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[ P R E V I S Õ E S 2 0 1 7 ]
carta ao LEITOR
Sangue
em nosso site, informações muito mais im-
portantes do que aquelas veiculadas pelos
grandes e velhos órgãos de imprensa.
PÓS-VERDADE DA PÓS-MÍDIA 20
ARTIGO EXCLUSIVO
Previsões 2017
O
ano surpreendente de 2016 po- TERRORISMO
deria surpreender menos com O Estado Islâmico volta para casa
conceitos mais profundos e me-
nos escorregadios por parte dos analistas O maior derrotado de 2016, além de
políticos mundiais. É com uma visão que Hillary Clinton e Dilma Rousseff, foi o
permite mais detalhes e menos equívocos Daesh, o Estado Islâmico da Síria e do Ira-
– o que os ingleses chamam de misconcep- que. Antes de 2016 um forte de resistência
tion, quando se tenta definir uma coisa, que tinha sob seu poder uma área equi-
mas a definição não bate com a coisa – que valente à da Inglaterra, a partir do mo-
podemos apresentar alguns prognósticos mento em que Vladimir Putin une forças
possíveis para 2017. Algo muito mais só- ao exército oficial sírio para combater os
lido do que os palpites gourmet da grande grupos insurgentes, sob comando do di-
e velha mídia. tador Bashar al-Assad, o Estado Islâmico
a ameaça do terrorismo islâmico. As ne- tidos até por grupos com certa rivalidade
gociações feitas pelo autor de A Arte da – enquanto a jihad no Ocidente também
Negociação em relação a Putin ainda são in- troca de métodos.
certas, mas seguindo tal rumo, a América
irá abdicar de coisas bem pouco valiosas Antes cinematográfico em sua violên-
que Hillary-Obama deixaram na geopolí- cia pornograficamente gore, o ISIS não
tica do Oriente Médio. Não é difícil nego- pode mais gastar tanto dinheiro, após tan-
ciar bem em tais circunstâncias. tas derrotas militares (e a perda do contro-
le de tanto petróleo), com execuções que
Já em casa, como terrorismo não é uma avançaram na “criatividade” para a morte
guerra com rosto, o Estado Islâmico esta- de infiéis. Os atentados de 2016 já muda-
rá furioso. Boa parte de seus combatentes ram de figura: são mais, abusando do ter-
jihadistas são europeus, americanos e oci- mo desumano, “baratos”. Caminhões, por
dentais encantados com a possibilidade de exemplo, ao invés do estudo logístico para
glória barata e um Paraíso muçulmano de um massacre com fuzis. De ataques que
sexo garantido, atraindo muitos jovens de- pareciam arrogantes na sua mostra de con-
sajustados e sem muita noção de identida- trole, hoje todos parecem desesperados.
de com a cultura onde moram. Muitos fo- Até a idade média dos jihadistas diminuiu
ram mortos, mas com o esfarelamento do consideravelmente.
terreno do ISIS, vários sentiram o medo
da guerra e estão voltando para casa, com Isto, infelizmente, não significa que o
uma possibilidade de atenção midiática mundo estará mais seguro em 2017. Tais
muito maior. combatentes voltam para casa com mais
raiva ainda do Ocidente, muitas vezes seu
De acordo com o Comissário de Se- próprio berço cultural. Mas o ISIS perde
gurança da UE, cerca de 2.500 europeus muito de sua capacidade de oferecer su-
estão em território controlado pelo ISIS. porte logístico-estratégico para os novos
Apenas entre ingleses, cerca de 850 já fre- atentados. Muito provavelmente tentarão
quentaram o Estado Islâmico, e por volta uma ou outra ação realmente espetacular
de 450 permanecem. Até agora: após Mo- e, possivelmente, nova, como foi o massa-
sul, vários voltarão para casa. A estudiosa cre no Bataclan que vitimou 90 pessoas em
do terrorismo islâmico Jenan Moussa já Paris. Mas sua habilidade para se manter
notou como o ISIS reclama para si atenta- no noticiário diminuiu consideravelmen-
dos terroristas cada vez mais discutíveis – te, provavelmente se diluindo para vários
seu canal já comemorou atentados come- pequenos atentados com um número me-
nor de vítimas, como o ataque na estação conhecido como ator. Mas Donald Trump
de trem de Grafing, em Munique, em que também é um empresário e homem de ne-
um homem de 27 anos esfaqueou quatro gócios – bem ao contrário de George So-
pessoas e assassinou uma delas (vide nos- ros, sua principal especialidade é criar ne-
so artigo “O terrorismo e a síndrome de gócios e obter acordos vantajosos, e não a
‘Allahu akbar!’”). mera especulação. Reagan trabalhou como
uma espécie de Relações Públicas, e tam-
bém aprendeu algo sobre o mundo dos
negócios com tal experiência.
