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ESTRUTURALISMO, GERATIVISMO E TEORIAS PRAGMÁTICAS:


PENSANDO A RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM, COGNIÇÃO E EXTERIORIDADE

Rosângela Alves dos Santos BERNARDINO – PPgEL/UFRN

0 Considerações iniciais

Este trabalho tem como objetivo principal discutir a relação entre linguagem, cognição e
exterioridade, a partir dos modelos teóricos que dominaram os estudos da linguagem no decorrer do
século XX, tais como o Estruturalismo de vertente saussuriana, o Gerativismo, com a abordagem de
Noam Chomsky, e algumas das teorias pragmáticas. De modo específico, pretendemos identificar os
pressupostos filosóficos que orientaram esses modelos, percebendo como eles estabeleceram a relação
entre linguagem, cultura e cognição, e como isso influenciou no tratamento do sentido (significado)1
na linguagem. Já que a linguagem existe produzindo sentido em todas as suas manifestações de uso,
importa-nos saber como o sentido é abordado por esses modelos lingüísticos, ou seja, como podemos
encontrar em cada uma dessas abordagens, uma teorização sobre a compreensão do sentido, quando se
considera ou não os aspectos da exterioridade, bem como os fatores de ordem cognitiva.
O trabalho tem respaldo em discussões de Martins (2004), Pinto (2004), Vilella (2003)
Marcuschi (2003), Koch e Cunha-Lima (2004), dentre outros. A discussão perpassa pelos pressupostos
filosóficos do realismo, mentalismo e pragmatismo, sobretudo como eles pensam a linguagem e o
significado; discussão acerca das vertentes estruturalista e gerativista e das teorias pragmáticas,
mostrando como essas vertentes, orientadas por uma ou outra daquelas bases filosóficas, tratam a
relação entre linguagem, cognição e exterioridade e como isso implica no tratamento do sentido; por
fim, os comentários conclusivos.

1 Dos pressupostos filosóficos: realismo, mentalismo e pragmatismo

Antes de discutirmos sobre como as vertentes estruturalista e gerativista, e também as teorias


pragmáticas que iremos focalizar, estabeleceram a relação entre linguagem, cognição e exterioridade, é
necessário compreendermos os pressupostos filosóficos que as orientaram. De uma forma ou de outra,
esses modelos lingüísticos que dominaram os estudos da linguagem no século XX buscaram suas
bases em três domínios do pensamento filosófico. Trata-se dos paradigmas do realismo, mentalismo e
pragmatismo, os três caminhos filosóficos que abordaram o fenômeno da linguagem, tratando de
questões que remontam ao pensamento mais antigo no campo da filosofia, do tipo: “As coisas têm
uma essência fixa que nos transcende?” “Há verdades universais?” “O homem pode ser a sede de
conhecimentos válidos?” (MARTINS, 2004).
Examinar a ascendência filosófica das diferentes concepções de linguagem subjacentes aos
três paradigmas (realismo, mentalismo e pragmatismo) é, segundo Martins (2004), um modo de
proporcionar um entendimento dos pressupostos teóricos de certos autores e de correntes lingüísticas
contemporâneas em seu modo de estudar os fenômenos da linguagem.
O aspecto da linguagem que a princípio interessa aos paradigmas filosóficos ocidentais diz
respeito, pois, à questão do sentido. A pergunta que orienta a abordagem das mais diversas
perspectivas teóricas e de autores e filósofos (por exemplo, Platão, Aristóteles, Locke, Nietzche,
Frege, Wittgenstein etc.) acerca da significação costuma ser estruturada como: “o que é para a palavra
humana ter ou fazer sentido”? Há, para essa questão, pelo menos três respostas advindas das três
principais tendências existentes no campo da filosofia da linguagem. Um primeiro ponto de vista,
advindo da tendência realista, postula que a linguagem humana significa quando “identifica parcelas
da realidade”. Numa segunda perspectiva, a da tendência mentalista, considera-se que a linguagem

