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ADOLESCÊNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

ADOLESCENCE: A SOCIAL-HISTORICAL PSYCOANALISIS

Noeli Assunta Oro Tomio*


Marilda Gonçalves Dias Facci**

Resumo
De modo geral o conceito de adolescência mais difundido na Psicologia tem sido marcado por tendências que
priorizam a discussão e enfoque desse período como etapa de desenvolvimento naturalizado, decorrente de uma
maturação biológica, desconsiderando o contexto social e histórico no qual os indivíduos estão inseridos.
Observam-se profundas influências dos preceitos psicanalíticos evidentes nas concepções dominantes do
adolescente na atualidade, no qual os autores enfocam o estabelecimento do desenvolvimento conectado a
condições emocionais, negligenciando evidentemente a capacidade da construção do pensamento e dos conceitos
neste período e mesmo universalizando a passagem por esse estágio. Contrapondo-se a esta visão, nosso objetivo
neste artigo é propor uma reflexão que busque a superação da compreensão naturalizante dessa fase de
desenvolvimento, compreendendo-a como uma fase que foi gerada a partir das condições materiais de produção,
atrelada à história do desenvolvimento social dos homens, e não decorrente de um acelerado processo de
mudanças biológicas que, por si só, acarretam mudanças ou “síndromes” nos jovens. Trata-se, portanto, de um
estudo teórico e, para o desenvolvimento deste trabalho, em um primeiro momento faremos uma retrospectiva
acerca da compreensão da adolescência para, em seguida, apresentarmos alguns pressupostos da Psicologia
Sócio-Histórica, enfocando o quanto o desenvolvimento do psiquismo está atrelado a condições histórico-sociais.
Palavras-chave: adolescência, psiquismo, Psicologia Sócio-Histórica, condições sócio-históricas.

Abstract
On a usual way, the best known concept of adolescence within Psychology has been marked by tendencies that
arouse discussions and focus this important period as a naturalized development, coming along with a biological
maturity, not considering, therefore, the social-historical context on which the individuals are inserted. It is
possible to observe that profound influences from the psychoanalytical precepts are evident on the dominant
conceptions of the teenagers nowadays, on which the authors focus the establishment of the development
connected to emotional conditions, evidently neglecting the capacity of the construction of the concept thinking
of this period e even universalizing the passage through this phase. To counteract this point of view, our goal in
this article is to propose a reflection that pursue the overcoming of comprehension from this phase of
development, understanding it as a phase that was caused by the material conditions of production, along with the
social-historical development of the mankind and not from a sped process of biological changes that, alone, create
a source of changes and syndromes on teenagers. This is, therefore, a theoretical study and, in order to evolve
this article, in a primary stage, we will make a retrospective of understanding of the adolescence and to a farther
extent show some concepts of Social-Historical Psychology, focusing on how the development of the psyches is
entwined to the social-historical conditions.
Key words: Adolescence, psyches, Social-Historical Psychology, social-historical conditions.

INTRODUÇÃO tendências que priorizam a discussão e enfoque


desse período como etapa de desenvolvimento
De modo geral o conceito de adolescência mais naturalizado, decorrente de uma maturação
difundido na Psicologia tem sido marcado por biológica, desconsiderando o contexto social e
*
Doutoranda em Psicologia Social PUC/SP. Professora do Curso de Psicologia da CESUFOZ Centro de Ensino Superior de
Foz do Iguaçu – UDC União Dinâmica de Faculdades Cataratas.
* *
Doutora em Educação Escolar UNESP/Araraquara. Professora do Departamento de Psicologia e Coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

Rev. Teoria e Prática da Educação, v.12, n.1, p. 89-99, jan./abr. 2009


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histórico no qual os indivíduos estão inseridos. Na da educação. Ao estabelecer regularidade para a


