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A Ordem Moral 1

Os fatores determinantes da moralidade dos atos humanos, isto é, os critérios para avaliar a
moralidade de uma ação, são três: as circunstâncias, o objeto e a intenção. Para que a ação seja
plenamente boa do ponto de vista moral, é necessário que todos os critérios sejam satisfeito, isto é, que a
ação seja moralmente adequada quanto aos três elementos ao mesmo tempo. Para determinar a
inadequação moral da ação, por sua vez, basta que um dos critérios seja desrespeitado, isto é, que um dos
três elementos seja inadequado do ponto de vista moral. Ainda assim, caso a ação tenha desrespeitado um
dos critérios, sua inadequação moral pode ser atenuada ou agravada pelos demais elementos. Por
exemplo, a imoralidade de uma ação objetivamente má (que desrespeita o critério do objeto moral), como
furtar, pode ser atenuada (mas não “absolvida”), caso tenha sido realizada com uma boa intenção, por
exemplo, entregar o bem roubado para uma pessoa pobre e promover, assim, a justiça social.

I. As circunstâncias

quem (quis) age (sujeito)


o que (quid; finis operis) faz (objeto)
Determinantes por que (cur) faz (fim)
da moralidade como (quomodo) faz (modo)
acidental (são quando (quando) faz (tempo)
as circunstâncias) onde (ubi) faz (lugar)
por que meios (quibus auxiliis) faz

Ex.: Apossar-se do bem de outrem – isto é, furtar – não é um determinante circunstancial, é um


determinante essencial – OBJETO MORAL. Os determinantes circunstanciais, que sempre devem ser
levados em conta para o julgamento moral de um ato, são apenas os sete acima enumerados.

II. O objeto

O objeto da ação moral é estabelecido com base na proporção dessa ação em relação à natureza
humana. E essa proporção é conhecida pela lei natural.
Agir conforme à razão é agir conforme princípios:
“Bonum est faciendum, malum autem vitadum”, ou seja, o bem deve ser feito, o mal deve ser
evitado: Faze o bem, evita o mal. Este primeiro princípio da moralidade é:
a) racional
b) não vazio
c) não tautológico:

A lei é definida pela tradição escolástica como “certa ordenação racional, promulgada por uma
autoridade competente, em vista do bem comum”. A mesma tradição distingue três tipos de leis: as leis
positivas (normalmente promulgadas pelas autoridades civis), as leis naturais (determinadas pela natureza
humana) e as leis divinas (promulgadas pela autoridade divina). Cada um destes tipos de lei daria origem
a um tipo de direito: o direito positivo se fundaria na lei positiva; o direito natural, na lei natural; o direito
divino, na lei divina. Ademais, para a tradição, cada um dos tipos de lei se basearia no tipo de direito que
lhes é superior, exceto a lei divina, que teria diretamente por base a vontade divina perfeita. Assim, a lei
positiva se basearia (ou deveria basear-se2) no direito natural e a lei natural, no direito divino. Deste
modo, ter-se-ia a seguinte hierarquia entre as diversas formas de leis e direitos3:
1
Apostila elaborada por Carlos Frederico Gurgel e Daniel Leite.
2
Para a tradição, pode haver um conflito entre as leis positivas e as leis naturais e divinas quando as
primeiras não são elaboradas com base nas últimas, como deveriam. Este conflito é o tema de inúmeras
discussões, desde a Antiguidade clássica. A peça Antígona, do tragediógrafo grego Sófocles (século V a.
C.), que narra o conflito entre a filha de Édipo, Antígona, e Creonte, o rei de sua cidade, é um dos mais
Lei divina

Direito divino

Lei natural

Direito natural

Lei positiva

Direito positivo

A lei natural tem duas fontes: enquanto lei moral, a lei natural se funda na pertença da natureza
humana à pessoa que é valor moral; enquanto um complexo de normas, a lei natural deriva da estrutura
complexa da natureza. Em outras palavras, o fato de que a lei natural seja lei deriva da pessoa humana,
considerada como dotada de um valor em si; o fato de que a lei moral natural seja tal ou qual, vem da
natureza.

