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ISALTINO GOMES COELHO FILHO


ISALTINO GOMES COELHO FILHO

NOSSO
CONTEMPORÂNEO
Um estudo contextualizado da Epístola de Tiago

2? Edição

JUERP
Todos os direitos reservados. Copyright © 1987 da Junta
de Educação Religiosa e Publicações, para a lingua
portuguesa.

225.917
C672t Coelho Filho, Isaltino Gomes
Tiago, nosso contemporâneo: um es­
tudo contextualizado da epístola de
Tiago. — 2? ed. Rio de Janeiro: Jun­
ta de Educação Religiosa e Publica­
ções, 1990. 160 p.
1. Tiago, epístola de
— Comentários. I. Título.

Capa de Queila Mallet


Código para pedidos: 21.641
Junta de Educação Religiosa e Publicações
da Convenção Batista Brasileira
Caixa Postal 320 — CEP: 20001
Rua Silva Vale, 781 — CEP: 21370
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3.000/1990
Impresso em gráficas próprias
DEDICATÓRIA
Aos colegas da turma de formandos de 1971, pelo STBSB:
Ângelo Samuel de Oliveira, Antônio Joaquim Matos Galvão,
Antônio Mangefeste, Balbino Alves Ferreira, Daniel de Souza
Oliveira, David Pandino Filho, Dejamir Rocha Marendaz, Dio-
nísio Fleitas Maidana, Edivaldo Alves Batista, Eduardo Azevedo
de Carvalho, Eimaldo Alves Vieira, Eldie Francioni de Abreu
Lima, Elias Werneck, Fernando Portela Cordeiro, Genésio
Pereira, Guinther Harpmann, Hélio Schwartz Lima, Jacir
Kaezer, Jair Soares, João Brito da Costa Nogueira, João Pereira
da Costa, Joaquim de Paula Rosa, José César Monteiro de
Queiroz, José do Nascimento, Júlio César Chenu Ayala, Levi
Barbosa, Lourival André do Nascimento, Misael Leandro
dos Santos, Mood Vieira Moutinho, Nelson da Silva Melo,
Niltho Francisco Curty, Oswaldo Ferreira Bonfim, Rubens
Schreiber, Sinval dos Santos, Temístocles Antônio Sacra­
mento, Uilas Moreira da Silva, Zacarias de Aguiar Severa, Almir
Rosa, Ana Maria Guedes Ferreira, Gladys Vargas de Chenu, Ivo
Augusto Seitz, Lucy Maciel Silva, Marilene Brasil, Naida Victo-
ria Hartmann.
SUMÁRIO
Dedicatória.......................................................................... 5
Apresentação ...................................................................... 9
Prefácio................................................................................ 11
Agradecimentos.................................................................. 13
1. Quem E Tiago? ........................................................... 15
2. Apresentação e Cumprimento...................................... 19
3. Como um Cristão Encara as Crises.............................. 23
4. A Busca de Sabedoria................................................... 29
5. Gloriar-se em Quê?....................................................... 35
6. A Questão da Tentação ................................................ 41
7. 0 Que É Bom Vem de Deus.......................................... 47
8. A Ira e o Mau Temperamento...................................... 53
9. Vivendo a Palavra ....................................................... 61
10. A Verdadeira Religião.................................................. 67
11. O Pecado da Acepção de Pessoas ................................ 73
12. Fé Contra Obras ou Fé e Obras?.................................. 81
13. A Língua — Bênção ou Maldição?............................... 89
14. Os Dois Tipos de Sabedoria.......................................... 97
15. A Origem das Contendas.............................................. 105
16. 0 Que É a Vossa Vida? ............................................... 115
17. Advertência aos Ricos ................................................. 123
18. Exortação à Perseverança............................................ 131
19. A Oração na Vida da Igreja.......................................... 139
20. À Guisa de Epílogo....................................................... 147
21. O Desafio de Tiago....................................................... 151
Notas.................................................................................... 155
Bibliografia ........................................................................ 159
APRESENTAÇÃO
"A Epístola de Tiago, uma das primeiras obras — se não a
primeira — do Novo Testamento, não diminuiu sua importância
ao longo dos séculos. Sua mensagem para nós, nos dias de um
cristianismo superficial e acomodado ao mundo contempo­
râneo, é tão urgente como foi no primeiro século.
0 autor deste comentário, Pastor Isaltino Gomes Coelho
Filho, meu colega na educação ministerial e meu ex-pastor na
igreja local, demonstra seu amor para com o Senhor Jesus Cristo
e sua submissão à Bíblia pela qual Deus se revelou. Através
desse servo de Deus, no púlpito e na sala de aula, as Escrituras
tornam-se vivas e relevantes.
Para mim, é um grande privilégio apresentar este livro e seu
autor aos interessados na mensagem contemporânea da Epís­
tola de Tiago. E com ele, desejo que o estudo do mesmo nos
torne "cumpridores da palavra” (Tiago 1:22).
Dewey Mulholland
Reitor da Faculdade Teológica
Batista de Brasília
PREFÁCIO
A Epístola de Tiago tem me intrigado e ao mesmo tempo
desafiado, desde os tempos de estudante em seminário. Quando
recebi a informação de ter Lutero a ela se oposto, chamando-a
de "epístola de palha” , termo que designava pouco valor, a
curiosidade surgiu. E possível entender que preocupado em
afirmar a doutrina da salvação pela graça, por meio da fé, o
grande reformador não se sentisse muito entusiasmado com
Tiago. Afinal, o escritor bíblico não trata de assuntos como
salvação, igreja, Espírito Santo, vida no além, etc. Quem buscar
em Tiago ensinos teológicos ou doutrinários como encontramos,
por exemplo, em Romanos, por certo não os achará. Não são
estas as preocupações da epístola.
Apesar de tais omissões, Tiago é de extrema importância para
os cristãos de hoje. Parece-me que em nossos dias estamos nos
preocupando com assuntos de pouca relevância para a igreja,
assuntos que não são vitais. Enquanto isso, aspectos extrema­
mente necessários estão sendo esquecidos na nossa vivência cris­
tã. Creio também que as maiores dificuldades que o cristianismo
enfrenta não estão do lado de fora da igreja. Inimigos como o
secularismo, o comunismo, o modernismo teológico e outros,
embora perigosos, não são invencíveis. 0 poder de Deus é
infinitamente superior ao poderio de tais adversários. Mas, o
maior de todos os antagonistas do evangelho está dentro da
igreja: o evangelho não vivido. Cristãos que não vivem a sua fé e
que dão mau testemunho. Quantos escândalos são provocados!
Intrigas, invejas, maledicências, rancores, vaidade e maldade
estão presentes nas igrejas e comunidades cristãs. Como há
discórdia entre os seguidores de Jesus Cristo! Tiago trata do que
necessitamos: conduta correta, bom uso das palavras, hones­
tidade no trato e integridade de caráter.
Pode ser que Tiago nos surja como um livro pouco agradável.
Acostumados com a ênfase de nossas igrejas, espiritualizamos em
demasia a fé cristã, internalizando-a por completo, esquecidos
de que a nova vida em Cristo nos coloca diante de uma nova
proposta de vida. Por vezes, gostamos muito das promessas da
Bíblia e bem pouco das exortações e correções que ela nos faz.
Mas, precisamos da "epístola de palha” . E como precisamos! Se
levarmos a sério o conteúdo de tão esquecida carta, muitos
problemas em nosso meio serão sanados e o impacto que
causaremos no mundo será extraordinário.
Feitas estas considerações, caminhemos pela Epístola de
Tiago. Na nossa jornada, será muito fácil observarmos os erros
que nossos irmãos cometem. Fujamos dessa tentação. Não será
uma atitude sábia proceder de tal maneira. Devemos estudar
Tiago analisando o que deve ser mudado em nossa vida. Assim,
seremos grandemente beneficiados em várias áreas da nossa
existência. 0 verdadeiro seguidor de Jesus Cristo sempre há de
desejar ser melhor. Buscará a correção para ser aperfeiçoado.
Por isso, leiamos Tiago no desejo de aprender.
AGRADECIMENTOS
À Professora Alair Batista Pinto, pelo excelente auxílio quanto
à estruturação do trabalho.
Ao irmão Amós Batista de Souza, aluno da Faculdade Teoló­
gica Batista de Brasília, pela disposição no trabalho de datilo­
grafia dos originais.
1
Quem Ê Tiago?
Um dos primeiros problemas em nosso estudo é exatamente
descobrir quem é o Tiago que escreveu a epístola que leva o seu
nome. Correspondente a Jacó no Velho Testamento, Tiago era
nome respeitadíssimo, e por isso comum entre os judeus. A
epístola, propriamente, fornece escassas informações sobre seu
autor. " Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (1:1) é
tudo o que ele diz a respeito de si mesmo. Quem é esse homem?
Barclay1relaciona cinco homens chamados de Tiago no Novo
Testamento. Sigamos a pista de cada um deles.
0 primeiro Tiago é o pai de um dos doze apóstolos de Jesus,
chamado Judas, não o Iscariotes. Lemos em Lucas 6:16 sobre
este Tiago: "Judas, filho de Tiago; e Judas Iscariotes, que veio a
ser o traidor.” 0 versículo não só diferencia os dois Judas como
mostra que um deles era filho de um homem chamado Tiago.
0 segundo Tiago é um dos discípulos, filho de um homem
chamado Alfeu. Mateus 10:3 e Lucas 6:15 fazem referência a
"Tiago, filho de Alfeu” . Era irmão do evangelista Mateus. Em
Mateus 9:9, o cobrador de impostos chamado por Jesus para
segui-lo é nominado Mateus. Em Marcos 2:14, o mesmo homem é
chamado de Levi e se diz que era filho de Alfeu. A dedução é
clara: Mateus e Levi são a mesma pessoa, tendo por pai um
homem chamado Alfeu e um irmão por nome Tiago.
15
0 terceiro Tiago é denominado de "Tiago, o menor” em
Marcos 15:40. O termo grego no versículo é mihroü, e foi
traduzido por "menor” . Pode significar "pequeno” , designan­
do sua baixa estatura, ou "Júnior” , ou "Filho” , como nos casos
de tantos pais que gostam de colocar seus nomes nos filhos.
Sobre esse homem sabe-se pouco e não é muito provável que ele
tivesse a projeção para escrever algo para as comunidades
cristãs da época. Um homem que escrevesse um livro que veio a
se fixar no cânon, logrando aceitação das igrejas daquele tempo,
deveria ser uma pessoa mais conhecida.
O quarto Tiago é aquele sobre quem temos mais informações.
Era irmão de João e filho de Zebedeu, tendo sido ambos
apóstolos de Jesus. "Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu
irmão” (Mat. 10:2). Todas as referências feitas a ele, nos
Evangelhos, colocam-no junto com o irmão. Sempre são men­
cionados em conjunto. Até o fim do século XVII, a Igreja
Católica na Espanha o considerava como sendo autor da epís­
tola, teoria hoje abandonada. E pouco provável que tenha sido
ele quem escreveu a carta. Em Atos 12:2 lemos a respeito de uma
decisão tomada por Herodes: "E matou à espada Tiago, irmão de
João.” Foi o primeiro dos doze apóstolos a sofrer o martírio,
provavelmente no início dos anos 40 de nossa era. A posição da
Igreja Católica espanhola é explicável: o santo patrono do país é
São Tiago de Compostela, que foi equivocadamente associado
com o filho de Zebedeu. Era natural que a igreja desejasse que
seu patrono fosse o autor de um dos livros do Novo Testamento.
Mas, seu martírio ocorreu cedo demais para que isto pudesse ter
acontecido.
Por último, temos Tiago, chamado por Paulo de "irmão do
Senhor” (Gál. 1:19). Sabemos que Jesus possuía um irmão com
esse nome. Lemos em Mateus 3:55: "Não é este o filho do
carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago,
José, Simãoe Judas?” Em Marcos 13:21 lemos: "Quando os seus
ouviram isso, saíram para o prender; porque diziam: Ele está
fora de si.” Esse irmão do Salvador era, portanto, incrédulo. 0
evangelista João nos informa que "nem seus irmãos criam nele”
(João 7:5). Mas, quando chegamos ao livro dos Atos dos
Apóstolos, encontramos uma surpreendente mudança. Os ir­
mãos de Jesus estão entre os crentes de Jerusalém, perseverando
em oração (At. 1:14). O que teria acontecido? Como se conver­
teram os irmãos de Jesus e, particularmente, Tiago?
Em I Coríntios 15:7 se diz que Jesus apareceu ressuscitado a
Tiago. E muito provável que esse Tiago tenha sido o irmão
16
carnal do Senhor, que então se converteu. Diz Leon Morris:
"A maioria acha que é Tiago, irmão do Senhor, e que foi essa
aparição que o levou à conversão, e por sua instrumentalidade,
à dos seus irmãos.2 Geoffrey Wilson segue a mesma linha de
pensamento.3 The Broadman Bible Commentary nos diz o se­
guinte: "Das diversas pessoas chamadas Tiago no Novo Testa­
mento, o Tiago conhecido como o irmão do Senhor tem sido
tradicionalmente considerado como o autor da epístola."4
Temos também o testemunho do historiador Flávio Josefo:
"Anano, um dos que de nós falamos agora, era homem ousado e
empreendedor, da seita dos saduceus, que, como dissemos, são
os mais severos de todos os judeus e os mais rigorosos nos
julgamentos. Ele aproveitou o tempo da morte de Festo, e
Albino ainda não tinha chegado, para reunir em conselho,
diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus, chamado
Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis
e os condenou ao apedrejamento.” 5 Pelas pessoas citadas
(Anano, Festo e Albino), concluímos que o martírio desse Tiago
sucedeu em 62, data que o torna o mais possível autor da
epístola.
Outras informações do Novo Testamento nos fazem saber que
esse Tiago era casado, como lemos em I Coríntios 9:5, e
desfrutava de grande conceito na igreja primitiva. Paulo o
chamou de "apóstolo” (Gál. 1:19), e embora ele não fosse um
dos doze, recebeu o título por se ter tornado o líder mais acatado
no cristianismo iniciante. Deduzimos isso de sua participação no
concilio registrado em Atos 15, quando suas palavras foram
totalmente acatadas. Quando Pedro foi libertado da prisão (At.
12) logo mandou que se anunciasse o fato a Tiago (versículo 17).
Sobre tal passagem é oportuno o comentário de rodapé da Bíblia
de Jerusalém: "Tiago, sem outra especificação, designa-se o
'irmão do Senhor’. Desde a época da primeira visita de Paulo a
Jerusalém, (Gál. 1:19), talvez em 36 (At. 9:1), Tiago é o chefe do
grupo 'hebreu’ dos cristãos de Jerusalém. Governará a igreja-
mãe após a partida de Pedro (At. 15:13; 21:28; I Cor. 15:7). A
Epístola de Tiago apresenta-se como obra sua.” Não deixa de
ser interessante constatar que, até mesmo entre alguns círculos
católicos, há identificação do autor da epístola com o meio-
irmão de nosso Salvador.
Poderá alguém presumir que seja desnecessária e até julgar
maçante essa preocupação com a identificação do autor, mas as
informações recolhidas são de grande valor. Estaremos estu­
17
dando o livro de um homem que conheceu Jesus de forma muito
mais pessoal que os outros escritores. Os dois dormiram sob o
mesmo teto c cresceram juntos. Mais tarde, Tiago deve ter visto
quão diferente era seu irmão. Discordou dele, julgou-o louco,
até. Que temperamento esquisito! Que comportamento estra­
nho! Por fim, Tiago acabou colocando sua vida a serviço de
Jesus. Para que isso acontecesse, sem dúvida algo de revolu­
cionário aconteceu em sua vida. Considerar que Tiago, autor da
epístola, é o Tiago irmão do Senhor, parece-nos um forte argu­
mento para crer na divindade de Jesus Cristo e no poder de sua
ressurreição. Vidas foram radicalmente transformadas.
Tiago tinha um lugar de destaque na igreja primitiva. Diz o
grande patrício Rui Barbosa: "Os que buscam vincular a Pedro
a soberania do papa começam esquecendo a primeira manifes­
tação coletiva da igreja cristã, o Concilio de Jerusalém, tipo
necessário de todos os outros, no qual a preponderância da
definição do ponto controvertido coube, não ao apelidado prín­
cipe dos apóstolos, mas a Tiago, bispo da cidade, irmão do Se­
nhor.” 6 Evidentemente não estamos dizendo que Tiago foi papa
ou tinha a supremacia sobre os demais líderes da igreja. A
declaração de nosso culto patrício vem apenas confirmar o
prestígio de Tiago e a consciência de ser ele irmão de Jesus.

18
2
Apresentação e Cumprimento
Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos
da Dispersão, saúde. (1:1)
Se aceitarmos o autor da Epístola de Tiago como sendo o
irmão do Senhor, já encontramos aqui um traço positivo de seu
caráter. Ele não se vale do grau de parentesco, alegando mais
importância por ser irmão do Senhor. Não reivindica primazia
sobre os demais líderes. 0 triste hábito do nepotismo ou
patronato é inexistente aqui. Ele se intitula "servo” . 0 termo
grego é bem conhecido, doülos, cuja idéia principal é de "es­
cravo” . Ele não é chefe. É servidor de Deus e do Senhor Jesus
Cristo.
E pena que a consciência de "servo” esteja se esvaindo entre
os cristãos. Alguns são senhores de suas igrejas. Outros, de suas
denominações. Muitas instituições evangélicas são governadas
em estilo monárquico, com a voz do líder sendo inquestionável.
Ocasiões há, também, em que a comunidade cristã não é vista
como uma oportunidade para servir aos irmãos, a Deus e ao
mundo, mas para compensar frustrações emocionais. 0 indiví­
duo é inexpressivo na vida secular, mas encontra na igreja
oportunidades para se projetar e impor sua vontade a outros,
inclusive a pessoas de posição secular superior à sua. Na
comunidade, então, o indivíduo compensa sua inexpressividade.
0 seu serviço é mero carreirismo, e não serviço cristão.
19
Precisamos voltar a nos ver como servos. Sem busca de
aplausos, de poder e de prestígio. Tiago não se intitula de nada
mais que servo. Em uma igreja onde fui pregar, certa ocasião, o
apresentador pediu-me todos os meus títulos e funções, para
"fazer uma apresentação bombástica” . É isso que queremos
mostrar ao mundo? Por que o orgulho invadiu nossos arraiais?
A carta é endereçada "às doze tribos da Dispersão” . Em João
7:35, os judeus se indagaram se, porventura, Jesus iria para a
"Dispersão” . 0 que é isto?
"0 termo 'Dispersão’ (em grego diasporá) pode denotar ou os
judeus espalhados pelo mundo não-judaico (como em João
7:35), ou aos lugares nos quais eles passaram a residir (como em
Judite 5:19).” 7
0 autor diz claramente "doze tribos” . Ora, dez tribos se
perderam em 722 AC, com a ida de Israel, o Reino do Norte,
para o cativeiro assírio. As outras duas, que formavam Judá, o
Reino do Sul, foram levadas para a Babilônia em 587 AC. De lá
regressaram em 537 AC. A quem se aplica o termo "doze” ?
Assim se expressa grande autoridade, tanto em Novo Testa­
mento quanto em Velho Testamento: "É provável que o autor
esteja usando uma forma simbólica de palavras que encontra­
mos, freqüentemente, no Novo Testamento. A igreja cria que
era o verdadeiro Israel, composta de várias comunidades dis­
persas, como centros de luz no mundo de trevas. Não se pode
entender as doze tribos no sentido literal, pois as antigas divisões
tribais de Israel já haviam desaparecido havia séculos. 0 termo
significa, apenas, que o novo Israel corresponde ao antigo, e que
sua carta foi dirigida à igreja na sua totalidade.” 8
Aceitamos esta argumentação, em parte. 0 autor está se
dirigindo especificamente a cristãos dispersos, presentes em
vários lugares, ficando implícito alcançar "a igreja na sua
totalidade” . Dirige-se mais restritamenie a cristãos que vieram
do judaísmo. Afinal, ele era o líder do partido hebreu no
cristianismo nascente (reveja a nota de rodapé da Bíblia de
Jerusalém, citada na página 17). Assim entendem autores como
Taylor, Davidson, Hort e outros mais. Entendem que o termo se
refere a cristãos que vieram do judaísmo. Carrol, inclusive,
faz um belo paralelo entre a dispersão dos judeus e a dispersão
dos cristãos. Desde o dia de Pentecostes que cristãos de origem
judaica começaram a se espalhar pelo mundo. Mais tarde,
quando os cristãos começaram a ser perseguidos, mais se
espalharam pelo mundo. Era também uma dispersão.9
20
0 fato mais importante, porém, é que, inspirado pelo Espírito
Santo, o autor aconselha os cristãos de sua época e, por
extensão, a nós, cristãos que os sucedemos, mostrando-nos
princípios vivenciais para um cristianismo autêntico.
0 estilo do autor é bastante parecido com o do Sermão do
Monte. Eis o que nos diz Taylor: "É o Sermão da Montanha
entre as Epístolas. É o escrito mais judaico do Novo Testamento.
Mateus, Hebreus, Apocalipse e Judas, todos têm mais do
elemento distintivamente cristão. Se, porém, eliminarmos duas
ou três passagens que se referem a Cristo, a epístola inteira tem
lugar no cânon do Velho Testamento, tão bem quanto cabe no
Novo Testamento.” 10 Comparemos duas citações de Tiago corn
o Sermão do Monte, para exemplificar: "Irmãos, não faleis mal
um dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão,
fala mal da lei, e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és
observador da lei, mas juiz” (4:11). Em Mateus 7:1 encontra­
mos conceito semelhante: "Não julgueis, para que não sejais
julgados.” Lemos em Tiago 5:12 as seguintes palavras: "Mas,
sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela
terra, nem façais qualquer outro juramento; seja, porém, o
vosso sim, sim, e o vosso não, não, para não cairdes em condena­
ção.” Em Mateus 5:34-37 lemos o seguinte: "Eu, porém, vos
digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o
trono de Deus; nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés;
nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; nem jureis
pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo branco
ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o
que passa daí vem do Maligno.”
Muitos dos conceitos encontrados em Tiago são também
encontrados, algumas vezes, em outras palavras, no livro de
Provérbios. Isto não é de estranhar. 0 tema visado por ambos os
livros é o procedimento correto de um filho de Deus. Alguns
estudiosos do Novo Testamento, inclusive, denominam a Epís­
tola de Tiago de "Provérbios do Novo Testamento” .
Todas estas considerações nos conduzem a um ponto: a
preocupação do autor é ética, e não teológica. Em sua carta ele
não se ocupa da crucificação, ressurreição, ascensão, segunda
vinda de Cristo, etc. Sua linha de pensamento segue o tempo
todo em uma direção: como um cristão deve se comportar.
Tiago não é místico nem está preocupado com os mistérios do
além. Sua preocupação é com o aqui e agora. Ele deseja mostrar
que a vida cristã tem parâmetros. 0 que caracteriza um cristão
21
nao e sua indumentária, nem seu corte de cabelo, tampouco
palavras técnicas por cujo rigor lingüístico chegamos a brigar. 0
que caracteriza um cristão é a qualidade da sua vida pessoal É
por onde vamos andar agora.

22
3
Como um Cristão Encara as Crises
Meus irmãos, tende por motivo de grande gozo o passardes
por várias provações, sabendo que a aprovação da vossa fé
produz a perseverança; e a perseverança tenha sua obra per­
feita, para que sejais perfeitos e completos, não faltando em
coisa alguma. (1:2-4)
Por que o homem bom sofre? Esta questão tem desafiado as
mentes mais argutas e os corações mais piedosos. 0 drama de Jó
trata desse tema, o sofrimento de um homem bom e puro. 0
profeta Habacuque também entrou em profunda crise espiritual
e existencial, porque via a injustiça aprofundar-se, o homem
desonesto e iníquo prosperar e o homem decente e trabalhador
ser oprimido e esmagado. A questão é tão séria que tem levado
alguns a perderem a fé na providência divina, desviando-se
assim do evangelho. No Salmo 73, Asafe preocupou-se com o
mesmo problema. Chegou, inclusive, a pensar em abandonar a
Deus. Ele pensava: Melhor ser injusto do que justo. Talvez a
questão se resuma com mais simplicidade na pergunta de um
menino numa classe de Escola Bíblica: "Por que Deus não mata
o Diabo a pauladas e acaba com o problema?”
Dificilmente poderemos responder à questão do sofrimento do
justo. Na realidade, este não é o nosso propósito aqui. E preciso
registrar algo, no entanto: os cristãos têm crises pessoais, e
muitas vezes crises violentas.
Prolifera em nossos dias uma pregação falsa em nossas igrejas
e que assim ensina: Siga a Cristo e seus problemas se acabarão.
23
Muitas pessoas dão crédito a tal ensinamento, envolvem-se com
Cristo, passam por tribulações e se desorientam por completo.
Ouvi esta oração em um programa radiofônico evangélico:
"Senhor, abençoa o teu povo, multiplicando o dinheiro de suas
carteiras.” Isto não é o evangelho. E superstição. É confundir o
evangelho com magia. Seguir a Cristo não é ter um seguro
contra os problemas. Os cristãos têm problemas. E como têm!
"Tende por motivo de grande gozo o passardes por várias
provações.” 0 que Tiago quis dizer com sentir-se alegre em
meio às provações? A Bíblia na Linguagem de Hoje traduz este
versículo assim: "Sintam-se felizes quando passarem por todo
tipo de aflições.” Como pode a aflição trazer felicidade?
Nosso estilo de vida está todo orientado para o prazer. Tudo
que produza prazer deve ser tentado. Nossa sociedade é hedo­
nista e colocou o prazer como o bem máximo a ser alcançado.
Tudo o que é desagradável deve ser evitado. Há, em certo
sentido, um paralelo dos dias em que vivemos com a sociedade
mostrada em O Admirável Mundo Novo, de Huxley: as aspere­
zas e dificuldades devem ser evitadas. Ser feliz, eis a aspiração
máxima de todos nós! Os livros com títulos prometendo a
apresentação de um segredo infalível, ensinando como viver de
maneira agradável, sempre vendem bem. Assim, não fica muito
interessante receber os problemas com alegria. Na realidade,
não ter problemas é que é bom.
A ótica de Tiago é realmente extraordinária. "A aprovação da
vossa fé produz a perseverança.” A Bíblia na Linguagem de
Hoje traduz o versículo assim: "Quando sua fé vence essas
provações, ela produz perseverança.” Pense bem: "Quando sua
fé vence...” As dificuldades existem para serem vencidas. É
possível vencê-las, não no poder da carne, mas no poder do
Espírito, na força da fé. É nas provações que o caráter se
enrijece e se torna mais forte. Quando houve o conflito militar
entre a Argentina e a Inglaterra, pela posse das Ilhas Malvinas,
culminando com a vitória inglesa, um analista de política
internacional apresentou, entre as muitas razões da vitória
inglesa, esta: Os ingleses têm tradição de guerra e de lutas. Há
séculos que eles estão lutando em algum lugar. Estão acostu­
mados a guerrear. Seus soldados não eram inexperientes, mas
sim profissionais, homens traquejados.
Boa lição para nós, esta! As dificuldades vencidas nos forta­
lecem, para que enfrentemos outras que surjam, com mais
capacidade e confiança.
24
"Produz a perseverança” . As versões mais antigas traduzem
perseverança como "paciência” . A palavra grega usada é
hypomoné, que significa "ação de perseverar, sofrer, suportar
calma e heroicamente” . Não é, no entanto, uma atitude passiva.
Pelo contrário, é uma atitude dinâmica. Procuremos compreen­
der o seu sentido. Hypomoné era uma palavra pouco usada no
grego clássico, aplicada ao período de duração de um trabalho
cansativo que alguém desempenhou sob pressão. Usava-se
também essa palavra para adjetivar uma planta que, mesmo sob
condições ambientais desfavoráveis, conseguia viver. 0 verbo
derivado de hypomoné veio a significar "suportar, resistir” , em
vista desses sentidos.
Em Tiago 1:3, a palavra "perseverança” é usada em conexão
com a fé, sendo um produto da fé ativa. Somente a fé pode
produzir perseverança. Isto porque perseverança não é o estoi-
cismo humano, a manifestação de um caráter indômito por
questão de temperamento. Perseverança não é também a mani­
festação de derrotismo, do tipo "deixa estar para ver como é que
fica” . Tampouco é um fatalismo resignado. Hypomoné é aquela
virtude que faz um homem continuar avançando, mesmo sob
golpes. E a fé provada que produz hypomoné. Quando enfren­
tamos uma crise e a superamos, tornamos nosso caráter mais
perseverante.
"Para que sejais perfeitos e completos, não faltando em coisa
alguma” . 0 termo "perfeitos” merece explicação. Não significa
uma ausência de defeitos. A palavra grega usada é téleioi, plural
de téleios, que pode apresentar vários sentidos: perfeito, adulto,
maduro, plenamente desenvolvido. Nos papiros antigos, esse
termo era usado para designar a maioridade civil das pessoas,
que se tornavam, assim, responsáveis. Era usado também para
frutos maduros e para mercadorias em boas condições ou
completas. Esta explicação permite-nos entender as exortações
bíblicas a que sejamos perfeitos, principalmente a de Jesus em
Mateus 5:48, que diz: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito
o vosso Pai celestial.” Há um nível de perfeição, de maturidade,
para Deus, a absoluta. Há também um nível para nós. Eviden­
temente não se diz que devemos ser como Deus, mas que
devemos alcançar o nível que de nós se espera. Entendemos,
então, que na medida em que vamos vencendo as provações e
fortalecemos a nossa fé, vamos nos tornando adultos espirituais.
Fugir das lutas não conduz à maturidade. Desviar-se ou
ignorar os problemas, também não. Mas, enfrentá-los e vencê-
25
los, isto sim, conduz a um estado de adultos, tanto espiritual
quanto emocionalmente.
"Não faltando em coisa alguma” . A Bíblia na Linguagem de
'Hoje verte esta expressão como: "sem faltar nada” . Este é um
aspecto desafiador. Por que tantos cristãos vivem, hoje, vidas
incompletas, onde falta tanto? Porque o enfoque da vida cristã
está errado. Muitos há que foram atraídos para o evangelho por
causa das bênçãos que ele pode dar-lhes, por causa do que
podem receber de Cristo. Na realidade, isto não está de todo
errado. Mas, o trágico é quando a vida cristã não é vista como
uma luta, como um engajar-se com Cristo, e sim como fuga.
Como conseqüência, temos muito de um cristianismo piegas,
meloso, de gente que transformou a igreja em um gueto onde se
pode esconder do mundo e se refugiar das dificuldades. Oculta-
se assim o verdadeiro cristianismo, que é forte, desafiador de
estruturas de um mundo decadente, onde o cristão é, não um
pedinte, mas um herói, um lutador, um agente transformador
de uma sociedade corrompida. A preocupação maior de um
seguidor de Cristo não é esconder-se do mal, mas combatê-lo,
onde quer que ele se encontre. Nosso Senhor manifestou-se para
destruir as obras do Diabo. (I João 3:8).
0 "sem faltar nada” não é, evidentemente, uma promessa ou
uma exortação cujo escopo se limita à realização material. 0
cristianismo surgiu exatamente entre a classe social meno:
favorecida. Entre os destinatários de Tiago havia um grande
contingente de pobres. Uma pessoa firme em Cristo, enfren­
tando suas crises pessoais e vencendo-as, tornar-se-á cada vez
mais uma pessoa equilibrada e segura, a quem não faltará
ânimo para enfrentar as dificuldades da vida, sem desespero.
Aprendemos que o evangelho não é para se viver choramin­
gando pelos cantos, lamuriando os problemas, constantemente
derrotado, com tropeços aqui e acolá. Não é também um par de
muletas para se arrastar pela vida, nem ainda um narcótico para
amenizar as dificuldades que enfrentamos. 0 evangelho é um
chamado para a maturidade, para lutar, para vencer e para
crescer. E quando um servo de Cristo compreende o que Tiago
quer dizer, descobre que a cada batalha vencida em sua vida
está mais fortalecido em seu caráter. Fracos e indecisos nunca
entraram para a história. 0 que caracteriza os heróis da fé em
Hebreus 11 é exatamente sua coragem em permanecerem fir­
mes, como quem vê aquele que é invisível (Heb. 11:27). 0
cristão não pode viver como um derrotado. Por isso, se você tem
26
problemas e sofre, não entregue os pontos. Enfrente suas
dificàldadescom fé no Senhor. Nas lutas travadas está a firmeza.
As dificuldades e os sofrimentos fazem parte da vida. Não
podemos impedi-los de desabarem sobre nós. Mas, superá-los é
descobrir a beleza da vida e crescer emocionalmente como
cristão.
4
A Busca de Sabedoria
Ora, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus,
que a todos dá liberalmente e não censura, e ser-lhe-á dada.
Peça-a, porém, com fé, não duvidando; pois aquele que duvida é
semelhante à onda do mar, que é sublevada pelo vento. Não
pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa, homem
vacilante que é, e inconstante em todos os seus caminhos. (1:5-8)
A sabedoria era a forma de conhecimento mais apreciada
entre os hebreus. Livros como os de Provérbios, Eclesiastes, Jó,
Sabedoria e Eclesiástico (não temos os dois últimos como
inspirados, bem assim os judeus também não os consideravam,
embora os respeitassem) eram tidos em alta conta. Eram livros
que apresentavam os princípios divinos para a vida ajustada. E
viver corretamente era uma das grandes aspirações dos homens
piedosos de Israel. "A sabedoria é a coisa principal; adquire,
pois, a sabedoria; sim, com tudo o que possuis adquire conhe­
cimento” (Prov. 4:7). Valia a pena investir tudo na aquisição da
sabedoria. Um dos alvos do judeu do Velho Testamento era ser
sábio, ter o conhecimento correto.
0 que significa exatamente sabedoria? Evitemos confundi-la
com cultura. Esta é a forma de expressão de um grupo, de uma
sociedade. A maneira de uma pessoa se vestir, sua alimentação,
a faixa de vocabulário dentro do seu idioma que ela utiliza, seus
hábitos, enfim, formam a sua cultura. Suas práticas e tradições
são cultura. E isto não é sabedoria. Também devemos evitar
identificá-la com instrução acadêmica, produto da educação
escolar. Há bacharéis, mestres e doutores que possuem senso
29
escasso, deixando de manifestar qualquer ato de sabedoria. Há
gente de bom nível acadêmico, mas de vida um tanto desastrada.
Tendo visto esparsamente o que a sabedoria não é, cami­
nhemos para identificá-la. Entre os gregos se desenvolveu o tipo
de pensamento que denominamos filosofia. Embora houvesse a
filosofia moral, em boa parte o pensamento grego era especula­
tivo. De que se constitui o mundo? De onde surgiu o universo?
Qual a relação entre as idéias e o mundo real? 0 pensamento
desenvolvido pelos hebreus não foi especulativo. Sempre foi
moral, crendo num Deus pessoal que se revelara e se manifestara
aos homens, mostrando seu querer. Não havia preocupações
com o universe e sim com a vida: Como viver bem? Como
descobrir o sentido da vida e aproveitá-la ao mesmo tempo em
que se agradava a Deus? O filósofo hebreu procurava responder
a estas perguntas. Era chamado de hakham, e não lidava com a
especulação, mas sim com a observação e a revelação divina.
O termo hebraico para sabedoria é hokhma. Não era propria­
mente uma filosofia. Era uma preocupação correta de como se
deve viver. Seu caráter era prático e funcional, nunca abstrato
ou teórico. Não se alcançava com a idade, como se apenas
observar a vida e tirar conclusões bastasse para possuí-la. "Sou
mais entendido do que os velhos, porque tenho guardado os teus
preceitos” (Sal. 119:100). O salmista declara ter mais sabedoria
do que os de mais idade. Estes, teoricamente, tendo vivido mais,
teriam acumulado o que chamamos de "experiência de vida” e
saberíam mais que ele. Mas, o salmista tem mais entendimento
(aqui, sinônimo de sabedoria) porque guarda os preceitos do
Senhor. Isto nos leva a entender que a sabedoria está com Deus.
^ e ^ fonte^de sabedoria. Esta é a linha de pensamento adotada
por Tiago: "Ora, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a
a Deus... (Ii5).
^ A sabedoria devia ser buscada com toda intensidade possível:
A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria;
sim, com tudo o que possuis adquire o conhecimento” (Prov.
4:7). Sendo o equivalente à verdade, tudo deveria ser investido
nela. "Compra a verdade, e não a vendas; sim, a sabedoria a
disciplina e o entendimento” (Prov. 23:23). Em ambos os
versículos citados, temos o uso do paralelismo, um recurso da
poesia hebraica e também sua característica maior. É a prática
de contrabalançar um pensamento ou frase por outro que tenha
aproximadamente o mesmo sentido ou o mesmo número de
palavras. No texto de Provérbios 23:23, por exemplo, o que está
30
escrito é: "Compra a verdade, e não a vendas; sim, (compra) a
«e^edoria, a disciplina e o entendimento. E um paralelismo
sinônimo, assim chamado quando os dois pensamentos são
sinônimos, sendo que há dois tipos: o sinônimo idêntico e o
sinônimo semelhante. 0 texto citado é um paralelismo sinônimo
idêntico, ou seja, nos dois pensamentos se diz a mesma coisa.
Assim sendo, "verdade” e "sabedoria, disciplina e entendi­
mento” têm o mesmo sentido. Provérbios 4:7 também nos traz
um paralelismo sinônimo idêntico, o que nos leva a identificar
"sabedoria” e "conhecimento” como a mesma coisa. E na
busca destas virtudes que a vida deve ser empregada.
"Peça-a a Deus” (1:5). A ausência de sabedoria deve ser
motivo de oração. A sabedoria é um dom divino. Vem do
Senhor. Por isso, o título que Jobnstone, em sua obra The
Epistle of James, dá ao texto de Tiago 1:5-8, é bem expressivo:
"A Sabedoria Através da Oração” . Deus quer que seus filhos
sejam sábios, que tenham orientação correta para esta vida. O
crente que não sabe viver corretamente deve pedir a ajuda de
Deus. Ele supre as deficiências do vosso viver.
A oração, portanto, é uma das maneiras de se alcançar a
hokhma. Há outra maneira que a Escritura apresenta. Já vimos
no Salmo 119:100 que o salmista era mais sábio que os de idade
avançada porque guardava os "preceitos” (a palavra) de Deus.
A sabedoria vem também pelo estudar e guardar os ensinos de
Deus. Isto não quer dizer que a simples leitura da Bíblia nos
tornará um hakham. A.W. Tozer, um santo profeta deste sécubt,
muito nos fala de pessoas ensinadas pela Palavra, mas não
ensinadas pelo Espírito. Pode parecer um contra-senso, mas o
que o conhecido escritor deseja é estabelecer uma diferença entre
o conhecimento meramente intelectual e informativo que uma
pessoa pode adquirir das Escrituras e o conhecimento da Bíblia
que o Espírito Santo transmite (e é oportuno nos recordarmos
que, à luz de João 14:26, é o Espírito quem ensina a Palavra aos
cristãos). É necessário ler, com fome, e aplicar à vida o que foi
lido, buscando corrigir-se.
"Com fé, não duvidando” (1:6). A verdadeira oração exige
fé, sem vacilações. "Sem fé é impossível agradar a Deus ,
diz-nos Hebreus 11:6. É conselho de Deus que seus filhos
aceitem as suas recomendações, em nada duvidando: Estando
Pedro ainda a meditar sobre a visão, o Espírito lhe disse: Eis que
dois homens te procuram. Levanta-te, pois, desce e vai com eles,
nada duvidando-, porque eu tos enviei” (At. 10:19, 20).
31
0 homem que duvida é como a onda do mar. É agitado de
um lado para outro, nunca encontrando paradeiro. É uma
figura de inconstância que o autor bíblico aqui nos apresenta. A
dúvida produz inquietação e instabilidade. Não deve ser assim o
cristão.
Qual a melhor época para se buscar a sabedoria? "Eu amo aos
que me amam, e os que diligentemente me buscam me acharão”
(Prov. 8:17). Uma outra versão traz: "E os que de madrugada
me buscam me acharão.” Exortando seus ouvintes a orarem de
madrugada, certo pregador utilizou este versículo para justificar
sua tese segundo a qual Deus amava os madrugadores na
oração. Segundo ele, Deus amava o que o amava e se dava a
conhecer aos que o buscavam em oração, de madrugada. A
explicação foge ao sentido do texto e ao próprio contexto bíblico.
Afinal, Deus ama até mesmo quem o odeia: "Deus amou o
mundo...” (João 3:16), o mesmo mundo que rejeitou seu amor e
crucificou seu Filho. E também é muita precipitação declarar
que para encontrar a Deus é necessário orar de madrugada. A
Bíblia não ensina isto. E não é isto que a passagem citada está
ensinando.
No texto, não é Deus quem está falando. É a sabedoria. "A
vós, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos
homens... Eu, a sabedoria, habito com a prudência, e possuo o
conhecimento e a discrição” (Prov. 8:4,12). A sabedoria, ela
sim, ama quem a ama e se dá a quem a procura. Quem a
desejar, encontrá-la-á. E os que a procuram de madrugada
(cedo, na sua vida) a acharão.
Em 1611, Erasmo de Rotterdam escreveu, em latim, sua
famosa obra Encomium Moriae (O Elogio da Loucura).
Satirizando a sociedade de sua época, Erasmo personificou a
loucura como uma mulher de longas orelhas, ornadas de guizos,
fazendo^um discurso (é nesse sentido que se emprega a palavra
elogio ) onde se ridiculariza as discussões tolas e sem sentido
dos gramáticos, as querelas dos matemáticos e as estéreis e
cansativas arengas dos teólogos. Erasmo zomba também dos
astrólogos e dos crédulos que os ouvem e mostra que a loucura é
quem tem razão. Ela é mais sensata que os gramáticos, mate­
máticos, teólogos e astrólogos. Pois bem, em Provérbios 8 temos
o elogio da sabedoria. Ela é personificada e faz um elogio (um
discurso) sobre seus negócios na terra, e exorta os homens a
segui-la. Não se preocupa em zombar dos errados, tampouco se
vale do sarcasmo e da ironia para agredir seus discordantes. Seu
32
propósito é que todos ouçam seu chamado, busquem conhecê-la
e se definam por ela. Existe na Bíblia, portanto, uma chamada
aos homens para que sejam sábios. E um pouco mais dessa
exortação será analisado no trecho de 3:13-18 — os dois tipos de
sabedoria.
A razão pela qual podemos pedir sabedoria, na consciência de
que a receberemos, está na bondade de Deus. Ele é bondoso e
derrama sabedoria sobre os seus filhos. Seu amor para conosco
não se resume à nossa salvação. Ele nos oferece a possibilidade
de uma vida real. Tampouco nos salvou ele para nos deixar no
tempo e no espaço, sem um contexto histórico para vivermos.
Sua bondade’não é algo místico que só provaremos depqis da
cessação da vida física. Ela funciona aqui e agora: E sua
bondade que permite aos crentes encontrarem condições para
uma vida madura, exibindo sabedoria no cotidiano. 0 grande
ensino de Tiago neste trecho é que podemos viver bem, na terra.
Não é necessário, como tantos cristãos fazem, viver de mal com
a vida, sempre emburrados, entregando o mundo para os
incrédulos e se refugiando no além. Deus pode ensinar-nos como
viver na terra.
"Mas se alguém tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, e ele
dará, porque é generoso, e dá com bondade a todos.