GEOPOLÍTICA
O cérebro de Donald Trump Em 2017, a maior diferença a ser senti-
da por Vladimir Putin, e também por ou-
Falando em Vladimir Putin, será ainda tras lideranças de gosto duvidoso fora do
ele que causará outro spin turn na percep- mundo livre, será encarar não um Trump
ção mundial sobre os próximos anos de de retórica e de um plano de governo
Donald Trump na presidência. As com- americano, mas de negociação. A par-
parações entre Trump e Reagan parecem tir do Oriente Médio, sempre o berço do
razoavelmente fáceis de serem feitas: Re- drama humano, Putin, e ditadores como
agan soube aproveitar o melhor da maior Erdoğan, el-Sisi e mesmo a Palestina do
mídia de sua época, a TV, enquanto Trump Hamas, terão uma visão sobre Trump que
sabe explorar muito melhor do que seus nada tem a ver com o noticiário do dia-a-
adversários a internet. Ambos falaram sem -dia das conversas de bar – algo soi-distant
meias palavras sobre quais eram os prin- das discussões de quem realmente move o
cipais inimigos de sua época: o comunis- mundo.
mo, no caso de Reagan (que também era
abafado e eufemizado pela intelectualida- Trump foi preferido por Putin por evi-
de ocidental nos anos 80), e o islamismo, tar uma guerra, mas não é visto como um
que precisa ser marcado como “radical”, homem de gênio, ou com uma antevisão
no caso de Trump. minimamente capaz de ombrear com a de
Putin, o mestre das cartas na geopolítica
Mas há outra prática distante dos olhos hoje. A Síria, o ponto de imbróglio atu-
do público – e, obviamente, dos jornalistas al, mostrará um Trump capaz de também
e analistas. Donald Trump é conhecido do tirar vantagens de negociações: o exato
público como o showman de O Aprendiz oposto do que não apenas Obama, mas
e do Miss Universo, tal como Reagan era também George W. Bush, Bill Clinton e
também George Bush pai conseguiram em ele chegue a um acordo com Putin. O que
suas aventuras pelo mundo. A América, querem mesmo é usar frases incoerentes
há décadas presa pela mesma geopolítica, para dizer que não gostam de alguém que
terá agora um líder a ser encarado como não seja Hillary Clinton na Casa Branca.
alguém com cartas na manga, e com capa-
cidade de enxergar em tratados, negocia-
ções e duelos de força uma oportunidade
para se atingir objetivos americanos. BREXIT
Theresa Maybe
Trump está longe de ser visto por qual-
quer outro líder mundial desta forma no O complexíssimo sistema político-ju-
momento – mas deve-se ter em vista que dicial britânico ainda será capaz de trazer
políticos entendem de política, e não de vários espantosos desdobramentos em
business. A América e o mundo livre, que 2017. O Brexit, a saída da Grã-Bretanha
tanto defende a “globalização” crendo que da União Européia, sofreu um revés na Su-
Trump a ataca, pode reaprender com o pre- prema Corte, que exigiu que Theresa May,
sidente a velha lição de Frédéric Bastiat: a nova primeira-ministra, tenha apoio do
por onde não passam mercadorias, passam Parlamento para levar o processo adiante.
exércitos. Com uma diferença: no mundo O resultado era óbvio desde pelo menos
de hoje, nem tudo são mercadorias. Às ve- dezembro. Muitos apostam que é o fim do
zes se negocia zonas de poder e influência. Brexit, baseando-se sobretudo em pesqui-
sas de opinião que garantem que o resul-
É curioso notar como isto está sumari- tado das urnas não se repetiria poucos dias
zado para a mente mais simples no lema após o pleito. Há muita confusão: o Brexit
“America first!”, que nem de longe se pa- certamente ocorrerá, embora com uma
rece com “America only”. Justamente os burocracia muito mais lenta do que o oti-
mesmos analistas que criticam o suposto mismo inicial previa. Lenta mesmo: pro-
“protecionismo” de Donald Trump, crêem vavelmente o fim do processo dure mais
que sua visão sobre Putin e a OTAN irá do que os 2 anos iniciais pedidos pelo Tra-
enfraquecer a América. Bem, o que que- tado de Lisboa. É o que fará diversos ve-
rem, senão America first? Também são os ículos de mídia anunciarem por anos que
mesmos que criticam Trump por aparente- quem morreu foi o Brexit.