1
Usaremos, neste texto, os termos ‘sentido’ e ‘significado’ como sinônimos, designando uma noção bem ampla
para nos referirmos ao que constituiria o objeto de estudo de uma teoria semântica. Porém, estamos conscientes
da complexidade imbricada à designação desses termos, haja vista existir variadas teorias semânticas e muito
pouco consenso entre elas.
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significa quando “apresenta acontecimentos mentais entre falantes e ouvintes”. Por último, sob o
ângulo da tendência pragmática, diz-se que a linguagem significa quando “é usada ou vivenciada nos
fluxos das práticas e costumes de uma comunidade lingüística, histórica e culturalmente determinada”
(MARTINS, 2004, p. 442).
Nesses três modos de compreender a linguagem humana, observa-se que o foco recai em cada
uma, respectivamente, sobre o real, o mental e histórico-cultural, significa dizer que as três tendências
elegem uma dessas dimensões como condição central para a constituição do sentido. O que faremos,
com base em Martins (2004), é verificar as divergências apresentadas por cada uma dessas visões no
tocante ao modo de compreender o significado e a linguagem.
Na proposta realista, “o significado de uma expressão lingüística é a parcela da realidade que
ela identifica” (p. 443). Tal concepção se baseia no modelo da nomenclatura, que coloca, de um lado,
os itens verbais e, de outro, os objetos do mundo por eles nomeados. Por sua vez, a linguagem “é um
mero duplo do real, que se baseia em uma correspondência biunívoca e óbvia entre os nomes e as
coisas” (p. 444). Uma das críticas que se costuma fazer a essa visão realista da linguagem e do
significado se refere ao fato de que ela não dá conta da complexidade da significação, é uma visão
simplista acerca da linguagem.
Na perspectiva mentalista, os significados são entidades mentais, sendo estas memórias
imagéticas das coisas. Nesse caso, as imagens que se têm das coisas do mundo é que dá condição para
a significação. A linguagem é a representação, a expressão dessas imagens mentais. Trata-se, também,
de uma visão simplista.
Já para a proposta pragmatista, os significados nem são da ordem do real, tampouco das
entidades mentais; não estão nos objetos do mundo, nem nos sujeitos. Os significados são, em sua
essência, da ordem dos usos individuais e sociais culturalmente determinados.
Segundo Martins (2004), as três visões são consideradas simplistas por reduzirem a questão do
sentido a uma única dimensão, e revelam, em razão disso, que a problemática envolvida no sentido da
linguagem humana é eminentemente complexa, de modo que não se pode ter expectativa de que se
resolva por completo.
Para a compreensão que buscamos aqui sobre os paradigmas realista, mentalista e pragmatista,
é interessante entendermos uma antiga controvérsia instaurada entre sofistas e socráticos acerca da
verdade. Essa controvérsia, além de perpassar os três domínios aqui tratados, atravessa, também, as
correntes teóricas da Lingüística. Em se tratando do pensamento lingüístico, veremos mais adiante que
a posição dos sofistas incide sobre a visão pragmática da linguagem e do sentido, e, do lado oposto, a
perspectiva socrática exerce influência sobre os domínios realista e mentalista.
Sobre esse aspecto, a discussão é a de que a linguagem, além de constituir uma preocupação
de cunho filosófico e racional que se inicia desde o mundo grego, está, também, subordinada a outras
dimensões do pensamento, como o pensamento mítico. Assim, diante do mundo a sua volta, o homem
pode indagar sobre as coisas e explicá-las por meio do recurso ao mito. Segundo consta, a explicação
mítica da realidade precede historicamente o conhecimento filosófico e este surge exatamente como
reação a essa forma mítica de conceber o mundo.
Em essência, o pensamento filosófico grego contrapõe-se às formas do pensamento mítico por
considerar que este traz dimensões do fictício, do imaginário, da mentira, e defende que as explicações
acerca das coisas do mundo devem ter respaldo em fundamentos racionais, sob condição para alcançar
a verdade. A verdade é, nesse caso, um atributo da razão, portanto só se chega à razão por meio de
caminhos puramente racionais.
Esse caminho racional para a busca da verdade se constitui de forma antagônica entre sofistas
e socráticos. Em face das questões ontológicas, sobre a existência das coisas, os sofistas, como é o
caso de Protágoras, afirmam que as coisas são aquilo que nos parecem ser, uma vez que se concebe o
homem como a medida de todas as coisas. Já os socráticos, no caso de Sócrates (retomado em Platão),
Platão e Aristóteles, defendem que há uma essência permanente das coisas (MARTINS, 2004).
Ambos os grupos, sofistas e socráticos, divergem, pois, quanto à noção de verdade. Os sofistas
acreditam que a verdade é múltipla, relativa e mutável, pois é o resultado das inúmeras opiniões
individuais e do consenso coletivo acerca dessas opiniões. Ao contrário, os socráticos pensam a
verdade como algo imutável; há uma verdade sobre as coisas que é fixa e independente das opiniões e
do consenso humano. Tratamos dessa questão de forma mais detalhada no próximo tópico.
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1.1. Sofistas e socráticos