33
5
Gloriar-se em Quê?
Mas o irmão de condição humilde glorie-se na sua exaltação, e
o rico no seu abatimento; porque ele passará como a flor da
erva. Pois o sol se levanta em seu ardor e faz secar a erva; e sua
flor cai e a beleza do seu aspecto perece; assim murchará
também o rico em seus caminhos. (1:9-11)
A ERAB (Edição Revista e Atualizada no Brasil) da SBB, dá o
seguinte título ao presente trecho: "As Circunstâncias Terrenas
São Transitórias” . 0 título mostra que quem o formulou teve
uma boa visão do assunto. Outro título bem adequado e que po­
dería ser aplicado aqui é: "A Atitude Humana Para com as Pos­
sessões Materiais” . As duas idéias se harmonizam na discussão
objetiva aqui empreendida por Tiago. A maior parte dos proble^
mas enfrentados pelos cristãos diz respeito ao mundo material. E
muito justo que em nossas pregações acentuemos as verdades do
além, mas, por vezes, concedemos ênfase desmesurada a esses
assuntos e descuramos do mundo material. Não é raro encon­
trarmos um cristão pouco à vontade com o mundo material, o
mundo real, já que recebe ensinos mais sobre o mundo espiri­
tual, que é um mundo ideal.
Como devemos relacionar-nos com o mundo concreto, com as
coisas? Ter posses, ser rico, é pecaminoso? Sendo que determi­
nadas correntes teológicas contemporâneas fazem exaltação do
pobre e ameaçam o rico, será a pobreza uma virtude?
Por outro lado, a moderna maquinaria publicitária coloca o
sentido da vida nas riquezas. A televisão e as revistas, com suas
cores, mostram que a pessoa bem-sucedida é aquela que tem o
35
carro do ano, cheque especial, tem lancha marítima, veste a
esquisita moda lançada pelas empresas de costura, etc. Este é o
pano de fundo da publicidade que nos esmaga com suas técnicas
bem elaboradas: a realização está no ter coisas. Estará certa tal
ótica? Ter coisas é o bem supremo? Qual é a relação correta
entre o homem e os bens? Todas estas questões podem ser
enfocadas aqui e respondidas à luz de Tiago.
”0 irmão de condição humilde” e "o rico” . 0 que significam
estes termos? Qual o sentido das expressões antitéticas na
epístola? Faz parte do estilo de Tiago estabelecer contrastes
entre as duas classes sociais retratadas. Em 2:6, ele mostra o rico
oprimindo o pobre. Em 5:6, ele declara que a política de
exploração do pobre pelo rico leva os trabalhadores à fome e à
morte. Evitemos espiritualizar os termos. Pobre aqui é o homem
desprovido de bens materiais. E rico é o homem bem provido de
bens. Os capítulos 4:13-16 e 5:1-6 não deixam margem de
dúvidas quanto ao sentido que, nesta epístola, é dado aos
termos. Tiago está nos falando do pobre e do rico em relação à
situação econômica.
Antes de considerarmos as recomendações dirigidas a essas
duas classes, torna-se oportuno registrar que as figuras de
contrastes, empregando elementos antitéticos, são muito comuns
na poesia hebraica e na literatura de sabedoria. Os Salmos 1 e
73, por exemplo, estabelecem as diferenças entre o justo e o
ímpio, dois tipos opostos. No Salmo 40:2, o salmista estava
"num charco de lodo” (Versão Revisada da IBB) ou "tremedal
de lama” (ERAB) e o Senhor firmou os seus pés "sobre uma
rocha” . Muitos dos provérbios bíblicos são antitéticos, usando
termos como "escarnecedores” e "humildes” (Prov. 3:34);
"filho sábio” e "filho insensato” (Prov. 10:1), "multidão de
palavras” e "refreia os seus lábios” (Prov. 10:19). Estes são
alguns dos muitos exemplos. O Senhor Jesus se valeu desse
recurso, na sua magistral conclusão do Sermão do Monte, com a
casa sobre a rocha e a casa sobre a areia, bem como na parábola
do fariseu e do publicano. Como a preocupação da literatura de
sabedoria é o estabelecimento de princípios de boa conduta,
para o que, necessariamente se deve mostrar a má conduta, o
estilo mais condizente é exatamente este.
Por três vezes Tiago critica os ricos. No capítulo 2, é porque
eles oprimem os crentes (v. 6, 7). Aqui, o termo "rico” se aplica
aos incrédulos. No capítulo 5, é porque oprimem os pobres (v. 4)
e por presumirem que o sentido da vida reside na posse de
36
riquezas (v. 5). Aqui, também, parece que o termo está sendo
aplicado a pessoas de fora da igreja. A terceira crítica é no texto
em tela.
Não padece dúvidas que o pobre, aqui, é um cristão: "o irmão
de condição humilde” . E o rico? É um cristão ou um incrédulo?
Nos dois casos anteriores, a probabilidade quase que total é que
não sejam da igreja. Em 2:6, 7, pelo menos, isso é bem claro.
Sendo a Epístola de Tiago um livro que se assemelha à literatura
sapiencial do Velho Testamento, bem pode ser que o autor
emprega o termo no mesmo sentido em que os Salmos usam
"justo” e "ímpio” . Neste caso, o pobre seria sempre um cristão,
e o rico, sempre um incrédulo, inclusive no texto em foco.
Na realidade, o mais importante é o seguinte: Qual a reco­
mendação bíblica para o pobre, no tocante à sua pobreza? Qual
a recomendação bíblica para o rico, no tocante à sua riqueza?
Podemos perder o sentido do estudo bíblico quando fixamos a
nossa atenção no que não é essencial, brigando pelos acessórios
e esquecendo-nos assim do fundamental. Fixemo-nos nisto:
Quais os conselhos do "servo de Deus e do Senhor Jesus
Cristo” ?
A Versão Revisada da Imprensa Bíblica Brasileira traduz: "0
irmão de condição humilde glorie-se na sua exaltação.” A
ERAB traduz "exaltação” por "dignidade” . Aqui está onde o
irmão deve gloriar-se: na sua "exaltação” , ou no dar lugar à sua
"dignidade” . Primeiro ressalte-se o fato que o irmão humilde
não deve desprezar-se por ser pobre. Não deve envergonhar-se
dessa situação, nem julgar que é uma pessoa de terceira ou
última categoria. Depois, ressalte-se que ele deve gloriar-se. 0
verbo "glorie-se” tem o sentido de: "Regozije-se com con­
fiança.” (É o grego kaúchesis). Na sua pobreza, o irmão
humilde tem algo com que regozijar-se: sua "dignidade” . Aqui
temos o substantivo grego hypsei — altura, posição elevada,
exaltação. Da sua raiz vem hypsistos, usado para "Altíssimo” ,
aquele que está acima dos homens, não pelo que tem, mas pelo
que é. Alguns presumem que a glória é a identificação com o
Altíssimo, ou seja, a glória do pobre é ser crente — filho do
Altíssimo. Esta idéia não cabe no contexto. Registro-a, porém,
como interpretação que tem defensores, mas é só interpretação.
Não podemos crer que ao pobre só reste a fé como alternativa,
num esquema tipo: "rico fica com dinheiro, pobre fica com
religião” . A Bíblia de Jerusalém, por exemplo, favorece esta
posição com uma nota de rodapé que diz: "Os ricos não
37
participam da exaltação dos pequeninos a não ser que se
humilhem com eles.” Já a Bíblia na Linguagem de Hoje dá um
sentido totalmente econômico: o pobre exulte quando ficar rico,
e o rico exulte quando ficar pobre.
A glória do pobre é o seu caráter, aquilo que ele é, na sua
natureza moral e espiritual. 0 Novo Testamento Vivo parafra­
seou bem: ”0 cristão qué não goza de muito prestígio neste
mundo deve sentir-se alegre, pois ele é grande aos olhos do
Senhor.” A glória do Altíssimo é pelo que ele é e não pelo que ele
tem. Assim é a glória do crente pobre. Não pense que é inferior.
Não aceite o padrão do mundo que julga as pessoas por aquilo
que elas possuem. Deus julga o homem por aquilo que ele é.
Tiago vem combater a ilusão contemporânea, segundo a qual a
realização está no ter. Engano, puro engano. A realização está
no ser. Diz Provérbios 22:1: ”0 bom nome vale mais do que
muita riqueza; ser estimado é melhor do que ter prata e ouro”
(BLH). Ao invés de se envergonhar de ser pobre, mantenha o
tesouro da dignidade. A busca de bens, por quaisquer que sejam
os meios, tem arruinado nossa sociedade. "Seja bem-sucedido
economicamente, custe o que custar! Lance mão de todos os
meios! Roube, fraude, minta, seja desleal, faça tudo o que
puder, mas seja rico!” Esta é a filosofia que parece nortear o
mundo de hoje. Nós, cristãos, precisamos ser coerentes com a
nossa fé, mesmo correndo o risco de sermos chamados de
ultrapassados” . Devemos sustentar nossos princípios. É me­
lhor ser um pobre honesto e em paz com a consciência e com
Deus do que ser um rico desonesto e não ter paz e glória moral.
Isto não significa que todo rico é desonesto. Significa, sim, e
precisamos reafirmar isto em alto e bom som, que a honra deve
ser preferida à desonra, mesmo que esta traga riquezas e aquela,
pobreza. Os cristãos precisamos reafirmar bem alto a superio­
ridade dos valores morais e espirituais à nossa geração, que vive
engolfada num materialismo pragmático.
"0 rico no seu abatimento” , ou ''insignificância” (ERAB).
0 rico também deve gloriar-se, mas não nas suas riquezas.
"Abatimento” é tapeinósei, o dativo singular de tapeínosis, que
significa "baixeza, humildade, humilhação” . 0 verbo relacio­
nado com este substantivo é tapeinóo, que tem como um de seus
sentidos ajustar-se a um nível econômico mais baixo, conformar-
se a uma nova situação financeira. É "saber viver na pobreza” .
Isto explica o sentido totalmente econômico que a Bíblia na
Linguagem de Hoje deu em sua tradução.
38
Pode ser também que o "abatimento” seja uma atitude
espiritual — o que não significa a espiritualização da passagem.
0 adjetivo tapeinós, que tem a mesma raiz de tapeínosis, e
inclusive um dos seus significados (humilde), no pensamento
secular era usado como "pobre, desprezado” . Mais tarde, seu
emprego no pensamento cristão veio a ser no sentido de
"manso, pobre de espírito” (não é, no entanto, o termo que
surge nas Bem-Aventuranças sobre o manso e o pobre de
espírito). Se caminharmos por esta linha de interpretação, a
recomendação ao rico é que ele não se glorie nas riquezas, mas
numa atitude espiritual de quebrantamento. Já vimos que
"gloriar-se” é "regozijar-se com confiança” . Que o rico se
regozije confiantemente, não no seu poder econômico, mas num
quebrantamento diante de Deus. Aqui é que está a sua segu­
rança. Da mesma forma, o pobre não deve buscar riquezas a
qualquer preço, mas sim, preservar a sua dignidade. A discus­
são de Tiago seguiria, então, neste rumo: as circunstâncias
terrenas são transitórias, não são o valor último. O pobre não
deve direcionar toda a sua vida em melhorar de situação, mesmo
que à custa de sua dignidade, derrubando a sua glória. Já o
rico, não deve confiar nas suas riquezas, como se estas fossem
um deus que o garantisse no momento de aflição espiritual. Que
sua glória seja a humildade em reconhecer que não é poderoso,
pois como ensina o versículo 11, os bens materiais se esvaem.
"Ppis o sol se levanta em seu ardor e faz secar a erva.” 0 texto
nos remete ao livro do profeta Isaías, no capítulo 40:6-8. No
início do capítulo, exatamente o início de uma nova seção no
livro, o profeta traz uma mensagem de consolação ao Judá
cativo na Babilônia. Seu tempo de escravidão está completado.
Os exilados voltarão para sua terra pelo caminho do deserto
entre Babilônia e Palestina, conduzidos pelo Senhor. Os versí­
culos 6-8 tratam da imutabilidade da Palavra de Deus em
contraposição ao poder humano. "O povo é erva. Refere-se à
humanidade, mais particularmente aos caldeus, cujo momento
histórico estava passando e, como a erva, secando. Era assim
com Babilônia, o grande reino caldeu. Estava secando. Mas a
palavra de Deus permanece para sempre. Ela anunciou a ida
para o cativeiro e agora anuncia a saída. Os caldeus tinham um
formidável poderio. Basta lembrar que na estátua de Daniel 2
o maior dos impérios mundiais é o caldeu. Os outros que o
sucederam foram inferiores. Mas a poderosa Babilônia ia pas­
sar, enquanto a palavra de Deus ia permanecer. Quando o hálito
do Senhor alcançasse a erva, esta murcharia. Em Isaías 40:7, o
39
"hálito” é o hebraico ruah, que tanto significa "vento” como
"espírito” . Segundo os comentaristas mais reputados, ruah é
empregado aqui no sentido de "vento” , o vento quente e seco,
vindo do deserto, o chamado siroco. Quando o sol quente da
Palestina tinha seu calor empurrado pelo siroco, a vegetação
secava. Lemos sobre os efeitos desse vento em Ezequiel 17:10:
"Mas, estando plantado, prosperará? Não se secará de todo,
quando a tocar o vento oriental? Nas aréolas onde cresceu se
secará.” "Vento oriental” é outra denominação do siroco, já
que ele vinha do oriente, através do deserto.
Assim é o homem. Ei-lo na sua imponência, manifestando
grande poder. Mas, assim como o siroco acaba com a transitória
beleza da flor, o toque divino extingue o poderio humano. "Vi
um ímpio cheio de prepotência, e a espalhar-se como a ár­
vore verde na terra natal. Mas eu passei, e ele já não era;
procurei-o, mas não pode ser encontrado” (Sal. 37:35, 36). A
erva seca é reduzida a nada.
"Assim murchará também o rico. èm seus caminhos” . Se a
confiança do rico estiver depositada nos bens materiais, ele
murchará. Secará. Será reduzido a nada. A glória do rico não
deve ser a sua riqueza material. Ela é frágil, apesar de seu
aparente poder. Dois exemplos opostos no Novo Testamento
mostram isto. Um é o jovem rico que, sendo desafiado a optar
entre suas riquezas e o seguir a Jesus, optou pelas riquezas.
Amava-as mais. Mas saiu triste. Ficou com tudo, mas sem
Cristo. Assim, estava sem nada. O outro exemplo é o de Zaqueu.
Compreendeu que a amizade de Cristo valia mais que suas
riquezas, e preferiu desfazer-se da parte delas, dando-lhes
função social, e seguir ao mestre. É mostrado como um homem
que se realizou.
O parecer de Tiago sobre o nosso posicionamento diante das
riquezas é de grande relevância para os nossos dias. A posse de
bens materiais não é o mais alto valor. Importa afirmar, sejamos
pobres ou sejamos ricos, que os valores espirituais são eternos, e
o desenvolvimento dos valores morais agrada a Deus. Mais
importante que ter coisas é ser. Viver corretamente, como Deus
deseja. Recordemos as palavras do Senhor a Samuel, sobre o
porquê da rejeição de Saul: "Não atentes para a sua aparência,
nem para a grandeza da sua estatura, porque eu o rejeitei;
porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem olha
para o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o
coração” (I Sam. 16:7).
40
6 .

A Questão da Tentação
Bem-aventurado o homem que suporta a provação; porque,
depois de aprovado, receberá a coroa da vida, que o Senhor
prometeu aos que o amam. Ninguém, sendo tentado, diga:
Sou tentado por Deus: porque Deus não pode ser tentado pelo
mal e ele a ninguém tenta. Cada um, porém, é tentado quando
atraído e engodado pela sua própria concupiscência; então, a
concupiscência, havendo concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, sendo consumado, gera a morte. (1:12-15)
A discussão de Tiago agora é a respeito da origem do pecado
na esfera da vida humana. Como sempre, o autor é prático e não
se perde em discussões sobre a origem do pecado. Preocupa-se
em mostrar como este surge na vida humana e conduz os
homens à prática do mal.
De início, Tiago nos traz uma bem-aventurança para os que
suportam a provação. "Bem-aventurado o homem que suporta
a provação” (v. 12). Esta é uma das duas bem-aventuranças da
epístola (a outra se localiza em 1:25). É dirigida aos que
suportam a provação. Makários é o termo grego para "btftn-
aventurado” , sendo a mesma palavra que Mateus utiliza no
Sermão do Monte. Significa "feliz, bendito” , e aplica-se ao
homem digno de felicitações e admiração, possuidor de um
verdadeiro bem-estar. 0 que suporta a provação é uma pessoa
nestas condições. "Suporta” é hypoménei (sofre calma e heroi­
camente). 0 crente que suporta com firmeza a provação é um
bem-aventurado, uma pessoa digna de felicitações e admiração.
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Esse crente "receberá a coroa da vida” . É a mesma promessa
de Apocalipse 2:10, onde a fidelidade dos esmirnianos, mesmo
que à custa da morte, lhes daria a coroa da vida. "Coroa” é
stéphanos que se usa para a grinalda do atleta vitorioso, para a
coroa do vencedor dos jogos e também para o galardão dos fiéis.
(Para "coroa real” geralmente o grego usa diádema.) E o
reconhecimento da vitória daquele que suporta com firmeza a
provação. É a recompensa que "o Senhor prometeu aos que o
amam” . Tiago fala em provação e tentação. Na mente dele há
uma preocupação em mostrar que, se as provações trazem um
benefício, o da recompensa pelo próprio Senhor, não se deve
pensar que as tentações também são trazidas pelo Senhor.
A culpa da tentação não pode ser atribuída a Deus. "Ele a
ninguém tenta” . As versões bíblicas mais antigas trazem, em
Gênesis 22:1, a expressão: "E aconteceu, depois destas coisas,
que tentou Deus a Abraão...” A tradução mais correta para
'/tentou” é "provou” ou "testou” . A Versão Revisada da IBB,
«e Acordo com os Melhores Ttextos em Hebraico e Grego, traz
//'provou” . Literalmente, o terirto hebraico é nasa, que significa
"testar, provar” . Uma palavra derivada desta veio a ser massa,
termo utilizado para testar a qualidade de um metal, como o
ouro, por exemplo, e descobrir, assim, seu grau de pureza e
valor. Acertadamente, as versões modernas, mais afeitas à
língua original, trazem "Deus provou a Abraão” .
"Deus não pode ser tentado pelo mal” . Ocasionalmente,
alguém pergunta se Deus, que tudo pode, pode também pecar. O
pecado é uma impossibilidade moral em Deus. De uma pessoa
muito santa se diz que ela é incapaz de praticar a maldade. Na
realidade, não o é. Ninguém é incapaz da prática do mal, pois
todos somos pecadores. Mas, quanto mais acentuada é a quali­
dade moral de uma pessoa, mais julgamos ser ela incapaz de
qualquer atitude maldosa. Ora, a santidade de Deus não é
relativa. E santidade absoluta. O mal é uma impossibilidade
para Deus. Disse o profeta Habacuque: "Tu... és tão puro de
olhos que não podes ver o mal” (Hab. 1:13). O mal é uma
impossibilidade para Deus, não que ele queira cometê-lo e não
possa, mas no sentido de que sua absoluta santidade é incom­
patível com tudo que se choca com seu caráter santo. Sendo
Deus tão oposto ao mal e ao pecado, ninguém pode colocar sobre
Deus a culpa das tentações nas quais a pessoa está envolvida.
"Deus... a ninguém tenta.” O caso específico e muito parti­
cular de Abraão, já referido, não pode ser tornado como um
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padrão. O contexto nos desautoriza a assim proceder. A decla­
ração de Tiago é que Deus não deseja a queda de ninguém. O
verbo grego empregado por Tiago para "tentar” é peirázo, que
significa, entre outros sentidos: "tento, solícito a pecar” . É
daqui que vem o termo peirazón, usado para o Tentador. Então,
que fique bem claro que entre Tiago e o texto de Gênesis 22:1
não há uma contradição. Estão tratando de termos diferentes.
Deus não deseja nenhum de seus servos caindo em tentação.
Há, porém, um fato que não podemos deixar de considerar. A
tentação é real. Como surge? Creio na existência pessoal do
Diabo, mas mesmo correndo o risco de ser considerado como
irreverente, permitam-me uma expressão. Sobre os ombros do
Diabo têm sido colocadas muitas culpas que são nossas, volun­
tária e decididamente nossas. 0 indivíduo aguarda uma opor­
tunidade para errar, busca e força ocasião para pecar e depois
diz: "0 Diabo me tentou e eu caí.” Tiago diz: "Cada um,
porém, é tentado quando atraído e engodado pela sua própria
concupiscência.” "Concupiscência” é um desses termos que
lemos, repetimos e desconhecemos. Significa "desejo intenso,
ardente” . Não é algo momentâneo. Surge depois de acalen­
tado, de ser alimentado. Esse desejo, sendo muito forte, tolerado
e estimulado, impele-nos para o pecado. Somos atraídos. 0
termo "engodado” é de pescaria. Seu sentido é facilmente
identificado por pescadores. Deleazómenos é o termo grego. E a
isca que o pescador utiliza para encobrir o anzol e atrair o peixe.
É bonita, atraente, mas por baixo dela está a morte. E assim o
pecado. Ele nunca se apresenta feio e destruidor, mas sempre
agradável. Somos, então, engodados e levados para o mal.
A concupiscência é a mãe do pecado. "A concupiscência,
havendo concebido, dá à luz o pecado” . Tiago está seguindo a
mesma linha de raciocínio de Jesus. Ah! se não fosse Lutero tão
afobado! Tiago aceita a análise de Jesus, em contraposição à
teologia dos fariseus. 0 mal procede do interior do homem. Este
não é vítima dos astros nem produto do meio. Não é um
manancial de virtudes e pureza, como algumas correntes filosó­
ficas e psicológicas querem fazer crer. 0 homem pensa, sente,
quer, toma decisões, é um ser responsável. São os maus desejos
do seu interior que o levam ao pecado. A força determinante não
é nada mais que interior. Foi isso que Jesus ensinou quando
reinterpretou a lei de Moisés. Esta proibia matar: "Não mata­
rás” (Ex. 20:13), Jesus, porem diz: "... todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem lhe
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disser: Tolo, será réu do fogo do inferno” (Mat. 5:22). Se a lei
mosaiea proibia o assassinato, Jesus proibiu o ódio. E o ódio que
produz o assassinato. Da mesma forma, a lei mosaica proibia o
adultério: "Não adulterarás” (Êx. 20:14). Jesus disse: "Eu,
porém, vos digo que lodo aquele que olhar para uma mulher
para a cohiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela”
(Mat. 5:28). O Senhor Jesus não proibiu apenas o ato, foi mais
fundo, foi às intenções. Sua exortação é uma exigência para a
pureza moral do coração. É o pensamento que gera o ato. Assim
traduz A Bíblia na Linguagem de Hoje: "Então, estes desejos
fazem nascer o pecado, e o pecado, quando já está maduro,
produz a morte.”
Posso não matar uma pessoa, com receio das conseqüências,
com medo de perder minha reputação, mas odeio tal pessoa
com todas as minhas forças. Que virtude houve? Nenhuma! Não
fiz o mal simplesmente por medo e não por amor ao bem. O
problema está na mente, no coração. Se eu tivesse garantias de
que, assassinando aquele meu desafeto, teria total impunidade,
será que não o mataria? Não lhe desejo mal, que não faço por
contigências? Por isso, reconhecendo que a sede das decisões
está na mente, Paulo recomenda: "Buscai as coisas que são de
cima...” (Col. 3:1). Uma pessoa cuja leitura principal sejam re­
vistas pornográficas, não poderá ter uma mente pura. Se o assun­
to predileto de alguém é imoralidade, não se pode presumir que
venha a ter uma vida limpa. As más conversas corrompem os
bons costumes. Por causa disso, àlguém declarou: "Você se
torna o que você pensa.” A isto, pode-se ajuntar outra frase:
"Você se torna o que você lê.”
Os pensamentos determinam as ações e os sentimentos.
Pensemos coisas boas e as possibilidades de fazermos o bem
serão maiores. Encha-se alguém de lixo, e tudo que produzirá
será lixo...
"Semeias um pensamento, colhes um ato.
Semeias um ato, colhes um hábito.
Semeias um hábito, colhes um caráter.
Semeias um caráter, colhes um destino.”
Chega-se ao destino final da pessoa, mas tudo começa com
força dos pensamentos acumulados. O que está você semeando
em sua mente? Encha-se de decência e dignidade, e você será
decente e nobre. Encha-se de amargura, e você será um
indivíduo insuportável para os outros, além de arruinar a sua
própria vida. Por isso é que lemos em Provérbios 4:23: "Tenha
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cuidado com o que você pensa, pois sua vida é dirigida pelos
seus pensamentos” (A Bíblia na Linguagem de Hoje).
Examine sua própria vida. Reavalie sua concepção de vida,
seus pensamentos, sua forma de ver e julgar o mundo. O filósofo
Sócrates declarou: "A vida que não é examinada não é digna de
ser vivida.” Veja bem o que você está pensando. Sobre os
outros, sobre si mesmo, sobre a vida. Ordene seus pensamentos
de forma correta.

