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Usar o poder da voz?

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DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE AUDIÊNCIA Luciano Touguinha de Castro
DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any

E dição 1.000 I 21 de agosto de 2017

Diretor de Redação: João Gabriel de Lima epocadir@edglobo.com.br

PRIMEIRO PLANO
Editor-Chefe: Diego Escosteguy
O debate sobre o uso da maconha Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas
52 Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin,
saiu da clandestinidade . . . . . . . . . . . . . . . . . Leandro Loyola, Marcos Coronato
6 Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos
DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Editores: Bruno Ferrari, Flávia Tavares, Flávia Yuri Oshima, Liuca Yonaha,
A Igreja Renascer não foi mais a mesma Marcela Buscato, Marcelo Moura
Editores Assistentes: Isabela Kiesel, Bruno Calixto
54
PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . 11 depois da denúncia de corrupção . . . . . . . . Repórteres Especiais: Aline Ribeiro, Cristiane Segatto
Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz,
Cármen Lúcia, presidente do STF, Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco
precisa aderir ao ajuste fiscal O primeiro escândalo de Repórteres: Gabriela Varella, Luís Lima, Mariana Queiroz Barboza, Nina Finco,
56
corrupção do governo Lula . . . . . . . . . . . . . . Paula Soprana, Rafael Ciscati, Rodrigo Capelo, Ruan de Sousa Gabriel
Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian
14 Consultora de Marketing: Cássia Christe
A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . Estagiários: Anaís Motta, Daniela Simões, Daniele Amorim, Giovanna Wolf Tadini,
A coragem do primeiro casal de militares Guilherme Caetano, Nelson Niero Neto
58
A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . . 16 gays a sair do armário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br
Rua Marquês de Pombal, 25 – 5o andar – Cidade Nova – Rio de Janeiro – CEP 20.230-240
Editor: Sérgio Garcia
Repórteres: Acyr Méra Júnior, Guilherme Scarpa, Marcelo Bortoloti
GUILHERME FIUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 O impacto da espionagem Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Samantha Lima
americana no Brasil l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br
SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 –
60
EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 para aprovar sanções na ONU . . . . . . . . . . . Salas 701/716 – Asa Sul
Diretor: Luiz Alberto Weber; Repórteres: Aguirre Talento, Débora Bergamasco,
Negociação de delação premiada do Marcelo Rocha, Mateus Coutinho, Nonato Viegas, Patrik Camporez

ex-ministro Antonio Palocci está na UTI As primeiras evidências de corrupção FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento
62 Assistente: Sidinei Lopes
na Petrobras vêm à tona . . . . . . . . . . . . . . . . DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori
22 Editora Assistente: Aline Chica
SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Designers: Cristina Ayumi Kashima, Daniel Graf, Renato Tanigawa
As relações de Lula com a Odrebrecht Estagiárias: Nívea Pascoaloto, Thais Solano Valério
64 Editor de Infografia: Marco Antonio Vergotti
NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 começam a aparecer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel
REVISÃOl Coordenadora:AracidosReis Galvãode França; Revisores: Alice Rejaili Augusto,
Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues
A foto da prisão de Dilma no Dops CARTAS À REDAÇÃO l epoca@edglobo.com.br
66
vira símbolo de sua campanha . . . . . . . . . . . Assistente Executiva: Jaqueline Damasceno

TEMPO
ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL l Gerente: Silvia Balieiro
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO l Diretor de TI: Rodrigo Gosling
ESTRATÉGIA DIGITAL l Coordenador: Santiago Carrilho
A revelação do esquema Desenvolvedores: Alexsandro Macedo, Fabio Marciano, Fernando Raatz, Fred Campos,
68
REBELIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 do lobista do PMDB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Leandro Paixão, Marden Pasinato, Murilo Amendola, Thiago Previero, William Antunes

MERCADO ANUNCIANTE l Segmentos – Tecnologia, TI, Telecom, Eletroeletrônicos,


O governo Temer se torna refém do centrão Comércio e Varejo l Diretor de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn;
Joesley Batista, dono da JBS, Gerente de negócios multiplataforma: Ciro Hashimoto; Executivos multiplataforma:
70 Christian Lopes Hamburg, Cristiane Paggi, Jessica de Carvalho Dias, Roberto Loz Junior;
OBSERVADOR DO TERRORISMO . . . . . . 32 abre o jogo em entrevista . . . . . . . . . . . . . . . Segmentos – Bens de Consumo, Alimentos e Bebidas, Moda e Beleza, Arquitetura
e Decoração l Diretora de negócios multiplataforma: Selma Souto; Executivas
O ataque do jihadismo islâmico a Barcelona multiplataforma: Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani, Giovana Sellan Perez, Paula
Eugênio Bucci: por que Santos Silva, Selma Teixeira da Costa, Soraya Mazerino Sobral; Segmentos – Mobilidade,
Serviços Públicos e Sociais, Agronegócios, Indústria, Saúde, Educação, Turismo, Cultura,

CRÔNICAS AMERICANAS . . . . . . . . . . . . . 38 a imprensa livre é a única defesa Lazer, Esporte l Diretor de negócios multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco;
Executivos multiplataforma: Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano, João Carlos Meyer,
72
Trump exibe sua falta de valores morais para a sociedade contra o populismo . . . . . Priscila Ferreira da Silva; l Diretora de negócios multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe;
Executivos multiplataforma: Dominique Petroni de Freitas, Lilian de Marche Noffs; l Segmentos
– Financeiro, Legal, Imobiliário l Executivos multiplataforma: Ana Silvia Costa, Milton Luiz
diante do ressurgimento da extrema-direita 74
HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Abranches; l Escritórios Regionais l Diretora de negócios multiplataforma: Luciana Menezes
Pereira; Gerente multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva multiplataforma: Babila Garcia

GLOBO EM AÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 O jornalismo na era da Chagas Arantes; l Unidades de Negócio – Rio de Janeiro – Gerente multiplataforma: Rogerio
Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma: Daniela Nunes Lopes Chahim,
Método para agrupar pacientes pós-verdade Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado, Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos;
l Unidades de Negócio – Brasília – Gerente multiplataforma: Barbara Costa Freitas Silva;
Executivos multiplataforma: Camilla Amaral da Silva, Jorge Bicalho Felix Junior;
por grau de gravidade pode Opec Off-Line: Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa, Bruno Granja; Opec On-Line: Danilo
reduzir gastos hospitalares Panzarini, Higor Chabes, Rodrigo Pecoschi; l EGCN – Consultora de marcas: Olivia Cipolla
Bolonha; l Desenvolvimento Comercial e Digital l Diretor: Tiago Joaquim Afonso;

VIDA l G.Lab: Caio Henrique Caprioli, Lucas Fernandes; Customizadas: Vera Ligia Rangel Cavalieri;
Eventos: Daniela Valente; Portfólio e Mercado: Rodrigo Girodo Andrade;
Projetos Especiais: Luiz Claudio dos Santos Faria, Guilherme Inegawa

ÉPOCA 1000 BRUNO ASTUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


O casamento de Marina Ruy Barbosa
76 AUDIÊNCIA l Diretor de Marketing: Cristiano Augusto Soares Santos
Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese
Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida, Patricia Aparecida Fachetti

46
Quando o jornalismo faz diferença . . . . . . . . 79
WALCYR CARRASCO . . . . . . . . . . . . . . . . .
O grampo do BNDES virou um dos O país está melhorando? Para quem? ÉPOCA é uma publicação semanal da EDITORA GLOBO S.A. – Avenida 9 de Julho, 5229, São Paulo (SP),
Jardim Paulista – CEP 01407-907. Distribuidor exclusivo para todo o Brasil: Dinap – Distribuidora
48
maiores escândalos da era FHC . . . . . . . . . . 80
Nacional de Publicações GRÁFICAS: Plural Indústria Gráfica Ltda. – Avenida Marcos Penteado de
Ulhoa Rodrigues, 700 – Tamboré – Santana de Parnaíba, São Paulo, SP – CEP 06543-001.
12 HORAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Denúncia sobre o julgamento O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verifi-
cação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa - Ano 2012,
82
do Massacre de Carajás RUTH DE AQUINO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . da Editora Globo S .A ., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos
50 dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformi-
mudou os rumos da Justiça . . . . . . . . . . . . . O mundo somos nós dade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol .

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Para se corresponder com a Redação: Endereçar cartas ao Diretor de Redação, ÉPOCA. Caixa Postal 66260, CEP 05315-999 – São Paulo, SP. Fax: 11 3767-7003 – E-mail: epoca@edglobo.com.br
As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, endereço e telefone do remetente. ÉPOCA reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação.
Só podem ser incluídas na edição da mesma semana as cartas que chegarem à Redação até as 12 horas da quarta-feira.

4 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


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Como o jornalismo
muda o mundo
B ob Woodward e Carl Bernstein estão para o jornalis-
mo do século passado como Lionel Messi e Cristiano
Ronaldo para o futebol atual. São os símbolos máximos de
lismo interfere na realidade. A revista se compõe de repor-
tagens sobre reportagens. A ideia era avaliar o impacto de
algumas das principais matérias publicadas pela revista
excelência na profissão que escolheram. Após uma investi- desde o número 1, lançado em 1998. A recente entrevista
gação acurada, os dois repórteres desvendaram o caso exclusiva com Joesley Batista, por exemplo, trouxe um novo
Watergate – em que agentes do FBI e da CIA espionaram entendimento sobre o capitalismo de compadrio brasileiro
a sede do Partido Democrata, pouco antes da reeleição do – e balançou os alicerces da política brasiliense. É o impacto
republicano Richard Nixon para a Presidência dos Estados de um furo de reportagem. ÉPOCA também foi a primeira
Unidos. A história serviu de base para o filme clássico Todos publicação brasileira a discutir de forma madura o uso re-
os homens do presidente, de 1976, em que os dois jorna- creativo de drogas, na reportagem em que a apresentadora
listas são magistralmente interpre- Soninha admitiu que fumava maco-
tados por Robert Redford e Dustin nha, publicada em 2001. De maneira
Hoffman. Nixon, um dos políticos análoga, a capa que estampa o casal
mais resilientes da história america- de militares gays Laci de Araújo
na, foi obrigado a renunciar depois da Marinho e Fernando Alcântara, pu-
série de reportagens de Woodward e blicada em 2008, foi o mote para o
Bernstein. O caso Watergate é o primeiro evento governamental sobre
exemplo mais eloquente do impacto direitos homossexuais – até então, o
do jornalismo na sociedade. tema era evitado pelos políticos.
Repórteres não mudam o mundo O impacto do jornalismo se mul-
apenas quando derrubam presiden- tiplica na era digital. Uma reporta-
tes da República. A missão essencial gem – em texto, vídeo ou podcast –
do jornalismo é elevar o nível do pode repercutir em milhões de novos
debate público – e, assim, a atividade IMPACTO textos, vídeos ou podcasts. O outro
Woodward (Redford) e Bernstein
interfere decisivamente no rumo das (Hoffman) no cinema. Os homens lado da moeda é que uma notícia
democracias (jornalismo e democra- que derrubaram um presidente falsa pode obter a mesma difusão. Na
cia, aliás, são palavras inseparáveis. era da pós-verdade, cabe ao jornalis-
Uma não existe sem a outra). Tal mo, sobretudo, estabelecer a base de
missão é cada vez mais importante no mundo atual. O fatos sobre os quais se assentam as grandes discussões na-
jornalismo eleva o nível do debate público quando agrega cionais. Nunca é demais repetir: é com fatos aferidos e che-
fatos concretos às grandes discussões, evitando que a paixão cados que o jornalismo eleva o nível do debate público. É
desinformada leve à polarização sem sentido, como acon- com fatos aferidos e checados que o jornalismo estabelece
tece frequentemente em nossa era de redes sociais. Quando o próprio chão da democracia.
emite opiniões a partir de apuração – momento em que se
torna uma voz no debate. Ou quando publica opiniões
divergentes sobre assuntos momentosos – momento em
que se torna a própria arena do debate. O jornalismo eleva
o nível do debate público, sobretudo, quando publica infor-
mações inéditas, furos de reportagem como o de Woodward
e Bernstein. Dados novos e desconhecidos frequentemente
mudam o rumo das discussões em um país.
A redação de ÉPOCA decidiu usar a edição em que co- João Gabriel de Lima
memora seu milésimo número para mostrar como o jorna- Diretor de Redação

6 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: Collection Christophel


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A Ultragaz e o primeiro botijão de gás do Brasil


nasceram no mesmo dia. Afinal, foi ela que trouxe
ao país essa tecnologia inovadora para a época.
Desde lá, a empresa nunca deixou de ser pioneira,
investindo no crescimento do nosso país há 80 anos. HÁ 80 ANOS LEVANDO O GÁS ATÉ O FUTURO
PRIMEIRO
PLANO CÁRMEN LÚCIA

UM PASSINHO A MAIS, MINISTRA


Cármen Lúcia joga mais luz sobre os supersalários da Justiça, num
momento de descontrole das contas públicas. Mas isso terá efeito?
Foto: Diego Bresani/ÉPOCA 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 11
PE R SO NAG E M DA S E MANA

A
Marcos Coronato

tenção, magistrados: os senhores têm até o


dia 31 de agosto para informar ao Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) os detalhes dos
pagamentos que receberam neste ano desde
janeiro. E haja detalhe. Além do salário-ba-
se, o pagamento de um juiz, desembargador ou ministro
inclui uma profusão de itens como “vantagens pesso-
ais” (esse é o nome da rubrica), “vantagens eventuais”,
“indenizações”, gratificações, benefícios e auxílios. Esses
adereços fazem com que grande parte dos 2.600 magis-
trados do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo,
recebam, a qualquer mês, mais de R$ 60 mil, embora o
salário-base mais alto, o dos desembargadores, seja de
R$ 30.500. Apenas um punhado deles não recebe “inde-
nização” todo mês. Esclarecer a fundamentação desses
pagamentos é um dos motivos da resolução baixada na
quinta-feira passada pela ministra Cármen Lúcia, presi-
dente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto também determina que o detalhamento, a partir
SEM AJUSTE
de setembro, seja apresentado em até cinco dias úteis após O juiz Mirko
o pagamento. E inclui um aviso aos magistrados, de que o Giannotte, que
CNJ levará à Corregedoria da Justiça os casos de “descum- recebeu mais de
primento das normas constitucionais e legais” e “pagamentos R$ 500 mil num
mês. No Judiciário,
realizados sem o fundamento jurídico devido”. A medida é o limite ao salário
salutar por contribuir com a transparência e a fiscalização não significa nada
do setor público. Mas a ministra Cármen Lúcia deve perdoar
o cidadão que se mostrar cético quanto aos resultados. A
medida tem potencial imenso para não resultar em nada.
Os supersalários do Judiciário persistem. Eles crescem, está dando errado. As receitas caíram mais que o esperado, as
mesmo diante de toda a transparência já existente – muitos despesas (incluindo os supersalários) continuam a subir, e o
dos tribunais publicam listas detalhadas dos pagamentos Congresso mostra mais empenho numa reforma política inte-
aos magistrados. Crescem, mesmo com leis limitadoras – o resseira do que em fazer as reformas econômicas necessárias.
salário bruto de um magistrado não deveria superar os R$ Diante de tantas adversidades, o governo federal anunciou
33.700 dos ministros do STF, mas a interpretação da lei hoje uma mudança para pior na trajetória da correção de seu dé-
consagrada é que a miríade de vantagens, indenizações, ficit primário (o saldo negativo nas contas do governo, ainda
gratificações, benefícios e auxílios não conta como salário sem contar a despesa com juros). Aumentaram as previsões
(mesmo que o magistrado a receba, de forma sagrada, todo de déficits neste ano e no próximo – ambos agora projeta-
mês). E crescem, mesmo diante da necessidade desesperada dos em R$ 159 bilhões. Não se prevê mais que o déficit seja
do país de reorganizar as contas públicas. reduzido de 2017 para 2018, como é desejável e se esperava
A folha de pagamentos do funcionalismo público res- no cálculo anterior. O governo Temer simplesmente tentará
ponde por um quinto do total de despesas do governo. É o estabilizar o rombo e deixar que o presidente eleito em 2018
segundo maior item, atrás apenas da Previdência. Supera, tente diminuí-lo. Mesmo esse resultado ruim exige um esfor-
portanto, o gasto em itens como saúde, educação e infra- ço do Poder Executivo: a extinção de 60 mil cargos vagos (que
estrutura. Cortar salários, apenas, não basta para ajustar representavam uma ameaça de gasto futuro), o adiamento
as contas públicas, mas ajuda muito, tanto na aritmética de reajustes de funcionários, o aumento para 14% da con-
quanto na política – a necessidade de ajuste se tornará mais tribuição previdenciária, a redução de salários de entrada em
crível e defensável, diante do Congresso e dos eleitores, se os várias carreiras e uma previsão de evolução mais lenta desses
sacrifícios forem feitos por todos. Na semana que passou, salários. As medidas não chegam a configurar uma verdadeira
tornou-se evidente a urgência de o país avançar nesse tema. reforma administrativa. São o remendo possível, num mo-
A tentativa de ajuste de contas proposta pelo presidente mento em que o ajuste de contas encontra, entre políticos e
Michel Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, altos funcionários públicos, pouco apoio e muita sabotagem.

12 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: TJMT


Cármen Lúcia

No Congresso, alguns dos inimigos do ajuste se torna-


ram bem conhecidos nos últimos tempos. Destacam-se
nessa galeria figuras como o deputado federal Newton
Cardoso Jr. (PMDB-MG), relator do Refis, o programa
proposto pelo Ministério da Fazenda para que parte dos
devedores da Receita Federal regularize sua situação (leia
mais a partir da página 26).
No Judiciário, o problema evidente é dos supersalários.
Os casos revelados se sucedem, assim como as ondas de
indignação, sempre ignoradas pelos magistrados. Na se-
mana passada, o caso da vez foi do juiz Mirko Vincenzo
Giannotte, titular da 6a Vara de Sinop, em Mato Grosso.
Ele recebeu R$ 503.900 em julho. Inexplicável para a
realidade da maioria dos brasileiros, o valor foi justifi-
cado pelo magistrado – numa nota pública, após o caso
ganhar repercussão nacional – com a menção de duas leis
complementares e dois pedidos de providências, com os
respectivos números de protocolo.
O pagamento ao juiz em julho inclui R$ 137.500 em
“indenizações”. São valores que o Judiciário devolveu a
Giannotte para compensar o uso de seu próprio carro para
chegar a comarcas – locais onde trabalham juízes de pri-
meiro grau – em que dava expediente. Em 2003, ele foi
designado para a comarca de Porto dos Gaúchos, a 290
quilômetros em estrada não pavimentada. Na época, o juiz
também ia à comarca de Juara e percorria 53 quilômetros
de estrada não pavimentada. Giannotte afirma, além disso,
ter trabalhado por vários anos com vencimentos inferiores
aos que deveria ter. A questão aí está ligada à “entrância”,
uma espécie de grau de carreira. Quanto maior a entrância,
mais elevados o nível e o salário. O magistrado afirma ter

Cortar chegado à Sinop como juiz de terceira entrância, a mais alta,


mas com vencimentos de segunda entrância. Mais: houve

supersalários
um adicional de insalubridade por trabalhar em condições
perigosas. Em Juara, ele relatou ao site Poder360 ter sido
alvo de uma emboscada com uma jararaca. “Colocaram

não basta de propósito na caçamba da minha caminhonete.” A soma


disso e daquilo passou de R$ 500 mil. Giannotte informou

para ajustar
também que o valor era extraordinário, pela coincidência
de vários pagamentos no mesmo mês. O juiz teria sido
mais instrutivo e esclarecedor em sua nota se, em vez de

as contas recorrer ao Direito, usasse a matemática e mostrasse quanto


os cofres públicos pagaram a ele mensalmente, na média,

do governo. Mas
ao longo dos últimos anos. Foi satisfatório ver João Otávio
Noronha, corregedor do CNJ, convocar o presidente do
Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Rui Ramos Ribeiro,

ajudará muito para explicar o pagamento extraordinário a Giannotte. Isso


terá de se tornar rotina. Ou Cármen Lúcia garante que dará
esse passo à frente ou sua nova resolução, mal nasceu, já irá
para o cemitério das normas que aumentam a burocracia
sem ter nenhum efeito prático. u

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 13


AGOSTO I 2017

Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom


QUE RESUMEM A SEMANA 14 15 16 17 18 19 20

Saiu caro
Na terça-feira, dia 15, a Terceira
Turma do Superior Tribunal de
Justiça manteve, por unanimidade,
a condenação do deputado federal
Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por
ofender a deputada federal Maria
do Rosário (PT-RS) em 2014.
Na ocasião, Bolsonaro disse a
Rosário que “ela não merecia ser
estuprada por ser muito feia”.
Ele terá de pagar R$ 10 mil à
deputada por danos morais.

O líder na cadeia
O ex-deputado federal Cândido Vaccarezza foi
preso temporariamente na sexta-feira, dia 18, na 44a MINHA
fase da Operação Lava Jato. Vaccarezza é acusado de GOTEIRA...
receber US$ 438 mil em propina para influenciar
no Congresso a contratação da empresa Sargent
A Controladoria-
Geral da
Vai e volta
Marine pela Petrobras, entre 2010 e 2013. Líder do União (CGU) O ministro Gilmar Mendes, do
governo na Câmara nas gestões de Lula e Dilma, encontrou Supremo Tribunal Federal, concedeu
Vaccarezza deixou o PT e está no Avante. A Polícia defeitos em habeas corpus ao empresário Jacob
Federal deflagrou duas fases da operação ao mesmo Barata Filho na quinta-feira, dia 17.
tempo. As etapas 43a e 44a cumpriram mandados Barata foi preso em julho, acusado de
em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Santos. participar do esquema de corrupção
no Rio de Janeiro. Mendes foi
padrinho de casamento da filha de
Barata, mas não se considerou suspeito
Bolso cheio para julgar o caso. A força-tarefa da
Na quinta-feira, dia 17, o juiz Lava Jato no Rio de Janeiro solicitou à
Sergio Moro liberou R$ 10 Procuradoria-Geral da República que
milhões de Mônica Moura e ingresse com um pedido para declarar
João Santana, ex-marqueteiros o impedimento de Mendes no caso. caso
do Partido dos Trabalhadores.
O valor é parte dos R$ 28,7
milhões do casal que a Justiça
bloqueou na Lava Jato. Ao de 1.472 casas
pedir a liberação, a defesa do Minha Casa
dos réus alegou problemas Minha Vida.
Infiltrações
financeiros. O casal fechou o lideraram a lista
acordo de delação premiada de problemas
em abril e se comprometeu apresentados
a devolver US$ 21,6 milhões pelos imóveis.
depositados na Suíça.

14 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


ESTADO DE CALAMIDADE As chuvas que atingiram Freetown, capital de Serra Leoa,
na segunda-feira, dia 14, provocaram um deslocamento de terra que matou pelo menos 400 pessoas
– cerca de 100 delas crianças. A Cruz Vermelha informou que outros 600 cidadãos estão desaparecidos.