No que se refere aos sofistas, Martins (2004) destaca a perspectiva do relativismo como o
legado a eles atribuído. O relativismo nega a existência de verdades universais, fixas e imutáveis,
propondo que a verdade não pode ser autônoma em relação às circunstâncias concretas, contingentes e
variáveis da experiência humana.
Sobre a relação entre a linguagem e o real, os sofistas, especificamente Górgias, sustentam a
tese de que “a realidade não pode tornar-se nosso discurso; novamente, a linguagem não diz o real” (p.
451). Assim, linguagem e ser estão radicalmente separados, de forma que o exterior não pode ser
contemplado na linguagem, porque esta não diz o real. Para Górgias, o que a linguagem revela é a
própria linguagem. O real, nesse entendimento, “é aquilo que se manifesta para nós como tal no
discurso” (p. 452). A visão do real perpassa, pois, pelas opiniões ou impressões de cada um, tornando-
se consenso entre a coletividade (acordos contratuais), para então se estabilizar.
A perspectiva sofística para a questão do sentido de uma expressão lingüística compreende
que o sentido não é fixo, porque além de significar uma ou mais coisas, que seja um objeto
determinado, significa, também, o seu contrário. Desse modo, o sentido é mutável, uma vez que está
relacionado com as práticas sociais, que lhe são reguladoras.
Já numa perspectiva platônica acerca do sentido, este passa a ser concebido a partir de uma
ótica dualista, porque, para Platão, há uma distinção necessária entre o mundo sensível, das
aparências, relativo à percepção, e o mundo inteligível, das essências ou idéias, relativo à razão. No
entendimento platônico, as coisas que o sentido ou a percepção consegue abarcar são meras cópias de
um real de coisas invisíveis. Por sua vez, as coisas ou essências das coisas existem pó si mesmas, elas
são entidades autônomas, universais e independem dos objetos que representam e dos sujeitos que os
concebem.
A concepção de Platão sobre a linguagem tem como pano de fundo a questão da verdade,
sendo que esta, ao contrário da perspectiva sofística, prevalece sobre o consenso, logo a verdade é
independente do consenso.
Platão opera a distinção entre discurso falso, entendido como aquele em que há um
descompasso entre a linguagem e a estrutura do real, e discurso verdadeiro, compreendido como no
caso em que há fidelidade da linguagem no tocante a essa estrutura do real. Nas palavras de Martins
(2004. p. 458), num sentido platônico, “o que determina a verdade ou falsidade de um enunciado é,
nesse contexto, um parâmetro independente: a estrutura autônoma e única do real”.
Em relação à questão do sentido das expressões lingüísticas, Platão sustenta a tese de que o
sentido só pode ser compreendido na sua relação objetiva com o real, na medida em que a linguagem é
um instrumento para se descrever e representar objetivamente o real. Assim, Platão compreende a
linguagem e o sentido sob uma ótica eminentemente realista, de sorte que os nomes correspondem
diretamente à realidade por eles representada. Os nomes, portanto, nos servem para informar sobre
seus referentes no mundo, o que equivale a dizer que a função primordial da linguagem é representar,
informar sobre as coisas do mundo. Quanto melhor um nome cumprir essa função de informar o real
maior será sua essência em si mesma; será, então, um nome ideal, correto, o mais adequado.
Por último, destaca-se que, para Platão, todas as línguas diferem apenas quanto a propriedades
vocais, já que, em se tratando de sua estrutura profunda, são sempre idênticas, na medida em que
representam a realidade. São nesses termos que Platão associa-se a uma perspectiva realista da
linguagem e do sentido.
No que concerne a numa perspectiva aristotélica, perspectiva a que se pode denominar
mentalista (MARTINS, 2004), a linguagem e o sentido são abordados tomando-se os seguintes pontos.
De um lado, Aristóteles compactua com Platão a idéia de que a verdade prevalece sobre o consenso,
assim é também um forte questionador das doutrinas sofísticas. De outro lado, Aristóteles rejeita a tese
platônica da Formas, defendendo que a linguagem está subordinada à capacidade mental ou racional
humana. Para ele, as expressões lingüísticas expressam atributos do espírito humano. O modo de
conceber a linguagem é, para Aristóteles, inscrito no realismo, tal como defendia Platão. Porém, na
tese aristotélica, o sentido é compreendido em termos de representação mental. Por isso, diz-se que a
perspectiva aristotélica constitui a tríade linguagem-alma-real, sendo que as afecções da alma são
uniformes para todos os falantes, haja vista a linguagem representar a estrutura do real, que, por sua
vez, é fixo e autônomo. Aristóteles é um exímio defensor do princípio lógico-racional das línguas,
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afirmando que a linguagem funciona “como instrumentos para representar o pensamento racional e
para a comunicação” (p. 467). O mentalismo realista aristotélico se funda, pois, na idéia de que a
linguagem representa o pensamento e este representa o real.
Na verdade, segundo Martins (2004), a discussão sobre os três domínios do pensamento
filosófico, as abordagens realista, mentalista e pragmatista da linguagem e do sentido, se resumem em
uma disputa de dois únicos enfoques, essencialismo e relativismo, acerca da verdade. Nos dois
enfoques, a linguagem é concebida de duas formas distintas:
1. Compreende que as palavras são “sucedâneos de entidades objetivas – essências, reais ou mentais,
transcendentes em relação às experiências concretas e variáveis dos homens” (p. 469). As línguas e,
portanto, a linguagem teriam como função primeira representar objetivamente as coisas do mundo,
falar sobre uma realidade externa, fixa e universal. A verdade é que prevalece sobre o consenso. Eis aí
a visão platônico-aristotélica;
2. Compreende que a linguagem é determinada pela ordem da cultura e da história. Essa visão de
linguagem se funda na perspectiva pragmática, segundo a qual não há verdades universais e sim
verdades múltiplas e mutáveis, resultados de consensos sociais. [...] “A linguagem desempenharia um
papel não meramente descritivo, mas antes constitutivo nos assuntos humanos” (p. 470). Eis aí a tese
sofística.
Portanto, as duas visões apresentadas acima são desdobramentos da tensão entre essencialismo
e relativismo:
Essencialismo – associado às teses platônicas e aristotélicas sobre a linguagem e o sentido, às visões
de expoentes modernos e contemporâneos, como Descartes, Locke, Arnauld e Lancelot, Frege e
Russel, dentre outros, e também ao domínio da Lingüística. Nesse domínio teórico-filosófico, a
linguagem é concebida como representação de significados essenciais, fixos e compartilhados
universalmente. Na história da Lingüística, encontram-se resquícios dessa concepção no
estruturalismo saussuriano;
Relativismo - associado ao pensamento de autores e filósofos contemporâneos, como Wittgenstein,
Heidegger, Derrida, Foucault, dentre outros. Segundo Martins, esses autores defendem uma concepção
de linguagem como a que é defendida pelos sofistas, inscrita numa posição relativista. Essa visão se
faz presente na Lingüística que se desenvolve depois de Saussure.
Toda essa discussão em torno da linguagem e do sentido tem, portanto, origem em questões de
cunho filosófico, desde os antigos gregos até momentos contemporâneos. São exatamente essas
questões que atravessam a história e a constituição do pensamento lingüístico e de suas mais variadas
correntes. Discutiremos isso a seguir.