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O Que É Bom Vem de Deus
Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e
todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em
quem não há mudança nem sombra de variação. Segundo a sua
própria vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para
que fôssemos como que primícias das suas criaturas. (1:16-18)
A expressão "não vos enganeis” é repetida algumas vezes no
Novo Testamento. Cabe-lhe uma função estilística, no conjunto
da redação. Via de regra, refere-se ao assunto tratado imediata­
mente antes do seu aparecimento e introduz um novo assunto,
servindo de ponte entre os dois. "Não vos enganeis” liga um
assunto já comentado a outro que se há de comentar e que é um
desdobramento do anterior. E um elemento de ligação entre
duas idéias. Temos um bom exemplo dessa estrutura em Gálatas
6:7. Observando bem este texto, ver-se-á que os versículos 1 a 6
tratam do espírito de mansidão que deve haver nas relações
eclesiásticas, sobre o levar as cargas uns dos outros e o cuidado
com a maneira de pensar a respeito de si mesmo. 0 versículo 7
faz uma ligação, serve de ponte, entre a solidariedade que os
crentes devem se prestar ao mesmo tempo que evitam a arro­
gância, e a idéia posterior que trata sobre a colheita conseqüente
de nossa semeadura.
"Não vos enganeis” liga, em Tiago, duas idéias. Não se
enganem, pensando que o pecado vem de Deus (v. 13), pois dele
só vem o bem, tanto que "ele nos gerou pela palavra da
verdade” (v. 18), e a partir do versículo 21 temos a apresentação
do que seja a "palavra da verdade” .
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Nosso ponto de partida, portanto, deve ser o versículo 13. Não
nos enganemos, pensando que Deus nos conduz ao mal. Não nos
desculpemos dos nossos pecados, colocando a culpa em Deus.
Ele não tenta a ninguém. Dele só vem o que é bom e nunca o
mal.
"Meus amados irmãos” . Apesar da advertência a ser feita, o
tom é carinhoso. 0 escritor repreende sem ira, mas até com
ternura. Uma lição que devemos aprender aqui com Tiago é que
a repreensão não é, necessariamente, briga com alguém. Tam­
pouco o uso de linguagem afável é indicativo de conivência com
o erro. Muitos dos polemistas de hoje parecem mais extravasar a
sua ira do que desejar afirmar algo que, a seus olhos, parece
correto. São iracundos na sua argumentação.
"Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto” . "Alto”
é empregado aqui como substituição para "Deus” . Embora
várias vezes Tiago use o nome de Deus na sua carta, era prática
comum aos hebreus substituírem o nome divino por outra forma
de expressão. Em Lucas 6:20, a bem-aventurança aos pobres
lhes promete ''o reino de Deus” . Lucas é um gentio escrevendo
para gentios (veja-se Lucas 1:3). Em Mateus, a mesma bem-
aventurança aos pobres lhes promete o "reino dos céus” . O
evangelista Mateus é um judeu escrevendo para um público de
formação judaica; por isso substitui "Deus” por "céus” .
Além de o termo "alto” ser um sinônimo de Deus, outra
consideração deve ser feita sobre o mesmo. Ele mostra a
transcendência de Deus. Ele é o que está lá em cima, em
contraposição aos homens, que estão cá embaixo. Essa trans­
cendência não deve ser entendida num sentido metafísico, mas
sim, moral. Há uma diferença entre Deus e os homens. Em João
8:23, por exemplo, encontramos as seguintes palavras de Jesus:
"Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não
sou deste mundo.” Há uma diferença entre Jesus e seus
opositores. Eles são de baixo, e ele é lá de cima, do alto. A
diferença moral, portanto, é acentuada pelo termo "alto” .
"Boa dádiva... dom perfeito” . "Dádiva” é o grego dósis e
"dom” é dórema. Ambos os termos são derivados de dídomi,
que significa "dou, concedo, ofereço” . Parece mais uma repe­
tição para enfatizar o argumento, uma forma de expressar, do
que propriamente duas realidades distintas. 0 ensino de Tiago é
que Deus dá boas coisas ao seu povo. Tudo o que é bom vem de
Deus. Dele não nos vem o mal, a tentação. Vem o bem, que é
descrito no versículo 18.
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"Descendo do Pai das luzes” . Mais uma vez o nome divino é
substituído por um equivalente. No texto ora analisado parece
mais uma questão de estilo literário em que o escritor deseja
evitar repetições do que uma questão teológica. Aqui, Deus é o
"Pai das luzes” . 0 dom vem dele, descendo, para nós. Uma
conclusão lógica, já que ele é lá do alto e nós somos cá de baixo.
A figura de Deus como luz é comum, tanto no Velho quanto
no Novo Testamento. "0 Senhor é a minha luz e a minha
salvação...” , nos diz o Salmo 27:1. Em I João 1:5 lemos que
"Deus é luz” . 0 Salvador também aplicou a si a significativa
figura: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue, de modo
algum andará em trevas, mas terá a luz da vida” (João 8:12).
Mas, Tiago ultrapassa a metáfora. Na realidade, o sentido
aplicado por Tiago é até diferente. Ele não declara que Deus é
luz, mas "Pai das luzes” . A linguagem é alusiva a Deus como
Criador dos luminosos, ensino que fica patente em Gênesis
1:14-18. Ele é Pai do que existe de mais elevado na criação, os
astros. Estes se localizam muito acima dos homens. Mas, quem
os criou é maior do que eles e está acima deles, por ser "o Pai
das luzes” .
A linguagem cosmológica é confirmada pelo final do versículo
17: "em quem não há mudança nem sombra de variação” . 0
Pai é imutável. Faça-se, porém, uma observação necessária:
Não confundamos imutabilidade com imobilidade ou fixismo;
Deus não muda seu caráter e sua essência, mas age de maneiras
diferentes de como agiu no passado. Ele não está preso a
esquemas. Não há nele sombra de variação. Até os astros
mudam. Os contemporâneos de Tiago não estavam familia­
rizados com muitos dos conceitos atuais de astronomia, mas
viam as luzes do firmamento cintilarem, viam o sol nascer e se
pôr, tendo o seu brilho diminuído durante o dia, viam as fases
da lua. As luzes do firmamento mudavam, mas o Pai que os
criou não muda nunca. É sempre o mesmo. A ERAB, ao invés de
dizer "não há mudança” , traduziu "não pode haver mudan­
ça” . A Bíblia da Vozes manteve o sentido cosmológico ao verter
assim: "Em quem não há mudança nem sombra de eclipse” .
Ele nunca muda, é a afirmação de Tiago. Sempre é bom. Nunca
deixará de ser bom e de dar boas coisas aos seus filhos.
Não é suficiente, porém, dizer que "toda boa dádiva e todo
dom perfeito vêm do alto” . Qual é a evidência desta declaração?
0 que tem Tiago para apresentar como prova de sua afirmativa?
A resposta está no versículo 18: "Segundo a sua própria
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vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade...” . É o novo
nascimento: "ele nos gerou” .
Antes de se comentar o novo nascimento é oportuno observar
que foi "segundo a sua própria vontade” que ele agiu. A
salvação é produto do querer de Deus. É a sua vontade e o seu
amor para conosco que estão como elementos motivadores da
nossa salvação. Não encontramos na Bíblia um Deus relutante
aos apelos de um homem desesperado por uma salvação que lhe
é negada. Desde o Éden encontramos um Deus que procura e
um homem que se esconde. Deus quer o nosso bem. Foi o seu
querer, a sua vontade, que o levou a salvar-nos.
Pelo seu querer, Deus "nos gerou” . 0 texto grego traz
apekyesen, do verbo apokyéo, que significa literalmente "dou à
luz” e é derivado de kyo (ou kyéo), cujo sentido é "estou
grávida” . A idéia de 1:18 é bastante curiosa. No processo de
novo nascimento do cristão, Deus reúne em si tanto as funções
masculinas como as femininas: "ele nos deu à luz” . Ele nos fez
nascer espiritualmente porque assim o desejou.
Como fomos gerados? Qual o processo pelo qual se deu a
gravidez e o parto do cristão? "Ele nos gerou pela palavra da
verdade” . O meio para a nossa geração foi "a palavra da
verdade” . A mesma idéia encontramos em I Pedro 1:23, que
diz: "tendo nascido, não de semente corruptível, mas de
incorruptível, pela palavra de Deus, a qual vive e permanece” .
Os termos variam, mas a idéia é a mesma. Em Tiago, temos
palavra da verdade” . Verdade é um conceito muito presente
nos escritos de sabedoria. Em Pedro temos "semente... incor­
ruptível... palavra de Deus, a qual vive e permanece” . 0 que é
"palavra da verdade” e "palavra de Deus” ? É evidente que os
dois escritores não estavam se referindo ao conjunto de livros
que denominamos Bíblia. As expressões se referem ao conjunto
da revelação de Deus aos homens e que se completou com a
vinda de Jesus Cristo, o clímax da revelação. A idéia de Cristo
como o ápice da revelação é bem sustentada pelo autor de
Hebreus, principalmente Hebreus 1:1,2. Este conjunto é cha­
mado por Tiago de "lei da liberdade” em 1:25 e 2:12 e de "lei
real” em 2:8. A revelação completa de Deus ao homem traz a
indicação de como se tornar livre.
Deus nos fez nascer pela palavra da verdade, "para que
fôssemos como que primícias das suas criaturas” . "Primícias”
significa "primeiros” . Os cristãos, nascidos pela palavra, são os
primeiros? E isto significa que há outros? Quem são os se­
gundos?
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Não é nesta linha de raciocínio que deve caminhar a nossa
argumentação. As primícias eram o princípio da colheita que se
oferecia a Deus. Deviam sempre ser o princípio, porque este é o
fundamento da mordomia: Deus deve ter prioridade. A Deus
não se dá o resto nem o que sobeja. Assim sendo, os primeiros
frutos eram consagrados a Deus, dados a ele. 0 livro de
Levítico trata exatamente dos regulamentos sacerdotais, in­
cluindo as ofertas ao Senhor. E termina tratando justamente das
coisas consagradas ao Senhor. Diz então o texto de Levítico
27:28, 29: "Todavia, nenhuma coisa consagrada ao Senhor por
alguém, daquilo que possui, seja homem, ou animal, ou campo
de sua possessão, será vendida nem será remida; toda coisa
consagrada será santíssima ao Senhor. Nenhuma pessoa que
dentre os homens for devotada será resgatada; certamente será
morta” . 0 que a Deus fosse oferecido, seria dele, irremissivel-
mente dele. 0 texto de Deuteronômio 26:1-11 trata do ofere­
cimento das primícias. Dadas a Deus, passavam a ser dele.
Cristo nos resgatou do poder do Inimigo e nos deu ao Pai.
Somos propriedade divina. Não pertencemos mais ao poder das
trevas. Somos de Deus. E não somos um presente dado de forma
irrefletida e recebido de má vontade. Foi o querer de Deus que
operou o processo de nosso novo nascimento. E foi sua revelação
consumada em Jesus Cristo, numa sintonia entre as pessoas da
divindade, que nos gerou. Por isso, tudo o que temos de bom, a
começar da salvação e da comunhão, vem-nos de Deus. Ele nos
ama e nos dá o que é bom.

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A Ira e o Mau Temperamento
Sabei isto, meus amados irmãos; Todo homem seja pronto
para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar. Porque a ira
do homem não opera a justiça de Deus. Pelo que, despojando-
vos de toda sorte de imundícia e de todo vestígio do mal, recebei
com mansidão a palavra em vós implantada, a qual é poderosa
para salvar as vossas almas. (1:19-21)
0 assunto que Tiago agora passa a desenvolver ocupa lugar
especial em sua linha de raciocínio. Evidentemente, isto não
significa que até agora ele tratou de banalidades e passado
este assunto voltará a tratar de assuntos banais. "Sabei isto” é
uma forma de expressão que reclama importância para o que vai
ser dito. Ele deseja toda a atenção de seus leitores, pois é
fundamental para a vida deles o que vai ser dito.
A advertência de Tiago é a respeito do uso da palavra; sobre a
ira e o temperamento descontrolado. 0 vocabulário do cristão
deve ser condizente com o caráter do Salvador, e esse caráter do
Salvador deve ser assimilado pelo cristão. 0 homem espiritual
deve saber se controlar, tanto verbal quanto emocionalmente.
"Pronto para ouvir” . A palavra "pronto” , no grego, é
velha conhecida nossa. E taxys, que significa, literalmente,
rápido. 0 veículo de aluguel chamado táxi é um transporte
rápido. Quem está com pressa para um determinado compro­
misso não vai esperar por um ônibus. Apressa-se num táxi. Deve
haver rapidez do cristão em ouvir. Falar, todos nós sabemos.
Qualquer pessoa com capacidade para ouvir, entender e decodi-
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ficar os sons que recebe pode reproduzi-los. Gostamos de falar.
Aí estão as camisetas com legendas, algumas banais, e os
adesivos para automóveis. Cada um quer divulgar sua mensa­
gem. E natural o nosso desejo de tentar comunicar o que
achamos importante. Mas, e ouvir? Temos interesse em ouvir?
Foi por isso que um humorista disse: "A psicanálise não resolve,
mas é cara, porque o analista cobra para fazer o que os outros
não querem fazer: ouvir.” Esta observação reflete o quão pouco
se valoriza o ouvir em nossos dias. Tiago nos exorta a sermos
rápidos em ouvir o ponto de vista alheio. Com que incrível
facilidade tendemos para a intolerância! Aliás, este é um risco
que as pessoas que lidam com religião correm. Elas já sabem a
verdade, já conhecem Deus e suas realidades. Estas coisas lhes
são tão familiares! Ouvir o que mais? Que os outros a ouçam, já
que elas estão certas! 0 diálogo se torna um discurso de mão
única.
A Bíblia nos registra muitas orações tocantes, sendo que
algumas formuladas em momentos de desespero. Mas, sem
dúvida, uma das mais sábias foi formulada pelo menino Samuel:
"Fala, Senhor...”
A palavra que Deus mais usa, tanto no Velho quanto no Novo
Testamento, é exatamente esta: "Ouve” . Não será que grande
parte de nossos problemas reside exatamente no fato de não
sabermos ouvir? Muitas dificuldades de nosso temperamento
não se devem à nossa incapacidade de diálogo, de conhecer as
razões alheias? Já sabemos tudo, temos a verdade e não quere­
mos ouvir! Queremos falar.
''Tardio para falar” . 0 sentido da palavra "tardio” traz
curiosas peculiaridades. 0 termo grego é bradys. É o mesmo
termo para "estúpido” , denotando uma pessoa com dificul­
dades intelectuais para compreender logo de início o que lhe foi
dito e necessita, portanto, de reflexão. É esta a idéia de Tiago:
refletir para falar. Não falar de imediato. É preciso saber a hora
de falar e também saber o que falar. Quem muito fala, muito
erra. Vários problemas surgem no meio da Igreja de Cristo
exatamente por lalta de obediência a este conselho. Fala-se antes
de pensar. Fala-se antes de orar. Fala-se sem medir as conse-
qüências que advirão. Por isso, lê-se em Provérbios 10:19 que
"na multidão de palavras não falta transgressão; mas o que
refreia os seus lábios é prudente” . Ainda em Provérbios se lê:
"O coração do justo medita no que há de responder; mas a boca
dos ímpios derrama coisas más” (Prov. 15:28). Devemos tomar
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muito cuidado com nossas palavras. Elas podem levantar uma
vida ou, então, destruir uma pessoa. Há um sábio provérbio
inglês que, traduzido, assim nos diz: "Tu és senhor da palavra
não dita; a palavra dita é teu senhor.” Enquanto não se profere
a declaração, as palavras estão sob domínio. Proferida a sen­
tença, a pessoa está presa ao que disse.
"Tardio para se irar” . Novamente bradys. Mais uma vez
Tiago mostra algo que deve ser feito com reflexos lentos, com
certa dificuldade em fazer a ira entrar em ação. Com muita
propriedade, Provérbios 16:32 assim diz: Melhor é o longâ-
nimo do que o valente; e o que domina o seu espírito do que o
que toma uma cidade.” A maior demonstração de força,
segundo a Bíblia, está no autodomínio, e não no domínio sobre
os outros.
Sobre a ira, há ainda alguns aspectos que devem ser consi­
derados.
Primeiro: A irá é proibida aos crentes. "Mas eu lhes digo que
qualquer um que ficar com raiva de seu irmão será julgado.
Quem disser a seu irmão: 'Você não vale nada’, será julgado
pelo tribunal. E quem chamar seu irmão de idiota, estará em
perigo de ir para o fogo do inferno . (Mat. 5:22 BLH). 0
cultivo de sentimentos negativos contra um irmão é vedado ao
seguidor de Jesus Cristo.
Segundo: A ira não é um sentimento digno de estar no coração
de um crente. "Abandonem toda amargura, ódio e raiva. Nada
de gritaria, insultos e maldade” (Ef. 4:31 — BLH). Lemos
também em Colossenses 3:8: "Mas agora deixem tudo isto: a
raiva, a paixão e os sentimentos de ódio. E que nenhum insulto
ou conversa indecente saia da boca de vocês.”
Terceiro: A ira é obra da carne, da natureza não regenerada.
Em Gálatas 5:19, 20, lemos o seguinte: "São bem conhecidas as
coisas que a natureza produz: a imoralidade, a impureza, as
ações indecentes, adoração de ídolos e as feitiçarias. As pessoas
ficam inimigas, brigam, ficam com raiva e se tornam ciumentas
e ambiciosas. Separam-se em partidos e grupos” (BLH). A ira e
a dissensão estão ao mesmo nível da idolatria e da feitiçaria.
Quarto: A ira não traz benefício para ninguém. Nem para
quem a cultiva. Aliás, faz mais mal a quem a cultiva do que a
quem é objeto dela. Agasalhar ira no íntimo é como colocar
ácido corrosivo num recipiente não tratado. Se uma pessoa odeia
outra, esta odiada continuará a comer, a beber e a dormir
55
normalmente, levando a vida em rotina. Mas, o odiador, cada
vez que vir o objeto de sua ira se sentirá mal. Muitas doenças
nervosas são consequências de sentimentos destrutivos acalen­
tados contra outros.
Quinto: A ira e a crueldade andam juntas. Esta é uma das
mais fortes razões pelas quais o servo de Jesus deve fugir da ira.
Ela induz à crueldade. A beira da morte, Jacó amaldiçoou
Simeão e Levi por causa da raiva e da maldade de ambos:
"Maldito o seu furor, porque era forte! Maldita a sua ira,
porque era cruel!” (Gên. 49:7). A atitude violenta de Simeão e
Levi (conheça a história em Gênesis 34:25-31) num momento de
ira, privou-os de maiores bênçãos e fê-los receber a maldição do
pai.
Sexto: A ira não deve ser nem acalentada por um cristão.
Efésios 4:26 nos deixa a seguinte recomendação: "Se você ficar
com raiva, não deixe que isso o faça pecar, e não fique com raiva
o dia todo” (BLH). Há um sentimento momentâneo diante de
determinadas circunstâncias, que não nos deixam pensar
direito. Mas, acalentar a ira, deixar o sol se pôr sobre ela (ou
seja, ruminá-la o dia todo) é errado. Não deve ser acalentada,
porque além de errada é inútil: "A ira do homem não opera a
justiça de Deus.” Nossos sentimentos não obrigarão Deus a agir
desta ou daquela maneira. A Bíblia na Linguagem de Hoje verte
assim a passagem: "Porque a raiva humana não produz o que
Deus aprova.” Os frutos da raiva não são aprovados por Deus.
Deus fez uma pergunta a Jonas: "E razoável essa tua ira?”
(Jon. 4:9). Mais que retórica, a pergunta é de extrema profun­
didade: De que adianta a ira? E, ao menos, razoável?
Estamos estudando Tiago. Por que as citações de outros
livros? Por duas razões: A primeira é que a Bíblia é uma
unidade. Todo o seu ensino caminha junto. Todo o seu ensino
segue junto, não se contradizendo. Ela não é uma colcha de
retalhos, com idéias bonitas, mas dispersas e díspares, cada uma
de cor diferente, de um feitio ou de outro tecido. É uma perfeita
harmonia. 0 que Tiago ensina, o restante da Bíblia confirma, e
o que a Bíblia ensina, Tiago confirma. A segunda questão é que
desejamos mostrar que Tiago não é uma epístola de palha, posto
que muitos dos seus conceitos estão presentes por toda a
Escritura.
No entanto, a questão mais importante é esta: Como superar a
ira? Sei que não devo me irar, mas constantemente o faço. Como
56
posso superar esse pecado? 0 versículo 21 dá a resposta: "Pelo
que, despojando-vos de toda sorte de imundícia e de todo
vestígio do mal, recebei com mansidão a palavra em vós
implantada, a qual é poderosa para salvar as vossas almas.”
Prestemos atenção ao verbo "despojando-vos” . 0 grego ori­
ginal é apothémenoi, cuja idéia é "remover, afastar” . A prepo­
sição apó nos orienta mais na compreensão da palavra. E algo
que vem de dentro para fora. A idéia é tirar de nós a impureza, a
imundícia e a maldade. Uma boa figura, pois o termo era
comumente usado para a troca de roupa suja; para a pessoa que
vai trocar de roupa. Não é algo que lhe é posto em cima, mas
que, pelo contrário, parte dela. Ela vai se trocar, vai tirar uma
roupa velha e suja. 0 cristão mudou de roupa. Deixou as
imundícias do traje antigo. Na sua vida se cumpriu o conselho
paulino: "A noite é passada, e o dia é chegado. Dispamo-nos,
pois, das obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz”
(Rom. 13:12).
A expresão "pelo que” nos remete ao versículo anterior.
Mostra-nos que a roupa suja do cristão era a ira (assunto
anterior). Ele deve tirá-la.
Tirar a ira de dentro de si, porém, é insuficiente. É preciso
colocar um substitutivo em seu lugar. "Recebei com mansidão a
palavra em vós implantada” , ensina o versículo 21. A ira volta
muito cedo. É uma emoção, e as emoções, via de regra, são
muito fortes para que a simples racionalização as elimine. Jesus
contou a história do homem possuído por um espírito maligno.
0 espírito foi expulso, mas nada foi colocado no lugar que por
ele era ocupado. Então, ele voltou com mais sete, e, assim, o
estado posterior desse homem tornou-se pior que o anterior.
Tiago exorta-nos a tirarmos a roupa suja do passado (e a ira é
roupa suja) e colocar a Palavra de Deus no seu lugar. "Recebei
com mansidão a palavra em vós implantada” . Outra boa
tradução para "implantada” é "enxertada” . É um implante,
um enxerto no tronco original, para que os frutos sejam
melhores. Tudo que posso produzir é apenas frutos maus,
inclusive a ira e o descontrole verbal. Mas, quando implanto ou
enxerto a palavra de Deus em mim, então, posso produzir bons
frutos.
Como posso acabar com meu temperamento carnal e irascível,
com as minhas inclinações para a ira e dissensões? De mim
mesmo não posso. Mas, quando deixo que as palavras do Senhor
sejam guardadas dentro de mim e que brotem do meu íntimo,
então meu caráter muda. Uma das oportunas lições de Tiago é
57
que a Palavra de Deus, aplicada em nossas vidas, há de mudar
nossa maneira de ser.
O segredo para vencer a ira e o mau temperamento está aqui:
ter a Palavra de Deus enxertada no coração. "Escondí a tua
palavra no meu coração, para não pecar contra ti” (Sal.
119:11).
Há tempos atrás, no seminário onde estudei, um especialista
em mordomia cristã esteve ministrando estudos sobre contri­
buição financeira. À guisa de brincadeira, ao encerrar sua
palavra, disse que muitos membros das igrejas não contribuíam
por culpa das próprias igrejas. Geralmente, usamos uma beca
branca como vestimenta do batizando. As becas não possuem bol­
sos para os batizandos colocarem a carteira. Batiza-se a pessoa,
mas o seu dinheiro não. 0 dinheiro fica sem identificar-se com
Cristo. 0 então reitor do seminário, Dr. João Filson Soren,
respondeu que passaria a batizar crentes com a boca aberta,
para batizar também suas línguas, pois muitos crentes também
não têm seu falar identificado com Cristo. Controlar as palavras é
uma característica do servo de Cristo. Necessitamos de línguas
"batizadas” .
A outra característica distintiva de um crente é saber ouvir.
Eis um trecho de bela prosa poética do francês Michel Quoist,
intitulada "Telefone” :
"Pronto. Desliguei. Mas, por que terá telefonado?
Ah! Sim, Senhor... eu já me lembro.
E que falei demais e bem pouco escutei.
Perdão, Senhor, recitei um monólogo e não dialoguei.
Impus minha opinião e não troquei idéias.
Por não ter escutado, eu não aprendi. J3
Por não ter escutado, nada levei comigo.”
A poesia continua, mas este trecho é suficiente para nosso
raciocínio. Quanto perdemos por não saber ouvir! Não será que
até mesmo parte da improdutividade de nossos esforços evan-
gelísticos é exatamente porque falamos, falamos, e pouco ouvi­
mos? Sabemos quais são as aspirações das pessoas, o que
pensam, o que sentem, o que almejam? Ou apenas lhes despe­
jamos palavras em cima, porque temos a verdade e são elas
bárbaros espirituais que devem nos ouvir? Nossa evangelização
é autoritária e impessoal.
Por fim, vimos que o forte não é o guerreiro, mas o que doma
o seu temperamento. Para o mundo que não conhece a Deus e
58
não possui o esclarecimento de sua palavra, forte é o truculento,
o sanguinário e sem controle. Para a Bíblia, o homem verda­
deiramente forte é aquele que domina a si mesmo. Somos fortes
segundo o mundo ou fortes segundo Deus?

59
9
Vivendo a Palavra
E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos. Pois se alguém é ouvinte da
palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que
contempla no espelho o seu rosto natural; porque se contempla a
si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. Entretanto
aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela
persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra,
este será bem-aventurado no que fizer. (1:22-25)
Em análise anterior já vimos que a Palavra de Deus deve ser
enxertada para produzir bons frutos na vida da pessoa. A
discussão é sobre a produção de um caráter cristão pela implan­
tação da palavra divina na vida. A questão continua a ser
desenvolvida agora. Tiago emprega três figuras para designar a
Palavra.
A primeira figura está no versículo 18: "Ele nos gerou pela
palavra da verdade” . Fomos tornados novas criaturas por um
ato divino, mas o instrumento utilizado foi a Palavra: "pela
palavra da verdade” . A Palavra de Deus tem o poder de nos
tornar novas criaturas. Ela é o gérmen da nova vida.
A segunda figura encontramos no versículo 21. Ela é o
enxerto que, implantado no tronco de nossa vida, pode melho­
rar a qualidade dos frutos. Melhor dizendo, ela pode produzir
frutos em nós que de outra maneira não conseguiriamos pro­
duzir. E bom que se note a ênfase que Tiago dá à Palavra de
Deus para moldar e corrigir a vida dos seguidores de Jesus
Cristo.
61
No versículo 23 encontramos a terceira figura. A palavra é
espelho. Todos sabemos da utilidade de um espelho. E também
sabemos de suas limitações. Em termos de utilidade, o espelho
reflete a imagem que somos. Mostra-nos como estamos. Assim é
a Palavra de Deus. Ela nos mostra o que somos e como estamos.
Em um de seus sermões, Billy Graham definiu muito bem esta
questão ao dizer que "o homem é precisamente o que a Bíblia
diz que ele é” .14 Em termos de limitação, o espelho, por si só,
não muda nossa fisionomia, como muitos gostaríamos. Eu me
sentiria feliz se olhando para o espelho ele pudesse me tornar
mais bonito, mais atlético, mais jovem. Infelizmente, ele regis­
tra apenas o que eu sou. A simples leitura da Bíblia não é um ato
mágico que mudará as pessoas. Indicará suas deficiências,
confrontando-as com a vontade de Deus para suas vidas, e as
pessoas, sabendo de suas deficiências, poderão corrigi-las.
Estas três figuras mostram que os ouvintes de Tiago sabiam
do valor das Escrituras. Sem dúvida, todos nós também estamos
convencidos do valor da Palavra divina. Mas, o alvo principal do
autor bíblico não é discutir o valor da Palavra. É, sim, mostrar o
que ela pode fazer na vida das pessoas. A partir daqui, ele
mostra dois tipos de ouvintes, conforme o posicionamento das
pessoas diante da Palavra.
Há o tipo de ouvinte que se limita a ouvir. "Se alguém é
ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem
que contempla no espelho o seu rosto natural; porque se
contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era”
(v. 23). Aqui, a palavra é espelho. Os espelhos no tempo de
Tiago eram de bronze polido e não eram encontradiços, como é
possível hoje ver em todas as casas. Para os contemporâneos de
Tiago, a comparação era bem expressiva. Não se tinha em
mente, com muita facilidade, os contornos do próprio rosto. A
pessoa não se olhava ao espelho todos os dias. Olho-me em um
espelho para ver se o cabelo está corretamente penteado ou se o
laço da gravata está correto ou torto. A moça olha-se para ver se
sua pintura está de acordo com seu gosto. 0 espelho nos
mostrará como estamos. Nele, veremos o que deve ser mudado.
Com isso podemos dizer que o cristianismo não deve ser um
mero dever social. Deve ser um relacionamento vivencial,
profundamente preocupado com a personalidade integral do
cristão, buscando levá-lo a uma qualidade de vida cada vez
melhor aos olhos de Deus.
0 mero ouvinte vê as falhas por corrigir, mas não se incomoda
e as esquece. Esse não é o procedimento adequado. 0 conheci­
62
mento que temos de Deus e de sua santidade deve levar-nos
também à santidade. Deus não espera de nós que sejamos
enciclopédias bíblicas ambulantes, mas santos. Sem receio de
laborar em erro, declaro que a maior necessidade da Igreja de
Cristo em nossos dias é de santos. Não estou usando o termo
"santo” no sentido costumeiro, ou seja, que todos os salvos, por
serem separados para Deus, são santos. Creio nisso. Mas, não é
esta a conotação que dou à palavra aqui. "Santo” como agora
emprego, é o cristão que leva uma vida tão perto de Deus que
impressiona o mundo com seu caráter. Um escritor de aguda
visão espiritual nos deixou preciosos conceitos sobre este assunto
ao refletir sobre a carência de santos em nosso meio. Uma de
suas declarações é esta: "Não estamos produzindo santos.” 15
Depois, ao falar dos santos (que todos os cristãos são), diz ele:
"Santos não santos são a tragédia do cristianismo.” 16 A grande
preocupação do citado escritor, A. W. Tozer é com a falta de
santidade dos cristãos: "Os nossos modelos são homens de
negócios bem-sucedidos, atletas famosos e personalidades tea­
trais. Realizamos nossas atividades religiosas segundo os mé­
todos do anunciante moderno.” 17 Sem dúvida, precisamos de
santos autênticos. E isto acontecerá na medida em que os
seguidores de Jesus Cristo acatarem mais a Palavra de Deus em
suas vidas.
Em contrapartida, há a classe do executor da obra: "aquele
que atenta bem... não sendo ouvinte esquecido, mas executor da
obra, este será bem-aventurado no que fizer” . É prometido
aqui uma bem-aventurança em tudo àquele que é obediente à
Palavra. A expressão "atenta bem” nos traz a idéia de uma
pessoa debruçada sobre a Palavra de Deus, examinando-a com
muita atenção. Não é um leitor fortuito, banal, desinteressado,
daqueles cuja preocupação é terminar a leitura no menor tempo
possível. É o leitor lento, acurado no que examina. Ele verifica
cuidadosamente os ensinamentos da Escritura. É um exami­
nador.
Tiago chama o evangelho de "lei perfeita” . É completo. Está
terminado. Não há mais nada para se acrescentar a ele. 0 autor
de Hebreus começa sua obra declarando: "Havendo Deus
antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos
pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo
Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem
fez o mundo” (Heb. 1:1, 2). 0 evangelho, a revelação de Jesus
Cristo, é a última palavra de Deus. Esta "lei perfeita” que é a
revelação de Jesus é chamada de "lei da liberdade” . Há uma
63
concordância aqui entre Tiago e Paulo, porque, em Gálatas 4, o
apóstolo aos gentios apresenta a lei judaica como algo que
escraviza e mostra que a liberdade plena é trazida pelo evan­
gelho de Jesus. A lei escravizava o homem a regrinhas e
preceitos (infelizmente, alguns neojudaizantes em nossas igrejas
querem transformar o ensino de Jesus em regrinhas também),
mas o evangelho concede a liberdade total. Obedecer à Palavra é
encontrar o caminho da liberdade do pecado e caminhar na
trilha das bênçãos de Deus. É ser adulto e livre.
Uma das maiores bem-aventuranças de Jesus foi exatamente
para os que obedecem à Palavra. Quando urna mulher, num
arroubo entusiástico (o primeiro gérmen da mariolatria de que
temos registro) exclamou: "Bem-aventurado o ventre que te
trouxe e os seios em que te amamentaste” , ele respondeu
calmamente: "Antes bem-aventurados são os que ouvem a
palavra de Deus, e a observam” (Luc. 11:27,28). Em minha
interpretação, entendo que ao crente vale mais ser obediente à
Palavra do que a Maria ter trazido Jesus ao mundo.
Esta segunda classe ouve e pratica a palavra. Mas, pratica
exatamente o quê? 0 contexto do capítulo nos mostra que o que
atenta para a palavra e a cumpre, assim o faz em três aspectos:
controle da língua, compaixão pelos necessitados e vida santa.
Poucas vezes estivemos tão próximos do farisaísmo como
agora. Como se traçam regrinhas sem sentido para os cristãos!
Em alguns grupos, o paletó masculino (porque um crente sem
paletó é inadmissível, para muitos) não pode ter abertura atrás,
o cabelo precisa ter determinado tipo de corte, há eletrodomés­
ticos que se pode ter e outros que não se pode ter, etc. Há igrejas
que proíbem o uso de tênis e sapatos de lona para ingresso no
templo. Ser cristão é guardar essas minúcias sem sentido? Como
alguns crentes se orgulham de suas virtudes, de não possuírem
este ou aquele vício que o mundo perdido e depravado, que
olhamos com desdém e reprovação, possui! Transformamos a
igreja num gueto, onde cidadãos respeitáveis aos seus próprios
olhos, pelo cumprimento de regras que eles mesmos fizeram,
refugiam-se e sentem-se felizes. Consideramo-nos gente boa,
gente de respeitabilidade, bons cidadãos, cumpridores de nossos
deveres, embora insensíveis ao mundo sofredor.
Não caiamos no erro de pensar que seguir Jesus significa isto.
Uma vida respeitável e com ausência de vícios faz parte do
caráter cristão, mas não é isso o cristianismo. Muitas pessoas
levam vidas respeitáveis e privadas de vícios, mas não são
64
cristãs. 0 cristianismo é essencialmente vida, vida com Deus que
se reflete no relacionamento com os homens. E a vida cristã,
aqui, manifesta-se nos aspectos citados: controle da língua,
compaixão pelos necessitados e vida santa. Cuidaremos mais
deles no próximo capítulo.

