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A genética

 Agentes responsáveis pela transmissão genética

 As parecenças familiares são um fenómeno que todas conhecemos. Alguns de nos somos
mais parecidos com o nosso pai, outros com a nossa mãe, e com outros ainda é difícil
aferir qual os progenitores tem em nós maior peso. Se recuarmos um pouco mais,
encontramos parecenças com avós, e olhando para o lado encontramos primos ou tios
com quem também temos semelhanças.

 Deve-se à hereditariedade a transmissão dessas características. Entre os agentes que a


poem em marcha encontramos os genes, os cromossomas e o ADN. É no interior das
células, designadamente no seu núcleo, que se encontram estes elementos.

 Gene – É um segmento de ADN (ácido desoxirribonucleico) a que corresponde um


código específico, uma informação para determinar uma dada característica, como, por
exemplo, a cor dos olhos ou a constituição da retina. É a base do nosso material genético
e influencia o funcionamento e o desenvolvimento de todas as partes do nosso organismo.

 Cromossoma – Sendo portador e transmissor de ADN, contém vários genes que são
responsáveis por todas as características físicas do individuo, transportando a informação
genética que recebemos dos nossos progenitores.

 ADN – O ácido desoxirribonucleico (ADN) é o conjunto de todos os genes de um


organismo. Cada molécula de ADN (constituída por quatro bases azotadas; a saber:
adenina, guanina, citosina e timina) contém informação necessária à existência e ao
desenvolvimento dos vários órgãos.

 É com a conceção que tudo começa. O óvulo é fecundado por um espermatozoide, dando
origem a um ovo ou zigoto, que é a primeira célula que constitui cada individuo. Esta
célula tem toda a informação genética que define cada um de nós, e por um processo de
divisão em duas, que por sua vez também se subdividem, aí estamos nós. A esse processo
dá-se o nome de mitose.

 A informação genética que herdamos dos nosso pais está contida nos cromossomas. A
espécie humana tem vinte e três pares de cromossomas. Vinte e dois são comuns e só um,
que define o nosso sexo, é distinto nos dois sexos: na mulher, o par é de dois

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cromossomas X, e no homem o par tem um cromossoma X e outro Y. é, portanto, o
homem quem define o sexo da criança.

 O cariótipo é o conjunto de cromossomas próprios de uma espécie. O cariotipo do ser


humano tem quarenta e seis cromossomas. A complexidade de cada espécie não deriva
diretamente do seu número de cromossomas. A galinha, por exemplo, tem setenta e oito
cromossomas, mas o seu programa genético é fechado, contrariamente ao do ser humano
que, caracterizando-se pela sua abertura, é muito menos determinsta e tem uma grande
plasticidade, garantindo-se, desse modo, muito mais complexidade.

 De que dependem, então, as diferenças existentes entre os elementos de uma mesma


espécie que se reproduza sexuadamente – como é o caso do ser humano? Depende de um
processo chamado meiose. Quando o espermatozoide e o ovulo – também chamados
gametas ou células sexuais – se fundem, estes, porque passaram pela divisão celular a que
se dá o nome de meiose, dão origem a um ovo com também quarenta e seis cromossomas,
no caso do ser humano. Se não tivesse ocorrido essa divisão celular que reduz para
metade os cromossomas de cada um dos progenitores, o ovo do descendente humano teria
noventa e dois cromossomas, alterando as características da espécie ou do cariotipo
humano.

 A diferenciação genética continua depois com a subdivisão celular do ovo, ou célula-mãe,


que faz com que cada célula-filha que dela resulta receba, ao acaso, um cromossoma que
tanto pode ser do pai como da mãe. Trata-se, portanto, de um processo aleatório que
garante a variabilidade genética, opondo-se à clonagem, que é, em termos genéticos, a
copia de um progenitor. Um clone é um duplo genético.

 Influências genéticas e epigenéticas no comportamento

 Ao mesmo tempo que nos assemelhamos a todos os membros da nossa espécie, também,
entre nós, nos conseguimos a distinguir. De facto, é impossível a um ser humano ganhar
em velocidade a uma chita, o que denota existirem características próprias de cada
espécie. Constatações como esta remetem-nos para a distinção entre hereditariedade
específica e hereditariedade individual.

 Hereditariedade específica – É o processo de transmissão genética das características


comuns à espécie. Refere-se ao conjunto dos genes que herdamos e que nos definem
como seres humanos. Corresponde ao conjunto de características que nos distinguem das
demais espécies e que temos em comum com todos os outros seres humanos.

 Hereditariedade individual – É o processo de transmissão genética das características


próprias de cada indivíduo. Refere-se ao conjunto dos genes herdados que nos conferem

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características individuais e singulares. Corresponde às características que nos distinguem
dos outros seres humanos.

 Referimo-nos, portanto, a características transversais à espécie e a características próprias


de cada individuo, o que permite distinguir a evolução da espécie do desenvolvimento
individual. Partindo da perspetiva evolucionista, de acordo com a tese da Seleção Natural
das espécies proposta por Charles Darwin considera-se que cada espécie do reino animal
cumpriu várias etapas ate assumir a sua forma atual. Segundo a conceção darwinista, um
processo de seleção natural explica a sobrevivência dos organismos (ou seres) que são
aptos porque possuem determinadas características que lhes permitem responder
eficazmente aos desafios que o meio lhes coloca.