2. O estruturalismo e a contribuição de Saussure

Iremos considerar como uma maneira válida de pensar sobre a relação entre linguagem,
cognição e exterioridade a abordagem de Saussure, no século XX, através da tendência do
Estruturalismo, compartilhada, também, por Hjemslev e Bloomfield. Queremos destacar, entretanto,
que essa relação constituiu o interesse de autores e filósofos desde os antigos gregos, a partir dos
grupos que acabamos de apresentar.
Saussure e seus seguidores postulavam que o pensamento está subordinado à linguagem,
porque é através da linguagem, dos signos, que se pode pensar acerca das coisas do mundo, logo a
linguagem dá forma ao pensamento. Convém ressaltar que Saussure não crer no fato de haver idéias,
conceitos pré-estabelecidos. Para ele, a aquisição de conhecimentos está na base da experiência
(tendência empirista) e não na base de princípios racionais (cf. MARTELOTTA, s.d.).
Tomando-se a discussão dos tópicos anteriores, podemos dizer que a relação entre linguagem,
cognição e exterioridade foi pensada a partir de dois blocos distintos: de um lado, o mentalismo,
somado a uma visão realista, e, de outro, o pragmatismo. É justamente esse primeiro bloco que exerce
influência sobre o estruturalismo saussuriano.
Podemos considerar que Saussure é mentalista na medida em que concebe a língua como “um
sistema de signos que exprimem idéias”, um sistema homogêneo que compreende um conjunto de
regras depositado na mente dos falantes (SAUSSURE, 1995, p. 24). Essa concepção de língua tem
como pano de fundo a idéia de que a mente é uma entidade vazia, que, uma vez inserida num contexto,
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apropria-se dos fatos da língua. Para tanto, basta que os falantes estejam expostos aos dados da língua
e recebam adequadamente os estímulos para a sua aprendizagem. Os dados, a propósito, chegam à
mente dos falantes de forma homogênea. Logo, a língua é uma entidade social e é adquirida em
contextos sociais, pensa Saussure. Porém, ela é homogênea porque a adquirimos de maneira uniforme,
ou seja, em todas as mentes humanas, há os mesmos dados (conhecimentos da fonologia, morfologia,
da sintaxe etc.) sobre a estrutura da língua.
O significado, nessa acepção, é dado no interior da própria estrutura da língua, sob condição
de um sistema de diferenças, oposições. Pensar o sentido de uma expressão lingüística é pensar seu
valor em relação a um conjunto de outras expressões do sistema. Por isso, os valores de um termo
constituem-se na relação de oposição com outros termos.
Saussure deixa de lado a Semântica, responsável, em termos bem gerais, pelo significado das
formas lingüísticas. Segundo Marques (2003), o significado não recebe a mesma importância de
estudo que os outros planos da língua, tais como a morfologia e a sintaxe, e por isso mesmo constitui
um fator periférico. Nos termos da autora,

“A semântica só deve ser levada em conta na lingüística como auxiliar heurístico,


para melhor conhecimento dos subsistemas centrais: pode-se usar o significado
intuitivamente, para determinar se duas formas, constituídas, no todo ou em parte,
por elementos fônicos ou segmentos mórficos diferentes, têm o mesmo significado
ou têm significados diferentes, para os falantes da língua” (2003, p. 48).

Quando há, a semântica que decorre do modelo estruturalista fica relegada ao nível do léxico.
Ainda segundo Marques, “os estudos semânticos específicos limitam-se ao plano vocabular, ao exame
de possibilidades de procedimentos rigorosos para a análise do léxico” (2003, p. 48). Um exemplo
disso é o estudo das relações de sinonímia entre duas ou mais formas lingüísticas, como está explícito
nesses termos da autora.
Também ficam à margem da abordagem saussuriana os fatores de natureza extralingüística,
vale dizer, os aspectos sociais e culturais. Saussure os reconhece, porém não os considera, porque a
língua, enquanto sistema abstrato, pode ser estudada por si mesma.