65
10
A Verdadeira Religião
Se alguém cuida ser religioso e não refreia a sua língua, mas
engana o seu coração, a sua religião é vã. A religião pura e
imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e
as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do
mundo. (1:26, 27)
As versões bíblicas mais antigas começam no versículo 27 com
a expressão "a religião verdadeira” . Podemos pensar em reli­
gião em termos de corpo doutrinário ou de seita. A palavra
grega threskeía traz o significado de "culto, reverência for­
mulada em atos rituais” . Não se trata, portanto, de um corpo de
doutrinas, mas de uma postura adequada diante de Deus. Como
o Senhor espera que seja a vida de seus servos? Uma vida a ser
avaliada pelo que eles dizem, por palavras? Ou envolvendo atos?
Qual a forma verdadeira do culto que agrada a Deus?
Tiago parte do princípio segundo o qual uma pessoa pode
pensar que está agradando a Deus, fazendo tudo com sinceri­
dade, mas não o está agradando realmente. "Se alguém cuida
ser religioso e não refreia a sua língua, mas engana o seu
coração...” A primeira manifestação de uma adoração sincera é
a língua refreada. Quantos "santos fofoqueiros” ! E quantas
"santas faladeiras” ! Lembram o trecho da cantata Vida, do
Coral Jovem de São Paulo:
"Henriqueta Morais é a tal.
Sempre fala que é crente leal.
Linguaruda proverbial,
Domingueira ela é sim.”
67
0 verdadeiro cristão controla a sua língua. "Não te precipites
com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar
palavra alguma na presença de Deus; porque Deus está no céu,
e tu estás sobre a terra; portanto sejam poucas as tuas palavras”
(Ecl. 5:2). Isto tem faltado a muitos dos seguidores de Jesus
Cristo: sobriedade no falar, piedade no relacionamento com o
mundo e austeridade nas palavras. Infelizmente, alguém definiu
acertadamente a malediência como sendo o "divertimento
predileto dos cristãos” .18 É triste que a ironia seja verdadeira.
No Velho Testamento, o termo hebraico para palavra é dabar.
E bem mais do que um som articulado. Dabar é a extensão da
personalidade de quem fala. 0 judeu entendia que o que uma
pessoa fala ela é. 0 caráter de uma pessoa fica explícito em suas
palavras. Com o servo de Cristo também deve ser assim: a sua
palavra é a extensão da sua personalidade cristã. Ele não
aumenta, ele não difama, ele não sente prazer em passar para a
frente notícias desagradáveis, não exulta com infâmias.
Tiago continua: "A religião pura e imaculada diante de nosso
Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e
guardar-se isento da corrupção do mundo.” Tiago nos inco­
moda... E tão agradável estar na igreja cantando, orando,
ouvindo as promessas de nosso Deus. "Que culto maravilhoso!
Seria capaz de passar a noite toda na igreja!” É uma expressão
que já ouvimos mais de uma vez. Talvez até mesmo a tenhamos
pronunciado. Mas, Tiago não apregoa uma religião mística, de
contemplação, que a tantos adoradores fez bem, mas que, na
realidade, não prova muita coisa. "Visitar os órfãos e as viúvas
nas suas aflições” . É manifestar simpatia e solidariedade aos
que sofrem, aos que estão necessitados. Existe um estaticismo
entre nós que nos faz ver as pessoas como almas por salvar e não
como pessoas reais, concretas. As pessoas têm necessidades reais
materiais. "Visitar” é episképtomai, cuja idéia é: "visito para
socorrer” . Nãoé aquela visita para uma oração "desencargo de
consciência” , tipo "Deus a abençoe na sua necessidade, minha
irmã” . É uma ida para prover às necessidades da pessoa. A
religião pura e sem mácula é ajudar os necessitados. Os adjetivos
"pura” e "imaculada” são alusivos aos sacrifícios judaicos do
Velho Testamento, que deviam ser de animais puros e sem
manchas. Era o tipo de oferta que agradava a Deus. A oferta que
agrada realmente a Deus é socorrer os necessitados.
O órfão e a viúva eram as pessoas mais necessitadas econo­
micamente, no judaísmo. Sem o chefe da família para manter o
68
lar e prover o sustento da casa, a situação era aflitiva. Cabia,
então, aos irmãos na fé prover o sustento dos carentes. Aliás,
este é o pano de fundo em Atos, capítulo 6, no momento da
escolha dos sete para servirem às mesas.
Há tempos, ouvi uma explicação da parábola do bom sarna-
ritano colocada nestes termos: 0 homem caído era o pecador, o
caminho era a vida por onde transitamos, o sacerdote era a
religião e o levita era a lei. 0 samaritano era Cristo, aquele que
socorre o pecador. 0 explicador da passagem valeu-se de uma
alegoria de Wyclif19 que gostava muito de espiritualizar o
evangelho. A espiritualização tem raízes históricas no judaísmo
rabínico, mas entre os cristãos o seu impulso se dá com a
dificuldade dos cristãos em aceitarem o mundo material, caindo
num gnosticismo herético. 0 expoente máximo da conceituação
do material como indigno é Agostinho. Para ele, apenas o
espiritual tinha valor. Comer, por exemplo, era uma necessidade
a ser tolerada. Diz-se que à hora das refeições, Agostinho
costumava dizer: "Está na hora de alimentar o animal.” Muitos
cristãos bem intencionados têm caído no erro de ver o mundo
material como inferior e apenas a alma como digna. Não é de
admirar que, como conseqüência lógica, a visão do mundo
material seja tão negligenciada entre nós. Para que cuidar do
corpo, se o que vale é a alma? E, convenhamos, falar é bem mais
fácil do que desembolsar bens e dinheiro para ajudar os outros.
Por isso, a característica maior do movimento evangélico con­
temporâneo é a palavra e o não interesse pelo homem integral.
Recordemos que Deus criou o mundo material e o considerou
como muito bom (Gên. 1:31).
Por que temos tanto receio em reconhecer na Bíblia o que está
lá? A parábola do bom samaritano não ensina nada além do que
diz: o seguidor de Jesus Cristo deve fazer o bem e socorrer os
necessitados. Espiritualizar a passagem, dando-lhe um sentido
que Cristo não quis dar, é violentar a Bíblia, é fazê-la dizer o que
nós queremos que ela diga, ao invés de dizermos o que ela diz. Ê
fazer "eisegese” , pôr no texto, ao invés de fazer exegese — tirar
do texto. 0 cristão deve sentir compaixão pelos que sofrem.
Lemos em Atos 10:38 que Deus ungiu Jesus "com o Espírito
Santo e com poder; o qual andou por toda parte, fazendo o bem
e curando todos os oprimidos do Diabo, porque Deus era com
ele” . Jesus de Nazaré andou fazendo o bem.
Contava um crente, com muita satisfação, do acontecido em
sua igreja. Uma pessoa carente, sem se alimentar a si e a sua
69
família adequadamente havia dias, procurou a igreja e pediu
comida. A resposta, por incrível que pareça, resposta que
encheu a quem contava o fato de satisfação, foi esta: "Aqui, nós
salvamos almas. Se você quer comida, procure os católicos e os
espíritas. Eles é que fazem essas coisas. Quando quiser salvar a
sua alma, então nos procure.” Lamentável!
0 versículo 27 não tem uma linha apenas horizontal. Há
também uma dimensão moral: "guardar-se isento da corrupção
do mundo” . 0 cristão deve guardar-se do mal. Já se disse que a
Bíblia é uma unidade e não uma colcha de retalhos. Estes dois
aspectos que surgem em Tiago 1:27 estão em Miquéias 6:8:
"Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor
pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a benevolência,
e andes humildemente com o teu Deus?” Tanto no Velho quanto
no Novo Testamento, a verdadeira religião apresenta duas
linhas, uma vertical e a outra, horizontal. Uma, para cima, na
direção de Deus, e a outra, para os lados, na direção dos
homens. "Mundo” é um sistema de valores organizados contra
Deus, como algumas vezes Edom, no Velho Testamento. Em
Tiago, ou se é amigo de Deus ou amigo do mundo (2:23 e 4:4
principalmente). 0 escritor nos mostra uma religião em termos
de optar por Deus e fazer o bem. Ambas as idéias são necessárias
ao conjunto. A religião que trata apenas das realidades espiri­
tuais, encarando o homem como uma entidade descarnada, não
é muito proveitosa. 0 homem não existe apenas em um contexto
vertical. Vive em grupo. Vive num contexto horizontal. Mas, ao
mesmo tempo, reconheçamos que o ativismo social sem uma
pureza de vida é inócuo. A tentação de poder é muito grande. A
força da corrupção não pode ser minimizada. Guardar-se da
corrupção do mundo e ter uma vida limpa e santa diante de Deus
é extremamente necessário.
Os dois conceitos de 1:27 não podem se dissociar. Bondade e
santidade devem andar juntas. Um homem bom que não seja
santo, quando as tentações do poder se avolumarem, logo
deixará de ser bom. As pressões do mal serão muito fortes sobre
ele. Um homem santo que não pratique a bondade manifesta,
sem dúvida, grande incoerência. A santidade não pode ser uma
manifestação fisionômica ou a exibição de um semblante ado­
cicado, mas sim uma atitude para com Deus que, inevitavel­
mente, se refletirá nas atitudes para com os homens. São de
Jesus, afinal, as palavras: "Pelos seus frutos os conhecereis”
(Mat. 7:16). Santidade e insensibilidade não devem caminhar
pari passu.
70
À luz de tudo isto, podemos concluir nossas considerações
sobre a conduta correta diante de Deus com duas indagações.
Primeira: William Barclay nos fala de um poliglota que domi­
nava com fluência sete idiomas e sabia guardar silêncio em todos
eles.20 Não precisamos ser poliglotas, rnas sabemos guardar
silêncio, no nosso idioma, quando de nós tal se espera? Sabemos
controlar o fluxo de palavras? Segunda: Pensamos que Deus se
agrada de cânticos e orações apenas, e, por isso, a manifestação
de amor e interesse pelas pessoas é secundário? Não é isto que
Tiago defende. "A religião pura e imaculada diante de nosso
Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e viúvas nas suas aflições e
guardar-se isento da corrupção do mundo.”

71
11
O Pecado da Acepção de Pessoas
Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhor da glória, em acepção de pessoas. Porque, se entrar na
vossa reunião algum homem com anel de ouro no dedo e traje
esplêndido, e entrar também algum pobre com traje sórdido,
e atentares para o que vem com traje esplêndido e lhe disserdes:
Senta-te aqui num lugar de honra; e disserdes ao pobre: Fica aí
em pé, ou senta-te abaixo do escabelo dos meus pés, não fazeis,
porventura, distinção entre vós mesmos e não vos tornais juizes
movidos de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos.
Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para
fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o
amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não são os
ricos os que vos oprimem e os que vos arrastam aos tribunais?
Não blasfemam eles o bom nome pelo qual sois chamados?
Todavia, se estais cumprindo a lei real segundo a escritura:
Amarás ao teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem. Mas se
fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo por isso
condenados pela lei como transgressores. Pois qualquer que
guardar toda a lei, mas tropeçar em um só ponto, tem-se
tornado culpado de todos. Porque o mesmo que disse: Não
adulterarás, também disse: Não matarás. Ora, se não cometes
adultério, mas és homicida, te hás tornado transgressor da lei.
Falai de tal maneira e de tal maneira procedei, como havendo de
ser julgados pela lei da liberdade. Porque o juízo será sem
misericórdia para aquele que não usou de misericórdia; a
misericórdia triunfa sobre o juízo. (2:1-13)
73
A questão fundamental da primeira parte do capítulo 2 de
Tiago é esta: Um seguidor de Cristo não pode fazer acepção de
pessoas. E, sejamos honestos, nem sempre obedecemos a esta
orientação. 0 racismo, o regionalismo, o machismo, a separação
por níveis culturais ou econômicos sempre estão presentes em
nosso meio. Não podemos tratar as pessoas de maneira diferente
só pela sua situação financeira. Tiago diz que dar prioridade aos
ricos só pelo fato de serem ricos é pecado. Privilegiar uma classe
social é pecado. "Não fazeis, porventura, distinção entre vós
mesmos e não vos tornais juizes movidos de maus pensa­
mentos?” Não se pode fazer acepção de pessoas na igreja. A
ilustração é bem clara: "Se entrar em vossa reunião...” 0 termo
grego para o local de reunião é synagogué, de onde vem
"sinagoga” , o lugar da reunião comunitária.
Distinguir com honras as pessoas mais importantes é uma
tentação gravíssima para a igreja de Cristo. Não pretendo ser
beligerante, mas devo registrar um fato. Minha consciência de
profeta não me permite silenciar. Há alguns anos atrás, no
chamado "milagre econômico brasileiro” , como havia políticos
ocupando os púlpitos de igrejas, de congressos, e de retiros!
Alguns, até mesmo não crentes. Mas, outros eram nossos
irmãos na fé. Creio, por não ter motivo nenhum para duvidar
disso, que eram bons crentes, servos sinceros de Deus. Mas, o
fato é que estavam sendo colocados como oradores por serem
políticos. É evidente que nada tenho de pessoal contra eles, mas
estávamos querendo dar ao mundo uma demonstração de poder
e força. Ninguém colocou um gari, por mais santo que fosse,
como orador. Afinal, que impacto causa um coletor de lixo como
pregador? Era muito mais uma tentativa para mostrar a nossa
representatividade social do que o desejo de escolher um bom
orador.
Em campanha de evangelização realizada algum tempo atrás
no país, os testemunhos dados pela televisão e pelas revistas
foram de crentes jogadores de futebol, de voleibol, empresários e
políticos. Todos de excelente reputação cristã, presumo. Senão
não teriam sido escolhidos. Mas, parece-nos problemático quan­
do a igreja não mais causa impacto no mundo com os santos
homens e mulheres de Deus, cujo testemunho e cuja santidade
impressionam tanto que calam fundo no coração do próprio
incrédulo.
No interior de São Paulo, próximo a uma cidade onde
pastoreei, havia um pastor de outra denominação evangélica.
74
Homem simples, sem erudição secular e que não manifestava
muita elegância na forma de vestir. Mas, os próprios incrédulos
o respeitavam e diziam: "Lá vai o santo dos protestantes.”
0 seu caráter impressionava. 0 triste é que nossos modelos para
impactar o mundo sem Cristo são pessoas que alcançaram
notoriedade em suas carreiras e que exatamente por isso tiveram
a escolha. Não será isso uma espiritualidade mundana, do tipo:
"Vejam, temos conosco gente importante que não é bitolada
como vocês pensam que os crentes são e que conseguiram
sucesso na vida” ?
Não estará o poder do Espírito Santo sendo substituído pelo
planejamento de mercado e pelas modestas técnicas publici­
tárias? Consideramos mesmo a igreja como agência de Deus,
onde o homem é confrontado com a Palavra e chamado para
organizar sua vida à luz das exigências de Deus, ou uma
instituição religiosa com um programa de ação, movida pelo
executivismo humano? A igreja é agência de Deus ou instituição
humana?
Tiago trata especificamente da adulação aos poderosos. Nos
versículos 2 a 4 em foco, ele mostra um homem rico, com anéis
de ouro, bem vestido, entrando no templo. Entra também um
pobre com roupas velhas. 0 tratamento aos dois é diferenciado.
Isto acontece ainda hoje. Um político que entra em uma igreja é
saudado com efusividade: "Está conosco o Dr. Fulano de Tal,
deputado por tal lugar, o que nos honra muito.” Quando se
realiza um "culto cívico” (?), surge o prefeito e é logo guindado
ao púlpito para saudar os crentes. 0 pretexto é sempre o mesmo:
a frasezinha solta em Romanos 13:7: "A quem honra, honra” .
Não é honra nem privilégio para a igreja receber a visita do Dr.
Fulano ou do Prof. Sicrano. Quando pararemos com nosso
complexo de inferioridade e com a adulação? Todas as pessoas
são iguais aos olhos de Deus, pelo seu valor intrínseco. A igreja
não é um clube cuja grandeza é medida pelo nível social de seus
freqüentadores. E honra é para esses homens terem oportuni­
dade de ouvir a Palavra de Deus. Privilégio inaudito é o desses
homens em ouvirem falar que Deus os ama e quer salvá-los de
seus pecados.
Deus não precisa de tênue glória humana para a prosperidade
de sua obra. Tampouco carece a igreja de auxílios humanos com
motivações espúrias para triunfar. Nós não devemos adular.
Não podemos ter dois evangelhos. Um, para dizer ao pobre que
ele deve arrepender-se de seus pecados, senão vai para o inferno,
75
e outro, para dizer ao rico que nos sensibilizamos com sua visita
e que ela nos enche de satisfação. Dizemos que o "bicheiro” é
criminoso porque explora o jogo do bicho, que é ilegal e traz a
corrupção. Mas, silenciamos quando vemos o pais paulatina-
mente transformado em vasto cassino, com loterias esportivas,
estaduais, federais e loto. Ao promover a jogatina, o governo é
tão pecador quanto o bicheiro. A legalidade não tira a imorali­
dade. 0 fato de algo ser legal não o torna moral. As leis
humanas são leis humanas, apenas. Pecado é pecado, no grande
e no pequeno.
Tiago passa a mostrar o critério de Deus. É diferente do
critério humano. Os homens escolhem os ricos. Deus escolheu os
pobres. "Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo
para fazê-los ricos?” Mas sejamos cuidadosos na interpretação.
Não há no texto qualquer indício de que Deus rejeitou os ricos ou
é contra eles. Tampouco defende o texto a idéia de que a riqueza
é pecado e a pobreza é virtude. Deus escolheu os pobres para
"fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o
amam” . A riqueza material dá uma falsa sensação de segu­
rança. Temos até casos de pessoas que, sendo pobres, eram
muito fiéis a Deus, mas que, enriquecendo, dele se esqueceram.
Os pobres são mais abertos à graça de Deus, mais acessíveis ao
chamado da graça. Não foi ao grande Herodes, na pompa do seu
luxuoso palácio, que os anjos anunciaram o nascimento do Rei
dos judeus. Foi aos pastores, gente humilde que guardava
rebanhos no campo. E com que alegria eles receberam as novas!
A expressão "foram, pois, a toda a pressa” (Luc. 2:16), segundo
Summers, significa literalmente: "pulando cercas” .21 A pressa
era tamanha que não tiveram tempo de procurar a estrada. Os
pobres receberam alegremente a notícia de que há alguém que
se interessa por eles e que, apesar de sua insignificância
econômica, eles não estão desamparados. E também, para um
engajamento com Deus, o pobre tem menos coisas a deixar.
Por isso, no versículo 6 do texto em foco, Tiago mostra que a
bajulação é indevida. Não prega o ódio contra os ricos. Não se
alinha ele com algumas correntes teológicas contemporâneas
que sacralizaram o pobre, tornando-o objeto exclusivo do favor
de Deus, voltando-se contra os mais aquinhoados economica­
mente, como se estes fossem os únicos culpados de todos os
males do mundo. Tiago não é teólogo da libertação e tampouco
um apologista da luta de classe adornada com roupagem cristã.
As possessões materiais não são demoníacas, nem a pobreza é
76
uma virtude teologal. 0 pecado não está na posse de coisas, mas
na maneira como as conseguimos e no uso que fazemos delas.
"Não são os ricos os que vos oprimem?” Os ricos estavam
oprimindo a igreja, vista como comunidade suspeita. Então,
cortejando-os a igreja poderia encontrar um modus vivendi
pacífico. Precisamos lembrar que a igreja de Cristo não pode
viver fazendo concessões. Há um excelente livro de Peter Berger,
intitulado Um Rumor de Anjos.22 Nele, o conhecido sociólogo
mostra como o mundo sagrado, e particularmente o cristianis­
mo, foi confrontado por correntes de pensamentos antagônicas e,
no choque de idéias, terminou fazendo várias concessões. No
princípio, em pleno esplendor, o mundo sagrado nos trazia o
ruído da voz de Deus, o barulho de toda a corte celestial, o
anúncio dos arautos. Mas, hoje, acuado pelo secularismo, de
concessões em concessões, o cristianismo se desfigurou e se ouve
apenas um leve ruído de asas de anjos, daí o título da obra.
Temos hoje um cristianismo pálido e aguado que a poucos
impressiona. Sejamos honestos e falemos a verdade: Olhando
para a vidinha descolorida que a maior parte dos membros de
nossas igrejas leva, alguém se sentirá atraído para nossa fé? A
voz de Deus o povo ainda leva a sério, mas o rumor de asas de
anjos, que diferença faz? Quem o considera?
A igreja de Cristo precisa ser séria, sem concessões. Sem
adulações. "A igreja não está no mundo Dara fazer relações
públicas, mas para entregar um ultimato.” 23
Tiago parte para uma conclusão de seu arrazoado falando de
duas leis que regem a vida do crente. Elas se encontram nos
versículos 6 a 13. São as leis do amor e da liberdade. A lei do
amor é chamada de "lei real” ou "Lei do Reino” (BLH). A vida
na esfera do amor deve ser o nível da vida dos cristãos. No
pensamento grego, o amor era estético e contemplativo. Para
nós, cuja cultura foi em grande parte moldada pelos gregos,
amor é isso. Perdemo-nos em devaneios, em suspiros e ais. Amar
é sentir um frio na barriga quando vemos a pessoa amada.
Havia uma jovem que se julgava poetisa. Escreveu algumas
de suas poesias e as levou até um editor para que esse as
examinasse. Ele leu todas as coisas que a moça havia produzido
e então lhe perguntou: "Minha filha, o que é o amor?”
Suspirando, toda lânguida, ela respondeu: "Ah!, o amor é os
raios coruscantes do astro-rei atravessando as foliáceas e piso­
teando a gramínea! 0 amor é uma gota de orvalho rorejando
sobre a pétala da flor!” , e continuou com suas declarações
77
absolutamente vazias. Por fim, o editor a interrompeu e disse-
lhe: ''Chega, minha filha! Vou lhe dizer o que é o amor. Amor
é você passar a noite à cabeceira da cama da pessoa amada que
arde em febre, sem sentir isso um fardo. Amor é você sair de
debaixo de dois cobertores numa noite fria para atender a
criança que chora. Amor é você colocar o ombro sob a carga que
a pessoa amada carrega e partilhar o peso sem reclamar e sem
lançar isso em rosto!”
Na Bíblia, o amor nunca é sentir. E fazer. 0 amor não é
contemplativo, mas dinâmico. ''Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho...” ''Deus prova o seu amor para
conosco em que Cristo morreu por nós...” É por isso que João, o
ancião, diz: ''Meus filhinhos, nosso amor não deve ser somente
de palavras e de conversas. Deve ser um amor verdadeiro, que se
mostra por meio de ações” (I João 3:18, BLH). 0 amor não é
sentimento estético. 0 amor é ação dadivosa.
É o amor que deve nortear o relacionamento da igreja com as
pessoas, e não o dinheiro que as pessoas têm. A igreja não é uma
meretriz que ama quem tem mais bens. E uma comunidade cuja
origem está em Deus e que ama as pessoas porque o Deus da
igreja é amor.
Tiago fala agora da outra lei, a lei da liberdade: ” ... pela lei
da liberdade” . A lei do amor, mostrou ele, é o nível de vida em
que os cristãos devem viver. A lei da liberdade é o nome que ele
dá ao evangelho. É nas boas-novas do amor de Deus na pessoa
de Jesus de Nazaré que encontramos liberdade. "Se, pois, o
Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). 0
cristão é a pessoa que encontrou a liberdade em Cristo. "Para a
liberdade Cristo nos libertou...” (Gál. 5:1). Tiago é coerente com
Paulo, aqui. Em Gálatas 4, Paulo mostra que a lei escraviza o
homem, mas o evangelho liberta. Vivendo liberto pelo evan­
gelho, livre do jugo do pecado e do poder das trevas, o cristão
encontra condições para se relacionar em amor com os demais
membros de uma comunidade e até mesmo fora dela. Adicionar
regrinhas ao evangelho é um erro grave. É tornar o crente um
escravo de preceitos humanos. Mas, também é um erro sério o
espírito de amargura, de crítica e de seitas competitivas, cada
uma alardeando ser melhor que a outra, como encontramos hoje
em dia. Tiago nos mostra que liberdade e amor devem estar
juntos. Não fomos tornados livres para viver ao sabor dos
instintos, mas para amar a Deus, o que a nossa natureza não
permitia, e amar aos outros, o que também nos era difícil. As
78
duas leis aqui mostradas por Tiago orientam o crente para viver
livre do domínio do pecado e com capacidade para um relacio­
namento positivo com o próximo.
0 ensino de Tiago pode ser bem exposto em frases curtas e
definidas: A igreja não faz acepção de pessoas. Não privilegia
pessoas por situação econômica, social, cultural ou racial. Não
odeia classes. A igreja ama as pessoas e vive como alguém que
Cristo libertou do poder das trevas e que ao poder das trevas não
deseja voltar.
Ao encerrarmos as considerações deste capítulo, é oportuno
recordarmos Tiago 2:13: "Porque o juízo será sem misericórdia
para aquele que nao usou de misericórdia...” Associemo-lo com
Marcos 4:24 que diz: "Atendei ao que ouvis. Com a medida
com que medis vos medirão a vós, e ainda vos acrescentará.”
Não se encontre em nós o pecado da acepção de pessoas, Deus
nao nos trata assim.

79
\

12
Fé Contra Obras ou Fé e Obras?
Que proveito há, meus irmãos, se alguém disser que tem fé e
não tiver obras? Porventura essafé pode salvá-lo? Se um irmão ou
irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e
algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos efartai-vos, e
não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito
há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si
mesma. Mas dirá alguém: Tu tens fé, e eu tenho obras;
mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé
pelas minhas obras. Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os
demônios também o creem, e estremecem. Mas queres saber, ó
homem vão, que a fé sem as obras é estéril? Porventura não foi
pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado quando ofereceu
sobre o altar seu filho Isaque? Vês que a fé cooperou com as suas
obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada; e se cumpriu a
escritura que diz: E creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado
como justiça, e foi chamado amigo de Deus. Vedes então que é
pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé. E
de igual modo não foi a meretriz Raabe também justificada
pelas obras, quando acolheu os espias, e os fez sair por outro
caminho?Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto,
assim também afé sem obras é morta. (2:14-26).
Tratamos agora de um dos mais antigos dilemas do cristia­
nismo: Fé ou obras para a justificação? No ramo protestante-
evangélico, a justificação vem pela graça, por meio da fé. No
ramo católico, a justificação vem pelas obras, administradas
pela igreja. E uma das preocupações maiores de Tiago é
81
exatamente o farisaísmo cristão, a mentalidade que começava a
se firmar no seio das comunidades de Cristo.
0 cristianismo estava se tornando, para alguns, um mero
sentimento, apenas emoções. A fé vivencial exibida na prática de
uma religião autenticada por atos estava se esvaindo. Parece-
me, em certo sentido, com nossos dias: 0 mais importante é
sentir, experimentar sensações e fazer afirmações de fé. No
movimento evangélico de hoje é muito grande a ênfase no
experiencialismo e nas afirmações ortodoxas de um determinado
credo. O cristianismo se disfigurou, tornando-se matéria de
sentimentos e de afirmações que se tornam mero assentimento
intelectual. Não é mais vida. Exibir a fé em obras não tem sido
exigido em nossas igrejas.
0 cristianismo é bem mais que regras, é bem mais que visual e
liturgia. É essencialmente vida, uma qualidade de vida outra,
produto de um encontro com Cristo. Devemos ao teólogo alemão
Dietrich Bonhoeffer o conceito de "graça barata” . Muitos hoje
têm transformado o evangelho em "graça barata” , numa men­
sagem de um Deus bonachão, tipo Papai Noel, que só faz
oferecimentos, deseja todo mundo feliz, risonho, sem que quais­
quer exigências sejam feitas. Por incrível que pareça, livros
com títulos como Como Orar e Conseguir Que Deus Faça o
Que Você Deseja são encontrados. Isso é graça barata.. É o
cristianismo leviano, de alegria e riso afivelados no rosto, como
uma festa que se inicia com o princípio do culto e segue até o
fim, com artificialidades deprimentes. Mas, o fruto de uma vida
que marque o mundo não é enxergado. 0 mundo hoje não sofre
os efeitos da igreja de Cristo.
Tiago insiste na necessidade de viver a Palavra. E mostra,
então, dois tipos de fé. Uma, inútil, é a que não vive a Palavra. A
outra, que a vive, é a fé útil. Vai buscar dois vultos do Velho
Testamento para exemplificar: Abraão e Raabe, os tipos da fé
verdadeira.
A fé inútil é retratada por Tiago nos versículos de 14 a 20 do
texto em foco. A fé não pode ser mero sentimento. "Se um irmão
ou irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano,
e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos;
e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito
há nisso?”
Em uma de suas peças, intitulada As Mãos Sujas, Jean-Paul
Sartre faz um de seus personagens dizer a outro: "Prefiro
amizade severa a um amor fútil.” Existe muito amor fútil em
82
nosso meio. A pessoa é cortês, mas não é prestativa. Por amor,
Tiago entende prestação de auxílio, ação. No que tem razão.
Amor não pode ser apenas uma expressão de piedade no
semblante. Para Tiago, a verdadeira fé está numa manifestação
concreta por alguém. Não adianta dizer "que Deus o abençoe”
(BLH). Ajudar os necessitados da igreja não é algo para Deus
fazer. É para a própria igreja fazer. No judaísmo, dar esmolas
era uma das práticas mais elevadas e respeitadas. 0 livro de
Eclesiástico (não canônico, e que não deve ser confundido com
o Eclesiastes) diz assim: "A água apaga a chama, a esmola
expia os pecados” (Ecl. 3:30, BJ). Não é isso que Tiago está
dizendo. Não se trata de auxiliar os outros para subornar Deus,
comprando seu perdão. É o contrário: Quem provou o amor de
Deus, deve ajudar seu irmão.
A questão central que Tiago discute aqui é esta: A fé se mostra
pelas obras. Não são as obras que produzem fé ou favor de Deus.
A fé dissociada de ação é inútil. "Seu tolo! Você quer saber de
uma coisa? A fé sem boas ações não vale nada” (v. 20, BLH).
Nos versículos 18 e 19, Tiago levanta uma questão sobre o
conteúdo da fé judaica. A doutrina mais preciosa do judaísmo
era a unicidade de Deus. Vivendo no meio de nações politeístas
que criam em vários deuses, o judeu se distinguia por crer em
um só Deus, e fazia disso um tesouro teológico. E comum, no
Velho Testamento, a expressão denominada shemá : "Ouve, ó
Israel, o Senhor teu Deus é o único Senhor...” Quando discutiu
com um escriba sobre qual o principal de todos os manda­
mentos, Jesus iniciou sua resposta com a clássica profissão de fé
judaica: "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!”
(Mar. 12:29). Este era o ponto mais alto da doutrina judaica.
Mas Tiago apela: Até os demônios crêem e tremem de medo. O
endemoninhado gadareno (Luc. 8), prostrou-se diante de Jesus e
gritou: "Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?”
Crer na unicidade de Deus, crer no seu poder e aceitar que Jesus
é Filho de Deus é uma profissão de fé assumida até pelos
demônios.
Ortodoxia significa "doutrina correta” . Ter doutrina correta
é muito importante e necessário. Mas, a palavra que expressa a
necessidade maior da igreja hoje é ortopraxia, que significa
"conduta correta” . A conduta condizente com a fé, eis o de que
necessitamos.
Algumas correntes filosóficas supunham que o simples conhe­
cimento da verdade automaticamente levaria à sua prática.
83
Jesus não ensinou isso. O mero conhecimento intelectual da
verdade da fé é insuficiente. O Salvador declarou: "Nem todo o
que me chama Senhor, Senhor, entrará no reino do céu, mas
somente aquele que faz a vontade do meu Pai que está no céu.
Quando aquele dia chegar, muitos vão dizer: Senhor, Senhor,
em teu nome anunciamos a mensagem de Deus, e pelo nome do
Senhor expulsamos muitos demônios e fizemos muitos milagres!
Então eu responderei: Nunca os conheci. Saiam de perto de
mim, vocês que só fazem maldade!” (Mat. 7:21-23. BLH).
Expulsar os demônios não é prova nem mesmo de salvação. Há
perdidos efetuando milagres e expulsando demônios! Quanto
mais presumir que um mero assentimento intelectual sobre
doutrinas tem algum valor. E se fizermos a leitura de Mateus
25:31-46 com honestidade, sem tentarmos dar ao texto outro
sentido que não seja o que está ali, confirmaremos Tiago: 0
cristianismo exige boas obras. Não é apenas cantar, bater
palmas e orar. Estas coisas não são a essência do cristianismo.
A fé que se enclausura, que não leva a pessoa a se abrir para
os outros, a dar de si, é inútil. A fé deve levar-nos a um
sentimento genuíno de amor pelos irmãos e pelos necessitados.
Não deve ser uma atitude demagógica para convertê-los, um
tipo de amor que seria um meio para um fim último. Uma tese
de John Stott — A Compaixão de Jesus — é elucidativa quanto a
este aspecto, no trecho em que ele trata da atitude do bom
samaritano para com o pecador caído na beira da estrada:
"Assim que o samaritano ata as suas feridas, leva-o a um
albergue, cuida dele, paga ao hospedeiro para que continue
atendendo-o e compromete-se a pagar qualquer outro gasto que
demande o tratamento. A única coisa que o samaritano não faz é
evangelizá-lo! Põe óleo e vinho nas feridas, mas não enche os
bolsos do judeu com folhetos.”2* Isto quer dizer que a nossa fé
deve se evidenciar em amor por aquilo que as pessoas são:
imagem e semelhança de Deus. Pelo seu valor intrínseco, e não
por oportunismo.
Philippe Maury conta-nos a história de uma jovem universi­
tária que lhe expressou sua frustração por não conseguir falar de
Cristo à sua companheira de quarto. Conversando com a moça,
Maury descobriu que ela não se interessava verdadeiramente
pela sua colega. Nunca se esforçara para entendê-la, saber de
seus alvos, planos e problemas. Via apenas uma oportunidade
de transmitir uma mensagem. Diz então o teólogo: "Aí está um
exemplo de um dos erros mais freqüentes que praticamos: Não
84
queremos admitir que nos devíamos preocupar não apenas com
Jesus Cristo e nossa fidelidade para com ele. Redescobrimos
nesse plano a dualidade e a unidade profunda do sumário da
Lei: Não existe o amor a Deus sem o amor ao próximo, e não se
pode amar o próximo sem lhe falar de Deus.” 25 Lamentavel­
mente, por vezes, vemos as pessoas como números que devemos
conquistar para Cristo. Desvalorizamos o homem e coisificamos
as pessoas.
A fé autêntica surge nos versículos 21-26. Tiago não é
discursivo. Objetivamente, vai se valer de dois vultos do Velho
Testamento para provar sua teoria. 0 primeiro vulto é Abraão, o
chamado "pai da fé” . Aparentemente, existe uma contradição
irreconciliável entre Tiago e Paulo, ao tratarem da justifi­
cação de Abraão. "Não foi pelas obras que nosso pai Abraão
foi justificado?” , pergunta Tiago. Em Romanos 4:1-3, Paulo
deixa bem claro que Abraão foi justificado pela fé. Para
Tiago, a justificação de Abraão foi pelo que ele fez: dispôs-se a
oferecer seu filho Isaque. Para Paulo, ele foi justificado porque
creu em Deus.
Como é possível entender essa aparente discordância? Uma
das regras de interpretação da Bíblia nos ensina que é necessário
saber o propósito do autor do texto estudado, o que se propunha
a dizer e para quem dizia. Paulo é um teólogo. Sua carta à igreja
em Roma é um tratado teológico onde se discute o que é
necessário para a salvação. Tiago é um pastor que elabora um
tratado ético. Sua discussão é sobre o comportamento dos
crentes, como estes devem proceder, posto que são salvos. Estão
analisando de perspectivas absolutamente diferentes. Paulo
ensina teologia. Tiago ensina ética. O que Paulo está ensinando
aos romanos é isto: Para o novo nascimento, para a conversão,
as obras não têm valor. Só a fé é válida para produzi-los. O que
Tiago está dizendo é o seguinte: Após a conversão, a fé sozinha
não tem valor. 0 versículo 22 nos diz muito bem: "Sua fé se
tornou perfeita por meio das suas ações” (BLH). As obras
de Abraão aperfeiçoaram, ou seja, completaram sua fé.
Insistir nos aparentes antagonismos entre Tiago e Paulo é não
reconhecer a diferença de contexto e a diferença de propósito
entre os dois autores.
Após citar Abraão, Tiago apresenta outro vulto do Velho
Testamento: Raabe. São dois exemplos, aos olhos humanos,
opostos: o pai da fé e uma meretriz que creu. Em Hebreus 11:31,
ela é colocada como heroína da fé. Na galeria desses heróis,
85
apenas ela e Sara, a esposa de Abraão, são citadas nominal­
mente (Heb. 11:35 fala de "mulheres” , sem nominá-las). A
história de Raabe é bem conhecida e, para efeitos de recordação,
o leitor deve tomar a Bíblia e ler os capítulos 2 e 6 de Josué. Mais
tarde, a figura dessa mulher assumiu grande importância no
judaísmo. Os rabinos consideravam motivo de orgulho poderem
provar que eram descendentes dela. Por isso que o evangelista
Mateus, que escreveu seu Evangelho visando alcançar os judeus,
faz o registro: "a Salmom nasceu, de Raabe, Booz” (Mat. 1:5).
Raabe está como ancestral do rei Davi e do Senhor Jesus. Assim
Mateus mostra para os judeus, que valorizavam a ex-meretriz,
que o Messias veio dela.
O que fez Raabe, exatamente? Como podemos ler em Josué,
capítulo 2, ela escondeu os espiões hebreus que foram enviados a
Jericó. Foi então sua obra que a salvou? Não! Sua obra foi
conseqüência de sua fé. Eis a declaração de fé por ela formulada
aos espiões, sobre o Deus de Israel: "... o Senhor vosso Deus é
Deus em cima no céu e embaixo na terra” (Jos. 2:11). Tamanha
declaração de fé é a mesma de Moisés, em Deuteronômio 4:39:
"Pelo que hoje deves saber e considerar no teu coração que só o
Senhor é Deus, em cima no céu e embaixo na terra; não há
nenhum outro.” Raabe creu em Deus, na sua unicidade, no seu
poder, e por isso agiu. Por esta razão, A Bíblia na Linguagem de
Hoje verte assim Tiago 2:25: "... ela foi aprovada por Deus por
causa da sua ação” . Quando uma pessoa crê, ela age. Sua fé a
leva a um envolvimento com Deus e não a uma alienante fuga
mística e contemplativa em que a pessoa se ensimesma. A fé
autêntica produz fruto e não claustro. Produz envolvimento e
não gueto. Viver cantando corinhos dentro do templo não é a
ação mais produtiva do cristão.
Tiago termina com uma bela figura. Deus criou primeiro o
corpo do homem, mas enquanto o espírito não veio habitar no
corpo, este não valia muito. Estava sem vida. A vida veio pelo
espírito. Quando o Senhor soprou o fôlego de vida no corpo do
homem, este foi tornado alma vivente. Antes, tinha toda a
aparência. Olhamos para uma vida de fé onde as obras não são
presentes. Tudo está certo, tudo está nos seus devidos lugares,
mas ela é tão viva quanto um cadáver. Ou seja, está morta.
Abraão creu e porque creu, agiu. Foi chamado por Deus de
"meu amigo” . Lemos em Isaías: "Mas tu, ó Israel, servo meu,
tu Jacó, a quem escolhi, descendência de Abraão, meu amigo ”
86
(Is. 41:8). Sem dúvida, um elogio maior do que este não pode
haver Crer e não agir é ser como um defunto espiritual, como
um corpo sem vida. Quem é você: um corpo sem vida ou um
amigo de Deus?

