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Perda e Luto:

Modelos compreensivos e
Estratégias de Intervenção

Maria Cristina Canavarro

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Mestrado em Psicologia Clínica/Saúde;


Sub-especialidade: Psicogerontologia Clínica

Intervenção Psicoterapêutica com Idosos


Perda e Luto

Quando pensamos em perda pensamos na perda, por morte,


das pessoas de quem gostamos. Mas a perda é um tema bem mais presente
na nossa vida. Não perdemos apenas através da morte,
mas também partindo e vendo outros partir, quando mudamos e quando nos
deixamos ficar. As nossas perdas incluem não apenas
as nossas separações e partidas para longe daqueles de quem gostamos, mas
as nossas... perdas de sonhos, expectativas impossíveis, ilusões de
liberdade e poder, ilusões de segurança - e a perda do nosso próprio self da infância.
(Viorst, 1986, p.2)

Perda … ocorrência indesejada, implicando privação de alguém ou algo, exigindo


adaptação…
Perda e Luto

As diversas designações associadas à perda e ao luto:

- Bereavement // Perda de alguém+ Processo de Luto: Inclui a situação


e o processo de adaptação à perda de alguém significativo.

- Grief//Componente emocional do processo de luto; estado de dor e


sofrimento): Respostas emocionais que caracterizam as fazes de
processo de luto

- Mourning//luto: Padrões de comportamento e expressão emocional


culturalmente aceitáveis durante o processo de luto.
Perda e Luto

Processo de Luto

 Processo psicológico pelo qual a tristeza experimentada por


perdas significativas é elaborada.

“O trabalho do luto inclui uma série de reacções tendentes à


aceitação da perda e posterior readaptação do Eu à nova
realidade.”
Perda e Luto

O redemoinho do processo de luto (R. Wilson, 1993)

A perda (queda de água) como interrupção do


curso esperado ou desejado da vida (o rio), a que
se segue habitualmente desorganização
emocional, comportamental, social, traduzidos
em choque, raiva, apatia, culpa ou ansiedade,
dificuldade em manter rotinas e cumprir tarefas,
isolamento… (o redemoinho).
É possível ser-se atirado contra as rochas (dor,
sintomas físicos e emocionais), ou ficar retido
nas margens (esgotamento, processos de luto
atípicos, complicados).
São necessárias estratégias para fazer o luto,
aceitando a realidade da ausência, promover a
adaptação … Este processo pode permitir a
reorganização (o rio que segue o seu curso)…
Modelos compreensivos:
Características e processo do “luto normal”

Modelos principais

• Baseados em estádios e tarefas:


- Elizabeth Kubler-Ross (1969)
- John Bowlby (1980)

• Baseados nas teorias de stress e coping


- Stroebe & Shut (1999)
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Elizabeth Kubler-Ross (1969)

Processo de luto

Fase 1: Negação

Fase 2: Revolta

Fase 3: (Se se trata da sua própria morte)


“Negociação” (existencial; religiosa)

Fase 4: Depressão e sensação de perda

Fase 5: Aceitação
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Caracterização dos estádios do Luto (Bowlby, 1980)

Designação Caracterização

1º) Fase de Protesto Fase dominada pela preocupação permanente com


a pessoa perdida e com a tentativa de conseguir o
seu regresso. Emoções características: ansiedade,
revolta e medo.

2º) Fase de Desespero e Fase resultante da constatação da ineficácia do


Desorganização protesto para trazer de volta a figura de vinculação.
Emoções características: desespero, tristeza e
solidão.

3º) Fase de Desvinculação Fase que marca uma aparente recuperação e gradual
interesse em actividades sociais e outras.
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Caracterização dos estádios do Luto (Bowlby, 1980)


1º) Fase de Choque e Fase caracterizada pela falha no registo da perda da
Negação figura de vinculação.

2º) Fase de Protesto Fase dominada pela preocupação permanente com


a pessoa perdida e com a tentativa de conseguir o
seu regresso. Emoções características: ansiedade,
revolta e medo.

3º) Fase de Desespero e Fase resultante da constatação da ineficácia do


Desorganização protesto para trazer de volta a figura de vinculação.
Emoções características: desespero, tristeza e
solidão.

4º) Fase de Reorganização Fase que marca uma aparente recuperação e gradual
interesse em actividades sociais e outras.
Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Crí
Críticas à concepç
concepção do luto como uma progressão de fases (de acordo
com Lund,
Lund, 1996):

1 O processo de luto ocorre habitualmente de uma forma


mais desordenada, sem a uniformidade aparente nos
modelos

2 Fraca evidência empírica sobre a necessidade da sua


ocorrência para a adaptação

3 Dificuldade de aplicação nalguns contextos culturais


Características e processo do “luto normal”
Modelos baseados em estádios e tarefas

Pontos-
Pontos-fortes da concepç
concepção do luto como uma progressão de fases (de
acordo com Lund,
Lund, 1996):

1 Suporte empírico sobre as emoções identificadas nos


modelos

2 Contributo à identificação de “partes” de um processo


complexo.