CARIBE
O estrago
do zika AMÉRICA LATINA
A Organização das Nações Unidas e o
Ministério da Saúde divulgaram na terça-
feira, dia 15, o impacto macroeconômico
do vírus zika nos países da América
Latina e Caribe. O relatório estimou
o gasto para combater o vírus em três
cenários de transmissão: do menos ao BRASIL
mais conservador. No Brasil, foram
gastos até US$ 4,6 bilhões – equivalente
a 0,09% do PIB brasileiro – entre 2015
e 2017. Na América Latina e Caribe, a
Na cela epidemia custou até US$ 18 bilhões.
O novo pedido de liberdade do
ex-ministro Antonio Palocci foi Custo do vírus zika no período de 2015 a 2017
negado na quarta-feira, dia 16,
pela Corte do Tribunal Regional América Latina e Caribe entre US$ 7 bilhões e US$ 18 bilhões
Federal da 4a Região, em Porto BRASIL(1) entre US$ 960 milhões e US$ 4,6 bilhões

0,09%
Alegre. A defesa alegou que o juiz
Sergio Moro havia “antecipado DO TOTAL DO PIB
a pena” ao converter a prisão BRASILEIRO FOI O
temporária em preventiva. CUSTO DO VÍRUS ZIKA
Palocci foi preso em setembro por
corrupção e lavagem de dinheiro. (1) Estimativa Fontes: Pnud e OMS

Fotos: Rodolfo Buhrer/Reuters, Dida Sampaio/Estadão


Conteúdo, Jane Hahn/The NY Times, Suellen Lima/Folhapress, 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 15
Tony Gentile/Reuters e Andre Coelho/Ag. O Globo
QUE RESUMEM A SEMANA

“Cada parlamentar “Estamos querendo “Acabamos


teve a opção de votar colocar o partido aceitando como
a favor ou contra o de acordo com natural o fisiologismo,
presidente. Agora cabem o que tem de que é a troca de
as consequências” mais moderno favores individuais
Antonio Imbassahy (PSDB-BA),
ministro da Secretaria de Governo, ao anunciar a
no mundo hoje. e vantagens pessoais
demissão de afilhados de deputados que votaram
pelo andamento da investigação contra Temer
Queremos em detrimento da
ganhar as ruas” verdadeira necessidade
“A opinião pública
Romero Jucá,
presidente do PMDB, ao anunciar que pediu
do cidadão”
PSDB,
não vai gostar, ao TSE a volta do antigo nome do partido: MDB
em seu programa eleitoral de rádio e TV

mas paciência” “Para marcar


Edison Lobão (PMDB-MA),
senador, sobre o projeto para criar um fundo o início de uma “Esse programa
eleitoral público de R$ 3,6 bilhões
nova fase, estamos não me representa”
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP),

“Entendo que hoje é lançando uma nova senador, sobre a propaganda do PSDB

possível se repensar identidade visual


que acompanhará “Quem quiser
esse financiamento fazer graça com
por pessoa jurídica” nossa trajetória”
Luiz Fux,
Fernando Musa,
presidente executivo da Braskem.
o politicamente
ministro do Supremo Tribunal Federal. Relator do
julgamento que proibiu as doações eleitorais de
A empresa petroquímica da Odebrecht correto, vai embora”
se afastou do padrão visual do grupo. Silas Malafaia,
empresas, em 2015, Fux agora defende a liberação Outras subsidiárias farão o mesmo pastor evangélico, na abertura da feira ExpoCristã.
João Doria e Geraldo Alckmin compareceram.
Michel Temer confirmou presença, mas faltou

DED O NA C AR A
“A criação da
“Pelo que estou vendo, “Não há folga.
eles querem dar mais Estamos editoria de guerra
uma folguinha. Com isso trabalhando foi a forma que
a gente não concorda” no limite” encontramos
Tasso Jereissati,
presidente interino do PSDB. Ele acusou o governo de
Eliseu Padilha,
ministro-chefe da Casa Civil
de berrar: ‘Isso
aumentar
t a previsão
i ã oficial de rombo
fi i l d b no O
Orçamento
para poder aprovar mais demandas de aliados
t não é normal!’”
Extra,
jornal do Rio de
d Janeiro, ao anunciar
que passará a tratar certos crimes na
cidade como ccrimes de guerra

“Eu nãão tô nem aí”


Mirko Vince enzo Giannotte,
juiz titular da 6a Vara de Sinop, em Mato
Grosso, criticcado por ter recebido, em
julho, meio m milhão de reais entre salário,
indenizaçõess e gratificações. Giannotte diz
que ainda esp pera receber mais R$ 750 mil

Fotos: Edilson Rodrigues/Agência Senado,


e Ricardo Botelho/Brazil Photo Press
GUILHERME FIUZA

Você é sócio
do caixa três

O Brasil não falha: a ideia de criar um fundo público


(seu dinheiro) para bancar campanhas eleitorais
surge no momento em que João Santana (alguém se
espírito de um país que ama polemizar sobre o que não
presta. É claro que o poder econômico sempre influenciará
eleições – assim como o poder político, o poder cultural,
lembra dele?) pede à Justiça para desbloquear seus bens, o poder acadêmico, o poder familiar, o poder espiritual
porque está sem grana. Deu para entender? O marque- etc. Uma estrela de televisão que apoia um candidato está
teiro-laranja do maior assalto da história da República influenciando poderosamente o jogo eleitoral com o capital
está esquecido na prisão, tentando reaver sua fortuna, de sua fama. Não existe capital mais poderoso – e concen-
enquanto o país discute a oferenda de mais R$ 3,6 bilhões trado. Que tal proibi-lo? Nova lei: em ano eleitoral, artista
para engordar novos marqueteiros eleitorais. famoso não pode abrir o bico sobre política.
Como isso é possível? Simples: dê uma olhada pela ja- Se você pode fiscalizar a promiscuidade entre artistas
nela de seu computador e veja o Brasil, ao vivo, inflamado e políticos, pode fazer a mesma coisa sobre cartas mar-
em seu despertar cívico, discutindo se o fundo público cadas entre empresas e partidos. Pode regular limite de
de financiamento eleitoral é de esquerda ou de direita. gasto, tipo de contrato e condutas em geral – até onde
Se não for exatamente isso, é algo nessa linha, em geral você achar que deve, para controlar o tráfico de influên-
um pouco mais tolo e surrealista. Se você fosse o João cia. Mas isso dá trabalho, então é melhor aderir à de-
Santana, você faria o mesmo: “Deixa eu magogia anticapitalista do maior ladrão
aproveitar o recreio intelectual dos idio- da República.
tas que estão discutindo a ideologia de Esse proselitismo malandro, suposta-
Adolf Hitler e salvar minha pele”. DEPOIS DE ABARROTAR mente progressista, tem entre seus arau-
Vamos interromper o recreio um mi- tos os heróis carnavalescos de sempre –
nutinho, com todo o respeito à frivolidade O CAIXA ELEITORAL, vários dos quais de toga. Desse Supremo
geral, para uma lembrança saborosa: essa AS VIRGENS DE Tribunal Federal que tentou melar o im-
facada nas costas do contribuinte (você) peachment de Dilma na mão grande, o
nasceu – não ria – de um surto ético do
LULA DECIDIRAM mesmo que abençoou a tramoia de Janot
PT. Naturalmente um surto ético de men- PROIBIR A DOAÇÃO com Joesley, só se ouvem tiradas espertas
tira, como tudo que provém das almas DAS EMPRESAS em busca de manchetes – tipo o “quero
mais honestas do prostíbulo. mudar o Brasil, não me mudar do Brasil”
A situação era a seguinte: a Operação de Cármen Lúcia, frase matadora para
Lava Jato fervia, em plena revelação da máfia montada bolo de aniversário. Sobre a garfada obscena de R$ 3,6
por Lula e Dilma com as maiores empreiteiras do país bilhões com a bênção do STF (o companheiro Barroso
para roubar a Petrobras e a economia popular, quando o não falha), nenhuma tirada estilística.
Partido dos Trabalhadores resolve dar seu grito contra o Queridos legalistas ornamentais, onde está a investi-
abuso do poder econômico perpetrado pelo capitalismo gação das operações bilionárias do BNDES com o caubói
selvagem. Traduzindo para o português: depois de usar biônico, maior corruptor confesso do sistema político bra-
as empresas para abarrotar criminosamente seu caixa sileiro, sob a regência do PT? A omissão geral sobre esse
eleitoral, as virgens de Lula resolvem proibir a doação esquema pornográfico, protegido pelas flechas de bambu
eleitoral de empresas – em nome da ética. do procurador companheiro, é de esquerda ou de direita?
Não ficou clara a tradução? Vamos tentar de outra Até o procurador Deltan, expoente da Lava Jato, resol-
forma: o PT roubou você com o petrolão e vai te roubar veu aderir à coqueluche ideológica do jardim de infân-
de novo com o Orçamento da União. Se ainda não deu cia. Afinal, o oportunismo é de esquerda ou de direita?
para entender, pelo menos rimou. Com a palavra, as viúvas de Adolfo. u
Podemos continuar essa conversa triste. Mas prometa
que você não vai querer discutir se a proibição hipócrita das
Guilherme Fiuza é jornalista. Publicou os livros Meu nome não é Johnny, que
doações de empresas é de direita ou de esquerda. Hipocrisia deu origem ao filme, 3.000 dias no bunker e Não é a mamãe – Para entender a
não tem ideologia. Rimou de novo – rima pobre, como o Era Dilma. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA gfiuza@edglobo.com.br

18 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


ALÔ, CONGRESSO NACIONAL
INFORME PUBLICITÁRIO

O SINDICOM QUER ENGANAR VOCÊ!

No dia 22 de agosto, o SINDICOM usará Dinheiro Público que não presta contas
ao TCU para lançar sua campanha “Combustível Legal” no Congresso Nacional

N os últimos 10 anos, o Sindicato Nacional


das Empresas Distribuidoras de Com-
bustíveis e de Lubrificantes (SINDICOM)
tem usado esse dinheiro público para finan-
ciar a espetaculosa campanha “Combustí-
vel Legal”, que promove eventos pelo país
recebeu mais de R$150 milhões, em sua visando confundir as autoridades e ludibriar
maior parte da BR Distribuidora, sem nun- o Congresso Nacional quanto à responsabi-
ca ter prestado conta desses recursos ao lidade de suas 3 (três) associadas em práti-
Tribunal de Contas da União, como manda cas gravíssimas como adulteração de com-
a Lei. Pior ainda é verificar que o SINDICOM bustível e formação de cartel.
CHEGA DE HIPOCRISIA. A MELHOR BANDEIRA É A DA TRANSPARÊNCIA E DO RESPEITO AO CONSUMIDOR.

NÃO DEIXE UMA BANDEIRA ENGANAR VOCÊ!


REFINARIA DE PETRÓLEOS DE MANGUINHOS
RESULTADO COM RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL
E RESPEITO AO CONSUMIDOR
POR MURILO RAMOS expresso@edglobo.com.br

Pense mais
Cunha avalia se é uma boa retomar
as conversas com os procuradores.
O insucesso na negociação até aqui
o estimulou a esperar pela posse da
futura procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, em setembro.

Ilusão
Raquel Dodge e sua equipe não
têm a menor pretensão de negociar
delação premiada com Cunha.
Acham que ele é pouquíssimo
confiável. Além disso, dizem que
serão mais seletivos e rigorosos
que Janot no uso de delações.
Estava quase lá

Tiro no pé Lembrança
Eduardo Cunha dedicou vários

O doleiro Lúcio Funaro provocou grande confusão na Procuradoria-


Geral da República (PGR) após dizer que “ainda tem” informações
para entregar sobre o presidente Michel Temer. Funaro deu um
anexos de sua proposta de
delação ao presidente da Câmara
dos Deputados, Rodrigo Maia,
tiro no pé porque sua negociação estava em fase adiantada e, com a desafeto dele. Há também
declaração, pareceu que escondia informações dos procuradores. Para menções ao ex-presidente Lula.
minimizar os estragos, sua defesa correu à PGR. Foi informada pelos
investigadores de que Funaro terá de fornecer todos os detalhes possíveis
e imagináveis caso queira ver sua delação homologada. Na segunda-feira, Mais um
o advogado de Funaro terá de voltar à PGR – e com mais chumbo. Chegou à PGR a proposta de delação
premiada de um empresário do setor
de saúde. Lula é bastante lembrado.
Isca
Após a derrapada de Delação na UTI
Funaro, o grupo de trabalho A negociação para a delação
da Lava Jato na PGR chegou premiada do ex-ministro da Fazenda
a procurar advogados de Antonio Palocci na Lava Jato vai de
Eduardo Cunha – cuja mal a pior. Passou a ser comparada
negociação de delação fora à do ex-presidente da Câmara
encerrada – acenando com dos Deputados Eduardo Cunha
a possibilidade de retomada e também ganhou o apelido de
das conversas. Não era “biscoito de polvilho”. Só faz barulho.
para valer. Era só uma
provocação a Funaro.
Ao vazar que estava Senha
conversando com Cunha, Alguns advogados que tentam marcar
criou um incentivo para audiência com o ministro Edson
que Funaro contasse Fachin, relator da Lava Jato, esperam
tudo o que sabe. até três meses para conseguir.

20 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Evaristo AS/AFP, Hélvio Romero/Estadão


Conteúdo, Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
Com Marcelo Rocha e Nonato Viegas
e reportagem de Aline Ribeiro e Nelson Niero Neto

Raiva Lula e os “Canalhas”


Advogados do ex-presidente O ex-presidente estará em Maceió
da Transpetro Sérgio Machado nesta semana e tem em sua agenda
contestarão na Justiça as um jantar na casa de José Wanderley
declarações da Polícia Federal Neto. Wanderley é famoso por
de que sua delação não deverá organizar um tradicional encontro de
ser levada adiante. Dirão que políticos alagoanos batizado de “Festa
suas informações não foram dos Canalhas”. Ligado ao PMDB,
devidamente analisadas pela PF e ele já foi alvo de uma operação da
que uma disputa da corporação Lava Jato em dezembro de 2015.
com a PGR, responsável por firmar
o acordo, está por trás das críticas.
Ciúmes
Lá se foi A defesa de Lula está insatisfeita
com o lançamento do livro que
Quando a PF deflagrou a Operação critica a decisão do juiz federal
Satélites 2, levou as peças de defesa Chegou Sergio Moro de condenar o
do senador Renan Calheiros (PMDB- petista a nove anos de prisão por
AL). Elas estavam nos computadores Conta para Dilma ter ocultado a propriedade de
de seu advogado, um dos alvos da A Mascote Flag, empresa que um tríplex em Guarujá. Roberto
operação. Renan ficou preocupado figura nas contas da campanha Teixeira e Cristiano Zanin dizem
porque a PGR teve acesso à estratégia de Dilma Rousseff de 2014, que o livro foi precipitado. Mas, na
que seria usada nos tribunais. cobra R$ 75 mil da ex-presidente verdade, o motivo do incômodo
e do PT na Justiça de São Paulo. é ciúmes. Simples assim.
Dilma declarou ao TSE ter
Mundo novo repassado à empresa R$ 1,5
milhão para a fabricação de Peixe
Foi o ex-deputado federal Cândido banners, bandeiras e faixas. À frente do Podemos do Rio
Vaccarezza, preso na Lava Jato na A Mascote estava no rol de de Janeiro, o senador Romário
sexta-feira, dia 18, quem levou o fornecedores da campanha encomendou pesquisa sobre o
lobista Jorge Luz a atuar nas diretorias petista sobre os quais pesavam cenário para o governo fluminense.
da Petrobras controladas pelo PT. suspeitas de irregularidade. Incluirá entre os pesquisados,
Até então sua área de influência era A empresa está registrada em além dele próprio, o ex-prefeito
o PMDB. Vaccarezza costumava nome da doméstica Ângela Eduardo Paes, o ex-técnico
chamar o lobista de Dr. Jorge. Maria do Nascimento. da seleção brasileira de vôlei
Bernardinho e o vereador Cesar
Maia, pai do presidente da Câmara,
o deputado Rodrigo Maia. Cesar
Conta para Temer Maia está entre o Senado e o
governo do Rio de Janeiro.
O escritório do advogado do presidente Michel
Temer, Antonio Cláudio Mariz, contratou um
parecer da jurista Ada Pellegrini para ajudar É falsa...
a sustentar a defesa do peemedebista contra a ...a mensagem de áudio do WhatsApp
acusação da PGR na Câmara dos Deputados. em que, supostamente, o diretor
Ada morreu no dia 13 de julho. Duas pessoas do Fantástico, Luiz Nascimento,
próximas a ela disseram a EXPRESSO que o afirmava que pediu demissão
escritório de Mariz, no entanto, não honrara em razão de a TV Globo querer
o pagamento de R$ 120 mil até o começo da prejudicar o presidente Michel Temer
semana passada. A reportagem questionou para promover Lula. Nascimento
Mariz sobre o pagamento.“Não sei. É ele diz que não pediu demissão e que
(Temer) quem deve pagar. Do meu bolso, não há acordo sobre Temer e Lula.
você acha que eu pagaria? É claro que não.” “A informação é totalmente falsa.”
Mariz não cobrou para advogar para Temer. A Globo classificou o episódio de
“fake news com propósitos escusos”.
Leia a coluna Expresso em epoca.com.br
21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 21
DE COSTAS PARA O ELEITOR tados e as campanhas financiadas por
“Reforma para eles mesmos” seus filiados e apoiadores.
(999/2017) mostra como parlamentares Godofredo Dantas,
trabalham para que suas campanhas via Twitter
sejam pagas pelos brasileiros
Nossos digníssimos deputados que-
Nossos nobres e éticos políticos sa- rem criar um Fundo Partidário de R$
bem que no Brasil não temos memó- 3,6 bilhões, mas precisam enfrentar um
ria de elefante, por isso fazem o que que- impasse: de onde parir a verba? Agora a
rem e pouco se importam com os eleitores equipe econômica achou. Retirar R$ 10 do
que os colocam lá. salário mínimo gerará R$ 3 bilhões, pra-
Antonio José Gomes, ticamente a verba exigida pelo Legislativo.
via Facebook Beatriz Campos,
Escreva para: São Paulo, SP
epoca@edglobo.com.br Dinheiro público não é para bancar
partido político. Que sejam susten- Obviamente, sou contra o financia-
mento público de campanhas. De-
pois de tudo o que pagamos, teria cabi-
mento? É fazer o Brasil de idiota.
Roberto Moreira da Silva,
COM E N TÁ R IO DA S E MA NA São Paulo, SP

Está mais do que na cara que o cha-


mado distritão é pura armação dos
Por que temos de contribuir para senhores parlamentares para manter os
o fundo com políticos que não mesmos personagens no jogo político,
simpatizamos nem nos representam?” não dar margem à renovação das “peças”.
Vai que entra alguém disposto a acabar
William Toscano, com a farra existente hoje?
via Twitter José Marques,
São Paulo, SP
Só quatro países do mundo usam o Pezão tem motivos para alugar o jato.
distritão. Só por esse dado podemos Ele vai ter de se deslocar muito a Bra-
verificar que não é o mais aconselhável sília para visitas aos tribunais. E como ele
para o Brasil. Precisamos de um sistema iria se arriscar num voo comercial? Den-
eleitoral que, primeiramente, não obrigue tro do avião não tem para onde correr.
a população a votar. Assim, teremos uma José de Miro Mazzaro,
qualidade de voto melhor, de pessoas que Álvares Machado, SP
se interessam pelo assunto e pesquisam
seus candidatos e partidos. Em vez de se preocupar com a ca-
Mônica Delfraro David, ótica situação do estado, o gover-
Campinas, SP nador Pezão aluga um jato para chamar
de seu. Assim, deixa famílias sem paga-
RUTH DE AQUINO mento, hospitais sucateados, universida-
“Meu pai e o jato de Pezão” (999/2017) des fechando... Será que ele também está
fala sobre o governador do Rio de sem salário?
Janeiro alugar um avião por R$ 2,5 Ilca Helena Erthal de Freitas,
milhões em plena crise estadual Nova Friburgo, RJ

MA I S COM E NTADAS M AIS L I DA S M A I S COM PA RT I L HADA S


O ator Fábio Assunção Corinthians fecha 1O Em relatório, Fachin lista 27
1 se filiará ao PT do Rio... 1 semestre de 2017 com 1 crimes atribuídos a Collor...
EXPRESSO metade da renda de... EXPRESSO
Bolsonaro tenta reverter O ator Fábio Assunção Por dentro dos complexos
2 condenação que o obriga... 2 se filiará ao PT do Rio de... 2 de favelas que concentram
EXPRESSO EXPRESSO o roubo de cargas no Rio...
“Amo meu filho, mas às PGR encerra negociação O ator Fábio Assunção se
3 vezes queria que ele fosse 3 de delação premiada com... 3 filiará ao PT do Rio de...
meu sobrinho” EXPRESSO EXPRESSO
Lula quer estar no Rio no dia Bial fala da paternidade PGR encerra negociação
4 do aniversário da Petrobras 4 aos 59 anos: “Achava que... 4 de delação premiada com...
EXPRESSO Bruno Astuto EXPRESSO
Alckmin diz que Doria não Isis Valverde, sobre MP investiga se
5 tem capilaridade para... 5 casamento: “Só o homem... 5 parlamentares petistas...
EXPRESSO Bruno Astuto EXPRESSO
Mais respeito pela
reforma política
O sistema político não deveria ser discutido
sob a égide dos interesses momentâneos dos
parlamentares, que geram propostas esdrúxulas

culdades que atingem a corporação política. Os


deputados perceberam que havia resistências à
escolha do sistema de votação chamado de “dis-
tritão”, pelo qual apenas os mais votados são
eleitos – diferentemente do sistema proporcio-
nal em vigor, no qual os votos contam para
candidatos e partidos. Por isso, a imaginação
dos legisladores correu solta. Surgiu um tal “se-
midistritão”, pelo qual os mais bem votados
seriam eleitos, mas o voto também contaria
para os partidos. Tal ornitorrinco legislativo
não faz sentido algum do ponto de vista insti-
tucional; serve apenas para facilitar a aprovação
no plenário. Se o distritão só é usado em quatro
países, o semidistritão seria um macunaíma
político. A mensagem ficou clara: esqueça o
eleitor, vamos resolver nossa vida.
A desaprovação popular fez alguns deputados
recuar momentaneamente na ideia de um fun-
BAGUNÇA

A
Deputados do de R$ 3,6 bilhões em dinheiro público para
discutem a o longo de décadas, o termo reforma financiar suas campanhas. É nesse ponto que
reforma política política remetia o imaginário a uma reside seu verdadeiro interesse na tal “reforma”.
na Câmara. mudança tão complexa que justificava Começaram a pensar até em reinstituir as doa-
Até agora,
falou-se pouco a letargia com a qual era tratado. Nos últimos ções de empresas, proibidas pelo Supremo Tri-
em mudanças dias, no entanto, descobriu-se que era simples bunal Federal em 2015. Esses titubeios mostram
efetivas quebrar a barreira. Bastava colocar os políticos que alguns deputados testam a céu aberto for-
em uma situação desconfortável, como a gera- mas de facilitar suas eleições em 2018. Não bus-
da pela Operação Lava Jato, para fazer o pro- cam aprimorar o sistema, que seria possível com
cesso caminhar. Sem dinheiro das doações mudanças como implantação de uma cláusula
privadas e desesperados para se manter no de barreira e o fim das coligações em eleições
poder com foro privilegiado, deputados e se- proporcionais. Parece que boa parte do Con-
nadores correram a buscar mudanças numa gresso não compreendeu que seus eleitores gos-
velocidade jamais vista. Porém, entre as pro- tam dos avanços civilizatórios protagonizados
postas às quais dedicam mais tempo e energia, pela Lava Jato, que quer mais ética e transparên-
figuram poucos avanços institucionais. cia na política. Não é mais admissível que polí-
A semana passada foi um espetáculo de ticos usem suas posições para ajeitar as coisas
oportunismo a céu aberto, no qual era flagran- em benefício próprio. A reforma política exige
te a preocupação de todos em resolver as difi- mais dignidade e respeito pelo país. u

24 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


TEMPO
T E AT R O D A
POLÍTICA

SOB O DOMÍNIO DO
Aqueles que salvaram o mandato de Michel Temer agora
lotam salas do Planalto, fazem ameaças, e cobram caro
para não se tornarem seus algozes num futuro próximo
26 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: Adriano Machado/Reuters
Débora Bergamasco