3. O gerativismo e a contribuição de Chomsky

Outra hipótese é a defendida por Noam Chomsky, ao desenvolver uma Gramática gerativa
seguindo os moldes da gramática universal de inspiração lógica. À idéia de que as línguas apresentam
caráter lógico e se organizam segundo leis e padrões universais Chomsky acrescenta a noção de
inatismo, com base em estudo empírico. Chomsky argumenta que todo falante possui uma gramática
universal (GU) internalizada que lhe possibilita formar sentenças gramaticais em sua língua.
De acordo com Martelotta (s.d.), para sustentar essa idéia do princípio universal das línguas,
Chomsky afirma que todas as línguas naturais apresentam partes em comum, apesar de serem
aparentemente diferentes; afirma também que somente o homem possui a faculdade da linguagem e,
por último, que toda criança está apta a aprender uma ou mais línguas, desde que a elas esteja exposta
ou em contato. Esse aprendizado é uniforme, de maneira que toda criança passa pelos mesmos
processos e fases de aquisição da linguagem.
Interessante destacar, segundo o autor, que a teoria gerativa concede à linguagem um estatuto
autônomo. Assim, a faculdade da linguagem é específica e diferente de outras capacidades, isso
porque a mente é modular (princípio da modularidade da mente), na medida em que apresenta
sistemas cognitivos responsáveis por cada forma de conhecimento, dentre eles o conhecimento da
linguagem. Este é, pois, inato e autônomo.
Sendo assim, para Chomsky, a linguagem não exerce influência significativa em relação ao
pensamento, tal como se postulava na hipótese relativista. Esse autor se fundamenta no pressuposto de
que existem idéias e conceitos pré-estabelecidos; existe um mundo pronto, fixo e independente que a
linguagem apenas nomeia (proposta realista ou fundacionalista) (cf. MARTELOTTA, s.d.).
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Uma semântica inscrita nesse modelo chomskyano irá pensar o sentido como sendo da ordem
da sintaxe, pela noção de gramaticalidade, que significa conceber as estruturas da língua como
seqüências sintaticamente bem formadas: “todo enunciado lingüístico tem uma estrutura gramatical,
isto é, deve ser construído de acordo com regras formais que determinam se a seqüência é bem
formada (gramatical) ou não (agramatical)” (MARQUES, 2003, p. 51). Portanto, o significado é
sintático e deve ser coerente com a estrutura lógica, racional do pensamento, porque, em termos bem
gerais, a língua expressa a estrutura lógica do pensamento.
Por outro lado, segundo essa visão, o domínio dos mecanismos sintáticos, isto é, das regras
que regem o sistema lingüístico, constituem a competência gramatical dos falantes, e, como bem
afirma Marques (2003, p. 51), esse domínio “decorre de propriedades cognitivas inerentes à mente
humana”. Conforme a autora, os fatores condicionantes externos, bem como as circunstâncias
socioculturais, as atitudes emocionais dos falantes, suas crenças, seus pressupostos acerca do mundo
exterior etc. compreendem o que Chomsky chama de ‘desempenho’, sendo exatamente esses aspectos
que ficam à margem de sua abordagem gerativa.

4. Teorias pragmáticas

Na Lingüística que se faz depois de Saussure, muitos são os modelos e/ou teorias que se
voltam para a linguagem em uso, descentralizando, assim, o estudo do código, da língua em si mesma.
Por isso, esses estudos costumam receber o rótulo de pragmáticos, e, tal como as vertentes
estruturalista e gerativista, eles têm nas suas bases alguma orientação advinda da filosofia da
linguagem.
Se focalizados a questão do uso e dos fatores sociais, históricos e culturais, podem ser
considerados como pragmáticos os estudos provenientes de correntes como a Semântica
Argumentativa, a Análise da Conversação, a Lingüística Textual, a Semântica Cognitiva, a Análise de
Discurso francesa, a Sociolingüística, dentre outras. São esses estudos que concretizam a virada
pragmática no campo da Lingüística na segunda metade do século XX. Sejam trazendo a fala, ou
texto, ou discurso, ou sentido, ou os sujeitos para o centro de suas abordagens, todas elas têm em
comum o fato de considerarem os fatores externos à língua e, principalmente, levarem em conta os
contextos de uso como a maneira efetiva de se estudar os fenômenos lingüísticos. Discutindo essa
questão, Paveau (2006) cita como teorias pragmáticas as abordagens proferidas por Austin, com a
Teoria dos Atos de Fala; Grice, com os estudos da intenção comunicativa; Ducrot e suas teses sobre a
argumentação, dentre outras.
Neste trabalho, focalizaremos algumas dessas teorias, e daremos destaque àquelas cujo foco
recai sobre o significado, considerando-o na relação tanto com os aspectos sociais quanto com os de
caráter cognitivo, o caso da Semântica Cognitiva, por exemplo.
Calcada em estudos de Immanuel Kant (1724-1804), a filosofia do final do século XIX orienta
diversas correntes da lingüística a centrarem seu foco de atenção nos usuários e usuárias da linguagem,
com preocupação, também, para os problemas relativos ao uso da língua e às condições que governam
sua prática, nos contextos efetivos da interação lingüística. É esse o caso da Pragmática, definida, de
maneira bem geral, como a ciência do uso lingüístico (PINTO, 2004).
O princípio filosófico que mais diretamente afeta no movimento pragmático no âmbito da
linguagem é, segundo Pinto (2004, p. 49), o de que “a representação é antes lingüística do que
mental”. Significa compreender, por outro lado, que não existe um mundo independente da linguagem
e que esta apenas representa. Nesse caso, há uma tentativa de não pensar a linguagem como um
espelho da realidade ou de entidades mentais. Dito de outra forma, há um rompimento com o modo de
pensar a linguagem tanto em relação a Saussure quanto a Chomsky. Rompe-se, assim, com o dualismo
que concebe, de um lado, linguagem/mundo e, de outro, linguagem/mente como duas entidades
radicalmente separadas.
A Pragmática, a semelhança de outros campos teóricos, não se faz de forma homogênea. Ela
abriga correntes por vezes diversificadas. Numa breve apresentação das correntes pragmáticas e de seu
campo de estudo, Pinto (2004) menciona o pragmatismo americano, a teoria dos atos de fala e os
estudos da comunicação.
Para os fins que se pretende neste trabalho, interessa-nos perceber que, no caso da primeira
corrente, o pressuposto filosófico é o do relativismo. Reservadas as suas particularidades, é claro, esse
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relativismo nos fazem remeter à idéia sofística acerca da verdade e do significado. Logo, muito longe
de ser uma correspondência objetiva com o mundo, a verdade é nada mais que o resultado do consenso
entre pessoas sociais; é, como pensa William James (apud PINTO, 2004), aquilo que as pessoas
querem que ela seja. Disso resulta que o significado lingüístico também não se inscreve nessa
correspondência objetiva com o mundo. Ele é muito mais decorrente de uma construção social.
Uma outra perspectiva filosófica do pragmatismo americano é a Teoria da coerência de
Donald Davidson (1986). Esse autor é um exímio crítico da visão representacionista da linguagem,
sobretudo a abordagem lógico-clássica acerca da verdade e do sentido. Suas teses vão de encontro à
Teoria da correspondência que orientou a conceitualização do significado em abordagens como a da
Semântica Formal fregeana, calcada nas condições de verdade/falsidade quando da relação entre
palavra/referente. Numa síntese das palavras de Davidson, Pinto (2004, p. 55) afirma que o autor
pretende mostrar exatamente que:

