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Psicologia e Genética:

O Que Causa o Comportamento?

Marco Montarroyos Calegaro, MSc

A genética comportamental é uma disciplina científica que


estuda os mecanismos genéticos e neurobiológicos
envolvidos em diversos comportamentos animais e
humanos. Podemos caracterizá-la como uma área de
intersecção entre a genética e as ciências de
comportamento.

A engenharia genética forneceu as ferramentas necessárias


ao estudo do comportamento associado à genética
molecular. Isto permite que, progressivamente, possamos
avançar na identificação de genes capazes de modular
certos comportamentos, e de entender como estes genes
interagem com o ambiente na formação de traços normais e
patológicos da personalidade humana.

O impacto dessa área de conhecimento na Psicologia é tremendo. Estamos vivendo uma


verdadeira revolução no entendimento das causas do comportamento. No entanto, a
Psicologia, particularmente aqui no Brasil, parece desconhecer estes avanços. Um
conjunto de premissas teóricas e metodológicas que podemos chamar de “modelo padrão
de causalidade do desenvolvimento da personalidade” exerce um efeito profundo sobre a
população leiga e, infelizmente, na maioria dos profissionais em psicologia. A expressão
“efeito paradigma” cunhada pelo cientista social Joel Barker aplica-se neste caso- o
paradigma tradicional filtra a percepção de modo a impedir a emergência de um novo
paradigma.

Comportamento e genética

A história da rejeição dos achados da genética tem um ponto importante nas idéias
nazistas. O azismo tentou usar a genética para amparar sua teoria da superioridade
ariana, considerando como seres inferiores os negros, ciganos, eslavos, retardados e
deformados, justificando assim o seu envio para campos de extermínio. É desnecessário
comentar que essa interpretação é pura fantasia de mentes doentias e não tem qualquer
embasamento científico.

A psicologia americana na época da segunda guerra mundial era radicalmente


ambientalista, e em função da associação “nazismo-genética” afastou-se ainda mais
dessa ciência. Admitir diferenças genéticas entre João e Pedro em habilidades cognitivas,
por exemplo, seria aceitar os pressupostos que justificariam o fascismo e o racismo. Até
hoje encontramos essa concepção no meio acadêmico de esquerda da Psicologia.
Apesar de partilhar da preocupação em rechaçar ideologias de extrema direita, acredito
que não é mais possível sustentar este tipo de crítica à genética pois é baseada em um
equívoco grosseiro.
Uma outra concepção que afasta as pessoas do reconhecimento das contribuições da
genética comportamental é a posição já ultrapassada do “determinismo genético”,
combinada ao que é referido na literatura (Rachels, 1991) como “falácia naturalista”. O
“determinismo genético” postula que certos aspectos nossa personalidade e nosso
comportamento seriam definidos por nossos genes, de modo inescapável. Essa posição
está completamente ultrapassada, sabemos hoje que todo comportamento depende, em
maior ou menor grau, de fatores genéticos e de fatores ambientais, interagindo de
maneira extremamente complexa.

A palavra determinação é equivocada, e deve ser substituída por expressões como


tendências, propensões ou influências genéticas. Os genes definem tendências, mas são
as experiências individuais que, sempre, as modulam. Qualquer gene precisa, para haver
a chamada expressão adequada, de determinadas circunstâncias externas, sejam
bioquímicas, físicas ou fisiológicas. A pergunta clássica “este comportamento é herdado
ou adquirido pela experiência?” perde completamente o sentido, dando lugar à difícil
questão “como é que os genes interagem com o ambiente na produção deste
comportamento?.”

A “falácia naturalista” (Rachels, 1991) é outra noção perigosa, mas espantosamente


difundida. Refere-se a um equívoco na interpretação da teoria de evolução, estendendo-
se a qualquer característica que seja diretamente influenciada pelos genes. Refere-se ao
salto entre aquilo que “é” para o que “deve ser”. Ou seja, cair na “falácia naturalista” é
concluir que, se nossa espécie apresenta uma característica comportamental com
modulação genética (aquilo que é), então esse seria o padrão “natural” ou “correto” de
conduta (aquilo que deve ser). Em um exemplo, se as pesquisas demonstram uma forte
tendência masculina para a infidelidade conjugal (Buss, 1994), e admitindo-se uma base
genética para esta diferença sexual, não poderíamos sustentar a inevitabilidade da traição
masculina, uma vez que é o comportamento “natural”?

