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A COERÊNCIA DE DONALD TRUMP

Estamos a habituar-nos a Donald Trump? Não passa um dia sem que uma das suas
declarações se torne viral. O 45º Presidente dos Estados Unidos está a saturar o espaço
mediático mundial, com o ritmo a acompanhar o dos seus tweets. As séries de televisão
parecem ficar atrás das histórias que nos chegam da Casa Branca através de jornalistas
ou antigos assessores. Apesar deste tumulto constante, está a tomar forma um
movimento que anuncia uma mudança profunda no sistema americano, que não será
sem consequências para o nosso.

O erro mais comum na análise é, sem dúvida, centrar-se exclusivamente na


personalidade extraordinária de Trump e explicar tudo em termos das suas explosões.
No entanto, há uma coerência global nas suas escolhas, a de um unilateralismo assertivo
e proclamado. Em Washington, os republicanos convictos, que antes gozavam com o
candidato Trump, elogiam-no agora pela sua "criatividade" em matéria de política
internacional. Afirmam, por exemplo, que ele baralhou as cartas na Ásia, indo ao
encontro de Kim Jong-un na cimeira de Singapura (12 de junho de 2018). Evitou assim
um confronto nuclear, transgredindo as proibições da diplomacia americana. Vamos
esperar para ver o que acontece a seguir no processo de negociação que, em princípio,
deveria levar à desnuclearização da península coreana. Pyongyang não tem qualquer
interesse em renunciar ao seu arsenal nuclear.

Dois anos após a eleição de Trump, dois pontos-chave emergem se nos desligarmos da
sua personalidade. Em primeiro lugar, ele alterou significativamente a ligação entre a
política económica e a política de segurança nos Estados Unidos, que sempre foi capaz
de manejar ambas as alavancas simultaneamente para impor a sua predominância.
Durante a Guerra Fria, os aliados dos Estados Unidos eram os seus principais parceiros
económicos. Já não é o caso, pois a China é simultaneamente o seu principal parceiro e
o seu rival estratégico. Rompendo com a retórica dos seus antecessores, Trump
considera todos os seus parceiros como adversários, desde que tenham um excedente
comercial com os Estados Unidos.

Em segundo lugar, ataca frontalmente o multilateralismo e põe em causa o princípio das


alianças, sublinhando o custo como um contabilista. A retirada da Parceria
Transpacífica (TPP), do Acordo de Paris sobre o clima e do Plano de Ação Conjunto
Global (PACG) sobre o Irão deve ser vista como uma vontade presidencial de destruir o
legado do seu antecessor Barack Obama. O 45º Presidente dos Estados Unidos acredita
que o seu país tem mais a ganhar desmantelando a ordem internacional liberal
construída após a Segunda Guerra Mundial, e consolidada por todos os seus
antecessores, do que defendendo-a. Com Trump, os Estados Unidos deixaram de ser o
garante último desta ordem e tornaram-se o primus inter pares na cena internacional.
Este unilateralismo não é novo na história dos Estados Unidos, mas está a ocorrer num
contexto de maior interdependência no sistema internacional. Especificamente, Trump
está a usar sanções e decisões unilaterais para exercer pressão bilateral sobre outros
países, visando pontos de interdependência. Embora os Estados Unidos já não pareçam
suficientemente poderosos para dominar o jogo comercial multilateral, o seu peso
geoeconómico continua a conferir um impacto importante às suas decisões. No domínio
militar, continua a ter uma vantagem considerável. No entanto, em ambos os domínios,
os seus adversários, em primeiro lugar a China, e os seus parceiros, em primeiro lugar a
União Europeia, já estão a tomar medidas para atenuar o impacto das decisões
unilaterais de Washington, num movimento geral de ação e reação.

Os resultados das Mid-Terms (eleições intercalares) serão analisados de perto como um


sinal do início do declínio de Trump ou, pelo contrário, como a preparação da sua
candidatura para 2020, que parecia impensável quando assumiu o cargo. Trump está a
beneficiar da retoma da economia americana, mas também de um desafio às elites,
acusadas de todos os males, que ecoa para além das fileiras dos seus apoiantes. Duas
coisas são já claras: Trump acentua as dinâmicas actuais da política externa americana,
mas, ao fazê-lo, multiplica os riscos de crises agudas. Se não nos podemos habituar a
isso, temos de nos preparar para isso.

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