busca de definições e explicações sobre esse construção do pensamento cognitivo, atrelada à
período encontramos autores como, Aberastury e evolução cronológica, desconsidera as experiências
Knobel (1989), Erickson (1976), Mussen, Conger, sociais e as possibilidades da influência da cultura
Kagan e Huston (2001) que partem de uma visão como propulsora deste desenvolvimento. Ao
dicotomizada: de um lado o desenvolvimento do negligenciar a condição social de desenvolvimento
psiquismo e de outro a relação social e histórica, cognitivo em sua teoria, não contempla a
como se ambos não mantivessem uma relação importância do grupo social que, neste período, é
muito próxima. Bock (2004) enfatiza que a fase da base nas relações do adolescente e constituem mola
adolescência é apresentada, em diversas teorias, propulsora de seu desenvolvimento sócio-cultural.
como se fizesse parte da natureza humana, sendo Tanto na Psicanálise como na Epistemologia
tomada por características naturais a todos os Genética se constata, portanto, a visão
indivíduos normais, muitas vezes independentemente naturalizante desse estágio de desenvolvimento.
da cultura na qual estão inseridos. Todos os No entanto, nosso objetivo, neste artigo, é propor
indivíduos, portanto, passariam por esse estágio de uma reflexão que busque a superação dessa
desenvolvimento dominado pela tormenta e tensão compreensão, compreendendo a adolescência
emocional, decorrente do desenvolvimento como uma fase que foi gerada a partir das
biológico. Assim, a idéia de estágios evolutivos é condições materiais de produção, atrelada à
uma constante nos estudos contemporâneos da história do desenvolvimento social dos homens e
psicologia do desenvolvimento. As teorias não decorrente de um acelerado processo de
interpretam-no como algo contínuo, no qual o mudanças biológicas que, por si só, acarretam
comportamento desenvolve-se de maneira gradual mudanças ou “síndromes” nos jovens.
na direção de sua maturidade. Em um primeiro momento apresentaremos uma
Desse modo a adolescência, apresentada pelos retrospectiva do conceito de adolescência para, em
autores de desenvolvimento humano na Psicologia, um segundo momento, discutir a adolescência a
focaliza os elementos de transformação física e de partir dos pressupostos da Psicologia Sócio-
comportamentos negativos. A depreciação da Histórica. Esperamos, com esse artigo, contribuir
adolescência, como fase de desenvolvimento, para a relação estabelecida entre Psicologia e
ocorre no enfoque dado às características negativas Educação. Conforme afirmou Vigotski (2001) cabe
do período, no qual as mudanças físicas acarretam à Psicologia dar embasamento psicológico à
distúrbios de conduta que são frutos de uma Pedagogia, tendo o processo educativo, isto é, a
imaturidade emocional. A transposição deste formação social do ser humano, como algo presente
período se dará pelo simples fato de que a idade no próprio cerne da Psicologia como ciência.
cronológica o conduzirá ao amadurecimento
pessoal.
A ênfase da teoria freudiana, quanto ao CONCEITO DE ADOLESCÊNCIA: UMA
processo da evolução psicológica do homem RETROSPECTIVA
concentra-se nos primeiros anos de vida o que pode
explicar o fato de que, até recentemente, os estudos Historicamente as pesquisas realizadas pela
da psicologia do desenvolvimento, que sofreram antropóloga Margaret Mead, na década de 1930,
durante muito tempo grande influência da contribuíram para o aprofundamento na discussão
psicanálise, limitavam-se à infância e à de questões relacionadas à influência da cultura no
adolescência. Observam-se profundas influências desenvolvimento humano, em especial, a
dos preceitos psicanalíticos evidentes nas adolescência. As dificuldades e adaptações da
concepções dominantes do adolescente na juventude já intrigavam a pesquisadora na época.
atualidade, nas quais os autores enfocam o Assim, ela inova ao executar uma pesquisa
estabelecimento do desenvolvimento conectado a etnográfica em 1925 em uma sociedade primitiva
condições emocionais, negligenciando a capacidade nas ilhas de Samoa – localizada no Pacífico Sul.
da construção do pensamento e dos conceitos neste Lança críticas à educação, no que tange a questão
período. do gênero em sua pesquisa, na qual expõe o
A teoria cognitiva de Jean Piaget exerce hoje, determinismo naturalizado como causa para o
também, relevante papel em todas as áreas da desenvolvimento do indivíduo na sociedade
psicologia e, principalmente, nos campos aplicados ocidental.

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Mead (1945) criticou o fato de que os teóricos que influenciaram os estudos desta área especifica.
da época olhavam para a conduta dos adolescentes Esses mitos são vinculados: 1. à instabilidade
norte-americanos e justificavam suas hipóteses à emocional (período de turbulência e tensão); 2. à
medida que as dificuldades com a juventude se compreensão de que os problemas que aparecem
denunciavam. A autora questiona os estudos são próprios da idade e resolvidos com o
realizados com base na análise do comportamento, amadurecimento do adolescente; 3. à idéia de que a
uma vez que chegavam a resultados que necessidade dos jovens de separar-se de seus pais
desconsideravam a cultura e o ambiente social em resulta em conflitos intensos e hostilidades; 4. que
que o indivíduo se desenvolvia. Mead observa como existe invariavelmente um abismo entre gerações.
determinadas atitudes eram dependentes do Em continuidade a esta forma de pensamento, a
ambiente social – “a rebelião contra a autoridade, as psicanálise representa uma gama de autores que
interrogações filosóficas, o florescimento do contribuíram para difundir a imagem e compreensão
idealismo, o conflito e a luta – eram atribuídas a um da adolescência como conflituosa. Dentre eles
período de desenvolvimento físico” (MEAD, 1945, destacam-se Sigmund Freud, sua filha Anna Freud e
p.40). De acordo com a autora, essas características Peter Blos (1996). Este último oferece a edição de
estavam relacionadas à repressão sexual imposta suas pesquisas em um livro intitulado Transição
pela sociedade americana aos jovens. Adolescente.
A naturalização do desenvolvimento da A teoria psicanalítica considera que o eixo
adolescência presente nos estudos empreendidos desencadeante da crise adolescente é o despertar da
pela Psicanálise é denunciada pela antropóloga. sexualidade no nível da maturidade genital, na qual
Para ela, esse processo é decorrente da produção de o indivíduo torna-se capaz biologicamente de
Granville Stanley Hall (1844-1924), psicólogo exercer a sua genitalidade para a procriação. Neste
americano introdutor da psicanálise nos Estados sentido, instaura-se um conflito referente ao fato do
Unidos. Ele aplicou-se intensamente ao estudo do sentir-se criança e, ao mesmo tempo, do portar-se
desenvolvimento da criança e acabou por estimular de acordo com as atribuições conferidas por este seu
a preocupação com a psicologia educacional infantil novo corpo e papel perante a sociedade. A
nos Estados Unidos. conquista da nova identidade acontecerá, portanto,
Schultz (1981) afirma que a obra principal de quando o indivíduo estiver apto a abandonar o papel
Hall Adolescence: Its Psychology and Its Relation conferido pela infância e substituí-lo pelo de adulto.
to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Com base na psicanálise, autores como
Crime, Religion, and Education (Adolescência: sua Aberastury (1992, p. 16) enfatizam que
psicologia e relação com a fisiologia, antropologia,
sociologia, sexo, crime, religião e educação), [...] a problemática do adolescente começa
publicada em 1904, em dois volumes, consiste na com as mudanças corporais, com a
descrição de fenômenos e características definição do seu papel na procriação e
consideradas próprias desta fase, causando grande segue-se com mudanças psicológicas.
impacto na compreensão da adolescência. Define-a
como um período de grande tormenta e tensão, cuja Também Knobel (apud ABERASTURY e
base se situa em uma perspectiva evolucionista do KNOBEL, 1992) afirma que é na adolescência que
desenvolvimento humano. Assim, como afirma se instaura a crise existencial marcada por uma
Galatin (1986), Hall apresenta a importância dos grande instabilidade afetiva, labilidade emocional,
aspectos físicos e mudanças biológicas ressaltadas crises de arroubo e indiferença, entre tantas outras
pelo estirão do crescimento dos jovens e que angústias e ansiedades.
resultam da puberdade. Para o autor, a adolescência Para Erikson (1968), o fenômeno da
tem como função garantir a passagem do homem de adolescência pode ser compreendido como
um estágio inferior, no qual ainda mantém-se algo resultado da interação permanente e simultânea de
em comum com os animais, para estágios superiores três grandes dimensões da pessoa/indivíduo: a
característicos do propriamente humano. dimensão biológica, a dimensão social e a dimensão
Consideramos que a adolescência é a etapa do individual. Ao descrever o desenvolvimento do
processo evolutivo que mais tem sido vista de indivíduo para alcançar a personalidade, o autor
maneira estereotipada como demonstram estudos identifica oito estágios, por ele denominadas, "oito
como os de Hall. Esses estudos vêm estabelecendo idades do homem". Cada um destes estágios seria
quatro mitos sobre esta etapa do desenvolvimento e marcado por desafios definidos como "crises

