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PSICOBIOLOGIA

Bases evolutivas do
comportamento
Fernanda Egger Barbosa

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Definir comportamento.


> Explicar causa imediata, ontogênese, filogênese e valor adaptativo.
> Reconhecer seleção natural e processos históricos relacionados ao com-
portamento.

Introdução
Definir comportamento não é tão simples quanto parece. Para a psicobiologia e
a neurociência do comportamento, temos o cérebro como o elemento-chave de
estudos e pesquisas. O comportamento é, para o psicobiólogo, o objeto de seus
estudos, aquilo por sobre o qual ele vai se debruçar em sua pesquisa e tomar
como base de sua prática.
A psicobiologia considera o comportamento em suas bases evolutivas, ana-
lisando, a partir da teoria da evolução de Darwin (1859), certas peculiaridades,
as características que podemos descrever como motivacionais (causa imediata),
ontogenéticas, filogenéticas e as capacidades adaptativas dos animais, princi-
palmente dos seres humanos, em seu ambiente.
Neste capítulo, você vai estudar, além do conceito de comportamento e da
forma como ele é entendido a partir do sistema nervoso, a sua importância para
as pesquisas na área da psicobiologia e correlatas. Além disso, vai reconhecer os
motivos que fazem a teoria da evolução darwiniana influenciar, ainda, estudos
e práticas.
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O comportamento evolutivo
Feldman (2015), Pinel (2005) e Brandão (2004), entre outros autores que estu-
dam a psicobiologia, consideram o cérebro e as funções neurais a base para
conhecer o comportamento.
Para Feldman (2015), o homem é fundamentalmente um ser biológico, e a
neurociência pode ser considerada a corrente teórica, dentro da psicologia,
que estuda como o sistema nervoso e seu funcionamento coordenam o
comportamento. Diferentes correntes em psicologia se debruçam sobre pes-
quisas a respeito do que é o comportamento e o que influencia determinada
ação, como o behaviorismo. Algumas correntes mais recentes se destacam
dentro de uma perspectiva psicobiológica mais ampla, como a psicologia
evolucionista, que considera a forma como a herança genética de nossos
antepassados influencia os nossos comportamentos; a genética ambiental,
que estuda a base genética e cromossômica do comportamento herdado;
e a neuropsicologia clínica, que investiga a origem dos fatores psicológicos
nos fatores biológicos.
Nos estudos de Brandão (2004), podemos perceber que as neurociências
têm se desenvolvido a passos largos atualmente, cada vez mais implemen-
tando novas tecnologias que nos permitem aprofundar conhecimentos com
relação ao funcionamento do cérebro. Apesar de grande parte dos estudos
utilizar animais como sujeitos de pesquisa, existem evidências que contribuem
para entendermos as bases neuro-humorais do comportamento humano.
Pinel (2005) também defende a validade e a importância do estudo
comparativo entre os cérebros de sujeitos não humanos aos dos humanos,
encontrando, em diversos animais, principalmente os primatas, áreas que
correspondem ao cérebro da humanidade. A opção de pesquisas com animais
se deve pelo motivo principal de causarem menor impacto social, considerando
como base para os estudos comparativos a teoria evolucionista de Darwin.
Conforme podemos observar na Figura 1, temos uma forma comparativa
baseada no evolucionismo e no princípio filogenético da evolução do cérebro.
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Figura 1. Evolução do cérebro nas espécies.


Fonte: Pinel (2005, p. 60).

Feldman (2015) afirma que, mesmo em sujeitos não humanos, os pesquisa-


dores do comportamento precisam ser rígidos em critérios éticos e visando
ao menor dolo aos sujeitos da pesquisa. Os cientistas podem, por vezes, se
perguntar: que alterações químicas em nosso cérebro podem influenciar
determinado comportamento? Quando sentimos medo ou prazer por me-
morizarmos essas informações? Como nosso cérebro se organizou ao longo
da escala evolutiva para determinar nossos níveis de emoção, cognição,
comportamento, consciência?
Antes de tentarmos elucidar esses questionamentos, vamos procurar
descrever o que entendemos como comportamento animal e mais especifi-
camente como se desenvolvem os comportamentos humanos. Em Yamamoto
e Valentova (2018), encontramos a definição do comportamento como uma
gama de respostas coordenadas por um mecanismo interno ao organismo,
ou seja, um conjunto de ações que são ordenadas por nossa base biológica,
como uma forma de expressão das atividades do sistema nervoso e que
inclui ações motoras, perceptivas, hormonais, pensamentos (cognição) e
sentimentos (emoções). Estudar a base evolutiva do comportamento nas
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espécies significa tentar entender as bases biológicas do comportamento