 As espécies não são imutáveis e evoluem no sentido gradual de resposta aos obstáculos
externos, escrevendo-se, assim, a história de cada espécie desde os seus ancestrais até à
forma que hoje se pode observar. Esta constatação está na base da distinção entre
filogénese e ontogénese.

 Filogénese – É a história evolutiva de uma espécie. Refere-se aos processos, às etapas e


às transformações que conduziram ao aparecimento das espécies e à sua diferenciação. A
mais célebre das teorias que explica este processo é o evolucionismo de Charles Darwin.

 Ontogénese – É o desenvolvimento particular de cada indivíduo, a sua maturação desde a


conceção até à morte.

 A interação entres genes e meio confirma os processos biológicos precisamente como um


processo, que não se dá à partida, mas que sai concretizado e evoluindo com os estímulos
externos.

 Na “equação” sobre a interação entre genes e meio tem sido um enigma saber qual dos
fatores “pesa” mais sobre o comportamento humano. Não poderíamos ser o que somos e
quem somos sem o respetivo património genético, mas, do mesmo modo, não podemos
saber quem ou como seriamos se vivêssemos sob um outro contexto, ou num meio
diferente daquele em que vivemos.

Natureza ou meio?

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 A discussão não é nova. Filósofos como René Descartes e David Hume, ou muitos
séculos antes, Platão e Aristóteles, debateram-se com este problema. A discussão foi
importada para o campo das ciências naturais e, ainda hoje, constitui um tema
amplamente discutido, nomeadamente quando nos referimos aos casos das crianças-
prodígio.

 A hereditariedade assume um inevitável papel em muitas das nossas características físicas


e psíquicas, mas aspetos como a educação que tivemos, a cultura em que estamos
inseridos ou os diferentes meios em que nos movemos, constituem experiências que
marcam de modo indelével que somos. Excluir um destes elementos – genes ou meio –
seria incorrer no determinismo – biológico ou social -, contrariando a perceção mais atual
sobre o desenvolvimento humano.

 Neste sentido, é pertinente clarificar a distinção entre as conceções preformista e


epigenética, que consideram de modo distinto o impacto dos genes na evolução do
indivíduo e na expressão das características físicas de cada um.

 Conceção preformista

 A perspetiva preformista destaca a natureza como fator determinante no desenvolvimento


humano, declinando a hipótese da influência ambiental. Antes do aparecimento da
genética no seculo XX, havia preformista a afirmar que o individuo se encontrava pré-
formado, ou em miniatura, no espermatozoide. As teorias preformista desconsideram o
papel do meio, propondo o fenótipo como mera expansão do genótipo. Os genes inscritos
no ovo são entendidos como determinantes e correspondem ao ser preformado em
miniatura, o que reduz o papel do meio a um simples “interruptor” que permite o seu
crescimento. Trata-se, portanto, de uma forma de determinismo hereditário, ao
estabelecer que, desde o momento da conceção, o património genético que o sujeito herda
dos seus progenitores lhe dita o rumo do seu desenvolvimento e do seu comportamento.

 Conceção epigenética

 A visão preformista perdeu força com novas interpretações e estudos sobre o impacto do
meio no desenvolvimento humano. Atualmente, privilegia-se uma visão que considera o
meio como o elemento que condensa as condições que permitem a expressão dos genes
em características reais. Sem a influência do meio, não passaríamos de um conjunto de
possibilidades virtuais. A constituição genética constitui a predisposição que depende da
interação com o meio para se manifestar, ou seja, é o meio que torna as possibilidades
biológicas em características e capacidades reais. Cada ser humano constrói-se na
combinação destes dois fatores.

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 Convém salientar que uma visão epigenética não ignora o papel do genótipo no
desenvolvimento do ser humano, apenas atribui ao meio uma função, também ela
incontornável, na expressão que dá aos genes e ao modo como se configura o
desenvolvimento der cada indivíduo. Não se trata de cair numa forma de determinismo,
agora de ordem social, mas considerar a relação inseparável entre o património genético
(genótipo) e o meio como um processo ao qual damos o nome da pessoa.

 A visão atual

que hoje sabe sobre a aprendizagem, a inteligência, a socialização ou o cérebro. A


investigação sobre todos estes aspetos reforça a indissociabilidade entre hereditariedade e
meio. Em todos eles, a Psicologia mostra que sobre a base inata ou biológica erguem-se
caminhos construídos com estímulos externos, culminando na identidade única de cada
indivíduo.

 O meio atua sobre nós, e essa situação ocorre desde a fase embrionária, em ambiente
intrauterino, até ao fim da nossa vida, acompanhando e pautando toda a nossa história
pessoal. Este contributo do meio deve-se, em grande parte, ao inacabamento biológico
que caracteriza a espécie humana à nascença.

 Inacabamento biológico

Por que motivo nascemos biologicamente inacabados?