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normativas" ou "conflitos nucleares". A tendo como objetivo sustentar a construção social


adolescência seria a "5a. idade do homem", na qual do psiquismo humano e sua importância na
o conflito nuclear é identificado como "identidade x construção da subjetividade.
confusão de papéis", e será na resolução deste
conflito que o indivíduo determinará sua identidade.
Erikson rompe com uma imagem da adolescência A COMPREENSÃO DA ADOLESCÊNCIA
deslocando o "problema das dificuldades inerentes PELA ESCOLA VIGOTSKIANA
ao processo de adolescer" do âmbito do indivíduo
ou da natureza normativa para o âmbito do contexto A psicologia histórico-cultural ou sócio-
sócio-cultural em que o indivíduo está inserido histórica fundada por Liev S. Vigotski (1896-1934),
(TOMIO, 2006). na década de 1920, assume contornos bem definidos
Outros autores que estudam a adolescência quanto à constituição do psiquismo humano.
podem ainda ser mencionados: Mussen, Conger, Partindo de fundamentos marxistas do pensamento
Kagan e Huston (2001, p. 515) que se remetem ao dialético, apresenta uma nova postura quanto à
fato evidenciado por alguns filósofos de que a construção da teoria do desenvolvimento e, desta
adolescência “começa na biologia e termina na forma, uma nova compreensão da adolescência.
cultura”; Bee (1997, p. 318) que também aponta a Propõe como imprescindível para a compreensão e
importância das características biológicas, mas análise do processo do fenômeno psíquico a
comenta a necessidade de situá-la no contexto necessidade de centrar a análise no processo e não
cultural; Papalia e Olds (2000) que apresentam a em seu produto final, sendo fundamental enfatizar a
adolescência como um período de “transição no dimensão histórica do desenvolvimento psicológico.
desenvolvimento entre a infância e a idade adulta Sustentado pelas teses de Marx e Engels para
que envolve grandes e interligadas mudanças entender a construção do psiquismo humano se
físicas, cognitivas e psicossociais” (2000, p.310). apóia em concepções que sustentam que o homem é
Cool e Palacius (2004, p. 314), ao fazerem uma ao mesmo tempo natureza e história desta natureza.
análise retrospectiva da histórica da construção da Confere ao homem uma dimensão ativa e histórica,
adolescência afirmam que “estamos longe de poder sentido proposto nas palavras de Marx (1972, p.96):
afirmar a existência de uma concepção homogênea “a própria história é uma parte real da história da
sobre a adolescência”. No entanto, mesmo não natureza, da transformação da natureza em
tendo essa homogeneidade, observamos nos autores homem”.
apresentados uma clara influência da perspectiva A relação que Vigotski estabelece entre
psicanalítica na concepção de desenvolvimento natureza e cultura considera a evolução da espécie
humano. Isto porque para Freud os distúrbios e humana (filogênese) e o desenvolvimento do
crises no desenvolvimento são decorrentes das indivíduo (ontogênese). Apesar destes dois
experiências iniciais na infância. Na teoria processos serem resultados de duas linhas
psicanalítica do desenvolvimento, a ênfase é dada, diferentes, eles estão interligados – regidos cada
portanto, aos instintos sexuais mais do que às qual por leis que lhes são próprias.
influências culturais. O desenvolvimento histórico do homem
Assim, as concepções teóricas abordam o constitui uma unidade dialética de duas ordens
desenvolvimento se apoiando no entrelaçamento essencialmente diferentes, mas uma implica a outra.
das transformações decorrentes da maturidade física As transformações que resultam desse movimento
e o amadurecimento emocional. Negam, deste dialético revelam o início de um processo intenso de
modo, as influências sociais e culturais no desenvolvimento biológico que se constitui na
desenvolvimento humano. Podemos afirmar que infância, mas tais mudanças não preponderam
negligenciam claramente essas influências tão apenas no início, pois, para o autor, persistem ao
veementemente destacadas na teoria Sócio- longo da vida e o desenvolvimento biológico é
Histórica de Vigotski. Esta obra tem como questão superado por meio da apropriação da cultura.
central de sua teoria a construção do psiquismo Conforme afirma Tomio (2004), estão implícitos
humano pela mediação das relações sociais. A nesta concepção o abandono do determinismo
edificação do pensamento passa pela atribuição de biológico e a adoção da concepção de homem como
sentidos e significados dados pela linguagem. Desta sujeito e objeto dessas transformações.
forma enfocaremos, no próximo item, a estruturação Para Leontiev (1978), ao não se submeter às
do psiquismo na teoria formulada por Vigotski, leis biológicas, mas às leis sócio-históricas, o