humano. No entanto, a definição apresentada pelos autores parece esta-
belecer o comportamento como uma simples ação interna e pode nos fazer
questionar sobre as influências do meio para determinar um certo tipo de
escolha ou aprendizagem a certos tipos de comportamentos.
Pinel (2005) nos leva a pensar que há uma tendência humana a considerar
os objetos de estudo a partir de dicotomias: bom–mau, certo–errado, bo-
nito–feio, etc. Isso vale para o comportamento, e muitos cientistas acabam
se perguntando se o comportamento é algo herdado (inato) ou aprendido
(adquirido pela experiência), biológico (fisiológico) ou psicológico? Essa di-
cotomia vem de uma herança do pensamento científico baseado na tradição
positivista. Essas questões foram amplamente discutidas ao longo da história
da ciência e da psicologia. O autor ainda considera que, em primeiro lugar,
fatores além da genética e da aprendizagem influenciam o desenvolvimento
comportamental; o ambiente, a nutrição, o estresse e a estimulação sensorial
fetais também se mostraram influentes (PINEL, 2005). Ele exemplifica que
uma capacidade comportamental tão complexa como a inteligência não pode
ser pensada apenas em dicotomias, pois foi criada por meio da combinação
ou da mistura de muitas partes de genética e de experiência, e podemos
respondê-las melhor se compreendermos a natureza das interações.
Pinel (2005) defende que o modelo da psicobiologia (modelo biológico)
deve considerar que todo o comportamento é o produto de interações entre
três fatores: (1) o legado genético dos organismos, produto da sua evolução, (2)
suas experiências e (3) sua percepção da situação atual. Podemos argumentar,
a partir disso, que o comportamento não pode ser definido apenas como
uma resposta a estímulos internos, mas que, além de ser observável dessa
forma, em experimentos de laboratório como os de Skinner e Watson, ele tem
uma história genética e evolutiva, responde de acordo com a experiência ao
longo da vida do sujeito e se transforma de acordo com a percepção atual.

Para a biologia, o marco da teoria da evolução encontra-se no tra-


balho de Charles Darwin publicado em 1859: A Origem das Espécies.
A teoria evolucionista de Darwin não é a única, e ele sofreu diversas críticas. No
entanto, a ciência atual considera que seus estudos foram os mais influentes da
história da biologia. Ao fazer uma busca usando as palavras teoria da evolução,
Charles Darwin, A origem das Espécies, você encontrará artigos científicos ou
em plataformas de fomento a pesquisa, que podem auxiliar a entender como
se formulou essa teoria.
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Assim, podemos pensar: em que ocasiões os estímulos externos despertam


e determinam certo tipo de comportamento? Mas também nos atentamos
para o legado genético e evolutivo que se repete nas espécies e caracteriza
os processos neurais que determinam os comportamentos. Nós podemos
rever um certo tipo de comportamento e melhorarmos (nos adaptarmos)
diante de novas situações em nossa vida.
Assim, podemos definir o comportamento como um conjunto de ações
adaptativas que um ser vivo costuma utilizar para responder a demandas do
meio interno e externo e agir no mundo em que vive, podendo ser modificado
diante de situações presentes.
Vamos tentar entender quais são as bases evolutivas que influenciam o
comportamento, o intelecto e as emoções?