Darwin concebeu a seleção natural como um processo mecânico, sem planejamento


antecipado e sem qualquer implicação moral. O certo ou errado, no sentido daquilo que
deveria ser, não pode ser deduzido a partir da teoria darwiniana, embora esta teoria
possa nos dizer como evoluiram nossos sentimentos morais. Portanto, a tentativa de
atribuir valores morais a um comportamento pelo fato dele ter sido selecionado não tem
qualquer sentido. A propensão genética para a infidelidade não a torna inevitável (os
homens podem perfeitamente controlar este impulso) ou moralmente aceitável. O mesmo
raciocínio vale para qualquer tendência com componentes genéticos –não tem qualquer
sentido justificar eticamente um padrão de comportamento argumentando que este é o
“natural”, pois outros critérios devem ser usados para avaliar as conseqüências de nossos
atos.

Herdabilidade e determinismo genético

Para compreender as contribuições da Genética Comportamental para a Psicologia é


necessário discorrer um pouco sobre um conceito importante desta disciplina, mas que
freqüentemente é mal interpretado: a herdabilidade (heritability). Herdabilidade é uma
medida estatística que é expressa como um percentual. Essa percentual representa, em
última análise, a extensão em que os fatores genéticos contribuem para variações, em um
dado traço, entre os membros de uma população.

Se afirmamos que um traço é 50% herdado, isto tem que ser entendido como afirmar que
metade da variância naquele traço está ligado à hereditariedade. Herdabilidade é um
modo de explicar as diferenças entre as pessoas. No entanto, isso significa que a
influência dos genes em um determinado traço será elevada se a herdabilidade também
for alta.

É evidente que a quantificação da influência dos genes em um dado traço não implica no
“determinismo genético”. Biologia não é destino, e os recentes estudos em genética
comportamental na verdade confirmam a importância dos fatores ambientais. Mesmo uma
característica fortemente hereditária como a fenilcetonúria pode ter a sua expressão
fenotípica modulada de modo decisivo pelo ambiente. Alterações nutricionais podem
permitir uma vida normal aos portadores destes genes -mas que sem essas mudanças da
dieta certamente desenvolveriam o problema.

Na realidade, o percentual de herdabilidade não é algo fixo, estático. O conceito só


adquire seu significado se partirmos do pressuposto de que os fatores ambientais
ocorrem de modo mais ou menos homogêneo em uma dada população. Na medida em
que existe uma influência atípica de algum fator, o meio passa a ser mais responsável,
em termos relativos, pelas diferenças observadas entre os sujeitos.

Um outro aspecto importante que ocasiona confusão e mal-entendidos é a chamada


influência poligênica. O comportamento não é diretamente influenciado pelos genes, no
sentido de uma relação de 1: 1 entre um gene e um comportamento. A maioria das
características complexas é modulada pela ação de vários genes, o que também é
chamado de influência poligênica. Na realidade, quem produz o comportamento é o
cérebro, através do processamento que ocorre em circuitos neurais específicos. Mas são
os genes que influem poderosamente no desenho do cérebro, predispondo o organismo a
responder aos estímulos de certo modo -com uma preferência por certas classes de
estímulos, por exemplo.

Cada célula nervosa expressa genes que, em última análise, governam a síntese de
determinadas proteínas. Um circuito neural envolvido com uma forma de comportamento
requer normalmente todo um conjunto de proteínas (tanto estruturais como catalíticas)
sintetizadas no tempo e lugar certos para reger o desenvolvimento e a função
desempenhada pelas células nervosas. E isso tudo é orquestrado pelos genes.

No entanto, apesar de muitas características sofrerem ação poligênica, as vezes um só


gene pode ter efeitos decisivos no comportamento. Pesquisas com animais muito
simples, como o nematódio C. elegans, a mosca da fruta Drosophila melanogaster e o
camundongo Mus musculus revelam a importância de genes específicos no
comportamento. Mesmo em animais complexos um único gene pode ser significativo. Em
humanos, na doença de Huntington, um gene sintetiza uma proteína grande, também
chamada Huntington, e como resultado ocorrem perdas de neurônios colinérgicos e
GABAérgicos (que promovem a neurotransmissão através da acetilcolina e ácido ?-
aminobutírico) entre outros efeitos. Ou seja, um único gene pode ter um efeito devastador
no comportamento, dependendo das conseqüências específicas de sua ação.

