aéreos. Nessa transição cerca de 65% do líquido pulmonar são eliminados através da
traquéia - 30% durante o trabalho de parto, por mecanismos ainda não bem conhecidos - e 35%
são eliminados durante a passagem pelo canal de parto, devido à compressão torácica,
observando-se saída de líquido pela cavidade oral e nasal(9). Os 35% restantes são reabsorvidos
primeiramente por ação mecânica do ar inspirado, que desloca o líquido através do epitélio
pulmonar para o espaço intersticial e, posteriormente, para a circulação, por intermédio dos
capilares pulmonares, sobretudo pelos linfáticos pulmonares. Os mecanismos de absorção do
líquido pulmonar são: modificação na pressão hidrostática e oncótica, permeabilidade do epitélio
aos solutos e transporte ativo de íons. Com o deslocamento do líquido pulmonar para o espaço
intersticial, ocorre redução da concentração protéica deste, modificando a pressão oncótica e
hidrostática, favorecendo sua reabsorção. Além disso o transporte ativo de íons, do qual a
secreção de líquido pulmonar depende, é interrompido, alterando a pressão osmótica e, deste
modo, favorecendo a absorção pelos capilares pulmonares.
Existe um equilíbrio de forças (pressão hidrostática e oncótica) interagindo entre um capilar
pulmonar, um alvéolo e um linfático, que drena o espaço intersticial situado entre o capilar e o
alvéolo (Figura 1). Como conseqüência, provoca um fluxo discreto, porém contínuo de líquidos,
dos capilares pulmonares para os espaços intersticiais e posteriormente esse líquido é eliminado
para a circulação, pelo sistema linfático dos pulmões.
Os principais fatores de retardo dos mecanismos descritos (Figura 2), favorecendo a TTRN, são o
parto cesáreo, o diabetes materno(10), a sedação e hidratação(11) materna excessivas, sexo
masculino, hipoproteinemia, trabalho de parto prolongado, policitemia(12), prematuridade(13),
clampeamento tardio do cordão umbilical(14,15), asfixia fetal (Apgar menor que 7 no primeiro
minuto) e, como descoberta recente, as gestantes asmáticas.(16).
Dentre as inúmeras causas, vale ressaltar a importância do parto cesáreo(17) como fator de risco
comprovado na incidência de TTRN. No parto cesáreo ocorre menor compressão da caixa
torácica em relação ao parto vaginal, com persistência de grandes volumes de fluidos intersticial
e alveolar nas primeiras horas de vida. A compressão é responsável pela eliminação de líquido e
substituição deste pelo ar. Outro fato é, que ao contrário do parto vaginal, no parto cesáreo não
há o auxílio da gravidade, que facilita a eliminação do líquido por boca e nariz.
A asfixia, quando associada ao parto cesáreo, predispõe ao aparecimento da TTRN, quer pelo
aumento da permeabilidade capilar pulmonar, quer favorecendo a aspiração do líquido
amniótico, cujo teor protéico é mais elevado do que o do líquido alveolar. Essa quantidade maior
de proteína apresenta dificuldade em passar para a circulação pulmonar, devendo ser removida
pelos linfáticos pulmonares, sendo este processo bastante lento, retardando sua reabsorção.
Na TTRN o volume pulmonar é normal, pois a ventilação alveolar encontra-se preservada, mas há
um aumento na ventilação total, volume vital menor, complacência dinâmica reduzida, podendo
nos casos mais graves, originar shunts direita-esquerda, devido à hipóxia alveolar, que induz à
constrição dos vasos pré-capilares, resultando em desvio do fluxo sangüíneo pulmonar para fora
dos alvéolos malventilados.
Apresentação clínica
Geralmente as crianças nascem em boas condições, sem grandes evidências de asfixia e com
bom Apgar. Outros RN demonstram alterações respiratórias já na sala de parto. Entre duas e
quatro horas após o nascimento, ou mesmo antes, surgem taquipnéia moderada, com
freqüência respiratória entre 60 e 80 movimentos por minuto, podendo ocorrer valores
superiores a 100 mpm(18,19). Observam-se dispnéia de grau leve a moderado, batimento de
asas nasais, retrações intercostais, gemido expiratório (tentativa de aumentar a pressão
intrapulmonar no final da expiração, mantendo o volume gasoso alveolar em pulmões
sobrecarregados de líquido) e cianose em graus variáveis.