Perspectivas do comportamento
evolucionista
Segundo Pinel (2005), alguns comportamentos desempenham papel essencial
na evolução, como as habilidades de encontrar alimento e de defender-se
contra predadores, sobretudo na proteção à prole, pois aumenta a capacidade
de transmitir os genes para as gerações futuras. Outros comportamentos,
como dominância social, podem se mostrar por meio de disputas ou de pos-
turas que selecionam as características mais notáveis para serem passadas
adiante. Outro comportamento notável é o de corte, aquele que precede a
cópula, em que o macho ou a fêmea demonstra seu interesse sexual, sendo
responsável por promover a evolução de novas espécies, mas também por
causar subpopulações. Alguns tipos de comportamento podem criar barreiras
reprodutivas, até que seja impossível a fertilização cruzada. O autor acredita
que a barreira reprodutiva tem origem comportamental.
Foi observada infertilização em espécies artificialmente cruzadas na
lavoura e na criação de animais para o trabalho, antes mesmo da teoria de
Darwin.
A partir desses exemplos e considerando que a teoria de Darwin se baseia
na seleção natural, os fatores mais importantes da teoria evolucionista do
comportamento costumam ser representados, dentro da psicobiologia e
das neurociências, de acordo com a linha genética e evolutiva darwiniana,
por quatro tópicos expressivos: causa imediata, filogenia, ontogenia e valor
adaptativo.
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Segundo Catania (1999), as bases evolutivas do comportamento estão


ligadas à teoria da evolução de Darwin. Evolução significaria, de uma forma
mais denotativa, o desenrolar do desenvolvimento das espécies durante as
eras, considerando em primeiro lugar os fatores filogenéticos, ontogenéti-
cos, o valor adaptativo e a causa imediata para tentarmos compreender os
mecanismos de seleção, variabilidade e reprodução.
Podemos chamá-las, então, de peculiaridades do comportamento
evolucionista.
Os psicólogos evolucionistas tentam entender o comportamento, conside-
rando não apenas as suas bases neurais, mas suas influências, as motivações
que levam um organismo à evolução.
Vamos conhecê-los?

As quatro principais questões sobre o


comportamento
As quatro principais questões sobre o comportamento são: causa imediata,
filogênese, ontogênese e valor adaptativo, descritas a seguir.

Causa imediata
Se refere à motivação, que pode se originar de estímulos do meio (exter-
nos) ou internos ao próprio organismo. A causa imediata manifesta-se com
bastante frequência no interesse aos estudos científicos, ao formularem a
pergunta: o que leva um indivíduo a apresentar certo tipo de comportamento
em dada situação em dado período de tempo? Qual é a causa imediata que
motiva um determinado comportamento? O que determinou aquela ação?
Em psicobiologia e nos estudos evolutivos do comportamento, a resposta
seria dada a partir dos mecanismos fisiológicos do cérebro para processar os
estímulos que recebe e formular uma ação. A causa imediata é um processo
neural, amparado pelas características elétricas e químicas (hormonais).
Então, acredita-se e defende-se que o comportamento é motivado princi-
palmente por causas imediatas e tem relação com os instintos básicos de
sobrevivência e adaptação.

Filogênese
Segundo Catania (1999), filogênese é uma palavra formada por radicais de
origem grega, em que Phylo significa tribo ou clã, indicando uma linhagem
racial, e gen representa um tipo, uma espécie, então poderíamos traduzi-la
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como o conhecimento sobre a linguagem de uma espécie, e é designada pelos


cientistas como o estudo da história evolutiva de uma espécie. É baseada
em pesquisas comparativas de espécies com outras espécies, para que os
cientistas possam traçar um caminho evolutivo (Figura 2). Por exemplo, os
estudos comparativos com os grandes primatas (símios) trazem evidência
de suas proximidades filogenéticas; foram, inclusive, achadas evidências
de aumento das capacidades pré-frontais no cérebro desses sujeitos não
humanos com comportamentos empáticos e altruístas.

Figura 2. Estudos comparativos filogenéticos.


Fonte: Pinel (2005, p. 59).
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Assim, acredita-se que as características mais amplas de nosso com-


portamento humano são influenciadas pela filogenética, ou seja, pelo que
nosso organismo aprendeu geneticamente como sobrevivente de um mundo
em constante evolução. A filogenia estuda as relações de parentesco entre
espécies sobreviventes do processo evolutivo, hoje em dia baseadas nas se-
melhanças de DNA, e pode ser representada pela árvore filogenética (Figura 3).

Figura 3. Representação da árvore da vida — evolução filogenética.


Fonte: Zern Liew/Shutterstock.com.