Normas de ética social derivadas imediatamente da natureza humana:

1) dever positivo de amor e honra pela pessoa do próximo;


2) proibição do ódio;
3) proibição do desprezo;
4) dever positivo de justiça;
5) dever positivo de solidariedade e promoção mútua;
6) dever positivo de síntese entre justiça e amor;
7) proibição natural das formas falsas de amor;
8) dever positivo de respeito pela natureza dos gestos do amor;
9) dever de síntese entre ética individual e social;
10) dever positivo de reconhecer Deus (teísmo);
11) dever positivo de religião;
12) dever positivo de síntese entre ética e religião.

As virtudes

As virtudes são hábitos bons que nos levam ao cumprimento da lei natural. As virtudes
principais são chamadas de cardeais, pois a elas se ligam outras virtudes. As virtudes cardeais são as
seguintes: justiça, prudência, fortaleza e temperança. Examinaremos cada uma destas virtudes em
detalhes e apresentaremos a sua divisão em partes subjetivas (isto é, mostraremos quais são as diversas
espécies de cada uma destas virtudes), em partes integrais (isto é, quais são as virtudes que integram cada
uma das virtudes cardeais) e em partes potenciais (isto é, quais são as virtudes que se aproximam de cada
uma das virtudes cardeais, sem por isso serem consideradas partes integrantes destas).

1. A prudência e suas partes


A prudência é uma virtude cardeal que se relaciona com a boa escolha dos meios para a
consecução de um fim. Em outras palavras, a prudência é "recta ratio agibilium", isto é, a reta razão

conhecidos exemplos de como este tema foi tratado pela literatura clássica. O rei Creonte promulgara
uma lei proibindo que seus inimigos políticos, mortos em uma guerra civil, entre eles Polinices, irmão de
Antígona, sejam enterrados. Antígona desobedece à lei positiva promulgada por Creonte e enterra o corpo
de seu irmão segundo os rituais de sua religião, alegando que a lei de Creonte contrariaria “leis não-
escritas” (isto é, naturais ou divinas) que lhe seriam superiores.
3
Principalmente na modernidade, a existência de leis e direitos naturais, e principalmente a de leis e
direitos divinos, foi contestada por diversos pensadores, que propuseram novas formas de fundamentação
dos direitos e das leis positivos.
aplicada ao agir. Por "aplicada ao agir" entende-se aqui o agir do homem considerado moralmente. A
arte, pelo contrário, que os escolásticos chamam "recta ratio factibilium", isto é, a reta razão aplicada às
coisas a serem feitas, refere-se tão só à execução técnica da obra; "factível", efetivamente, é a mesma
obra considerada do ponto de vista técnico ou artístico.

Divisão
1) As partes subjetivas ou espécies da prudência são: a prudência individual, a econômica e a
social, segundo o homem ordena prudentemente ao fim somente o que se refere à sua pessoa ou também
o que se estende às relações familiares (econômicas) e sociais.

2) As partes integrais, isto é, as virtudes que completam a prudência, são a docilidade, a


solicitude, a lembrança dos fatos passados (diz-se, com razão, que a história é mestra da vida), a
inteligência para entender o sentido dos acontecimentos, o saber prever, etc. Às vezes, de fato, a
prudência exige solicitude e a dilação seria imprudência; outras vezes será mais prudente esperar e seria
imprudente assumir uma atitude demasiado solícita. Quem, portanto, carecesse dessas virtudes
complementares, tornaria inútil, no caso particular, toda a sua prudência.

3) As partes potenciais da prudência são as virtudes mais próximas e que, sob diversos aspectos,
a ela se assemelham. Alguns exemplos são o saber dar bons conselhos (eubulia), o saber julgar com
sagacidade os acontecimentos (sinesis) e o saber oportunamente dispensar e dispensar-se da lei, quando
observá-la seria contrário à reta razão (gnome ou epiqueia).