mente querer levar o país para uma guer-
ra (com base no fato de “não gostarem de Como já comentamos em nosso
Trump”), mas também não querem que SensoIncomum.org a respeito de Donald
Trump ter tirado a América do TPP, o Trabalhista, que parece incapaz de ganhar
Brexit significa sair da União Européia, mais votos em uma eleição do que na an-
podendo ainda fazer tratados bilaterais terior, e hoje se esforça não para ganhar
com a Europa. Note-se a confusão quando uma eleição com a fraquíssima liderança
jornalistas usam o termo “eurocéticos”. Isto de Jeremy Corbyn, mas para evitar chegar
significa que, doravante, a Grã-Bretanha em terceiro lugar. A Inglaterra há tempos
poderá celebrar acordos com cada país é um país tripartidário (Tory, ou Conser-
atualmente na UE, sem o desagravo de vador, Trabalhista e Verde), mas a ascen-
ter de concordar com toda a leviatânica são do UKIP, o partido contrário à União
burocracia do bloco para tal – incluindo, Européia (e, por isso, chamado de “nacio-
é claro, doces agonias como aceitação nalista” ou de “extrema-direita”), chegou
imediata de “refugiados. Agora, cada para ficar e marcar os pleitos do país entre
país tem concorrentes vizinhos para fazer quatro grandes players. Nigel Farage, com
acordos com a Terra de Sua Majestade. o Brexit, abandonou a liderança do UKIP,
A Inglaterra, com a Alemanha indo água provando que não tem mesmo grandes
abaixo com sua até há pouco potente ambições “populistas”, como se costuma
economia, corre o risco de se tornar a denegrir hoje em dia, crendo que seu tra-
maior economia da Europa ocidental em balho já estava feito. É a única chance real
pouco tempo. de os Trabalhistas continuarem na segun-
da posição e não serem esquecidos. A crise
E agora com um novo parceiro à vis- do partido é tão grande que a Spectator já
ta, do outro lado: a América de Donald chegou a aventar a morte da esquerda bri-
Trump. Inglaterra e América não foram tânica – barulhenta nas artes, quase irrele-
parceiros tão sérios nos últimos anos, ape- vante na vida política e prática.
sar dos óbvios laços culturais, devido à
União Européia. O volume de comércio Theresa May, contudo, não conseguiu
entre os dois países não tem outro destino ainda marcar sua posição, mesmo tendo
senão aumentar sensivelmente. Isto, sim, um cenário tão favorável. Não tendo sido
é um acordo bilateral, e não algo defini- eleita, a Primeira Ministra Tory que subs-
do por burocratas desconhecidos das duas tituiu David Cameron não conseguiu fir-
partes envolvidas. mar sua posição, resumida no momento
na frase “Brexit means Brexit”, além da po-
No cenário interno inglês, the pomp and sição de alguém que vai cumprir o que o
circumstance já são mais confusas. O maior povo demandou. Graças a sua falta de pul-
perdedor é, definitivamente, o Partido so, os tablóides já a apelidam de “Theresa
to-golpe praticado), uma visão de fora do bém passa a mirar a vizinhança, e quem
que produz a mídia ocidental permitiu uma sofrerão as consequências serão sobretudo
antevisão a Erdoğan: a União Européia iraquianos, curdos e yázidis que já ficaram
está fraca, enquanto Putin se engrandeceu. em seu caminho. E, claro, o maior inimi-
Não há ditador sem laços com o Ocidente go de todos os ditadores islâmicos: Israel.
que seja incapaz de perceber o óbvio. A
Rússia ainda permite uma vantagem clara:
não está preocupada com coisas como di- ISRAEL
reitos humanos ou o que chamam de de- Terra Prometida
mocracia no Ocidente. A bem da verdade,
no xadrez geopolítico, a União Européia Quem ganhou as eleições americanas
perde de novo: é incapaz de influenciar a foi Israel. Como o único Estado nação a
Turquia, país por onde passa a maioria dos se manter íntegro por suas tradições no
“refugiados” e com longo histórico com a mundo desde a mais antiga Antigüidade,
Alemanha, e ainda se torna menos atrati- é sempre visado pelo novo modelo de go-
va. Ou seja, mais insignificante. Algo bem vernança, que pretende trocar o conceito
ruim para Bruxelas, em um momento em de “soberania” pela atividade de entidades
que praticamente todos os países da União supra-nacionais, como a ONU.