87
)
13
A Língua — Bênção ou Maldição?
Meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que
receberemos um juízo mais severo. Pois todos tropeçamos em
muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, esse é homem
perfeito, e capaz de refrear também o seu corpo. Ora, se pomos
freios na boca dos cavalos, para que nos obedeçam, então
conseguimos dirigir todo o seu corpo. Vede também os navios
que, embora tão grandes e levados por impetuosos ventos, com
um pequenino leme se voltam para onde quer o impulso do
timoneiro. Assim também a língua é um pequeno membro, e se
gaba de grandes coisas. Vede quão grande bosque um tão
pequeno fogo incendeia. A língua também é um fogo; sim, a
língua, qual mundo de iniquidade, colocada entre os nossos
membros, contamina todo o corpo, e inflama o curso da
natureza, sendo por sua vez inflamada pelo inferno. Pois toda
espécie tanto de feras, como de aves, tanto de répteis como de
animais do mar, se doma, e tem sido domada pelo gênero
humano; mas a língua, nenhum homem a pode domar. E um
mal irrefreável; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendi­
zemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens,
feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca procede bênção e
maldição. Não convém, meus irmãos, que se faça assim. Por­
ventura a fonte deita da mesma abertura água doce e água
amargosa? Meus irmãos, pode acaso uma figueira produzir
azeitonas, ou uma videira figos? Nem tampouco pode uma fonte
de água salgada dar água doce. (3:1-12)
"Meus irmãos” . Assim Tiago começa o capítulo 1 (v. 2) de
sua epístola. Assim também começou o capítulo 2. Agora
89
começa o capítulo 3. Cada vez que muda o rumo do assunto,
assim procede e introduz um novo problema que aborda com
muita felicidade. Nem sempre, no entanto, "meus irmãos”
introduz um novo assunto. Ao iniciar a conclusão do livro,
voltará ao termo (5:7). Assim é que temos agora um novo tema.
A importância do que trata ele agora não diminuiu com o
tempo. Pelo contrário, até. Sem exagero, podemos dizer que,
nos dias de hoje, uma das maiores necessidades dos cristãos está
exatamente em cuidar daquilo que falam. Como há mexericos,
invencionices, palavras levianas e mal ponderadas em nosso
meio! É triste que a igreja que deveria se mostrar ao mundo
como um exemplo de relações interpessoais seja uma comuni­
dade, muitas vezes, com relações internas tão precárias que
chega a assustar. Não são poucas as vezes em que o mundo exibe
mais sinceridade no relacionamento e honestidade no falar do
que os crentes.
As palavras que proferimos podem ser bênção ou maldição,
palavras que edificam ou palavras que arrasam. E contra esta
dupla possibilidade que o escritor sagrado nos adverte. Ele
começa com um conselho: "Não sejais muitos de vós mestres,
sabendo que receberemos um juízo mais servero.” Ora, ser
mestre é um dom do próprio Cristo: "E ele deu uns como...
mestres” (Ef. 4:11). Lemos também em I Coríntios: "E a uns
pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar
profetas, em terceiro mestres...” (12:28). 0 "mestre” foi esta­
belecido pelo próprio Pai e é superado apenas por "apóstolos”
e "profetas” e precede dons que muitos hoje supervalorizam
como efetuar milagres, curas e línguas. Em Romanos 12:7,
aquele que ensina (o "mestre”) recebeu um conselho: "se é
ensinar, haja dedicação ao ensino” . Por que, então, o conselho
na negativa — "não sejais muitos de vós mestres” ?
A primeira resposta surge no versículo 1 mesmo: "... recebe­
remos um juízo mais severo” . Inicialmente, entra em discussão
o ônus da liderança. Quanto pesa ser líder! Por que almejamos
liderar? Amor à proeminência? Desejo de ser visto e acatado? Ou
um anseio sincero de pesquisar e repartir as verdades de Deus?
É lamentável constatar a existência de membros de igrejas que
se aborrecem por não possuírem um cargo ou por não serem
eleitos para o desempenho de funções de liderança na comuni­
dade cristã a que pertencem. É necessário ter um cargo para
servir a Deus? 0 cargo é uma necessidade para conferir digni­
dade eclesiástica a quem o exerce?
90
0 fardo do líder é pesado.^ Além das responsabilidades
inerentes ao cargo ou à função que desempenha, há também o
fato de que Deus requererá mais dele: ” ... receberemos um juízo
mais severo” . 0 mestre, nas comunidades cristãs primitivas, era
aquele que ensinava a Palavra ao povo de Deus. Correspondería
hoje ao pregador expositivo ou ao professor da Escola Bíblica
Dominical. Parece que nos dias de Tiago alguns ambicionavam
a função sem nutrir qualquer senso de responsabilidade, tão-
somente movidos pela vaidade ou desejo de promoção, sem
amor ao povo que deviam ensinar e sem reverência à verdade
que deviam repartir. Aquele que ensina, está usando da palavra
para comunicar verdades de Deus. Deve ter cautela dupla:
primeiro porque é mestre, e segundo porque está usando a
palavra que pode levar à vida ou à morte.
A segunda resposta está no versículo 2: "Pois todos tropeça­
mos em muitas coisas” . Todos tropeçam ^e o mestre não é
exceção. Por estar à frente e com missão de tamanha relevância,
talvez seja ele uma das pessoas mais visadas. ”Todos tropeça­
mos” , diz Tiago. Para falar, basta que se abra a boca e se
articule sons concatenados, formando palavras. Podemos nos
vingar, rebaixando alguém cuja posição nos incomoda, e espa-
IhaFrnãíedieências sobre a vida alheia. E tudo isso, justificando
nossas palavras, racionalizando tudo o que fazemos. É difícil
não tropeçar no que proferimos. A advertência de Jesus deve
sempre ressoar em nossos corações: "Porque pelas tuas palavras
serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mat.
12:37).
Consideradas as razões do perigo de ser mestre e de se valer
constantemente da palavra, Tiago passa a apresentar a neces­
sidade dejmntjole da língua. Para tal vai se valer Je" duas
comparações que sabiamente emprega. A primeira, encontrada
no versículo 3, trata dos freios que se põem à boca dos cavalos. O
cavalo é um animal de grande força física, mis é dominado por
um instrumento pequeno, a rédea. A segunda está no versículo
4 e mostra como um grande navio, mesmo batido por fortes
ventos, obedece ao leme manobrado pelo timoneiro. As duas
ilustrações apresentam um ponto comum: o pequeno controla o
grande, a parte controla o todo. Dominar a língua (o pequeno e
jyDarte) é controlar a vida (o grande e o todo). 0 que acontece a
um cavalo sem as rédeas? Torna-se um destruidor. 0 que sucede
a um barco sem leme? E destruído. 0 controle da língua, da
mesma forma, evita uma vida destrutiva e autodestruidora.
91
0 raciocínio de Tiago obedece ao sistema oriental de pensa­
mento, o que talvez nos cause algumas dificuldades para
entendê-lo. Como ocidentais, primeiro mostraríamos o valor da
língua, e depois por que controlá-la. Ele não. Primeiro mostrou
que devemos controlá-la e depois é que passa a mostrar o seu
valor. Nossa argumentação é crescente (do menos importante
para o mais importante). A dele é decrescente (do mais impor­
tante para o menos importante).
Tiago ilustra o poder da palavra com quatro figuras: fogo
(v. 6), mal irrefreável (v. o), fonte (v. 11 e 12), e árvores (v. 12).
A língua é o fogo destruidor que brota de pequena fagulha. Uma
pequena palavra pode suscitar longa contenda. Tiago reflete
sobre isso. 0 homem pode domar tudo. "Pois toda espécie, tanto
de feras como de aves, tanto de répteis como de animais do
mar, de doma, e tem sido domada pelo gênero humano” (v. 7).
Não há animais que o homem não consiga domar. Ele encanta
serpentes, adestra cães para truques, domestica o felino selva­
gem, como vemos nos circos, e até treina a vida aquática, como
no caso dos golfinhos. Outros animais, como o cavalo e o boi,
são por ele usados para o trabalho doméstico, em sítios e
fazendas. Vivesse hoje e Tiago poderia estender seus argumen­
tos: 0 homem domina sobre os animais, sobre a natureza
(embora sofra a ação desta, o homem ergue barragens, desvia
rios e pode provocar chuvas artificiais, por exemplo) e começa a
estender seu domínio para fora da terra, na direção do espaço.
Porém, a língua continua indomada: ” ... mas a língua, nenhum
homem a pode domar” (v. 8).
Algumas vezes não nos damos conta dos grandes estragos que
os "inocentes” comentários ou "colocações sem muita impor­
tância” que fazemos podem alcançar com resultados. "Há três
coisas que não regressam: a flecha lançada, a palavra falada e a
oportunidade perdida. Uma vez projiunciada a palavra, não há
maneira de fazê-la regressar. Nada é tão diíiéll^dFsufocar como
um rumor; nada há tão difícil de cicatrizar como os efeitos de
uma história maligna e ociosa. Lembre-se o homem que, uma
vez dita a palavra, esta foge do seu controle. Portanto, pense
bem antes de falar porque, mesmo que não possa fazer a palavra
voltar, terá que responder pela palavra pronunciada.”
Aprendemos também que não pode haver duplicidade na
palavra do cristão. 0 neologismo de George Orwell em sua obra
1984, o "duplipensar” , não faz parte do estilo de vida do
seguidor de Jesus Cristo. São bem claros os versículos 11 e 12:
92
"Porventura a fonte deita da mesma abertura água doce e água
amargosa? Meus irmãos, pode acaso uma figueira produzir
azeitonas, ou uma videira figos? Nem tampouco pode uma fonte
de água salgada dar água doce.”
São três os exemplos que Tiago emprega para ilustrar a
verdade que deseja transmitir. Era este o método utilizado pelos
rabinos para ilustrar seu ensino: três ilustrações para cada
verdade. É oportuno recordar que Tiago está escrevendo para
cristãos provenientes do judaísmo e, por isso mesmo, acostu­
mados com a forma de ensino dos rabinos. Não é de estranhar
que sua didática seja rabínica.
A primeira ilustração é a fonte que jorra água. "Porventura a
fonte deita da mesma abertura água doce e água amargosa?”
(v. 11). Uma fonte não pode produzir dois tipos de água, doce e
amarga. Da mesma maneira, a língua de um cristão não pode
produzir dois tipos de palavras, a de bênção e a de maldição.
Observe-se que Tiago não diz que a fonte deve produzir água
doce (que pelo contexto nos parece ser a boa palavra). Pode pro­
duzir água amarga (a má palavra). 0 que Tiago diz é que a fonte
produz apenas um tipo de água. Ou doce ou amarga. Da mesma
forma como não se deve esperar palavras inconvenientes na boca
de um cristão, não é de admirar que na boca de um homem que
não seja temente a Deus haja palavras que não sejam edificantes.
Cada fonte produz um tipo de água. Um é o falar do cristão.
Outro-é^rr falar do não-cristão.
A segunda ilustração empregada por Tiago é a da árvore que
produz frutos segundo a sua espécie. "Pode acaso uma figueira
produzir azeitonas, ou uma videira figos?” (v. 12). A figueira
produz figos e a videira produz uvas. A declaração é acaciana.
Mas, há profunda reflexão por trás dela. Cada árvore produz
frutos segundo a sua espécie, de acordo com a sua natureza.
Novamente somos chamados a refletir que não deve haver
duplicidade de frutos em nosso viver. Produza, então, o cristão o
fruto que dele se espera.
A terceira ilustração se assemelha à primeira, mas apresenta
uma variação: "Nem tampouco pode uma fonte de água salgada
dar água doce” (v. 12). Uma fonte que só produza água amarga
não é errada em si mesma. Pode ser uma fonte medicinal, por
exemplo, produzindo águas sulfurosas. Esta ilustração difere da
primeira em um ponto: Naquela, a fonte só jorra uma qualidade
de água, potável ou não potável. Não importa qual seja, mas
uma só. E genérica, porque trata de ambas as possibilidades.
93
Tanto faz produzir água doce ou salgada, desde que só produza
uma. Esta aqui é específica: A fonte salgada não produz água
doce. A maior necessidade daquela região era água potável, boa
para beber. A fonte salgada (usemo-la aqui para tipificar o falar
do homem não regenerado) não pode produzir boa palavra.
Quem deve produzir esta é o servo de Jesus. É ele quem tem a
palavra que dessedenta o mundo. Poderiamos então parafrasear
Jesus, quando exortou os discípulos a não omitirem o brilho da
sua luz: "Se a fonte de água potável que há em ti produzir água
não potável, que grande desastre será!”
É de nós, portanto, que o mundo pode ouvir boas palavras,
palavras que dessedentam, que consolam, que vivificam. Se não
tivermos uma palavra de esperança, uma palavra honesta e
decente para este mundo, de quem ele a ouvirá?
Voltamos, então, ao versículo 10: "Não convém, meus
irmãos, que se faça assim.” O que não convém? Não é con­
veniente que tenhamos palavras para bendizer ao Senhor e
amaldiçoar aos homens, que são imagem e semelhança de Deus
(v. 9). Quem adora a Deus não pode amaldiçoar o seu próximo.
Deus está no próximo e este é imagem e semelhança do divino.
Voltamos, assim, à tese que domina o livro de Tiago: Adoração e
conduta devem caminhar juntas. Meu procedimento para com o
próximo será a projeção fiel do meu verdadeiro relacionamento
com o Senhor, que as palavras fingidas não conseguirão mas­
carar de forma alguma.
Esclareça-se que Tiago não prega o silêncio, tampouco o
claustro. O que ele deseja não é que os cristãos se refugiem no
monasticismo, mas sim que controlem a sua língua.
"Os rabinos judeus usavam esta figura: 'A vida e a morte
estão nas mãos da língua.’ Por acaso a língua tem mãos? Não
mas assim como a mão mata, assim também a língua. A mão
mata de perto, porém, a língua é como uma flecha que mata à
distância. Uma flecha mata a quarenta ou a cinqüenta passos,
porém, da língua se diz no Salmo 73:9 que 'Põem a sua boca
contra os céus, e a sua língua percorre a terra’. Passeia por toda
a terra e alcança os céus. Este é o grande perigo da língua. Um
homem atacado pode defender-se do golpe porque o atacante
está na sua presença. Mas, pode-se pronunciar uma palavra
maliciosa ou repetir uma calúnia sobre outro que nem sequer se
conhece e que se encontra a milhares de quilômetros de distância
e, mesmo assim, causar-lhe extremo dano. O extraordinário
alcance que a língua tem é o seu maior perigo.” 27
94
Devemos ter muito cuidado com as palavras que emitimos
cokro a vj(ia alheia. Podemos destruir uma vida por uma palavra
leviana ou pouco responsável.
Um comentário sobre a Epístola de Tiago, ao tratar do trecho
compreendido entre 3:9-12, deu-lhe o seguinte título: "Hinos e
Mexericos da Mesma Boca?” 28 A esta pergunta, respondamos
com um sonoro NÃO. De nossas bocas não saia mexerico, a
palavra que mata. Saia só o louvor, que é a palavra que vivifica.

95
14
Os Dois Tipos de Sabedoria
Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom
procedimento as suas obras em mansidão de sabedoria. Mas, se
tendes amargo ciúme e sentimento faccioso em vosso coração,
não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Essa não é a
sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica.
Porque onde há ciúme e sentimento faccioso, aí há confusão e
toda obra má. Mas a sabedoria que vem do alto é, primeira­
mente, pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de
misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipo­
crisia. Ora, ofruto da justiça semeia-se em paz para aqueles que
promovem a paz. (3:13-18).
0 assunto agora é sabedoria. E um tema típico da literatura
hebraica. Três livros do Velho Testamento se enquadram na
categoria de "livros de sabedoria” : Jó, Provérbios e Eclesiastes.
A sabedoria (hokhma , no hebraico) é sempre prática, sempre
vivencial, e nunca especulativa. Sua finalidade era capacitar o
homem para viver corretamente. Havia em Israel uma classe de
pessoas, os hakham (sábios) que se dedicavam à sabedoria e sua
ministração ao povo.
Sendo vivencial e não especulativa, a sabedoria se focalizava
nas pessoas, e em como aplicar à vida as verdades de Deus (tido
como a fonte de sabedoria). "Com Deus está a sabedoria e a
força” (Jó 12:13). E conseguiram bons frutos e vida abençoada.
A busca da sabedoria era natural para o hebreu. Ser sábio era
uma aspiração latente na alma hebraica. "Quem dentre vós é
97
N
sábio e entendido?” , pergunta Tiago. Seus leitores eram
pessoas que almejavam a hokhma. Tê-la-iam alcançado? Já
eram hakham ? "Mostre” , diz ele.
Como mostrar? Não por discursos, pois a sabedoria não é
erudição. É vida! "Mostre... as suas obras” (v. 13). Se as obras
são positivas, muito bem. Se não são a sabedoria é terrena, ani­
mal e diabólica.
Tiago mostra que há dois tipos de conduta possível a um
cristão. Uma é inspirada por Deus: "a sabedoria que vem do
alto” (v. 17). A outra é "terrena” (v. 15). 0 contraste é bem
delineado. "Do alto” é expressão que também encontramos em
Tiago 1:17: "Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto,
descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem
sombra de variação.” A sabedoria que vem do alto desce de
Deus. Está num plano superior ao homem. A outra sabedoria é
"terrena” , vem da terra, está no mesmo plano do homem. Esta
era a diferença entre Jesus e seus opositores. "Vós sois de baixo,
eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo”
(João 8:23). Jesus estava num plano superior ao de seus
opositores. Um seguidor de Jesus deve ter uma sabedoria em
plano superior, também, à sabedoria do mundo.
Além de terrena, a sabedoria do mundo é "animal” (v. 15).
Isto não significa brutalidade ou falta de boas maneiras, e sim
que ela é dos instintos, pois o termo grego aqui usado é psyché.
Seu primeiro sentimento é "alma, a vida, a pessoa” , mas denota
também o instinto natural. 0 cristão não pode agir na base de
"fazer o que estiver no coração” . Muitas pessoas julgam que
esta é uma boa medida, quando em dificuldades: "0 que estiver
no coração, isso farei.”
Esta atitude é ingênua, porque presume que todos os nossos
sentimentos são inatamente bons. E não é assim. 0 simples fato
de algo estar em nosso coração (sentimentos) não é indicativo de
sua validade. "Enganoso é o coração, mais do que todas as
coisas, e perverso; quem o poderá conhecer?” (Jer. 17:9).
Acautele-se aquele que diz: "0 que o Senhor puser no meu
coração, isso farei.” Tal atitude, longe de mostrar piedade,
pode ser uma posição de fraqueza. Evitando tomar decisões, a
pessoa vai procrastinando o que deve fazer. Os sentimentos,
também, estão muito próximos dos instintos. Nem um nem outro
(sentimento e instinto) podem ser padrão para conduta. Devem
ser medidos pela Palavra de Deus.
98
A sabedoria do mundo é também "diabólica” . Aparente­
mente, há uma contradição aqui. A sabedoria (representada no
texto grego pela palavra sophía) é sempre de Deus. "0 temor do
Senhor é o princípio do conhecimento” (Prov. 1:7). "Com Deus
está a sabedoria e a força” (Jó 12:13). Como pode haver uma
sabedoria diabólica?
0 termo sabedoria tinha o sentido de um estilo de vida, uma
determinada opção de vida. Os judeus criam que uma pessoa
podia ser possessa por demônios e proferir palavras e tomar
atitudes contrárias às de Deus, dele blasfemando. "Não dizemos
com razão que és samaritano, e que tens demônio?” (João 8:48).
Na sua cegueira espiritual, os fariseus criam que Jesus era um
endemoninhado e até mesmo o acusaram de ter pacto com o
maioral dos demônios (Mat. 12:44). Mesmo sendo errada a ótica
dos fariseus, fica bem claro que os judeus criam na possibilidade
de o demônio inspirar as pessoas a tomarem determinadas
atitudes. 0 evangelista João explica a tresloucada traição de
Judas porque "entrou nele Satanás” (João 13:27). Da mesma
forma, a orientação demoníaca pode ser dada à vida de pessoas
que seguirem os instintos e a orientação terrena.
Os frutos da sabedoria terrena são exibidos no versículo 14.
"Amargo ciúme” é o primeiro. A ERAB traduz "inveja amar­
gurada” . Quanto deste fruto nocivo é encontrado em nossas
igrejas! A inveja do progresso de um irmão ou seu crescimento
dentro da comunidade eclesiástica, por exemplo. A inveja da
nova liderança que emerge. Na vida do rei Saul encontramos a
manifestação de ciúme e inveja. Quando Saul chegou com seu
exército e Davi retornava da batalha contra os filisteus, as
mulheres de Israel saíram ao seu encontro, cantando: "Saul
feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares.” Saul
ficou indignado. 0 ciúme invadiu seu coração. "Dez milhares
atribuíram a Davi, e a mim somente milhares; que lhe falta,
senão o reino?” A partir de então, Saul passou a ver Davi com
outros olhos (I Sam. 18:6-9).
A história, porém, não cessa aqui. A inveja nutrida por Saul
continuou e seu término foi com conseqüências desastrosas. É
bem elucidativo que o autor bíblico, ao narrar o episódio, tenha
acrescentado imediatamente o evento sucedido no dia seguinte:
"No dia seguinte o espírito maligno da parte de Deus se
apoderou de Saul... tinha na mão uma lança” (v. 10). E tentou
matar a Davi. A seqüência é impressionante. Do ciúme à raiva,
pouco demorou. Da raiva à tentativa de assassinato. E com tudo
99
isso, o temor: "Saul, pois, temia a Davi, porque o Senhor era
com Davi e se tinha retirado dele” (v. 12). A partir daqui, a
personalidade de Saul esta em acentuada desintegração. De
desatino em desatino, o primeiro rei irá destruir sua própria
vida. Aprenderemos com sua experiência, se formos sensatos,
que cultivar inveja ou ciúme é desintegrar a própria vida. A
maior vítima da inveja é o invejoso. Ele se desestrutura emo­
cionalmente e se incapacita diante de Deus.
Outro fruto da sabedoria terrena é "sentimento faccioso” . 0
espírito de facção no seio da comunidade cristã e de inspiração
diabólica. Com que facilidade surgem grupos e partidos em
nossas igrejas. Muitas vezes, uma comunidade local se fraciona
por "dá-cá-aquela-palha” , por questiúnculas sem qualquer
valor. Que tristeza!
Deus sabia que a vaidade humana seria um grande obstáculo
para o avanço de sua obra neste mundo. Os escritores bíblicos
enfrentaram problemas de partidarismo dentro das igrejas
primitivas, combateram-nos e nos deixaram princípios espiri­
tuais que não podem ser olvidados.
Paulo censurou as facções na igreja de Corinto: Rogo-vos,
irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais
concordes no falar, e que não haja dissensões entre vos; antes
sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer” (I
Cor. 1:10). Havia quatro grupos dentro da igreja e Paulo
censurou os quatro, até mesmo o grupo que dizia representa-lo.
"Será que Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por amor
de vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” (I Cor.
1:13). Em Romanos 12:16, o apóstolo exorta aos cristãos: "Sede
unânimes entre vós...” Lemos também em Filipenses 2:1-3, o
seguinte: "Portanto, se há alguma exortação em Cristo, se
alguma consolação de amor, se alguma comunhão do Espírito,
se alguns entranháveis afetos e compaixões, completai o meu
gozo, para que tenhais o mesmo modo de pensar, tendo o
mesmo amor, o mesmo ânimo, pensando a mesma coisa; nada
façais por contenda ou por vangloria, mas com humildade cada
um considere os outros superiores a si mesmo.”
É claro que sendo a igreja uma comunidade tão heterogênea,
as diferenças de opinião serão grandes. Numa mesma igreja se
encontrarão uma pessoa com formação educacional superior e
outra de poucos estudos acadêmicos, um jovem citadino e uma
pessoa idosa vinda de zona rural, pessoas de regiões geográficas
100
com características culturais distintas uma das outras. Como
exigir uma só opinião?
"Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo no
Senhor” (Fil. 4:2). Nossas diferenças persistem e nos levarão a
posturas diferentes. Uma das glórias da igreja de Cristo, inclu­
sive, é exatamente esta, a de reunir as mais diversas pessoas em
um só corpo. Mas, no Senhor, a igreja deve ser unânime. A
unanimidade foi a característica dos primeiros cristãos. A igreja
de Jerusalém se caracterizava por este sentimento. "Todos estes
perseveravam unanimemente em oração...” (At. 1:14). "Ao
cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no
mesmo lugar” (At. 2:1). "Da multidão dos que criam, era um só
o coração e uma só a alma” (At. 4:32). Havia um profundo
senso de unanimidade dentro da igreja. Em Atos 5, Ananias e
Safira quebraram a unanimidade. Mentiram, desejando noto­
riedade, buscando aparecer mais que os outros. A punição foi a
morte. Deus cobrou a quebra da unanimidade.
Ouvi uma pessoa comentar com outra: "0 meu velho homem
veio à tona e eu lhe disse poucas e boas.” Havia uma nota de
exultação na forma de falar da pessoa. Ela estava orgulhosa do
ressurgimento da carnalidade em sua vida. Tiago diz: "... não
vos glorieis, nem mintais contra a verdade” (v. 14). É ir contra a
verdade tal tipo de procedimento contencioso. A sabedoria que
produz frutos de dissensão é "terrena, animal e diabólica” . E
conclui Tiago: "Porque onde há ciúme e sentimento faccioso, aí
há confusão e toda má obra” (v. 16).
A partir do versículo 17 surge a descrição da "sabedoria que
vem do alto” , apenas referida anteriormente.
A sabedoria do alto é "primeiramente, pura” . 0 termo grego
aqui empregado para a palavra "pura” é agné. Geralmente está
associada com a purificação cerimonial. Em João 11:55 encon­
tramos o verbo "purificarem” (agnísosin). Em Atos 21:26, o
termo "purificação” é agnismoü. A purificação cerimonial era
uma exigência do judaísmo para agradar a Deus. Uma pessoa
impura não podia se aproximar dele. Não o agradava. A
sabedoria do alto é cerimonialmente pura, não está contaminada
pelas imundícias que desagradam a Deus. Só assim pode
agradar a Deus.
"Depois pacífica” . Onde o Senhor está, há paz. A sabedoria
diabólica produz "confusão e toda má obra” . 0 termo eiréne
(paz) designa um estado de ordem, de segurança e isenção de
101
ódios. Uma pessoa dominada pela sabedoria de Deus projetará
isto no seu relacionamento com as outras.
"Moderada” . 0 termo nos sugere moderação, equilíbrio,
gentileza, lhaneza.E uma forma de autêntico cavalheirismo. 0
grego traz a palavra epieikés, que já era largamente usada nos
tratados gregos de ética. "... Expressa a 'moderação que
reconhece aqueles aspectos impraticáveis que abrem brechas na
lei formal’. E a palavra que reconhece haver ocasiões nas quais
um acerto legal pode vir a ser um erro moral. Aristóteles discute
epieíkeia em sua Ética a Nicômaco. Diz que epieíkeia é o que é
justo e algumas vezes é até melhor que a justiça, pois corrige a
lei quando esta se torna deficiente por causa de sua generali­
dade. Compara o homem epieikés com o indivíduo akribodí-
kaios. Este último é o homem que defende obstinadamente o
menor de seus direitos segundo a lei. 0 homem epieikés sabe que
há ocasiões quando uma coisa pode estar absolutamente justi­
ficada e, no entanto, ser absolutamente errada do ponto de vista
moral. Este homem sabe discernir quando ultrapassar a lei, pois
entre as forças que o compelem, sabe distinguir qual é superior à
da própria lei. Conhece o momento em que apegar-se ferrenha-
mente a seus direitos seria inquestionavelmente legal, mas,
também indiscutivelmente pouco cristão.” 29 Epieikés, portan­
to, é ir além da lei na busca do melhor. Recorda José, que sendo
justo e não querendo infamar Maria, resolveu deixá-la secreta­
mente. Não buscou os seus direitos.
"Moderada” é seguida por "tratável” . São termos diferen­
tes, embora caminhem na mesma direção. Apresentam, de
forma geral, o mesmo conteúdo. Há pessoas que não são tra-
táveis. Confundem fraqueza com falta de educação (que não
são, necessariamente, sinônimos), são agressivas, maldosas,
rancorosas. A defesa da fé e da ortodoxia, por exemplo, algumas
vezes é travada com tamanha truculência verbal que acaba
sendo um desserviço à obra. Ao invés de defender, desmoraliza o
evangelho. A violência verbal e os ataques pouco polidos que se
faz para defender posições assumidas por evangélicos tornam-se
motivo de escândalo e vergonha. Cristãos coléricos, irados
contra discordantes de sua opinião, constituem-se um contra-
senso. É o amor à verdade ou o ego ferido que prevalece? A
sabedoria do alto não é truculenta. Não leva a agir de forma
intratável.
"Cheia de misericórdia” é outra característica apresentada
por nosso escritor. A palavra aqui usada (éleos) significa "com­
102
paixão, piedade para com os desgraçados” . Éleos é tanto um
sentimento divino quanto humano. Implica profundo inte­
resse pelos que sofrem. Uma pessoa que tenha a sabedoria do
alto terá real interesse pelas pessoas, há de se condoer dos
miseráveis. A insensibilidade para com o sofrimento alheio não
é próprio de quem provou na sua vida a éleos de Deus.
"Cheia de misericórdia e de bons frutos” tem sido interpre­
tado por alguns como uma redundância: os frutos que a
misericórdia produz. No entanto, pode ser mais amplo. Não
basta a misericórdia. Além dela, bons frutos devem ser apre­
sentados. Isto se coaduna com o espírito da epístola, pois ao
pregar uma religião prática, Tiago pede frutos que a autenti­
quem. Os frutos são as evidências da religião.
A sabedoria do alto é "sem parcialidade” . Onde ela está
presente não há preferências por pessoas em detrimento de
outras. A questão da acepção de pessoas que foi tratada no
capítulo 2 ressurge aqui. Lá, havia preferência pelos ricos,
privilegiando-os com honrarias. Aqui, o contexto é genérico.
Qualquer tipo de preferência não é, por certo, de inspiração
divina. Quando na igreja há atitude de favoritismo, está haven­
do pecado. Melhor formação acadêmica, mais bens materiais,
maior contribuição e outros quesitos nunca devem ser motivos
para alguém ser privilegiado na igreja. Um currículo eclesiástico
deve ser medido pelo caráter cristão exibido pela pessoa, e não
pelos seus títulos acadêmicos e posição econômica.
Exatamente por tudo isto, a sabedoria do alto é "sem
hipocrisia” . 0 termo empregado merece atenção especial.
"No grego clássico, o significado principal de hypokrités é 'o
que responde’. 0 verbo hypokrínesthai significa 'responder’.
A partir de seu primeiro significado, hypokrités foi evoluindo e
adquirindo progressivamente outros sentidos, a saber: (a) Intér­
prete ou expositor de sonhos. Quando Luciano diz a seu
auditório que teve um sonho que o converteu em escritor, diz
que deveriam estar pensando: 'Sem dúvida, não nos considera
oneíron hypokrités, intérprete de sonhos’ (Somnium 17). (b)
Orador. Certo crítico dizia que Demóstenes era um excepcional e
talentoso hypokrités. (c) Recitador ou declamador de poesias.
Numa época em que não havia livros, os cantores ambulantes
que recitavam poemas e epopéias eram hypokrités. (d) Ator.
Uma peça teatral consta geralmente de perguntas e respostas e
um ator pode ser descrito como hypokrités, um respondedor.
Pois bem, precisamente este último significado deu a acepção
103
pejorativa de hypokrités, ou seja, um 'fingidor comediante ,
'quem representa um papel’, 'um ato teatral’.” 30 Como conse-
qüência desta evolução, o vocábulo passou a ser definido nos
seguintes termos: "Hypokrités é a pessoa que se dedica a
representar bondade de tal maneira que merece ser chamada de
'bondade teatral’. É a pessoa que procura fazer com que todos
vejam a esmola que dá (Mat. 6:16). É o indivíduo cuja bondade
não busca agradar a Deus, mas aos homens. É o indivíduo que
não diz 'A Deus seja a glória’, mas 'A mim seja o crédito’.” 31
Observemos que das características da sabedoria divina, três
são encontradas nas bem-aventuranças de Jesus: "Pura” :
''Bem-aventurados os puros de coração” . "Pacífica” : "Bem-
aventurados os pacificadores” . "Cheia de misericórdia : Bem-
aventurados os misericordiosos” .
Ao estabelecer as características do cidadão do reino no
Sermão do Monte, Jesus proferiu as nove bem-aventuranças.
Três delas se projetam na sabedoria divina, inspirada por Deus.
Não apenas vemos a semelhança entre Tiago e o Sermão do
Monte, mas uma vez mais se ratifica a unidade da Bíblia em seus
conceitos. Um cidadão do reino de Jesus terá a sabedoria que
vem do alto. E o texto termina lembrando a sétima bem-aven-
turança: "Ora, o fruto da justiça semeia-se em paz para aqueles
que promovem a paz” (v. 18). Não é para os que amam a paz,
mas para os que a promovem. Como a bem-aventurança:
"Bem-aventurados os pacificadores” , e não os pacifistas. Não
basta querer ou amar a paz. É necessário promovê-la.
"0 contraste entre as duas classes de sabedoria é muito bem
assinalado. Uma é de cima e a outra é terrena. Uma está cheia de
misericórdia e bons frutos, sem mudança, sem hipocrisia, a
outra é dos sentidos, carnal e diabólica. Contrastam-se também
os frutos. Uma produz a paz e outra produz contendas. Este
contraste entre as duas deve ser lido sempre que haja divisões,
maledicência e rivalidade na igreja.” 32
Qual é a sabedoria que está dominando a nossa vida? Qual é a
sabedoria que rege nossa igreja?