2. A justiça e suas partes.

A justiça é a disposição firme e constante da vontade em dar a cada um o que é seu. Ela, por isso,
tem por objeto próprio o direito dos outros e o direito alheio é tudo o que lhes é devido. A justiça tem por
lema: "Unicuique suum" (“a cada um o que é seu!”). Santo Tomás define-a como “vontade constante e
perpétua de dar a cada um o que é seu” ("perpétua et constans voluntas, ius suum unicuique tribuens").
Comumente falando, chama-se justo quem respeita o direito ("iustus dicitur quis ius custodit").

Divisão
1) As partes subjetivas (ou espécies) da justiça são: a justiça comutativa, distributiva e legal.
a) A justiça comutativa é a que regula as relações entre pessoas na vida particular. Diz respeito
às compras e às vendas (e, por isso, chama-se comutativa) e a todas as transações em que uma pessoa
tanto dá quanto recebe, quer se trate de coisas, quer de bens, quer de emolumentos.
b) A justiça distributiva é a justiça que regula a distribuição quer das vantagens, quer dos ônus
entre os súditos da parte da autoridade. Por exemplo: a justiça distributiva impõe à autoridade o dever de
distribuir a cada indivíduo vantagens e deveres, de sorte que todos sejam igualmente auxiliados a
conseguir o seu fim e de todos sejam igualmente eliminados os impedimentos. Essa espécie de justiça tem
vasto campo de aplicação nas distribuições de prêmios, dignidades, cargos, honras, privilégios, encargos
odiosos, censuras e penas de todo gênero.
c) A justiça legal é a justiça reguladora das relações entre os indivíduos e a sociedade e esta
tende a conseguir que todo súdito lhe dê o que é devido para o bem comum.

2) As partes integrais da justiça são: "(A) fazer o bem e (B) não fazer o mal". Cumpre, porém,
não entender essas partes genericamente – dado que, como dissemos acima, neste caso seriam partes
integrantes de todas as virtudes em geral –, mas segundo o sentido técnico da palavra justiça, isto é,
enquanto dizem respeito ao próximo, ao qual devem ser outorgados os bens que lhe são devidos e a quem
se devem evitar os males que lhe devem ser poupados.

3) As partes potenciais da justiça são as virtudes a ela afins, com as quais tem traços comuns,
mas das quais todavia se distingue por características particulares. É este o caso da piedade (quer para
com os pais, quer para com a pátria, para com os benfeitores), da obediência aos superiores, da
sinceridade, da gratidão, da punição do mal exercida por quem é investido de legítima autoridade, da
generosidade, da amizade etc. Não se pode de fato negar que essas virtudes tenham algo em comum com
a justiça, pois tendem a dar o que é devido, mas já não se encontram no plano de "direito rigoroso", onde
se encontra a justiça propriamente dita.
3. A temperança e sua partes.
A virtude da temperança consiste no hábito constante da vontade de usar bem das coisas que
conservam e transmitem a vida humana. Em outras palavras, a temperança tem por objeto próprio o uso
dos alimentos, das bebidas e do sexo, que são objetos que conservam ou transmitem a vida humana. Posto
que o homem é levado a esses objetos com instinto poderoso, a temperança modera a "intemperança" do
instinto, cometendo-o nos limites da razão.
Cícero define-a como “o moderado e firme domínio da razão sobre os apetites e outros
sentimentos intensos do ânimo” ("rationis in libidinem atque in alios non rectos impetus animi firma et
moderata dominatio"). Aristóteles chama-a “moderação nos prazeres corporais” ("mediocritas in
voluptatibus corporalibus").

Divisão

1) As partes subjetivas da temperança são:


a abstinência, que é a moderação no alimento;
a sobriedade, que é a moderação no beber;
a castidade, que é a moderação acerca do ato principal do prazer sexual e a pudicícia, que é a
moderação nos atos concomitantes ao ato principal do sexo, como são, por exemplo, as manifestações
comuns de afeto: abraços, beijos, carícias etc. Quem, de fato, evita isso é chamado com propriedade
"pudico".

