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ARTIGOS DE OPINIÃO
Go Tani ∗
**
Cássio de Miranda Meira Júnior
***
Herbert Ugrinowitsch
***
Rodolfo Novellino Benda
****
Suzete Chiviacowsky
*****
Umberto César Corrêa
RESUMO
O objetivo deste artigo foi apresentar um panorama geral da área de Comportamento Motor - sua trajetória histórica,
tendências e perspectivas de investigação - com a preocupação de delinear um quadro organizado do seu desenvolvimento,
tanto no domínio teórico quanto de experimentação. Espera-se que esse quadro possa contribuir para a construção de uma
base de conhecimentos àqueles que têm a intenção de se especializar como pesquisadores na área e também para aqueles que
pretendem utilizar esses conhecimentos na intervenção profissional.
Palavras-chave: Comportamento motor. Aprendizagem motora. Controle motor. Desenvolvimento motor.
∗
Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq - Nível 1A.
**
Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo.
***
Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Produtividade
em Pesquisa do CNPq - Nível 2.
****
Professora Doutora da Universidade Federal de Pelotas.
*****
Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq - Nível 1D.
especificadas pelo ambiente, mediante interação modelo são identificados cinco mecanismos
dinâmica dessa informação com o próprio corpo. responsáveis pela execução do movimento, além
Evidentemente, as duas perspectivas de circuitos de feedback, interligados pelo fluxo
teóricas perseguem o mesmo objetivo, ou seja, de informações.
tentam explicar como são aprendidos e De acordo com o modelo, os órgãos dos
executados os movimentos bem coordenados e sentidos são responsáveis por transformar os
organizados espacial e temporalmente, diferentes estímulos, na forma de energias
considerando os numerosos graus de liberdade a físicas, em algo que possa ser transmitido
serem controlados e as condições ambientais em através do sistema nervoso humano, ou seja,
constante mudança; porém se diferenciam impulsos nervosos. Esse mecanismo tem
radicalmente na importância que atribuem ao também a função de codificar as informações
tipo de informação mais utilizado no controle de contidas no estímulo em forma de variações nos
movimentos, aquele proveniente de padrões espaciais e temporais dos impulsos
componentes centrais ou do meio ambiente. nervosos. Esses impulsos nervosos são então
transmitidos, por vias aferentes, até o SNC, onde
Teoria motora são processados. Quando esses impulsos
A teoria motora, que tem como base a nervosos começam a ser interpretados, inicia-se
perspectiva representacional aplicada ao a percepção. O mecanismo de percepção é
comportamento motor, surgiu no início do responsável por discriminar, identificar e
século XX. Ela assume que o movimento é classificar as informações contidas nos impulsos
controlado de forma top-down ou prescritiva, em nervosos e enviar o produto dessa operação ao
que os músculos desempenham um papel de mecanismo de decisão e, ao mesmo tempo, ao
“servomecanismos” do SNC e os movimentos sistema de memória, para serem armazenadas e
são realizados pela utilização de representações utilizadas na predição de situações futuras. O
de padrões de movimento encontrados no mecanismo de decisão, com base nas
cérebro (GLENCROSS; WHITING; informações recebidas pelo mecanismo
ABERNETHY, 1994). O homem é visto, nessa perceptivo, é responsável pela escolha do plano
perspectiva, como um sistema complexo que motor mais adequado aos objetivos pretendidos,
processa informações, ou seja, que recebe, levando em conta as demandas do ambiente. Tal
armazena, transforma e transmite informações escolha é informada ao mecanismo efetor, que
para poder perceber, pensar, decidir e agir. Essa tem como função detalhar o plano, isto é,
abordagem de processamento de informações, organizar de forma hierárquica (do geral para o
quando aplicada ao estudo do comportamento específico) e sequencial (ordem correta) os
motor humano, deu origem a importantes teorias componentes do plano motor. Esse processo
motoras de controle e aprendizagem, entre as implica a transformação do plano motor em
quais se destacam, por exemplo, a de Adams programa motor, denominado na literatura de
(1971) e Schmidt (1975). programação motora, que resulta na geração dos
A abordagem de processamento de comandos motores. Os comandos motores são
informações pode ser considerada como uma enviados ao sistema muscular num padrão
forma de interpretação da maneira como o ser espacial e temporal adequado, quando acontece
humano interage com o meio ambiente o movimento propriamente dito. Nesse
(SCHMIDT, 1988a). Uma importante aplicação momento, os músculos estão sob o controle dos
dessa abordagem teórica no estudo do comandos motores e, após um tempo
comportamento motor humano foi concretizada correspondente ao tempo de reação, informações
por Marteniuk (1976), quando propôs o seu produzidas pelo próprio movimento começam a
modelo de performance humana. O indivíduo ser enviadas de volta aos mecanismos,
deve realizar um número de operações mentais informando sobre a sua execução para
para que possa executar uma habilidade motora - possibilitar o processo de detecção e correção
utilizar informações que se encontram dos erros de execução.
disponíveis no ambiente, armazená-las na Informações relacionadas ao movimento,
memória e processá-las de várias formas. Nesse recebidas pelo executante durante ou após sua
realização, são denominadas de feedback. Com andar (KEELE, 1982). Em relação às condições
base nessas informações, o indivíduo avalia o ou situações em que as tarefas são
seu movimento, ou seja, detecta as diferenças desempenhadas, pode-se dizer que quanto menor
entre o seu desempenho real e o desempenho o nível de atenção e de precisão requerido pela
esperado (erro), e por meio de novo tarefa, mais a habilidade poderá ser controlada
processamento decide quais mudanças devem por programas motores, com menor auxílio de
ser feitas ainda durante o movimento, para feedback periférico. O mesmo acontece em
corrigir o erro cometido e alcançar a meta relação ao nível de aprendizagem da habilidade,
estabelecida. Muitas vezes o alcance da meta em que o programa motor é mais utilizado nos
demanda a repetição desse processo em níveis mais avançados (SCHMIDT, 1980).
sucessivas tentativas, em que um novo plano O conceito de programa motor
motor é elaborado, executado e avaliado até se originalmente proposto por Keele (1968) foi
atingirem performances bem-sucedidas. Esse interpretado de diferentes formas, e essas
processo gradual de redução do erro é diferenças levaram a um desenvolvimento
denominado de aprendizagem motora. posterior muito distinto (para maiores detalhes
O conceito de programa motor refere-se, desse desenvolvimento, TANI, 2000b, 2005d).
primariamente, a uma estrutura de memória em Por exemplo, a sua interpretação como uma
forma de representação sequencial dos entidade central capaz de especificar todos os
componentes que é fundamental na execução de detalhes do movimento foi fortemente criticada
habilidades motoras. As habilidades motoras em pelos proponentes da teoria da ação (REED,
geral envolvem uma série complexa de 1982), sendo usada como um importante ponto
movimentos e o executante habilidoso difere do de partida para a polarização entre essa teoria e
não habilidoso principalmente na capacidade de a teoria motora. Como foi mencionado, a
coordenar movimentos sucessivos de forma existência do programa motor e a sua utilidade
suave e ordenada. O executante que ainda não prática são negadas pela teoria da ação
adquiriu a habilidade realiza um movimento, (KUGLER; KELSO; TURVEY, 1980, 1982).
avalia seu resultado, realiza outro movimento, Não obstante, a interpretação do programa
reavalia e assim por diante, sendo a sua motor como uma alternativa teórica à explicação
performance bastante irregular. Quando do controle de movimentos via feedback
finalmente a habilidade é adquirida, a sequência sensorial, especialmente em razão da sua
de movimentos torna-se armazenada no sistema limitação no que se refere ao tempo de
de memória, de forma a poder ser executada sem processamento, possibilitou uma melhor
correção constante (KEELE; SUMMERS, elaboração desse conceito, com a incorporação
1976). Essa estrutura de memória, chamada por de novas ideias e evidências empíricas. Como
Keele (1968, p. 387) de programa motor, foi consequência, o conceito de programa motor
definida como uma série de comandos continua a desempenhar um papel fundamental
musculares que são estruturados antes que uma na área de CoM, especialmente no estudo da
sequência de movimentos seja iniciada e fazem natureza de representações cognitivas da
com que ela possa ser executada sem influência sequência de movimentos executados para
do feedback periférico. atingir ações direcionadas à meta (KEELE;
Existem algumas habilidades e situações em COHEN; IVRY, 1990; REQUIN, 1992;
que o programa motor é mais empregado. SUMMERS; ANSON, 2009; WRIGHT, 1990).