104
15
A Origem das Contendas
Donde vêm as guerras e contendas entre vós? Porventura
vêm disto, dos vossos deleites, que nos vossos membros guer­
reiam? Cobiçais e nada tendes; logo matais. Invejais e não
podeis alcançar; logo combateis e fazeis guerras. Nada tendes,
porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o
gastardes em vossos deleites. Infiéis, não sabeis que a amizade
do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que
quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. Ou
pensais que em vão diz a Escritura: O Espírito que ele fez
habitar em nós anseia por nós até o ciúme? Todavia, dá maior
graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça
aos humildes. Sujeitai-vos, pois, a Deus; mas resisti ao Diabo, e
e^e fugirá de vós. Chegai-vos para Deus, e ele se chegará para
vós. Limpai as mãos, pecadores; e vós de espírito vacilante,
purificai os corações. Senti as vossas misérias, lamentai e chorai;
torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza.
Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará. (4:1-10)
Por vezes, temos idealizado as igrejas primitivas como se
fossem comunidades perfeitas, autênticos pedaços do céu na
terra. Tanto é assim que uma frase que já se tornou comum em
nosso meio é: "Precisamos imitar a igreja primitiva.” As igrejas
contemporâneas são mostradas como vacilantes e as primitivas
são mostradas como modelo de perfeição. Estará certa tal
formulação?
Aquelas igrejas viveram a revelação. Isto é fundamental para
nós. Muitos dos problemas que hoje enfrentamos foram analisa-
105
dos e solucionados à luz de uma revelação que se processava. No
entanto, não caiamos no equívoco em que muitos cristãos bem
intencionados têm caído ao suporem as igrejas de hoje como
fracas, mundanas, em contraposição às puras e santas igrejas do
primeiro século. Esta é uma visão demasiado falsa e injusta.
Esta visão comete um equívoco em não levar em conta a luta
e o desejo de muitos cristãos sinceros, tementes a Deus, que,
vivendo nos nossos dias em uma sociedade muito mais complexa
que a do primeiro século, querem agradar ao Senhor. "A igreja
primitiva não tinha rádio, nem televisão, nem sistema de
satélites para comunicação, e crescia!” — bradava um pregador
avivalista. É uma verdade irretorquível. Mas, também é verdade
que a igreja contemporânea não tem os meios de comunicação
em suas mãos. Ter alguns programas de rádio e televisão não é
"ter rádio, televisão e satélites para comunicação” . Raciocine­
mos de outra forma: 0 Diabo, naquele tempo, não tinha os
modernos meios de comunicação para o processo de massifica­
ção da sociedade que empreende hoje. E ele, como "príncipe
deste mundo” , que orienta novelas, filmes, anúncios, etc.
Vivemos numa sociedade muito mais intrincada que a dos
primeiros cristãos, sob fogo cerrado do inimigo em várias áreas
de nossa vida.
Outro equívoco dessa visão falsa é presumir o cristianismo de
ontem como perfeito e nossos antecessores como santos impe­
cáveis. Esta não é a verdade. Boa parte do Novo Testamento foi
escrita exatamente para solucionar problemas das igrejas, sendo
que algumas, como a de Corinto, por exemplo, com uma saúde
pior que as nossas. Encontramos nas cartas de Paulo indícios
dos pecados em Corinto: adultério com madrasta, carne sacri­
ficada aos ídolos, partidarismo, negação da ressurreição de
Cristo e dos mortos, bebedeira na Ceia do Senhor, etc.
É o caso do presente texto em Tiago: problemas de contendas
na igreja: "Donde vêm as guerras e contendas entre vós?”
(v. 1). Dentro das comunidades cristãs daquela época havia
"guerras e contendas” . Alguns intérpretes, talvez por ideali­
zarem a igreja primitiva como perfeita, entendem que Tiago fala
das guerras no mundo, dos conflitos armados, já que não
poderia haver "guerras” dentro da igreja. Não parece que
Tiago tivesse uma visão tão universal das nações de sua época. E
seu contexto é eclesiástico. Ele escreveu para cristãos, e não para
a liderança mundial de sua época. Os destinatários do autor são
as igrejas na dispersão (1:1) e não os representantes das nações
da ONU.
106
"Guerras” no grego original é pólemoi, de onde nos vem o
termo polêmica, que significa "discussão, controvérsia” . "Con­
tendas” é máchai, que significa, também, "brigas corporais” .
As duas palavras mostram que havia hostilidades no seio das
comunidades cristãs da época. Assim como temos hoje. Há
divisões, rixas e competições na igreja de Cristo, infelizmente.
Como chega a acontecer isto? Por que é assim?
"Donde vêm as guerras e contendas?” E a resposta de Tiago é
imediata: Dos vossos deleites, que nos vossos membros guer­
reiam.” "Deleites” , no grego, hedonôn. Daqui temos hedonis­
mo, a concepção de vida segundo a qual o prazer é a finalidade,
o bem supremo da vida. É a glorificação dos sentidos. Os
deleites (hedonôn) estão na "carne” , no homem interior. A
lucidez de Tiago é grande: A força dos prazeres que operam na
nossa vida produz o clima de beligerância encontrado em muitas
igrejas. Trocando em miúdos, o espírito de contendas entre os
cristãos é produto da carnalidade humana, da carne trabalhada
pelo intenso desejo de prazer, de satisfação. É o homem
dominado pela carne (v. 1) que produz problemas na igreja.
Tiago o contrapõe ao homem sujeito a Deus (v. 7), que põe o
Diabo em fuga.
"Cobiçai e nada tendes” . Desejar melhores condições de vida
não é errado. É uma legítima aspiração humana. Mas, "cobi­
çar” aqui não é uma aspiração legítima. A conseqüência dos
verbos no versículo 2 esclarece bem: cobiçar, matar, invejar,
combater, fazer guerras. Não são desejos inspirados por Deus.
São inspirados por hedoné, — deleite, prazer. 0 "matais” não
nos deve levar a presumir que havia assassinatos naquelas
igrejas. A figura empregada pelo autor bíblico é a de uma
guerra (a mesma figura que empregamos hoje), e numa guerra o
derramamento de sangue é inevitável. 0 espírito de contenda em
uma igreja é semelhante ao de contendas entre pessoas e nações.
E a natureza carnal do homem que as produz.
"Invejais, e não podeis alcançar” . 0 termo "invejais” é
zelôute, de zelóo (arder em ciúme). Zelóo é a raiz de "zelote”
(aquele que arde de devoção, de fervor), palavra que veio a
significar também o homem zeloso pela lei (como Paulo se
declara em Atos 22:3) como o revolucionário político apaixonado
pela idéia de libertação do jugo estrangeiro, como Judas, o
galileu, no ano 6 (conforme Atos 5:37). Arder de ciúmes pelas
posses alheias a nada leva, a não ser lutar e guerrear (v. 2).
"Nada tendes, porque não pedis” é uma declaração óbvia,
mas a sua continuação é alerta contra as orações malbaratadas.
107
"Não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos
deleites.” 0 ensino de Jesus sobre a oração do sermão do monte
(Mat. 7:7,8) é em termos absolutos. "Todo o que pede,
recebe.” Tiago o relativiza. Bendita seja a Palavra de Deus! Ela
se interpreta e se complementa. Se tudo o que pedíssemos fosse
atendido por Deus, seríamos infelizes. Muito do que pedimos
não é o melhor. E, também, oração não é obrigar Deus a fazer o
que queremos. Pedimos muitas vezes e não recebemos porque
pedimos mal. São os deleites, os prazeres, que nos levam a pedir
mal, de forma desfocada da vontade divina. Uma excelente
citação de Calvino sobre o assunto, no texto em tela, ajuda-nos:
"Queriam fazer de Deus o ministro de suas próprias concupis-
cências.” 33 Muitos há que gostariam de usar Deus para seus
propósitos, que não são muito edificantes. Outro comentarista
bíblico, Alford, diz-nos a respeito: "0 sentido geral é: Se
realmente orássemos corretamente, esse senso de contínua sede
por coisas mundanas em maior quantidade não existiría: todas
as vossas necessidades apropriadas seriam supridas; e aqueles
desejos impróprios, que geram guerras e contendas entre vós,
desapareceríam. Pedirieis, e pedirieis bem, e conseqüentemente,
obteríeis.” 34
Os valores daqueles cristãos deveríam ser outros. Estavam,
como a igreja de Laodicéia, apaixonados por valores mundanos,
mas absolutamente desinteressados pelos valores que, aos olhos
de Deus, realmente contam.
Nos versículos 4 e 5, Tiago clama contra o amor ao mundo.
Importa lembrar aqui que "mundo” não é as pessoas. Deus
amou o mundo...” (João 3:16). Temos um sentido moral no
termo: um sistema de valores humanos pervertidos e organi­
zados contra Deus, como "Babilônia” , por exemplo. Não é
possível amar a Deus e ao conjunto de valores que se opõe a ele.
Assim Tiago reclama: "Infiéis, não sabeis que a amizade do
mundo é inimizade contra Deus?”
"Infiéis” traz literalmente o sentido de "adúlteras” (femi­
nino, designando as pessoas que deveriam ser consorciadas com
Deus e o traíram). A figura de adultério para configurar a
infidelidade espiritual vem do Velho Testamento. Iavé desposou
Israel, quando do Êxodo. A proteção (da parte de Deus) e a
submissão (da parte de Israel), elementos presentes na união
conjugal, estavam assumidos pelas partes. Com a busca de
outras divindades, Israel adulterou. Quebrou sua palavra.
Jeremias é muito preciso: "Deveras, como a mulher se aparta
108
aleivosamente do seu marido, assim aleivosamente te houvestes
comigo, ó casa de Israel, diz o Senhor” (Jer. 3:20). A figura de
casamento também está presente no Novo Testamento: ” ... pois
vos desposei com um só Esposo, Cristo, para vos apresentar a ele
como virgem pura” (II Cor. 11:2). Nas prescrições para marido
e mulher em Efésios 5:23-33, Cristo e a Igreja são exemplo
nupcial para o casal. A figura é bem elaborada: amor, dedicação
e fidelidade.
O cristão deu seu coração a Jesus Cristo. Apaixonou-se por
ele. Amar o mundo é adulterar contra Cristo, é dividir o amor
que lhe foi prometido. Isto não é possível!
O próprio amor cristão pode ser desfocado e vir a ser tão
pernicioso quanto o amor ao mundo. "Amar o mundo é dar o
nosso coração ao materialismo, à ambição ou ainda a coisas
muito boas e válidas mas que assumem importância maior que o
nosso Criador. O amor à pregação do evangelho pode ser amor
ao mundo, se gostamos de fazer pelo destaque que daí nos
advém. O amor à nossa casa de oração pode ser amor ao mundo,
se estamos tão ocupados com a aparência do lugar que não
pomos em primeiro lugar a preocupação de louvar e servir ao
Senhor,^que é a razão primordial para a existência de tal
coisa. O orgulho eclesiástico e o orgulho denominacional são
amor ao mundo, porque são amor desfocado. O foco do nosso
amor deve ser o Senhor. Tiago não nos deixa meio-termo: o
amigo do mundo é inimigo de Deus. O homem não precisa ser
inimigo de Deus. Ele se torna assim porque quer. No capítulo
2:23, Tiago nos fala de um homem que veio a ser "amigo de
Deus” . Por que ser inimigo de Deus, então?
O versículo 5 traz aparentes dificuldades quanto ao sentido e
quanto à sua origem. Quem é o sujeito da sentença? É "Espí­
rito” ou "espírito” ? Onde a Escritura afirma isso, já que não se
encontra tal citação no Velho Testamento?
Alguns presumem que "Escritura” seria referência a algum
livro que Tiago respeitava muito e que não estava no cânon
judaico (praticamente definido no tempo de Esdras). Outros
presumem não ser propriamente uma citação de um versículo
determinado, mas um resumo dos ensinos do Velho Testamento
sobre o ciúme divino. Tal resumo estaria baseado em Êxodo
20:5, 34:14, Deuteronômio 32:16, Zacarias 8:2 e I Coríntios
10:22. Seria, então, o conceito de zelo de Deus, um conceito bem
arraigado na Escritura, o que Tiago está afirmando. É bem
provável que assim seja, pois o versículo 6 é uma citação de
109
Provérbios 3:34 e complementa o argumento do versículo 5,
mostrando que Tiago faz um arrazoado da idéia.
A outra questão é com respeito a "Espírito” ou "espírito” .
Qual dos dois? 0 que significa o termo? Harrop36 presume ser
o espírito redimido do homem. Johnstone37 pensa ser o Espírito
Santo. A interpretação passa a ser tão problemática que se torna
quase uma questão de opção. Vejamos algumas versões bíblicas
que nos podem auxiliar na sua compreensão.
A Bíblia na Linguagem de Hoje: "0 espírito que Deus pôs em
nós está cheio de desejos violentos. E traduz o versículo 6
assim, no seu início: "Porém a ajuda que Deus dá é ainda mais
forte...” Indica "espírito” como o espírito humano, aquele que
Deus soprou no homem (Gên. 2:7). Ele tem desejos violentos
para o pecado, mas conforme o versículo 6, a ajuda que Deus dá
é mais forte.
SBB — Versão Revista e Atualizada : "Ou supondes que em
vão afirma a Escritura: É com ciúme que por nós anseia o
Espírito, que ele fez habitar em nós?”
Matos Soares: "Porventura imaginais que a Escritura diz em
vão: 0 Espírito que habita em vós ama-vos com ciúme?”
Vozes: "Ou pensais que é sem motivo que diz a Escritura:
Com amor ciumento anseia o Espírito que habita em vós?”
A Bíblia de Jerusalém: "Ou julgais que é em vão que a
Escritura diz: Com ciúme ele reclama o espírito que pôs dentro
de nós para que em nós fizesse habitação?”
Huberto Rohden: "Acaso pensais que a Escritura diz em
vão: Com amor zeloso anseia Deus pelo espírito que em nós fez
habitar?”
Figueiredo: "Acaso imaginais vós que em vão diz a Escritura
que o espírito, que habita em vós, vos ama com ciúme?”
Beneditinos: "Ou imaginais que em vão diz a Escritura:
Sois amados até o ciúme pelo Espírito que habita em vós?”
Comunidade de Taizé: "Ou pensais que a Escritura diz em
vão: Com amor exclusivo ele anseia pelo espírito que em nós fez
habitar?”
O Novo Testamento Vivo: "Ou que acham vocês que as
Escrituras querem dizer quando afirmam que o Espírito Santo,
que Deus pôs em nós, vigia sobre nós com terno ciúme?
110
Cartas às Igrejas Novas: "Pensais que aquilo que a Escritura
afirma a este propósito, não passa de mera formalidade? Ou
julgais que este espírito é o Espírito que vive dentro de nós?”
Como se observa, aparecem como possíveis as opiniões tanto
de um lado quanto de outro. Definir com exatidão se torna
exercício especulatório. Os comentaristas se dividem nas inter­
pretações possíveis. A este autor, a linha de pensamento expres­
sa pela SBB — Versão Revista e Atualizada, Matos Soares,
Vozes, Figueiredo, Beneditinos e Novo Testamento Vivo é a
mais consentânea com o contexto. Mas, não dogmatiza e crê que
a questão fundamental está aqui: Deus não é apático para com o
ser humano. Ele nos ama e deseja ter a primazia em nossa
vida. Até hoje, o judeu, em suas orações diárias, repete a shemá :
"Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Deut.
6:4). E o ponto central da fé israelita: a unicidade de Deus,
composta de quatro palavras hebraicas que traduzidas literal­
mente nos dão: Iavé, nosso Deus, Iavé, Um” . Jesus recitou a
shemá como introdução ao grande mandamento (Mar. 12:
28-31). O cristão não pode dividir seu afeto, dando-o pela
metade a Deus e pela metade a outras coisas. Isto é idolatria.
Só há um Deus. Grande advertência! Amamos a Deus mais que
aos nossos bens, mais que as pessoas com as quais vivemos?
Temos, realmente, um só Deus ou formulamos tal declaração de
fé e deslocamos o Senhor para a periferia de nossa vida, dando
aos deuses modernos, como carro, eletrodomésticos, posição
social e ideologias, o primeiro lugar?
"Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes”
(v. 6) é uma citação de Provérbios 3:34. Não devemos orgulhar-
nos. Está certo. Mas, o que faz esta declaração aqui? Não estaria
deslocada? Qual o sentido de sua colocação neste lugar?
Presumem alguns que aqui se volta à questão do versículo 4.
E a soberba, o orgulho e o desejo de auto-afirmação sem Deus
que levam à amizade pelo mundo, preterindo o Senhor. A tais
pessoas, ele resiste. Não as aceita porque são amigas do mundo,
e logo, suas inimigas. Mas, "dá graça aos humildes” . A mesma
idéia é apresentada em I Pedro 4:5, 6, sendo assim ratificada.
0 deleite pode ser vencido! Não é necessário ser vencido por
ele, tendo a vida frustrada que os versículos 1-3 nos mostram.
Tampouco é necessário ser inimigo de Deus, amando o mundo.
Assim é que Tiago introduzirá nova personagem, o Diabo. Seus
agentes já apareceram em 2:19 (os demônios), mas ele surge
aqui, pela primeira vez, no versículo 7. 0 contexto quase exige a
111
sua presença. Afinal, o escritor sagrado está falando de desejos
hedonistas e de amor para com o mundo. Quem estaria por trás
de tudo isto? 0 Diabo é "o príncipe deste mundo” (João 12:31;
14:30; 16:11). É ele quem instila amor ao mundo nos corações
humanos.
O versículo 7 deve ser visto dentro de uma perspectiva global,
e não fragmentária. Há nele duas frases que não podem ser
dissociadas: "Sujeitai-vos, pois, a Deus; mas resisti ao Dia­
bo...” O alemão Dietrich Bonhoeffer nos legou o livro Resistên­
cia e Submissão. Aqui temos submissão e resistência. Somos
exortados a resistir ao Diabo porque assim fazendo ele fugirá de
nós. É importante, no entanto, observar que "sujeitai-vos, pois,
a Deus” precede a ordem de resistência. Muitos cristãos sinceros
têm caído porque lutaram contra o inimigo sem uma perfeita
submissão ao Senhor. Vale dizer, tem resistido ao Diabo na
carne, e têm sido derrotados.
Há dois exemplos bíblicos que nos ajudarão a entender bem o
ponto em questão: o primeiro casal e o Senhor Jesus. Nas duas
experiências de tentação, encontramos uma rendição vergo­
nhosa e uma resistência vitoriosa. No caso da rendição, não se vê
nem resistência nem busca de Deus ou submissão a ele. Pelo
contrário, o questionamento da serpente sobre os motivos de
Deus foi bem aceito. No caso da resistência vitoriosa, encon­
tramos um homem totalmente confiante e submisso ao Pai. A
lição é inequívoca: para resistir com sucesso ao Diabo é preciso
submeter-se a Deus.
A primeira expressão do versículo 8 traz uma aparente
dificuldade teológica: "Chegai-vos para Deus, e ele se chegará
para vós.” A idéia imediatamente vinda ao raciocínio é que
nossa atitude produz a ação divina. Se nos chegarmos a Deus,
então, e só então, ele se chegará a nós. Em João 15:16, encon­
tramos idéia oposta: "Vós não escolhestes a mim mas eu vos
escolhi a vós.” A idéia aqui é que Deus agiu primeiro. De modo
semelhante, João 4:10 nos declara: "Nisto está o amor: não em
que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a
nós, e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.”
Novamente a iniciativa pertence ao Senhor.
Devemos entender que a preocupação de Tiago não é discutir
a eleição, em que Deus age movido pelo seu amor, e tampouco
a sua soberania versus a ação humana que produz o posiciona­
mento divino. "Tiago nos indica que Deus se permite a si
mesmo fazer certa parte e nada mais. Ele estabeleceu limites
112
para si mesmo quando criou o homem e nunca obriga ninguém
a tomar uma decisão contra a sua própria vontade. Deus fez
tudo o que era possível, dando-nos seu Filho e atuando pelo
Espírito Santo. É a isto que o homem tem que responder.
Deve chegar-se a Deus, e quando assim o faz descobre que
Deus está ali, chegando-se a ele.” 38 A dificuldade é bem
elucidada por esta citação.
Agora, Tiago deixa a questão dos prazeres, do mundo e do
Diabo. Seu tema passa a ser como se aproximar de Deus.
Apresenta sentenças curtas, cada uma contendo uma verdade.
Não há uma argumentação continuada, mas, à semelhança do
livro de Provérbios, verdades definidas por parágrafos isolados
uns dos outros.
Como se aproximar de Deus? A segunda parte do versículo 8 e
os versículos 9 e 10 tratam exatamente de como se dá a
aproximação homem-Deus. Encontramos, então, a expressão:
Limpai as mãos, pecadores; e vós de espírito vacilante, puri­
ficai o coração (v. 8). Lavar as mãos era mais que um costume,
era um rito. Os sacerdotes deviam lavar-se e banhar-se antes de
iniciarem o ofício (Êx. 30:19-21; Lev. 16:4). As mãos, tocando
em coisas profanas, não poderiam tocar em objetos sagrados
sem a devida purificação. O judeu que fosse ortodoxo nunca
comeria sem antes lavar as mãos. Um dos pontos de atrito entre
Jesus e os fariseus foi exatamente porque os discípulos de Jesus
não lavavam as mãos para comer (Mar. 7:1-5).
Com o tempo, "lavar as mãos” tornou-se mais que um ato de
higiene. Passou a ser uma atitude espiritual, a de despojar-se do
imundo, mostrando um desejo de purificação.
Para nos chegarmos a Deus, precisamos de um espírito de
pureza, de um desejo de santificação, despojando-nos das
impurezas. A idéia é reforçada pela expressão: "purificai o
coração” , dirigida aos de "espírito vacilante” ou "hipócritas”
(BLH). "Coração” nos remete ao íntimo da pessoa. Se "mãos”
representa o exterior e nos dá a idéia de ação, "coração” é o
interior e nos dá a idéia das emoções e das efetividades da
pessoa. Para uma aproximação correta de Deus, é preciso uma
purificação tanto interna quanto externa, tanto de sentimentos
quanto de atitudes. O que agrada a Deus não é mera exteriori-
dade, mas a coerência entre o fazer e o ser.
O versículo 9 começa com três verbos: sentir, lamentar e
chorar. Mostram uma atitude de quebrantamento. Sentir pelo
seu estado espiritual; lamentar-se e chorar pelos seus pecados.
113
''Torne-se o vosso riso em pranto” nos mostra que uma correta
aproximação de Deus leva a uma atitude de chorar os pecados.
0 estado de espírito da pessoa muda. Quem se aproxima de Deus
com seriedade não o fará de modo fagueiro, com espírito
folgazão. "A vossa alegria em tristeza” mostra que há uma
mudança emocional no estado de espírito de quem se aproxima
de Deus em busca de santificação. A força do texto se acentua
quando descobrimos que "tristeza” é katéfeian, que nos dá a
idéia de "olhar para baixo, para o chão” , numa atitude de
vergonha. E o que temos em Lucas 18:13 com o publicano que
não ousava levantar os olhos para o céu. E impossível buscar­
mos uma aproximação mais profunda de Deus sem sentirmos
vergonha de nosso estado espiritual. Sua luz mostrará nossa
imundícia e nos levará à vergonha.
Chegamos ao versículo 10: "Humilhai-vos perante o Senhor,
e ele vos exaltará.” O exemplo mais claro e que faz a mais
excelente prova dessa passagem é o do nosso Salvador, como
Paulo nos mostra em Filipenses 2:5-11. Ele se esvaziou, humi­
lhou-se até à morte, e morte de cruz; por isso, "Deus o exaltou
soberanamente, e lhe deu o nome que é sobre todo nome; para
que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos
céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que
Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (v. 9-11). Foi
exaltado sobre tudo e todos, mas antes, esvaziou-se. Sim, "Deus
resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes” .
O próximo assunto é a falibilidade dos projetos humanos.
Entre ele e este ora tratado, há dois versículos parentéticos que
parecem desencaixados, sem conexão com o que se discute. São
os versículos 11 e 12. Foram mencionados no contexto do
capítulo Apresentação e Cumprimento. Mas, eles têm cabimento
aqui. Aos conselhos de como evitar o espírito de contendas que
colocam a igreja em pé de guerra, ajuntam-se os de evitar
maledicência (assunto tratado no capítulo A Verdadeira Reli­
gião). Um cristão que fala mal dos outros está julgando a
própria Palavra de Deus, que condena tal atitude.
Encerremos este capítulo lembrando o título do Broadman:
"Chamada à Consagração” . O texto tratado é uma chamada à
consagração. E três promessas são feitas aos que buscam a
consagração: 1-) o Diabo fugirá deles; 2-) Deus se chegará a
eles; 3-) Deus os exaltará. São preciosas promessas aos que se
submetem a Deus, humilhando-se diante dele.

114
16
O Que Ê a Vossa Vida?
Eia agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos a tal
cidade, lá passaremos um ano, negociaremos e ganharemos. No
entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida?
Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece.
Em lugar disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e
faremos isto ou aquilo. Mas agora vos jactais das nossas presun-
ções; toda jactância tal como esta é maligna. Aquele, pois, que
sabe fazer o bem e não ofaz, comete pecado. (4:13-17)
Na versão aqui utilizada, Versão Revisada da IBB, o texto de
Tiago 4:13-17 recebe como título a Falibilidade dos Projetos
Humanos, tendo sua ênfase colocada principalmente na inda­
gação do versículo 14: "Que é a vossa vida?” Outras versões,
como a Bíblia de Jerusalém, ajuntam este trecho com o capítulo
5, colocando o título Admoestação aos Ricos sobre o versículo
13. Quer dizer, encerrada a discussão sobre as paixões, o novo
tema seria uma exortação aos ricos, iniciando-se com 4:13 e
entrando pelo capítulo 5.
Entenda-se o esquema: 0 trecho agora discutido está voltado
contra os comerciantes, cuja maior preocupação é ganhar
dinheiro, e o capítulo 5 começa se voltando contra os ricos. Em
ambos os inícios encontramos a expressão "eia agora” (4:13 e
5:1), que surge como um desafio.
Não resta dúvidas que a idéia mais forte do texto que agora
analisamos é a imprevisibilidade da vida humana. Como esta é
surpreendente! Poderia, por exemplo, Moisés, no dia da saída
115
do Egito, após a longa disputa com o faraó, imaginar que ele
próprio não estaria na terra prometida? Poderia Bartimeu, em
mais um dia que saiu para esmolar, imaginar que naquele
mesmo dia o Senhor Jesus lhe restituiria a vista e sua vida seria
radicalmente modificada? Quantos de nós fomos também sur­
preendidos com o imprevisível!
Pretendem alguns que aqui Tiago não se dirige a cristãos,
mas sim a judeus. Que ele se dirige a cristãos, não há como
negar (veja-se comentário sobre Apresentação e Cumprimento).
No entanto, é possível que, ao dirigir-se aos cristãos, enfatize ele
a imprevisibilidade da vida e o desgosto de Deus com os ricos
opressores, encontrados mais entre os judeus. As idéias, então,
estariam aqui como condenação profética aos de fora da igreja e
como exortação pedagógica à própria igreja, ao condenar os de
fora. Mas, presumir que ele mudou de destinatários, de um
momento para outro, no meio da carta, sem anunciar, leva-nos a
um perigo: Quando, uma epístola, uma mensagem, é para nós,
e quando não é? 0 critério será este, aqui empregado por
alguns, segundo os quais não poderia haver opressores na
igreja? Parece mais uma tentativa de evitar um problema moral
(opressores no seio da igreja) do que um rigor exegético.
Tiago reclama de pessoas que fazem plano de locomoção para
uma cidade onde programam passar um determinado tempo e
ganhar dinheiro. Planejar a vida e ganhar dinheiro trabalhando
honestamente não é pecado. Pelo contrário, é uma medida
acertada. Planejamento e trabalho são virtudes a cultivar. A
questão fundamental é que Deus foi esquecido, como Tiago
menciona no versículo 15: "Devíeis dizer: Se o Senhor quiser...”
Os judeus, como raça, caracterizaram-se como grandes comer­
ciantes. Na Bíblia, nós os encontramos como agricultores e
pastores de rebanhos. Mas, desde a dispersão, conforme Josefo
nos testemunha, muitos deles se tornaram comerciantes e ban­
queiros. A habilidade comercial e a disposição para o trabalho
fizeram dos judeus comerciantes afortunados. Filo escreve sobre
judeus que em Alexandria eram negociantes e donos de navios.
Ganhar dinheiro era, então, uma grande oportunidade para os
de raça judia.
Na ocasião do escrito de Tiago o mundo crescia. Muitas
cidades estavam sendo fundadas. Numa povoação que começa a
surgir a habilidade comercial tem amplas oportunidades. E os
judeus eram bem acolhidos nas cidades onde chegavam e logo
recebiam a cidadania, pois com eles chegavam o comércio e o
116
dinheiro. Por isso o planejamento: "Iremos a tal cidade, lá
passaremos um ano, negociaremos e ganharemos.” 0 grande
problema era o banimento de Deus nas decisões humanas.
Um exemplo dessa itinerância dos judeus está com Áqüiia e
Priscila. Em Atos 18:2, Paulo encontra o casal que viera expulso
de Roma, onde exercia o ofício de fabricantes de tendas. Em
Romanos 16:3-5, o casal está de volta a Roma e inclusive em sua
casa se hospeda a igreja cristã.
"No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a
vossa vida?” Penetrantes palavras! 0 que é a vossa vida?
"Acabam-se os nossos anos como um suspiro... nossa vida...
passa rapidamente, e nós voamos” (Sal. 90:9,10). Estas são
declarações de Moisés sobre a fugacidade da vida humana.
Sendo a vida fugaz e incerta, planejá-la sem Deus é insensatez.
Em Lucas 12:13-21 temos a parábola do rico insensato. Os bens
materiais eram o deus daquele homem e se constituíam na sua
grande paixão. No discurso que ele pronunciou, não houve lugar
para Deus. Só para ele e para as suas coisas: meus frutos, meus
celeiros, meus cereais, meus bens, minha alma. O tu não estava
presente. Só o EU: Farei, farei, derribarei, edificarei, recolherei,
direi. Planejou para longo prazo: "Muitos bens para muitos
anos” . Naquela noite, sua alma foi pedida. "Que é a vossa
vida?”
"Vapor” ou "neblina” são os termos que comumente apa­
recem na resposta à pergunta de Tiago, sendo que o primeiro é
mais fiel ao texto grego. Conhecemos a figura. A dona-de-casa
destampa uma panela, sobe o vapor que dentro dela se formou e
logo se acaba. Que exortação! Muitos de nós vivemos como se
nunca fôssemos morrer! Nunca nos lembramos que aos olhos de
Deus somos como um vapor. Por isso, a recomendação do
versículo 15 é oportuna: "Em lugar disso, devíeis dizer: Se o
Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo.” Nunca
devemos deixar Deus fora de nossos planos.
"Se o Senhor quiser.” O comentário bíblico sobre Tiago,
escrito por William Barclay, na sua versão espanhola, traz uma
informação que não é encontrada no original britânico: "Os
árabes têm a expressão 'inshaallah’ (se Deus quiser), com que
entremeiam suas conversas; em espanhol, 'inshaallah’ é
'ojalá’.” 39 A informação, que deve ser creditada ao tradutor,
leva-nos a considerar que "inshaallah” veio a produzir "ojalá”
(a influência árabe na Espanha é muito forte, devido ao período
de dominação mourisca). Terá o "oxalá” português vindo do
117
árabe? Parece que sim. Pelo menos eis o que afirma o grande
mestre Napoleão Mendes Almeida no seu Dicionário de Questões
Vernáculas'. ''Observe-se o que diz Said Ali: Oxalá, acomoda-
mento do árabe en sha allah ('Se Deus quiser’, 'assim Deus
queira’) à pronúncia portuguesa, continua a usar-se como
expressão de desejo, embora se tenha apagado a consciência
islamítica dessa exclamação. É fácil notar que essa interjeição
se relaciona etimologicamente com Alá, tradução árabe de
Deus." De qualquer forma, a lição é clara: Aquilo que os
árabes, espanhóis e portugueses conseguem expressar (en sha
allah, ojalá e oxalá) era o que os comerciantes também deveriam
expressar!
0 que significa dizer ''Se o Senhor quiser” ? Isso é suficiente
para mostrar a dependência de Deus? ''Esta é uma advertência
saudável, mas ao mesmo tempo se converteu numa frase
rotineira que tem pouco significado para muitos dos que a usam.
Dizemos 'se o Senhor quiser’ mas com demasiada freqüência
isto não é reflexo da condição da nossa mente nem do nosso
espírito. A simples repetição das palavras não é suficiente neste
caso, como a repetição da frase 'em nome de Jesus’ não garante
o atendimento de nossa oração.” 41 ''Se o Senhor quiser” deve
ser mesmo um desejo sincero e uma disposição autêntica do
nosso coração, para que em nós se cumpra o querer de Deus.
Podemos dizer esta expressão?
''Mas agora vos jactais das vossas presunções” (v. 16). Ê
traduzido assim em A Bíblia na Linguagem de Hoje: ''Porém
vocês são orgulhosos e vivem se gabando.” É o orgulho humano
que nos leva a presumir que somos suficientes, que nos basta­
mos, e por isso podemos prescindir de Deus. Em Deuteronômio 8
há uma candente exortação de Moisés para que o povo não
esqueça os benefícios feitos pelo Senhor. 0 povo não deveria
dizer: "A minha força, e a fortaleza da minha mão me adqui­
riram estas riquezas” , mas sim se lembrar do Senhor, "porque
ele é o que te dá forças para adquirires riquezas...” (v. 17, 18).
Orgulhar-se do progresso pessoal sem reconhecer que vem de
Deus o poder e a capacidade para tal, é atitude maligna. Como
diz Tiago: "Toda jactância tal como esta é maligna.”
0 termo "maligna” aqui é ponerá, de ponerós. É o mesmo
termo encontrado no Pai Nosso: "mas livra-nos do mal” (Mat.
6:13). Ponerós tanto pode ser o mal como a sua personificação, o
Maligno. Alguns eruditos, como Goodspeed, Weymouth e
Montgomery, por exemplo, assim traduzem: "livra-nos do
118
Maligno” . A Bíblia de Jerusalém também opta por esta tradu­
ção. 0 ensino que recebemos é que o orgulho vem do Maligno.
E ele quem inspira os homens a se orgulharem da grandeza do
que adquiriram. Cuidado com a auto-suficiência!
De repente, parece que, quebrando a seqüência dos argu­
mentos, Tiago nos diz: "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e
não o faz, comete pecado.” Seria uma sentença solta, desligada
de toda a argumentação anterior, não fosse o "pois” . A frase
tem conexão com o que anteriormente foi exposto. Na realidade,
o versículo 17 faz a ponte entre a invectiva contra os comer­
ciantes (14:13-16) e a invectiva contra os ricos opressores (5:1-6).
As pessoas dotadas de mais posses têm melhores condições de
ajudar os necessitados. Os prósperos negociantes do texto que
ora tratamos não o faziam. Omitiam-se. Os ricos negociantes do
texto a seguir, não apenas deixavam de ajudar, mas oprimiam.
Omissão e repressão: a ordem é lógica. A omissão é apenas o
início da opressão, porque esta é a seqüência da insensibilidade
que se inicia com a omissão. É o desinteresse pelas pessoas, a
falta de amor e de compaixão cristã pelas criaturas necessitadas
que tornam o coração endurecido.
Aquele que faz da riqueza o objetivo fundamental da sua vida
não tem tempo para Deus. Isto Tiago já nos mostrou. Agora vai
além. Tampouco há tempo para o próximo quando a obsessão é
ter coisas.
A única preocupação do elemento passa a ser a preocupação
consigo mesmo. Por isso, com muita propriedade, o teólogo
Manson declara que o pecado é a abolição dos dez mandamentos
e a instauração do décimo primeiro: "Tu te amarás a ti mesmo
sobre todas as coisas.” 42 Nas duas tábuas da lei, podemos
verificar que há mandamentos referentes a Deus (os quatro
primeiros) e ao próximo (os outros seis). Manson defende que a
essência do pecado é o egoísmo, e ainda que teologicamente se
possa discordar deste conceito, há que se concordar que o
homem em pecado rejeita Deus e o próximo e se constitui a si
mesmo como o centro do seu universo. Entendemos por que a
omissão é pecado ao pensarmos nisto.
Como pecado, a omissão será punida por Deus. 0 grande
exemplo que nos vem da Bíblia está na parábola do rico e
Lázaro, encontrada em Lucas 16:19-31. 0 rico terminou no
inferno. Não apedrejou Lázaro. Não o escorraçou nem o defrau-
dou até levá-lo à mendicância. Nada disso! O rico "apenas”
ignorou Lázaro. 0 texto bíblico nos diz que Lázaro, coberto de
119
úlceras, foi deixado ao portão do rico. A Edição Revista e
Corrigida diz que Lázaro "jazia” . Interpreta-se, à luz do verbo,
que ele era coxo. Seu desejo era alimentar-se com as migalhas
que caíam da mesa do rico. Talvez nem isso conseguisse, mas
este era o seu desejo. Caíam migalhas da mesa do rico, "não
porque este não soubesse comer educadamente. Sabem por que
elas caíam? Porque, na Palestina, as pessoas ricas tinham o
costume de molhar o pão para que com ele lavassem as mãos
sujas de comida, já que, não tendo talheres, eles comiam com as
mãos, jogando pedaços de pão molhado debaixo da mesa...
Lázaro era um homem tão fraco que os cães vinham lamber-lhe
as feridas e ele nem sequer tinha forças para espantá-los. E é
interessante observar que ele via os ricos, mas estes não o
viam” .43 Sim, o rico só foi ver Lázaro lá no inferno.
É triste pensar na insensibilidade das igrejas que constroem
templos suntuosos, imponentes catedrais "para a glória de
Deus” (tijolos, pedras e vidros fazem mesmo a glória de Deus?),
esquecidas das pessoas que passam necessidades às suas portas
e, por vezes, dentro das suas portas. Que tipo de Deus é este que,
para ser glorificado em um bairro miserável, sem condições de
habitabilidade, sem água e esgoto para o povo, pede um edifício
majestoso, acima do nível das pessoas que ali moram, se Jesus
Cristo nos revelou um Deus cuja glória não está nas paredes,
mas nas pessoas? 0 que uma igreja em condições assim pode
comunicar aos seus vizinhos? Quanto de nossa vida eclesiástica,
centrada no templo, é amor a Deus, e quanto é escapismo dos
problemas de um mundo tão necessitado, não apenas no espí­
rito, mas também no corpo? Escondemo-nos e cantamos:
"Somos um pequeno povo mui feliz.” Não somos culpados, nós
mesmos, de grande parte do desinteresse e desprezo que o
mundo tem votado contra a igreja? Que interesse real o mundo
pode sentir da igreja para com ele?
"Pobre também tem alma!” , poderá dizer alguém que dis­
corde dos que se preocupam com as necessidades materiais do
povo. Não há dúvida que pobre tem alma. Não cairia na
infantilidade de negar esta declaração, mesmo porque é acacia-
na. Mas, o que a igreja precisa lembrar é que "rico também tem
alma” e nem sempre está ela dizendo isso aos poderosos. E mais
importante ainda: A igreja precisa lembrar que "pobre também
tem corpo” . Parece que isso é que tem sido esquecido. Que
pobre tem alma, as centenas de cultos ao ar livre, nas favelas,
dominicalmente, por este Brasil, estão a nos recordar. Mas, e o
bem que não fazemos? É pecado! Que não se aburguese a igreja
120
de Cristo e que não passe a viver em função de sua estrutura, de
seu programa, de seu prédio, esquecida das pessoas, que são
imagem e semelhança de Deus.
Pobre também tem corpo. Pobre também tem necessidades
materiais. Isso Tiago já nos mostrou. E a partir de agora, dirá
aos ricos que eles também têm alma, e que darão contas a Deus
de sua vida.
Quanto a nós, evitemos a omissão. "Aquele, pois, que sabe
fazer o bem e não faz, comete pecado.” Evitemos transformar a
nossa fé em ideologia de gueto e em escapismo histórico.