2) As partes integrais são:


A verecúndia. Com essa palavra entende-se o sentimento de horror que experimentamos em face
da torpeza da intemperança. A verecúndia é sempre mesclada do temor da vergonha e da perda da estima.
A honorabilidade, pela qual se ama o decoro e a beleza da temperança.
Para sermos exatos, verecúndia e honorabilidade não são propriamente partes da virtude, pois não
se trata de disposições da vontade; são, pelo contrário, condições ou pressupostos naturais, um negativo e
outro positivo, os quais tornam mais fácil o exercício dessa virtude.

3) As partes potenciais da temperança são:


a continência, que freia a vontade para não ceder à concupiscência;
a humildade, que refreia a ousadia no desejo dos bens e das vantagens materiais;
a mansidão, e a clemência, que moderam a ira na vingança;
a modéstia, que reprime os movimentos desordenados do corpo, produzidos pelo apetite; a
modéstia, enfim, refere-se propriamente ao comportamento do corpo.

4. A fortaleza e suas partes


Santo Tomás, repetindo o pensamento de Aristóteles, diz que a fortaleza é “uma espécie de meio-
termo entre o medo e a audácia, pois implica uma espécie de força e firmeza de espírito, pela qual a alma
permanece firme diante do medo dos perigos” ("quaedam medietas inter timorem et audaciam, nam
fortitudo important quamdam animi firmitatem, per quam animus consistit immobilis contra periculorum
timores"). Em outras palavras, a fortaleza é a virtude que dispõe a vontade a superar os obstáculos que se
lhe opõem na observância da lei moral. Esses obstáculos podem surgir da parte de graves perigos a serem
enfrentados, provenientes do exterior, ou da pusilanimidade da pessoa. Os perigos afastam do dever
incutindo terror, a pusilanimidade afasta do dever apresentando a dificuldade mais grave do que
realmente é.

Divisão
1) Segundo Santo Tomás não existem partes subjetivas, ou seja, espécies da fortaleza, pois essa
virtude já é perfeitamente determinada no sentido técnico em que é comumente tomada. Salvo, talvez,
que se queira dizer que essas partes são: suportar e fazer coisas fortes como expusemos acima.

2) As partes integrais, por sua vez, são:


a confiança, que dispõe o ânimo ao empreendimento;
a coragem, que move a vontade para a ação;
a perseverança, que sustenta a vontade no desejo do fim, não obstante persistam os perigos;
a longanimidade e a constância, que dispõem a sustentar as lutas, mesmo graves, contanto se
consiga o próprio intento;
a paciência, que fortalece o ânimo para suportar males, inclusive graves, antes que trair a lei
moral;
a magnificência, que eleva a alma a empreendimentos nobres com certa largueza de vistas;
a magnanimidade, que inclina o ânimo a desprezar as honras e a empreender coisas elevadas.
Chama-se também "superioridade de ânimo", pela qual nem se buscam louvores, nem se temem censuras
humanas; tende-se tão só à virtude, excluindo todo interesse humano.

III. A intenção

O terceiro elemento determinante da ação moral é a intenção.


A intenção é a finalidade que o agente tem ao praticar uma ação, ou seja, o que se quer conseguir
por meio do ato que realiza.

Princípios básicos:

1. se a intenção é boa, acrescenta ao ato bom nova bondade;


2. se a intenção é má, vicia por completo a bondade do ato;
3. quando o ato é em si indiferente, a intenção transforma-o em bom ou mau4;
4. se a intenção é má, acrescenta nova maldade a um ato mau em si;
5. a intenção de quem age nunca pode tornar bom um ato que em si é mau5.

4
Por exemplo, comer tangerinas – e não, por exemplo, maçãs – quando se tem fome é em si um ato
moralmente indiferente (não é nem bom nem mau), mas, se tal ato é realizado com a intenção de ofender
alguém, por exemplo, se é realizado apenas para verdadeiramente ofender uma pessoa que está à mesa e
detesta o odor de tangerinas, tal intenção vicia o ato, transformando-o moralmente mau.
5
Por exemplo, o ato de sequestrar pessoas inocentes, que é objetivamente (isto é, quanto ao objeto moral)
mau, não se torna jamais moralmente bom, nem mesmo se for praticado com uma boa intenção, por
exemplo, financiar um grupo político que combate um regime totalitário e moralmente corrupto.

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