Ontogênese
Catania (1999) também define o termo a partir dos seus radicais gregos: onto
implica ser ou realidade, e, junto com o radical gen, podemos conceituar on-
togênese como a origem de um organismo, de uma determinada espécie (ser).
Então a ontogênese pode ser definida como o estudo do desenvolvimento de
determinado organismo desde o seu estado embrionário, suas mudanças ao
longo da vida até a sua velhice. Acredita-se que certos comportamentos se
apresentam desde que os seres são apenas fetos e desenvolvem-se ao longo
da vida e em interação com o meio do ser vivente. Analisando o comporta-
mento em sua base ontogenética, podemos determinar quais são os fatores
que afetam as suas ações e reações ao longo do seu viver.
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Valor adaptativo
Essa premissa na escala evolutiva diz respeito a questionamentos científicos
em relação à evolução do comportamento que se coincidem com o aspecto da
seleção de Darwin, como: por que o desenvolvimento de certo tipo de compor-
tamento dá a um determinado organismo maior capacidade de sobrevivência
e maior sucesso reprodutivo do que outros? Estamos falando principalmente
de comportamentos que contribuam com a sobrevivência individual e de um
grupo e sua capacidade de reprodução de suas características genéticas. O
valor adaptativo é o responsável pela seleção daquele determinado ser e sua
linhagem de sobreviver na história da evolução (YAMAMOTO; VALENTOVA, 2018).

No primeiro capítulo do livro Manual de Psicologia Evolucionista


(YAMAMOTO; VALENTOVA, 2018), os autores apresentam, além da
descrição de cada aspecto dos estudos sobre comportamento evolutivo, alguns
exemplos e sua relevância para o campo da psicobiologia, na perspectiva da
psicologia evolucionista. Você pode procurar o livro nas plataformas de pesquisas
científicas digitais.

A seguir, vamos tentar compreender melhor como se desenvolveram os


estudos e as pesquisas tendo como base o comportamento evolutivo dentro
da perspectiva darwiniana.