Gêmeos e comportamento

Mas será que um comportamento complexo como o envolvido com o divórcio, para citar
um exemplo curioso e polêmico, poderia ser influenciado pelos genes? Se uma
característica, como a inclinação ao divórcio, é realmente influenciada pelos genes,
podemos prever o seguinte: se um gêmeo idêntico se divorcia, a chance do outro se
divorciar seria grande também, pois os mesmos genes estariam em ação. Os gêmeos
fraternos não apresentariam essa correlação de modo tão intenso, pois partilham metade
dos genes.

A correlação entre adotados no mesmo lar pode ser um instrumento útil para verificar o
peso do ambiente durante a infância no produto final, a personalidade adulta. Seria
esperado, dentro da teoria da causalidade tradicional do desenvolvimento da
personalidade, encontrar pelo menos algumas influências em comum pelo fato destas
crianças dividirem o ambiente familiar, que é semelhante pelo menos alguns parâmetros
como a personalidade dos pais, nível social, econômico e cultural, sistema religioso, etc.
É evidente que ser criado no mesmo lar não quer dizer que os estímulos que incidiram na
criança em desenvolvimento foram os mesmos. No entanto, a previsão da teoria
tradicional é que, já que o ambiente apresenta semelhanças, haveria correlação
moderada entre as crianças adotadas.

A correlação entre testes de personalidade e de Q.I. entre adultos que quando crianças
foram adotados e criados no mesmo lar é zero (Ploomin, 1990). Ou seja, em outras
palavras o ambiente compartilhado durante a criação no mesmo lar não teve nenhum
efeito detectável em testes de personalidade ou Q. I. na fase adulta. É importante
salientar que estes estudos surpreendem até mesmo os geneticistas comportamentais,
que muitas vezes esperavam encontrar substrato empírico para fundamentar a teoria da
causalidade tradicional, uma tradição de pensamento que também fez parte de sua
formação.

MgGue e Lykken (1992), em outro exemplo curioso, verificaram que, se você tem um
gêmeo idêntico que se divorcia, suas chances de se divorciar são seis vezes maiores do
que seriam se seu irmão, por exemplo, não tivesse passado pela experiência do divorciar-
se. Bem, se você tem um irmão gêmeo fraterno (não idêntico) divorciado suas chances
caem para apenas duas vezes mais. A idade dos sujeitos variava entre 34 a 53 anos.

Em um artigo consistente sobre este tema, Jockin, Mcgue & Likken (1996, p. 296)
concluiram que a personalidade prediz o risco do divórcio e, mais específicamente, “ isso
ocorre em grande parte por causa da genética mais do que pelas influências do meio de
que eles compartilham”.

Será que podemos concluir que o divórcio é hereditário? Sim e não. Sim, pois podemos
interpretar adequadamente essa afirmação. A hereditariedade é um fator que tem valor
preditivo quanto à probabilidade de divórcio (MgGue e Lykken, 1992; Jockin, Mcgue &
Likken, 1996). Não, pois não estamos falando de um gene específico para o divórcio.
Trata-se de uma correlação, e sabemos que correlações não envolvem, necessariamente,
conecções causais. Uma terceira variável, como o nível de testosterona (em homens),
pode causar o impulso pela dominância, comportamentos antisociais e criminalidade
violenta e, talvez como um subproduto de outras tendências, a propensão ao divórcio
(Mazur & Booth, 1998).

Esse aspecto dos traços herdados que tem como subproduto outros traços é uma das
sutilezas do processo da interação gene-ambiente. Outra sutileza é a chamada
“covariação gene-ambiente”. As vezes, uma determinada característica é gerada por
eventos ambientais que estão correlacionados aos genes. Deste modo, aparentemente a
característica se relaciona aos eventos ambientais, mas na verdade é produto de uma
covariação.
A título ilustrativo, sabemos que a composição dos tipos de fibras musculares (lentas ou
rápidas) das pernas é fortemente relacionada à herança genética. Isso coloca os
portadores de uma maior proporção de fibras rápidas, desde cedo, em posição vantajosa
quanto à disputas em corridas curtas, de velocidade. Eles passam a receber treinamento
e atenção diferencial, e o sucesso retroalimenta os estímulos ambientais que os
impulsiona a adquirir maior velocidade nas quadras. Assim, freqüentemente as
propensões genéticas interatuam de forma complexa com os eventos da vida, dificultando
a compreensão das relações causais.