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homem organizou sua vida em sociedade, com base pode-se compreender o desenvolvimento do
no trabalho, resultando na modificação da natureza indivíduo. Assim, o que determina a compreensão
humana para um novo tipo de desenvolvimento, do processo de desenvolvimento humano é a
diferente dos animais, que corresponde a sua análise do que a atividade proporciona enquanto
hominização (TOMIO, 2004). desenvolvimento para criança, para o jovem ou
Como afirma Pino (2005, p. 58) não significa para o adulto; é na passagem de uma atividade
ignorar a influência dos aspectos biológicos, pois para outra que o indivíduo e seu psiquismo se
modificam.
[...] realidades biológicas e realidades Leontiev (1978) destaca, por exemplo, que no
culturais, embora pertencendo a ordens primeiro período de vida a criança possui dois
diferentes, são interdependentes e
círculos de relações: o primeiro compreende seus
constituem dimensões de uma mesma e
única história humana. pais e o segundo, mais amplo, é constituído por
outras pessoas. Contudo, em ambas permanecem
Vigotski considera que a origem do psiquismo os traços principais da atividade da criança. A
humano se encontra nas condições sociais de vida passagem da criança da infância, em idade pré-
historicamente formadas e, de acordo com seu escolar – período no qual as atividades
pensamento, relacionadas ao trabalho social, ao dominantes são os jogos e brincadeiras – para o
emprego de instrumento e ao surgimento da estagio seguinte está ligada à entrada da criança
linguagem. Ele parte da concepção da formação do na escola, pois “todas as suas obrigações não são
psiquismo humano por meio de uma relação apenas para com os pais e o educador, são
dialética entre realidade social e fenômenos obrigações relativas à sociedade” (LEONTIEV,
tipicamente humanos como a consciência e a 1978, p.307). Ao realizar suas tarefas escolares a
linguagem. criança aprende que o mundo que a rodeia se
O desenvolvimento se processa por meio de tornou diferente e a atividade dominante neste
constantes interações com o meio social em que o período é o estudo. Contudo, esse autor afirma
sujeito vive e disso resulta o desenvolvimento de que não apenas a modificação do lugar que a
formas psicológicas mais sofisticadas. Dessa criança ocupa no sistema das relações sociais
maneira, o desenvolvimento do psiquismo se determina por si só o desenvolvimento de seu
processa mediado pelas relações com o outro (que psiquismo.
podem ser outras pessoas do mesmo grupo
cultural). Esta mediação indica e delimita os O que determina diretamente o
significados que são construídos pela desenvolvimento do psiquismo da criança
humanidade, e apropriados e significados pelos é a sua própria vida, o desenvolvimento
indivíduos. dos processos reais desta vida, por outras
Leontiev (1978), ao estudar o processo de palavras, o desenvolvimento desta
desenvolvimento do psiquismo infantil, define atividade, tanto exterior como interior
como fundamental partir da análise da atividade (LEONTIEV, 1978, p. 310).
tal como ela se organiza nas condições concretas
de vida. A atividade é aquela na qual se formam Cada estágio do desenvolvimento psíquico é
ou se reorganizam os processos psíquicos caracterizado por um tipo de relações da criança
particulares dos indivíduos. Desses processos com a realidade dominante e, portanto, da relação
dependem as mudanças psicológicas dominante da criança com a realidade. Leontiev
fundamentais da personalidade da criança (1978, p.313) destaca, assim, que não é a idade da
observadas numa dada etapa de seu criança que determina o conteúdo do estágio de
desenvolvimento. desenvolvimento, mas o contrário “a idade da
Para o autor, a primeira condição para passagem de um estagio a outro depende do seu
compreender o desenvolvimento do psiquismo conteúdo que muda com as condições sócio-
infantil é notar a modificação do lugar que a históricas”. Em outras palavras, o que determina a
criança ocupa no sistema de relações sociais. passagem de um estágio para outro não é a idade,
Cada fase de desenvolvimento é caracterizada por e sim as condições históricas concretas nas quais
uma atividade dominante. A partir da análise da o indivíduo está inserido. Essas condições
atividade dominante, tal como ela se organiza, exercem influência sobre o desenvolvimento do