3 Sublinham a importância do papel activo da pessoa no processo


de luto
Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

STRESS…
Processo dinâmico de transacções mútuas entre os diferentes
ambientes de vida (familiar, profissional, social...) da pessoa, em que se
verifica uma discrepância entre as exigências percebidas e as
competências que julga possuir para as enfrentar.

O stress define-se
na interacção
entre a pessoa e os seus contextos de vida.
Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

•Acontecimentos traumáticos Se no processo de avaliação uma ocorrência é


•Acontecimentos significativos da vida
considerada importante para o indivíduo e lhe cria
•Situações crónicas
um grau de exigência superior aos seus recursos e
•Micro indutores
aptidões então entra em stress
•Macro indutores

•Acontecimentos desejados que não ocorreram


Apoio Social

•Traumatismos decorridos no estádio de

desenvolvimento Respostas evocadas pelo stress

(Mantém) Biológica Cognitiva


Comportamental Emocional

Inadequadas Focadas no Problema


Estratégias
Adequadas Focadas na Interacção
de coping
Social
Resolução do Stress Focadas na Emoção

UM MODELO COMPREENSIVO DE STRESS (A. Vaz Serra, 1999)


Luto : Modelos compreensivos
Modelos baseados nas teorias de stress e coping

Modelo do processo dual de coping com o luto (Stroebe


(Stroebe & Shut,
Shut, 1999)

Acontecimentos Acontecimentos/perdas
indutores de Perda Oscilação
confronto/evitamento associados à perda nuclear
stress ligados ao
luto

Coping Coping focado na restauração


Estratégias focado na Oscilação (emocional; instrumental)
cognitivas de perda
coping (emocional)
Questões Diagnósticas:

Luto e Luto patológico


Luto e luto patológico

“ O tempo cura as feridas”


(provérbio popular)

- Perigo pela passividade do sujeito implícita no processo

- Alerta para a necessidade de tempo para que o processo de luto decorra


(é o que acontece durante esse tempo que deve ser alvo de atenção…)
Luto e luto patológico

Luto “normal” Luto “patológico”

“Processo de luto”

PROCESSO cognitivo de confrontação com a perda, de


lidar com os acontecimentos anteriores e na altura da
morte e de focar-se nas memórias do falecido, de
forma a reorganizar o vínculo relacional
Luto normal e luto patológico

Formas atípicas do Luto (Bowlby, 1980)

“ausência prolongada luto “luto crónico”


de luto consciente”
Luto patológico: questões diagnósticas

De acordo com o DSM- IV (APA, 1994): LUTO


 Considerar o diagnóstico de Distúrbio Depressivo Major se persistirem
sintomas depressivos 2 meses após a perda.

 Sintomas que justificam o diagnóstico de “luto patológico” (Bereavement),


não presentes numa reacção “normal” de luto (grief):

1. Sentimentos de culpa relacionados com outras coisas para além do que fez
ou não fez na altura da morte do ente querido.

2. Pensamentos acerca da morte para além de pensar que era melhor ter sido
ele(a) a morrer ou que devia ter morrido juntamente com o(a) falecido(a).

3. Preocupação mórbida acerca da sua inutilidade e menos-valia.

4. Acentuada lentificação psicomotora.

5. Dano funcional acentuado e duradoiro.

6. Experiências alucinatórias, para além do pensar que vê a voz ou uma breve


imagem da pessoa falecida.
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Complicado (Horowitz, Siegel, Holen, 1997)

A. Critério relacionado com o acontecimento/resposta prolongada


Luto (por perda de cônjuge, outro familiar ou amigo íntimo) há pelo menos
14 meses (evita-se os 12 meses devido a possível reacção turbulenta no
primeiro aniversário da morte).
B. Critérios relacionados com sinais e sintomas
 Sintomas intrusivos
1. Memórias espontâneas ou fantasias intrusivas relacionadas com a
relação perdida
2. Fortes períodos de intensa emoção relacionada com a relação
perdida
3. Anseios ou desejos fortes e perturbadores de que o(a) falecido(a)
esteja presente
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Complicado (Horowitz, Siegel, Holen, 1997)

B. Critérios relacionados com sinais e sintomas (Continuação)

 Sinais de evitamento e dificuldades de adaptação

4. Sentimentos de intensa solidão ou de vazio

5. Afastamento excessivo das pessoas, locais ou actividades


que recordam o tema do falecimento

6. Níveis pouco habituais de interferência no sono

7. Perda de interesse pelas actividades profissionais, sociais,


recreativas ou por tomar conta de terceiros, num grau que é
desadaptativo.
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Traumático (Jacobs, Mazure & Prigerson, 2000)