A placa pendurada na porta diz


“Sala de Espera”. Os parlamen-
tares chegam cedo e começam
a ocupar as 17 cadeiras. Em pouco tem-
po, o sofá de três lugares está cheio e o
ambiente de cerca de 20 metros qua-
drados apinhado. A saleta serve para
acomodar quem aguarda a vez de entrar
no gabinete do ministro Antonio Im-
bassahy, da Secretaria de Governo, no
Palácio do Planalto, onde se discutem
projetos, cargos, emendas, essas coisas
essenciais ao universo de Brasília. Na
tarde da quarta-feira, dia 16, ao entrar
na sala um deputado cumprimenta seu
colega Wladimir Costa, do Solidarie-
dade, com uma pergunta direta. “E as
emendas, hein?”, diz. Wlad responde,
balançando a cabeça em sinal de de-
saprovação: “Emendas? Estão contin-
genciando todas”. Wlad ficou famoso
com a tatuagem “Temer” feita no om-
bro direito às vésperas da votação que
manteve o presidente Michel Temer no
cargo – com hena, que se apaga mais
fácil. Ele conseguiu quase R$ 5 milhões
em emendas na farra comandada pelo
Planalto para salvar Temer. Mas a pro-
messa do governo se mostra tão frágil
quanto a tatuagem que Wlad fez num
momento de embriaguez.
Integrante do centrão, um amontoado
de 12 partidos amalgamados pelo fisio-
logismo, Wlad é um sintoma da relação
instável desse grupo com o governo Te-
ALIADOS
O líder do governo, mer. A fidelidade da turma se desman-
André Moura (de cha ao primeiro sinal de interrupção no
terno escuro e gravata fluxo de dinheiro – assim como uma
azul), com integrantes tatuagem de hena sai em contato com
do centrão. A turma
cobra caro pela a água. A quarta-feira foi mais um dia
fidelidade ao Planalto em que congressistas da base aliada fo-
ram à sala de Imbassahy botar preço

O CENTRÃO
a sua fidelidade, cobrar do governo a
conta por terem salvado o presidente
de ser afastado do cargo e julgado por
corrupção passiva pelo Supremo Tri-
bunal Federal. Resmungos, muxoxos,
desaforos ecoam nos corredores do
palácio. “Esse paneleiro, politiqueiro,
cupincha do baiano...”, esbravejava o
deputado Carlos Bezerra, do PMDB de
Mato Grosso, contra Carlos Henrique
Sobral, chefe de gabinete de Imbas-
sahy (que é baiano). “Eu ligo, e ele não
me atende. Eu venho aqui, e ele man-
da dizer que não pode me receber. s

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 27


T E AT R O D A P O L Í T I C A

ciamento de dívidas, por exemplo, cau-


sa pesadelos à equipe econômica, pois o
Legislativo está longe de entrar em um
consenso que possa equilibrar a renego-
ciação de dívida de empresários com o
Fisco e garantir arrecadação decente ao
Tesouro em um momento de penúria.
No mês passado, após reunião com a
equipe econômica, ficou combinado
com o relator da matéria, deputado
Newton Cardoso Júnior, que empre-
sas com dívidas de até R$ 15 milhões
seriam beneficiadas por descontos. Na
redação, no entanto, Cardoso não cum-
priu o acordo e elevou a generosidade
para R$ 150 milhões, o que diminuiu a
expectativa de arrecadação do governo
de R$ 13 bilhões para menos de R$ 500
milhões, uma mixaria em impacto or-
çamentário. O próprio Cardoso, aliás,
é sócio de empresas que devem cerca
de R$ 51 milhões à União.
Assim, é fácil compreender por que
a reforma da Previdência, a mais im-
portante das matérias, entrou numa es-
pécie de estado vegetativo. Foi deixada
de lado pelos parlamentares em prol de
um arremedo de reforma política. Um
assessor do alto escalão do governo afir-
ma que “não sabe mais se a condução
da reforma está nas mãos do presidente
CADÊ?
O deputado da Câmara, Rodrigo Maia, do senador
Esse é o clima dentro deste governo Wladimir Costa Romero Jucá ou dos articuladores do
que quer nossa ajuda para tudo.” Be- no Planalto. A centrão”, numa sinalização de que o go-
zerra estava fulo porque perdeu o cargo tatuagem sumiu, verno perdeu a capacidade de conduzir
e o dinheiro
ocupado por um de seus apadrinhados prometido pelo o projeto sem danos.“Antes da votação
para um nome escolhido pelo deputado governo ainda da primeira denúncia do procurador-
Newton Cardoso Júnior, do PMDB. não apareceu geral da República, Rodrigo Janot, o go-
Na semana passada, o governo, que verno estava na UTI. Agora foi salvo,
precisa de “ajuda para tudo”, percebeu mas passou para o quarto. Não está
suas dificuldades diante de um centrão em condições de já sair para jogar
que aumenta a cada dia o valor do dote. uma partida de futebol”, diz o depu-
A Comissão Mista do Orçamento de- assim, jogam duro e ameaçam não aju- tado Marcos Montes, do PSD de Minas
monstrou má vontade em aprovar a dar o governo em busca de vantagens. Gerais. “Ele tem de ficar se restabele-
ampliação da meta fiscal de um rombo Integrantes da comissão se rebelaram cendo, com cuidado, com calma. Não
de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. contra vetos presidenciais de trechos é hora de falar em Previdência agora.
A mudança na meta foi anunciada pelo da Lei de Diretrizes Orçamentárias de Ou corre o risco de voltar para a UTI.”
ministro da Fazenda, Henrique Mei- 2018, em especial, à parte que trata da Temer escapou da primeira denún-
relles. Se não for aprovada pelo Con- conclusão de obras inacabadas. cia, mas a fragilidade de seu governo
gresso, criará um embaraço ao governo. O governo pode segurar a liberação é latente. Os integrantes do centrão
Na prática, até as moscas do Congresso do dinheiro das emendas para exigir sabem disso e são explícitos na exi-
sabem que a medida agrada aos parla- fidelidade, mas a dinâmica está contra. gência de cargos e verbas. Deputados
mentares – afinal, maior rombo signifi- Sua pilha de necessidades de apoio da costumam ligar para as telefonistas do
ca menor contingenciamento, e gastan- base está aumentando, por isso o “pre- gabinete presidencial e dizer: “Oi, o
ça é tudo que Suas Excelências querem ço” de cada aliado inflaciona na mesma Michel ‘tá’ aí? Então tô indo”, sem dar
em véspera de ano eleitoral. Mesmo medida. O Refis, programa de refinan- nem tempo de as moças responderem. s

28 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


T E AT R O D A P O L Í T I C A

deira de ministro de Antonio Imbassahy


está na mira. A turma do centrão quer
emplacar em seu lugar um embaixador
de seu interesse, André Moura, do PSC,
líder do governo no Congresso. Mou-
ra perguntou a alguns deputados se
eles já haviam ouvido essa história de
virar ministro. Segundo relato de um
de seus interlocutores, Moura ficou
preocupado em ser queimado.
Entretanto, Imbassahy tem se mos-
trado um soldado difícil de sacrificar,
pois conseguiu virar vários votos pró-
Temer no pleito que poderia transfor-
mar o presidente em réu. Conselhei-
ros palacianos apresentaram a ideia de
deslocar Imbassahy para o Ministério
das Cidades, no lugar de Bruno Araújo,
contra quem Temer adquiriu enorme
antipatia, desde que ele entregou carta
de demissão no momento mais deli-
cado, quando foi divulgada a gravação
da conversa entre o presidente e Joesley
Batista, da JBS. Embora Temer tenda a
não fazer mudanças drásticas agora, a
ideia não foi descartada. Mas nem isso
vai aplacar o apetite do centrão, que
também reivindica o Ministério das
Cidades, com orçamento de R$ 20 bi-
lhões. Nomeações no Incra e na Funasa
também fazem parte da disputa.
ALVO
O ministro Temer e Imbassahy passaram toda
E aparecem aos montes, sem agenda- Antonio a tarde da quinta-feira, dia 17, reuni-
mento, com pires na mão diante do Imbassahy, do dos, tentando aparar as arestas com os
presidente. Lotam as salas de espera. PSDB. A divisão partidos da coalizão, nomeadamente
de seu partido
Os salvadores do mandato de Temer no dá espaço para o os do centrão. Os deputados que fo-
mês passado estão famintos e dispostos centrão pedir ram ao Planalto tiveram de esperar,
a ser seu algozes caso não sejam sacia- seu cargo porque a discussão envolveu também
dos. Sabem que, em menos de um mês, o programa eleitoral do PSDB, exibido
o procurador-geral da República, Ro- em cadeia nacional na noite anterior.
drigo Janot, deve apresentar mais uma A propaganda desferia ataques contra
denúncia contra o presidente, desta vez o governo do qual o partido faz parte,
por obstrução da Justiça. Temer neces- receber menos carinho do governo do inclusive acusando Temer de praticar
sitará, mais uma vez, do apoio da Câ- que recebem parlamentares de partidos “presidencialismo de cooptação”. A or-
mara para evitar que o processo pros- ‘semigovernistas’, em especial o PSDB, dem de Temer foi de não cair em pro-
siga no Supremo.“O Planalto deve ficar e da oposição. O momento exige se- vocações – nem de tucanos que querem
muito atento agora ao comportamento renidade, mas peças do xadrez da Es- desembarcar do governo, nem do cen-
da base remanescente, porque, com a planada precisam ser movimentadas.” trão, que quer mais poder e quer ocupar
proximidade das eleições, a pauta eco- A fala de Rosso expõe o centro nevrál- espaços. Uma das frases mais repetidas
nômica sofrerá ainda mais resistências”, gico da crise política instalada entre go- pelo presidente durante a longa reu-
diz o deputado Rogério Rosso, do PSD verno e aliados. A infidelidade do PSDB nião, que incluiu em alguns momentos
do Distrito Federal. “Isso vale inclusive na votação da primeira denúncia contra o ministro Moreira Franco, foi: “Não
para a segunda denúncia que está por Temer – foram 22 favoráveis ao presi- vou ficar refém do centrão”. Talvez seja
vir, pois já é perceptível na Câmara o dente e 21 contrários – deu a legendas um pouco tarde. u
descontentamento de um conjunto de como PP, PRB, PSD e PTB a motivação
partidos governistas que se queixam de para pleitear os espaços tucanos. A ca- Com Patrik Camporez

30 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


O B S E R VA D O R D O T E R R O R I S M O

O terror
desce
as Ramblas
Os terroristas do Estado Islâmico atacam
a vibrante Barcelona, símbolo do pluralismo
civilizatório que os fundamentalistas odeiam
Carla França, de Barcelona

N uma tarde qualquer de agosto,


no auge do verão europeu, a
rua mais famosa de Barcelo-
na, conhecida simplesmente como Las
Ramblas, é cenário de um magnífico
e mais de 100 pessoas feridas, 15 delas
gravemente. Às 17 horas, um motorista
dirigindo uma van branca invadiu o cal-
çadão central de Las Ramblas e percorreu
quase 600 metros, avançando sobre os
desfile da diversidade humana. Milha- pedestres em zigue-zague com o objetivo
res de turistas do mundo inteiro – ver- de atingir a maior quantidade possível
melhíssimos escandinavos de sandálias, de pessoas, das mais variadas origens, e
indianos em trajes coloridos, chineses espalhar assim a dor da violência extre-
em grandes grupos, brasileiros cheios mista para uma grande e aleatória lis-
de sacolas, mulheres sauditas cobertas ta de países. O ataque é o oitavo a usar
de preto – passeiam encantados entre veículos como arma nos últimos 12 me- O CAMINHO DO TERROR
as bancas que vendem suvenires, flores ses em cidades da Europa. Nice, Berlim, EM BARCELONA
e guloseimas nessa alameda que corta Estocolmo, Paris e Londres (por três ve- Os terroristas, com uma van,
o centro velho de Barcelona. Calcula- zes) sofreram esse tipo de ataque. O pior atropelaram vários pedestres na
-se que, dos 30 milhões de turistas que deles foi em Nice, na França, quando um região turística de Las Ramblas
visitam Barcelona por ano, 80% pas- caminhão de 19 toneladas atropelou e
sam pelas Ramblas. Num dia útil, o matou 86 pessoas durante a comemora- 13 MORTOS
passeio recebe 287 mil pessoas. Num ção da Queda da Bastilha em 14 de julho.
dia de fim de semana ou feriado, esse Há três anos, o Estado Islâmico exorta
número chega a 350 mil pessoas. seus seguidores a fazer atentados com o
Na tarde da quinta-feira, dia 17, essa uso de veículos, de forma indiscrimina-
vida pulsante sempre presente em Las da. São classificados como ataques de
Ramblas foi brutalmente interrompida custo baixo. Na essência, só precisam de 130 FERIDOS
por um atentado terrorista que deixou, um motorista, um veículo e um local
até o fechamento desta edição, 13 mortos com um aglomerado de pessoas para Fontes: Knightlab e EL País

32 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: AFP


INOCENTES PELO CHÃO
Pessoas tentam socorrer
mulher atingida pela van
que desceu Las Ramblas.
Foi o oitavo atentado por
atropelamento na Europa
nos últimos 12 meses

produzir o efeito desejado pela orga-


nização. Até agora, a escolha dos locais
de ataque seguiu um padrão. Turísticos,
festivos e localizados em algumas das
cidades mais bonitas do mundo, todos
são símbolo ou recebem festividades que
representam o espírito da democracia e
do pluralismo. Além de causar a morte
de inocentes e a indignação internacio-
nal, o ataque a esses lugares também re-
presenta uma violência contra ideias de
liberdade e civilidade.
Justamente por sua simplicidade ex-
trema, esses ataques são os mais difíceis
de evitar. O atentado da semana passa-
da não foi uma surpresa para os agentes
dos serviços de segurança da Espanha. O
país, apesar de não ter se envolvido em
operações militares no Oriente Médio,
como outras nações ocidentais, já fora
alvo do jihadismo islâmico. Em março
de 2004, 191 pessoas morreram num
atentado a bombas em Madri. A Espa-
nha abriga também um grande contin-
gente de imigrantes marroquinos, de
religião muçulmana (746 mil pessoas,
16% dos 4,5 milhões de estrangeiros que
vivem no país). Com o Marrocos, país na
margem oposta do Mar Mediterrâneo,
a Espanha tem um histórico secular de
tensões políticas, culturais e religiosas.
Por seu caráter de pujante cidade global,
PRAÇA DA CATALUNHA destino de milhões de turistas de todo o
mundo, Barcelona também já fora co-
BARCELONA locada como potencial alvo de terroris-
mo, desde que os atentados do Estado
Islâmico à Europa se intensificaram. O
MADRI
alerta aumentou depois que o grupo
terrorista anunciou, em junho, novos
ataques. O policiamento na cidade pas-
LAS RAMBLAS sou a ser intensivo. É comum ver agen-
tes circulando com metralhadoras por
O carro invadiu a pista central toda a extensão de Las Ramblas. Isso, no
de Las Ramblas, ponto turístico entanto, não foi suficiente para deter a
próximo à Praça da Catalunha, e ofensiva no centro da cidade.
atingiu várias pessoas ao longo de Local onde a van foi abandonada O ataque por atropelamento da se-
600 metros de percurso, deixando mana passada guarda uma diferença s
13 mortos e 130 feridos 100 metros
21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 33
O B S E R VA D O R D O T E R R O R I S M O

em relação aos anteriores. Em Barcelona, madrugada. Era o terceiro dia da festa


UMA CIDADE EM LUTO
houve um planejamento, que envolveu preparada para durar cinco dias. Nes- O rei Felipe e o primeiro-
várias pessoas. Os terroristas prepararam te ano, o evento, que costuma receber ministro Mariano
um plano de fuga, frustrado, que incluía centenas de milhares de pessoas de to- Rajoy na Praça da
o aluguel de uma segunda van. O Estado dos os lugares da Espanha, completa Catalunha. Mais de 20
mil pessoas prestaram
Islâmico assumiu a ação quase imediata- 200 anos de existência. Pela primeira homenagem às vítimas
mente, e duas pessoas – um cidadão es- vez em sua história, ela foi cancelada.
panhol e um marroquino – foram presas “Não tem clima, é tudo muito tris-
separadamente nas horas subsequentes te”, disse Mariana Boccara, de 28 anos,
ao atentado. Na sexta-feira, a polícia afir- paulista de Taubaté. Na quinta-feira,
mou que o ataque poderia ter sido pior: Mariana folgara de seu trabalho como
os investigadores associaram um dos de- atendente na lanchonete Hard Rock
tidos à violenta explosão de uma casa que Cafe, que fica na frente da Praça da Ca-
matou uma pessoa e deixou sete feridos talunha, ao lado de Las Ramblas, para
na noite de quarta-feira em Alcanar, no ir com amigos até Gracia. “É uma festa
litoral da Catalunha. Dentro do imóvel como o Carnaval brasileiro”, diz ela.
havia dezenas de botijões de gás. Horas A paulista havia acabado de descer de
depois do ataque às Ramblas, um tiroteio um ônibus, cuja parada fica próxima ao
entre policiais e terroristas munidos de início de Las Ramblas. O local estava lo-
coletivos explosivos (que depois se re- tado pouco antes das 17 horas, quando
velaram falsos) terminou com a morte ela viu uma van desgovernada passar e
de cinco jihadistas, atropelar quem esta-
em Cambrils, cidade va pela frente, sendo
turística a 120 quilô- detida por um quios-
metros ao sul de Bar- BARCELONA ERA que no trajeto. “Eu
celona. Os terroristas vi um cara voando,
também atropelaram CONSIDERADA um monte de gente
seis pessoas – três de- UM ALVO DESDE gritando, se jogando
las policiais – e mata- O AUMENTO DA no chão ou tentan-
ram uma mulher. A do se esconder nas
polícia acredita que ONDA TERRORISTA calçadas.” Mariana
eles planejavam ex- NA EUROPA correu e se escondeu
plodir uma segunda numa loja de depar-
van, carregada de bu- tamentos em frente
tano, um gás altamente inflamável. Entre às Ramblas.Enquanto tentava acal-
os homens abatidos em Cambrils estava mar uma moça em pânico, conseguiu Família, a famosa igreja inacabada de
Moussa Oukabir, de 17 anos. A polícia se comunicar com a família no Brasil Gaudi. Considerava vulnerável e um
suspeita que ele era o condutor da van pelo celular. “Eu não sabia o que estava possível alvo de um novo ataque de ex-
que desceu Las Ramblas. A polícia divul- acontecendo fora da loja, liguei para tremistas islâmicos. Mariana foi para a
gou foto e nome de outros três suspeitos. minha mãe no Brasil para tentar des- casa de uma amiga. “Ainda não me caiu
São eles Said Alla, de 20 anos, Mohamed cobrir”, disse. Segundo Mariana, cerca a ficha, minha família quer que eu volte
Hychami, de 24, e Younes Abouyaaqoub, de 200 pessoas ficaram abrigadas nos já. Não sei o que vou fazer.”
de 20. Os três são marroquinos. três andares da loja. Suas portas foram A jornalista mexicana Karina Tizna-
Na quinta-feira do atentado, uma das rapidamente fechadas. “Muita gente do, de 40 anos, que vive há 11 em Barce-
principais festas populares de Barcelona, que estava dentro não sabia de nada e lona, também testemunhou o atentado
a Festa de Gracia, chegava a seu auge. muitos estavam desesperados porque quando voltava do trabalho no final da
Todo ano, os moradores enfeitam as amigos ou familiares haviam ficado do quinta-feira, que marcava o início de
ruas com um tema definido pela orga- lado de fora da loja”, disse Mariana. suas férias. De dentro de um ônibus,
nização e, numa competição amistosa Mariana ficou cinco horas ali, das 17 viu a van tresloucada que atropelava
entre vizinhos, se elege a decoração mais às 22 horas. Antes de ser liberada pela as pessoas. “Imediatamente, alguém
bonita. Durante uma semana, concertos, polícia, foi revistada e deu seu testemu- gritou para deitarmos no chão, mas
programação infantil, muita comida e nho do ocorrido.“Fiquei impressionada da janela, pude ver a polícia se aproxi-
bebida transformam as ruas estreitas ao sair porque já não havia vestígio do mando e pessoas correndo, gritando”,
e as praças do bairro da Gracia, região ataque, sangue, nada”, afirmou. À saída, disse.“Não sei quanto tempo durou, foi
boêmia de Barcelona, num verdadeiro um policial lhe sugeriu que não voltas- horrível, mas não penso em ir embora
formigueiro humano até altas horas da se para sua casa, na região da Sagrada de Barcelona.”

34 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: Susana Vera/Reuters


Um casal de argentinos, o vendedor
Leonel Federer, de 38 anos, e a biotecnó-
loga Sol Gomez, de 28, aguardava numa
terraza (bar ao ar livre), uma das poucas
próximas ao local do atentado que fica-
ram abertas. Estavam na praia, em Ba-
dalona, a 10 quilômetros de Barcelona,
quando ficaram sabendo do massacre.“A
primeira coisa foi encontrar uma rede de
Wi-Fi e avisar familiares que estávamos
bem”, disse Sol.“É tudo inacreditável.”
Enquanto grande parte de bares e
restaurantes fechou as portas, os super-
mercados 24 horas, cujos donos em sua
maioria são de origem paquistanesa, vi-
ram o movimento aumentar.“Com tan-
ta gente na rua sem ter como voltar para
casa, virou alternativa para um lanche
rápido ou para comprar cerveja e água”,
disse o paquistanês Arbab Ul Hassan, de
26 anos, caixa do supermercado Pamir.
No dia seguinte ao atentado, os ha-
bitantes de Barcelona e turistas foram
convocados pelas autoridades locais para
caminhar até a Praça da Catalunha. Lá,
com a presença do rei Felipe VI e do
primeiro-ministro espanhol, Mariano
Rajoy, fizeram um minuto de silêncio em
homenagem às vítimas. A homenagem
se estendeu a toda a cidade: em hospitais,
escritórios e residências. A solenidade
reuniu mais de 20 mil pessoas. Ao final
da cerimônia, as pessoas que lotaram a
praça, muitas vestidas de preto, cami-
nharam em direção às Ramblas, onde
Na noite logo após o atentado, as polícia liberasse o acesso até seus respec- improvisaram altares e depositaram
ruas ficaram vazias, os bares e restau- tivos hotéis. Boatos sobre a existência de flores num clima de forte comoção.
rantes foram fechados. O único movi- bombas em mochilas espalhadas pela Próximo a uma fonte, uma bandeira
mento era o vaivém de carros de polícia cidade aumentavam a tensão. do Brasil foi estendida no chão.
e de ambulâncias, além de helicópte- Uma família da Arábia Saudita, que Uma premiada artista plástica catalã,
ros que sobrevoavam a cidade. A TV e havia acabado de passar o dia num Selva Aparício, levou mais de 500 fo-
as redes sociais repetiam pedidos por parque de diversão, o Port Aventura, a lhas de papel em branco e giz de cera
doação de sangue e a orientação para uma hora de Barcelona, estava exausta, para decalcar as marcas de pneu dei-
que a população evitasse ir a hospitais, mas não podia retornar ao hotel.“Estou xadas pela van usada pelos terroristas
a não ser em caso extremo. sem comer, sem tomar água, sem ir ao e transformá-las numa representação
Todos os acessos à cidade foram fe- banheiro, eu não aguento mais”, disse artística da tragédia. Logo atraiu diver-
chados, as linhas de metrô paralisadas Abeer Al Abdalaziz, de 40 anos, profes- sos voluntários, pessoas que estavam
e somente os ônibus foram autorizados sora de sociologia, ao lado do marido ali querendo fazer alguma coisa, para
a circular com catraca livre, conduzidos e quatro de seus cinco filhos entre 6 e ajudá-la. A prefeita de Barcelona, Ada
por motoristas tensos e desorientados 22 anos de idade. A família visitava a Colau, em pronunciamento, disse que
por causa das mudanças repentinas de Espanha pela primeira vez e terminava a cidade não esquecerá a tragédia, mas
rota. Até o final da noite de quinta-feira, a viagem na capital catalã, onde estava não mudará, continuará alegre, festi-
a região central da cidade foi isolada por havia seis dias. “O islã não é isto, não é va e acolhedora. Ao final do minuto
policiais. Dezenas de turistas grudados isto, este atentado só causa mais proble- de silêncio, os orgulhosos barceloneses
nos celulares ficaram sentados nas por- mas para os muçulmanos, é tudo muito proclamaram em catalão: “No tinc por”
tas das lojas fechadas à espera de que a triste”, afirmou Abeer. (“Não temos medo”). Que assim seja. u

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 35


Fortaleza.
A MELHOR CAPITAL DO PAÍS
PARA SE INVESTIR.
Eleitaem 2015 como a melhor Capital do Brasil para receber investimentos
externos (Consultoria Multinacional Towers Watson), Fortaleza apresenta
um grande potencial para atração de novos negócios que ainda contam com
iniciativas da Prefeitura para se consolidar como um ambiente favorável
aos mesmos. A cidade possui a maior concentração de cabos submarinos
de fibra ótica do continente americano e tem uma posição geográfica
privilegiada e estratégica, próxima dos continentes europeu e africano,
bem como dos Estados Unidos.