Podem ser assim consideradas aquelas Na realidade, houve uma mudança de ênfase na
habilidades de duração muito curta (menos de conceituação de programa motor. Se,
200 m), em que o feedback, apesar de presente, inicialmente, o programa motor era concebido
não pode ser utilizado para modificar o como um conjunto de comandos musculares
movimento durante a sua execução (SCHMIDT, específicos, agora é visto mais como uma
1980). Também são consideradas como representação central que possibilita, de alguma
habilidades controladas centralmente aquelas forma, a organização da sequência de
que não exigem um controle refinado, as quais movimentos anteriormente à sua execução
possuem um forte componente inato, como o (KEELE, 1981; ROSENBAUM, 1985). O
em relação às restrições já existentes, as quais al., 2009), a atenção (MONNO et al., 1999;
podem ser identificadas e medidas, e a WUYTS et al.; 1996), a instrução (LEE;
aprendizagem pode tomar a forma de BLANDIN; PROTEAU, 1996), assim como a
instabilidades ou de transições de fase, identificação dos processos cognitivos
dependendo da relação entre o que é para ser relacionados com a intenção, que possuem como
aprendido e as tendências de coordenação já função a manutenção de padrões de coordenação
existentes no organismo. O autor ainda coloca dentro de regiões de instabilidade (BYBLOW et
que os mecanismos hipotéticos que governam a al., 1999; SUMMERS et al., 1998;
aprendizagem são a competição e a cooperação, TEMPRADO, 1999).
as quais determinam essencialmente os Há algum tempo, Summers (1998)
resultados comportamentais a qualquer ponto no identificou como problemática a contínua
tempo. Os mecanismos competitivos operam negação de alguns investigadores da teoria da
quando requerimentos extrínsecos não ação acerca da existência de alguma forma de
coincidem com um estado estável das dinâmicas representação no controle de movimentos. O
do padrão corrente; no entanto, quando estes autor considera importante estudar a mudança,
coincidem, processos cooperativos parecem seja aprendizagem ou desenvolvimento,
dominar o processo. Para avaliar a incorporando fatores como motivação, memória,
aprendizagem, Schöner, Zanone e Kelso (1992) atenção e estratégias cognitivas dentro da teoria.
propõem que devem ser monitoradas as Também coloca que a teoria da ação ainda não
propriedades dinâmicas do padrão de fornece uma alternativa completa para substituir
coordenação, particularmente a sua estabilidade a abordagem cognitiva ou de processamento de
temporal. Mudanças na estabilidade podem ser informações. Segundo o autor, as duas
um indicativo da aprendizagem, mesmo quando abordagens possuem diferentes objetivos,
nenhuma mudança no desempenho pode ser conceitos, métodos e resultados esperados,
detectada. portanto é duvidosa a possibilidade de tentar
distinguir empiricamente entre as duas. Sua
Futuros desdobramentos visão do controle motor é a de um sistema de
Apesar de a teoria da ação ser recente, vários níveis, que incorpora um sistema cognitivo
algumas críticas começam a ser colocadas, de nível superior, responsável pelo planejamento,
principalmente no que se refere a sua posição representação e controle estratégico da ação, e um
concernente ao processamento de informações e sistema dinâmico de nível inferior, responsável
ao programa motor. Pesquisadores como Wulf et pela execução do movimento (SUMMERS, 1992).
al.; (1999) exemplificam fenômenos da A noção de controle distribuído também é
aprendizagem motora que dificilmente podem enfatizada pelo autor, ao sugerir que o controle é
ser explicados pela teoria da ação, que nega a trocado de um nível para outro, dependendo de
representação como parte integrante do fatores como demandas da tarefa, restrições
comportamento motor, como, por exemplo, ambientais e intenção do sujeito.
métodos de prática mental e de observação, Tal noção também é bem fundamentada no
manipulações da prática que resultam em estudo de Keele, Cohen e Ivry (1990), segundo
reversões no desempenho entre as fases de cuja proposta os planos ou programas que guiam
aquisição e retenção, casos encontrados nos as ações podem ser considerados hierárquicos e
estudos sobre frequência de feedback e modulares. Glencross, Whiting e Abernethy
interferência contextual, assim como em (1994) também sugerem que a aprendizagem e o
manipulações experimentais com base na controle motor envolvem um sistema de nível
intenção dos sujeitos, caso de pesquisas sobre inferior, dirigido dinamicamente, integrado a um
aprendizagem com autocontrole, estabelecimento sistema superior organizado cognitivamente.
de metas, etc. Não existe dúvida, na visão dos autores, de que
De fato, começaram a aparecer vários quando se fala em controle e aprendizagem
estudos experimentais na teoria da ação, que motora se está lidando com processos
envolvem fatores cognitivos como a utilização computacionais complexos, nos quais a carga
de feedback (SWINNEN et al., 1997; HUET et computacional coloca sérias restrições
dinâmicos adaptativos, ao mesmo tempo em que dizer: tudo o que tinha de ser descrito no
incorpora a noção de representação central mais desenvolvimento motor já o foi, agora é preciso
abstrata, e deste modo constitui uma alternativa explicar como essas mudanças ocorrem. Sem
a esse embate dicotômico entre teoria motora e dúvida, os estudos descritivos clássicos
teoria da ação. oferecem um rico conjunto de dados que
possibilitam especular acerca dos mecanismos e
processos envolvidos no desenvolvimento
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO motor, mas quando se considera que esses
estudos foram conduzidos com base na hipótese
Abordagem descritiva e explicativa
maturacional (GESELL, 1929), que dava pouca
É amplamente reconhecido que a descrição importância ao contexto, pode-se questionar até
de fenômenos é um processo fundamental em que ponto essas descrições são robustas. O
ciência, pois fornece a base para sua comportamento apresentado não é uma função
compreensão e explicação. Estudos descritivos do ambiente, mas se molda às suas
são muito comuns na área de CoM. Por características. Assim, variações na sequência de
exemplo, em DM, a utilização desse método desenvolvimento que no passado foram
pode ser vista em estudos como os de Roberton atribuídas à velocidade particular da maturação
(1982), Seefeldt e Haubenstriker (1982), podem também resultar de variações específicas
Roberton e Konzack (2001), Oliveira (1997), do contexto em que o indivíduo age. Não se trata
Oliveira e Manoel (2002), Langendorfer (1990), de abolir a ideia de sequência, mas de considerar
Thelen (1995), Vaillancourt, Sosnoff e Newell que a sua direção e as suas fases estão
(2004), Vaillancourt e Newell (2002, 2003), condicionadas ao histórico de interações que se
entre tantos outros. Relativamente à CM, são estabelecem em diferentes níveis (GOTTLIEB,
ilustrativos os estudos de Ajiboye e Weir 1992; LEWONTIN, 1997): no nível interno do
(2009), Altenmuller e Jabusch (2009), Barela, indivíduo (gene-gene, gene-célula, célula-célula,
Stolf e Duarte (2006), Barela e Duarte (2008), célula-órgão, órgão-órgão) e no nível externo
Braun et al. (2007), Burke e Barnes (2006), (indivíduo-indivíduo, indivíduo-grupo, grupo-
Busichio et al., (2004), Lamontagne, Malouin, grupo).
Richards (2001), Rosecrance, Giuliani (1991), Considerando-se a infinidade de variáveis
Schneck, Henderson (1990), Williams, Fisher, orgânicas e do contexto e, igualmente, o número
Tritschler (1983). Na AM exemplos de estudos astronômico de interações daí resultante, pode
podem ser vistos, por exemplo, em Schöner, parecer uma tarefa quixotesca e imponderável
Zanone e Kelso (1992), Zanone, Kelso (1991, mapear o universo de variáveis intervenientes
1997), Vereijken et al. (1992), Vereijken, nos processos de aprendizagem, controle e
Whiting e Beek, (1992), Vereijken et al. (1997), desenvolvimento motor, mas não é por isso que
Liu, Mayer-Kress, Newell (2006), Newell, se deixará de realizar pesquisas.