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indivíduo tanto quanto sobre o curso de seu considerando que os conteúdos do pensamento – o
desenvolvimento psíquico. material que opera os objetos a que se dirige – todos
O mesmo se dá na adolescência, fase na qual a estes pontos passam por uma verdadeira revolução.
atividade dominante passa a ser, além do estudo, a Na realidade, em uma concepção tradicional da
comunicação íntima pessoal entre os jovens. O adolescência, nega-se o surgimento de novas formas
jovem, agora, passa a ocupar uma posição diferente de pensamento neste período.
na sociedade: novas cobranças são feitas, ele tem O ponto nodal dessa nova fase de
que se posicionar diante dos fatos, a relação com os desenvolvimento, a adolescência, para Vigotski
pais sofre transformações, ele ingressa em outra (1996), refere-se ao fato de que nesse período as
esfera de relações humanas e várias transformações funções psicológicas superiores – tais como
acontecem no seu entorno. memória lógica, abstração, atenção voluntária, entre
O meio social não aceita que o jovem aja como outras – e os verdadeiros conceitos se formam. Ele
uma criança. Ao mesmo tempo, ele torna-se mais considera que as funções psicológicas superiores
crítico, pois já se apropriou de muitas informações, (FPS), típicas dos seres humanos, constituem o
possuindo domínio de suas funções psicológicas, o núcleo fundamental da formação da personalidade.
que as torna voluntárias. O adolescente começa a ter Essas funções psicológicas se desenvolvem na
uma opinião mais definida em relação aos coletividade e a partir da apropriação de conceitos
fenômenos que o cercam. pelo indivíduo.
Para Leontiev, as necessidades internas do O processo de desenvolvimento cultural do ser
adolescente denominadas “crises” são propulsoras humano não significa para Vigotski (1984) estar
do amadurecimento do indivíduo. A crise é relacionado a uma ou outra esfera deste âmbito.
considerada uma ruptura, um salto qualitativo a ser Esse processo também está aliado ao
efetivado. Como muda o lugar ocupado pelo desenvolvimento paulatino do conteúdo, das formas
indivíduo no sistema de relações sociais, as e modos de atividade intelectual superior. Neste
mudanças acabam por constituírem-se forças sentido, o desenvolvimento do pensamento vem a
motoras do desenvolvimento psíquico. Assim, o ser condição imprescindível para o aprofundamento
meio social confere ao indivíduo um sentido aos e compreensão da cultura.
atos internalizados por ele. O autor postula a indissolubilidade da forma, do
Vigostski também descreve um traço muito conteúdo, da estrutura e da função de cada novo
importante, porém, pouco freqüente em outras passo de desenvolvimento do indivíduo. A
etapas do desenvolvimento infantil. É assinalado aquisição de novos conteúdos do pensamento é
também por outros autores como traço fundamental inseparável da conquista de novos mecanismos de
desta idade: o espírito de contradição. Este espírito conduta intelectual.
de contradição se manifesta no conteúdo do As teorias que estabelecem etapas do
pensamento. desenvolvimento intelectual do adolescente
O ponto de vista tradicional, identificado por diferenciado-as por meio de conceitos e decisões
Vigotski (1996) nas teorias da psicologia da época abstratas negam a existência de um nível
em que viveu, consistia em considerar as mudanças qualitativamente novo neste processo. É certo para
psíquicas ocorridas na criança e que produziriam o Vigotski (1984, p. 55) que “na idade de transição
avanço até a adolescência. Esta perspectiva não se originam novas funções elementares”, mas
destacava tão somente traços externos, supérfluos e sim que essas funções são transformadas a partir de
visíveis do desenvolvimento do indivíduo, ou seja, um processo revolucionário.
mudanças de seu estado emocional. Essas mudanças De acordo com o autor, a afirmação de que o
emocionais constituíam o núcleo central e conteúdo pensamento adolescente separa o abstrato do
básico de toda “crise” adolescente. Segundo concreto, o abstrato do visual-direto é errônea. O
Vigotski (1996, p. 49), esse fato “contrapõe o movimento do pensamento nesse período não se
desenvolvimento da vida emocional do adolescente caracteriza pelo fato do intelecto romper seu
ao desenvolvimento intelectual do estudante”. Além vínculo com a base concreta da qual se origina, nem
disso, essa concepção reduz todo o amadurecimento pela aparição de uma forma completamente nova de
psíquico do adolescente a uma condição relação entre os momentos abstratos e concretos do
preponderante: à “emocionalidade, a impulsos, pensamento – o pensamento do adolescente se
imaginações e demais produtos semivisionais da caracteriza, certamente, por novas sínteses de
vida emocional” (VIGOTSKI, 1996, p.49), não ambos, o concreto e o abstrato. Apresentam-se de