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 Uma resposta a esta questão relaciona-se com o advento do bipedismo na nossa historia
filogenetica. Somos, à nascença, um sistema aberto e “incompleto”: aberto a uma
interferencia significativa do meio, “incompleto” por não dispormos de mecanismos
inatos ou biologicos de proteção que assegurem a sua sobrevivência. Desprovida de
hiperespecializações para desenvolver determinados comportamentos que visem a sua
preservação, a espécie humana, diferentemente de outras espécies, tem de criativamente
suprimir a falta que deriva do seu inacabamento. O bipedismo, associado à libertação das
mãos, parece ter sido um dos grandes triunfos evolutivos na história evolutiva da
Humanidade.

 Programa genético

 Cada organismo vivo possui um programa genético ou biológico que determina


comportamentos e delimita possibilidades. Diz-se, portanto, que todos os seres vivos
dispoem de um planeamento biologico a ser cumprido para que cada ser de desenvolva.
Este programa (ou planeamento) é o conjunto das instruções inscritas nos genes que dota
cada organismo de um tipo de funções e orienta o seu comportamento.

 Os animais não racionais possuem, de um modo geral, um programa genetico fechado. O


programa genetico aberto caracteriza a espécie humana. No primeiro caso, considera-se a
rigidez comportamental como consequencia de um programa que fixa instruções
invariaveis, ou seja, o comportamento animal encontra-se geneticamente predefinido pelo
seu programa genetico como ordens que visam a preservação da espécie. Neste sentido,
esses animais possuem especializações que lhes conferem aptidões para reagir com
eficácia à pressão do meio, mas menor flexibilidade comportamental. Um animal
predador dispoe desse instinto como vocação inata; não dispoe da possibilidade de deixar
de o ser, pois não sobreviria.

 No segundo caso, a impreparação dos seres humanos à nascença contribiu para outro
aspeto fundamental da nossa existencia, aliado à predisposição para a aprendizagem: a
predisposição para a sociabilidade e o crescimento e a complexificação das relações
sociais.

 Assim, a fragilidade do ser humano à nascença converte-se na sua maior vantagem: a


possibilidade de escapar ao determinismo biológico que advém de uma maior
flexibilidade comportamental. A inexistência de especializações acaba por autorizar
várias possbilidades de atuação e a abertura à aprendizagem equivale à liberdade da
espécie. Impreparados à nascença, sem recursos biologicos que lhe permitam fazer face
aos desafios do meio, os seres humanos são muitos mais recetivos aos estimulos
ambientais, estando abertos a uma multiplicidade de alternativas ao longo do seu
desnvolvimento. São, logo, mais autonomos e dotadfos de maior capacidade de adptação
do que qualquer outro animal. Tornamo-nos, em virtude do nosso inacabamento
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biologico, seres capazes de aprendizagens mais complexas e, por isso, dotados de maior
liberdade.

 Prematuridade biológica

 A prematuridade biológica do ser humano traz consequências importantes na definição do


que cada indivíduo é. O facto de nascermos biologicamente prematuros e incompletos
obriga ao prolongamento do periodo no qual se dão as aprendizagens básicas obriga ao
prolongamento do período no qual se dão as aprendizagens básicas e que visam munir o
sujeito de estrategias deliberadas de preservação da sua existência. Aquilo que não
dispomos à nascença é conquistado através da aprendizagem, substituindo-se na espécie
humana os mecanismos instintivos de sobrevivencia pelas estratégias racionais que nos
tornam aptos a enfrentar os desafios naturais da existência.

 Precisamos de “aprender a viver” por não dispormos de um “manual de instruções


biológico” que determina comportamentos e dita orientações. São a educação, a cultura, a
experiencia, ou, numa palavra, os “outros” o que nos fornece essas orientações e que
constituem o auxilio na tarefa de evoluir como indivíduo. Sendo “apenas” indicações, fica
ao “critério” de cada um o modo como as interioriza e põe em pratica, afastando-se,
assim, qualquer mofdo de determismo (biológico ou social).

 Neotenia

 A fragilidade do ser humano à nascença – ser dependente dos outros, sem especializações
comportamentais ou capacidade de sobrevivencia por si mesmo – revela-se
posteriormente a maior vantagem de espécie, que consiste no prolongamento do periodo
da infancia, e que se traduz no aumento exponencial das capacidades intelectuais. A
neotenia, que é a tendência para a preservação dos traços da infância durante um longo
período, constitui uma marca singular da espécie humana e possbilita o desenvolvimento
de capacidades e competências exclusivas, responsáveis pela maior adaptabilidade do ser
humano. Somos seres neoténicos porque a prematuridade biológica da espécie a isso
obriga, tornando-se ausência de autonomia à nascença o motor que impulsiona a
autonomia futura.

 Ao prolongarmos a infancia e a juventude, desenvolvemos aprendizagens complexas que


constituem a base da inovação e do progresso civilazional. Exploremos o meio como
mais nehuma especie o faz e desenvolvemos aptidões que nos diferenciam, com a ciencia,
a engenharia, a tecnologia e a solidariedade a figurarem como marcas identárias do ser
humano.

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