Vaillancourt (2001), Newell, Liu e Mayer-Kress
(2001). Todos esses estudos procuram responder Abordagem integrada: comportamental,
à pergunta “o que” acontece no comportamento neurofisiológica e biomecânica
motor em uma situação específica, sem se A execução de ações motoras envolve
preocupar com o “como” nem o “porquê” desse atividades como estabelecimento de metas,
comportamento. Nem por isso deixam de ser tomadas de decisão, processos de organização e
importantes, visto que quando não existem controle de respostas que finalmente resultam
informações suficientes para manipular uma num movimento desejado. Para um melhor
variável independente e buscar uma relação entendimento de todo esse processo, uma
causal, isto é, explicação, a descrição é o estratégia metodológica utilizada é o estudo da
procedimento recomendado. ação motora em diferentes níveis de análise, de
Cumpre, por outro lado, manter-se atento forma integrada: o comportamental, o
para o fato de que a distinção entre descrição e neurofisiológico e o biomecânico. Ela possibilita
explicação é tênue em se tratando de estudo do a compreensão do comportamento observável
comportamento motor. Por exemplo, poder-se-ia quanto a fatores que afetam a qualidade de sua
execução, bem como das ações elétricas que (1995) e de Rugy, Reik e Carson (2006) são
ocorrem no grupo de células, ou seja, estruturas outros exemplos. A Cross Correlation é um
neurais e suas interações funcionais que método que avalia com que grau de similaridade
possibilitam o surgimento do comportamento duas séries de valores podem ser quantificadas.
motor e dos efeitos de variáveis físicas e Exemplos podem ser identificados no estudo de
mecânicas na execução de movimentos. Holdefer e Miller (2009), que calculou a
A abordagem integrada é uma tendência similaridade entre a descarga e a atividade
recente, mas muito forte em pesquisas de CoM, muscular pelo cálculo entre a taxa de descarga e
principalment em razão dos avanços nas técnicas a EMG corrigida. Outro exemplo é o estudo de
de observação e análise em Neurociência e na Alibiglou et al. (2009), o qual, a partir do
instrumentação em Biomecânica. Em CM, conhecimento de que o estado sensório-motor de
trabalhos como o de Cauraugh, Summers (2005), um membro pode influenciar o outro, investigou
Decety, Ingvar (1990), Hiraga et al., (2009), a contribuição do padrão intermembros para
Kagerer et al., (2003), Meesen et al., (2006) e modificar os padrões de ativação muscular em
Vasil'eva (2007) podem ser vistos como relação às fases.
ilustrativos dessa tendência, da mesma forma
como os trabalhos de Carey, Bhatt e Nagpal Abordagem centrada no processo e no produto
(2005), Ljubisavljevic (2006), Luu, Tucker e A abordagem centrada no processo e no
Stripling (2007), Mitra et al., (2005), Schiltz et produto se apresenta de forma peculiar em cada
al., (2001), Shepherd (2001), Sidorov (1991), campo de investigação. Em DM, a abordagem
Vasil'eva (2007), Walker et al.; (2002) em AM. centrada no produto refere-se, por exemplo, à
Em DM, exemplos ilustrativos de trabalhos que análise das características do estágio alcançado
utilizaram essa abordagem metodológica são os (padrão maduro) numa determinada habilidade,
de Frolov et al., (1991), Fujiyama, (2009), Piek, e também dos resultados do desempenho motor
Gasson e Summers (2008), Walker et al.; (RARICK, 1982) - por exemplo, os ganhos na
(2003), entre outros. velocidade de corrida, na distância com que uma
De posse dos dados obtidos mediante o uso bola é arremessada, na altura obtida num salto,
dessa análise integrada em diferentes níveis e, na precisão (acertos e erros ou magnitude do
consequentemente, com a utilização de erro) de um arremesso ao alvo.
diferentes instrumentos de análise, o desafio que A abordagem centrada no processo implica
se coloca é como utilizá-los para responder à o estudo das mudanças nos estágios de
pergunta do estudo mantendo-se a coerência desenvolvimento dessa habilidade desde o
interna com o referencial teórico utilizado. Os inicial até o maduro. Podem-se citar como
estudos realizados na abordagem dinâmica exemplo as mudanças no padrão de movimento
utilizam ferramentas estatísticas não lineares, (RARICK, 1982), como aquelas que ocorrem
como a Approximate Entropy, a Relative Phase nos componentes do arremessar: preparação
e a Cross-Correlation (STERGIOU, 2004). para o arremesso, ação do úmero, ação do
Exemplos de estudos que utilizaram a antebraço, ação do tronco e ação dos pés
Approximate Entropy são os de Slifkin e Newell (ROBERTON, 1982). Esse tipo de descrição é
(1998, 1999). Eles buscaram investigar a denominado de qualitativo e pode ser
estrutura da variabilidade no comportamento, e complementado, ou mesmo ampliado, com o
para isso utilizaram uma tarefa de força registro de variáveis cinemáticas como
isométrica, pois para o cálculo dessa medida é velocidade angular do punho durante o
necessário um grande número de observações. arremesso, trajetória espaçotemporal de
A Relative Phase é um instrumento muito articulação do punho, ombro e quadril, entre
utilizado na Teoria da Ação, pois permite outras (OLIVEIRA; MANOEL, 2002).
investigar mudanças de estados e os fatores que Na abordagem orientada ao produto em DM
podem influenciá-los. Por exemplo, o estudo de o que importa é o tipo de pergunta: “O que está
Haken, Kelso e Bunz (1985) foi um dos mudando?” e “Quando está mudando?”.
pioneiros que impulsionaram a abordagem Connolly (1970) afirma que essas questões
dinâmica. Estudos de Wallenstein e Kelso foram as que mais preocuparam os
pesquisadores no período de 1930 a 1960. Esse todo um processo interno que ocorre no SNC. O
autor vai além e aponta que a questão “como processo interno, por não ser diretamente
ocorre a mudança?” deveria ser central no observável, é frequentemente desconsiderado ou
estudo do desenvolvimento motor. Um estudo negligenciado, dando origem a visões
que buscasse responder à questão “como” distorcidas e parciais do comportamento motor
caracterizaria uma abordagem orientada ao humano.
processo e possibilitaria uma explicação do
desenvolvimento. Abordagem transversal e longitudinal
Em AM, por sua vez, a abordagem centrada Como estudos em DM envolvem investigar
no produto implica a análise das características as mudanças no comportamento ao longo do
do comportamento habilidoso (produto final) e a tempo, dois delineamentos de pesquisa têm sido
abordagem centrada no processo, a análise do utilizados: a) estudos longitudinais, em que o
processo de aquisição da habilidade, desde o mesmo sujeito é acompanhado e avaliado em
iniciante até o habilidoso. Evidentemente, do diferentes momentos; b) estudos transversais,
ponto de vista metodológico, a abordagem em que diferentes sujeitos de diferentes faixas
centrada no processo demanda uma análise mais etárias são avaliados em um mesmo momento
demorada e um tratamento de dados muito mais (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2005).
numerosos. É por esse motivo que muitos Se por um lado, em estudos longitudinais há
estudos buscam compreender o processo maior fidedignidade, menor efeito de diferenças
mediante a análise do produto acabado. São individuais e características que envolvem o
estudos que analisam o produto final da contexto de cada sujeito voluntário, por outro
aprendizagem, ou seja, um comportamento lado, em estudos transversais, o estudo pode ser
altamente habilidoso, e a partir daí pretendem concluído mais rapidamente, com menor risco
inferirr o processo de aquisição. Apesar de o uso de perda amostral. Uma opção entre eles
dessa abordagem ser inevitável em determinadas dependerá fundamentalmente do problema que
circunstâncias, é importante reconhecer que os se queira investigar, considerando-se as
resultados obtidos necessitam ser analisados vantagens e desvantagens anteriormente
com o devido cuidado, especialmente no que se apresentadas; porém um estudo longitudinal,
refere a sua generalização numa situação real, apesar de mais trabalhoso, permite mais
visto que a aplicação dos conhecimentos confiabilidade.
produzidos mediante esse processo não Essa dicotomia entre estudos longitudinais e
possibilita a reprodução do produto. A título de transversais não é exclusiva do DM. Ela se
ilustração, a eventual análise das habilidades de encontra em diversos temas de estudo do
Pelé não produziriam conhecimentos que, ao
desenvolvimento humano, tais como inteligência
serem aplicados, possibilitassem a reprodução
e funções mentais em adultos e crianças,
de novos “Pelés”. O estudo do processo pelo
doenças cardíacas e lesões cerebrais, e
qual Pelé foi adquirindo e aperfeiçoando suas
comportamento psicossocial (RICE, 1995). Em
habilidades certamente produziria
conhecimentos mais ricos para essa finalidade. DM, vários estudos foram conduzidos com o
Por fim, em CM, a abordagem centrada no objetivo de verificar as mudanças em
produto implica a análise do comportamento crescimento físico e alguns deles com foco nos
observável (movimento), enquanto a abordagem padrões fundamentais de movimento
centrada no processo procura estudar os (GALLAHUE; OZMUN, 1998). Apesar de
processos internos responsáveis pela produção exigir uma decisão do pesquisador, há ainda
desse movimento. Na realidade, o uma terceira possibilidade de delineamento, a
comportamento motor humano envolve uma translongitudinal, em que o acompanhamento de
ação efetora que resulta num deslocamento do um sujeito não envolve um longo período de
corpo ou dos membros num determinado padrão tempo, mas algum período de tempo com outros
espacial e temporal (movimento), portanto é sujeitos de outras faixas etárias que também são
algo observável e mensurável; mas, essa ação acompanhados. Esse delineamento minimiza o
efetora nada mais é do que um produto final de custo de tempo presente em estudos
afirmando que “às vezes é um milagre ter um particular, desprezam as diferenças individuais,
voluntário!”, e complementam que é necessário uma vez que exigem requisitos básicos
que a amostra seja boa o suficiente para os centrados no grupo, tais como, a eliminação de
objetivos da pesquisa. Na maior parte das vezes, “outliers” (indivíduo que se afasta
o pesquisador justifica post hoc que a amostra significativamente da média do grupo), a
representa algum grupo maior. Esse é um igualdade de variâncias e a normalidade da
procedimento aceitável, mas não é equivalente à distribuição dos dados.