Para fortalecer ainda mais esse cenário, foram feitas melhorias na mobilidade
urbana, com novas vias e um transporte público mais integrado e eficiente.
Além disso, o município também está concretizando mais investimentos de
empresas de médio e grande porte através de concessões e Parcerias Público-
Privadas – Negócios Urbanos, se utilizando dos Instrumentos do Estatuto
da Cidade. Outra novidade foi a criação do programa Fortaleza Online, um
sistema de licenciamento que fornece alvarás e licenças em até 48 horas, que
desburocratizou o processo e aumentou a arrecadação. Foi assim que a capital
do Ceará chegou à segunda cidade do Brasil na geração de novos empregos
(período 2013-2016) e está construindo os alicerces do seu desenvolvimento.

Negócios Urbanos Mobilidade Urbana

Carros Elétricos Compartilhados Fortaleza Online


C RÔN ICAS AM E R ICANAS

TOCHAS
Extremistas de
direita em torno da
estátua do general
Lee. Eles queriam
impedir a remoção do
símbolo separatista

Estados desun
Ao ser condescendente com o movimento racista, o presidente americano
Marcelo Moura e Nina Finco

N enhum presidente dos Estados


Unidos foi propriamente san-
to. Barack Obama, ganhador
do Prêmio Nobel da Paz, descumpriu
a promessa de fechar Guantánamo
Watergate. Nenhum foi santo. Mas
todos eles assumiram a Presidência
cientes de que deveriam representar
o equilíbrio e a ponderação num país
diverso. Nem sempre isso pareceu sim-
historicamente cumpriram sua obri-
gação de manter o país unido. Menos
Donald Trump. Ele é o primeiro pre-
sidente americano que não é, nem
pretende ser, um ponto de equilíbrio.
e foi campeão no uso de drones em ples ou óbvio. Após os ataques de 11 A Trump, falta a qualificação para go-
operações militares. Bill Clinton, res- de setembro de 2001, perpetrados pelo vernar o país mais poderoso do mundo.
ponsável pelo mais longo período de muçulmano Osama bin Laden, George A reação aos atentados na cidade
prosperidade do país, mentiu para en- W. Bush foi a público evitar a polariza- de Charlottesville, no estado de Vir-
cobrir uma relação extraconjugal. Ri- ção e o preconceito. “Aqueles que fazem gínia, e em Barcelona, na Espanha,
chard Nixon renunciou para escapar de o mal em nome de Alá blasfemam o serviu para a constatação inequívoca
um impeachment, por envolvimento nome de Alá”, disse Bush. “Nós respei- da incapacidade moral de Trump. Três
na espionagem do comitê de campa- tamos sua fé.” Ao servir de reserva e fa- horas depois de uma van atropelar
nha do partido adversário, no hotel rol moral, os ocupantes da Casa Branca mais de 100 turistas em Barcelona,

38 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


VELAS
Pacifistas em
vigília no campus
da Universidade
de Virgínia, em
Charlottesville. Reação
ao atentado terrorista

idos de Trump
mostra não ter a liderança moral esperada de um ocupante da Casa Branca

no dia 17, deixando 13 mortos, o primeira-dama, Melania Trump, opta- o Twitter e falou na Casa Branca. Sacou
presidente publicou no Twitter: “Os ram por falar abertamente sobre a uma folha de papel do bolso esquerdo do
Estados Unidos condenam o ataque situação. Usaram hashtags e palavras paletó e leu: “Nós condenamos, nos ter-
terrorista na Espanha e farão o que for como “Nazi”, “KKK”, “Charlottesville” mos mais fortes possíveis, essa demons-
necessário para ajudar. Sejam fortes, e “intolerância”, adotadas por aqueles tração de ódio, estupidez e violência”. No
nós amamos vocês”. Quando um car- que testemunharam a violência per- dia seguinte, porém, Trump voltou a ser
ro atropelou mais de 20 manifestantes to da Universidade Virgínia. Quando Trump. Numa visita a Nova York, o presi-
no estado de Virgínia, no dia 12, os tuitou sobre Charlottesville, Trump dente foi questionado por jornalistas so-
dedos curtos e nervosos de Trump de- foi bem mais reticente. “Condolên- bre o atentado de Charlottesville. Trump
moraram horas para tuitar. Outros cias à família da jovem mulher morta falou de improviso – e com o coração.
republicanos, como o presidente da hoje e saudações a todos os feridos em Em vez de falar “nós”, como fizera no
Câmara, Paul Ryan, o atual presiden- Charlottesville, Virgínia. Que triste!” discurso decorado, Trump passou para
te do Comitê Nacional Republicano, Pressionado por sua condenação tíbia, o“eu”. Do coletivo, passou ao individual.
Ronna Romney McDaniel, e até a Trump, na segunda-feira, dia 14, deixou Da união, à segregação. s

Fotos: Edu Bayer/The New York Times, Edu Bayer/The New York Times 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 39
C RÔN ICAS AM E R ICANAS

de uma tragédia em seu próprio país,


UM CONTRA TODOS aos simpatizantes que ele coleciona no
Donald Trump foi ambíguo ao condenar a violência em Charlottesville grupo autor do atentado: militantes
racistas da extrema-direita.
Trump foi eleito com o apoio da extre-
ma-direita. O grupo Ku Klux Klan (KKK)
manifestou apoio oficial ao candidato
do Partido Republicano. Seu estrate-
gista de campanha foi Steve Bannon,
diretor do site de pós-verdades e meias
mentiras Breitbart News, de opiniões
de extrema-direita, conhecido por
manchetes ofensivas que promovem
ideias racistas, antimuçulmanas e anti-
imigrantes. Com a eleição de Trump,
Bannon se tornou estrategista-chefe
da Casa Branca e ganhou posição até
no Conselho de Segurança Nacional.
Na sexta-feira, dia 18, Bannon deixou o
cargo “de comum acordo” – após pres-
são de outros integrantes do governo
por causa de Charlottesville e disputas
internas, aguçadas por uma entrevista
em que desancou colegas.
Sem encontrar um farol moral em
Trump, a sociedade americana buscou
Há culpa dos dois lados. exemplos e atitudes fora da Casa Bran-
Havia gente muito má ca. Na segunda-feira, Kenneth Frazier,
naquele grupo. Mas ONDE? QUEM?
chefe da Merck Pharmaceuticals e um
dos principais executivos negros do
havia também gente Apesar de ser conhecido
por sua rapidez no Twitter, país, anunciou que estava renunciando
muito boa. Trump demorou para
se manifestar sobre a
ao Conselho Americano de Manufatura
(grupo de conselheiros de Trump for-
Em ambos os lados” violência em Charlottesville.
mado por CEOs de grandes empresas
Quando o fez, falhou em
Donald Trump, mencionar o que havia americanas) em protesto contra as de-
ao comparar manifestantes racistas acontecido de fato e não clarações iniciais do presidente. Três
com antirracistas soube apontar culpados outros CEOs seguiram seu exemplo.
“Essa saída dos líderes empresariais do
Conselho de Trump mostra que nos úl-
timos anos houve mudanças significati-
“Eu acho que há culpa dos dois la- vas na cultura”, afirma Steven Gregory,
dos. Havia gente muito má naquele professor de antropologia da Universi-
grupo. Mas você também tinha gente dade Columbia, em Nova York, espe-
muito boa. Em ambos os lados”, disse cializado em questões de raça e classe.
Trump, diante de uma audiência des- “Não porque eles sejam exemplos de
concertada com o que ouvia. “Havia justiça social, mas porque perceberam
gente boa lá protestando contra a perda que o público espera que as marcas se
de uma estátua (o protesto da extrema- posicionem e passem mensagens po-
direita em Charlottesville era contra GURU DE TRUMP, sitivas. Não aceitam mais o silêncio.”
a remoção de uma estátua do general BANNON ATRAIU Mais de 30 milhões de pessoas assisti-
Robert Lee, chefe do Exército confe- ram ao programa jornalístico Vice News
derado na Guerra Civil Americana). APOIOS DA EXTREMA- Tonight sobre o conflito em Charlottesvil-
George Washington era proprietário DIREITA. CAIU APÓS le. A reportagem de 22 minutos, que
de escravos... Vamos derrubar as está- acompanhou um grupo que participou
tuas de George Washington?” Muitos RIXAS INTERNAS da manifestação contra a remoção da es-
atribuíram a reação de Trump, diante NA CASA BRANCA tátua do general Lee, foi compartilhada s

40 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Al Drago/The New York Times, reprodução


C RÔN ICAS AM E R ICANAS

nas redes sociais. No vídeo, o suprema-


TODOS CONTRA UM cista branco Christopher Cantwell fala
Em uníssono, o mundo se pronunciou contra as demonstrações de ódio sobre as estratégias do movimento de
extrema-direita Unite the Right e faz
afirmações como “não somos não vio-
lentos, vamos matar essas pessoas se
precisarmos” sem pestanejar.
Na quarta-feira, dia 16, o Spotify
removeu dezenas de músicas de seu
serviço de streaming – depois de uma
denúncia feita por um jornalista que
apontou a presença de 37 bandas cujas
músicas incitam o ódio. No lugar, o
DESCONECTANDO
Spotify criou uma lista de músicas cha-
Após um repórter anunciar
que encontrou 37 bandas mada “Patriotic Passion”. Com canções
cujas músicas incitam que vão de Jimi Hendrix a Lady Gaga e
o ódio disponíveis no incentivam a tolerância à diversidade, a
Spotify, a plataforma de
streaming decidiu removê-
playlist patriótica é descrita como “uma
las. Em contrapartida, trilha sonora para uma América pela
criou uma nova playlist qual vale a pena lutar”. O Spotify vinha
chamada “Patriotic sendo usado pelos grupos de extrema-
Passion”, com canções que
incentivam a tolerância direita para recrutar simpatizantes
a partir das preferências musicais. A
medida mostra como o ambiente de
rede se tornou um território em dis-
puta por corações e mentes. “As mídias
O REI DO TWITTER sociais permitem que movimentos
O ex-presidente americano que antigamente se mantinham locais
Barack Obama publicou se expandam, tornando-se nacionais e
uma foto em que até transnacionais”, diz David Leonard,
cumprimenta crianças
de diferentes etnias, professor do Departamento de Cultura
acompanhada de uma da Universidade da Califórnia, que es-
citação inspiradora de tuda questões de gênero e raça.
Nelson Mandela. O tuíte
tornou-se o mais curtido
Trump chegou à Presidência dos Es-
da história e o quarto tados Unidos como um político pop,
mais compartilhado com a imagem construída em um reality
REVIVAL DO show da televisão e ideias simplistas que
ANTINAZISMO cabem nos 140 caracteres de um tuíte.
O filme Don’t be a
sucker, produzido Mas a rede que lhe serve de plataforma
pelo Departamento de promoção também pode ser usada
de Guerra dos para enfrentá-lo. No sábado, dia 12, o
Estados Unidos, em
1947, foi retuitado
ex-presidente Barack Obama publicou
mais de 130 mil em sua conta no Twitter uma foto em
vezes. Nas cenas, que ele aparece cumprimentando um
um homem critica grupo de crianças pela janela de uma
com veemência
negros americanos creche (leia ao lado). A foto veio acom-
e estrangeiros por panhada de uma citação do ex-presiden-
roubarem empregos. te sul-africano Nelson Mandela, gran-
Ao ouvir isso, outro de promotor da ideia da superação do
homem diz que os
nazistas usaram o racismo pela reconciliação: “Ninguém
FLAGRANTE DO ÓDIO mesmo discurso nasce odiando outra pessoa por causa
Uma reportagem da Vice entrevistou um dissidente para de sua cor da pele, sua criação ou sua
supremacista branco em Charlottesville. “Não destruir a Alemanha
somos não violentos, vamos matar essas pessoas
religião”. O tuíte tornou-se o mais cur-
se precisarmos”. O vídeo alcançou mais de 30 tido da história, com mais de 4 milhões
milhões de visualizações apenas no Facebook de likes. Para cada tocha de intolerância,
há uma vela de esperança. u

42 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: reprodução (4)


É P O CA E M AÇÃO

EMERGÊNCIA

Como baixar
Paciente é atendido nos
Estados Unidos. Alguns
hospitais conseguiram

o custo da saúde
reduzir pela metade
seus custos

Hospitais brasileiros começam a adotar metodologia que classifica o


paciente por grau de gravidade e pode diminuir os gastos

A chegada dos boletos dos planos


de saúde que atendem a família
tem causado, nos últimos três
meses, dissabores ao advogado Carlos
planos de saúde, que repassam os custos
aos titulares dos planos e às empresas
que oferecem o benefício. O desafio é
encontrar uma alternativa.
usa a ferramenta desde 2004. Outros 17
hospitais já a adotaram no Brasil.
A estratégia foi abordada no seminário
Saúde pública e suplementar: um único sis-
Alberto Azevedo Júnior. Os aumentos Uma das propostas promissoras é tema, o primeiro da série de três debates
informados pelas operadoras oscilaram uma metodologia que classifica os pa- sobre Novos Modelos para Saúde,organi-
entre 20% e 28%, acima da inflação de cientes não apenas por tipos de enfer- zado na semana passada, no Rio de Janei-
3% acumulada até junho, medida pelo midade, mas também por níveis de ro, pelo jornal O Globo, com apoio de
IPCA. “Foi um susto, mas não dá para gravidade, batizada Diagnosis Related ÉPOCA e patrocínio da Amil.“Entre 2008
abrir mão do plano.” No Brasil, uma em Group, ou DRG. Ela permite prever e 2013,o gasto médio com internação qua-
cada quatro pessoas tem plano de saúde. melhor os recursos que cada paciente se dobrou, devido ao gasto com material
A alta dos custos médicos tem sido atri- vai consumir.“Imagine duas pacientes, e medicamento”,diz Luiz Augusto Carnei-
buída, em boa medida, ao modelo de com 18 e 90 anos, internadas na emer- ro, superintendente do Instituto de Estu-
remuneração praticado por hospitais e gência para uma cirurgia de vesícula. A dos de Saúde Suplementar. Segundo ele,
operadoras no Brasil. O hospital é livre jovem terá necessidades de internação estudos americanos mostram que o DRG
para escolher os materiais e procedi- e riscos diferentes da outra paciente”, pode baixar os custos pela metade em três
mentos que julga necessários ao pacien- explica o médico Sidney Klajner, presi- anos.“Nos países que não adotam DRG, a
te durante a internação. A conta é entre- dente da Sociedade Beneficente Israeli- inflação médica tem sido bem maior que
gue aos pacientes particulares e aos ta Brasileira Albert Einstein. O hospital a inflação média”, diz Carneiro. u

44 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Foto: Getty Images/iStockphoto


Edição 1
25 dE maio dE 1998
Um futuro melhor

O JORNALISMO PARTE DA REALIDADE.


TORNA-SE TEXTO, PODCAST, VÍDEO,
REPERCUTE E VIRALIZA – E ACABA
POR TRANSFORMAR A PRÓPRIA REALIDADE.
POR ISSO, É TÃO ESSENCIAL NUMA DEMOCRACIA
João Gabriel de Lima
ornalismo e democracia são duas palavras insepa- Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.
ráveis. O jornalismo presta serviço à democracia As que provocaram discussões referem-se a problemas crônicos
de várias maneiras, mas especialmente duas. A do Brasil, como a violência policial, expressa em fatos como o
primeira é quando expõe ao cidadão as entranhas massacre de Eldorado do Carajás. Ou a temas que eram con-
do poder – quando isso ocorre, mesmo à revelia, siderados tabus e, hoje, provocam debates mais abertos – caso
os representantes do povo têm de prestar contas dos casais gays no Exército ou do uso de drogas.
a seus eleitores. A segunda é quando, através de Como costuma dizer o americano Gay Talese, decano
fatos devidamente aferidos e checados, colabora da reportagem, o jornalismo é uma atividade simples, pois
com o debate público. Tal missão é especialmente relevante consiste basicamente em apurar histórias com rigor e
em tempos de pós-verdade – em que as notícias falsas en- narrá-las de forma envolvente. É precisamente isso, mas é
gendram discussões sobre questões igualmente falsas. muito mais, quando se leva em consideração que tais his-
Em sua milésima edição, ÉPOCA relembra algumas de tórias não se resumem às páginas reais e virtuais. Cada vez
suas principais reportagens, como forma de fazer uma ho- mais elas são compartilhadas, viralizam, repercutem.
menagem ao jornalismo.A homenagem consiste em mostrar Constroem-se a partir da realidade, e depois a modificam.
qual a repercussão de cada uma dessas matérias. Como elas Os fatos sobre os quais se assentam as discussões
qualificaram o debate público ou mudaram seu eixo.As que constituem o chão do debate democrático, da mesma for-
expõem entranhas do poder têm como personagens todos ma que não há democracia sem transparência do poder.
os que passaram pela Presidência da República desde que a As duas coisas estão na essência da atividade jornalística
revista foi fundada, em 1998 – Fernando Henrique Cardoso, – que ÉPOCA homenageia em sua edição número 1.000.
ÉPOCA 1000

Edição 25
9 dE novEmbro dE 1998
Vestibular
sem susto

Edição 26
16 dE novEmbro dE 1998
Segredos
& mentiras

Edição 27
23 dE novEmbro dE 1998
Leia e ouça
o grampo

Reeleição
Em outubro,
Fernando
Henrique Cardoso
vence a eleição
presidencial

Acordo com FMI


Em novembro, o
governo anuncia
um empréstimo
do FMI e promete
Grampo nos telefones
reduzir seu déficit do BNDES levou à
Clinton x Iraque
queda de ministros e
Em dezembro, a
Câmara dos EUA dança das cadeiras em
aprova o processo
de impeachment Brasília, em um dos
do presidente
Bill Clinton. maiores escândalos
Ele ordena um
ataque ao Iraque do governo FHC

48 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Gabriel Rinaldi/Editora Globo, Karime Xavier/Folhapress


GR A MPO NO BNDES

FErnando HEnriquE
Cardoso, Ex-prEsidEntE.
privatizar a tElEbras Foi bom
para o país, mas o govErno
usou métodos quEstionávEis

clima é sempre sufocante em Três semanas depois da revela- Em 1999, uma investigação da Polí-
Brasília. Se não pela falta de ção de ÉPOCA, Fernando Henrique cia Federal que levou três meses e ou-
umidade, que às vezes cai a estava tão abalado por ter perdido viu 52 pessoas concluiu que as escutas
níveis desérticos, é por algum seis assessores que integravam a telefônicas no BNDES foram feitas por
novo escândalo prestes a estou- primeira linha de sua equipe de go- agentes do próprio governo. O funcio-
rar. Em novembro de 1998, o su- verno,queligouparaseuadversário nário da Abin Temílson Barreto de Re-
foco veio pela segunda opção. O então Luiz Inácio Lula da Silva para pedir sende e o detetive Adilson Alcântara de
presidente Fernando Henrique Cardoso conselhos. Entre os dias 22 e 26 de no- Matos foram indiciados como os gram-
recebera, em mãos, uma fita com gra- vembro, demitiram-se o ministro das peadores e condenados a três anos e
vações de telefonemas grampeados de Comunicações, Luiz Carlos Mendonça quatro meses e quatro anos, respecti-
dois de seus principais auxiliares: Luiz de Barros, apelidado “Mendonção”, o se- vamente. Ambos recorreram em 2011 e
Carlos Mendonça de Barros, ministro cretário executivo da Câmara do Comér- a condenação prescreveu.
das Comunicações, e André Lara Re- cio Exterior e irmão de Luiz Carlos, José O escândalo teve consequências de
sende, presidente do Banco Nacional Roberto Mendonça de Barros, seu sub- longo prazo, além de afetar os planos
de Desenvolvimento Econômico e So- secretário Rogério Mori, o presidente do de gestão de Fernando Henrique. A
cial (BNDES). Segundo a reportagem BNDES André Lara Resende, seu vice ideia das privatizações era emblemá-
“Chantagem dentro do governo”, pri- José Pio Borges e o diretor da área Inter- tica de uma gestão que pretendia, cor-
meira de uma série, publicada em 9 de nacional do Banco do Brasil, Ricardo Sér- retamente, diminuir o peso das estatais
novembro daquele ano, as fitas foram gio Oliveira. Os irmãos Mendonça de para investir na área social. Mas devem
entregues pelos próprios grampeados Barros são até hoje economistas respei- ser bem feitas. Tornou-se claro que pri-
e continham informações sobre os tados no PSDB. Lara Resende fora um vatizações, eventualmente, devem ser
bastidores da privatização da Telebras, dos criadores do Plano Real. O desfalque suspensas ou adiadas, caso não haja,
quatro meses antes. A reportagem le- causava um dano profundo à capacidade na data marcada, propostas aceitáveis
vou cerca de um mês para apurar os de atuação do governo e a sua imagem. para o governo. Governos também po-
detalhes. As gravações incluíam infor- Em 2010, Luiz Carlos, Lara Resende dem incluir na negociação a exigência
mações técnicas, segredos de governo, e outros 13 réus acusados pelo Ministé- de bons serviços e mais investimento
confidências e muito palavrão. Davam rio Público Federal de improbidade no longo prazo (por exemplo, para ex-
pistas do favorecimento ao consórcio administrativa foram absolvidos pelo pandir e modernizar a infraestrutura
organizado pelo Banco Opportunity, Tribunal Regional Federal. Segundo a existente). Essas opções, conduzidas
de Daniel Dantas. Tudo indicava que sentença, “não havia provas de que os com transparência, são aceitáveis – o
o alvo das gravações era Mendonça de acusados usaram seus cargos para ne- que não se pode dizer da atuação nos
Barros, responsável pelo leilão e futuro gociar diretamente com possíveis par- bastidores para incluir no páreo um
ministro da Produção, uma Pasta que ticipantes do processo de privatização concorrente que simplesmente não
estava para ser criada e comandaria o das empresas de telefonia”. deveria estar na disputa.
BNDES e parte do Banco do Brasil.
A Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), então recém-criada, foi cha-
mada para investigar. A Polícia Fede-
ral também. Começou no governo um
jogo de empurrar responsabilidades e
trocar acusações. Mendonça de Barros
pediu demissão. Fernando Henrique
não aceitou. Duas semanas após reve-
lar a existência das gravações, ÉPOCA
luiz Carlos
publicou a transcrição e, no site, o mEndonça dE
áudio. “Estamos no limite da nossa barros, Consultor
E Ex-ministro.
irresponsabilidade”, disse Ricardo ElE Foi aCusado
Sérgio Oliveira, então diretor do Banco E absolvido

do Brasil. Estava errado. Talvez o


limite tenha sido ultrapassado.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 49