Européia começam a repensar se o bloco
possui mesmo vantagens. Se o Estado Islâmico se enfraquece, a
“causa Palestina”, a crença de que a região
Erdoğan em troca deverá mudar muitas de Israel invadida por muçulmanos é um
de suas posições na Síria, já que se mostra “país” autônomo, começa a ser questiona-
mais “em dívida” com Putin do que mafio- da. Na verdade, o mundo inteiro se curvou
sos de filmes de James Bond. Mais uma no- à chamada solução de “dois Estados”, que
tícia estranha ao mundo árabe: novamen- quer o reconhecimento da Palestina como
te um ditador ganhando poder, chutando um Estado independente e de Israel. A so-
qualquer possível restrição à sua ditadora lução não faz sentido histórico, embora
plenipotenciária, vai garantir alguma paz, negociações de paz infindáveis no século
ao menos no que se refere a combater o Es- XX tenham cedido pedaços e mais pedaços
tado Islâmico. O custo sai baixo. Seu finan- de Israel a grupos terroristas da Palestina.
ciamento ao terrorismo, contudo, pode ser
ainda mais denso. A Europa não é o alvo Quem a promoveu no Ocidente, que
de Erdoğan nem mesmo para ataque. A hoje a trata como única solução cabível,
disputa de poder para o ditador turco tam- foram duas curiosas entidades. A primeira,
Um Brasil sem
PMDB?
Não há grandes esperanças no horizonte brasileiro. Mas uma mudança se faz
sentir: o ocaso de seu maior partido.
A
lguns leitores nos pedem artigos so- pós-impeachment e pré-2018. Este confu-
bre o Brasil, após nossos olhos se vol- so período Temer será o vácuo de explica-
tarem para a América e a Europa ção que deixará nossa historiografia ainda
no fim do ano. Pouco há a ser dito sobre o país mais violentamente manipulada por pes-
em termos de análise: ele continua como sem- soas falando em “golpe” ou jurando de pés
pre foi. As notícias chamam atenção temporá- juntos que o impeachment foi arquitetado
ria: logo se lembra que, entre bilhões e bilhões,
pessoalmente por Michel Temer (a narrati-
a descoberta de novos bilhões afanados não
va “Eduardo Cunha”, usada até 1 minuto
produz senão um incômodo passageiro. Por isso
antes de sua prisão, teve de sair de moda
a análise fica comprometida: pouco há a ser
às pressas, talvez tendo até deixado rastro
dito, além de acompanhar o noticiário. Mas,
em alguns dos vários livros sobre “golpe”
mirando 2017, podemos traçar já alguns pa-
noramas. já publicados).
Há três chaves de leitura para o Brasil A primeira diz respeito a uma psicolo-
gia do estado geral da nação. Com o im- governo Temer (que teve faca, queijo e
peachment de Dilma Rousseff, uma presi- até acidentes para adiar investigações nas
dente e um partido que parecia incapaz de mãos) ou grandes avanços provavelmen-
largar o osso do poder caíam, à força da lei te se decepcionará. A tentativa de aceitar
e do povo (um fato e um simbolismo que “medidas contra corrupção” partindo de
a impugnação da candidatura de Dilma, Janot e lacaios internos do governo (o que
embora pudesse apagar Temer junto, não os americanos chamam de astroturfing,
conseguiria reproduzir). O Brasil escapava termo bem explicado por um artigo de
da rota da venezuelização, ou de reprodu- Cedê Silva no artigo 5 Termos muito úteis
zir a política mexicana, há quase 90 anos que os petistas não querem que você conheça,
com o mesmo partido no poder. no Senso Incomum) só adiou ainda mais
alguma movimentação do Judiciário, que
Com isto, as pessoas passaram a acredi- não pode atuar tão bem enquanto o país
tar, finalmente, que o país tinha jeito. Que discute o que é corrupção e o que não é.