seleção aleatória, que permite a suposição de Por outro lado, novas técnicas estatísticas
que a amostra não difere da população nas centradas no percurso individual têm sido
variáveis analisadas e em outras variáveis não utilizadas. Por exemplo, Maia et al., (2007)
analisadas que podem interferir nos resultados. sugerem que as análises devem ir mais longe do
O importante é ter um princípio de amostragem que a simples análise de médias, e propõe a
com boa base teórica, que permitirá utilização de técnicas de tracking, que permitem
minimamente generalizações para a população um escrutínio da estabilidade e da mudança em
da qual a amostra foi retirada. A declaração dados longitudinais e podem ser uma alternativa
conclusiva mais provável acerca dos resultados para a análise conjunta do grupo e do indivíduo.
nesse caso é afirmar que os achados são Tracking é um termo genérico que pretende
“plausíveis” na população. descrever um padrão regular de mudança num
Ainda quanto à seleção da amostra, conjunto de padrões que se alteram no tempo; a
Barreiros, Carita e Godinho (2001) reforçam a ideia genérica de seu conteúdo é a tendência de
ideia de que a sua escolha tem enorme um indivíduo ou conjunto de indivíduos a
importância e deve merecer atenção cuidadosa e permanecer num determinado curso ou canal de
criteriosa em estudos de CoM, especialmente de mudança, o que reflete estabilidade no seu
AM. Eles colocam em cheque a integridade dos padrão de mudança.
resultados quando os indivíduos da pesquisa O estudo do tracking é relevante, na medida
carregam experiências que podem enviesar o em que permite atribuir significado àquilo que é
percurso individual e dos grupos experimentais. ou não estável nos indivíduos em função do
Sugerem, por isso, o controle desses aspectos, tempo - no caso da AM e do DM, em razão das
uma vez que nem todos aprendem da mesma medidas repetidas (tentativas) ao longo do
maneira. Eles também chamam a atenção para o tempo. Vale ressaltar que estabilidade não
cuidado com o nível inicial de desempenho na significa ausência de mudança, salvo quando o
tarefa, que pode ser uma variável interveniente valor das médias ou os valores de cada sujeito
importante. Os pesquisadores resolvem esse não se alteram significativamente no tempo. Em
problema com a homogeneização dos grupos AM, o tracking pode ser utilizado para verificar
experimentais com base em valores de tendência a magnitude e o padrão de resposta de grupos de
central, igualdade de variâncias ou resultados de indivíduos submetidos a tratamentos distintos ou
pré-testes. O encaminhamento sugerido pelos avaliar condições distintas de aquisição em
autores acerca dessa temática envolve testes de retenção e transferência. A análise do
contemplar a diferenciação inicial entre tracking é normalmente centrada na definição da
indivíduos e entre grupos com soluções posição relativa dos indivíduos, baseada no
experimentais e estatísticas que incorporem a cálculo do K de Cohen, que leva em
diferença e centrar a análise não no percurso dos consideração medidas de posição. O principal
grupos, mas nos percursos individuais dos conceito subjacente à análise é o de canalização,
aprendizes. que ocorre quando as medidas repetidas no
Tal encaminhamento traz à tona a discussão tempo de uma variável (por exemplo, o erro) de
sobre as técnicas estatísticas que refletem um dado indivíduo permanecem entre um par de
abordagens centradas no indivíduo e no grupo. percentis adjacentes (por exemplo, P1-P33; P33-
A Estatística tem sido uma área que tenta P66; P66-P100), ou não se desviam mais do que
acomodar em seu seio técnicas centradas no um determinado centil maior para o canal
indivíduo. As análises de variância, campeãs de contíguo. A mudança de canal de desempenho
popularidade na ciência e na área de CoM em acontece sempre que a alteração das medidas
repetidas no tempo implique uma transição para comportamentais são geralmente nomotéticas e
canais não adjacentes - por exemplo, passar do as ciências clínicas são ideográficas. Para
canal P1-P33 para o canal P33-P66. O K de profissionais que trabalham na linha
Cohen estipula a presença de tracking se os predominantemente ideográfica, o interesse na
indivíduos tenderem a permanecer no mesmo ciência está em como ela pode ajudá-los nas
canal (track) da distribuição. O valor do K é intervenções junto aos indivíduos. Isso por vezes
diretamente proporcional ao número de vezes ocorre em AM, CM e DM, mas a grande maioria
em que o valor de desempenho permanece no dos pesquisadores procura leis que expliquem o
canal. Como se trata de uma estatística não comportamento motor. O indivíduo é
paramétrica, não há qualquer exigência acerca considerado apenas como um exemplo da
da normalidade da distribuição. Os valores de K expressão de uma teoria. Talvez uma saída para
têm as seguintes interpretações: K≥0,75: acomodar as ideias de Kerlinger (1980) seria
excelente; 0,75<K≤0,40: de moderado a bom; combinar as duas abordagens para que o
K<0,40: ruim (MAIA et al., 2002). paradoxo indivíduo-grupo possa ser superado.
Denomina-se de normativa a orientação Por exemplo, na área de CoM, as curvas de
voltada ao indivíduo médio. Essa orientação desempenho individuais e de grupos poderiam
reforça os pressupostos da ciência clássica, cumprir essa função. Curvas de desempenho são
porque visa à formulação de normas gerais, representações gráficas dos níveis de
enfatizando a generalidade e a abstração. Uma desempenho motor ao longo do tempo, e têm-se
alternativa a essa orientação é a voltada ao constituído como meios de organização de dados
indivíduo particular, denominada diferencial, bastante populares na análise do processo de
centrada nas diferenças individuais. Se aprendizagem motora. Elas são originárias de
pensarmos que a performance motora é o valores registrados em todas as tentativas e
resultado de uma complexa relação entre muitas traçadas a partir de médias ou a partir de valores
variáveis influenciadas por diferenças absolutos obtidos em tentativas consecutivas ou
individuais, que variam de pessoa para pessoa, blocos consecutivos de tentativas. Assim, as
fica fácil optar por essa orientação mais curvas podem ser usadas para ilustrar a evolução
individual. Hoje em dia há uma forte tendência de um indivíduo ou de grupos de indivíduos: as
de voltar a atenção às necessidades do curvas individuais mostram irregularidades,
períodos de estabilidade e deterioração da
indivíduo. Em ciência, o cerne dos estudos em
resposta; as curvas de grupos atenuam e
diferenças individuais é o estudo da variância e
mascaram as variações individuais, mas
de como são evidentes as diferenças entre os
representam bem o comportamento das médias
indivíduos; mas isso não exclui o registro das
de grupos experimentais (GODINHO;
tendências centrais, porque talvez a principal
BARREIROS; CORREIA, 1997; MAGILL,
questão em diferenças individuais seja a 2000).
confrontação das diferenças entre indivíduos
com as diferenças que os indivíduos manifestam
ao longo do tempo ou em situações diferentes INSTRUMENTOS DE ANÁLISE
(GODINHO, 2004; KERLINGER, 1980).