Bases históricas do comportamento


evolutivo
Darwin descreveu a sua teoria da evolução a partir da publicação de A Origem
das espécies, em 1859, e, segundo Pinel (2005) embora não seja a única, é
considerada na biologia a teoria mais influente na história. Darwin não foi o
primeiro a sugerir que as espécies evoluem, ou seja, que passam por mudanças
organizadas e graduais a partir de espécies que já existiram antes, mas foi
quem primeiramente reuniu grande quantidade de evidências e sugeriu como
a evolução ocorre. No prefácio do livro de Yammamoto e Valenova (2018), po-
demos ver que o próprio avô de Darwin já era interessado nos estudos sobre
o tema da seleção natural. No século V antes de Cristo um filósofo chamado
Empédocles defendia a existência de organismos em evolução. Além disso,
outros concordaram com a seleção natural, como Lucrétios, Diderot e Spencer
(YAMAMOTO; VALENTOVA, 2018).
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Pinel (2005) declara que Darwin apresentou três tipos de evidências como
suporte à sua asserção evolucionista: 1) documentou a evolução de registros
fósseis por meio de camadas geológicas progressivamente mais recentes;
2) descreveu similaridades estruturais notáveis entre espécies vivas, que
sugeriam evolução a partir de ancestrais comuns; 3) apontou as principais
mudanças em plantas e animais domésticos por programas de acasalamento
seletivo. Contudo, a evidência mais convincente da evolução vem de obser-
vações diretas da evolução em andamento em suas viagens.
Catania (1999) também defende que a teoria da evolução de Darwin é a mais
bem sucedida até aqui, apesar de sofrer críticas, antagonias e descrenças.
O autor define evolução como mudanças que ocorrem com as populações
biológicas (com as espécies).
De acordo com Pinel (2005), Darwin argumentou que a evolução se processa
por meio da seleção natural, indicando que os membros de cada espécie
variam em grande parte em sua estrutura, fisiologia e comportamento. Os
traços hereditários que foram associados a altas taxas de sobrevivência
e reprodução têm mais probabilidade de serem transmitidas às próximas
gerações. Dessa forma, a seleção natural é repetida geração após geração,
levando à evolução de espécies mais bem adaptadas para sobreviver e se
reproduzir em um ambiente específico.
A princípio, a evolução ocorre em hábitats naturais, distante da ação hu-
mana, como nas ilhas Galápagos, por exemplo, um dos laboratórios naturais
de pesquisa de Darwin. Mas a evolução ocorre também pela intervenção
humana. Catania (1999) cita um exemplo comum nas áreas rurais, pois, ao
aplicar determinado pesticida em uma lavoura, pode-se criar pragas mais
resistentes a eles, e os que sobrevivem e se reproduzem evoluem, passando
adiante suas características genéticas. A teoria de Darwin mostra justamente
a importância do valor adaptativo de cada espécie.
A teoria de Darwin sofreu descrença e antagonismos no século XIX, mas
no século XX se recuperou, principalmente porque a descoberta da cadeia
de DNA trouxe mais subsídios à sua teoria. As outras teorias que concorriam
com a evolução de Darwin eram: as ideias de Lamarck, a teoria ortogenética
e a teoria da mutação de Mendel.
Lamarckismo: teoria da evolução baseada no trabalho do naturalista
francês Jean-Baptiste de Lamarck (1744–1829), defendia que as caracterís-
ticas adquiridas durante a vida de um organismo podiam ser passadas aos
descendentes, por meio de transformações em seu próprio material genético,
ou seja, se houvesse uma mudança no ambiente que exigisse uma mudança
do organismo para enfrentá-la, este produzia uma mudança genética para
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suprir a sua necessidade. Hoje em dia não é usada pelos cientistas, pois
Lamarck não conseguiu demonstrar que as características adquiridas tinham
maior probabilidade de serem passadas às proles de forma vantajosa para
a espécie (CATANIA, 1999).
Teoria da ortogênese: um organismo evolui naturalmente devido a forças
internas, sem muita referência às mudanças do ambiente, pois isso faz parte
do próprio desenrolar do desenvolvimento. De certa forma, os cientistas que
defendiam ou ainda defendem essa teoria trabalham com os conceitos de fi-
logênese e ontogênese, como uma recapitulação da filogenia na ontogenia, ou
seja, como se um organismo embrionário em sua formação e desenvolvimento
passasse pela história evolutiva das espécies. Nesse sentido, a evolução já
é determinada e não há interferência dos mecanismos de seleção do mais
adaptável (CATANIA, 1999).
Mendelismo: baseada na descoberta, em 1900, de um artigo escrito em
1865 sobre a genética de ervilhas, por Gregor Mendel (1822–1884), biólogo,
botânico, clérigo e meteorologista tcheco, e ficou conhecida como a teoria
da mutação de Mendel. Segundo Catania (1999), ela não fornecia um meca-
nismo aceitável para a variação genética. Para Mendel, a evolução se baseava
em mutação, e a genética em uma linha de descendência determinada por
genes dominantes e recessivos; a evolução, portanto, acontecia por meio de
mudanças genéticas espontâneas e expressivas. As assertivas dos estudos
de Mendel ficaram conhecidas como leis de Mendel, sendo a primeira lei
referente ao trabalho com ervilhas, caracterizada pela afirmação da herança
genética de apenas uma característica; já a segunda lei baseia-se afirmação
de que duas características são passadas (herdadas) simultaneamente. Apesar
da controvérsia de a mutação espontânea em relação à teoria da evolução
ter sido desacreditada nos dias atuais, as leis de Mendel revolucionaram a
genética, a reprodução sexuada e a herança das características genéticas.
Mendel criou uma teoria para explicar os seus resultados, com base
em quatro ideias (CATANIA, 1999; PINEL, 2005). Em primeiro lugar, propôs a
existência de dois tipos de fatores herdados para cada traço dicotômico;
por exemplo, um fator de semente marrom e um fator de semente branca
controlam a cor. Atualmente, chamamos cada fator herdado de gene. Em
segundo, Mendel propôs que cada organismo possui dois genes para cada
um de seus traços dicotômicos; por exemplo, cada planta de ervilha possui
dois genes para sementes marrons, dois genes para sementes brancas, ou um
de cada. Organismos que têm dois genes iguais para um traço são chamados
de homozigotos para esse traço, já os organismos que têm dois genes dife-
rentes para um traço são heterozigotos para aquele traço. Em terceiro plano,
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Mendel propôs que um dos dois tipos de genes para cada traço dicotômico
domina o outro em organismos heterozigotos. Por exemplo, as ervilhas com
um gene para sementes marrons e um gene para sementes brancas sempre
têm sementes marrons, pois o gene para sementes marrons sempre domina
o das sementes brancas. Por último, Mendel propôs que, para cada traço,
cada organismo herda, de forma aleatória, um dos dois fatores do seu “pai”
e um dos dois fatores de sua “mãe”.
Apesar dos avanços de Mendel, principalmente na questão da descoberta
dos genes dominantes e recessivos, sua teoria não se tornou mais sólida no
campo da biologia devido ao escasso conhecimento sobre mutação genética
de que dispunham na época. Para Pinel (2005), havia uma certa ingenuidade
tanto de Darwin quanto de Mendel, pois na época deles havia pouco conheci-
mento sobre genética, comparando ao que temos hoje, principalmente após
a descoberta da dupla-hélice de DNA. Então, Darwin não compreendia dois
fatores fundamentais para apoiar sua teoria: por que os indivíduos da mesma
espécie diferem entre si? Como características anatômicas, fisiológicas e
comportamentais são passadas às gerações seguintes? Havia até mesmo
uma correspondência entre os dois mais importantes nomes da história da
evolução humana, mas, por falta de condições de pesquisa de sua época,
eles não puderam responder.
Para Catania (1999), nem Darwin, nem Mendel tinham condições de dimen-
sionar como o meio poderia influenciar as marcantes mutações genéticas;
existiam falhas nos registros fósseis, inclusive para se definir a idade da
terra. Com a descoberta da estrutura tridimensional da molécula de DNA,
em 1953, surge uma nova forma de considerar, estudar e pesquisar a teoria
evolucionista de Darwin. Mesmo assim, não temos como recorrer às evidências
diretas de como eram as condições ambientais do planeta que proporciona-
ram o aparecimento de vida na Terra. Fazemos, ainda hoje, analogias, com
base na probabilidade de eventos improváveis que não temos condições de
reproduzir exatamente.
Segundo Catania (1999), a biologia contemporânea defende que o material
genético não é uma cópia exata da estrutura de um organismo, mas uma receita
que contribui ao seu desenvolvimento, baseada na produção de proteínas.
O que cabe ressaltar na teoria evolucionista de Darwin, que o coloca como
pioneiro no campo da biologia e nos estudos do comportamento humano, é a
importância do conceito de seleção natural e sua explicação sobre as variações
genéticas, usadas até os dias de hoje. A fonte da seleção está no ambiente.
Bases evolutivas do comportamento 13