ÉPOCA 1000

Edição 66
23 dE agosto dE 1999
Farsa

o Pará, o histórico de confron-


tos entre a polícia e militantes do
Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra é antigo. O ca-
pítulo mais dramático dessa his-
tória começou na tarde quente
do dia 17 de abril de 1996, em Eldorado
do Carajás, e ÉPOCA teve um papel cru-
Olé cial no desenrolar dos acontecimentos.
O México derrota Lá, na curva do S da Rodovia PA-150,
o Brasil por 4x3 na
final da Copa das 1.500 militantes do MST impediam a
Confederações
passagem para exigir a desapropriação
da fazenda Macaxeira. Também queriam
Outra corrida
A banda cestas básicas e transporte para ir até Be-
americana Kiss
lota o Autódromo Matéria de ÉPOCA ajudou lém protestar. O coronel Mário Pantoja,
o major José Maria de Oliveira e o ca-
de Interlagos,
em São Paulo a desmontar a encenação pitão Raimundo José Almendra Limei-
do júri que absolveu os ra receberam a ordem de desbloquear
Massacre
em Kosovo
Crescem as
comandantes da chacina a rodovia – e foi o que fizeram: à bala.
O embate deixou 19 militantes mortos
manifestações
contra Slobodan
de sem-terra em Eldorado – muitos deles executados com tiros à
Milosevic,
presidente da
do Carajás, em 1999 queima-roupa – e outros 69 feridos no
Iugoslávia
que ficou conhecido como o Massacre
de Eldorado do Carajás.
No dia 19 de agosto de 1999, mais
de três anos depois do massacre, vo-

50 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


M ASSACR E DE CA R AJÁS

A repercussão da matéria co- Coelho, o MST contestou a retirada


locou em xeque a conduta do juiz do processo da perícia feita pelo pro-
Ronaldo Valle, presidente do Tri- fessor da Unicamp Ricardo Molina.
bunal do Júri. No questionário apre- Segundo o laudo feito por ele, os PMs
sentado aos jurados, Valle incluiu duas dispararam primeiro. Com isso, diz o
perguntas contraditórias: 1) se os jura- MST, ela estaria favorecendo os milita-
dos achavam que os militares haviam res. Os militantes entraram com pedido
ordenado o início do massacre; e 2) se no Tribunal de Justiça para que a juíza
os jurados achavam que havia provas fosse obrigada a incluir a perícia. Foi o
suficientes para condenar os poli- que aconteceu em abril de 2002.
ciais. À primeira pergunta, a resposta Em maio de 2002, em um novo jul-
foi, em sua maioria, gamento, o coronel
sim. À segunda, não, Mário Pantoja foi con-
o que resultou na denado a 228 anos de
absolvição. O promo- prisão e o major José
tor do caso na época, Maria de Oliveira re-
Marco Aurélio Lima cebeu uma sentença
VElório das Vítimas do Nascimento, disse de 158 anos de ca-
do massacrE dE que “nunca vi pergun- deia. Os demais réus
sEm-tErra no pará.
a justiça pErcorrEu
tarem a um jurado foram inocentados.
caminhos tortuosos sobre insuficiência A prisão deles, no
de provas. Jurados entanto, só aconte-
só podem julgar fatos ceu em 2012, depois
concretos”. A repor- que uma série de re-
zes indignadas soaram nas imediações tagem, a atuação do cursos foi derrubada.
da Universidade da Amazônia, onde se juiz e do jurado fun- Pantoja ainda conse-
reuniu o Tribunal do Júri que absolveu damentaram um pe- guiu progressão para
os três militares, no primeiro julgamen- dido de anulação do prisão domiciliar.
to do caso. Quatro dias depois, ÉPOCA julgamento e o início Já o major Oliveira
publicou uma reportagem sobre a farsa da investigação do segue encarcerado no
encenada no tribunal em Belém. O prin- caso de suborno. Centro de Recupera-
cipal ator em cena era o jurado Sílvio Oito meses depois ção Especial Coronel
Queiroz Mendonça, um falso contador da publicação da ma- Anastácio das Neves,
e aspirante a delegado de polícia com téria, o Tribunal de para policiais e ex-
o coronEl pantoja chEga ao tribunal
fortes tendências à megalomania, que Justiça (TJ) entendeu para sEu julgamEnto Em 2002. ElE foi
policiais. O Centro de
usou uma caneta de luz para apontar que não havia provas condEnado a 228 anos dE prisão Recuperação, no final
para um frame da gravação do confron- concretas de suborno, do ano passado, foi
to e dizer que “agora fica comprovado mas que houve, sim, alvo de denúncias da
que havia sem-terra armados no come- erros na formulação Corregedoria da Su-
ço do conflito”. A informação, em si, das perguntas e outras não conformi- perintendência do Sistema Penitenciá-
não trazia nenhuma novidade, o inusi- dades durante o julgamento. O TJ optou rio do Estado por várias irregularidades,
tado na cena era a manifestação de um por anular o primeiro veredicto. Depois como antenas de TV instaladas, saídas
jurado sobre o processo em julgamento de exposta a farsa, o desembargador não autorizadas dos presos e festas
– o que é proibido por lei. Na edição, José Alberto Maia, presidente do TJ, com bebidas alcoólicas.
ÉPOCA também publicou a denúncia ainda teve dificuldades para encontrar Embora permaneça o sabor de
da então vice-prefeita de Belém, Ana um novo magistrado: 13 dos 15 juízes impunidade, o caso tornou-se emble-
Júlia Carepa, segundo a qual o mesmo criminais de Belém recusaram a missão. mático sobre o papel do jornalismo no
jurado Sílvio Mendonça havia oferecido Em junho de 2001, a decisão foi pos- desmonte de farsas como aquela que
R$ 3 mil a outro membro do juri para tergada mais uma vez. No julgamento aconteceu no Tribunal do Júri, no dia 19
que votasse pela absolvição. presidido pela juíza Eva do Amaral de agosto de 1999, em Belém, no Pará.

Fotos: Sebastiao Salgado/Amazonas, Paulo Amorim/AFP 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 51


ÉPOCA 1000

Edição 183
19 dE novEmbro dE 2001
Eu fumo maconha
Em 2001, ÉPOCA tirou da clandestinidade
o debate sobre o uso da maconha e publicou
depoimentos de 14 pessoas que usavam a droga

Atentado às
Torres Gêmeas
Avião sequestrado
pela Al-Qaeda
colidiu com as
Torres Gêmeas,
em Nova York

Guga tricampeão
O brasileiro
Gustavo Kuerten
consagrou-se ao
vencer Roland
Garros pela
terceira vez

Lançamento
da Wikipédia
Nasceu a
enciclopédia livre,
com conteúdo
on-line feito por
colaboradores

52 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Roberto Setton/ÉPOCA, Fabio Braga/Folhapress


M ACONH A

o início da década passada, o


chamado “cigarrinho de artista”
já não ficava restrito às coxias
havia algum tempo. Marta Su-
plicy, candidata à prefeitura de
São Paulo, havia assumido ter
fumado na juventude. O então presi- Foi a primeira vez que uma re-
dente Fernando Henrique Cardoso, que vista de abrangência nacional tra-
viria a se tornar uma das maiores vozes tava do assunto de uma maneira
em favor da descriminalização da dro- diferente: mostrando, claro, os danos
ga, também. Mesmo assim, falar de que o consumo pode causar à saúde,
maconha – e assumir abertamente o mas dando também voz àqueles que
uso – ainda era raro em 2001. defendem o uso medicinal e recreativo
Naquele ano, 14 brasileiros, entre da droga e procurando, acima de tudo,
artistas, médicos, empresários e advo- estimular o debate social.
gados, assumiram o consumo da erva Para quem saiu de trás da cortina
em uma reportagem de capa de ÉPOCA. de fumaça, as consequências foram
O texto trazia uma novidade impor- variadas. Na vida do empresário Beto
tante. Um relatório da ONU mostrava Lago, idealizador do Mercado Mundo
o aumento de consumo no Brasil: a Mix, nada mudou. Seu negócio seguiu Soninha, Em 2017. convErTida
ao budiSmo, Ela diz quE dEixou
percentagem de jovens entre 10 e 19 evoluindo e contabiliza hoje mais de
dE SEr uSuária dE maconha
anos que usavam a droga havia cresci- 300 edições no Brasil e no exterior. O
do de 2,8%, em 1987, para 7,6%, em cartunista Angeli e o músico Otto tam-
1997. Ainda que não se falasse aberta- bém não sofreram represálias.
mente da droga, estava claro que o pro- O depoimento de Soninha não foi
blema existia e precisava ser abordado recebido com a mesma tolerância. Em A reportagem serviu também para
de alguma forma. sua entrevista, talvez por intuição, ela provocar o debate nas esferas legislati-
Três meses antes de a reportagem disse que “infelizmente, muitos vão en- va e judiciária. Duas semanas depois de
ser publicada, havia entrado em vigor, tender errado e achar que passei a ser sua publicação, o Senado aprovou uma
no Canadá, a descriminalização da um modelo negativo”. Estava certa. O nova lei de entorpecentes que tramitava
droga para uso medicinal. Doentes programa de debates que conduzia na havia dez anos no Congresso Nacional.
terminais poderiam fumar e até culti- TV Cultura foi cancelado, e ela foi demi- Em 2006, foi sancionada outra lei, a
var a planta. A iniciativa, como quase tida. A decisão foi do diretor-presidente 11.343, com a promessa de abranda-
tudo o que envolve o uso de drogas, da emissora, Jorge da Cunha Lima, au- mento no tratamento penal dado ao
aumentou a polêmica. Naquele mesmo tor de poemas sobre a droga na década usuário. Mas a lei teve efeito inverso ao
ano, entrou em vigor no Brasil a Lei de 1970. Mesmo criticado por psicólo- planejado. A lei abriu brechas para in-
6.368, que estabelecia penas para trá- gos e políticos, Cunha Lima não voltou terpretações subjetivas, baseadas não
fico e porte de drogas. atrás. Soninha não gostou da forma apenas na quantidade da droga, mas
Entre os depoimentos, destacaram- como foi abordada na reportagem. também nas circunstâncias sociais e
se o do cantor pernambucano Otto, do Na ocasião, a foto da capa estampava pessoais do detido, no enquadramento
cartunista Angeli, autor das tirinhas outdoors espalhados pela cidade de de quem é usuário ou traficante. Essa
Wood e Stock, do empresário Beto São Paulo. Em uma entrevista recente, linha cinzenta fez com que a percen-
Lago, do advogado Rogério Rocco e da disse que, depois da publicação do de- tagem de detidos enquadrados como
apresentadora de TV e ex-VJ Soninha poimento, por anos, a primeira pergun- traficantes aumentasse de 10%, em
Francine, que estampou a capa da ta que faziam a ela em encontros públi- 2005, para 28%, em 2014. Na esfera
revista por causa de sua popularidade. cos era sobre o consumo da maconha. judicial, o debate sobre a descriminali-
Soninha tornou-se vereadora em São zação do consumo chegou ao STF. Em
Paulo pelo PT e depois pelo PPS. Foi 2015, o ministro-relator Gilmar Mendes
também subprefeita do bairro da Lapa deu voto a favor da tese, mas o julga-
e candidata a prefeita. No início deste mento foi suspenso por um pedido de
ano, Soninha foi convidada por João vista do então ministro Teori Zavascki.
Soninha FrancinE, Doria Júnior a assumir a Secretaria de A vaga de Zavascki, que morreu em
Em 2001, quando
aSSumiu conSumir Assistência e Desenvolvimento Social janeiro deste ano num acidente aéreo,
maconha. Ela em São Paulo, e demitida 110 dias de- foi ocupada por Alexandre de Moraes,
pErdEu programa
na Tv por cauSa
pois. Convertida ao budismo, ela diz mas o julgamento segue à espera de
dE SEu dEpoimEnTo que não usa mais a droga. uma retomada.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 53


ÉPOCA 1000

Edição 209
20 dE maio dE 2002
Os caloteiros
da fé

Edição 210
27 dE maio dE 2002
Onde está
o dinheiro

té 2002, o apóstolo Estevam


Hernandes Filho, de 63 anos, e
a bispa Sonia Haddad Moraes
Hernandes, de 58, viviam quase
no paraíso. A Igreja Apostólica
Renascer em Cristo que o casal
Pentacampeão fundou em 1986, na pequena sala de
O Brasil vence jantar da residência da família na Vila
a Alemanha por
2x0 na final da Mariana, em São Paulo, alcançava um
Copa do Mundo
do Japão e séquito de 100 mil fiéis. As figuras de
Coreia do Sul seus líderes e seguidores famosos, como
o jogador de futebol Kaká, ajudavam a
Medo aumentar o rebanho. Mas em maio da-
O Greenpeace
lança a lista de quele ano duas reportagens de capa de
produtos com
transgênicos à ÉPOCA publicou ÉPOCA mostraram alguns dos pecados
do apóstolo e da bispa.
venda no Brasil
duas reportagens de A primeira reportagem, com o título
Islã na TV
Giovanna
capa que revelaram “Os caloteiros da fé”, ouviu 21 denúncias
de fiéis que, convencidos a atuar como
Antonelli e Murilo
Benício fazem
o enriquecimento fiadores da instituição no aluguel de imó-
par romântico na
novela O clone dos fundadores da veis para a instalação de templos, corriam
da TV Globo
igreja Renascer o risco de perder seus bens pela falta de
pagamento da igreja. Como até os carros
usados pela família Hernandes estavam

54 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


O ESCÂ NDA LO DA R ENASCER

Imediatamente após a publica- diversos negócios da família Hernandes.


ção da primeira matéria, líderes da Em 2007, o casal foi preso nos Esta-
Renascer tentaram proibir a circu- dos Unidos, com US$ 56 mil escondidos
laçãodeÉPOCAnaJustiça.Perderam. em uma Bíblia, num porta-CDs e até na
Correram, então, para a televisão para mochila do filho caçula. Os dois foram
responder às denúncias e se disseram condenados a 140 dias de cadeia, outros
vítimas de perseguição religiosa. Ao vivo, cinco meses em prisão domiciliar e mais
no programa Domingo legal, do SBT, as dois anos de liberdade vigiada. A Jus-
alegações foram contestadas por tele- tiça brasileira não foi tão eficiente. Em
fonemas de vítimas dos caloteiros. Com 2012, o casal foi absolvido do crime de
a publicidade negativa, os advogados da lavagem de dinheiro pelo Supremo Tri-
igreja procuravam os lesados para propor bunal Federal por causa de um erro na
acordos – que, em muitos casos, não che- acusação. Mas seu império foi bastante
garam às vítimas, como foi o caso da viú- afetado. Hoje, a igreja, que chegou a ter
va Ana do Carmo Vieira Daipré, que tinha 1.200 templos, possui pouco mais de 300
64 anos quando alugou um apartamento e é citada em mais de 600 processos
para a família e foi citada na matéria “Os somente no Tribunal de Justiça de São
caloteiros da fé”. Em 2002, ela entrou com Paulo. Mas Sonia e Estevam continuam
uma ação para receber cerca de R$ 30 livres e expandindo seus negócios, com a
bispa sonia Em
Um cUlto com mil em aluguéis atrasados, mas não viveu criação de uma equipe de MMA, a Ultima-
sUpErprodUção. para usufruir do dinheiro. A briga na Justi- te Reborn Fight, por exemplo, e cultivando
a igrEja com
roUpagEm modErna
ça segueaté os dias de hoje, mas, segundo apoiadores famosos. Um deles é o prefei-
atraiU fiéis famosos a advogada do espólio, o processo foi ar- to de São Paulo, João Doria Júnior, que
quivado porque não foi possível localizar recentemente fez um vídeo para o Ins-
bens do casal para a penhora. tagram de Estevam, convidando “todos
Dias depois da publicação, a pedido que têm Deus no coração” para a Marcha
em nome de terceiros ou de empresas, a do Ministério Público, ÉPOCA entregou para Jesus, organizada pelo casal desde
Justiça não conseguia localizar bens para 60 páginas de documentos encontrados 2009. Michel Temer também gravou, mas
penhora – e sobrava para os avalistas, durante a apuração das reportagens, e a depois da delação de Joesley Batista o
enganados em sua boa-fé. A Renascer Previdência, a Receita e o Ministério Pú- vídeo foi apagado. Aparentemente, até o
contabilizava 51 processos na Justiça de blico começaram as investigações nos apóstolo e a bispa têm limites.
São Paulo e do Distrito Federal, que so-
mavam dívidas de R$ 12 milhões.
Na segunda reportagem de capa de
ÉPOCA sobre o casal, o título foi “O pa-
raíso do apóstolo” e o foco era a riqueza
do casal, que incluía uma fazenda de R$
1,8 milhão em Mairinque, no interior de
São Paulo, registrada no nome de empre-
sas de Estevam e Sonia e cujo pagamen-
to, como de praxe, feito pela metade, e
uma casa de 340 metros quadrados em
um condomínio de Boca Raton, na Fló-
rida. Lá perto, em Miami, ficava a única
das oito igrejas que o casal havia aberto a bispa sonia por
nos Estados Unidos que permanecia ocasião da prisão
nos Estados Unidos
aberta – as outras sete foram fechadas (acima) E nUm cUlto
por motivos diversos. Entre eles, o fato rEcEntE no brasil
de terem sido registradas como livrarias
ou bufês para evitar burocracias.

Fotos: Maurilo Clareto/Editora Globo, reprodução 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 55


ÉPOCA 1000

Edição 300
16 dE fEvErEiro dE 2004
Dinheiro sujo

Duas reportagens
de capa de
ÉPOCA sobre
negociações entre
um empresário
Edição 301 e um assessor do
Planalto mostram
23 dE fEvErEiro dE 2004
Ele operou em 2003
a corrupção ligada
ao governo Lula

té a sexta-feira, 13 de fevereiro
de 2004, Waldomiro Diniz era
subchefe de assuntos parla-
mentares da Casa Civil e um
dos mais próximos assessores
de José Dirceu, principal mi-
nistro do governo Lula. Nesse dia que
carrega a marca do azar, seu mundo
caiu. A edição 300 de ÉPOCA que che-
gava às bancas o mostrava na posição
de corrupto. Para Waldomiro, o pesa-
delo começara na véspera, quando
fora procurado para explicar o que
mostrava uma fita de vídeo gravada
Drogas
em 2002, na qual divide o protagonis-
A Câmara mo com o empresário Carlos Augusto
aprovou o Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Com
fim da prisão
para usuários os olhos marejados diante do repórter
de drogas
especial Andrei Meireles, Waldomiro
procurou se defender do que ficava
Prisão
O juiz Sergio claro: ele pedira propina de 1% para
Moro mandava si e R$ 150 mil para campanhas elei-
prender executivo
do Banestado, torais do PT. Em troca, prometia be-
acusado de neficiar Cachoeira em uma concor-
lavagem de
dinheiro rência. Tudo foi gravado por uma ele mantivera o relacionamento com
câmera escondida por Cachoeira. O Cachoeira, mesmo depois de assumir
Cinema comportamento confirma que ambos uma função tão sensível no Palácio do
O filme Cidade sabiam que fazaim algo errado. Fala- Planalto. Waldomiro levou Carlinhos
de Deus, de
Fernando vam tão baixo que alguns trechos ti- Cachoeira a uma reunião de renego-
Meirelles, foi veram de ser decifrados por peritos. ciação de contrato de R$ 130 milhões
indicado ao Oscar
em 4 categorias O vídeo fora gravado antes de Wal- por ano com a Gtech, multinacional
domiro chegar ao governo. Mas na responsável pelo processamento de
semana seguinte ÉPOCA mostrou que dados das loterias federais.

56 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


CASO WALDOMIRO DINIZ

O caso exposto por ÉPOCA foi o depois com o pedido de indiciamento


primeiro escândalo de corrupção de cerca de 70 pessoas.
a atingir o governo Lula e a arra- Em 2012, Waldomiro foi condenado
nhar a aura do PT no poder. O Pla- a 12 anos de prisão por corrupção pas-
nalto correu para dar uma respos- siva e crimes contra a Lei de Licitação,
ta. O primeiro passo foi demitir além de uma multa de R$ 170 mil. No
Waldomiro e reprovar publica- mesmo ano, Carlinhos Cachoeira foi
mente seu comportamento. envolvido em outro escândalo, relacio-
O governo procurou também blindar nado à exploração de caça-níqueis em
o ministro José Dirceu, de quem Waldo- Goiânia. A investigação descobriu seu
miro era um assessor histórico. Para envolvimento com deputados e culmi-
acabar com especulações em torno da nou na cassação do senador Demóste-
operação de Waldomiro com Cachoei- nes Torres, do DEM de Goiás. Waldomi-
ra no caso da GTech, o presidente Luiz ro nunca mais voltou à vida política. O
Inácio Lula da Silva editou uma Medida governo conseguiu evitar que a investi-
Provisória que fechou todos os bingos gação avançasse sobre seu trabalho na
do país menos de uma semana depois Casa Civil, onde monitorava o relacio-
da publicação. A reportagem também namento do Planalto com o Congresso,
teve repercussão internacional. No The inclusive a distribuição de cargos. Foi
New York Times, Carlinhos Cachoeira nessa área que, um ano depois, explodiu
virou Charlie Waterfall. o escândalo do mensalão.
A oposição levou mais de um ano
para conseguir contornar a resistência
imposta pela maioria do governo no
Congresso, e só em junho de 2005 ins-
talou a CPI dos Bingos, para apurar o
caso de corrupção nessa seara e o Carlinhos CaChoEira
envolvimento da empresa GTech. A dEixa a políCia fEdEral.
anos dEpois, ElE
investigação terminou quase um ano sEria proTagonisTa dE
ouTros EsCândalos

Carlinhos CaChoEira
(à Esq.) E Waldomiro
diniz (à dir.) no vídEo.
ElE pEdiu propina para
si E dinhEiro sujo para
Campanhas do pT

Fotos: reprodução, Pablo Jacob/Agencia O Globo 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 57


ÉPOCA 1000

Edição 524
2 dE junho dE 2008
Eles são do Exército.
Eles são parceiros.
Eles são gays

pernambucano Fernando Al-


cântara de Figueiredo chegou a
Brasília em 1995, depois de pas-
sar pelo curso preparatório para
sargento do Exército de Juiz de
Fora, em Minas Gerais. Dias de-
Ilegais pois, ele conheceu o potiguar Laci Ma-
Carlos Minc, rinho de Araújo, outro recém-chegado
o ministro do
Meio Ambiente, a Brasília, que havia feito o mesmo cur-
começa a caçar
bois piratas na so em Três Corações, também em Mi-
Amazônia nas Gerais. Dois anos depois, quando
resolveram sair do alojamento militar
O candidato para morar em uma república, come-
negro
Barack Obama çaram a namorar. Como eram oficiais
vence a do Exército, preferiram manter a rela-
convenção
democrata para
Em junho de 2008, ção em segredo. Mas em junho de 2008,
a Presidência ÉPOCA contou em num ato corajoso, Fernando e Laci acei-
Poderio sua reportagem taram dar uma entrevista e posar para
a capa de ÉPOCA contando que, de
A China
impressiona de capa a história fato, eram um casal. Para a reportagem,
o mundo nos
Jogos Olímpicos do primeiro casal “saíram do armário” e falaram sobre a
rotina e preconceito. “Há muito mais
de Pequim
homossexual assumido homossexual no Exército do que se
do Exército brasileiro imagina.” Os dois haviam passado por

58 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Ricardo B. Labastier, reprodução


GAYS NO EXÉRCITO

Cerca de 72 horas depois de a re- hospital por transgressão disciplinar.