Segundo Kerlinger (1980), na ciência Os movimentos podem ser medidos e
clássica, grupal por natureza, há falta de analisados de diferentes formas. Uma das mais
preocupação com o indivíduo. A formalidade de comuns em CoM é a quantificação da extensão
uma equação, por exemplo, não considera a em que um dado movimento alcançou o objetivo
individualidade dos sujeitos da pesquisa, pois é pretendido (SCHMIDT, 1999) - por exemplo, se
uma expressão média, uma abstração dos dados o movimento teve sucesso em acertar um alvo
originais, de cada indivíduo. O autor ilustra o ou se ele foi realizado no tempo correto. Essas
problema com duas abordagens: a nomotética e medidas estão geralmente relacionadas a alguma
a ideográfica. Em poucas palavras, a primeira meta a ser alcançada no meio ambiente externo
estabelece leis universais e a segunda descreve ou ao padrão de movimento.
individualmente. Embora não seja consenso, A análise do padrão de movimento envolve
Kerlinger (1980) afirma que as ciências variáveis como velocidade, deslocamento,
campos do CoM. Por exemplo, um estudo de especiais, LEDs ou mesmo fita adesiva, a fim de
CM que investiga a lateralidade utiliza poucas analisar e calcular as medidas cinemáticas.
tentativas e, em alguns casos, pode até ser feita a De acordo com Amadio e Serrão (2007), a
análise tentativa a tentativa. Por outro lado, partir das variáveis trajetória e decurso de tempo
existem estudos com maior número de tentativas gasto para executar o movimento, observam-se
(particularmente em AM), em que uma análise indicadores cinemáticos de importância
tentativa a tentativa inviabilizaria detectar estrutural para a avaliação do rendimento
qualquer diferença, porque o número de graus de esportivo, como, por exemplo, variações lineares
liberdade do teste estatístico subiria e angulares de posição, velocidades lineares e
enormemente. angulares, velocidade do centro de gravidade,
Outras variáveis dependentes de dos segmentos e das articulações, determinação
desempenho também podem ser utilizadas, as das variações da aceleração do movimento,
quais são específicas à tarefa utilizada. Por tempo de reação e tempo de movimento, entre
exemplo, em uma tarefa de lançamento a um outras variáveis a serem selecionadas conforme
alvo, não somente a pontuação atingida no alvo os propósitos da análise e as necessidades
serve de variável dependente, mas também a indicadas.
distância de cada lançamento em relação ao Outros equipamentos utilizados para a
centro do alvo também pode ser uma medida de análise cinemática são, por exemplo, os
desempenho (MARINHO, 2009). Contudo, goniômetros, os velocímetros e os
apesar de nos permitir fazer inferências sobre o acelerômetros, cujas vantagens consistem na
controle da ação motora, ou ainda das mudanças disponibilidade quase simultânea e direta dos
decorrentes da aprendizagem ou do resultados de medição. Esses métodos podem ser
desenvolvimento, a análise do desempenho não aplicados, portanto, durante o treinamento
fornece informações sobre o padrão de técnico baseado no princípio de informação
movimento em si executado para atingir a meta objetiva complementar, que viabiliza um
estabelecida. Para responder essa questão, feedback simultâneo na aprendizagem e no
técnicas de análise de movimento utilizadas nos aperfeiçoamento da técnica de movimento.
estudos de Biomecânica passaram a fazer parte Estudos recentes têm utilizado métodos de
de muitos estudos em CoM. análise cinemática em suas observações de
movimento, na maioria das vezes em conjunto
Análise cinemática do movimento com outros tipos de análise. Stoquart,
A cinemática consiste na análise de Detrembleur e Lejeune (2008) estudaram o
parâmetros que descrevem as variações de padrão da marcha em esteira com o objetivo de
posição de um objeto (deslocamento), sua fornecer valores cinéticos, cinemáticos, e
velocidade e as variações na sua velocidade eletromiográficos referentes à marcha estendida
(aceleração), sem levar em conta a força ou a em esteira, com múltiplos passos, mediante
massa (MAGILL, 2000). Na análise cinemática gravação constante do movimento em sujeitos
do movimento humano, a medida de jovens saudáveis. O estudo forneceu valores de
deslocamento consiste na posição espacial de referência no andar normal e patológico em
um membro ou articulação durante o intervalo esteira, o que proporciona comparações
de tempo do movimento. A medida de minuciosas entre sujeitos.
velocidade se refere à taxa de variação da Mais especificamente relacionado à
posição do membro em função do tempo, ou aprendizagem motora, o estudo de Vereijken et
seja, à rapidez com que essa posição varia. Já a al.; (1992) foi um dos primeiros a utilizar a
aceleração descreve a variação da velocidade análise cinemática com o objetivo de demonstrar
durante o movimento. as modificações no controle dos graus de
Essas medidas são obtidas, principalmente, liberdade (BERNSTEIN, 1967) do movimento
por meio de gravações de imagens do de “slalom” do esqui. Os autores analisaram a
movimento, as quais são analisadas em amplitude e a frequência dos movimentos da
momento posterior. Normalmente, segmentos plataforma, além de relações tridimensionais
corporais são marcados por placas refletoras entre os ângulos corporais (articulações),
bastante promissor para o surgimento de novas 1995; REQUIN, 1990, 1992; ROSENBAUM;
ideias. Em uma análise das direções assumidas JORGENSEN, 1992; SCHMIDT, 1988b;
pelos representantes da Teoria Motora e Teoria WADMAN et al.; 1979). A proposta original de
da Ação, Turvey e Fonseca (2008) avaliam que programa motor (KEELE, 1968) sofreu
há atualmente quatro diferentes linhas de modificações e, atualmente, os pesquisadores
pensamento que explicam como um movimento adeptos da existência de um programa estão
é controlado. mais preocupados em testar ações motoras que
Na primeira linha, originária no século XIX, facilitam a identificação de algum tipo de
é feita uma analogia humana entre o sistema programa para controlá-la do que em explicar
executivo, que funcionaria como uma biblioteca qual “a estrutura” desse programa. O outro
das ações motoras, com controles precisos sobre grupo, de pesquisadores que seguem o
todas as possibilidades de unidades fisiológicas referencial da Teoria da Ação, continua a
que poderiam ser realizadas. Essa linha é investigar como os padrões motores emergem e
inspirada na neuroanatomia. quais as variáveis que podem influenciar esse
Na segunda há um acoplamento entre a processo, seja da percepção direta seja do
computação de Turing e a mecânica newtoniana, sistema dinâmico (vejam-se, por exemplo, entre
na qual o envolvimento explícito da computação pesquisadores brasileiros, BARELA; JEKA;
de Turing top-down diminui, o mesmo CLARK, 1999; BARELA; JEKA; CLARK,
acontecendo com o explícito envolvimento dos 2003; BARELA et al, 2000; BARELA et al,
mecanismos newtonianos bottom-up. Essa linha 2009; MAUERBERG-DE CASTRO; ADRIAN,
é inspirada na robótica. 1995; MORAES; LOPES; BARELA, 2009,
Na terceira linha há uma influência mútua OLIVEIRA; SHIM, 2008; PEROTTI et al.,
de três sistemas dinâmicos: o sistema nervoso, o 2007; RODRIGUES; VICKERS; WILLIAMS,
corpo e o ambiente, que descentraliza a 2002; RODRIGUES et al., 2006; DENARDI;
responsabilidade pelo controle da ação. A FERRACIOLI; RODRIGUES, 2008).
personificação do sistema nervoso é feita Nas duas abordagens, diferentes tarefas e
explicitamente (dinâmica neural-corpo), como variáveis dependentes têm sido utilizadas na
mutualismo do sistema nervoso (dinâmica busca do suporte empírico, porém algumas
neural-ambiente) e corpo (dinâmica corpo- tarefas têm oferecido apoio para ambas. Por
ambiente) no ambiente da tarefa. Essa linha é exemplo, em tarefas de interceptação, Tresilian
inspirada na auto-organização. e Lonergan (2002), Tresilian e Plooy (2006a,
Na quarta linha há uma distribuição sobre o 2006b), Marinovic, Plooy e Tresilian (2009) têm
sistema animal-ambiente, e não algo encontrado resultados que dão suporte à
especificamente no animal ou no ambiente, no proposta de que movimentos rápidos são
qual ambos, animal e ambiente, são programados. Para isso os autores manipularam
coparticipantes. Os movimentos executados são o tamanho, a velocidade ou o time window
intrinsecamente funcionais, e não (janela temporal pela qual o alvo a ser
intrinsecamente mecânicos e somente interceptado pode ser visualizado). Outra
extrinsecamente ou secundariamente funcionais. estratégia utilizada foi a de incluir mudanças na
Em outras palavras, os movimentos e posturas tarefa com diferentes lapsos de tempo antes de
são controlados e coordenados para ações executá-la (posição do alvo, estímulo auditivo,
específicas baseadas na percepção das etc.). Os resultados mostraram que quando esse
affordances. Essa linha é inspirada nas tempo era menor que 200ms não havia
realidades ecológicas. possibilidade de ajustes, ou seja, de reprogramar
O embate ainda continua sem uma solução o movimento iniciado. Contudo, em estudos com
definitiva, com o foco principal da discórdia na tarefas de rebater uma bola lançada, a qual
noção de representação central. Mais poderia ter mudança de velocidade do
recentemente, pesquisadores da Teoria Motora lançamento ou ainda do alvo em que a bola seria
têm apresentado uma série de estudos que rebatida, os resultados mostraram que os
sugerem a presença de um planejamento ou movimentos são organizados em função de
representação interna (INGEN SCHENAU et al., mudanças no fluxo óptico, e não por
O desenvolvimento motor tem sido definido produto, ou seja, considerar como referência o
como mudanças no comportamento motor que estado final de desenvolvimento (por exemplo,
ocorrem desde a concepção até a morte. Essas os padrões maduros de habilidades motoras
mudanças se dariam na direção de movimentos básicas de andar, saltar, arremessar, quicar,
inicialmente desordenados e inconsistentes para rebater, correr, ou os padrões culturalmente
movimentos ordenados e consistentes configurados de atletas de alto nível).