Variação e seleção natural


Imagina-se uma população de animais de caça (antílopes), cujos membros variam
quanto à velocidade com que podem fugir de predadores; as razões para a diferença
podem residir na anatomia (a extensão dos ossos, o tamanho dos músculos), em
diferenças sensoriais que permitem a alguns iniciar a fuga mais rapidamente do que
outros, em diferenças metabólicas que afetem a resistência, etc. Se esses animais
são atacados por predadores, tudo o mais sendo igual, os mais lentos serão os que
terão maior probabilidade de serem capturados.

A condição de que tudo o mais seja igual é importante. Falar apenas de velocidade
é uma supersimplificação. Um animal provavelmente ficará mais cansado do que
outros, se ele for caçado mais frequentemente. Ou, um organismo pode correr
mais rapidamente do que outro, mas este pode ser mais difícil de capturar, porque
pode mudar de direção mais rapidamente […]. Contanto que os membros de uma
população variem, nosso argumento pode ser reelaborado em termos dos efeitos
de tais fatores sobre a probabilidade de serem capturados. […] Em algum momento
ao longo da história, nossa população de presas tem uma certa velocidade média,
com alguns membros da população estando acima da média e outros abaixo. Os que
estão abaixo da média são os que mais provavelmente serão capturados e, portanto,
terão menor probabilidade de passar seus genes para a geração seguinte. Então,
a geração seguinte deverá apresentar mais descendentes dos que estavam acima
da média, ou, em outras palavras, vencerão os corredores mais rápidos. Assim, a
velocidade média nessa geração será mais alta do que na geração anterior. Mas o
mesmo tipo de seleção continua operando: novamente, os mais lentos terão maior
probabilidade de serem capturados do que os mais rápidos. [...] Ao longo de muitas
gerações, portanto, a velocidade média vai se tomando cada vez maior. (Um tipo
semelhante de seleção também opera sobre os predadores, porque sua eficiência em
capturar as presas também vai variar entre os indivíduos.) (CATANIA, 1999, p. 52–53).