121
17
Advertência aos Ricos
Eia agora, vós ricos, chorai e pranteai, por causa das des­
graças que vos sobrevirão. As vossas riquezas estão apodrecidas,
e as vossas vestes estão roídas pela traça. O vosso ouro e a vossa
prata estão enferrujados; e a sua ferrugem dará testemunho
contra vós, e devorará as vossas carnes como fogo. Entesou-
rastes para os últimos dias. Eis que o salário que fraudulenta­
mente retivestes aos trabalhadores que ceifaram os vossos
campos clama, e os clamores dos ceifeiros têm chegado aos
ouvidos do Senhor dos exércitos. Deliciosamente vivestes sobre a
terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações no dia de
matança. Condenastes e matastes o justo; ele não vos resiste.
(5:1-6)
0 texto que ora analisamos é uma candente advertência
contra as riquezas adquiridas de forma desonesta, à custa do
sofrimento dos outros, bem como contra a riqueza acumulada,
sem qualquer função social. Não é propriamente uma condena­
ção à riqueza em si. A posse ou carência de bens tem sido tratada
de maneira tão emotiva que a alguns parece que riqueza é
pecado. Repitamos o anteriormente dito: A riqueza em si não é
demoníaca e tampouco a pobreza é uma virtude teologal. Os
bens materiais são amorais. A moralidade ou imoralidade de
qualquer bem é um valor humano. Não vem da coisa em si, mas
de nossa relação com ela. A Bíblia não nos diz que "o dinheiro é
a raiz de todos os males” , mas sim que "o amor ao dinheiro é a
raiz de todos os males” (I Tim. 6:10). Tiago discute agora a
relação homem-bens. Como estes foram adquiridos e às custas
de quê.
123
Na mensagem entregue por Tiago aos ricos não há lugar para
arrependimento. Seu texto se parece com algumas das recrimi-
nações proféticas do Velho Testamento quanto ao rigor na
denúncia e no juízo. A estrutura de sua mensagem é facilmente
perceptível. Do versículo 1 até o 3, trata ele do julgamento,
declarando-o. Do versículo 4 ao 6, mostra o porquê do julga­
mento. Mais uma vez notamos o estilo oriental de raciocínio:
primeiro ele fala do julgamento e depois da situação que
produziu o julgamento. Em nosso raciocínio, primeiro mostra­
ríamos como a situação está e, depois, o julgamento como
conseqüência. Não é assim que estão montadas as apresentações
do plano de sa'vação que fazemos? Primeiro, mostrar ao peca­
dor que ele é pecador e, depois, mostrar que ele está condenado
pelos seus pecados?44 0 esquema de Tiago é mostrar que os
ricos estão condenados e, depois, então, mostrar que são
pecadores.
A divisão das pessoas em duas classes, pobres e ricos, é uma
forma de argumentação própria do primeiro século cristão. Nos
salmos, a divisão é entre justo e ímpio (veja-se principalmente o
Salmo 1). Hoje, fazemos a separação entre bons e maus ou
salvos e perdidos. A divisão pobres e ricos, portanto, tem um
alcance além do meramente econômico e se estende por posturas
diante de Deus. Uma é a postura do justo, e outra, a do ímpio.
Uma é a postura do bom, e outra, a do mau. Uma é a postura do
pobre, e outra, a do rico. Não caiamos no simplismo de reduzir
ao nível econômico o alcance dos dois termos, pobres e ricos.
Sua dimensão é mais ampla, alcançando o sentido de alguém
com Deus e alguém sem Deus.
0 texto é incisivo e pode parecer muito duro, mas talvez nossa
surpresa diante de sua objetividade se deva ao fato de termos nos
acostumado a ser o mel e não o sal da terra. 0 sal arde, mas é
assim que preserva. A Palavra de Deus arde, mas é ela que
mantém seu reino. Por isso, sem tentar amenizar a linguagem de
Tiago, dando-lhe um sentido que ele não quis dar, aceitemo-la e
submetamo-nos a ela. Não pensemos que a Bíblia só contém
promessas espiritualísticas. Ela trata da vida real e tem palavras
duras. "Muito há na Bíblia contrário à opressão social e política,
e até mesmo o pregador do evangelho não pode deixar tais
questões inteiramente de lado. Foi um opróbrio que, entre as
igrejas cristãs primitivas, tão poucos cristãos se opusessem a tão
grande mal como a escravatura. E foi um opróbrio entre as
igrejas evangélicas, ao tempo da Alemanha hitlerista, que tão
124
poucos entre eles se opusessem à maldade que Hitler apre-
sentava.
. 9»45
"Eia agora” , começa Tiago. A expressão foi usada em 4:13,
no mesmo contexto de condenação do amor às riquezas. Designa
a solenidade do que vai ser dito. É como se Tiago dissesse:
"Prestem bastante atenção; o que vou dizer agora é terrivel­
mente sério.”
0 que é tão sério assim? Virão desgraças sobre os ricos. Eles se
sentem tão tranqüilos! Estão tão confiantes no seu poder!
Festejam e riem. Que chorem e se lamentem pelo juízo que sobre
eles virá.
Eis o juízo descrito no versículo 2: "As vossas riquezas estão
apodrecidas, e as vossas vestes estão roídas pela traça.” A
alegria que os ricos manifestam é pelas riquezas que possuem.
Pois bem, elas se esvairão. Estruturar a vida sobre coisas é um
grave perigo. Era o que os ricos vinham fazendo. Perderiam os
bens. Como encontrariam, então, o sentido da vida? "As vossas
riquezas estão apodrecidas.” As riquezas daquela época consis­
tiam, em grande parte, de roupas, alimentos e dinheiro vivo.
A riqueza do insensato da parábola narrada por Jesus em Lucas
12:13-21 consistia de comida. Derrubou os celeiros e mandou
construir outros maiores para guardar os grãos. Ficou com
recursos para muitos anos, como ele mesmo declarou. José deu a
seus irmãos roupas festivas, sendo que a Benjamim deu ainda
trezentas moedas de prata (Gên. 45:22). Sansão prometeu aos
adivinhadores do seu enigma que lhes daria trinta mudas de
roupa (Juí. 14:12). Paulo disse que de ninguém cobiçou prata,
ouro ou vestes (At. 20:33). Boa parte das riquezas, portanto, era
perecível. Guardavam-se roupas. De repente, as traças as con­
sumiam ou o fogo as devorava. Que lição! As riquezas humanas
são perecíveis! Lutamos e nos esforçamos para ajuntar bens que
podem ser consumidos de um momento para outro. A sociedade
contemporânea tem feito das riquezas o seu deus. Não devemos
admirar-nos da existência fútil que tantas pessoas levam. Afinal
de contas, as coisas não têm poder para preencher o vazio
existencial e espiritual do ser humano.
O que significa a linguagem do versículo 3? "O vosso ouro e a
vossa prata estão enferrujados.” Todos sabemos, como Tiago
também devia saber, que o ouro e a prata não são contaminados
pela ferrugem. O sentido não é literal, pois se vê que a ferrugem
há de devorar até mesmo as carnes dos ricos. O escritor bíblico
125
quer enfatizar a perecibilidade dos bens materiais. Foram
colocados, pelos seus possuidores, como o absoluto das vidas, e
são perecíveis. A ferrugem, aqui, é um símbolo da corrosão. A
enfermidade que grassa nos cafezais, tornando-se o terror dos
cafeicultores, chama-se "ferrugem” . Aniquila o arbusto, impe­
dindo-o de frutificar. 0 juízo de Deus sobre os ricos, adverte
Tiago, será acabar com suas riquezas, deixando-os sem nada.
Para quem estruturou a vida sobre os bens materiais, perdê-los é
um grande castigo. Os tesouros foram acumulados "para os
últimos dias” . Esta expressão, para os judeus, aludia aos dias do
Messias. Tiago é um cristão não obstante sua origem judaica.
Para aqueles cristãos, a expressão significa "o juízo final” que
eles presumiam vir a suceder em seus anos. Aliás, todas as
gerações de cristãos têm acalentado o desejo de ser a última
geração sobre a terra. A declaração do nosso autor bíblico é que
as riquezas foram acumuladas como testemunhas contra os
ricos, no juízo final.
A figura utilizada no versículo 4 é a mesma de Cênesis 4:10.
Lá, o sangue de Abel, derramado sobre a terra, clamava a Deus
por vingança. O clamor por vingança faz parte da literatura
judaica e é muito encontrado nos salmos imprecatórios (veja-se o
final do Salmo 137, por exemplo). É a expressão do desejo de
que a verdade seja estabelecida. Em Tiago 5:4, quem está
clamando é o salário dos trabalhadores que foi retido de forma
fraudulenta. O Novo Testamento da Comunidade de Taizé
traduziu por "está a bradar bem alto” . E um clamor que
inquieta a Deus. Ele vai julgar os ricos porque estes fraudaram
os salários dos trabalhadores. O versículo é iniciado pela expres­
são: "Eis que” , designativa de solenidade e de certeza, de algo
imediato. É um juízo certo e rigoroso que o Senhor há de
efetuar. Está declarado e não há como evitá-lo.
Há muitos agravantes ainda, no texto. "Aos trabalhadores” é
ergatôn, e é utilizado para designar os trabalhadores que
arrancam seu sustento do seu trabalho. Eles dependem do
produto do seu suor para viver. E "campos” é choras, enten-
dendo-se por "terras” . Eram grandes campos. O problema da
exploração do "bóia-fria” pelo latifundiário não é recente. Vem
desde tempos imemoriais. Os poderosos fazendeiros retinham o
salário dos camponeses, salário que lhes era necessário para
viver.
Ora, as leis trazidas por Moisés tinham profunda conotação
social. Assim é que lemos em Levítico 19:13: "Não oprimirás o
126
teu próximo, nem o roubarás; a paga do jornaleiro não ficará
contigo até pela manhã.” "Jornaleiro” era o trabalhador que
recebia seu pagamento ao fim do dia. 0 salário dos homens do
campo deveria ser pago diariamente, não podendo ser retido
para o dia seguinte. Os ricos contemporâneos de Tiago retinham
o pagamento. Isto era mesmo que levar os pobres à morte por
inanição. 0 Senhor dos exércitos ouvia o clamor dos injusti­
çados. Esta é a única vez em que Tiago chama a Deus de
" Senhor dos exércitos" (Iavé Sebaoth, no hebraico). Este era o
nome de Deus relacionado com os poderes celestiais sobre os
quais ele domina. 0 Senhor tão poderoso que controla as hostes
celestiais não será detido por donos de fazenda. Ele é o dono do
universo.
0 versículo 5 nos mostra a insensibilidade dos ricos diante do
sofrimento dos pobres. A ERAB assim o verteu: "Tendes vivido
regaladamente sobre a terra. Tendes vivido nos prazeres. Ten­
des engordado os vossos corações, em dia de matança.” São três
"tendes” ressaltando a busca de prazeres pelos poderosos da
terra, enquanto outros sofrem fome. A insensibilidade para com
o sofrimento é um grave pecado aos olhos de Deus.
Sempre me pareceu que a causa do juízo divino sobre Israel e
Judá, no Velho Testamento, foi a irreligiosidade, a idolatria e a
falta de um procedimento eclesiástico correto. Talvez pela ótica
bíblica em que fui criado ou talvez pela falta de um exame mais
acurado. Mas, certa ocasião, ao estudar mais uma vez o livro de
Isaías, surpreendi-me ao constatar que as mais enfáticas recla­
mações de Deus contra seu povo não foram motivadas por
pecados que podemos chamar de "religiosos” , como liturgia
errada, idolatria, falta de fervor ou falta de contrição. As
maiores reclamações divinas foram ocasionadas por pecados que
podemos chamar de "sociais” , como opressão aos pobres,
injustiça para com os órfãos e viúvas, exploração econômica,
corrupção, etc. Entre muitos outros textos que poderiam ser
citados, fiquemos com Isaías 1:17, 23; 3:15; 5:23; 10:1, 2. Há,
sim, pecados "religiosos” , mas o volume de maldições pelos
pecados "sociais” é impressionante. E isso intriga! A Bíblia
manifesta uma ardente paixão social!
Como nós, os cristãos, conseguimos transformar o cristia­
nismo num elemento justificador do status quo injusto? Como
conseguimos criar a "ética do bom funcionário” que funciona
como mordaça social, legitimando assim o social presente? A
resposta, embora triste, parece-me esta: A igreja se guetizou.
127
Transformou-se num grupo alheio à vida real e concreta,
espiritualizando todos os anseios dos homens. Transformou o
evangelho em padrão de comportamento, detendo-se numa
microética, uma ética pessoal.
Essa atitude desfigurou o evangelho, que por ser uma chama­
da à conversão é exatamente um desafio para efetuarmos
mudanças. Mas, na realidade, não nos importamos muito com
mudanças. Desde que não nos molestem e não nos tirem nossos
privilégios, tudo está bem. Oramos agradecendo a Deus a
liberdade religiosa que desfrutamos, e pouco nos incomodamos
ao saber que 60% da população brasileira vivem em estado de
fome e de miséria absoluta,46 sem liberdade para viver com
dignidade.
''Deliciosamente vivestes... vos deleitastes... cevastes os vos­
sos corações no dia da matança...” Eis três verbos de vida
egoísta (v. 5). A eles se juntam mais dois inícios no versículo 6:
''Condenastes” e "matastes” mostram atitudes seqüentes. Po­
dem designar uma ação penal dos ricos contra os pobres,
movendo-lhes processos para tomarem o que lhes restava (o ato
de condenar) e depois, retirando-lhes o que tinham, matando-
os. Facilita esta idéia a compreensão de que na literatura pseu-
depígrafe, reter o salário do pobre é assassiná-lo. Negar a
alguém os meios decentes para sua sobrevivência é condená-lo
à morte. Nós, que sempre estamos a dizer que o empregado
crente deve ser o melhor, não fraudar o patrão e ser honesto em
tudo, precisamos dizer aos patrões crentes que devem ser os
melhores patrões, e por que não pagar os melhores salários?
Recordo-me com tristeza de um empregado de um empresário
rico que me disse, certa ocasião: "Como fulano é crente? Ele nos
oprime o mais que pode aqui na firma!”
"Condenastes e matastes o justo.” Alguns querem ver aqui
uma referência a Jesus, associando a passagem a Atos 3:14, que
diz: "Mas vós negastes o Santo e o Justo...” Não faz muito
sentido pensar que Tiago culpasse os seus contemporâneos pela
morte de Jesus e muito menor sentido faz presumir uma quebra
tão grande da linha de pensamento, tanto no texto presente,
como em toda a carta. Por que Tiago colocaria aqui a conde­
nação de Jesus pelo sinédrio se em toda a carta não há de sua
parte a menor preocupação com aspectos como a vida, minis­
tério e morte de Jesus? "Justo” parece se referir muito mais ao
pobre que era levado pelos ricos aos tribunais (2:6).
"Ele não vos resiste.” Os pobres não conseguiam oferecer
resistência ao poderio econômico dos ricos. Conforme 2:6, eram
128
oprimidos e arrastados aos tribunais. A opressão do poder,
econômico é uma das piores formas de aviltamento do ser
humano. 0 valor do homem não é mais intrínseco e sim
determinado pela quantidade de dinheiro que ele possui. A
igreja de Cristo não pode compactuar com tal mentalidade. Não
é o dinheiro que torna alguém uma pessoa de valor aos olhos de
Deus, e a dignidade do homem não pode ser condicionada a
quanto ele tem nos bancos. Tampouco deve a igreja presumir
que o grande bem deste mundo é a riqueza. Numa época em que
somos tendentes a julgar o potencial de uma igreja pela magni­
tude de seu templo e por sua receita financeira, lembremos as
palavras de Tiago: "As vossas riquezas estão apodrecidas...”
Firmemo-nos nas palavras de Jesus: "Aconselho-te que de mim
compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças” (Apoc.
3:18). Busque a igreja a riqueza que vem do Senhor Jesus, e não
julgue as pessoas pelas riquezas deste mundo.

129
18
Exortação à Perseverança
Portanto, irmãos, sede paciente até a vinda do Senhor. Eis
que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o
com paciência, até que receba as primeiras e as últimas chuvas.
Sede vós também pacientes: fortalecei os vossos corações,
porque a vinda do Senhor está próxima. Não vos queixeis,
irmãos, uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o
juiz está à porta. Irmãos, tomai como exemplo de sofrimento e
de paciência os profetas que falaram em nome do Senhor. Eis
que chamamos bem-aventurados os que suportaram aflições.
Ouvistes da paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu,
porque o Senhor é cheio de misericórdia e compaixão. Mas,
sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela
terra, nem façais qualquer outro juramento; seja, porém, o
vosso sim, sim, e o vosso não, não, para não cairdes em
condenação. (5:7-12)
Agora o tom de Tiago é mais paternal, falando ele como
pastor que exorta e não mais como profeta que traz sentenças de
condenação. A seção que se iniciou em 4:13 tinha destinatários
genéricos: ''vós que dizeis” . A que se iniciou em 5:1 tinha
destinatários específicos: "vós ricos” . A que se inicia agora
também tem destinatários específicos, mas numa linguagem
mais coloquial: ''irmãos” . E novamente o pastor falando.
De que está falando exatamente o pastor? 0 Novo Testamento
da Comunidade da Taizé intitulou este trecho de Perseverança
no Sofrimento. A ERAB traz como título A Necessidade, Bên­
çãos e Exemplos da Paciência. A Bíblia de Jerusalém intitulou-o
131
de A Vinda do Senhor. E a Bíblia da Vozes intitulou-o Esperar a
Vinda do Senhor. A forma como estas versões encaram o texto
permite que formemos um quadro do que será discutido: paci­
ência, perseverança, sofrimento e vinda do Senhor. Paci"
ciência” e "perseverança” , neste contexto, têm o mesmo signi­
ficado. A rigor, temos aqui três assuntos que se amalgamam em
um só. Sofrimento, perseverança e a segunda vinda do Senhor.
Os três se encaixam e nos fazem lembrar o ensino do Senhor
Jesus sobre seu retorno. Ele será precedido por intenso sofri­
mento dos crentes que deverão perseverar enquanto aguardam o
Senhor. À semelhança do Mestre, Tiago não presume que os
dias finais serão róseos. A vinda do Senhor será antecedida de
sofrimento de cristãos.
Incluímos o versículo 12 neste comentário porque o "mas”
ressalta a sua ligação com o que anteriormente foi discutido.
Trata-se ainda do falar do cristão, só que agora em circuns­
tâncias de opressão. A adversativa corrobora o padrão que ele
espera do crente.
Se antes falou aos ricos e aos poderosos, agora Tiago faz
questão de designar seu auditório de "irmãos” (v. 7). Assim ele
começou a carta (1:2), assim começou o capítulo 2 e também o
capítulo 3. Cada vez que assim procedeu, estava iniciando a
discussão de um novo assunto. 0 termo reaparece em 4.11, mas
não introduz um novo assunto, e sim um trecho parentético
(4:11,12).
Novo assunto surge, então, para os irmãos. A epístola vai
chegando ao fim e ele se preocupa em firmar bem os crentes.
"Sede pacientes” , diz ele. 0 termo grego é makrothymésate,
e é um termo especificamente bíblico, não encontrado no grego
clássico. É uma palavra que desina uma virtude que não era
particularmente apreciada pelos gregos: a paciência, a longa-
nimidade. Makrós, "grande, longo” , e thymía, "disposição” , se
uniram para formar a palavra makrothymía , "grande disposi­
ção” , de onde deriva o verbo usado por Tiago. Expressa uma
disposição inabalável, um espírito constante que nunca se abate.
0 exemplo que nos é dado é o do lavrador. Ele aguarda o fruto
de seu trabalho com makrothymía. Seu trabalho é agora da
paciência e fé. Já fez o que dele se esperava ao plantar a
semente. Resta-lhe aguardar. Não pode apressar o crescimento
nem precipitar a colheita. Agora não depende dele. Eis uma
lição que não podemos desprezar. 0 progresso do reino de Deus
(várias vezes comparado com o ato de semeadura ou com
sementes, por Jesus) não depende de nós, no sentido de que não
132
podemos apressar Deus. Por vezes, nosso zelo e interesse pela
obra de Deus produzem situações curiosas. Recordo-me de um
congresso missionário subordinado ao tema Apressando o Reino
de Deus. Por mais que tenhamos ardor missionário, guardemo-
nos de pensar que podemos ditar as horas de Deus. Nossa tarefa
é a semeadura, mas aquele dia e hora pertencem ao Pai e a
ninguém mais.
"0 lavrador espera o precioso fruto da terra.” Esta lição deve
levar o crente em Jesus Cristo a trabalhar com seriedade. Os
frutos virão. Isto é certo. Evitemos o desânimo e a tentação de
querer produzir resultados. Esta prerrogativa é de Deus e de
mais ninguém. Não queiramos assumi-la.
"Antes que receba as primeiras e as últimas chuvas.” As
primeiras chuvas serviam para dar umidade à terra estorricada
pelo período de estiagem, favorecendo assim o plantio. Há algo
parecido com esta figura na bela Brasília. É o fenômeno que se
chama "chuva do caju” . A região do Distrito Federal passa por
um período de estiagem a partir dos meados de abril. Os meses
de maio, junho e julho transcorrem sob absoluta ausência de
chuvas e com a umidade do ar baixando a menos de 20 por
cento. Os belos gramados da cidade fenecem e as árvores se
desfolham. A vida vegetal se retrai. Pouco antes do início da
primavera cai uma chuva torrencial que o candango (termo aqui
usado carinhosamente) denomina de "chuva do caju” . Segundo
os lavradores, é ela que vai proporcionar o florescimento dos
cajueiros. Dizem eles que se ela não vier, não haverá caju.
As últimas chuvas” , já no fim da estação chuvosa na
Palestina, servem para o amadurecimento do que foi plantado.
0 lavrador sabe que há um processo, com etapas definidas.
Tendo plantado, resta-lhe aguardar com confiança e com sere­
nidade. Com makrothymía.
"Sede vós também pacientes,” Tiago retorna ao versículo 8.
Antes, deveríam ser pacientes "até a vinda do Senhor” . Aqui,
"a vinda do Senhor está próxima” . "Vinda” é parousía, um
dos termos teológicos mais preciosos no Novo Testamento. Um
dos seus significados, talvez o primeiro, era o da visita de um
monarca a uma cidade sob seus domínios. Mais tarde passou a
designar a chegada ou a visita de alguém. Paulo, Pedro e João
utilizam o termo para apresentar a aparição do Senhor ressus­
citado que virá em glória. O motivo da perseverança do cristão é
que o Senhor Jesus virá em glória e com poder.
133
"A vinda do Senhor está próxima.” Logo no versículo
seguinte diz /Tiago que "o juiz está à porta” . E preciso
reconhecer co4i honestidade e sem fazer malabarismos mentais
que os escritores do Novo Testamento esperavam a vinda de
Cristo coma algo próximo. A parousía, para eles, era iminente.
0 fato de/não se ter concretizado naqueles dias não deve
levar-nos k descrer da Escritura, tampouco presumir que o
Senhor njio vem mais. Ele vem. A Bíblia diz que ele vem. Alguns
presumem que "o juiz está à porta” é uma referência não a
Cristo, mas sim à destruição de Jerusalém, que sucedeu no ano
70 AD/fe traria o juízo divino. É bom recordar que Tiago escreve
para a igreja dispersa pelo mundo e não para cristãos residentes
em Jerusalém. Não creio que seja necessário "ajudarmos” a
Bíblia. Parece-me que a questão fundamental da vinda de Jesus
Cristo, mais do que o tempo, é a sua presença física no mundo
mais uma vez, agora para encerrar a história. Nele, Deus se fez
homem e entrou no tempo e no espaço. O tempo terá seu fim
quando ele regressar. Nossa história terá o capítulo final.
Devemos acautelar-nos contra a precipitação de marcarmos
datas para a volta de Cristo. Um infeliz artigo, intitulado "O
Alinhamento dos Planetas” , publicado na revista Palavra da
Vida,47 produziu uma longa série de artigos e livros pouco sérios
sobre o tempo do fim. O desejo de estabelecer uma data desse
evento vem de tempos remotos. Inácio, Policarpo, Irineu e
Justino presumiam que seus dias fossem os últimos da humani­
dade. Não foram, como sabemos. Com base nas Escrituras,
Hipólito marcou a volta de Cristo para o ano 500, isto no terceiro
século. Nova data foi marcada, após a frustração, o ano 1000.
O anabatista Hoffmann marcou a ocasião para 1533. William
Miller declarou que seria ém 1843. Corrigiram-na para 20/10/
1844 e tudo o que surgiu foi o adventismo do sétimo dia. Os
testemunhas de Jeová, com maior obsessão, estabeleceram 1914,
corrigiram a data para 1975, e agora sua revista Despertai!
assim declara na página 2: "Importantíssimo é que a revista
gera confiança/na promessa do Criador sobre uma nova ordem
pacífica e segura antes que a geração que viu os acontecimentos
de 1914 EC desapareça.” 48 Para quem entende a fraseologia
jeovista, a declaração é esta: Antes que a geração que viu o ano
de 1914 desapareça, teremos o fim de tudo. Na data deste
escrito, quem nasceu em 1914 tem 73 anos. Quantas dessas
pessoas haverá dentro de 40 anos? E se Cristo não vier até esse
prazo?
Lembremo-nos de Mateus 24:36: "Daquele dia e hora, porém,
134
ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o
Pai.” Sendo estas palavras do próprio Salvador, cumpre-nos
observá-las e recordar outras: "Bem-aventurado aquele servo a
quem o senhor, quando vier, achar assim fazendo” (Mat.
24:46). De nós não se espera adivinhação e sim fidelidade.
Tiago recomenda aos leitores: "Fortalecei os vossos cora­
ções.” A convicção de que Cristo vai voltar deve fortalecer nossa
fé. Steríxate é a palavra grega para "fortalecei” , que significa
"apoiar algo para estabilizá-lo” . Apoiemos e estabilizemos
nossa fé na certeza de que o Cristo entronizado há de voltar e
colocar o ponto final na história.
No versículo 9 reaparece o termo "irmãos” . 0 tom coloquial e
paterno continua. Uma exortação para que não se queixem uns
dos outros. Por que Tiago mudou de assunto? Não estava
tratando das perseguições e da vinda de Cristo? Agora o assunto
é a murmuração. Um dos seus temas anteriores foi exatamente
a opressão contra os crentes. Fica uma oportuna lição. A
amargura dos oprimidos não deve voltar-se contra eles mesmos.
As dificuldades da vida e a pressão contra os filhos de Deus
podem criar uma necessidade de se reclamar, como que num
desabafo. Estando o verdadeiro objeto da reclamação distante
ou inacessível, o espírito de reclamação pode ser canalizado
para os de casa, gerando assim a intranqüilidade.
Lembremos que as murmurações de Israel quando de sua
peregrinação no deserto foram todas punidas. Deus pune o
espírito de murmuração. Por isso diz Tiago: "Para que não
sejais julgados.” Não nos coloquemos sob juízo por praticarmos
a murmuração.
Um modelo de makrothymía foi mostrado no versículo 7, o
lavrador. Um segundo modelo é agora apresentado: "os pro­
fetas que falaram em nome do Senhor” . Além da perseverança,
foram também um exemplo no sofrimento. Jeremias padeceu
pela fidelidade a Deus. Foi contraditado por Hananias, preso,
ameaçado de morte. Amós também foi acusado pelo líder
religioso de Betei, Amazias. Elias foi ameaçado pela rainha
Jezabel. Enfrentaram adversidades, mas se mantiveram firmes e
venceram. São colocados como exemplo para nós. Temos enca­
rado o cristianismo como uma festa ou como uma religião de fim
de semana. Nosso engajamento é superficial e nem sempre
sentimos a oposição do mundo. Ficamos felizes quando o mundo
nos elogia. "Gosto muito desta igreja” , dizia um incrédulo.
"Sinto-me bem, ninguém me molesta aqui.” Alguém declarou
135
que "o bom sermão é aquele que consola os aflitos e incomoda
os acomodados” . Se a igreja não incomoda o mundo, há algo
errado com ela. Os profetas incomodaram! Jesus incomodou!
A oposição e até mesmo o sofrimento fazem parte do inventário
cristão. "Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu;
mas, porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo,
por isso é que o mundo vos odeia” (João 15:19). Isto não quer
dizer que os cristãos devem ser beligerantes, sempre reclamosos
e criadores de casos. Quer sim dizer que devem ser fiéis em
qualquer circunstância. A fidelidade produzirá a inimizade do
mundo. E não podemos recuar diante das dificuldades. Ê nessas
ocasiões que a verdadeira fé se manifesta.
0 versículo 11 parece supor que a bem-aventurança pronun­
ciada por Jesus (Mat. 5:11,12) sobre os que sofrem perseguições
por causa dele já era bem conhecida. "Eis que chamamos bem-
aventurados os que suportaram aflições” , nos diz ele. "Bem-
aventurados” é makárioi, o mesmo termo que Jesus empregou
nas Bem-Aventuranças de Mateus 5. Mais uma vez, com tão
clara associação, Tiago identifica seus pensamentos com o
Sermão do Monte.
Surge o terceiro modelo de makrothymía : Jó. Os leitores são
exortados a se recordarem do seu exemplo. E foi muita
sabedoria de Tiago colocar Jó junto com os profetas. Podemos
tomar os profetas como homens de ação e presumir que Jó foi
um homem resignado. Makrothymía não é resignação, tam­
pouco estoicismo. Muitos sofrem calados, recalcando sua dor,
temendo que qualquer manifestação de sentimento seja vista
como falta de fé. Confundem confiança com sofrimento estóico.
Não foi assim a conduta de Jó. Ele chorou, reclamou, discutiu
com os amigos e apregoou sua dor. Não foi passivo. Mas, no
meio da dor que o esmagava, apegou-se a Deus. Questionado pela
esposa, que o aconselhava a blasfemar e suicidar-se, repreen­
deu-a, chamando-a de louca, como lemos em Jó 2:9,10. O texto
termina com estas palavras: "Em tudo isso não pecou Jó com
seus lábios” .
Tiago não ressalta apenas o sofrimento do patriarca. "Vistes
o fim que o Senhor lhe deu” é uma alusão ao estado final de Jó.
Em Jó 42:12 lemos: "E assim abençoou o Senhor o último estado
de Jó, mais do que o primeiro.” Deus recompensa aquele que
permanece fiel nas tribulações. Vale a pena perseverar. Não
ficamos abandonados e somos recompensados. A causa disso é
porque "o Senhor é cheio de misericórdia e compaixão” . A frase
136
é um eco do Salmo 103:8. É por causa dele mesmo, do seu
caráter, que ele nos socorre.
O tópico é encerrado com o versículo 12. Assim como o cristão
deve ter um falar seguro, onde não haja lugar para murmura-
ções, não deve ele empenhar desnecessariamente a palavra. O
juramento é proibido. Por que essa preocupação de Jesus e de
Tiago com os juramentos? Era comum, naquela época, uma
pessoa tomar as coisas santas como avalistas de suas palavras,
jurando por elas. Por fim, não importa que mentira alguém
dissesse, se estivesse jurando por algo ou alguém, sua palavra
deveria ser acolhida. Um cristão não murmura, Tiago deixou
claro antes. Agora, ressalta outro aspecto. Um cristão não
mente. Fala a verdade, e por isso não precisa tomar avalistas
para o que diz. O que melhor avaliza seu falar é o reconheci­
mento público de sua lisura com as palavras. É nítida a
semelhança do pensamento de Tiago com Mateus 5:34-37. A
ética de Tiago mostra muita semelhança com a do Sermão do
Monte. Tanto Tiago como seu meio-irmão, nosso Salvador,
esperam que nossa conversa seja o melhor fiador de nossas
palavras.
Em qualquer circunstância, a dignidade do cristão deve
permanecer. Sob perseguição, ele é perseverante. Em aflição,
ele não murmura. Em qualquer momento, sua palavra é sadia.