vista chegar às bancas, uma juíza Três dias antes da prisão, o Exército ha-
assinou um mandado de busca do- via comunicado ao sargento que ele res-
miciliar e prisão para Laci Mari- ponderia a três processos disciplinares:
nho, considerado desertor. Na 1) por ter aparecido na reportagem de
quarta-feira seguinte, o casal foi convi- ÉPOCA com uniforme inapropriado; 2)
dado para dar uma entrevista ao vivo no por faltar ao trabalho no dia em que foi a
programa SuperPop, da RedeTV!. En- São Paulo participar de um programa de
quanto conversavam com a apresenta- TV; e 3) por ter escondido do Exército o
dora Luciana Gimenez, a emissora foi paradeiro do companheiro. O caso virou
cercada por 20 viaturas da polícia e do o livro Soldados não choram, publicado
Exército. Ao ver as imagens dos milita- no final de 2008, e transformou os dois
res, armados com fuzis e pistolas, o sar- em símbolos da causa dos homosse-
gento Laci de Araújo afirmou que seria xuais contra a discriminação. Em 2009,
morto caso se entregasse. Após horas o casal fundou o Instituto Ser de Direitos
de negociação com coronéis, ele foi le- Humanos e da Natureza, que trabalha
vado para um hospital militar. No dia com outros casos de preconceito no
Laci marinho dE seguinte, o presidente Lula fez o discur- Exército. Os dois pediram aposentadoria
araújo E FErnando so de abertura da Conferência Nacional do Exército em 2011, mas só obtiveram o
aLcânTara posam para
o Ensaio FoToGráFico de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis benefício parcial. Com dificuldades fi-
dE ÉPOCA. os dois e Transexuais, o primeiro evento do gê- nanceiras, o casal luta na Justiça para
dEcLararam sua
rELação aFETiva
nero promovido por iniciativa governa- conseguir a aposentadoria integral.
dEnTro do ExérciTo mental. Sem fazer referência direta à Em 2011, o STF equiparou os direitos
matéria, Lula disse estar “orgulhoso” entre casais heterossexuais e homoafe-
pelo momento de “reparação” vivido no tivos. Com base nisso, em 2013, a Justiça
país. A reportagem de ÉPOCA tentou Federal de Pernambuco determinou que
funções típicas do militar-padrão e che- falar com o sargento novamente, mas as o Exército reconhecesse o companheiro
garam a ser instrutores. Forças Armadas não deram autorização. de um sargento como dependente. Em
Alegando problemas de saúde, Laci Duas semanas depois, foi a vez de 2015, o STF determinou a retirada dos
passou seis meses fora do trabalho. Foi Fernando ser preso. A prisão de oito dias termos “pederastia” e “homossexual” do
transferido para Osasco. Como não foi determinada pelo comandante do Código Penal Militar.
compareceu a seu novo posto, a 1.000
quilômetros de distância do posto de
seu companheiro, Laci foi considerado
desertor e corria o risco de ser preso e
expulso do Exército. À reportagem, os
dois disseram que estavam na mira do
comando por terem feito uma denúncia
apontando indícios de corrupção no
hospital militar. No Código Penal Mi-
litar, datado de 1969, não havia proi-
bição ao alistamento de gays. Mas, no
Artigo 235, o código tratava como FErnando na
parada LGBT Em
crime sexual a “pederastia ou outro ato TaGuaTinGa, no
de libidinagem” e estabelecia pena de disTriTo FEdEraL.
detenção de seis meses a um ano ao ELE E Laci LuTam
pELa aposEnTadoria
“militar que praticar ou permitir que inTEGraL
com ele se pratique ato libidinoso, ho- no ExérciTo

mossexual ou não, em lugar sujeito a


administração militar”.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 59


ÉPOCA 1000

Edição 792
29 dE julho dE 2013
A espionagem
digital dos
Estados Unidos

m 2010, os Estados Unidos ti-


nham uma grande preocupação:
evitar que o Irã fizesse uma
bomba atômica. O programa
nuclear iraniano fora criado nos
anos 1950 e desde a década de
1980 era tratado na clandestinidade, à
O papa pop revelia dos organismos internacionais
O papa Francisco
visita o Brasil de inspeção. Não se sabia se, ou quan-
e comove o
país com seu do, o Irã seria capaz de começar a pro-
estilo sincero dução, mas a imprevisibilidade do
governo deixava um punhado de líde-
O novo bebê real res de nações atordoado. Mahmoud
Nasce no Reino
Unido o príncipe Ahmadinejad, o então presidente,
George, o quebrou um acordo verbal e anunciou
primeiro filho
de William com
ÉPOCA mostrou, com que enriqueceria urânio em seu terri-
Kate Middleton exclusividade, como tório. Os Estados Unidos pressiona-
Golpe no Egito os Estados Unidos ram então por uma nova rodada de
sanções internacionais no Conselho
Início das
manifestações que espionaram ao menos oito da ONU. Em um misto de ousadia e
levaram Abdul al
Sisi à Presidência países – entre eles o Brasil ingenuidade, o Brasil apresentou-se
como mediador. A sugestão brasileira
do país
– para aprovar sanções era que o Irã enriquecesse urânio na
contra o Irã na ONU Turquia, país que, como o Brasil, tinha

60 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Emmanuel Dunand/AFP, George Frey/Reuters


A ESPIONAGEM A MER ICA NA

A reportagem publicada em e-mails e ligações telefônicas de bra-


ÉPOCA teve repercussão interna- sileiros. A divulgação desses fatos ge-
cional. Um representante da ONU rou uma crise de confiança internacio-
disse que “todos os países-mem- nal na diplomacia americana. Países
bros da ONU são obrigados por lei aliados se sentiram traídos.
a respeitar a privacidade de comu- Para acalmar os ânimos de aliados,
nicações diplomáticas”. François Barack Obama pediu desculpas. O fez
Hollande, presidente da França, foi mais pessoalmente ao Japão, um dos países
duro: “Não podemos aceitar esse tipo espionados, quando foi para a reunião
de comportamento entre aliados”. do G20, na Rússia. Falou também com
O governo americano havia negado o presidente da França e garantiu que
acesso ao conteúdo das comunicações, ele não seria alvo da NSA – não falou
dizendo que se limitava a guardar regis- nada, no entanto, sobre outros mem-
tros de conexões, como nomes de usuá- bros do governo. A presidente Dilma
rios, datas e duração das ligações. Mas Rousseff foi informada de que a espio-
uma declaração em um dos relatórios, nagem seria “explicada” nos próximos
de Susan Rice, representante america- dias – o que não aconteceu. Em repre-
o coNsElho dE na no Conselho da ONU, desmentia o sália, cancelou uma viagem diplomáti-
sEguraNça da oNu governo. “Me ajudou a saber quando ca aos Estados Unidos.
vota as saNçõEs ao
irã. os Estados outros membros estavam falando a ver- As relações só se restabeleceram
uNidos EspioNaram dade (...) revelou suas posições reais dois anos depois, quando Dilma final-
outros paísEs para
coNsEguir vaNtagENs
sobre as sanções (...) nos deu uma po- mente foi para os Estados Unidos, mes-
Na NEgociação sição de vantagem nas negociações”. mo sabendo que Barack Obama não
Os relatórios eram encaminhados para faria um pedido de desculpas formal. Já
ela, mas Susan não foi mera receptora: Susan Rice, que já havia deixado a re-
também fazia solicitações de dados. presentação da ONU em julho, pouco
um assento rotativo no Conselho de A reportagem de ÉPOCA se seguiu antes do escândalo, continuou em seu
Segurança. Brasil e Turquia eram con- a outra do jornal O Globo, de 7 de julho, cargo – onde está até hoje: conselheira
tra as sanções. Para evitar o risco de que revelou que a NSA espionara de segurança nacional.
uma derrota no Conselho, onde são
necessários nove votos de 15, os ame-
ricanos recorreram a uma solução tí-
pica da Guerra Fria: a espionagem.
Em julho, ÉPOCA teve acesso exclu-
sivo ao arquivo classificado como ul-
trassecreto que só deveria ter ido a pú-
blico em 2035. Ele continha mais de 100
relatórios com os objetivos, resultados
e métodos empregados pela Agência
Nacional de Segurança americana, a
NSA, para descobrir – e manipular – o
resultado da votação na ONU. A repor-
tagem detalhava como as informações
foram coletadas: trocas de e-mails, li-
Nova cENtral dE
gações, comunicação por voz na inter- dados da Nsa
net e mensagens enviadas por celular. No Estado dE
utah. a agêNcia
As revelações foram feitas pelo ex- aumENtou sEu
consultor Edward Snowden, que traba- podEr dE vigilâNcia
lhou para a NSA e copiou milhares de
documentos antes de sair.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 61


ÉPOCA 1000

Edição 827
7 dE abril dE 2014
Propina na
Petrobras

Edição 829
21 dE abril dE 2014
Novas provas de
corrupção na
Petrobras

Morte na
manifestação
Em fevereiro,
num protesto,
um rojão mata
o cinegrafista
Santiago Andrade

Crimeia anexada
Em março, por
um acordo, a
Crimeia se torna
parte da Rússia
Em 2014, ÉPOCA publicou
Cai a nota
Em março, a duas reportagens de capa
agência S&P corta
a nota do Brasil. com informações exclusivas
É o primeiro dos
cortes que tirarão sobre o escândalo de
do país o grau de
investimento propinas na Petrobras

62 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press,


Daniel Castellano/Gazeta do Povo/Futura Press
A PROPINA DA PETROBR AS

arecia enredo de novela. O vilão


era Paulo Roberto Costa, ex-dire-
tor de Abastecimento da Petro-
bras entre 2004 e 2012. Como um
malfeitor de folhetim, deixou
provas incontestáveis dos crimes
que cometera. Elas foram encontradas
em 17 de março de 2014, enquanto a Po-
lícia Federal fazia buscas na casa do exe-
cutivo e ele depunha numa delegacia. À
distância, ele orientou filhas e genros
sobre como se livrar dos documentos
comprometedores. Não deu, por causa
da quantidade colossal de informações.
Entre as provas coletadas havia 36 pen
drives, documentos e blocos com anota-
ções sobre empresas de fachada, contas Com a lava jato,
Costa fEChou
em paraísos fiscais e indícios gritantes de o primEiro aCordo
corrupção. ÉPOCA teve acesso, com ex- dE dElação prEmiada.
dEsdE Então,
clusividade, a algumas provas. a ExprEssão sE
Costa era meticuloso e organizado. tornou familiar
Assim como o doleiro Alberto Youssef,
seu parceiro de maracutaia e também
preso pela PF, guardava registros detalha-
dos das operações. Não usava códigos
nem codinomes, e os registros incluíam Boa parte das provas foi recolhi- ram a ação dos gatunos. Teve de des-
explicações técnicas do esquema. da pela PF e, mais tarde, incrimi- contar R$ 6 bilhões em valores
A suspeita, na primeira reportagem, naria parte da família de Costa e incorporados como patrimônio, mas
publicada em 7 de abril, era que as maio- mais algumas dezenas de corrup- que, na verdade, foram gastos com pro-
res empreiteiras do país e as principais tos, entre empresários e políticos, pina. Outros quase R$ 100 bilhões fo-
vendedoras de combustível do mundo na Operação Lava Jato. Em 29 de ram subtraídos de seus ativos, resulta-
pagavam comissão para fazer negócio agosto de 2014, Costa começou a cola- do, em parte, do reconhecimento de que
com a Petrobras. Quem recebia o di- borar com a investigação da PF, após muitos projetos não dariam o retorno
nheiro era Costa, responsável por fechar fechar o primeiro acordo de delação esperado diante de todo o dinheiro que
contratos de construção e reforma de premiada da operação. Muitos executi- drenaram. A companhia reduziu planos,
refinarias (do interesse de empreiteiras vos seguiram os passos de Costa de- paralisou obras e vendeu ativos. Depois
brasileiras) e de importação de combus- pois. Mais de 300 acordos do tipo foram de Costa, outros três ex-diretores foram
tível (do interesse de companhias no feitos somente na Operação Lava Jato. presos. A empresa conduziu investiga-
exterior). Na segunda reportagem de Beneficiado por isso, o vilão bem orga- ções que revelaram mais criminosos na
capa que dedicou ao caso, três semanas nizado já está novamente nas ruas. folha de pagamentos. Tornou-se assis-
depois, ÉPOCA trazia mais informações Condenado por lavagem de dinheiro tente de acusação nas ações penais
exclusivas, como um documento inédi- e outros crimes, ele revelou como fun- contra seus dilapidadores. O prejuízo
to que complicava ainda mais a versão cionava o esquema de corrupção e pas- acumulado entre 2014 e 2016 supera os
do governo no caso da refinaria super- sou, por isso, apenas cinco meses na R$ 71 bilhões. Nos primeiros seis meses
faturada de Pasadena, nomeava outras cadeia. Cumpriu um ano de prisão do- deste ano, lucrou R$ 4,7 bilhões.
contas secretas de Costa e adicionava miciliar com tornozeleira eletrônica. Ele Em 2016, foram sancionadas a Lei
duas empreiteiras à lista que já continha e alguns de seus parentes ainda respon- de Responsabilidade das Estatais, que
13 suspeitas de pagar propina. dem por tentativa de ocultação de pro- proíbe dirigentes partidários e ocupan-
vas. O doleiro Alberto Youssef, conde- tes de cargos políticos de assumir dire-
nado a 122 anos de prisão, também torias nessas empresas. Espera-se que
colaborou com as investigações e já a lei contribua com a profissionalização
está livre. A Operação Lava Jato conti- da gestão de estatais. No mesmo ano,
paulo robErto Costa,
Ex-dirEtor dE abastECimEnto nua. Está em sua 44a fase. foi sancionada a lei que dá à Petrobras
da pEtrobras. ElE rEvElou os As revelações do delator pioneiro liberdade para escolher em que proje-
dEtalhEs do EsquEma quE tornaria
a lava jato a maior invEstigação
levaram a Petrobras a um doloroso pro- tos de exploração do pré-sal ela quer
dE Corrupção do mundo cesso de expiar as falhas que favorece- participar.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 63


ÉPOCA 1000

Edição 672
4 dE abril dE 2011
Mensalão

Edição 882
4 dE maio dE 2015
Lula – O operador

Edição 899
31 dE agosto dE 2015
Nosso homem
em Havana

inguém conhece tão bem a ne-


cessidade de manter um segredo
quanto aqueles que agiram erra-
do e não querem que ninguém
descubra. Poucos cavam segre-
dos escusos com tanta insistên-
Revolta popular
cia quanto bons jornalistas. Em 2011, a
Em 15 de março, Polícia Federal produziu seu relatório
1 milhão de final sobre o esquema do mensalão, após
brasileiros saem
às ruas contra seis anos de investigações e mais de 100
Dilma Rousseff testemunhas ouvidas. ÉPOCA obteve o
documento, com exclusividade. Publica-
EUA e Cuba
Barack Obama da em abril de 2011, “A anatomia do va-
e Raúl Castro se lerioduto” revelou que dinheiro público,
encontram no
desviado principalmente do Banco do
Panamá para
discutir o fim do Com documentos obtidos Brasil, alimentava o mensalão.
embargo a Cuba
exclusivamente por ÉPOCA, Em 2015, ÉPOCA trouxe uma nova
Sua Alteza
Nasce, em junho,
três reportagens de capa bomba: o Ministério Público Federal
acabara de abrir uma investigação con-
a princesa
Charlotte, filha de
fizeram revelações que tra Lula por tráfico de influência inter-
Kate Middleton
e do príncipe
atordoaram o PT e deixaram nacional. A reportagem “Lula, o opera-
dor” mostrava como, nos quatro anos
William o ex-presidente Lula mais desde que deixara a Presidência, Lula
perto de uma condenação havia viajado a trabalho. Os destinos

64 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Ricardo Stuckert


AS ACUSAÇÕES CONTR A LUL A

Quando a primeira reportagem direto na CPI que investigava as opera-


foi publicada, o julgamento do men- ções do BNDES. Na segunda-feira após
salão ainda estava no meio. O pro- a revista chegar às bancas, a oposição
cesso havia começado em 2007, após o pedia a convocação do ex-presidente
Supremo Tribunal Federal aceitar a de- para que ele prestasse esclarecimentos
núncia do Ministério Público Federal – o que não chegou a acontecer. Meses
contra os 40 acusados de participar no depois, a CPI acabou sem nenhum pedi-
esquema do mensalão (de compras de do de indiciamento e com aquele gosto
votos no Congresso). Foram ouvidas 600 conhecido de pizza. Mas Lula foi denun-
pessoas e quebrados os sigilos fiscais de ciado na Operação Zelotes, também por
38 réus. Destes, 24 foram condenados tráfico de influência. Em abril deste ano,
na última instância. Em 9 de agosto des- a situação do ex-presidente ficou mais
te ano, o Ministério Público Federal de- delicada. A delação-bomba de Marcelo
sarquivou o inquérito contra o ex-presi- Odebrecht confirmou o que os leitores de
dente relacionado ao mensalão. ÉPOCA já sabiam: o ex-presidente Lula
A capa da edição 882, de maio de ajudou a viabilizar a contratação do grupo
2015, “Lula, o operador”, estampava um para obras no Porto de Mariel, em Cuba,
documento: uma investigação do Minis- o que a lei brasileira não permite.
tério Público Federal por suspeita de Denunciado recentemente pela
luiz inácio lula da
silva, Ex-prEsidEntE. tráfico de influência internacional. A quarta vez, Lula responde agora por
ElE foi condEnado Em reportagem teve repercussão planetá- obstrução da Justiça, acusado de tentar
primEira instância por
corrupção passiva E
ria. O jornal americano The New York interferir na delação de Nestor Cerveró,
lavagEm dE dinhEiro Times, o britânico The Guardian, o es- ex-executivo da Petrobras, por lavagem
panhol El País, o francês Le Monde, as- de dinheiro, corrupção e tráfico de in-
sim como o site da emissora britânica fluência. Em 2 de agosto, uma nova CPI
BBC e a agência de notícias Reuters foi criada para investigar os emprésti-
eram os mais variados, de Cuba a Gana. dedicaram espaço à investigação reve- mos concedidos pelo BNDES. No dia 16,
A maioria das viagens foi bancada pela lada por ÉPOCA. Por causa dos docu- a CPI aprovou um plano de trabalho. Ele
construtora Odebrecht. Documentos mentos expostos pela revista, o MPF inclui ter acesso aos contratos do
obtidos por ÉPOCA revelavam que a investigava as visitas de Lula aos países BNDES com empresas desde 1997, in-
Procuradoria da República em Brasília aos quais o BNDES emprestou dinheiro. clusive os que antes foram negados,
havia aberto, uma semana antes, uma A terceira reportagem teve impacto para averiguar não conformidades.
investigação contra Lula por tráfico de
influência internacional e no Brasil. Ele
era suspeito de facilitar negócios da
Odebrecht com representantes de go-
vernos estrangeiros entre 2011 e 2014.
Percebeu-se um padrão: o ex-presiden-
te se encontrava com o líder em exercí-
cio de outro país, em viagem paga pela
Odebrecht. Depois, a Odebrecht era
contratada e o BNDES oferecia um em-
préstimo que facilitava o negócio.
Três meses depois, ÉPOCA publicou lula EntrE
apoiadorEs.
mais uma reportagem com Lula na o primEiro
capa: “Nosso homem em Havana”. A Ex-prEsidEntE
condEnado
reportagem obteve arquivos sigilosos mantém grandE
em que burocratas descreviam as con- popularidadE
dições camaradas dos empréstimos do
BNDES para as obras.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 65


ÉPOCA 1000

Edição 614
22 dE fEvErEiro dE 2010
“Você acha que
sou um poste?”

Dilma desafiou sua fama


de “poste” eleitoral para
Edição 639
16 dE agosto dE 2010 ÉPOCA. A revista também
O passado de Dilma
revelou a foto da prisão no
Dops, que acabou virando
símbolo da campanha

Chapeleiro
Maluco
O diretor Tim
Burton lança
sua versão para
Alice no País das
Maravilhas

Fumaça
O vulcão islandês
Eyjafjallajökull
entra em erupção
e fecha o espaço
aéreo na Europa
a prEsidEntE dilma
Petróleo no palácio da
Uma plataforma alvorada dias antEs
da BP explode, do impEachmEnt.
contaminando a prEsidEntE não
extensa área do Era famosa pEla
Golfo do México capacidadE dE
nEgociação

66 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


DILM A ROUSSEFF

primeira referência a Dilma


Rousseff em ÉPOCA foi feita em
2002, quando ela ainda era a
pouco conhecida coordenadora
de infraestrutura na equipe de
transição do primeiro governo
Lula. Oito anos depois, Dilma sairia na A pergunta da presidente que 2015 o Partido dos Trabalhadores foi
capa da revista pela primeira vez, em estampou a capa serviu de inspira- condenado pelo Tribunal de Justiça de
fevereiro de 2010, identificada como ção para cartunistas. Ela repetiria a São Paulo a pagar uma multa de R$ 10
pré-candidata à Presidência. Na primei- frase, de certa forma, meses depois, mil por dia caso não retirasse do site e
ra entrevista como candidata, concedi- quando participou do programa Roda do material de circulação a ilustração
da a ÉPOCA, a então ministra-chefe da viva, da TV Cultura. da discórdia. O processo, que ainda está
Casa Civil desafiava os adversários a A segunda matéria de capa foi du- correndo na Justiça, pede também in-
demonstrar maior experiência de go- ramente criticada pelo PT em um pri- denização por danos morais e materiais.
verno que ela. Durante duas horas, con- meiro momento, pelo uso da foto tirada Dilma, por sua vez, mostrou ao longo
versou com os jornalistas e expôs suas pelo Dops. Mas a ilustração baseada de seus dois governos que era justamen-
credenciais para comandar o Brasil, nessa foto, que abria a reportagem, foi te aquilo que mostrou em sua primeira
debatendo com destreza planos de go- abraçada pela militância e chegou a entrevista como candidata, concedida a
verno, sem se esquivar de assuntos es- ser usada na campanha de Dilma: ÉPOCA: uma mulher de postura firme,
pinhosos, como aborto e drogas. “Você nascia um símbolo. com convicções beirando a teimosia, e
acha que, como ministra-chefe da Casa Durante o discurso da vitória, depois que realmente pensava e agia de manei-
Civil, eu sou um poste?”, perguntou. de sua reeleição, Dilma falou ao público ra diferente de seu antecessor. Talvez
“Poste” é um adjetivo usado na política de um hotel em Brasília. Como pano de esteja aí a origem de sua ruína, do colap-
para classificar um candidato sem ca- fundo, estava justamente o desenho que so econômico em que o país entrou em
risma, que só se elege na carona de um havia sido encomendado por ÉPOCA. 2015 e das multidões que tomaram as
padrinho. No caso de Dilma, o padri- Durante a campanha, o desenho ilustrou ruas pedindo sua saída. Sua falta de ha-
nho era o presidente Lula. também camisetas, adesivos, faixas, bilidade em fazer articulações políticas
Em agosto do mesmo ano, ela foi panfletos. O ilustrador que fez o traba- e tomar decisões negociadas a isolou
capa de ÉPOCA novamente, com uma lho, o mineiro Sattu Rodrigues, afirmou, politicamente. Pressionada por um pro-
foto que ficaria histórica. A reportagem em entrevista à Folha de S.Paulo, que cesso de impeachment, Dilma não cogi-
“Dilma na luta armada” contava como ficou surpreso e que pediria uma inde- tou renunciar. No dia 31 de agosto de
a então estudante que agora liderava as nização por direitos autorais, já que 2016, seu segundo mandato foi encerra-
pesquisas eleitorais havia combatido a nunca foi procurado por ninguém da do precocemente após a votação no
ditadura militar em um período em que campanha ou do PT. Representantes do Senado. Por um acordo de lideranças,
democracia era um sonho distante. A partido informaram que o caso estava o Congresso decidiu não cassar seus
matéria discorria sobre como durante no Departamento Jurídico, mas, como direitos políticos. Com isso, ela pode
cinco anos, entre 1967 e 1972, Dilma nenhum acordo foi feito, em abril de concorrer a um cargo novamente.
(ou Estela, ou Wanda, ou Luiza, ou Ma-
rina, ou Maria Lúcia) militou em duas
organizações clandestinas que defen-
diam e praticavam a luta armada, mu-
dou de casa frequentemente para fugir
da perseguição da polícia e do Exército,
usou documentos falsos, manteve en-
contros secretos dignos de filmes de
espionagem, aprendeu a atirar, casou-se
duas vezes, foi torturada durante 22
dias, processada sem direito a defesa,
ficou presa durante 28 meses, acusada
de subversão, em um período sombrio
da história brasileira. As informações dilma acEna
constam em documentos obtidos por ao dEixar a
prEsidência.
ÉPOCA, assim como a foto de identi- multidõEs pEdiram
ficação feita pelo Departamento de sEu impEachmEnt

Ordem Política e Social (Dops).