O equilíbrio ácido-básico geralmente é normal e a PaO2 pode estar discretamente baixa, porém
se corrige facilmente com a ministração de O2. No período crítico da doença alguns
recém-nascidos podem apresentar acidose mista, compH arterial baixo, BE entre 7 e 15 e
moderada elevação de PaCO2, podendo ocorrer ainda hipercapnia, em 25% dos casos, que
desaparecem antes de 24 horas.
Diagnóstico
O diagnóstico, de uma maneira geral, é feito através do quadro clínico apresentado, de dados
laboratoriais, como a gasometria arterial, que revela algum grau de hipóxia, o hemograma, com
o objetivo de se excluir processo infeccioso, e através do estudo radiológico. Cerca de 90% das
radiografias no início do quadro não apresentam nenhuma alteração (RX normal)(21), as quais
surgem com a evolução clínica, iniciando-se e desaparecendo com os sinais da doença (Figura 3).
Em alguns casos ocorre apenas um sugestivo aumento nas tramas broncovasculares, enquanto
em outros há nítida evidência de sinais radiológicos, geralmente simétricos e mais evidentes à
direita. Os principais são o aumento da trama broncovascular, secundária ao ingurgitamento dos
linfáticos, a hiperinsuflação e hiperexpansão dos campos pulmonares, o rebaixamento do
diafragma e, ocasionalmente, discreta cardiomegalia(22).
Figura 3 - Radiografia de tórax de um recém-nascido em posição supina após seis horas de seu
nascimento. À esquerda há cardiomegalia moderada e densidades reticulonodulares bilaterais,
que irradiam do hilo. Há atelectasias nos lóbulos superiores. À direita, a radiografia de tórax do
mesmo paciente 24 horas após seu nascimento, com nítida melhora dos sinais radiológicos.
Diagnóstico diferencial
É feito principalmente com a doença de membrana hialina(24) (Figura 4), sobretudo nas formas
moderadas, com a síndrome de aspiração de líquido amniótico ou de mecônio(25) (Figura 5) e
com a pneumonia por estreptococo do grupo B (Figura 6).
Na doença da membrana hialina (DMH) o quadro clínico nas formas iniciais e os dados da história
clínica são praticamente semelhantes, além de que, radiologicamente, pode apresentar-se, além
do aspecto reticulogranular e do aerobroncograma, tão típicos, imagens de edema
intrapulmonar que são peculiares à TTRN. A DMH é freqüente em recém-nascidos pré-termo
com deficiência de surfactante pulmonar, o qual é produzido pelos pneumócitos tipo II que
recobrem os espaços alveolares e que tem como característica a capacidade de diminuir a tensão
superficial no pulmão, impedindo o colabamento dos alvéolos no momento da expiração(26). No
recém-nascido que apresentar deficiência de surfactante pulmonar haverá microatelectasias
disseminadas por ambos os pulmões. Ocorre desequilíbrio na relação ventilação-perfusão
pulmonares, resultando em alvéolos não ventilados, mas perfundidos. O sangue bem oxigenado
que vem dos alvéolos, com uma boa relação ventilação-perfusão mistura-se com o sangue
mal-oxigenado que vem dos alvéolos não ventilados, ocasionando um shunt direita-esquerda
intrapulmonar; dessa forma, sangue bem saturado de oxigênio se mistura com sangue não
saturado, resultando num sangue com um teor de oxigênio abaixo do normal e retenção de CO2
provocando acidose (Tabela 1).
O diagnóstico diferencial com aspiração de líquido amniótico, na maioria das vezes, é difícil. A
asfixia grave e prolongada favorece a aspiração de líquido amniótico, prejudicando a absorção
por via linfática e promovendo sua estagnação nos espaços intersticiais, produzindo quadro
semelhante ao da TTRN.
Manejo terapêutico
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