(HAYWOOD, 1993; KUGLER, 1986), do geral O período corrente, denominado de
para o específico e do simples para o complexo orientado ao processo, iniciado ainda na década
(GALLAHUE; OZMUN, 1998; TANI et al., 1970, pode ser caracterizado como um período
1988). Essas definições privilegiam “o que de diversidade de perspectivas, notadamente a
muda”, pois são descritivas. Em relação a Teoria Motora e a Teoria da Ação. Nesse
definições explicativas, o desenvolvimento período, a preocupação maior tem residido na
motor encerraria mudanças no comportamento compreensão dos mecanismos de controle motor
resultantes de modificações internas moduladas para entender as mudanças no desenvolvimento
pela maturação (GESELL, 1929). A inclusão do (como muda), por exemplo, a organização da
fator experiência como promotor de mudanças resposta motora (atenção, memória, feedback) e
aconteceu na década de 1970, quando estudos e o acoplamento percepção-ação (percepção
debates levaram esse fator ambiental a juntar-se direta, affordances).
com o fator maturacional. A partir de 1980 É importante ressaltar que, embora o
pode-se perceber a “guinada” em DM: o desenvolvimento motor implique mudança, a
fenômeno passou a não ser mais exclusivamente representação mais comum desse processo
enfoca a estabilidade do comportamento (por
atribuído a algo prescrito nos genes, mas
exemplo, sequências de desenvolvimento ou
construído da interação de inúmeros fatores,
descrição dos estágios inicial, elementar e
entre eles os genes.
maduro). A identificação de sequências de
Costuma-se dizer que DM é rico em dados,
desenvolvimento motor tem a virtude de
mas pobre em explicações. De fato, explicar um
sintetizar os conhecimentos acumulados acerca
fenômeno complexo de um sistema aberto não é do que muda e de quando muda no
uma tarefa fácil. As perspectivas tradicionais comportamento motor. Além disso, ela estimula
tentaram explicar o fenômeno, mas recaíram em a formulação de problemas e hipóteses sobre as
estratégias reducionistas de argumentação, visto mudanças e pode ser utilizada como referência
que atribuíram a um fenômeno complexo uma tanto para a elaboração de currículos como para
única causa, maturação ou experiência. Essa a identificação e avaliação de estados de
corrente tradicional de DM pode ser dividida em desenvolvimento motor dos indivíduos ao longo
três períodos históricos (CLARK; WHITALL, do ciclo de vida (MANOEL, 1994, 2005; TANI
1989): a) período precursor, do séc. XVIII até a et al., 1988). A sequência de desenvolvimento
década de 1930, marcado pela observação baseia-se num importante princípio, qual seja,
detalhada do comportamento de bebês e crianças que sistemas vivos tendem a se organizar em
e pela instituição da dicotomia maturação x estados estáveis; todavia, para que ocorra o
experiência; b) período maturacional, de 1930 desenvolvimento (mudança), é preciso passar
até o fim da II Guerra Mundial, em que a por estados instáveis para alcançar novos
maturação foi vista como a causa primária do estados estáveis. Daí se depreende que a
comportamento e se considerava que as instabilidade é um aspecto importante a ser
mudanças no desenvolvimento motor eram considerado no desenvolvimento, por exemplo,
universais; c) período normativo-descritivo, do quando a criança demonstra um estado dual de
fim da II Guerra Mundial até a década de 1970, estabilidade/instabilidade, apresentando tanto
em que o foco era o fenômeno em si e os uma gama de comportamentos estáveis como
pesquisadores tinham por objetivos descrever comportamentos instáveis no padrão de
mudanças no comportamento de crianças e movimento.
adolescentes, associar o desenvolvimento motor
a mudanças antropométricas e enfatizar o Perspectivas teóricas e desafios de investigação
conseguiu se adaptar à vida no ambiente novo. A Quando essa preocupação se torna exagerada,
criança mais velha começou a apresentar um estabelecem-se momentos específicos para que
pouco do comportamento esperado pelo ser se passe por cada etapa, o que pode resultar em
humano, mas, da mesma forma que a irmã mais entender o processo de desenvolvimento como
nova, também não conseguiu se adaptar ao novo uma redução à apresentação do comportamento
ambiente e veio a falecer. esperado. Com efeito, o que decorre dessa
De fato, uma opção entre as perspectivas interpretação é o estabelecimento de rótulos que
pré-formacionista ou ambientalista levaria a nem sempre são indicadores de normalidade.
abandonar preceitos presentes em cada uma das Muito é comentado sobre os possíveis prejuízos
perspectivas que parecem importantes. Por um de aprender a andar antes de apresentar o
lado, a perspectiva pré-formacionista despreza o comportamento de engatinhar. Na verdade, não
contexto ambiental, o que não parece razoável, se têm indícios de que esta inversão anormal
porque é visível a influência do meio no nosso (estatisticamente falando-se) seja indicador de
comportamento - por exemplo, o papel exercido patologia. Nem toda criança que apresenta um
pelos pais na escolha da profissão do filho, ou comportamento fora daquele esperado o fez por
mesmo o próprio processo educacional. Por mau funcionamento do organismo; ou seja,
outro lado, os efeitos de determinadas diferença não significa doença. Este argumento
características genéticas podem estabelecer a parece ser suficiente para a rejeição desta
adaptabilidade do ser humano; alguns perspectiva.
comportamentos é possível que o ser humano Uma quarta visão é a da recapitulação
apresente, outros não. Como o exemplo já citado (MICHEL; MOORE, 1995), segundo a qual a
das meninas criadas pelos lobos, pode-se série de mudanças - ordenadas e previsíveis -
argumentar que elas somente sobreviveram nas observada no desenvolvimento é reflexo das
condições oferecidas pela “sociedade dos lobos” mudanças progressivas no passado filogenético
por causa de suas características genéticas - por do embrião, que durante seu desenvolvimento
exemplo, seres humanos são capazes de percorre de forma abreviada todas as mudanças
locomover-se em quadrupedia ou mesmo evolucionárias pelas quais seus ancestrais
apresentar uma alimentação carnívora. Resta passaram. A mesma visão foi ampliada para o
então recusar tanto a perspectiva pré- desenvolvimento ao longo do ciclo de vida.
formacionista como a ambientalista, pois ambas É razoável assumir que tanto aspectos
são limitadas para explicar o fenômeno do genéticos como aspectos ambientais são
desenvolvimento humano. importantes para o desenvolvimento humano.
Uma terceira perspectiva, a pré-determinista Dentre as perspectivas apresentadas, apenas a
(MANOEL, 1998), já considera que tanto pré-determinista considera que ambos os
aspectos genéticos quanto aspectos ambientais aspectos participam do processo, mesmo assim
estão presentes no desenvolvimento humano, de uma maneira ainda tímida, no caso dos
porém se observa uma hierarquia: enquanto os aspectos ambientais. A perspectiva dinâmica
aspectos genéticos são considerados essenciais, inicia-se a partir de uma nova tendência no
o ambiente pode exercer alguma influência. estudo do desenvolvimento, passando da
Nessa perspectiva, os aspectos genéticos são preocupação em descrever o comportamento
responsáveis pela direção e sequência e os para a o interesse em explicar por que este
aspectos ambientais influenciam a velocidade do comportamento muda, isto é, a pergunta
desenvolvimento. Direção e sequência são principal deixa de ser “o que muda?” e passa a
variáveis consideradas mais importantes que a ser “por que muda?” (CLARK; WHITALL,
velocidade, visto que uma alteração, por 1989). Nesse contexto, Connolly (1986) propõe
exemplo, na sequência, levaria a uma o rompimento da dicotomia existente entre a
interpretação de algum problema no influência dos aspectos genéticos e a dos
desenvolvimento. Por isso uma das aspectos ambientais, visto que não há como dar
preocupações tem sido evitar “queimar” etapas, maior valor a apenas um - ou estabelecer uma
que seria passar por determinada etapa de hierarquia - porque o desenvolvimento humano
desenvolvimento sem passar pela etapa anterior. resulta de ambos - os eventos externos e os
mão da Teoria da Catástrofe (THOM, 1975) prática. Há outros ainda, como a investigação
para identificar períodos de estagnação, dos possíveis efeitos dessas variações no curso
transição e de novidade comportamental. do desenvolvimento. A manipulação de
Dentro dessa sugestão de aprofundamento elementos da tarefa pode engendrar mudanças
teórico, a perspectiva dinâmica permite qualitativas no comportamento, a permanência
acomodar diferentes níveis de análise, como o das mudanças, a resistência à alteração da tarefa,
biológico, o psicológico, o social e o cultural. bem como pode indicar a natureza e o grau de
Esse é outro grande desafio, já que integrar os estabilidade do comportamento. Posto dessa
diferentes tipos de conhecimento repousa num forma, o estudo do impacto que as variações nas
problema mais fundamental apontado características da tarefa exercem sobre o
originariamente por Bohr (1995): o da comportamento reveste-se de uma relevância
complementaridade, isto é, modos de descrição teórica. Ele pode revelar elementos com
incompatíveis acabam por atuar de forma potencial para desencadear mudanças
complementar para explicar o mesmo fenômeno. qualitativas no padrão de movimento.