Fotos: Tomas Munita/The New York Times, Paulo Whitaker/REUTERS 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 67
ÉPOCA 1000

Edição 794
12 dE agosto dE 2013
A comida do futuro

A tragédia da
boate Kiss
Um incêndio
deixou 242 mortos
na boate da
cidade gaúcha
Meses antes do início da Operação Lava Jato,
de Santa Maria ÉPOCA revelou um esquema de propinas na Petrobras
O ano das
comandado por João Augusto Henriques, lobista do PMDB
manifestações
Milhares tomaram
as ruas para
protestar contra m março de 2014, começava ofi- grandes empresas e a estatal e precisava
a corrupção e cialmente a Operação Lava Jato, pagar comissões ao PMDB, partido do
por melhorias
da Polícia Federal, que desvendou atual presidente, Michel Temer, pelos
A renúncia um imenso esquema de corrup- negócios que fechava.
do papa ção na Petrobras. Sete meses an- João Augusto descreveu o esquema
O papa Bento XVI
foi o primeiro tes, ÉPOCA investigara o assunto. em detalhes. Assumindo-se como o ope-
a renunciar ao Em agosto de 2013, na reportagem “A rador das propinas do partido na Dire-
papado em mais
de 600 anos sombra do PMDB na Petrobras”, o lo- toria Internacional da Petrobras, o lobis-
bista João Augusto Henriques revelou ta contou que todos os contratos na Área
como intermediava negócios entre Internacional da Petrobras tinham de

68 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Juan Cruz Sanz e Rodrigo Félix Leal/Futura Press
OPER A DOR DO PMDB

Uma semana depois de conver- US$ 860 milhões obtido pela Odebrecht
sar com a reportagem de ÉPOCA, por serviços de segurança, meio ambien-
João Augusto Henriques estava te e saúde em várias unidades da Petro-
em Paris. Lá, foi atingido pela ira bras. Segundo afirmou João Augusto na
dos chefes do PMDB por causa das reportagem, em troca do contrato, a Ode-
denúncias. Acuado, tentou voltar brecht acertou com o então tesoureiro do
atrás e negar as declarações. Em nota, PT, João Vaccari, uma doação informal de
afirmou que nunca havia exercido “in- US$ 8 milhões para a campanha de Dilma
terferência nos contratos da Área In- Rousseff em 2010. Entre outras irregula-
ternacional da Petrobras” nem havia ridades, a auditoria constatou que a em-
repassado “qualquer recurso para pes- preiteira venceu a licitação sem descrever
soas, nem tampouco partidos”. Não serviços e custos, além de ter contratado
colou. No mesmo dia, ÉPOCA publicou uma consultoria por R$ 29 milhões para
o áudio de dez dos principais trechos fazer algo que a Odebrecht já fazia.
da entrevista de João Augusto, que não O operador do PMDB foi preso em
pedira anonimato durante a entrevista. setembro de 2015, na 19a fase da Ope-
Desmentido, o operador viajou então ração Lava Jato. E segue detido. No mês
o EmprEsário cristóbal para Dubai, nos Emirados Árabes Uni- passado, um pedido de habeas corpus
lópEz (sorrindo, à esq.),
num cassino com os dos, onde mantinha uma de suas con- foi negado pela ministra Cármen Lúcia,
KircHnErs (Cristina tas com dinheiro sujo. presidente do Supremo Tribunal Fede-
ao Centro, ao lado do
marido, néstor). ElE foi Cada uma das denúncias feitas pelo ral (STF). Na Argentina, Cristina Kirch-
acusado dE tEr comprado operador do PMDB passou a ser investi- ner foi convocada para depor em um
uma rEfinaria mEdiantE
propina disfarçada
gada. Em 2014, uma auditoria interna da caso de lavagem de dinheiro, em abril
dE taxa dE sucEsso Petrobras, que começou por causa da deste ano. Seu velho amigo, Cristóbal
reportagem de ÉPOCA, comprovou uma López, também precisou depor. O caso
série de irregularidades num contrato de segue sob investigação.

passar por ele, que cobrava um pedágio


dos empresários interessados. De 60% a
70% dessa propina era repassada ao
PMDB. O dinheiro servia depois para
pagar campanhas ou forrar os bolsos de
peemedebistas. O restante era repartido
entre os operadores na Petrobras e, claro,
João Augusto, que disse ter sido levado
para o “cargo” que ocupava por influên-
cia do então deputado Michel Temer.
“De zero a dez, numa escala de ética, não
sou zero, mas também não sou dez. Sou
três ou dois”, confessou.
Ele também falou sobre operações da
Petrobras na Argentina. Segundo João
Augusto, a venda da refinaria de San Lo- o lobista
renzo, na Argentina, ao empresário Cris- João augusto
HEnriquEs
tóbal López, dono de cassinos e amigo ao sEr prEso
da presidente Cristina Kirchner, envol- pEla lava Jato,
Em sEtEmbro dE
veu o pagamento de uma propina dis- 2015. ElE continua
farçada de “taxa de sucesso” de US$ 10 na cadEia
milhões. Metade desse dinheiro tinha
um destino certo: o PMDB.

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 69


ÉPOCA 1000

Edição 991
19 dE junho dE 2017
“Temer é o chefe da
quadrilha mais
perigosa do Brasil”

Edição 997
29 dE julho dE 2017
As provas da JBS

a noite de 7 de março, Joesley


Batista, sócio da JBS e do maior
grupo frigorífico do mundo,
chegou ao Palácio do Jaburu.
Bem recomendado, entrou
tranquilamente. Manteve ali
um encontro secreto com o presiden-
te Michel Temer. Quase secreto: com
Terror um gravador escondido, registrou a
Dois ataques
terroristas conversa que levou Temer a se tornar
causam pânico o primeiro presidente denunciado por
em Londres
crimes no exercício do cargo.
Quase um mês depois, já na condi-
Meio ambiente
Os Estados Unidos ção de colaborador da Justiça e com
abandonam o Temer balançando no cargo, Joesley
acordo global
do clima
Em entrevista exclusiva concedeu a ÉPOCA sua primeira en-
a ÉPOCA, Joesley trevista. “Temer é o chefe da quadrilha
Crise
diplomática Batista, dono da JBS, mais perigosa do Brasil”, disse ao edi-
tor-chefe Diego Escosteguy. Joesley
China adere
a sanções acusou vários políticos confirmou, com detalhes, as denúncias
internacionais
contra a Coreia de corrupção – e disse que fez ao Ministério Público Federal
contra Temer. Repetiu que Temer que-
do Norte
que o presidente Michel ria o silêncio do ex-deputado Eduardo
Temer era o chefe Cunha, preso pela Lava Jato, e deu

70 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Marcelo Min/Fotogarrafa/Editora Globo,


Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
ESCÂ NDA LO JBS

“Temer é o chefe da quadrilha pública (PGR) pedia a abertura de in-


mais perigosa do Brasil.” A chama- vestigação por corrupção passiva, no
da de capa da primeira entrevista caso de pagamento de propina de R$
dada por Joesley Batista depois da 500 mil da JBS, entregues em uma
divulgação dos áudios ganhou re- mala ao ex-deputado Rodrigo Rocha
percussão global, com destaques Loures. Eram necessários 342 votos
nos principais jornais do Brasil, dos para que a denúncia fosse aceita e o
Estados Unidos e da Europa. presidente tivesse de se afastar tem-
No sábado em que a revista foi para porariamente do cargo. Mas o resulta-
as bancas, no dia 17 de junho, o Jornal do foi pela aprovação do relatório do
Nacional dedicou quase 20 minutos de deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG),
sua programação para exibir trechos que defendia o arquivamento do pro-
da entrevista que ocupou, no total, 12 cesso. Às 21h52 do dia 2 de agosto, o
páginas da edição de ÉPOCA. Com a painel do plenário registrava 263 votos
repercussão, políticos poderosos en- “sim”, 227 votos “não”, além de 19 au-
volvidos nas denúncias, como Lula, sências e 2 abstenções.
Dilma, Aécio Neves, Moreira Franco, Em pronunciamento após a deci-
Eduardo Cunha, Geddel Vieira, entre são da Câmara, o presidente disse
outros citados, foram obrigados a co- que essa não é uma conquista pessoal,
joEslEy Batista
Em sua sala. mentar as acusações feitas por Batis- mas sim do estado democrático de
o EmprEsário quE ta. Todos, naturalmente, negaram irre- direito. “Posso dizer que agora segui-
Bancou políticos
passou a sEr
gularidades nos milhões de reais remos em frente com as ações neces-
contEstado por ElEs doados pela JBS para garantir seus sárias para concluir o trabalho que
interesses junto ao poder político. meu governo começou há pouco mais
O que se viu a partir das denúncias de um ano.” Para manter-se no cargo,
de Batista, que atingiram um amplo es- Temer liberou gastos públicos. Sua
mais informações sobre a gravação que pectro de partidos brasileiros, foi uma “conquista” teve um preço alto: só nos
fez com o presidente. Classificou di- sucessão de manobras para garantir a 13 primeiros dias de julho, o governo
versos integrantes do PMDB como sobrevivência de políticos envolvidos se comprometeu a gastar R$ 1,9 bilhão
“uma turma muito perigosa”. em esquemas de corrupção, incluindo com emendas. De janeiro a maio, o
Joesley falou também do PT e do ex- Temer. Manobras velhas para se defen- governo havia empenhado apenas
presidente Lula, que acusou de terem der na primeira votação na Câmara. R$ 102,5 milhões nas emendas de de-
institucionalizado a corrupção, espa- Manobras que funcionaram, mas um putados e senadores. Em junho, o va-
lhando organizações criminosas por espetáculo feio de ver. lor explodiu para R$ 1,8 bilhão. Isso em
ministérios, estados e estatais. Disse que, Na primeira denúncia contra o pre- meio a uma das maiores crises
a cada negócio fechado com o BNDES, sidente, a Procuradoria-Geral da Re- econômicas da história recente.
separava propina para o PT.
Na edição de 31 de julho de 2017,
ÉPOCA trouxe mais. A reportagem “As
provas da JBS” trazia documentos que
mostravam que a empresa destinou R$
22 milhões para atender a pedidos finan-
ceiros de Temer. Também trazia as notas
frias da campanha presidencial de José o EmprEsário
joEslEy Batista na
Serra (PSDB), depósitos na conta de An- saída da polícia
tonio Palocci (PT), além de pagamentos FEdEral. a jBs
EntrEgou provas
em dinheiro vivo para ministros, parla- dE pagamEntos
mentares e para o presidente do Senado, a políticos
Eunício Oliveira (PMDB). A JBS ainda
tem muito a dizer.
ÉPOCA 1000

Por que a imprensa livre tados Unidos (21o lugar) ou ao Brasil (51o lugar).
Informação crítica e independente não sobre-
é a única defesa da vive onde não há democracia.
sociedade contra Em vez de jornalismo, Estados autoritários
preferem arsenais bélicos, repressão política e
a expansão dos populistas propaganda patriótica. Quando a ditadura de
com tendências autoritárias Muammar Khadafi caiu, na Líbia, em 2011, ele
só tinha a seu lado uma facção das Forças Arma-
das, seus agentes repressores e a televisão estatal,
Eugênio Bucci
que funcionava como uma metralhadora de
Rússia não é uma democracia. No ranking mentiras. Esse tripé – as armas de fogo, a polícia
publicado anualmente pela revista ingle- política e os serviços de propaganda estatal –
sa The Economist – uma das referências constitui a receita essencial dos tiranos contem-
confiáveis para a classificação dos índices porâneos. Na Turquia (97a posição na lista da
de liberdade no planeta –, a terra do Economist), que até outro dia se proclamava uma
neoczar Vladimir Putin aparece no 134o “democracia islâmica”, ameaças, intimidações e
lugar, no bloco dos regimes autoritários. No mes- encarceramento de jornalistas fazem parte da
mo pelotão figuram monstrengos do arbítrio rotina. Nos regimes autoritários, verificação dos
como China (136o lugar) e Ruanda (138o). Para fatos é incompatível com a ordem pública.
que você tenha uma ideia do grau de opressão, No discurso oficial, o controle do Estado so-
basta dizer que Cuba, na 128a posição, é um pou- bre o noticiário cumpre uma função desinteres-
quinho menos autoritária que a Rússia, que só sada, altruísta e vital para o bem comum: neu-
não fica atrás de aberrações como a Coreia do tralizar as intrigas difundidas contra o interesse
Norte, que ostenta o 167o lugar, que também é o nacional e enaltecer o amor pela pátria e a con-
último. Na outra ponta, as nações mais demo- fiança na nação. Entre outras investidas gran-
cráticas do mundo são Noruega, Islândia, Suécia, diosas nesse campo, a Rússia lançou, em 2014,
Nova Zelândia, Dinamarca e Canadá. a agência de notícias Sputnik, orientada por
As possibilidades de o cidadão russo fiscalizar diretrizes governamentais, com objetivos que
o poder público são bem pequenas. As chances de vão além, muito além, das fronteiras nacionais.
que pessoas comuns sejam ouvidas pelos gover- A agência tem redações em 30 línguas diferentes
nantes são menores ainda, e nada garante que a e mantém atuação inclusive no Brasil.
sociedade receba informações confiáveis, inde- Quem olha a página da Sputnik na internet
pendentes, acuradas, sobre o que se conversa nos pode achar que lê um órgão de imprensa normal.
palácios onde são decretados os destinos nacio- Lá estão as notícias e os títulos redigidos em estilo
nais. Putin não é comunista, não é de esquerda, jornalístico e lá estão as fotografias explicadas por
não é liberal e não gosta de repórter. Na Rússia, legendas sintéticas. Os textos parecem reportagens
imprensa livre é uma improbabilidade técnica. comuns. Por baixo dessa roupagem, porém, a
Eugênio Bucci
é jornalista
Existe jornalismo por lá? Apenas na contra- agência cumpre a estratégia da fazer propaganda
e professor corrente. Há alguns heróis que fazem reporta- oficial. Eis aí um traço que se intensifica nos regi-
da ECA-USP gens corajosas e arriscam a vida. Em matéria de mes autoritários contemporâneos: neles, quem
liberdade de expressão, a Rússia não se compa- produz a notícia é o Estado, ou agentes aparente-
ra ao Canadá, à Alemanha (13o lugar), aos Es- mente neutros controlados pelo Estado.

72 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


A NÁ LISE

Um leitor
O autoritarismo depende desse jogo de apa- As tais redes sociais abrem canais preciosos de jornal na
rências. Precisa investir cada vez mais em uma para a comunicação, para o livre debate das ideias VenezUela.
o goVerno de
indústria de mídia que tem a aparência de um e para a difusão cultural, mas elas, sozinhas, não nicolás madUro
conjunto de redações independentes e livres. Para dispõem do método de que só as redações pro- tenta reprimir
continuarem onde estão, precisam forjar a apa- fissionais estão investidas. As redes sociais, por a liberdade
de imprensa
rência de democracia e, para forjarem essa apa- sinal, assim como sites de busca, não hesitam em
rência, forjam a aparência de jornalismo. É tam- fazer acordos de colaboração com regimes de
bém isso o que acontece hoje na China – que, não perfil totalitário, como o chinês, em detrimento
por acaso, controla com rédeas curtas os sites de do direito à informação e da privacidade das pes-
busca e as redes sociais –, em Angola (130o lugar) soas. Só a imprensa livre pode servir de antídoto
e na Venezuela (107o). Líderes autoritários antis- contra os boatos, as campanhas de desinforma-
socialistas, como Putin, ou alegadamente socia- ção maliciosas e as calúnias armadas pelos pode-
listas, como Nicolás Maduro, apostam no mes- rosos contra dissidentes ou opositores.
míssimo truque: estatizar a esfera pública. O que A democracia não está aí desde sempre.Ao con-
quer dizer isso? É instalar órgãos estatais para, trário, ela é uma invenção muito recente. Não tem
aberta ou veladamente, ocupar os ambientes de mais de dois séculos. A democracia ainda está em
comunicação entre as pessoas. construção, no Brasil e no mundo todo. Para que
Não nos enganemos. A única (atenção para a ela permaneça, cresça e se difunda, nós depende-
palavra: única) proteção que nós, cidadãos, temos mos do vigor da imprensa, dos jornalistas profis-
contra a expansão dos populistas é a instituição da sionais e das redações independentes. Muitas vezes,
imprensa livre. Não há outra. Não há nenhuma nós sabemos bem, a mentira consegue tapear os
outra.Apenas as redações independentes, integra- mais experientes jornalistas. Muitas vezes, a im-
das por jornalistas profissionais, trabalhando den- prensa falha em relatar a verdade dos fatos, assim
tro de marcos legais que assegurem liberdade de como falha em equilibrar as diversas opiniões e
investigação jornalística e também a liberdade de falha em seu dever de ser apartidária. Mas quando
expressão e de crítica, têm o dom de animar um você lê, como lê aqui, que a liberdade de impren-
ambiente de pluralidade em que a informação de sa é inegociável e que o jornalismo é essencial, não
interesse pública fique ao alcance do público. tenha dúvidas, você está lendo a verdade.

Foto: Wil Riera/Bloomberg via Getty Images 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 73


HELIO GUROVITZ

O jornalismo
na era da pós-verdade
O termo “pós-verdade” apareceu pela primeira vez em
1992 na revista The Nation. “Ditadores até agora tive-
ram trabalho para suprimir a verdade”, escreveu o roteirista
esportivas ou até alimentares. Mas, aplicada à política, à ciên-
cia ou ao jornalismo, é pura lorota. No mundo globalizado e
interconectado, a“emoção recuperou a primazia, e a verdade
Steve Tesich. “Hoje isso não é mais necessário. Como povo bateu em retirada”. As redes sociais forneceram um canal a
livre, decidimos viver num mundo de pós-verdade.” Em todo tipo de “fato alternativo”. Onde a tecnologia digital é o
2006, o comediante Stephen Colbert cunhou outra palavra hardware, a pós-verdade se tornou o software. “Retuitamos,
para o mesmo fenômeno: “truthiness”, algo como “verdadi- clicamos, compartilhamos sem checar”, diz D’Ancona. “Isso
ce”, definida como uma afirmação que tem jeitão de verda- tem consequência. Conspiramos, sabendo ou não, para des-
deira, que instintos e intuição julgam verdadeira – mas é valorizar a verdade, ao hibernar no buraco de Hobbit do
falsa, não resiste aos fatos. “Costumava ser assim: todos ti- lugar-comum, os rostos piscando à luz dos incontáveis sinais
nham direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos”, eletrônicos que reforçam o que já pensamos saber.”
disse Colbert.“Não é mais o caso. Fatos não importam. Per- Para as populações ressentidas com a globalização, não
cepção é tudo. É certeza.” Dez anos se passaram há antídoto ao pensamento mágico ou às teorias
e, diante das fotos da posse de Donald Trump, da conspiração e suas explicações reconfortantes.
sua assessora Kellyanne Conway saiu-se com a “A força popular delas depende não da evidência,
expressão “fatos alternativos” para qualificar a maas de sentimentos.” Elas se nutrem do colapso da
visão estapafúrdia da Casa Branca sobre a mul- connfiança nas instituições – políticos, academia e
tidão, “a maior a ver uma posse”. A vitória de imprensa.“A tarefa do jornalismo é revelar a com-
Trump e o Brexit levaram os dicionaristas de pleexidade, as nuances e paradoxos da vida pública”,
Oxford a eleger “pós-verdade” como palavra do dizz D’Ancona.“Justamente quando a confiança na
ano em 2016. Os exemplos mostram que o pro- imp prensa é mais necessária, ela caiu aos níveis mais
blema não começou agora. “É tentador atribuir baiixos.” No lugar de informações verídicas, proli-
a ascensão da pós-verdade a Trump. Tentador e LIVRO
O DA S
SEMANA ffera a propaganda – do tabaco às mudanças climá-
errado”, escreve o jornalista Matthew d’Ancona Post-truth ticas; das vacinas ao déficit da Previdência. Em
em Post-truth.“Trump é mais sintoma que causa.” Matthew d’Ancona resposta, a imprensa dobrou a aposta em forças
Ex-diretor de redação da conservadora The Every Press que a levaram ao sucesso no passado. Em vão. No
Spectator e um dos mais prestigiados colunistas 2017 pântano da pós-verdade, isso surte o efeito contrá-
no Reino Unido, D’Ancona produziu um ma- 176 páginas rio. “Os inúmeros sites de checagem de fatos se
£7
nifesto em defesa do Iluminismo, da ciência e revelaram uma força inadequada contra a enxur-
do jornalismo, ameaçados pela “pós-verdade”. rada torrencial das redes sociais.”
Não se trata da mesma coisa que mentira. “A novidade Se quiser sobreviver, o jornalismo precisará mudar. Claro
não é a mendacidade dos políticos, mas a resposta do que empresas digitais, como Google e Facebook, têm de re-
público”, afirma. “Não esperamos mais que falem a ver- conhecer sua responsabilidade como distribuidores de in-
dade. O que importa não é a deliberação racional, mas a formação. Mas a imprensa precisa deixar de lado glórias e
convicção estabelecida.” A certeza predomina sobre os fórmulas do passado para seduzir de volta o público, deso-
fatos, o “visceral sobre o racional”, o “enganosamente sim- rientado em meio à avalanche. Para D’Ancona, é preciso
ples sobre o honestamente complexo”. aprender com o inimigo, adotar uma narrativa simbólica tão
A “pós-verdade” surgiu com os filósofos do pós-moder- poderosa quanto a da propaganda.“O contra-ataque precisa
nismo, cujo pensamento “frequentemente abstruso e impe- ser emocionalmente inteligente, além de rigorosamente ra-
netrável” se popularizou. Deriva de pensadores como o cional.” É preciso levar o público a recuperar a sensibilidade
francês Jean-François Lyotard – “não há fatos, apenas inter- para o “fedor das mentiras”. Mas isso não acontecerá espon-
pretações” –, o americano Richard Rorty – “verdade é aquilo taneamente. “É um erro assumir que a apatia é inevitável”,
com que meus colegas me deixam fugir” – ou o russo Ale- diz ele. “A verdade é descoberta, não distribuída, é um ideal
xander Dugin – “verdade é questão de crença, não há fatos”. a almejar, não um direito indolente.” u
Para eles, a verdade humana mais profunda é emocional,
subjetiva e prescinde dos fatos. Tal visão tem seu valor quan- Helio Gurovitz é jornalista hgurovitz@edglobo.com.br (e-mail)
do estão em jogo preferências amorosas, sexuais, artísticas, @gurovitz (Twitter) http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/ (web)

74 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


brunoastuto@edglobo.com.br

A noiva
do ano
Marina Ruy Barbosa garante estar
tranquila com a proximidade de
seu casamento com o empresário
e piloto de Stock Car Xandinho
Negrão, que acontecerá em duas
etapas: uma cerimônia religiosa em
Goiás, no final de setembro, e a festa
em si, no dia 7 de outubro, na casa
dos pais do noivo, em Campinas.
“Não estou pirando”, avisa. Ela
pediu às madrinhas que vistam rosa
e está contando com a ajuda da mãe
e da sogra para os preparativos. “Já
fiz as provas tanto do vestido de
noiva quanto o da bênção.” Marina
acaba de lançar uma coleção de
joias em parceria com a Vivara e
conta que até agora não escolheu
as alianças. “Estamos em dúvida
ainda, são muitos modelos lindos.”
A lua de mel vai ser curtinha, apenas
uma semana num resort de luxo
na África. “No dia seguinte da volta
da viagem, começo a gravar a nova
novela das 7, Deus salve o rei.” Ela
viverá Amália, uma camponesa
que se envolve com um príncipe,
interpretado por Renato Góes.