a lei seria cumprida. Que a Constituição Para não falar que as propostas eram cri-
de 88, afinal, era bela e moral. O motivo teriosamente a favor de vários modos de
para a necessidade de esperança é óbvio – corrupção...
todavia sua veracidade já é bastante discu-
tível. Afinal, seria mesmo o impeachment A prisão de Lula? Estaria mais próxima
“apenas o começo”? É difícil crer que sim. exatamente sem as tais medidas. A discus-
Muito mais provavelmente, apenas conse- são empaca o processo. Num país de de-
guimos nos livrar do PT – e voltar à “es- lações, e em que elas determinam as capas
taca zero” do que o país era antes de Lula de revistas, e em que um acidente aéreo
em 2003. O que temos, afinal, de “avan- mata um juiz razoavelmente técnico que
ço” além disso? Que motivos temos para as analisava, haverá ainda lacunas a fechar
esperança em uma grande renovação bra- que podem postergar a prisão do ex-pre-
sileira? sidente. Como Sérgio Moro trabalha pen-
sando também em narrativas (tanto que
A bem da verdade, o impeachment le- não prende jornalistas, como Breno Alt-
vado a cabo por nossa primeira colunista, man), ficará de olho também no emocio-
Janaína Paschoal, colocou o Brasil em seu nal: o povo dificilmente aceitará a prisão
auge: quando você está no auge, dali para de Lula em caso de agravamento da saú-
a frente você só vai para baixo. Quem es- de de Marisa Letícia. Uma super-delação
pera por prisão de Renan (possível, nem pode complicar a vida de Lula, mas todos
tão provável), por um grande revés no os fatores ainda indicam uma possibilida-
As eleições, com este cenário, é que ge- Por fim, uma terceira chave talvez seja o
ram outras duas chaves de leitura para evi- diferencial no modelo partidário nas pró-
tar surpresas em 2017. ximas eleições – e, em um país em que po-
líticos apenas estão preocupados em não
O entendimento dos políticos, e dos serem presos, sem nenhuma proposta po-
marqueteiros políticos eficientes, é sim- lítica, nem mesmo ideológica, sendo ru-
ples: o público, em uma eleição federal minada no horizonte, tudo o que se faz
(bem diferente de eleições locais onde os em 2017 é apenas trabalhar para 2018.
problemas são pequenos, e os partidos Trata-se do maior efeito secundário que o
idem), votará olhando para o impeach- vácuo de poder do PT legou, com pitadas
ment. Bastará olhar para as imagens de lu- de Lava Jato: o PMDB pode deixar de ser
gares como a Avenida Paulista lotada de a força dominante de votos no país.
pessoas de verde e amarelo, o que até nos-
sos moradores de rua viram e lembram, Desde a redemocratização, nenhum
cotejar com as marchas pelo PT de cho- presidente parece ter grandes chances de
rosos vestidos de vermelho, e apresentar se eleger sem o maior partido do Brasil, fa-
um candidato à presidência à população. moso por ter sido o partido “de oposição”
Afinal, de que lado ele está? Não há possi- à ditadura, e sem ter nenhuma razão de
bilidade de muro nessa escolha. ser, existir ou perdurar após isso. O PMDB
já conseguiu emplacar 3 presidentes sem
A esquerda manterá seu curral e coe- nem concorrer ao cargo – ganhou de PT
ficiente garantido. Personalidades como e PSDB. Parecia a praga brasileira, a erva
Jean Wyllys e Marcelo Freixo, sem chance daninha que sempre verdejará pelo país.
de crescer entre a população normal, vivem
e sobrevivem desse coeficiente garantido, O PMDB é uma jaboticaba a ser expli-
Flávio Morgenstern
Pós-mídia na
pós-verdade
A mídia não é mais entendida como amiga do povo, e sim de políticos. É
um efeito tardio de algo que se iniciou ainda na Revolução Francesa.