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forma totalmente nova funções elementares de atividade intensa e complexa do indivíduo, na qual
antiga formação como o pensamento visual direto, a as funções intelectuais básicas e superiores
percepção e a inteligência prática. participam ativamente. Dessa maneira, a formação
Graças à aparição de novas formas de de conceitos não é resultante de associação, mas
pensamento se reestruturam as velhas formas.
Vigotski procura evidenciar que essa ruptura no [...] a questão central neste processo é o
pensamento se deve a duas dimensões do emprego funcional do signo ou da palavra
comportamento que guiam sua tese central: a do como meio através do qual o adolescente
desenvolvimento das funções psíquicas elementares subordina ao seu poder as suas próprias
operações psicológicas, através do qual ele
e as funções psíquicas superiores. O autor considera
domina o fluxo dos próprios processos
que a evolução do conteúdo do pensamento é um psicológicos e lhes orienta a atividade no
processo de desenvolvimento cultural, histórico e sentido de resolver os problemas que tem
socialmente condicionado, enquanto que, pela frente (VIGOTSKI, 2000, p.169).
erroneamente, em outras teorias parte-se do
pressuposto de que o desenvolvimento das formas A aquisição da linguagem proporciona um salto
do pensamento deveria ser analisado como um no desenvolvimento intelectual, no qual o biológico
processo biológico, determinado pela maturação transpõe para o cultural. O que antes era realizado
orgânica da criança. pela inteligência prática, instintiva, passa com a
A crítica veemente do autor a essas teorias se linguagem a ser expresso por pensamentos. Nessa
deve à definição que se faz do desenvolvimento do condição o indivíduo passa a planejar e antecipar
pensamento, no qual profundas mudanças em seu suas ações. É esse tipo de pensamento que se
conteúdo não decorrem do desenvolvimento de suas observa no adolescente. O signo e a palavra
próprias operações intelectuais “e graças as quais permitem assim ao indivíduo dominar e realizar
tão só pode surgir um outro conteúdo de operações psíquicas. Sob controle tais operações
pensamento” (VIGOTSKI, 1996, p.51). Estas orientam o indivíduo a alcançar a solução de um
mudanças estão atreladas à experiência exterior do
determinado problema. O desenvolvimento dos
indivíduo. As próprias formas de experiência,
conceitos se relaciona ao desenvolvimento da
sempre invariáveis, sempre iguais em si mesmas,
consciência social e paralelamente à linguagem.
em cada nova etapa do desenvolvimento estão em
A apropriação dos conceitos científicos,
dependência de seu enriquecimento. A ampliação
conforme explicita Facci (2004), facilita o
da relação do indivíduo com o meio passa a
desenvolvimento das funções psicológicas uma vez
constituir o conteúdo da experiência e daí por diante
que a formação de um novo conceito envolve o
renova-o sempre. Vigotski defende a idéia de que
processo de generalização. Na medida em que o
todas as funções psicológicas superiores se
pensamento e a linguagem se unem, a consciência
desenvolvem na coletividade, primeiro como função
passa a existir, e o indivíduo passa a conceituar o
interpsicológica para depois se tornar intra-
mundo e as relações.
psicológica, individual.
Vigotski (2001, p.71) considera que em
A conduta humana, segundo Vigotski (1996),
“qualquer idade um conceito expresso por uma
não é só produto da evolução biológica – graças a
qual se forma um tipo humano com todas as palavra representa um ato generalizante”. Assim, à
funções psicofisiológicas necessárias e inerentes. O medida que o intelecto do indivíduo se desenvolve
comportamento é também produto do substituem-se as generalizações mais simples por
desenvolvimento histórico e cultural. Dessa um tipo cada vez mais elevado – processo este que
maneira, o desenvolvimento da conduta não se acaba por levar à formação dos verdadeiros
deteve com o início da existência histórica da conceitos. É nesse sentido que a tarefa de solução
humanidade, tão pouco seguiu simplesmente os de um problema desempenha papel decisivo na
caminhos da evolução biológica da conduta. formação de conceitos. Assim, como o caráter da
É da conduta própria da adolescência que se tarefa, “o objetivo que o adolescente tem diante de
formam os verdadeiros conceitos. De acordo com si pode atingir através da formação de conceitos é,
Vigotski (2000), o conceito surge no processo de sem dúvida, um dos momentos funcionais sem cuja
solução de um problema que se coloca para o incorporação não podemos explicar plena e
pensamento. A formação de conceito ou aquisição cientificamente a formação dos conceitos”
de sentido por meio da palavra é resultado de uma (VIGOTSKI, 2001, p.171).

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Para Vigotski (2001), o emprego significativo CONSIDERAÇÕES FINAIS


delimita a infância e a adolescência. O emprego da
palavra como meio de formação de conceitos é a Analisar o desenvolvimento do psiquismo
causa psicológica imediata da transformação humano por meio da Teoria Sócio-Histórica
intelectual (VIGOTSKI, 2001). Cada vez que uma remete à análise aprofundada de eixos da
nova estrutura é organizada, requer reorganizar a Psicologia enquanto ciência e sua concepção
estrutura de todos os conceitos anteriormente norteadora de homem como objeto de estudo.
elaborados. Apesar da formação de uma nova Observa-se em produções científicas da
estrutura, o processo anterior não se perde, esses Psicologia uma compreensão da adolescência, que
conceitos não serão reconstruídos, mas transferidos a institui como fase “naturalizada” do
à totalidade da esfera conceitual. Portanto, o desenvolvimento humano desconsiderando o
processo de formação dos conceitos pressupõe o contexto social e histórico em que os indivíduos
domínio do fluxo dos processos psicológicos por estão inseridos.
meio do uso funcional da palavra ou do signo. Para De acordo com essas teorias, o
o autor, “é somente na adolescência que se desenvolvimento psicológico do indivíduo ocorre
desenvolve esse domínio dos próprios processos de de maneira progressiva por meio de estágios fixos
comportamento com o emprego de meios e invariáveis, cada indivíduo tendo que atravessar
auxiliares” (2001, p.172). os mesmos estágios, na mesma seqüência, sendo
Vigotski (1982, p.254) sustenta que este um fundamento universal. Assim,
consideram que as estruturas cognitivas
[...] o desenvolvimento dos conceitos apresentam uma propriedade seqüencial. As
científicos se inicia na esfera do caráter estruturas aparecem em ordem fixa de sucessão
consciente e na voluntariedade e contínua na qual cada uma é necessária para a formação da
mais distante brotando em direção abaixo seguinte.
da esfera da experiência pessoal e do
Constatam-se as profundas influências da
concreto.
teoria freudiana e dos seus preceitos no
entendimento do processo de evolução
Quando destaca o caráter consciente Vigotski
psicológica do homem. Essas influências são
se refere à generalização do pensamento e sistema
evidentes nas concepções dominantes do
de relação de comunicabilidade entre os conceitos.
adolescente na atualidade. O desenvolvimento é,
A relação se dá pela movimentação que acontece
então, conectado a condições emocionais,
entre a zona de desenvolvimento proximal e o nível negligenciando a capacidade da construção e
atual de desenvolvimento. O eixo que as liga é o evolução do pensamento dos conceitos no período
caráter consciente e a voluntariedade dos conceitos, da adolescência.
propriedades consideradas pelo autor insuficientes Para esse conjunto de teorias do
para os conceitos cotidianos. Na adolescência a desenvolvimento, a adolescência se traduz em um
“interação com os companheiros é mediada por período permeado por desequilíbrios e
determinadas normas morais e éticas (regras de instabilidades extremas. Essa perspectiva,
grupo)” (FACCI, 2004 p.71). dominante e presente na atuação do psicólogo, é
É por meio do ensino escolar que o indivíduo definida por Bock (2004) como “a-histórica e
cria uma nova linha de desenvolvimento, abstrata”. De característica universal, esta fase é
acelerando-o e promovendo-o. A escola é, portanto, descrita na literatura como dominada pela
fonte de seu desenvolvimento intelectual e “conturbação” e “instabilidade emocional”, uma
conceitual. Vivido no período escolar esse processo vez que é regida por alteração hormonal. Não é
proporciona a aprendizagem de conhecimentos compreendida como um período construído na
científicos, base para o domínio do pensamento sociedade pelas necessidades postas pelos
teórico e de outras funções psicológicas superiores. próprios homens, ao transformar a natureza por
A escolarização ocupa, dessa forma, um lugar de meio do trabalho.
destaque proporcionando, além disso, o Clímaco (apud BOCK, 2004) destaca que a
desenvolvimento de um pensamento crítico ao origem dessa fase de desenvolvimento é
estabelecer relações de conhecimento mediadas decorrente das revoluções industriais, que exigiu
pelas relações com companheiros e com pessoas uma formação tecnológica mais avançada,
adultas. buscada nas escolas, o que levou os jovens a