Pattee (1973, 1987) tem reforçado a necessidade Finalmente, a aplicação da análise
de se aplicar o princípio da complementaridade desenvolvimentista pode, ainda, permitir uma
no estudo de sistemas complexos e, em avaliação mais realista do estado de
particular, no estudo das ações motoras (Pattee, desenvolvimento motor de indivíduos, como foi
1982). A considerar que uma das características argumentado por Davis e Burton (1991) e Ulrich
do desenvolvimento motor é o surgimento de (1988) no âmbito da Educação Física Adaptada,
soluções originais, talvez essa integração seja bem como por Manoel e Oliveira (2000) na
uma solução original para o problema da análise de padrões fundamentais de movimento.
complementaridade. Outro ponto que merece atenção como
No domínio metodológico, como foi desafio diz respeito à combinação das duas
discutido, pode parecer uma tarefa abordagens: processo e produto. O cruzamento
aparentemente impossível mapear o universo de entre as mudanças que acontecem como
variáveis intervenientes no processo de resultado do desempenho (produto) e aquelas
desenvolvimento - variáveis orgânicas e do que acontecem no padrão de movimento
contexto e, igualmente, o número astronômico (processo) permite um mapeamento dos aspectos
de interações daí resultante. Uma estratégia para que atuam na organização do sistema de ação e
identificar como algumas dessas variáveis se têm impacto no desenvolvimento. Por exemplo,
correlacionam relativamente ao estado de Di Rocco, Clark e Philips (1987) usam as duas
desenvolvimento motor do indivíduo pode ser a orientações para analisar o padrão fundamental
análise desenvolvimentista da tarefa. Herkowitz de saltar em crianças portadoras de deficiência
(1978) propõe essa análise para tarefas mental e crianças normais, quais sejam, o padrão
consideradas básicas e comuns ao de saltar e a distância alcançada. Embora as
desenvolvimento da criança, como andar, crianças portadoras de deficiência mental
receber, chutar, correr, quicar, entre outras. tenham mostrado um padrão de coordenação
Desta forma é possível verificar em que similar ao das crianças normais, houve
dimensão cada componente da tarefa pode diferenças significativas na distância do salto,
variar. O conhecimento que nos falta é o com saltos maiores das crianças normais em
impacto que essas variações teriam na relação às crianças portadoras de deficiência
organização da resposta motora. Ainda hoje, o mental. Di Rocco, Clark e Philips (1987)
profissional que busca intervir no sugerem uma diferença na parametrização do
desenvolvimento da criança não possui critérios padrão de movimento, indicando ainda um
para estruturar a tarefa; só lhe resta a intuição desenvolvimento mais lento do controle motor.
para escalonar as variáveis da tarefa com o Para finalizar, o DM atravessou um período
propósito de facilitá-la ou dificultá-la com poucos avanços teóricos, mas agora pode-se
(ROBERTON, 1989). Logo, a exploração dos vislumbrar um modo original de abordar o
efeitos da manipulação de componentes da fenômeno, com base numa perspectiva
tarefa enseja um grande potencial de aplicação dinâmica. A comunidade de pesquisadores da
área parece estar se acostumando com essa nova quase um século, pela abordagem cognitiva de
forma de pensar, sistêmica, integrativa, processamento de informações.
complexa, em que é mais focalizada a Conforme foi discutido, a abordagem de
compreensão de um fenômeno multifatorial, e processamento de informações centra as suas
não unifatorial, atribuído à maturação ou à preocupações de pesquisa nos processos internos
experiência, como durante muito tempo ocorreu. (SNC) que resultam no movimento, juntamente
Essa nova forma de pensar inova em relação ao com o desenvolvimento de procedimentos e
que era apenas descrição de sequências com métodos para poder desvendá-los. Nessa
explicações simplistas, para desaguar em abordagem foram popularizados estudos para
experimentos elegantemente desenhados de investigar temas como seleção da resposta e a
modo a sustentar forte arcabouço teórico. programação do movimento, inferidas a partir de
uma observação cuidadosa do comportamento
motor do indivíduo. Baseada nessa abordagem, a
APRENDIZAGEM MOTORA: DESAFIOS E AM experimentou em suas pesquisas uma
PERSPECTIVAS transição da orientação à tarefa ou produto, com
foco primariamente nos efeitos de variáveis no
A aprendizagem é uma parte do
desempenho de certas tarefas motoras, para a
comportamento humano muito importante para a orientação ao processo, com atenção nos
sua existência. É difícil imaginar como o ser processos mentais ou neurais subjacentes à
humano estaria se não pudesse tirar proveito da produção do movimento (PEW, 1970). Nessa
prática e da experiência nas quais se encontra perspectiva, entre outros assuntos, procurou-se
constantemente engajado. A aprendizagem compreender como informações relativas ao
motora, como fenômeno, é definida como um movimento eram codificadas e armazenadas,
conjunto de processos, associados com a prática como ações eram representadas na memória e
ou experiência, que levam às mudanças como a informação acerca dos erros era
relativamente duradouras na capacidade de se processada de forma que a aprendizagem
movimentar (SCHMIDT, 1988b). pudesse ocorrer. Tudo isso possibilitou a
Um dos principais objetivos da AM é proposição de teorias de aprendizagem motora
procurar compreender quais são e como atuam como as de Adams (1971) e de Schmidt (1975),
as variáveis relacionadas à otimização do gerando um grande e renovado interesse no
processo de aquisição de habilidades motoras.
estudo de habilidades motoras.
Historicamente, três períodos característicos de Mais recentemente, acrescentado a esses
investigação podem ser identificados (ADAMS, três períodos destacados por Adams (1987), um
1987): a) o período inicial, que vai de 1880 a novo período se iniciou, especificamente a partir
1940 e no qual, a partir dos estudos pioneiros da década de 1980, em que a abordagem de
realizados na Psicologia, observa-se uma quebra processamento de informações sofre o ataque de
subsequente da visão tradicional de uma nova abordagem, denominada
comportamento, frequentemente relacionada genericamente de ecológica ou da ação,
com a "introspecção", incluindo autoavaliações conforme já recorrentemente discutido no
de sensações que não eram observáveis, para presente texto; no entanto, passadas três décadas
conduzir estudos numa abordagem mais objetiva de pesquisas, há um consenso de que essa
e sistemática sobre as habilidades motoras; b) o abordagem ainda não produziu na AM os
período médio, de 1940 a 1970, em que fatores avanços que esperavam os seus proponentes e
que influenciam a aquisição de habilidades
seguidores, ao contrário do que ocorreu com CM
motoras com ênfase no produto eram as
e DM, em que interessantes resultados foram e
principais preocupações e os estudos tiveram têm sido alcançados.
influência direta das demandas das guerras e da
indústria, influenciando e direcionando Temas atuais de investigação
fortemente as pesquisas realizadas; c) o período
presente, de 1970 em diante, em que houve a As pesquisas sobre aprendizagem motora
troca definitiva da orientação estímulo-resposta têm sido publicadas atualmente em inúmeros
(behaviorismo), a qual teve forte apoio durante periódicos de diferentes níveis de análise. Basta
um simples acesso à Internet para se verificar a para uma análise crítica de seus fundamentos
quantidade de artigos e de periódicos existentes. (FISCHMAN; CHRISTINA; ANSON, 2008).