Lembramos que Darwin se destacou como o pioneiro dos estudos de


evolução para a biologia moderna, mas os estudos sobre evolução e seleção
natural são bem remotos, e há indícios de estudiosos desse campo desde
a antiguidade. Darwin teve apoio de inúmeros naturalistas para consolidar
sua teoria da evolução baseada na seleção natural. E, após 100 anos da pu-
blicação de suas ideias, novas descobertas na área de ciências, tecnologias,
matemática criaram condições para apoiar questões que, em sua época,
Darwin não conseguiu resolver, como a herança genética e a infertilidade.
Na atualidade, os estudos do comportamento, baseados na teoria da evo-
lução em psicologia, inauguram uma nova vertente de atuação — a psicologia
evolucionista —, que, para Hattori e Yamamoto (2012), nasce com os primeiros
estudiosos da teoria da evolução de Darwin, mas ganha maior expressão
no lançamento de seu último livro: A Expressão das Emoções nos Homens e
nos Animais, de 1981. Nele se vê apresentada a ideia de árvore da vida, para
ilustrar a semelhança na expressão das emoções em diversas espécies. Esse
14 Bases evolutivas do comportamento

trabalho gerou uma série de estudos e seus temas são controversos mesmo
no meio científico.
Outras correntes atuais, frutos dos estudos do comportamento evolutivo,
são a sociobiologia e a ecologia comportamental, mas cada uma delas mostra
diferentes abordagens ao assunto.
Feldman (2015) observa que as fronteiras da psicologia estão constante-
mente se expandindo, apontando três novas áreas dentro das neurociências
comportamentais, que são a psicologia evolutiva, a genética comportamental
e a neuropsicologia clínica.
A psicologia evolucionista, segundo o autor, leva mais além a teoria evo-
lutiva darwiniana, propondo que a herança genética não apenas determina
traços físicos, mas define traços de personalidade e comportamentos sociais,
gerando polêmicas entre os estudos sociais e ecológicos que defendem
que a corrente despreza ou minimiza os aspectos ambientais e sociais na
delimitação do comportamento.
A genética ambiental busca compreender como herdamos certos traços de
comportamento e como o ambiente pode influenciar nesses determinantes
herdados. A neuropsicologia clínica une as duas áreas — neurologia e psico-
logia clínica —, apontando para as origens de alguns transtornos psicológicos
e identificando suas bases neurológicas. Vale a colocação proposta por
alguns cientistas de que a evolução não cria seres perfeitos, mas mais bem
adaptados, e isso quer dizer que há falhas e enganos, principalmente quando
constatamos comportamentos humanos que a despeito do esperado, se
enganam e se deixam influenciar por fatores escusos, e agem em oposição
a maximização dos seus genes reprodutivos.

Referências
BRANDÃO, M. L. As bases biológicas do comportamento: introdução às neurociências.
São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2004.
CATANIA, A. C. Evolução e comportamento. In: CATANIA, A. C. Aprendizagem: compor-
tamento, linguagem e cognição. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 49-59.
FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
HATTORI, W. T.; YAMAMOTO, M. E. Evolução do comportamento humano: psicologia
evolucionista. Estudos de Biologia, v. 34, nº 83, p. 101-112, 2012. Disponível em: https://
periodicos.pucpr.br/index.php/estudosdebiologia/article/view/22906/22007. Acesso
em: 8 ago. 2021.
PINEL, J. P. J. Biopsicologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
YAMAMOTO, M. E.; VALENTOVA, J. V. (org.) Manual de psicologia evolutiva. Natal: EDUFRN,
2018.
Bases evolutivas do comportamento 15

Leituras recomendadas
ASTRAUSKAS, J. P. et al. As leis da herança por Gregor Johann Mendel, uma revolução
genética. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, ano 7, nº 13, 2009.
Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/qYG-
3dxvYmiF7rSK_2013-6-24-17-32-26.pdf. Acesso em: 8 ago. 2021.
RIDLEY, M. Evolução. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. (E-book).

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