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permanecerem mais tempo estudando e longe dos adulto, tendo como atividade dominante o
pais. Ao mesmo tempo, a autora relata que o trabalho. Tinham que dar conta de cuidar da casa,
desemprego entre os adultos criou a necessidade dos irmãos mais novos, ou mesmo do novo lar,
de que os jovens ficassem mais tempo afastados considerando que se casavam precocemente. É
da concorrência pelo trabalho. Desta forma, a diferente do que acontece na atualidade em que
adolescência é encarada, de acordo com Bock assistimos um prolongamento da adolescência.
(2004, p. 41), como um período de Além da Educação Básica, uma parcela vai para o
Ensino Superior e a atividade de trabalho é adiada
[...] latência social constituída a partir da a cada momento para uma idade mais avançada.
sociedade capitalista, gerada por questões Essas são as condições que a nossa sociedade
de ingresso no mercado de trabalho, apresenta ao jovem.
extensão do período escolar, da Conforme afirma Facci (2004b), para os
necessidade do preparo técnico.
autores da Psicologia Sócio-Histórica, os estágios
de desenvolvimento possuem certa seqüência
Desse ponto de vista, as características dos
temporal, mas não são imutáveis, pois dependem
jovens dependem das condições e necessidades
das condições concretas nas quais ocorre o
históricas de cada momento. A sociedade
desenvolvimento. As condições histórico-sociais
moderna criou o adolescente com essas concretas exercem influência tanto sobre as
características vinculadas ao culto ao corpo, à características de cada estágio individual do
falta de responsabilidade em relação aos desenvolvimento, como sobre o curso do processo
episódios que vivenciam, a crises que buscam de desenvolvimento psíquico como um todo. As
justificar todos os seus comportamentos. relações constitutivas da formação da
Se partirmos do pressuposto de que as personalidade do adolescente encontram-se
condições econômicas interferem no vinculadas ao desenvolvimento histórico-cultural
estabelecimento e características das fases do da sociedade e este é atrelado às atividades do
desenvolvimento humano, constatamos que cabe adolescente.
ao adolescente atual tão somente a rebeldia, as Tais condições representam as bases a partir
“crises”, uma vez que nem os ambientes das quais se desenvolve o psiquismo humano: por
educativos e muitos menos as opções de trabalho meio da atividade humana. Ao se objetivar
possibilitam ao jovem empregar suas funções socialmente o homem desenvolve “suas
psicológicas superiores cujo salto qualitativo capacidades, suas habilidades, seus sentidos,
ocorre neste período. enfim, as propriedades que lhe conferem a
Com base na teoria histórico-cultural do condição de ser universal” (MARTINS, 2004,
desenvolvimento, podemos afirmar que os p.59). Olhar para o adolescente sem analisar o
adolescentes têm potencialidades, possuem contexto histórico e social em que está inserido é
condições cognitivas, fisiológicas e afetivas tais negar sua relação com a natureza, bem como a
como os adultos. Tais condições permitem que importância do outro e da coletividade na
realizem mais do que o fazem no momento atual, construção da consciência humana.
no entanto, são impedidos de empregar sua Poucos autores enfocam as condições sociais,
capacidade em função de nossos condicionantes culturais e históricas do desenvolvimento. Aguiar,
histórico-sociais. Bock e Ozella (2001) estão entre estes e têm
Mesmo recebendo críticas, o conceito de denunciado a necessidade de olhar o psiquismo
estágios evolutivos de desenvolvimento é uma humano como uma produção social resultante da
idéia constante nos estudos contemporâneos da apropriação das produções culturais da sociedade.
psicologia do desenvolvimento. Em razão disso, Apropriação esta que ocorre de mediações sociais
podemos nos perguntar: Se os estágios fossem diversas.
naturais como explicaríamos o fato de muitas Segundo Vigotski (1996), na fase adolescente
pessoas afirmarem que na “época delas” a se produz um importante avanço no
adolescência não existia? Isso pode ser observado desenvolvimento intelectual, formando-se os
quando entramos em contato com nossas mães, verdadeiros conceitos. Os conceitos abrem para o
avós, que há cerca de 70, 80 anos atrás não jovem o mundo da consciência social e o
manifestavam as “crises” de adolescência. Elas conhecimento da ciência, da arte, e das diversas
passavam da condição de criança para a de esferas da vida cultural que podem ser