Foge ao escopo deste artigo, evidentemente, Dentro dessa díade, perguntas têm sido
uma revisão detalhada das publicações em todos feitas em relação à interferência na
os possíveis periódicos, mesmo porque caberia aprendizagem de tarefas complexas.
um artigo exclusivamente para essa finalidade. Especificamente, os efeitos da interferência na
Em se tratando de perspectivas atuais, foram memória têm sido revisitados em relação à
revisadas as principais publicações sobre ordem de aprendizagens, ou seja, efeitos pró- e
aprendizagem motora, selecionadas de acordo retroativos de diferentes sequências complexas
com um critério adotado na própria literatura (PANZER; WILDE; SHEA, 2006) e de tarefas
(BARELA; CORRÊA; PELLEGRINI, 1993; similares (PANZER; SHEA, 2008). Outro fator
CORRÊA, 2008b; FISCHMAN, 2007; de interferência na memória, o esquecimento,
NEWELL, 2007; TANI, 2006; THOMAS, tem sido investigado, mas como uma variável
2006), ou seja, periódicos reconhecidamente dependente (TALLET; KOSTRUBIEC;
identificados como tradicionais e de impacto no ZANONE, 2008). O problema nesses estudos
situa-se no papel da estabilidade na dinâmica de
desenvolvimento histórico da AM, num período
aprendizagem, memorização e esquecimento.
correspondente aos últimos cinco anos. Isto
Por fim, a robustez da memorização (retenção)
resultou na definição de uma amostra
em relação à quantidade de execuções e quanto
constituída de quatro periódicos internacionais:
ao tempo também tem sido um foco interessante
Journal of Motor Behavior, Human Moviment
de estudo (FAIRBROTHER; SHEA, 2005).
Science, Research Quarterly for Exercise and
Outro desafio em AM remete ao
Sport e Perceptual and Motor Skills - e dois
entendimento da influência de processos de
nacionais - Revista Brasileira de Educação
atenção na aquisição de habilidades motoras.
Física e Esporte (antiga Revista Paulista de
Esse desafio refere-se à compreensão do tipo de
Educação Física) e o Brazilian Journal of Motor
informação capaz de direcionar a atenção do
Behavior. Este último, apesar de recente, foi
aprendiz (dica) e do aspecto da tarefa a que a
considerado em virtude de sua especificidade.
atenção deve ser direcionada (WULF, 2007,
A revisão das publicações possibilitou o
2008; WULF; SU, 2007; FORD, HODGES;
agrupamento dos artigos de acordo com os
WILLIAMS, 2005; LAUFER, 2008; LORSON;
temas investigados, obtendo-se como primeira
GOODWAY, 2007). A maioria dos estudos tem
constatação o fato de os temas atuais serem, na
monstrado que focar a atenção a aspectos
verdade, aqueles considerados tradicionais na
AM, embora as hipóteses explicativas para os externos ao invés de aspectos internos (do
fenômenos observados tenham se renovado. Os próprio corpo) tem resultado em melhor
principais grupos temáticos identificados são: aprendizagem de uma ampla gama de
memória e complexidade da tarefa, atenção, habilidades motoras em diferentes populações.
processo de aprendizagem, prática, feedback, Em menor quantidade de estudos, mas não de
modelação e correlatos neurais e doenças. menor valor, a atenção tem sido investigada no
É possível dizer que memória e que se refere aos níveis de controle - controlado
complexidade da tarefa formam uma díade de e automático (BEBKO et al., 2005). Também no
desafios para o entendimento da aprendizagem tocante ao controle, pesquisadores têm
motora, portanto podem ser colocadas em perguntado sobre os correlatos neurais da
perspectiva conjunta de investigação. Embora atenção (ZENTGRAF et al.; 2009).
perguntas estejam sendo feitas a partir de cada Além de aspectos internos, há também uma
uma delas, observa-se uma relação de forte tendência de investigação sobre o que
dependência entre ambas. As proposições de muda com a aprendizagem motora e como muda
Franklin Henry (HENRY, 1959; HENRY; em relação a aspectos observáveis do
ROGERS, 1960), por exemplo, acerca da comportamento, por exemplo, como a
relação entre processos de memória e coordenação articular, a variabilidade
complexidade da tarefa, têm sido revisitadas comportamental e as adaptações espaciais e
temporais ocorrem em virtude da prática e
utilizados de acordo com a necessidade de são incorporados e integrados com base na ideia
melhor compreender e explicar diferentes de sistemas adaptativos complexos; c) o uso
fenômenos. Apesar disso, por um longo período compartilhado de técnicas e tecnologias comuns,
de tempo, não somente em AM, mas em CoM por exemplo, da Biomecânica e Neurofisiologia,
como um todo, os modelos e teorias foram não somente para descrever e analisar padrões
usados muitas vezes como uma “camisa de de movimento, mas também para compreender
força”, com o intuito de excluir ou até mesmo estruturas internas abstratas.
rebaixar abordagens e modelos concorrentes. Dentro dessas perspectivas destacam-se
No nosso entender, foi o que ocorreu em nosso alguns desafios, como, por exemplo, a
meio no caso do embate entre a Teoria da Ação identificação dos correlatos neurais dos
e a Teoria Motora. As posições radicais dos mecanismos e processos associados à
proponentes da Teoria da Ação na sua crítica à aprendizagem motora, assim como dos fatores
Teoria Motora (por exemplo, REED, 1982) que os afetam, como a prática, a atenção e a
foram incorporadas e utilizadas pelos seguidores especificidade da tarefa, os quais já têm sido
conterrâneos para tentar passar a ideia de que a foco de preocupação em várias pesquisas
Teoria Motora era ultrapassada, portanto, de (HAYASHI; SHIMURA; KASAI, 2005, 2006;
segunda categoria. Para demonstrar o equívoco LIN et al., 2008; LIN et al., 2009; SHEMMELL
dessa postura, algumas mudanças de orientação et al., 2007; ZENTGRAF et al.; 2009). Trata-se
ocorridas já no final do século passado são de estudos que utilizam, entre outras
altamente didáticos, como aquela entre a tecnologias, a ressonância magnética e a
aceitação da “ditadura” do modelo para uma estimulação magnética transcraniana na
postura que faz a devida apreciação crítica do identificação e explicação de estruturas neurais
poder explanatório do modelo e a utilização de ou de bases neurofisiológicas dos efeitos de
abordagens híbridas, com instrumentação variáveis de aprendizagem já conhecidos
interdisciplinar. Essas mudanças ocorreram comportamentalmente. A título de ilustração,
como consequência, justamente, das denúncias pode-se citar o estudo de Zentgraf et al.; (2009),
sobre a errônea utilização de modelos e teorias que mostrou que com a utilização do foco
como ideologias e modismos, ou seja, sobre sua externo de atenção há alta ativação
escolha e utilização negligenciando-se as somatosensorial no córtex motor em comparação
limitações inerentes a qualquer abordagem para com a utilização do foco interno. Já Lin, Fischer,
explicar fenômenos complexos, como é o Wu, Ko, Lee e Winstein (2009) utilizaram a
processo de aquisição de habilidades motoras estimulação magnética transcraniana como fonte
(LEE, 1998; SCHMIDT, 2003; WALTER; LEE; de perturbação do processamento de
STERNARD, 1998). informações para investigar os efeitos das
Três principais perspectivas resultantes práticas aleatória e por blocos na aprendizagem
desses acontecimentos podem ser apontadas: a) de tarefas motoras específicas. Eles mostraram
a mudança de orientação da aceitação da que tal perturbação foi mais prejudicial à
“ditadura” do modelo para uma postura mais aprendizagem de tarefas com demandas
crítica e reflexiva do seu poder explanatório, temporais sob prática aleatória do que com a
tendo-se em conta que é o tema ou problema de prática por blocos, e também que isso não
investigação que clama por uma abordagem ocorreu com a aprendizagem de tarefas com
mais apropriada, e não a sua escolha a priori exigências espaciais.
(tomem-se como exemplos os casos dos desafios Estes últimos achados apontam também para
já descritos dos estudos sobre a memória, a um aspecto intrigante na área de CoM
complexidade da tarefa e o processo de igualmente presente na investigação de outros
aprendizagem, nos quais se verificam temas, que é a questão da especificidade da
pesquisadores de ambas as abordagens) b) a tarefa. Os desafios encontram-se na necessidade
utilização de abordagens alternativas a essas de cuidados a serem tomados nas interpretações
duas já tradicionais, como, por exemplo, aquela dos achados, visto que, se por um lado a
do processo adaptativo em aprendizagem utilização de técnicas como ressonância
motora, em que conteúdos das duas abordagens transcraniana magnética e aquelas da
ABSTRACT
The objective of this article was to present a general panorama of the area of Motor Behavior - its historical trajectory, trends
and perspectives of research - with the intention to delineate an organized framework of its development both in the
theoretical and methodological domain. It is expected that this framework may contribute to the construction of a knowledge
base for those who want to specialize as a researcher in the area and to apply that knowledge in the professional intervention.
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Endereço para correspondência: Go Tani. Universidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Av. Prof.
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E-mail: gotani@usp.br