Critério A
1. O indivíduo experienciou a morte de um outro significativo.
2. A resposta envolve uma preocupação intrusiva e geradora de mal-estar com a
pessoa falecida (e.g., saudades, desejo ou procura).
Critério B
Em resposta à morte, um ou mais dos seguintes sintomas são evidentes e
persistentes:
1. Esforços frequentes para evitar lembrar-se do falecido (e.g., evita pensamentos,
sentimentos, actividades, pessoas, lugares)
2. Sentimentos de inutilidade ou de futilidade acerca do futuro
3. Sensação subjectiva de turpor, desligamento ou ausência de reverberação
emocional
4. O indivíduo sente-se atordoado, confuso ou chocado
5. Dificuldade em aceitar a morte (e.g., não acredita no sucedido)
Luto patológico: questões diagnósticas

Critérios para Distúrbio de Luto Traumático (Jacobs, Mazure & Prigerson, 2000)

Critério B (continuação)
6. Sentimento de que a vida é vazia ou sem sentido
7. Dificuldade em imaginar uma vida preenchida sem o falecido
8. Sentimento de que morreu uma parte de si
9. Visão do mundo alterada (e.g., perde sentido de segurança, confiança ou
controlo)
10. Assume sintomas ou comportamentos prejudiciais da (ou relacionados com a)
pessoa falecida
11. Excesso de irritabilidade, amargura ou raiva relacionadas com a morte
Critério C
A duração do distúrbio (sintomas listados) é de pelo menos dois meses
Critério D
Distúrbio causa dano clinicamente significativo no funcionamento social,
ocupacional ou noutras áreas importantes.
Interacção entre luto e resposta a situações traumáticas

Experiência TRAUMA LUTO Perda


Traumática

Reexperiência Desrealização
Reexperiência
• pesadelos
• “flash-backs”
INTERACÇÃO • sonhos
• “flash-backs”
(pode intensificar os
sintomas
intersectados) Reacções somáticas
Reacções somáticas
Os aspectos Diminuição do interesse
traumáticos podem
esconder ou Perturbações do sono
Evitamento complicar o processo
de Dificuldades de
Activação luto) concentração
Hipervigilância
Irritabilidade/Raiva
Adaptado de
R. O. Nader (1997)
Luto patológico: diferenças individuais

1
 Impacto do acontecimento (traumático ou inesperado vs
. não traumático ou esperado)

2 de relação com o falecido


 Tipo
.

3
 Forma como decorrem os rituais associados à morte
.

4
 Factores de personalidade
.
Luto normal e luto patológico

Tópicos polé
polémicos:

1 Alguma vez se pode RESOLVER uma perda major ?

A desvinculação à figura perdida é necessária para que as


2 pessoas recuperem o seu anterior funcionamento ?

A resposta à perda toma sempre a forma de uma progressão de


3 estádios ?

O trabalho de luto consciente é necessário para que as pessoas


4 recuperem o seu anterior funcionamento ?
Estratégias de Intervenção
Protocolos de intervenção psicológica

Exemplo de um protocolo (Shear


Shear,, Frank, Foa et al.,
al., 2001)

Objectivos:

 Reduzir a intensidade do luto

 Desenvolver a capacidade de apreciar memórias ternas do


falecido (recordar sem activação emocional disruptiva)

 Promover o envolvimento em actividades quotidianas


(profissionais)

 Promover o investimento nas relações com os outros.


Protocolos de intervenção psicológica
(Shear, Frank, Foa et al., 2001)

Estratégias:
 Promover o investimento em actividades ocupacionais/laborais — experiência do
prazer e da realização pessoal dissociada da presença do falecido
 Promover o investimento relacional com os outros — reconstrução do sentido da
vida; apoio e reforço social; ganhos relacionais independentes da relação com o
falecido
 Prevenção da recaída — ligação aos outros, apego excessivo, emaranhamento, eu
sub-desenvolvido
 Lidar com ideacção suicida, tentativas de suicídio
 Parar com os evitamentos (cognitivos, emocionais e comportamentais)
 Exposição em imaginação/Luto guiado
–para promover a síntese emocional e dissociar a memória do afecto
disruptivo associado
 Exposição ao vivo
–cemitério, local da morte, locais frequentados pelo falecido… para
promover a aceitação da perda
Luto patológico: Intervenção

Critérios para avaliar a adaptação a uma perda major


(adaptado de Weiss, 1988)
1 Mostrar energia e capacidade para lidar com a vida de todos os
dias (rotina diária).

2 Revelar bem-estar físico, demostrado através da ausência de


dores físicas ou sintomas característicos de ansiedade.
Ser capaz de se sentir gratificado - sentir prazer quando ocorrem
3 situações ou acontecimentos desejados ou potencialmente
reforçadores.

4 Sentir esperança em relação ao futuro, ser capaz de fazer planos e


organizar estratégias para os atingir.

5 Funcionar de forma razoavelmente adequada ao desempenhar


papeis sociais como pai/mãe, marido/mulher ou membro de um
grupo.

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