137
19
A Oração lia Vida da Igreja
E$tá alguém aflito entre vós? Ore. Está alguém contente?
Cante louvores. Está doente algum de vós? Chame os anciãos
da igreja, e estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome
do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, para
serdes curados. A súplica de um justo pode muito na sua
atuação. Elias era um homem sujeito às mesmas paixões que
nós, e orou com fervor para que não chovesse, e por três anos e
seis meses não choveu sobre a terra. E orou outra vez e o céu deu
chuva, e a terra produziu o seu fruto. (5:13-18)
Estamos chegando ao fim das argumentações de Tiago. Um
livro, como já vimos, que não se preocupa com complexas
questões teológicas nem com as grandes doutrinas do cristia­
nismo. Mas um livro de grande utilidade, porque busca traçar
uma conduta adequada para os filhos de Deus. Vimos, inclusive,
que alguns estudiosos o denominam de "Provérbios do Novo
Testamento” . São preceitos para a vida aqui.
Um dos primeiros assuntos da Epístola de Tiago é oração
(1:5). 0 último assunto também é oração. Da forma como se
inicia, assim a epístola conclui. As informações daquela época
que nos chegaram falam de Tiago como um homem dedicado à
oração. Testemunhas de sua vida disseram que seus joelhos se
calejaram pelos longos períodos dobrados em oração. Não é de
se estranhar, portanto, que os limites do seu livro sejam a
oração. 0 autor do livro foi um homem que orava.
139
0 trecho em foco se inicia com três perguntas: Há alguém
sofrendo? Há alguém alegre? Há alguém doente? Essas per­
guntas abrangem três tipos de pessoas: o sofredor, o feliz e o
enfermo. A resposta a cada pergunta é a mesma. 0 que sofre
deve orar. 0 contente deve orar. 0 enfermo deve chamar alguém
para orar por ele. Assim vemos as três ocasiões para oração: na
tristeza, na alegria e na enfermidade. Evidentemente, não se
exclui como momento de oração as ocasiões de normalidade,
mas estas circunstâncias específicas são os extremos da vida
(a alegria e o sofrimento, a alegria e a perda da saúde).
''Aflito?... Ore” . Como reagimos no sofrimento? Com mur-
muração? Com desespero? Com inquietação, presumindo que
Deus nos abandonou? A recomendação bíblica é orar, para levar
a aflição a Deus. Os momentos de angústia devem nos impul­
sionar para junto do Senhor e não nos afastar dele.
''Contente? Cante louvores” . Não pensemos que se trata de
fazer um solo vocal, mas sim de expressar o nosso agradeci­
mento ao Senhor através de cânticos, a gratidão cantada. Os
momentos de alegria são ocasiões para orarmos e louvarmos ao
Senhor. Há aqueles que só se recordam de Deus nas aflições.
Não devemos estranhar se o Senhor lhes permitir grandes
tribulações. E a única maneira de ser lembrado por eles!
Aprendamos a louvar e a orar quando tudo nos vai bem.
As orações do sofredor e do jubiloso são individuais. A pessoa
as faz sozinha e muitas vezes, como nestes casos, por si. Agora
Tiago mostrará a oração em grupo e intercessória.
''Doente?... Chame os anciãos da igreja” . 0 termo grego é
presbyteros. Originalmente designava "alguém de idade,
ancião” . A tradução da SBB, edição Revista e Atualizada no
Brasil, traz "presbíteros” , aportuguesando o termo. A Versão
Revisada da IBB traz "anciãos” . Em Atos 2:17, a expressão "os
vossos anciãos sonharão sonhos” traz presbyteros, no grego.
Em I Timóteo 5:1, lemos: "Não repreendas asperamente o
velho.” Novamente é presbyteros a palavra grega empregada.
Depois, o termo passou a designar pessoas de destaque na
comunidade. Isto se entende por que nas sociedades antigas as
pessoas idosas eram respeitadas e tidas como dignas de honra.
Lemos em Provérbios 16:31: "Coroa de honra são as cãs, a qual
se obtém no caminho da justiça.” Os cabelos brancos eram,
pois, respeitados. Assim, a palavra "ancião” passou a se aplicar
aos líderes da sociedade judaica. Os líderes da sinagoga judaica
140
eram assim chamados. Como a igreja cristã nascente herdou
muito de sua estrutura das sinagogas, não é de se estranhar que
o termo "presbítero” ou "ancião” viesse a ser designativo de
liderança na igreja.
O Novo Testamento identifica os "anciãos” ou "presbíteros”
como sendo os bispos. Em Atos 20:17 lemos que Paulo mandou
chamar "os anciãos da igreja” . No versículo 28, ao dirigir-se
aos anciãos, o apóstolo lhes diz: "O Espírito Santo vos consti­
tuiu bispos.” Da mesma forma, em Tito 1:5, o apóstolo
recomenda ao jovem pastor o estabelecimento de anciãos em
cada cidade e dá diretrizes do caráter do ancião, dizendo no
versículo 7: "Pois é necessário que o bispo...” "Bispo” e
"presbítero” , portanto, designam a mesma função no Novo
Testamento. As atribuições a eles conferidas são as mesmas
desempenhadas pelos pastores, o que nos leva a entender que
bispo, presbítero e pastor são títulos diferentes, cobrindo áreas
diferentes do ministério do líder humano da igreja.
"Estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do
Senhor.” As igrejas primitivas possuíam vários pastores (ou
uma junta de pastores, como dizem alguns), assemelhando-se ao
"ministério colegiado” em prática em algumas igrejas hoje em
dia. Os pastores eram homens dados ao ministério da oração.
"Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra”
(At. 6:4). O que significa, porem, a unção com óleo?
A Bíblia Vozes traz a seguinte nota de rodapé: "Conforme o
Concilio de Trento, o sacramento da Unção dos Enfermos se
identifica com a prática aqui descrita.” Também católica,
embora menos confessional (exceto no que se refere a Maria),
a Bíblia de Jerusalém diz que "a Igreja viu uma forma inicial do
sacramento da Unção dos Enfermos” e declara que o Concilio de
Trento definiu a identificação. É natural que a Igreja de Roma
queira basear aqui o sacramento da Extrema-Unção. Não
encontrará outro texto no Novo Testamento que mais se apro­
xime da sua prática. Observe-se, porém, que somente no século
XII a doutrina foi "descoberta” e que a ênfase do texto bíblico
não é a preparação para a morte, como presume o sacramento,
mas, sim, que "a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o
levantará. É de vida que Tiago trata aqui e não de morte, como
a Igreja Romana presume.
"Ungindo-o com óleo” . Há tempos atrás, um pregador
anunciava num programa evangélico de rádio a venda de "óleo
santo ungido” para curar os enfermos. A prática, além de
141
imoral, por ser o comércio de algo que o próprio anunciante
chama de "santo” , não encontra respaldo no texto em análise.
O óleo não é santo. 0 Novo Testamento não faz qualquer
menção a "óleo santo” . Segundo Tiago, não é no óleo que
reside o poder. E na oração: "E a oração da fé salvará o
doente” .
Qual é, então, a razão do óleo? Vê-lo como símbolo do
Espírito é agredir o estilo de Tiago, que é direto, simples e sem
simbolismo. E ver no óleo uma "unção espiritual” é incidir no
mesmo equívoco, além de tornar truncado o sentido do texto.
Tiago é um autor prático e trata de questões objetivas. No
Oriente, o óleo (ou azeite) sempre foi visto como possuidor de
virtudes terapêuticas, com propriedades medicinais. Veja-se o
que diz Isaías 1:6 sobre a doença de Judá: "Desde a planta do pé
até a cabeça não há nele coisa sã; há só feridas, contusões e
chagas vivas; não foram espremidas, nem atadas, nem amole­
cidas com óleo.” A nação estava gravemente lesionada e não
fora medicada com óleo. Recordemos também a parábola do
bom samaritano. 0 socorro prestado pelo samaritano ao assal­
tado é descrito nestes termos: "E aproximando-se, atou-lhe as
feridas, deitando nelas azeite e vinho” (Luc. 10:34). O óleo
surge como medicamento. Escritores como Filo e Plínio registra­
ram ser o óleo um excelente remédio, principalmente contra
febres. Conforme Galeno, médico grego que morreu em Roma e
autor de importantes descobertas em anatomia, além de produtor
de vários tratados médicos, o óleo era o melhor remédio para
combater a paralisia (provavelmente massagens com óleo).
Tiago usa dois elementos que bem conhecemos para combater
as enfermidades: o remédio (óleo) e a oração. "A oração da fé
salvará o doente.” Sem exagerar e sem torcer o texto para
manter uma posição conservadora, é isto o que ele nos diz. Não
há qualquer idéia de um óleo com virtudes espirituais.
Quando orar? Na aflição, na alegria e nas enfermidades. Toda
alegria e todo sofrimento devem transformar-se em oração e
cânticos. A angústia de Jonas foi motivo de oração: "Na minha
angústia clamei ao Senhor” (Jon. 2:2). O ventre de um grande
peixe é um lugar pouco comum para orar, mas era onde Jonas se
achava, e de lá, tomado de angústia, o profeta orou. Em
contrapartida, Simeão orou no momento mais emocionante de
sua vida, ao tomar o menino Jesus nos braços: "Agora, Senhor,
despedes em paz o teu servo” (Luc. 2:29).
142
"E a oração da fé salvará o doente” . Esta é a primeira
conseqiiência possível da oração pelos enfermos. Diz respeito à
cura física. A expressão "salvará” é perfeitamente entendida
neste sentido. Mas, não se deve inferir que Deus responderá
positivamente a todas as orações, curando todas as enfermi­
dades. Isto praticamente eliminaria a morte do cenário humano.
E sabemos, apesar de crermos que Deus responde às petições,
que milhões de pessoas morrem diariamente por enfermidades.
Até mesmo pessoas que creem piamente na cura divina morrem
de enfermidades. Somente quando a história tiver chegado ao
fim é que o domínio da morte cessará. "Ora, o último inimigo a
ser destruído é a morte” (I Cor. 15:26). Ainda não é chegada a
hora de a morte morrer, infelizmente.
Deus tem poder para sanar qualquer problema de saúde e é
poderoso para arrancar enfermos das garras da morte. Muitos
servos de Deus foram agraciados com esta bênção em sua vida.
Mas, ao mesmo tempo, reconheçamos que Deus não está
obrigado aos planos humanos e que, conseqüentemente, a
oração não é uma ordem de serviço que lhe transmitimos.
"E, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” Há
três alternativas quanto à compreensão desta declaração. Pa­
rece-me que dogmatizar qual é a correta não é boa atitude.
Vejamos o que elas nos dizem. A primeira alternativa é ver a
ligação de causa e efeito entre a enfermidade e o pecado. A
enfermidade é curada e os pecados perdoados, na ordem do
texto bíblico. A interpretação é que, perdoado o pecado, a
enfermidade foi debelada (esta não é a ordem do texto bíblico).
É o caso de se ver a doença como conseqiiência do pecado. 0
texto vê o perdão como conseqiiência da saúde e não a saúde
como resultado do perdão, o que se deveria esperar. Mas, os que
defendem tal posição utilizam o texto de I Coríntios 11:30, onde
Paulo diz que, por causa das desordens na ceia do Senhor, há
enfermos na igreja. Algumas enfermidades têm raízes espiri­
tuais. Tiago diz "e, se houver” . Temos o grego kán, contração
de kaí án, cuja tradução é "e se, também se, mesmo que, ainda
que” . As duas primeiras traduções praticamente eliminam a
questão de causa e efeito. As duas últimas mantêm a possibi­
lidade. Por isso, embora não me pareça correta, respeite-se a
posição dos que assim pretendem, pois muitos deles são eruditos
e piedosos.
A segunda alternativa, ainda que uma variante da causa e
efeito, é presumir as enfermidades como de ordem emocional,
143
ou seja, produzidas pelo sentimento de culpa pelo pecado. Em
linhas gerais, é esta a posição. Uma dificuldade que se levanta
contra este posicionamento é novamente a ordem do texto
bíblico. Primeiro, a cura da enfermidade, e só após esta é que
surge a cura espiritual. Para concordar com esta alternativa, à
semelhança da primeira, deveria vir primeiro o perdão dos
pecados e depois o restabelecimento da saúde, já que esta foi
afetada por aquele.
A terceira alternativa é ver duas realidades distintas. Tería-
mos, então, a oração intercessória para a cura divina sobre as
enfermidades físicas e a oração intercessória para o perdão dos
pecados. Não se vê mais uma relação de causa e efeito.
Estas são possibilidades de interpretação que contam, todas
elas, com defensores bem providos de argumentação. No en­
tanto, o ponto fundamental não é discutir qual a posição certa e
quais as erradas. Na realidade, são mencionadas aqui de
passagem e de forma superficial. O mais importante é que os
crentes devem orar uns pelos outros, praticando a intercessão.
Enfermidades, problemas, lutas e fraquezas dos membros de
uma comunidade devem ser motivo para oração intercessória.
0 versículo 16 continua o pensamento exposto no versículo
anterior. Prossegue a relação entre a oração e a cura ("orai
uns pelos outros para serdes curados” ) e recebe outro elemento:
"confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros” . A questão
de oração e cura neste versículo segue as mesmas tendências das
alternativas do versículo 15. Resta agora entender a questão da
confissão mútua. "Confessai, portanto, os vossos pecados uns
aos outros.” Intérpretes católicos querem ver aqui autorização
bíblica para a prática da confissão auricular prestada ao sacer­
dote romanista. 0 texto imediatamente inviabiliza a pretensão:
"uns aos outros” . Não postula uma classe especial para ouvir as
confissões e tampouco credencia alguém com poderes especiais
para perdoar pecados que lhe forem confessados. "Os católicos
romanos têm usado este versículo como apoio da prática da
confissão ao sacerdote. Entretanto, as palavras de Martinho
Lutero são a melhor resposta a isto: Que estranho confessor! Seu
nome é Outros!” 49
Não devemos pensar que se trata de confessar todos os nossos
pecados a todos os nossos irmãos. Tal atitude pode trazer mais
transtornos que benefícios. Muitos crentes há sem estrutura,
quer espiritual quer emocional, para ouvir os pecados alheios.
Devemos confessar os nossos pecados às pessoas com as quais
144
erramos, buscando-as, declarando-lhes os nosso ...................
elas nos reconciliando. Devemos confessar os ........ |<<. oh. .
irmãos consagrados, sérios e equilibrados, (|iic pmlc.....m o o..
sem passá-los para a frente. Esses irmãos podri .o. ..........i p.ilii
vra de orientação e estímulo para uma vida cnsin ...................
Devemos confessar os nossos pecados a irmãos d. I..........>• I
espiritual, que possam ajudar-nos. Sem dúvida, •• p< >• do
pecado ocultado é muito duro para ser carregado I pm >■ ■
engolfados em nossas lutas espirituais, raciocinamos .............
tivamente que não conseguimos enxergar uma saída A l.u . a .1.
um amigo confiável, que conosco reparta a carga c c o n o ........ ,
é de utilidade ímpar.
"A súplica de um justo pode muito na sua aluaçao " A lia .
está no versículo 16 e parece referir-se à oração í i i I c m c s s o i m
pedindo perdão pelos pecados do irmão. É de senlidu bem i Iam
e não carece de muitas explicações. Ela liga o versículo ao
exemplo dado nos versículos 17 e 18: ''Elias era um Imnicui
sujeito às mesmas paixões que nós.” 0 profela lislnln '.ma
mostrado como um homem justo, cuja oração leve clicai ia
"orou com fervor para que não chovesse... E orou outra ve/, e o
céu deu chuva...” Mas, ao mesmo tempo que maiiilrainu
autoridade espiritual em sua oração, Elias era sujeito a:, mc.niii'.
paixões que nós. 0 seu desânimo diante da ameaça de Jc/ahel c
uma situação que muitos crentes já experimentaram. Ou.il de
nós nunca se sentiu desanimado diante das ameaças ou dos
problemas? Se Elias era justo, não era, no entanto, um supei
homem espiritual. Era um homem como nós. E confortadoi que
Tiago nos recorde isso. Olhamos para os grandes vultos da
Bíblia e estabelecemos entre nós e eles uma distância tão grande
que pensamos que nunca poderemos ser úteis como eles foram.
Mas, eram criaturas como nós. Abraão mentiu, Jacó foi desleal c
mentiroso, Davi cobiçou, planejou a morte de Urias o adulterou,
Pedro negou a Jesus Cristo e ele e Paulo tiveram um momento de
discussão. Há falhas dos homens e mulheres de Deus, que a
Bíblia, na sua cristalina honestidade, não oculta. Exigimos que
nossos líderes sejam infalíveis e impecáveis, mostrumo-nos
implacáveis com os que erram e somos intolerantes com os que
manifestam suas falhas. Não se dá o caso de sermos mais
exigentes que o próprio Deus?
Eli as desistiu de tudo e chegou a pedir a morte. Mas Deus o
levou do desânimo à vitória. Isso também pode ele fazer
conosco. Ele pode arrancar-nos da caverna da depressão e
conduzir-nos ao triunfo. Fracassos e falhas não significam o fim.
145
Os exemplos dados pela Palavra de Deus são de pessoas que
falharam. 0 poder de Deus se aperfeiçoa nas fraquezas huma­
nas. Graças ao Senhor por isso!
"Justo” , no conceito de Tiago, não é um homem impecável, à
prova de falhas. Elias não era impecável, sem falhas. A exceção
de Jesus de Nazaré, homem algum foi justo. 0 justo é pecador, e
se torna até, por vezes, desanimado. Mas é cristalino aos olhos
de Deus, aceita seu chamado para sair do desânimo e se mostra
dependente de Deus. A oração de um crente assim pode muito.
Sejamos como Elias: humanos, com nossas deficiências, mas
honestos e dependentes do Senhor.

146
20

à Guisa de Epílogo
Meus irmãos, se alguém dentre vós se desviar da verdade e
alguém o converter, sabei que aquele que fizer converter um
pecador do erro do seu caminho salvará da morte uma alma, e
cobrirá uma multidão de pecados. (5:19, 20)
A Epístola de Tiago termina abruptamente. Não há quaisquer
saudações pessoais, não há recomendações a indivíduos nem
doxologia. Até o anônimo livro de Hebreus chega ao término
citando pessoas e com saudações. Somente a Primeira Carta de
João termina de modo um pouco parecido com Tiago, mas
também ela conclui com uma declaração afetuosa. Embora
terminar uma carta dessa maneira não fosse um procedimento
usual, o estilo significa que o assunto final é de grande
importância. É o clímax da argumentação. O que temos agora é
o ápice do discurso de Tiago.
As palavras finais de Tiago são uma exortação para desviar do
erro os que se distanciaram dos caminhos do Senhor.
"Se alguém dentre vós” pode muito bem significar que o
possível desviado é membro da comunidade cristã. O assunto
agora é, então, o cristão cujos pés resvalam para fora da
verdade. Como a igreja deve proceder com um de seus membros
que esteja amando o erro ou sendo por ele iludido?
Infelizmente, em muitas igrejas cristãs, quando alguém se
distancia da verdade, a atitude para com ele é excluí-lo e
deixá-lo de lado. Há até os que sentem imenso prazer em
"fofocar” a queda de um irmão. "Você sabe o que aconteceu
147
com Fulano?” Pessoas ávidas de sensacionalismo e com falta de
assunto para manter conversação edificante sentem imenso
prazer em divulgar o fracasso de um irmão. Muitas vezes, a
exclusão é uma atitude que parece mais vingança: "Já que ele
agiu assim conosco, vamos pô-lo para fora; não é digno de estar
em nosso meio.” Infelizmente, não é infundamentada a decla­
ração de um observador sobre a igreja cristã: "A igreja é o únicp
exército do mundo que abandona seus feridos para morrer.” E
também o único exército que atira nos seus próprios soldados.
Não se pense que com isto se pretende anular a disciplina na
igreja. Ela é bíblica. Mas, qual é a razão da disciplina?
Vingança? Meramente punição? Ou é para recuperação, mos­
trando ao disciplinado seu erro e como deve ele fazer para sua
restauração? Por que disciplinamos? Para manter a pureza da
instituição, por vezes em padrões tão-somente humanos, ou para
auxiliar as pessoas? Qual deve ser o nosso procedimento com os
errados?
Temos do apóstolo Paulo a seguinte recomendação: "Irmãos,
se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós
que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha
por ti mesmo, para que também não sejas tentado” (Gál. 6:1). 0
mais espiritual deve corrigir com mansidão o mais fraco e, ao
mesmo tempo, cuidar de sua própria saúde espiritual. É corre­
ção com amor e não desprezo farisaico a atitude que deve ser
tomada para com os errados.
"Desviar” é planethê, do verbo planáo. Significa também
"seduzir, desencaminhar” . Há crentes que se tornam seduzidos
pelo Maligno. Quando virmos um irmão em condições assim,
sendo seduzido, tentemos convertê-lo. É esta a recomendação
bíblica. Evitemos, porém, a confusão. Tiago chama tal pessoa
de "pecador” (v. 20) e usa o termo "converter” , o que leva
alguns a presumirem que ele esteja falando do homem não-
crente. Surge a confusão porque iniciou ele o assunto com
"alguém dentre vós” . É de crente ou de incrédulo que ele fala?
Comecemos o esclarecimento com a palavra "pecador” . Um
equívoco nosso é dividir as pessoas em "salvos” e "pecadores” .
A classificação é incorreta. Os salvos também são pecadores. Há
pecadores salvos e pecadores perdidos. Esta classificação é mais
adequada. O crente desviado é chamado de "pecador” com
toda justiça. Se não estivesse desviado, também seria um
pecador, da mesma forma. Só por ser crente em Jesus Cristo e
membro de uma igreja, alguém não deixa de ser pecador. O
148
termo, portanto, não se refere a um perdido sem Cristo, mas a
alguém que peca e que está, no momento, em situação peca­
minosa mais acentuada. E usado aqui para designar o espírito e
o estado do crente desviado.
"Converter” é o segundo termo que devemos esclarecer. 0
verbo é epistrépse, de epistréfo, cujo significado é "voltar para
trás” . É o verbo comumente usado para mostrar a passagem do
estado do incrédulo para o estado de crente em Jesus. Neste
sentido é usado em Atos 9:35: "E viram-nos todos os que
habitavam em Lida e Sarona, os quais se converteram ao Se­
nhor.” Mas, não é neste sentido exclusivo o seu emprego no Novo
Testamento. Em Lucas 22:32 lemos as palavras dirigidas por
Jesus a Pedro "... e tu, quando te converteres, fortalece teus
irmãos” . È o mesmo verbo, mas não se deve entender que Pedro
era um incrédulo, mas sim que voltaria atrás, voltaria ao estado
anterior. Não continuaria no seu caminho de negação. 0 verbo
pode ter outro sentido além do que chamamos comumente de
"conversão de um perdido” .
A idéia que o texto nos dá, portanto, é recuperar alguém da
comunidade que se desviou. E embora o Comentário Broadman
diga que Tiago não exorta o crente a ajudar o desviado (?), é
exatamente isto que o texto presume: converter um crente do
erro em que está só pode ser visto como um ato de auxílio e só
por este ato pode se concretizar.
"Salvará da morte uma alma.” 0 pecado traz conseqiiências
desastrosas para o homem e acaba por destruí-lo. "Morte” deve
ser entendida como mais que a cessação da vida física (porque
todos, sem exceção, passaremos por ela, à luz de Hebreus 9:27).
É todas as conseqiiências do pecado, a somatória dos efeitos do
pecado. Quando evitamos que um irmão se distancie de Cristo e
mergulhe no pecado, estamos livrando-o ou recuperando-o
(o verbo sósei aqui utilizado para "salvará” é o mesmo do
versículo 15 — "a oração da fé salvará o doente” — mostrando
que pode significar além da salvação, em termos espirituais),
de muitos problemas que surgirão como conseqüência do seu
desvio. Afastar-se de Cristo é chamar sobre si muitas contra­
riedades.
"E cobrirá uma multidão de pecados.” Pecados de quem?
Do crente que recuperou seu irmão? Trazer um desviado para o
Senhor, no judaísmo, era um ato tão elevado que auferia méritos
a quem assim o fizesse. Embora a linguagem de Tiago nos
permita esta interpretação, ela é estranha ao ensino geral do
149
Novo Testamento sobre a salvação e o perdão dos pecados. É
também colidente com que o próprio Tiago, embora escassa e
resumidamente, ensina sobre o perdão dos pecados. Em 4:8-10,
o perdão é concedido a quem se chega a Deus, purifica as mãos,
limpa o coração e sente tristeza pelo pecado. A idéia de
conseguir mérito para ter perdão dos pecados não tem respaldo
em lugar algum das Escrituras. É mais razoável e mais fácil ver
desta maneira: a multidão dos pecados a ser coberta é do
desviado que foi trazido de volta. Muitos dos seus pecados que
seriam cometidos na vida distanciada do Senhor foram evitados
com seu retorno. Seu arrependimento, ao regressar para a
comunidade cristã, trouxe-lhe o perdão dos pecados cometidos
enquanto desviado, não pela volta à igreja, mas pelo arrepen­
dimento.
Novamente devemos cuidar para que o fundamental não se
perca pela ênfase no circunstancial. O mais importante é o
interesse que os cristãos devem manifestar uns pelos outros,
aconselhando, confessando, intercedendo e tentando recuperar.
É bom que Tiago termine sua carta aos cristãos da diáspora
exortando-os à responsabilidade mútua. Hoje, nós, cristãos que
vivemos numa diáspora muito mais ampla e em circunstâncias
de pressão de um mundo dominado pelo Maligno, tendendo ao
conforto, ao individualismo e à busca de bem-estar pessoal,
devemos recordar a exortação do irmão do nosso Senhor:
responsabilizemo-nos uns pelos outros e solidarizemo-nos uns
com os outros. Porque somos guardadores do nosso irmão.
"Não sendo como Caim” é a declaração de I João 3:12. Não
sejamos como Caim. Amemos e zelemos pelos irmãos fracos e
caídos. Esta é a vontade de Deus para seu povo.

150
21
O Desafio de Tiago
"A guisa de epílogo” não é a conclusão desta obra, mas a
da Epístola de Tiago. Como dito, o autor bíblico termina
seu livro abruptamente, sem bênçãos, sem saudações pessoais
ou despedidas. Sua última palavra, sobre demover um irmão do
erro, é uma espécie de conclusão. Mas, se ali parássemos, nosso
término seria tão abrupto como o da epístola. Alguma coisa
mais deve ser dita. Um desafio para se levar Tiago a sério,
aceitando suas proposições. E seu desafio é este: Nossa vida deve
ser controlada pela Palavra de Deus. Temos impulsos perigosos,
temos uma compreensão da vida que nem sempre é correta e
mantemos aspirações nem sempre as mais sadias. 0 pecado
permeia todos os nossos impulsos, tolda a nossa visão e inspira
desejos inadequados. A vida cristã deve ser uma luta séria para
termos uma vida controlada por Deus. Por isso, o desafio de
Tiago é reievante para a igreja de Jesus Cristo hoje. Devemos
manter o pecado sob domínio, para uma cosmovisão saudável.
"Quando Cromwell era primeiro-ministro da Inglaterra, foi
certa vez a um circo. Um domador de animais entrou no
picadeiro, estalou um chicote e uma imensa cobra veio raste­
jando-se e se enroscou no corpo dele. Mas, logo em seguida, a
multidão ali presente fez um silêncio profundo, pois começou a
ouvir o estalar de ossos esmagados. Daí a pouco, o domador
estava morto. Ele havia treinado a serpente durante treze anos.
Quando iniciara, ela tinha apenas cerca de vinte centímetros de
comprimento. Nessa ocasião, ele poderia tê-la esmagado entre o
indicador e o polegar. Mas acreditara que tinha o animal sob seu
151
controle, e julgou-se seguro com ele. Estava totalmente enga­
nado.
"A Palavra de Deus afirma que não somos capazes de manter
o pecado sob controle. Se voluntariamente lhe cedemos espaço,
ele exigirá sempre mais, até afinal nos dominar por inteiro.
É exatamente a grande capacidade que o pecado tem de
vencer e de arruinar e escravizar as pessoas, que deve levar-nos a
uma radical submissão à Palavra de Deus. Nela encontramos
poder para corrigir, moldar e habilitar para uma vida correta.
Por isso, um dos mais graves equívocos entre os evangélicos
de hoje é supor que o evangelho é apenas uma religião. Ao não
se deter nas realidades do além e centrar seus ensinos na vida
aqui, Tiago nos chama a refletir sobre o fato de que o evangelho
é uma cosmovisão, uma concepção do universo. E ver a vida e o
mundo do ponto de vista de Deus. É o que os alemães chamam
de weltanschauung.
0 desafio de Tiago é para que tenhamos uma compreensão do
mundo segundo a ética de Deus. Será o cristianismo vivido hoje
mais uma preservação de ritos e de estruturas do que uma
cosmovisão bíblica? Será a cosmovisão que temos mais uma
concepção denominacional ou igrejeira do que bíblica? A preo­
cupação maior é com a Bíblia ou com as estruturas que
perenizamos e sacralizamos? Espero que a resposta seja negativa
às duas primeiras indagações, e, na terceira, a preocupação
maior seja com a Bíblia, e não com os esquemas humanos que
traçamos. Mas, temo que não seja assim. É extremamente
necessário que vejamos o cristianismo como uma nova visão do
mundo, uma visão segundo Deus, uma cosmovisão bíblica.
Também, se pensarmos na Bíblia como uma grande "caixa de
promessas” , de onde podemos pinçar versículos que nos agra­
dam e que nos fazem bem, não teremos uma cosmovisão e sim
uma microvisão, a visão de grupo. Seremos prejudicados e não
alcançaremos a maturidade cristã suficiente, no nível que o
Senhor nos oferece. A desenfreada busca de felicidade que
marca a nossa civilização tem se infiltrado no cristianismo que
praticamos e se mostra presente até nas pregações, onde "prin­
cípios bíblicos” para uma vida feliz são constantemente apre­
sentados. A questão mais importante para o homem moderno é
como ser feliz. Nessa esteira de pensamento, muito do nosso
ensino tem caminhado, produzindo um autêntico hedonismo
cristão. 0 evangelho é apresentado como um meio para se
152
alcançar a felicidade, para se ter paz tnenlal <• segui hiiçm emo
cional. Uma espécie de "meditação transcendental mM«"
A preocupação de Tiago é que busquemos uma vida reta aos
olhos de Deus. E esta a necessidade maior do cristão. "() mlanlil
clamor por felicidade pode vir a ser uma verdadeira armadilha.
Uma pessoa pode enganar-se facilmente cultivando certa alegria
religiosa, sem uma vida reta correspondente. Ninguém deve
desejar ser feliz, se não desejar ao mesmo tempo ser santo. Deve
gastar seus esforços procurando conhecer e fazer a vontade de
Deus, deixando com Cristo a questão de quanto feliz será.” ®1
A Bíblia deve ser normativa e corretiva e não um baú de roupas
velhas que reviramos e de onde tiramos o que nos interessa,
descartando-nos do que está fora de moda, segundo nosso
conceito.
E outra relevância de Tiago é sua exortação a praticarmos a fé
e não apenas a acalentarmos. Religião (embora muitos não
gostem do termo, entendamo-lo no sentido de Tiago) não é
apenas matéria de sentimentos. Tampouco é matéria apenas de
ritos e de liturgia. É, sim, matéria de vida. "Uma vez ouvi um
sacerdote católico romano lamentar a situação doutro sacerdote
que fora atirado a um cárcere na Alemanha nazista e 'proibido de
praticar a sua religião . Soou estranhamente humorístico na
ocasião; mas eu posso entender que uma religião fundada
mormente em observâncias externas pode ser proibida.” 52
Felizmente, o cristianismo não é apenas sentimentos nem apenas
liturgia. E uma entrega a uma pessoa, a Cristo, e conseqüente-
mente, uma cosmovisão crística, um estilo de vida à luz da
Palavra de Deus. Este é o grande desafio de Tiago: "E sede
cumpridores da palavra, e não somente ouvintes” (1:22).
Aceitemos o desafio de Tiago!

153
NOTAS
1. Barclay, William, Santiago, I y II Pedro, Editorial l,a
Aurora, 1974, p. 16-19.
2. Morris, Leon, I Coríntios, Introdução e Comentário, Mundo
Cristão/Vida Nova, 1981, p. 166.
3. Geoffrey, Wilson, I Corinthians, The Banner of Trutli
Trust, 1978, p. 216.
4. Allen, Clifton J., Ed. ger., The Broadman Bible Commen-
tary, Broadman Press, 1972, vol. 12, p. 104.
5. Josefo, Flávio, História dos Hebreus, Editora das Américas,
sem data, vol. 6, p. 71.
6. Taylor, William, A Epístola de Tiago, Casa Publicadora
Batista, 1965, p. 22.
7. Shedd, Russel, O Novo Dicionário da Bíblia, Edições Vida
Nova, 1966, vol. I, p. 431.
8. Crabtree, A. R., Introdução ao Novo Testamento, Casa
Publicadora Batista, 1963, p. 315.
9. Carrol-Hale, Santiago, I y II Tesalonicenses, I y II Corin-
tios, Casa Bautista de Publicaciones, 1971, p. 20,21.
10. Taylor, op. cit, p. 21.
11. Cartão colocado sob o vidro de uma mesa no antigo
escritório da Casa Publicadora Batista, na antiga sede da
Rua Paulo Fernandes, no Rio de Janeiro.
12. Trueblood, Elton,/4 Vida Que Prezamos, Editora Ipanema,
sem data, p. 9.
155
13. Quoist, Michel, Poemas Para Rezar, Livraria Duas Cidades.
1980, p .31.
14. Graham, Billy, Mundo em Chamas, Editora Record, 1966,
p. 15
15. Tozer. Q. W., De Deus e o Homem, Mundo Cristão, 1981,
p. 31.
16. Ib., ibid, p. 62.
17. Ib., ibid, p. 31.
18. Ridenour, Fritz, Como Ser Cristão sem Ser Religioso,
Mundo Cristão, 1976, p. 108.
19. Fosdick, Harry, A Bíblia em Nossa Época, Imprensa Meto­
dista, 1971, p .105.
20. Barclay, op. cit., p. 71.
21. Summers, Ray, A Vida no Além, JUERP, 1971, p. 128
22. Berger, Peter, Um Rumor de Anjos, Vozes, 1973.
23. Citação em um Sermão de Harold Reimer.
24. Stott, John, Tive Fome, ABU, 1983, p. 28.
25. Maury, Philippe, Evangelização e Política, Editora Loqui,
sem data, p. 35.
26. Barclay, op. cit., p. 104-105.
27. Ib., ibid., p. 104.
28. Pallister, Alan, Os Radicais, Núcleo-Centro de Publicações
Cristãs Ltda, 1981, p. 82.
29. Barclay, William, Palabras Griegas delNuevo Testamento,
Casa Bautista de Publicaciones, 1977, p. 73.
30. Ib., ibid., p. 83.
31. Ib., ibid., p. 83.
32. Rea, Lawrence, Apostila de Aula Sobre Tiago, na FTBB,
sem data.
33. Champlin, Russel, O Novo Testamento Interpretado, A Voz
Bíblica Brasileira, sem data, vol. VI, p. 63.
34. Ib., ibid., p. 63.
35. Pallister, op. cit., p. 101.
36. Harrop, Clayton, La Epístola de Tiago, Casa Bautista de
Publicaciones, 1971, p. 83.
156
37. Johnstone, The Epistle of James, The Banner of Truth
Trust, 1977, p. 305.
38. Harrop, op. cit., p. 86.
39. Comparar a edição original britânica com a versão em
espanhol. Ambas constam da bibliografia.
40. Almeida, Napoleão Mendes. Dicionário de Questões Ver­
náculas. São Paulo, Editora Caminho Suave Ltda, 1981
p. 220
41. Harrop, op. cit., p. 91.
42. Manson, O Ensino de Jesus, ASTE, p. 301.
43. Steuernagel, A Evangelização do Brasil: Uma Tarefa Ina­
cabada, ABU, 1986, p. 151.
44. Conforme esquema de Lima, Delcyr, Doutrina e Prática da
Evangelização, JUERP, 1969, p. 67.
45. Champlin, op. cit., p. 72.
46. Artigo: "Miséria Atinge 60% da População do País” ,
aponta estudo publicado na Folha de São Paulo de 09/04/86.
47. Artigo: "O Alinhamento dos Planetas” , publicado na revista
Palavra da Vida, n9 1, 1977, p. 15-24.
48. Revista Despertai\ de 22/08/85, vol. 66, n9 16, declaração
no expediente da revista.
49. Vaughan, Curtis, James — a Study Guide, Zondervan
Publishing House, 3- ed., 1972, p. 120.
50. Lutzer, Erwin, Aprenda a Viver Bem com Deus e com Seus
Impulsos Sexuais, Editora Betânia, 1984, p. 49.
51. Tozer, op. cit., p. 38.
52. Tozer, op. cit., p. 87.

157
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Trad. J. Santos Figueiredo. Rio de Janeiro, Casa Publica-
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Parece que em nossos dias estamos
nos preocupando com assuntos de
pouca relevância para a igreja... En­
quanto isso, aspectos extremamente
necessários estão sendo esquecidos
na nossa vivência cristã...
As maiores dificuldades que o cris­
tianismo enfrenta não estão do lado
de fora da igreja. Inimigos como o
secularismo, o comunismo, o moder­
nismo teológico e outros, embora
perigosos, não são irívêncíveis. Mas,
o maior de todos os antagonistas do
evangelho está dentro da igreja: o
evangelho não vivido... Tiago trata
do que necessitamos: conduta corre­
ta, bom uso das palavras, honestida­
de no trato e integridade de caráter.
Acostumados com a ênfase de nossas
igrejas, espiritualizamos em demasia
a fé cristã, internalizando-a por com­
pleto, esquecidos de que a nova vida
em Cristo nos coloca diante de uma
nova proposta de vida... Se levarmos
a sério o conteúdo de tão esquecida
carta, muitos problemas em nosso
meio serão sanados e o impacto que
causaremos ao mundo será extraor­
dinário!
Do Prefácio do Autor

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