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1961: Julgamento de Adolf

Eichmann
Em 11 de abril de 1961 iniciou-se em Jerusalém o julgamento de Adolf
Eichmann, responsável pela deportação de centenas de milhares de
judeus para campos de concentração.

Sequestrado pelo serviço secreto de Israel na Argentina, onde vivia sob nome falso, Eichmann
foi condenado à morte
O prédio do tribunal em Jerusalém parecia uma fortaleza. Centenas de policiais
controlavam as saídas. Especialmente para os 500 jornalistas que faziam a
cobertura do julgamento, foi montada uma sala com telégrafos e telefones.
Protegido por vidros blindados, o réu insistiu o tempo todo em sua inocência.
O julgamento de Adolf Eichmann, chefe da Seção de Assuntos Judeus no
Departamento de Segurança de Hitler, foi o segundo maior julgamento de nazistas
depois do processo de Nurembergue, que aconteceu logo após a Segunda Guerra
Mundial. A condenação de Eichmann foi baseada no depoimento de mais de 100
testemunhas, em duas mil provas e 3.500 páginas do protocolo da polícia
israelense.
O mundo esperava ver um monstro, um antissemita brutal, um nazista fanático. O
réu, por sua vez, passou a imagem de um burocrata que teria apenas assinado
documentos. Os peritos lhe atestaram a condição de subalterno de pouca iniciativa
própria e sem senso de responsabilidade. Após o julgamento, que foi transmitido
pela televisão, intelectuais chegaram a se confessar chocados com o fato de
Eichmann não ter sido um seguidor fanático de Hitler.
Ele insistia que apenas cumpriu ordens e jamais preocupou-se em questioná-las.
Apenas um exemplo: em março de 1944, Eichmann foi mandado à Hungria, onde
organizou a deportação de 800 mil judeus. Em menos de dois meses, 147 trens
levaram 434 mil pessoas para as câmaras de gás de Auschwitz.
Execuções "desumanas" para os carrascos
Da mesma forma como colaborou com o regime nazista, ele cooperou com a polícia
e a Justiça de Israel, mas nunca demonstrou qualquer forma de arrependimento.
A partir de sua escrivaninha, havia coordenado a perseguição, o sequestro e a
deportação de milhares de judeus, marcados para morrer nos campos de
concentração. Eichmann conhecia o destino dos prisioneiros. Assistiu às execuções
em massa a tiros e nas câmaras de gás, chegando a considerá-las "desumanas", não
para as vítimas, e sim para os carrascos.
Eichmann foi preso por soldados norte-americanos em 1945 e não revelou sua
identidade. Um ano depois, conseguiu fugir com outros presos e começou a
trabalhar no norte da Alemanha como lenhador, sob nome falso.

Eichmann na Argentina
Em 1950, fez contato com a Odessa, uma organização secreta de ex-oficiais da SS,
que o ajudou a fugir. Na Itália, teve o apoio de um padre franciscano que conhecia
sua identidade e lhe providenciou documentos falsos.
Sequestro e transporte para Israel
Com o nome de Ricardo Klement, ele emigrou para a Argentina e mais tarde
também transferiu para lá mulher e filhos. O serviço secreto israelense Mossad o
descobriu e o sequestrou em 1960. Depois de passar 11 dias amarrado a uma cama,
foi obrigado a assinar um documento em que aceitou seu julgamento num tribunal
israelense.
O Mossad teve sorte, pois talvez não tivesse conseguido retirar o prisioneiro
clandestinamente da Argentina, caso a esposa de Eichmann tivesse registrado
queixa na polícia em Buenos Aires. Para isso, ela teria que revelar a verdadeira
identidade da família. O que, por outro lado, poderia ter poupado a vida de
Eichmann, se fosse julgado por seus crimes nazistas na Alemanha, onde não existe
pena de morte.
Enquanto aguardava o julgamento, Eichmann escreveu suas memórias, nas quais
insiste em sua condição de mero cumpridor de ordens superiores durante a
Segunda Guerra Mundial. O julgamento de Eichmann durou um ano e terminou
com sua condenação à morte. A execução aconteceu pouco antes da meia-noite de
31 de maio de 1962.