As atitudes proposicionais de uma pessoa, sua fala, crenças e intenções são


verdadeiras porque existe um princípio legítimo que diz que qualquer uma das
atitudes proposicionais do/a falante é verdadeira se ela é coerente com o conjunto de
atitudes proposicionais desse/a mesmo/a falante.

A idéia de coerência interna proposta por Davidson orienta-nos, nesse caso, a


compreendermos o significado como uma construção intersubjetiva. E um significado só se torna
verdade na medida em que ele faz parte de um sistema de crenças.
A segunda corrente pragmática, concebida como a Teoria dos atos de fala, tem como principal
representante L. Austin (1962; 1990), para quem a linguagem é “uma atividade construída pelos/as
interlocutores/as, ou seja, é impossível discutir linguagem sem considerar o ato de linguagem, o ato de
estar falando em si – a língua não é descrição do mundo, mas ação” (PINTO, 2004). Fato bem
conhecido nessa teoria de Austin é a distinção operada entre enunciados constativos (aqueles que
realizam uma afirmação) e performativos (aqueles realizam uma ação). Esses enunciados, por sua vez,
realizam atos locucionários (são aqueles que dizem algo), ilocucionários (sãos aqueles que revelam a
posição do falante em relação ao que é dito) e perlocucionários (são os efeitos e conseqüências sobre
os alocutários).
Não iremos nos deter aqui nas críticas que sucedem desta distinção austiniana entre
enunciados constativos e performativos (ver OLIVEIRA, 2007). O debate que, para este trabalho,
interessa é precisamente a observação do autor sobre a impossibilidade de atribuir um valor de
verdade para um enunciado performativo, o que vem revelar os limites de uma semântica
vericondicional, que sustenta o valor de verdade de um enunciado pela sua correspondência direta com
o muno.
Uma terceira corrente pragmática diz respeito aos estudos da comunicação, considerados,
conforme Pinto (2004), como um híbrido das correntes anteriores, com o acréscimo do aspecto
historicista, advindo de correntes filosóficas como o marxismo, sobretudo a discussão acerca das
diferenças de classe. Essa corrente vai se interessar, dentre outras coisas, em investigar a influência do
fator ‘classe’ na comunicação entre as pessoas. O pressuposto é o de que todos os conflitos sociais
decorrentes das lutas de classes se manifestam na linguagem e por isso mesmo se apresentam na
comunicação, já que esta é, em essência, uma prática social.
Em todas essas correntes pragmáticas, o componente social é fator determinante para a
investigação do uso lingüístico. Nas três correntes, os fenômenos lingüísticos não podem ser pensados
fora da prática social e, menos ainda, dos seus sujeitos. Pode-se considerar que o fator comum que
abriga essas correntes, e também outros modelos lingüísticos que, de uma forma ou de outra, levam
em conta os aspectos pragmáticos, o uso, o contexto etc., diz respeito à crítica e contraposição ao
representacionismo e mentalismo lingüístico. É nesse sentido que a linguagem deixa de ser apenas
referencial, pensada como se fosse um mero caminho ou forma de acesso ao mundo, vale dizer, de
categorização de objetos do mundo, para ser necessariamente vinculada à exterioridade. Lingüistas
pragmáticos consideram ser impossível separar linguagem e sociedade, linguagem e seu uso,
linguagem e cultura etc.. Para Van Dijk (1992), por exemplo, a pragmática do uso orienta que os
objetos de referência são fatos construídos socialmente, e por isso mesmo são parte de um mundo
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possível. Dessa forma, o contexto, o uso, é que determina se esses objetos são constitutivos de um
mundo possível ou não.
Ainda segundo Van Dijk (1992), os significados não são somente representações
convencionalizadas. A significância de um discurso, para o autor, depende dos atos reais ou possíveis
(ou complexos de fatos episódicos) denotados pelo discurso, uma dependência que pode ser avaliada
somente com base no nosso conhecimento ou crença sobre os fatos atuais ou possíveis, em algum
universo ou situação. Acrescente-se a isso que a semântica é necessariamente pragmática, de sorte que
não se pode pensar a produção de sentido sem considerar o uso.
A respeito de uma relação entre semântica e pragmática, é cada vez mais consensual entre
teóricos e estudiosos dessas duas áreas que não é possível pensar o significado sem o uso. Ver, por
exemplo, a abordagem da semântica cognitiva, para a qual não se pode operar com a distinção entre
conhecimentos lingüísticos e conhecimentos não-linguísticos, sentido denotativo e sentido conotativo,
de modo que também não há como tratar o sentido fora dos contextos de uso da linguagem (Passeggi,
2006).
Uma abordagem semântica orientada por essa fundamentação pragmática irá pensar o sentido
não mais aprisionado à forma (lexical ou sintática) e sim decorrente da prática lingüística. Conforme
nos mostra Marcuschi (2003), o sentido de uma palavra não é dado, nem fixo; é muito mais uma
construção discursiva, porque simplesmente todos os referentes de uma palavra são objetos de
discurso. Nesses termos, a visão representacional, cara aos formalistas (entenda-se estruturalistas e
gerativistas) de que a linguagem representa o mundo numa relação biunívoca, não se sustenta.