A importância da criação

Mas que dizer da importância relativa da criação, o fator causal mais popular (tanto em
nível de senso comum como em profissionais de psicologia) para explicar a personalidade
de um sujeito adulto? Um adulto não se torna agressivo devido a forma como é criado
pelos pais? A infância não é um período de molde, vital para a estruturação da
personalidade adulta, e os pais não são a mais importante fonte de estímulos para o
desenvolvimento?

Na realidade, existem evidências sólidas em estudos de grande escala,


metodologicamente convincentes, de que os genes influenciam a personalidade adulta.
Surpreendentemente, o mesmo não é verdadeiro para a hipótese do papel preponderante
da criação pelos pais. Uma revisão crítica da literatura mostra pouca evidência conclusiva
quanto ao ponto de vista de que eventos específicos do período de infância são os
verdadeiros responsáveis pela arquitetura da personalidade adulta (Seligman, 1995;
Harris, 1998; Bouchard & McGue, 1990; Dunn & Ploomin, 1990; Ploomin, 1990; Ploomin &
Bergeman, 1991; Heath, Eaves & Martin, 1988; Plomin & McClearn, 1993).

É necessário salientar que uma das mais importantes fontes de evidência para a
“hipótese da criação” (Harris,1998) -os estudos de continuidade entre a infância e a idade
adulta –são, em sua esmagadora maioria correlações entre essas duas variáveis. A
possibilidade de que uma terceira variável, como a influência dos genes dos pais, tenha
relação causal com a estrutura da personalidade adulta, simplesmente não é testada ou
refutada.
Exemplos desta falha metodológica são abundantes, como a correlação entre forma de
tratamento que a mãe dá ao seu filho e a criminalidade mais tarde na vida adulta (Stattin
& Klackenberg-Larsson, 1990) ou então a suposta ligação entre traumas infantis e
tentativas de suicídio na idade adulta (Kolk, Perry & Herman, 1991). Como poderíamos
saber ou mesmo descartar a influência dos genes nestas manifestações
comportamentais?

Em um estudo feito na Dinamarca, um país onde as adoções e também os registros


criminais são feitos meticulosamente, todos os meninos adotados em Copenhage em
1953 foram acompanhados (Mednick e Christiansen, 1977). Descobriu-se com base nos
registros criminais dos pais (biológicos e adotivos) e dos filhos quando adultos que
somente cerca de 11-12% destes cometia crimes se o pai biológico, doador de 50% dos
genes, nunca houvesse cometido um crime. Isso tanto para crianças adotadas pôr pais
adotivos criminosos ou não. Ou seja, não houve diferença significativa na criminalidade
pela influência de ser criado por um pai adotivo criminoso.

Mas a complexidade das interações gene-ambiente se evidenciam quando observamos o


restante dos dados obtidos neste estudo. Se a criança adotada tinha um pai biológico
criminoso, e portanto tinha alta chance de apresentar genes relacionados à modulação
deste comportamento, quase o dobro apresentava criminalidade (cerca de 22%). O pai
natural não tinha contato com a criança desde os seis meses de idade. No entanto, talvez
como resultado de fatores epigenéticos os filhos de pais criminosos adotados pôr pais
também criminosos tinham uma incidência de 36% de crime- o que mostra uma influência
reforçadora do meio nesse aspecto particular, mas em interação com os genes.

No entanto, de modo geral podemos dizer que, se de um lado temos pouca evidência
convincente sobre a influência de eventos atribuíveis às interações com os pais durante a
infância na personalidade adulta, por outro temos estudos apontando que gêmeos
idênticos são muito mais semelhantes um com o outro quando adultos do que gêmeos
fraternos criados juntos- e isso acontece mesmo que os gêmeos idênticos sejam criados
em continentes diferentes, experienciando culturas diversas, diferentes sistemas
religiosos, estrutura social, tipo de alimentação e outros fatores ambientais! Essas
semelhanças foram verificadas em características como habilidades e deficiências
cognitivas, depressão, raiva, bem estar subjetivo, otimismo, pessimismo e mesmo traços
como religiosidade, autoritarismo, satisfação no trabalho e muitos outros (Seligman, 1995;
Harris, 1998; Bouchard & McGue, 1990; Dunn & Ploomin, 1990; Ploomin, 1990; Ploomin &
Bergeman, 1991; Heath, Eaves & Martin, 1988; Plomin & McClearn, 1993).