Com a corda toda


Seguida por uma legião de 8 milhões de fãs no YouTube, com 1,3 bilhão de
acessos a seus vídeos, a violinista americana Lindsey Stirling está de malas
prontas para vir ao Brasil, em shows em Belo Horizonte, São Paulo e Rio
de Janeiro nos dias 24, 25 e 26. Não é a primeira vez que ela traz ao país sua
mistura de música erudita com eletrônica. “Os fãs foram tão maravilhosos
comigo da última vez que tive de voltar”, diz a artista de 30 anos, revelada
pelo programa America’s got talent. Apesar do sucesso, Lindsey diz que não
se considera uma celebridade. “Eu me sinto a vizinha do lado, que gosta
de tocar o violino e que corre atrás de liquidações nas lojas. Gosto de fazer
coisas banais, sempre de bicicleta, e receber amigos para um churrasco.”

76 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


Com Acyr Méra Júnior e Guilherme Scarpa

Garotas da capa
Para celebrar os 42 anos da Vogue
Brasil, será inaugurada no dia 25,
no Shopping Cidade Jardim, em São
Paulo, uma exposição com 100 capas
emblemáticas da publicação. Um
dos destaques é a raríssima edição
número 1, que trazia a socialite Betsy
Salles, então Monteiro de Carvalho,
fotografada por Otto Stupakoff (ao
lado). Mas não faltarão os exemplares
com as tops ícones da revista. “É uma
publicação que dita moda, lança
modelos, fotógrafos e estilistas. Tenho
guardada minha primeira capa, eu
era tão novinha”, diz Carol Trentini.
“Estar na Vogue é como um atestado
de qualidade para quem trabalha com
moda”, completa Isabeli Fontana. “A
primeira vez em que passei numa banca Bronco
e me vi na capa da Vogue, meus olhos
se encheram de água”, desmancha-se sensível
Lais Ribeiro. Giovanni Frasson, que Intérprete de Zeca, o
por 27 anos foi diretor de moda da caminhoneiro bronco
revista, entrega sua capa símbolo: “A que vive uma paixão
edição especial com a Hebe Camargo de gato e rato com a
foi
f i uma das
d mais i emocionantes”.
i ” policial Jeiza na novela
A força do querer,
Marco Pigossi conta
Mais afeto, que buscou no humor
por favor a ferramenta para
amenizar o machismo
Acaba de entrar no ar, nas do personagem.
plataformas digitais, o embriãão “Ele tem uma visão
do que será o novo programaa equivocada sobre a
de Lázaro Ramos na Globo, o mulher na sociedade.
colaborativo Lazinho com voccê. A Os planos da Jeiza não
estreia é prevista para dezembbro. incluem se casar e ter
“Queremos ser um projeto filhos, ela prioriza a
de inclusão, contar histórias carreira. Precisamos
edificantes. Nossa vibração é de ouvir as mulheres e nos
trazer o melhor lado da internnet, colocarmos no nosso
focar no afeto, e não no ódio.. Só lugar”, sugere o ator,
preciso parar de dormir com o que faz análise desde
celular no criado-mudo, senãão os 18 anos. “Acho que é
não paro de ficar olhando”, diiz o fundamental, ajuda a me
ator. “A empatia acontece quaando entender melhor. Sou
me comporto como quando bem menos interessante
estou com minha família e oss que meus personagens,
amigos, quando há espaço paara o tranquilo, nada vaidoso.”
humor. Mas sou muito autoccrítico, Avesso às badalações
acho que contei piadas demais, da fama, Marcos
me emocionei demais.” Ele see defende a discrição
prepara para gravar mais um ma na vida pessoal. “A
temporada de Mister Brau, ao o privacidade vai voltar
lado da mulher, Taís Araújo. a estar na moda.”

Fotos: Lu Prezia, Reprodução/Vogue Brasil, Estevam Avellar/ 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 77


TV Globo, Sérgio Zalis, divulgação
BRUNO ASTUTO Leia a coluna diária de Bruno Astuto em epoca.com.br

E N T R E V I S TA
Samba na
ponte aérea
FERNANDA MONTENEGRO Trinta e dois Carnavais depois
ATRIZ
de ter ajudado a verde e rosa a

“Vai me dar pena na hora


ganhar o título com o samba-
enredo “Caymmi mostra
ao mundo o que a Bahia e a

de ir embora” Mangueira têm”, Ivo Meirelles


quer voltar aos desfiles da
Sapucaí em 2018. Ele está na
disputa com sambas em duas

P restes a completar 88 anos, Fer-


nanda Montenegro está com os
cabelos louros para interpretar uma vi-
escolas, a carioca Grande Rio e a
paulistana Mocidade Alegre – os
resultados sairão em setembro.
dente em O outro lado do paraíso, a pró- Mangueirense inveterado, o
xima novela das 9. “Eu ainda me estra- músico antevê confusão. “A
nho, mas ator nunca tem a sua própria Mangueira é meu DNA, nasci
cara”, brinca ela, que aparecerá com as lá, mas 98% da diretoria não
madeixas antigas, morenas, no novo gosta de mim, não me curte.
quadro do Fantástico, “Nelson – Por ele Isso me deixa impotente na
mesmo”, que estreia no dia 3. Ao lado de escola. Quando eu descobri que
Otávio Müller, a atriz resgata temas a Grande Rio iria homenagear
como adultério, futebol e tragédia, pre- o Chacrinha e a Mocidade a
sentes na obra de Nelson Rodrigues. Alcione, deu muita vontade de
“São reportagens em torno de uma crô- disputar. Mas é uma loucura,
nica. Ele é a cara do Brasil.” vão tacar pedra em mim, não
é?”, indaga. Ele trocou o Rio de
ÉPOCA – Nelson Rodrigues dizia que Janeiro por São Paulo. “Aqui
“sucesso destrói o artista”. Concorda? sou mais respeitado. Para os
Fernanda Montenegro – O problema cariocas, sou santo de casa.”
é as pessoas transformarem sucesso
em glórias. Sucesso é o que sucede. OTIMISMO REALISTA
Vim com essa vocação e nunca me “Há um país em Brasília colonizando o
deslumbrei. Quero fazer direito meu tra- Brasil”, diz a atriz Fernanda Montenegro
balho, vibro com o acontecimento. Às
vezes, bate algo mais, como uma ida ao
Oscar. Foi ótimo, mas acabou. É como Fernanda – Não sou viciada nisso,
no teatro: nem sempre você repete hoje mas, ao mesmo tempo, sou disso. Não
o momento que alcançou ontem. Tem tenho devoções irracionais, mas me
dia que é um mundo de gente, tem dia bate na consciência que é possível que
que não tem ninguém. haja essa transcendência. Santo Agos-
tinho dizia que “se você duvida, é por-
ÉPOCA – A proximidade dos 90 anos que você crê”. Essa frase põe a gente
a assusta? no colo. Então, creio, tenho fé.
Fernanda – Eu penso na finitude, por-
que está perto. Tenho menos tempo ÉPOCA – É otimista com o futuro do
adiante do que aquele que já passou. E país?
isso não é uma festa. Na hora de ir, eu Fernanda – Tenho um otimismo realis-
vou ter pena. Eu gosto muito da vida, o ta, porque a condição humana é falha.
que eu vou fazer? Não foi fácil, mas dá Todos nós somos atores nesse palco
pena. Seja o que Deus quiser. que é o mundo. Há um país em Brasília
colonizando o Brasil. Se você pega
ÉPOCA – Você viverá uma vidente na Shakespeare e lê, vê que a humanidade
TV. Qual é sua relação com a espiri- realmente é complicada. A gente não
tualidade? sabe o terror que está atravessando.

78 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017 Fotos: Estevam Avellar/ TV Globo, Cauê Garcia / CG1 Comunicação
WA L C Y R C A R R A S C O

O país está melhorando?


Para quem?
R ecebo o e-mail de uma amiga. Oferecia um aparta-
mento de três quartos, avaliado em R$ 1,8 milhão, por
apenas R$ 1 milhão. Negocião. Respondo: não tenho di-
tudo mais. Estancaram o pagamento da aposentadoria da
velha. O raciocínio é simples: jovens gritam e fazem mani-
festações. Velhos, encolhidos em um canto, não têm orga-
nheiro para comprar. Um corretor do Rio de Janeiro, que nização e condição física. Quem decide, resolve: danem-se
me ofereceu um excelente ponto comercial há seis meses os velhos. Simplesmente deixaram de pagar. O professor
por R$ 3,5 milhões, escreve com nova proposta: R$ 2,9 continuou segurando a situação, apertadíssimo. Dá aulas
milhões. Lamento, mas não posso. Um amigo foi, há um numa universidade carioca. Agora, não pagam seu salário
ano, para a França. Clandestino. Passou fome, mas trabalha tampouco. Tem de comparecer às aulas, para não ser exo-
em restaurante. Pinta paredes. Anunciou que voltaria ao nerado. Quando há aulas. Recentemente, ao chegar, a fa-
país no final do mês. Acaba de desistir. culdade estava às escuras: não havia pagado a conta de luz.
– Disseram que a coisa aí está brava. Eu, um simples cidadão, leio as pesquisas e me surpreen-
Passeio pela região nobre dos Jardins, em São Paulo. É do: o país está melhorando! Há mais empregos com car-
incrível o número de pontos comerciais desocupados. Antes, teira assinada. Mais oportunidades de trabalho. Penso:
as pessoas se estapeavam para conseguir algum. Lojas fe- devo estar no país errado. Esse, em lento ritmo de cresci-
chadas. Grifes estrangeiras partindo. Mas abro o jornal e mento, mas crescimento, é o Brasil. Vamos ver. Entro no
leio autoridades afirmarem que a situação está melhorando. Google. Procuro um mapa. São Paulo é mesmo no Brasil?
Minha percepção do mundo é pequena, Verifico. É. Mas em qual Brasil? Nesse que
restrita a amigos, conhecidos e falatórios. dizem melhorar ou no das pessoas que
Não sou um instituto de pesquisa. Mas o sofrem com prejuízo atrás de prejuízo?
dia a dia é doloroso. Um amigo não tem AUTORIDADES Bem, no Brasil em que vivo há muita coi-
como pagar o plano de saúde da mãe, ido- sa linda. O prefeito de São Paulo, João
sa. Se não pagar, ela ficará nas mãos da
AFIRMAM QUE O BRASIL Doria Jr., está construindo muros verdes
saúde pública. Sua expressão é aterroriza- ESTÁ MELHOR. ALGUÉM na Avenida 23 de Maio. São incríveis. Vai
da. A classe média tem pavor da saúde PODE ME DIZER ONDE colocá-los em outros lugares dessa cidade
pública. Entre os que ganham menos, cinzenta. Mas minha empregada, dois
obrigados a recorrer a ela, há histórias fol- FICA ESSE PAÍS A filhos, recebia duas latas de leite em pó
clóricas. Como a da jovem grávida cujo QUE SE REFEREM? por mês, por criança. Agora, é só uma.
exame pré-natal foi marcado para dali a Mais uma vez, não critico ninguém. Não
dez meses. Óbvio, a criança nasceu antes. sei quem tomou diretamente a decisão
Mas isso porque o país está melhorando. sobre o leite. Gosto dos muros verdes.
Obras públicas paradas. Foram construídos os pilares Talvez eu esteja completamente errado e minha per-
para o Veículo Leve sobre Rodas, em São Paulo, na Avenida cepção seja só isto: uma sensação individual. Até falam
Roberto Marinho, no caminho para o aeroporto de Gua- em aumento de impostos. O governo deve imaginar que
rulhos. O projeto era para a Copa, lembram-se? As enormes a sociedade aguenta, portanto. Que ganhamos o suficien-
vigas estão abandonadas, sem explicação. No final da ave- te para pagar mais ao governo, além do que já gastamos
nida, um canteiro de obras foi invadido por usuários de com plano de saúde, escola particular. Falei em plano de
crack. Ninguém dá a menor satisfação. No Rio de Janeiro, saúde? Ah, sim. Você paga. Mas, no caso de uma operação
a famosa ciclovia continua sem uso, desde que um pedaço grave, o médico costuma cobrar à parte. O plano paga
dela caiu. Os responsáveis criaram uma ciclovia à beira-mar, pouco para ele, e a diferença sai do meu e do seu bolso.
no penhasco. E não calcularam que uma onda poderia ba- E tem mais, muito mais. Mas o país está melhorando!!!
ter e arrancar um pedaço. É piada? Não, um desastre. No Eu é que devo estar no lugar errado, ainda não entendi
Rio de Janeiro, como se sabe, não há verbas para pagar os muito bem o que está acontecendo. Alguém pode me dizer
salários dos funcionários públicos, sempre atrasados. Ah, onde fica esse novo Brasil? u
sim. A culpa é dos aumentos concedidos por governos an-
teriores. Mas o país não estava melhorando?
Um professor universitário cuida da tia, aposentada. Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros,
Pulava fino para dar conta das despesas com remédios e peças teatrais e novelas de televisão

21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 79


T E M P O L I V R E ? E S Q U E Ç A . E I S O Q U E V O C Ê P R E C I S A FA Z E R N E S TA S E M A N A

LIVRO
2 horas

Homem
“explicanista”
A escritora
americana Rebecca
Solnit começa o
livro Os homens
explicam tudo
para mim com um
ensaio homônimo
que narra um
episódio curioso: um
homem passou uma
festa inteira falando
de um livro que ela
“deveria ler”, sem
lhe dar a chance
de dizer que ela era
a autora. Nos oito
ensaios seguintes,
Rebecca retrata,
com coragem
e perspicácia,
as dificuldades
de combater
o machismo
mascarado da
sociedade, que
insiste em não
reconhecer os
problemas que
afetam as mulheres
todos os dias.
Provocativa,
Rebecca reforça
a importância do
feminismo. Cultrix,
208 páginas, R$ 34.
QUADRINHOS
2 horas

Duas vidas de cão


“Lamento por você estar nessa gaiola em vez de solta por aí. Eu já fui preso...”, diz Serguéi Pávlovitch
Korolióv (1907-1966), o engenheiro que mandou os soviéticos para o espaço, à “cosmocadela” Laika. A
graphic novel Laika, do quadrinista britânico Nick Abadzis, narra as desventuras da famosa cadelinha,
resgatada das ruas de Moscou para ser o primeiro ser vivo numa viagem espacial, e de Korolióv,
um gênio que amargara anos na prisão e em campos de trabalho siberianos por causa da tirania do
regime stalinista. Os traços e as cores de Abadzis enchem de afeto uma história ambientada em meio
à rigidez arquitetônica e ideológica da extinta União Soviética. Barricada, 208 páginas, R$ 59.

80 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


Por Nina Finco, mfinco@edglobo.com.br,
e Ruan de Sousa Gabriel, rsgabriel@edglobo.com.br

CINEMA
2 horas

Bozolândia
Nos anos 1980, um artista que sonha com
a fama encontra sua grande chance ao se
tornar Bingo, um palhaço que comanda
um programa infantil de sucesso na TV.
Devido a uma cláusula no contrato, ele não
pode revelar sua identidade. Bingo – O
rei das manhãs é estrelado por Vladimir
Brichta. O filme de Daniel Rezende LIVRO
é baseado na trajetória de Arlindo 2 horas
Barreto, o Bozo. Estreia no dia 24/8.
Um mistério
da ditadura
Em 4 de agosto de
1970, o diplomata
brasileiro Paulo
Dionísio de
Vasconcelos foi
encontrado sem vida
num carro ao lado
de um bosque em
Haia, na Holanda. Em
24 horas, a polícia
holandesa conclui
por suicídio, numa
investigação que
CINEMA deixou de lado cartas
2 horas com ameaças ao
diplomata expedidas
Entre malas e mágoas a partir de Londres.
Baseado no livro de memórias Em A morte do
homônimo da jornalista Jeannette Walls, diplomata – Um
O castelo de vidro conta a história mistério arquivado
pouco convencional de sua infância, pela ditadura, o
DANÇA
2 horas passada com seus três irmãos sob experiente jornalista
os cuidados de pais absolutamente Eumano Silva, ex-
Terreiro em transe disfuncionais. Jeannette lida com a fome chefe da sucursal de
No linguajar das religiões afro-brasileiras, como a umbanda e as mudanças constantes de cidade. ÉPOCA em Brasília,
e o candomblé, a palavra “gira” denomina a roda de fiéis que Depois de adulta, ela (interpretada por reconstitui a morte de
cantam e dançam em louvor aos orixás que se manifestam Brie Larson) confronta seu pai (Woody Vasconcelos, depois
no terreiro. O termo é uma corruptela de alguns nomes de Harrelson). Estreia no dia 24/8. de minuciosa pesquisa
Exu (como “Bombojira”), o orixá que atua como mediador que incluiu acesso ao
entre o reino espiritual e o mundo dos homens. Gira é diário do diplomata e
também o título do novo espetáculo do Grupo Corpo, fruto a documentos oficiais
da parceria da companhia de dança mineira com o trio inéditos. O livro-
paulistano Metá Metá, composto de Juçara Marçal, Thiago reportagem revela
França e Kiko Dinucci. A trilha sonora criada pelo Metá também detalhes
Metá tem a participação de Elza Soares em duas canções da pouco conhecida
e mistura os tambores dos terreiros aos ritmos do jazz. colaboração do
No palco, os bailarinos dançam e contorcem seus corpos Itamaraty com a
como se estivessem em transe. Theatro Municipal, Rio de repressão da ditadura.
Janeiro, de 23 a 27/8. Palácio das Artes, Belo Horizonte, Tema Editorial, 208
de 2 a 6/9. Teatro do Sesi, Porto Alegre, dias 7 e 8/10. páginas, R$ 35.

Fotos: divulgação 21 de agosto de 2017 I ÉPOCA I 81


RUTH DE AQUINO

O mundo
somos nós
Q uando decidi ser jornalista, nos anos 1970, me pergun-
taram se eu queria mudar o mundo. Respondi que não
tinha essa ambição. Queria conhecer o mundo, a trabalho.
O mundo não é amistoso ou pacífico. Nunca foi. Ditadu-
ras, guerras e genocídios sempre existiram. Hoje, vemos o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, complacente
Escolhi o jornalismo internacional, para depois voltar a meu com movimentos racistas como a Ku Klux Klan. Vemos o
Rio de Janeiro. Hoje, penso que, nos meus 19 anos, havia ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ameaçando o
uma sabedoria inocente na resposta. Para mudar algo, é mundo com um ataque nuclear. Testemunhamos o êxodo
preciso conhecer. Entender. Perguntar, mais que responder. forçado dos sírios, com crianças órfãs, feridas, mutiladas ou
Quando o jornalista revela uma injustiça, um malfeito mortas pela guerra insana de ditadores. Vemos as mortes e
– ou, na outra ponta, joga luz num bom exemplo e conhe- prisões na Venezuela de Nicolás Maduro, a fuga em massa
cimento num fato histórico –, ele espera que a sociedade para escapar da miséria e de mais de 700% de inflação.
reaja. E a sociedade somos todos nós. Por pressão nossa, Vemos mulheres mortas por ser mulheres. Homossexuais
todos juntos, a criação do Fundo da Vergonha de R$ 3,6 mortos por ser homossexuais. Vemos a ganância que des-
bilhões para as campanhas eleitorais de 2018 balança e trói o meio ambiente e torna nosso ar irrespirável – e, pior,
naufraga. O mesmo aconteceu com o aumento indecente continua impune, como os criminosos que mataram um
de 16,7% para procuradores e juízes. rio e uma cidade em Minas Gerais. Vemos o uso da fé para
Nada disso resolve a crise moral e fiscal do Brasil. Mas aju- extorquir e para alimentar projetos de poder político.
da saber que a pressão pode mudar rumos. Tudo isso exige de nós um esforço
O juiz de Mato Grosso que recebeu no con- sobre-humano para resistir e melhorar
tracheque meio milhão de reais, entre salá- o entorno. Vimos o jovem médico bra-
rios e benefícios, pode ser um personagem QUALQUER PESSOA sileiro que voltou às Ramblas após o
em extinção no país. A imprensa o mostrou. atentado, para socorrer os feridos. A van
O juiz Mirko Giannotte disse: “Não estou
PODE FAZER branca vinha em sua direção e a gritaria o
nem aí”. É justo, dentro da lei. Pessoal, nós DIFERENÇA. PODEMOS empurrou para se abrigar numa cafeteria.
precisamos mudar muitas leis para o Bra- MELHORAR O QUE NOS Ele não fez mais que sua obrigação de
sil reduzir o abismo social e enfraquecer o médico ao voltar? Bernard Campos, de
regime de castas.Vamos fazer mais pressão. CERCA. O PRÉDIO. 26 anos, seguiu sua consciência. Levou
Esta edição de ÉPOCA, o núme- A CIDADE. O PAÍS uma asiática de 30 anos para o hospital
ro 1.000, é dedicada a reportagens que porque as ambulâncias demoravam. Fez
ajudaram de alguma forma a mudar o das mãos dele um colar cervical e pediu
mundo para melhor. Não é fácil. Hoje, quando todas as soro. “Vou ter de esquecer isso”, disse. Não esqueça que
tragédias chegam ao vivo a nossos celulares 24 horas por você contribuiu para um mundo melhor, Bernard.
dia, sem filtro ou análise prévia, as redes sociais incham de Qualquer pessoa pode fazer diferença. Não é preciso ser
indignação, impotência e também de intolerância. São os jornalista ou exercer um cargo influente. Se não mudarmos
terroristas islâmicos que matam turistas com uma van nas por dentro, nada mudará por fora. A atitude individual
Ramblas, em Barcelona, ou os neonazistas armados que conta. A comunitária também. Podemos melhorar o que
atropelam judeu, negro ou branco antirracista em Char- nos cerca. Primeiro, a família e nossa casa. A relação com
lottesville, nos Estados Unidos. Tudo numa semana só. os amigos próximos. Os vizinhos. Os colegas de trabalho.
No Rio de Janeiro, além dos arrastões nas vias expressas, O prédio. A rua. O bairro. A cidade. O estado. O país.
vemos uma explosão de moradores de rua e favelas sitiadas Podemos mudar a forma de encarar o mundo. E a forma
por tiroteios e pelo tráfico pesadamente armado. Em São de agir. Escuto que somos a média das cinco pessoas com
Paulo, vemos as cracolândias e as comunidades fixas de quem mais convivemos. São pessimistas, resignadas ou in-
sem-teto sob viadutos, num estado que sofre um roubo a conformistas? Podemos cultivar as semelhanças, em vez das
cada 30 segundos, muitos deles seguidos de morte. diferenças. Podemos ter uma causa, uma paixão, podemos
Como mudar tudo? Como, se Brasília é uma ilha da fan- ser indignados otimistas. Parabéns aos jornalistas que fazem
tasia em que a nutricionista e a roupeira da primeira-dama, sua parte. E a você, que faz sua parte como cidadão. u
Marcela Temer, desfrutam apartamentos funcionais e privilé-
gios? A imprensa denuncia. E sua pressão pode influenciar sim. Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br

82 I ÉPOCA I 21 de agosto de 2017


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