5. Fecho: alcances e limites das teorias pragmáticas

Conforme vimos, teorias pragmáticas ‘entram em cena’ levando em conta o uso, os contextos
sociais, os sujeitos, enfim, os elementos da exterioridade. Isso fez com que a investigação lingüística,
seja qual for o seu objeto, se desprendesse do código fechado em si mesmo e impulsionasse a crise do
representacionismo que dominou as vertentes estruturalista e gerativista.
Por outro lado, tem faltado a muitas dessas abordagens considerarem os fatores de ordem
cognitiva. Koch e Cunha-Lima (2004) expressam essa preocupação ao afirmarem que algumas das
abordagens lingüísticas privilegiaram os aspectos sociais da língua, em detrimento dos fatores
internos, biológicos ou individuais. Nesse caso, tais fatores não foram vistos como exercendo
influência sobre o funcionamento da língua. Trata-se, segundo as autoras, de uma postura
fundamentada numa visão de língua como “fenômeno apenas social”. Para pesquisadores que se
interessam por esses aspectos sociais da linguagem, ou para, pelo menos, a maioria deles, os fatores
cognitivos acabaram ficando à margem de suas investigações, é o caso que tem acontecido em relação
à abordagem dos pragmatistas, sociolingüístas e etnolinguístas.

6 Mudança de foco: pensando a relação linguagem, cognição e exterioridade

Para iniciar a discussão deste tópico, destacamos que, mais recentemente, vem sendo discutida
uma proposta que se caracteriza por conciliar aspectos do realismo ou fundacionalismo com aspectos
do relativismo experiencialista. É uma abordagem a que se chama experiencialista. Os princípios
apresentados por essa proposta experiencialista são desenvolvidos pelas correntes lingüísticas sócio-
cognitiva, a partir dos estudos de George Lakoff, Ronald W. Langacker, Gilles Fauconnier, e
funcional, com base em pesquisas de Talmy Givón, Sandra Thompson, Wallace Chafe, dentre outros.
Na proposta experiencialista, aceita-se a idéia de que o homem possui uma capacidade inata
para o desenvolvimento da linguagem, porém não se admite que o conhecimento da linguagem seja
específico e autônomo. Nessa perspectiva, o conhecimento da linguagem não pode ser dissociado das
outras formas de conhecimento e dos fatores de natureza sócio-cultural, comunicativos e cognitivos. O
uso da linguagem está intimamente integrado com toda a psicologia humana, por isso está em relação
com outras atividades, tais como atenção, percepção, memória etc.
Para os adeptos do experiencialismo, não há distinção entre conhecimento lingüístico e
conhecimento não lingüístico, já que os fatores externos (sócio-culturais) também influenciam
diretamente no uso da linguagem.
2517

De acordo com Martelotta, a proposta do experiencialismo se fundamenta a partir de três


pressupostos básicos. O primeiro sustenta que não existe um mundo pronto; esse mundo é criado na
medida em que os seres humanos o categorizam. O homem estabelece os critérios para categorizar o
mundo não só com base em fatores culturais, mas também nas restrições de natureza cognitiva. O
segundo pressuposto é o de que o pensamento é corporificado, entendendo-se que as restrições
impostas pelo nosso corpo atuam na forma como produzimos conceitos, vale dizer, na forma como
vemos o mundo. E, por último, o terceiro pressuposto defende que a mente humana não é apenas de
caráter racional. A esse respeito, considera-se de fundamental importância a visão e emoção do
falante, pois ambas também entram em cena no campo de suas atividades comunicacionais.
Portanto, nessa proposta, há uma retomada do princípio relativista, segundo o qual a
linguagem influencia na categorização do mundo, e também do fundacionalismo, na medida em que
compactua com a idéia de que os conceptuais universais influenciam nessa categorização.
Essa discussão de Martelotta traz as questões-chave da abordagem acerca da relação entre
linguagem e cognição, sob influência dos aspectos sócio-culturais.
Em algumas das abordagens da Lingüística, essa relação já começa a se tornar elemento
fundamental. Na Lingüística textual, “os estudos da referenciação têm-se dedicado especialmente a
entender o processamento cognitivo, por exemplo, quando se procura entender como o conhecimento
de mundo é ativado para a construção do sentido e como a memória pode influenciar esse processo”
(LIMA, 2005, p. 198). Por isso, nessa corrente, para a análise de fenômenos como a referenciação
anafórica, busca-se, sem dúvida, considerar os aspectos cognitivos, especificamente sob uma
abordagem social e cultural da cognição, o sociocognitivismo. Portanto, na Lingüística Textual, tem
sido cada vez mais crescente o interesse por aspectos cognitivos do texto.
Uma outra corrente que mais diretamente pensa a relação linguagem e cognição, sem
desconsiderar, contudo, os fatores sócio-culturais é a Lingüística Cognitiva. A semântica Cognitiva,
bebendo dessas fontes, e principalmente do realismo experiencialista, tem defendido que a linguagem
humana é fruto do meio cultural e de suas experiências corpóreas no mundo que o cerca.
Consequentemente, assentado em pressupostos de Lakoff (1987), defende-se que o significado é
motivado, na medida em que ele é o resultado da interação que o nosso corpo exerce com o meio. O
significado é natural e experiencial, porque “ele se constrói a partir de nossas interações físicas,
corpóreas com o meio em que vivemos” (PIRES DE OLIVEIRA, 2001).
Tratando acerca da produção de sentido, Lakoff (1977)2 não desconsidera a relação entre
forma e significado. Para ele, a forma é necessária, mas não pode ser a única nem autônoma na
produção de sentido. A forma mantém relação com a cognição na atividade discursiva. E, ainda, o
autor entende que a “[...] a maneira como dizemos aos outros as coisas é muito mais uma decorrência
de nossa atuação discursiva sobre o mundo e de nossa interação sociocognitiva [...] do que simples
fruto de procedimentos formais de categorização lingüística” (p. 243).