Como argumento adicional, foi possível observar que os filhos adotados não crescem com
personalidade semelhante aos seus pais adotivos; na verdade, são muito mais parecidos
com seus pais biológicos, embora muitas vezes não tenham sequer os conhecido!

É evidente que os fatores não genéticos são muito importantes, e é justamente a genética
comportamental que oferece substrato a essa afirmação. Mas, novamente, um exame
desapaixonado das evidências aponta conexões causais diferentes do senso comum. É
importante lembrar que as influências ambientais, ou não genéticas, incluem fatores que
incidem desde a concepção até o nascimento (influências fetais de níveis hormonais por
exemplo) e a totalidade dos estímulos do meio durante o desenvolvimento da pessoa
após o nascimento.

Se o que estamos procurando é um período “modelar” no desenvolvimento, e um conjunto


de fatores que possam prever e explicar o padrão de comportamento de um sujeito
adulto, não parece existir muita base racional para acreditar na noção de que a forma de
criação pelos pais desenhe decisivamente a personalidade. Podemos encontrar fatores
causais de maior poder preditivo olhando para o DNA e para os grupos de referência com
os quais a criança interage. Harris (1998) por exemplo dedica seu livro “The nurture
assumption” (já publicado em português) a refutar esse exagero do papel causal dos pais
em contraste com um “pacote” de estimulação ambiental extremamente negligenciado
mas muito mais influente na formação da personalidade, e que não se passa somente na
primeira infância: a socialização dos filhos a partir de seu grupo de amigos.

O argumento de Harris (1998) envolve uma compreensão mais sofisticada do tipo de


ambiente psicológico para o qual nossa mente teria sido preparada para lidar.
Normalmente uma das premissas implícitas presentes no raciocício dos teóricos do
desenvolvimento e da personalidade é a consideração de que os pais são nossa principal
fonte de estímulos, na principal idade de moldagem da personalidade. Através de uma
ampla revisão em estudos etológicos, primatologia comparativa, experimentos em
psicologia social, dados etnográficos de sociedades caçadoras coletoras e estudos com
bebês humanos podemos concluir que na verdade as crianças não foram projetadas para
aprender e imitar os pais, mas sim as outras crianças, particularmente as mais velhas.
Segundo Harris (1998) é isto que aconteceu em nosso passado evolucionário, e
provavelmente o cérebro humano está configurado para processar informação específica
do meio social, buscando a inserção do sujeito nas complexas hierarquias de dominância
características de nossa espécie. Em outras palavras, a informação assimilada através da
socialização pela interação com crianças seria prioritária e mais influente (pelo menos na
formação da personalidade do adulto) do que a informação adquirida através das
interações com os pais em um período limitado da infância. E o período de moldagem
seria portanto mais extenso, incluindo aspectos importantes como os grupos de referência
na adolescência.

Conclusão

Em síntese, o que chamei de “modelo padrão de causalidade do desenvolvimento da


personalidade” não parece resistir às evidências recentes provenientes de estudos
comportamentais metodológicamente adequados e das contribuições da genética
comportamental. A genética pode influenciar tremendamente a personalidade, e os
estímulos do meio ambiente apontado pela esmagadora maioria das teorias como os mais
relevantes para compreender as causas do comportamento adulto, a interação com os
pais na infância, podem ser na realidade provenientes de outras fontes até então
negligenciadas, como a socialização com outras crianças ao longo da infância e
adolescência.

A psicologia enquanto ciência que tem por objeto de estudo o comportamento não pode
apegar-se a premissas empiricamente insustentáveis simplesmente por tradição de
pensamento com raízes históricamente profundas. Um exame atento da história da
evolução das teorias científicas mostra que um novo paradigma demora até ser
assimilado, especialmente se revela aspectos anti-intuitivos, que não combinam com
nossas formas já estabelecidas de explicar o universo. Uma visão renovada e
interdisciplinar certamente será mais produtiva para compreender a complexidade da
causalidade do comportamento, mesmo que essas novas premissas sejam
assustadoramente antagônicas à nossa compreensão intuitiva.

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