P
ost truth foi considerada expressão que está no New York Times, na CNN, na
do ano da língua inglesa pelos or- Folha e na Globo News. Eles, como disse
ganizadores do dicionário Oxford. Brian Stelter, da CNN, praticam “jornalis-
Como toda entrada de dicionário, é uma mo objetivo”. Fatos, apenas fatos, e nada
escolha ideológica: tenta-se da chancela a mais. Mesmo que, misteriosamente, tudo
uma visão de mundo que cria palavras, por o que digam seja desconfirmado pela reali-
tal visão de mundo ser trabalhada por espe- dade logo depois. A explicação? O mundo
cialistas em comunicação. Um dicionário não vive mais a verdade que só existe na
dificilmente daria atenção a palavras como cabeça da CNN, mas a “pós-verdade”, que
astroturfing, dog-whistle, spin doctor, empty são... os fatos fora de sua redação.
suit ou newspeak (para ver seus significados,
leiam o artigo 5 Termos muito úteis que os Como sempre, entender como a mí-
petistas não querem que você conheça, de
dia funciona diante da realidade é muito
Cedê Silva, no site do Senso Incomum).
simples: basta multiplicar suas declarações
Com toda a facilidade, falam de pós-ver-
por -1. O funcionamento é óbvio: a fun-
dade, de empoderamento, de mansplaning,
ção da mídia é funcionar como o quarto
de sororidade e de micro-agressão. Ou, no
poder, uma “moderação” ou observância
Brasil, tentam dar uma carga de “uso nor-
que dedure ao público, alheio aos trâmites
mal” para o termo “presidenta”, como se
de uma política cada vez mais complexa
tivesse sido sempre usado da forma como
(até mesmo em tecnologia), o que é que
se referem a Dilma Rousseff.
os políticos estão fazendo.
A tal “pós-verdade” seria um clima em
que a verdade não conta mais, e sim boatos Para tal intento, ela deve ser um poder
de internet. Contudo, “verdade”, para usu- razoavelmente isento: não no sentido de
ários de tal termo e outras drogas, seria o não ter preferências ou ser “imparcial”,
uma impossibilidade lógica, mas de não ser de mídia e buscam desenhar uma ideolo-
dependente de uma das partes. Em outras gia na população que inverta seu compor-
palavras, pode torcer, tentar influenciar. tamento normal, ao invés de uma mídia
Mas deve fazer isso informando, mostran- que apenas reflita as tradições e aspirações
do fatos que, de outra forma, o público naturais do povo, o caminho óbvio é que
não conheceria. Como corolário, a mídia a mídia, nessa aproximação, penda cada
deve ser um poder que não é exatamente vez mais à esquerda. Adicione-se a isso o
percebido como um poder: ela não pode financiamento massivo de “estudos” e no-
ser algo como um partido, ou alguém em tícias forjadas de grandes entidades globa-
disputa. Seu papel, até mesmo quando listas para reverter idéias de organização
se trata de um jornal ruim, deve ser o de social, comportamento e valores e teremos
“fora” do esquema político-partidário: um o caldo cultural perfeito para uma mídia
jornal ruim informaria mal, não seria um que, quando não é manipuladora, é defi-
player, alguém com interesses, um outro nitivamente revolucionária.
partido além dos oficiais.
A esquerda, que faz parte do
O que acontece ao jornalismo hoje é que establishment, não consegue perceber
a mídia deixou de ser invisível: não é mais quem puxa as cordas de dentro. Acredita,
o repositório das críticas da população aos até hoje, que a mídia inteira é contra o
políticos, de uma ética que não se encontra seu poder, tão somente porque mesmo
espelhada no ordenamento institucional e os jornais mais isentos, ou mesmo alguns
partidário, não é mais nem mesmo aquela de esquerda durante a Guerra Fria, eram
imprensa chata e implicante que azucrina- contra a implantação imediata da revolução
va políticos até mesmo por palavras fora comunista. Ainda crê que pode agir como
de ordem. Pelo contrário, ela agora é um um poder “invisível”, como uma instituição
player: ela é “vista”. garantidora da liberdade “duramente
conquistada”, mas hoje é vista como algo
A imprensa deixou de ser uma força de do qual as pessoas desconfiam tanto, ou
fora do establishment, para se tornar mais mais, do que os próprios políticos. É mais
uma instituição oficial. O quarto poder, fácil alguém acreditar na inocência de testes
na jogada, não é mais sequer um poder de paternidade de jogadores de futebol do
independente: virou tão somente o setor que na mídia.
de relações públicas do Poder Executivo.