Considerações finais

Observadas as bases teórico-filosóficas das vertentes estruturalista e gerativista, pode-se


considerar, então, que ambas trabalham com uma visão representacionista da linguagem, seja como
representação direta do mundo, seja como um espelho de processos mentais. No primeiro caso, a
estrutura da linguagem reflete a estrutura do mundo; no segundo, a estrutura da linguagem reflete a
estrutura da mente. Ambas também dispensam as variáveis sócio-histórica, cultural e pragmática,
portanto o uso. Nesse sentido, a linguagem não é vista como resultado de atividades sociais e culturais,
integradas por sua vez com os processos cognitivos.
Consequentemente, por ser a língua entendida como sistema abstrato e homogêneo, tanto o
estruturalismo quanto o gerativismo consideram o tratamento do significado um dado periférico,
relegado a segundo plano, algo a ser estudado depois. Logo, no que se refere ao tratamento do
significado, a situação é a mesma nos dois enfoques, assim como o é no tocante aos fatores não-
lingüísticos.

2
Apud Vilella (2003)
2518

O sentido foi pensado, nos dois enfoques, como algo que se inscreve no interior do próprio
sistema lingüístico e nada tem a ver com os contextos sociais de uso. No caso de Saussure, conforme
discutimos, ele considera possível pensar a forma sem pensar o significado, de modo que este fica
aprisionado ao significante. Já Chomsky pensa o significado nos limites da sintaxe; para ele, uma
estrutura lingüística significa quando atende aos padrões de gramaticalidade.
Diferentemente das abordagens estruturalista e gerativista, as teorias pragmáticas procuram
conceber a linguagem como uma atividade indissoluvelmente ligada às variáveis sócio-históricas,
culturais e cognitivas, o que conduz a um estudo da língua/linguagem voltado para os contextos
efetivos de uso. Portanto, essas teorias pragmáticas não estão trabalhando com a idéia de linguagem
como expressão do pensamento, nem como representação direta de um real fixo e autônomo, mas sim
como o resultado de atividades sociais, culturais e cognitivas. Por sua vez, todos esses fatores são
extremamente necessários para a compreensão do significado.
Os aspectos de ordem cognitiva, embora não tenham constituído desde cedo o interesse dos
estudos lingüísticos, passam a ser, hoje, fundamentais. Assim, além de focalizar os contextos de uso da
linguagem, a idéia compartilhada por boa parte das correntes lingüísticas atuais (estamos pensando na
Lingüística Textual, na Lingüística Cognitiva, em especial a Semântica Cognitiva, dentre outras) é a
de que não se pode pensar os fenômenos lingüísticos dissociando as categorias sociais das categorias
cognitivas, porque, justamente, a relação linguagem, cognição e exterioridade torna-se indispensável
para a concretização dessa tão complexa tarefa.

Referências

LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
LIMA, M. L. C. Referenciação e investigação do processamento cognitivo: o exemplo do indefinido
anafórico. In: KOCH, I.; MORATO, E.; BENTES, A. C. (orgs.). Referenciação e discurso. São
Paulo: Contexto, 2005, p. 197-218.
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2004, p. 251-300.
MARCUSCHI, L. A. Atividades de referenciação, inferenciação e categorização na produção de
sentido. In: FELTES, H. F. de M. (org). Produção de sentido. Estudos transdisciplinares. São
Paulo: Anhablume; Porto Alegre: Nova Prova; Caxias do Sul: EDUCS, 2003, p. 239-261.
MARQUES, M. H. D. Iniciação à semântica. 6 ed. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
MARTELOTTA, M. E. Linguagem, pensamento, cultura e sociedade. CCAA – RJ (mimeo).
MARTINS, H. Três caminhos na filosofia da linguagem. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C.
(Orgs.). Introdução á lingüística: fundamentos epistemológicos. V. 3. São Paulo: Cortez Editora,
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SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995. (título original, 1916).
OLIVEIRA, F. M. de. A teoria dos atos de fala e a crítica de Pierre Bourdieu. In: I CONEL – I
Colóquio Nacional de Estudos da Linguagem. Natal, 2007
PASSEGGI, L. A. S. Gramática cognitiva e significado. Tópicos de semântica cognitiva. Odisséia.
Natal: Editora da UFRN, 2006, v. 9. 13-14, p. 23-31.
PAVEAU, M. As grandes teorias da lingüística: da gramática comparada à pragmática. Tradução de
M. R. Gregolin et al. São Paulo: Claraluz, 2006.
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lingüística: domínios e fronteiras. V. 2. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.17-45.
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