LEIA MAIS

GOVERNO DE ISRAEL RECUSA-SE A DEVOLVER EICHMANN À


ARGENTINA

Em fontes chegadas ao governo de Israel informa-se que as autoridades


israelenses não devolverão o ex-nazista Adolf Eichmann à Argentina, conforme foi
exigido em energica nota entregue ao embaixador de Israel em Buenos Aires.
Nesse documento o governo argentino não somente exige a devolução do
criminoso nazista, dentro de uma semana, como tambem pede sejam castigados
os "voluntarios judeus" responsaveis pela sua retirada sub-repticia do país.
A Argentina chamou seu embaixador em Israel e advertiu que levará o caso
perante as Nações Unidas se o seu ultimato não for cumprido. Por seu lado, o
governo de Israel pretende responder à nota argentina na forma mais moderada
possível, a fim de evitar a ruptura das relações entre os dois países.

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1960

Neste texto foi mantida a grafia original

O caso Eichmann põe em perigo as relações entre a Argentina e Israel


Buenos Aires, 9 - A exigencia argentina de que Israel devolva o ex-nazista Adolf
Eichmann no prazo de uma semana coloca as duas nações à beira de um completo
rompimento de relações diplomaticas.
A Argentina já chamou o seu embaixador em Israel e advertiu que levará o caso
perante as Nações Unidas se o governo israelense rejeitar seu ultimato.
Em uma energica nota entregue ontem à noite ao embaixador israelense, Arieh
Levavi, a Argentina exige não somente que se traga novamente aqui a Eichmann
como que se castiguem os "voluntarios judeus" que o retiraram sub-repticiamente
do país.
A nota argentina critica severamente a explicação dada sobre o incidente,
rejeitando particularmente sua "gratuita" afirmação de que "numerosos nazistas
vivem na Argentina".
Uma nota israelense entregue aqui em principios desta semana dizia que
Eichmann deixou a Argentina espontaneamente com um grupo de voluntarios
judeus que o haviam descoberto em Buenos Aires, sem dizer nada ao governo de
Israel.
A Argentina diz que, com efeito, Israel reconhece a responsabilidade dos raptores
de Eichmann ao pedir desculpas por suas ações, porem "não oferece reparações,
que são a consequencia inevitavel do reconhecimento de responsabilidade".

Resposta moderada

Jerusalem, 9 - Israel não devolverá Adolf Eichmann, como o solicitou o governo


argentino, mas responderá da forma mais moderada possivel com o fim de evitar
uma possivel ruptura de relações - afirma-se em fontes proximas ao governo
israelense.
É o primeiro-ministro Ben Gurion quem, na ausencia da titular, sra. Golda Meir,
desempenha as funções de chanceler e se ocupa atualmente do assunto.
O pedido argentino de devolução do criminoso nazista ainda esta semana provocou
viva emoção em Israel. Alguns meios não vacilam em qualificar a posição
argentina de "intransigente", e afirmam que Israel poderia ser obrigado a publicar
um "livro negro" sobre os crimes de Eichmann contra os judeus.

Negativa sistematica

Banberg, Alemanha, 9 - A Promotoria do Estado disse hoje que a Argentina se


tem negado, sistematicamente, a permitir a extradição do ex-funcionario nazista
Karl Kligenfuss para que seja interrogado na Alemanha sobre sua suposta
cumplicidade em crimes de guerra.
Kligenfuss, de 59 anos, foi conselheiro de legação e administração de Assuntos
Judeus durante o regime nazista. Pouco depois da guerra mundial fugiu para a
Argentina, mas as autoridades judiciais o desejam aqui para interrogá-lo sobre sua
possível cumplicidade na execução de judeus durante a guerra.
Um Tribunal de Nuremberg ditou uma ordem de prisão contra Kligenfuss em 1952,
depois que seu nome foi mencionado no processo de Franz Rademacher, tambem
conselheiro de legação e especialista em Assuntos Judeus que trabalhava no
Ministerio de Relações Exteriores nazista.
Rademacher foi condenado a três anos e cinco meses de prisão por sua
cumplicidade no exterminio de 1.300 judeus, mas fugiu para o Levante quando se
achava em liberdade provisoria.
As autoridades argentinas se têm negado a conceder a extradição de Kligenfuss
baseando-se no fato de que esteve só incidentalmente implicado nos casos de
homicidio mencionados no processo de Rademacher, segundo disse hoje o
departamento do promotor de Bamberg.
Kligenfuss não respondeu tampouco às petições da Promotoria de Bamberg para
que regresse voluntariamente à Alemanha.