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corretamente assimiladas. Por meio do AGUIAR, Wanda M. Junqueira; BOCK, Ana Mercês Bahia e
pensamento em conceito o adolescente passa a OZELLA, Sérgio. A orientação profissional com adolescentes:
um exemplo de prática na abordagem sócio-histórica. In:
compreender a realidade, as pessoas ao seu redor
BOCK, Ana Mercês Bahia; MARCHINA, Maria da Graça e
e a si mesmo. O pensamento abstrato se FURTADO, Odair (Org.), Psicologia Sócio-histórica. São
desenvolve cada vez mais e o pensamento Paulo: Cortez, 2001. p.129-140
concreto começa a pertencer ao passado de seu BEE, Helen. A criança em Desenvolvimento. São Paulo:
desenvolvimento. O conteúdo do pensamento do Harper & Row do Brasil, 1997.
jovem converte-se em convicção interna, em BLOS, Peter. Adolescência: uma interpretação psicanalítica.
orientações dos seus interesses, em normas de SP: Martins Fontes, 1996.
conduta, em sentido ético, em desejos e BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de
propósitos. Leontiev e a crítica à naturalização da informação do ser
Em estudos tradicionais sobre a adolescência humano: a adolescência em questão. Cad. CEDES, 2004,
a capacidade de formar os verdadeiros conceitos e vol.24 no. 62, p. Campinas.
de realizar um grande salto no desenvolvimento COLL, César, MARCHESI, Álvaro e PALACIOS, Jésus.
Desenvolvimento psicológico e educação – 1: psicologia
das funções psicológicas não são aspectos
evolutiva. Tradutor(a): Daisy Vaz de Moraes. 2 ed. Porto
ressaltados. Tais estudos se detêm nas “crises” e Alegre: Artes Médicas Sul, 2004.
“mitos” da adolescência e não colocam em relevo
ERICKSON, Erik. Identidade, juventude e crise. Rio de
a grande capacidade de elaboração mental do Janeiro: Zahar,1968.
adolescente, a sua capacidade de superar os FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou
conceitos espontâneos e desenvolver a esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-
consciência filosófica. Nesse sentido, Facci (2004 comparativo da Teoria do Professor Reflexivo, do
a) enfatiza a necessidade de a educação escolar Construtivismo e da Psicologia Vigotskiana. Campinas:
ser guiada de forma a dirigir regularmente o ritmo Autores Associados, 2004 a.
e o conteúdo do desenvolvimento por meio de FACCI, Marilda Gonçalves Dias. A Periodização do
ações que exerçam influência sobre este. A Desenvolvimento Psicológico Individual na Perspectiva de
Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cad. CEDES, 2004, vol.24
escola, ao lidar com os adolescentes, tem diante
no.62,p. Campinas .
de si uma possibilidade de levar os jovens a
GALLATIN, Judith E. Adolescência e Individualidade. São
utilizarem essa capacidade máxima de Paulo: Harbra, 1986.
pensamento na elaboração de atividades que
LEONTIEV, Alexis. N. O desenvolvimento do psiquismo.
promovam o seu desenvolvimento e da sociedade Tradução: Manuel Dias Duarte. Lisboa: Livros Horizontes,
como um todo. 1978.
Apresentadas essas idéias com vistas à reflexão MARTINS, Lígia Márcia. A natureza histórico-social da
sobre a adolescência, esperamos que os estudos personalidade. Cad. CEDES, Apr. 2004, vol.24, n.62, p.
empreendidos pela Psicologia Sócio-Histórica Campinas.
possam contribuir com a prática pedagógica. Uma MARX, Karl. : economia/ organizador Paul Singer; tradução
prática pedagógica que valorize o trabalho do Edgard Malagodi – São Paulo: Ática, 1982.
professor enquanto aquele que, no processo de MEAD, Margaret. Adolescência y cultura en Samoa .
mediação dos conhecimentos científicos, promove o Traducción directa del ingles por Elena Dukelski Yoffe.
desenvolvimento dos seus alunos, superando visões Editorial Abril. Buenos Aires, 1945.
negativas sobre essa fase de desenvolvimento. Além MUSSEN, Paul. Henry.; CONGER, John Janeway.;
disso, seja capaz de trazer para o centro do processo KAGAN, Jerome. E. e HUSTON, Aletha Carol.
Desenvolvimento e personalidade da criança. São Paulo:
ensino-aprendizagem toda a potencialidade dos Editora Harbra, 1992.
jovens, neste encontro tão rico que se dá entre a
PAPALIA, Diane E.; Olds, Sally Wendkos. Desenvolvimento
subjetividade e a educação, no processo de Humano. Trad. Daniel Bueno. 7. ed. Porto Alegre: Artes
escolarização. médicas Sul, 2000.
PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da
constituição cultural da criança na perspectiva de Lev. S.
REFERÊNCIAS Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005.
SCHULTZ, Duane P. e SCHULTZ, Sydney Ellen. Historia da
ABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Maurício. Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 1981.
Adolescência Normal: um enfoque psicanalítico. Trad. de TOMIO, Noeli Assunta Oro. Concepções do Professor
Suzana Maria Garagoray Ballve. 10a ed. Porto Alegre: Artes Alfabetizador: uma visão histórico-crítica? (Dissertação de
Médicas, 1992. Mestrado) PUC - Campinas – Psicologia Escolar. 2004.

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VYGOSKI, Liev Semióniovich. Obras Escogidas II. Madrid:
Centro de Publicaciones del M.E.C. y Visor Distribuciones, Recebido: 05/03/2008
2001. Aceito: 10/09/2008

Endereço para correspondência: noelioro@hotmail.com

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