Como são governos de esquerda que utili- No Brasil, a esquerda ainda acredita
zam o poder estatal para criar “contratos” que a Rede Globo é de direita (tal como
o PSDB), por não ter apoiado os comu- funciona como a opinião de uma pessoa.
nistas durante a ditadura, sem saber que A tentativa de tratar um país como uma
os apóia de armas em punho hoje em dia. opinião corrente de várias que pensam di-
Qualquer intelectual de esquerda começa ferentemente exige reduções, adequações,
seus circunlóquios criticando a Rede Glo- achatamentos, ignorar boa parte das pes-
bo, sem fazer idéia de que qualquer nove- soas. É fácil entender o avanço técnico da
la da Globo está preocupada em agenda monarquia frente a este problema óbvio.
feminista, em combater a “transfobia” e
com um discurso sobre racismo mais ras- O segundo é o que atingiu um novo
teiro do que folheto do PSTU. ápice no século XXI. Se o Estado moder-
no “representa” a vontade do povo na for-
Para entender o fenômeno a nível global, ma de um achatamento (por exemplo, tem
basta lembrar que, desde a Revolução como pressuposto básico de que um país
Francesa, a revolução da imprensa, o destino que legalizou o aborto tem 100% das pes-
político é definido pelo que pensa l’opinion soas concordando que o aborto deve ser
publique, termo que foi rapidamente legalizado, e assim por diante), nada mais
traduzido para todas as línguas européias. natural do que toda a discussão política, ou
melhor, toda a discussão pública ser uma
Nada nunca foi mais privatizado do que tentativa não de mudar uma política por
a opinião pública: desde os jornaizinhos de sua eficiência, mas de mudar a opinião pú-
Voltaire e companhia até a grande mídia blica para que possa “representar” o públi-
de massa hoje, se repetindo e dominada co com tal ou qual mudança política, que
por uns poucos conglomerados, que são é na verdade de interesse próprio. Nova-
donos da maior parte dos grandes veícu- mente, a opinião pública é extremamente
los de comunicação do mundo. Os ven- privatizada.
tos revolucionários democráticos de 1789
espalham a idéia de que a monarquia é Perguntados ao acaso, jovens adultos
ruim por não ouvir a vontade do povo. A modernos crêem piamente que estão mu-
“opinião pública” é que deveria ser repre- dando o mundo ao apoiarem causas como
sentada nas instituições – idéia que separa o casamento gay, por exemplo, contra o
radicalmente a democracia francesa da re- obscurantismo medieval da Idade Média.
pública americana. Logo acabam caindo na mais gritante das
contradições, ao citarem estudos de órgãos
O primeiro grande problema no expe- como ONU ou manchetes da Rede Globo
rimento é que a opinião de um país não para balizarem suas opiniões. Logo, tam-
percebido pela população no mundo, ain- restrito, e órgãos como CNN e New York
da que ela não consiga expor em palavras e Times amargam um descrédito gigantesco
conceitos. A imprensa, se antes era de fato da população. Baseando-se em costumes,
oposição a políticos, vigiando suas atitudes e tradições e o common sense do poder minús-
se ultrapassavam as fronteiras do parco po- culo do Estado e da resolução de conflitos
der que o povo poderia lhes delegar, hoje localmente, sem delegações de poder gi-
só fala em “direitos”, em “minorias” e dá gantesco sobre grandes territórios, é natu-
a desculpa do espírito dos tempos contra ral que o americano prefira já se informar
qualquer restrição a toda forma de com- por pequenos sites, mesmo sob ataque fe-
portamento público que trate o homem roz da grande e velha mídia retratando-os
como pura vontade e puros hormônios. como “fake news”, ou de “extrema-direi-
ta” ou “populistas” ou “fascistas”, do que
É a famosa “Janela de Overton”, que por grandes órgãos de donos com agendas
calcula a mudança da opinião pública. políticas claras. É o que pode começar a
A única esperança que o povo deu ao acontecer no Brasil, como tentamos com
mundo em 2016 foi ter consciência de que este Senso Incomum.
a imprensa tem uma agenda. Não uma
torcida por um partido específico, como Flavio Morgenstern
comumente se diz, mas sim pela mudança
da mentalidade da população para impor
políticas determinadas. A democracia, na sua
crença de representar “a opinião pública”,
é o regime perfeito para que poucos entes
privados dominem e não cansem de tentar
influenciar, dia e noite, justamente a
mudança dessa opinião pública para seus
interesses particulares, escondidos sob
toda sorte de “direitos” e bom-mocismos
para inglês ver.
Filipe Martins
Editor Assistente