"Autoridades argentinas cooperaram"

Londres, 9 - O "Daily Express" informa hoje que aumenta a evidencia de que


algumas autoridades argentinas cooperaram na captura de Adolf Eichmann,
temendo ver-se em uma situação "internacional embaraçosa", se intervierem.
Em um despacho de seu correspondente em Buenos Aires, Colin Lawson, diz que a
Policia argentina não investigou a informação da senhora de Eichmann de que seu
esposo havia desaparecido.
Lawson diz que a informação de que se dispõe indica que Eichmann foi retido na
Argentina durante nove dias depois de seu desaparecimento, provavelmente em
um clube judeu de Buenos Aires.
Aparentemente não se fizeram perguntas - diz o correspondente, após citar as
palavras de um funcionario argentino que - segundo se afirma - lhes disse: "É
evidente que há algo estranho. Você deve usar o seu senso comum."

Debates no Parlamento de Israel

Jerusalem, 9 - O caso Eichmann foi objeto, hoje, de um debate parlamentar em


Jerusalem, onde foi rejeitada uma moção, por 29 votos contra 22, na qual se pedia
que a imprensa pudesse livremente publicar o caso, enquanto que o ministro da
Justiça considera que isso não deve ser feito até que seja instruido o sumario.

Extradição

Bonn, 9 - A negativa do governo federal em solicitar a extradição de Adolf


Eichmann ao governo israelense foi confirmada hoje por um porta-voz do
Ministerio da Justiça. Essa declaração constitui um desmentido às informações
procedentes do Cairo que falavam de uma proxima gestão do governo federal
nesse sentido.
"Não existe qualquer base juridica para tal gestão - precisou o porta-voz - posto
que não existe um acordo de extradição entre Israel e a República Federal Alemã".

Prisão de Eichmann e no Norte

Telavive, 9 - Adolf Eichmann está preso numa cadeia do norte de Israel -


declarou ontem um porta-voz da Policia israelense acrescentando que o criminoso
de guerra estava em boas condições fisicas, embora mental e moralmente esteja
bastante mal. "Continuaremos a interrogar Eichmann quatro ou cinco horas por
dia" - concluiu o porta-voz.

Violação da soberania nacional

Paris, 9 - A nota argentina a Israel, reclamando a devolução de Adolf Eichmann,


sob pena de levar o assunto da captura do ex-chefe nazista perante as Nações
Unidas, causou hoje grande sensação em Paris.
"Le Figaro", com titulo "Um Problema de Direito Internacional" publica a opinião de
um especialista juridico, o advogado Raymond de Geouffre de la Pradelle, um dos
autores da supressão da famosa lei que criou a culpabilidade coletiva. Segundo
aquele especialista, "nenhum texto internacional permite que Israel julgue um
criminoso de guerra por crimes cometidos no estrangeiro". Aquele jurista salienta,
que, quando Eichmann cometeu tais crimes, "o Estado de Israel ainda não existia".
"Tudo isso - prossegue o advogado Raymond de la Pradelle - pode dar lugar a uma
justa reclamação do governo argentino, mas, de qualquer maneira, este caso é
exclusivamente da competencia das autoridades alemãs ocidentais que, há tempo,
lançaram uma ordem de detenção contra Eichmann."
Finalmente, o jurista diz que Israel violou a soberania nacional da Argentina e que
sua posição juridica é pouco solida.

Evacuada a Embaixada argentina

Telavive, 9 - A Policia fez evacuar, esta noite, a Embaixada argentina, depois de


receber um chamado telefonico anonimo dizendo que se havia colocado uma
bomba no edificio para protestar contra o pedido do governo argentino de que lhe
seja devolvido o ex-nazista Adolf Eichmann, acusado da morte de milhões de
judeus durante o regime hitlerista.

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