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NOÇÕES DE DIREITO

TUTELA DA NORMA JURÍDICA

As normas de conduta social, sejam de que espécie forem, encontram-se conformadas por tal
modo que os individuos tendem a obedecer-lhes. E o estímulo especificamente determinante
dessa obediência é a consideração dos inconvenientes que lhe podem advir do facto de não
cumprirem os deveres por elas impostas. Tais inconvenientes são, como logo se deixa ver, os
que se traduzem na reacção desenvolvida pela sociedade contra todos os que infringem as suas
regras de convivência.

Enquanto umas vezes a reacção social é inorgânica, não se traduzindo em condutas especificas,
definidas e constantes daqueles que reagem, em outras a reacção social é efectuada por
entidades especializadas no seu exercicio e obedece ela própria a normas, desenvolvendo-se na
conformidade do que por estes é estabelecido. Por isso que a reacção social se traduz em uma
coacção exercida sobre os sujeitos, podemos dizer que, neste último caso, há uma coacção
normativamente organizada.

Já antes vimos que a especialidade do fenómeno jurídico consiste em ser ele a necessária
expressão da ideia de organização social. E por isso que esta constitui a sua característica
diferencial, lógico é que neguemos o qualificativo de jurídicos aos comandos sociais.

TUTELA PREVENTIVA E REPRESSIVA

As medidas destinadas a tutelar as normas juridicas podem funcionar de dois modos diferentes:
umas vezes, ex ante, impossibilitam, dificultam ou tornam inconveniente para o sujeito a
violação da norma ou grupo de normas cujo cumprimento se trata de garantir; umas vezes,
actuam ex post, criam para o violador da norma juridica um sacrifio maior que o que resultaria
do facto de lhe ter obedecido. No primeiro caso dirigem-se com caracter preventivo ou
dissuasor aos que eventualmente poderiam desobedecer ao comando jurídico; no segundo,
agem repressivamente contra aqueles que já desobedeceram.

Dai a distinçao que deve fazer-se entre a tutela preventiva e a tutela repressiva.

No campo da tutela preventiva, que é extremamente vasto, cabe distinguir entre a prevenção
dos actos ilicitos enquanto se admite que sejam praticados por quaisquer pessoas (prevenção
geral) e a prevençao daqueles actos que se calculapossam vir a ser cometidos por uma certa
pessoa em particular (prevenção individual). Comparem-se a este respeito, a lei que pune o furto
sob ameaça de prisao e a sentenca do juiz que suspende a pena de um réu determinado.

Quanto a tutela repressiva traduz-se ela na organização de sanções aplicáveis em consequência


da violação das normas jurídicas.

Apontamentos produzidos pelo Dr. Ivan Nacapa para os estudantes do 1º ano do curso de Administração e
Gestão Hospitalar da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade Católica de Moçambique – Beira – 2014.

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O que há de caracteristico na tutela repressiva é constituir ela uma reaccao do direito coontra os
factos ilicitos; logo que estes ocorrem, segue-se-lhes como necessário efeito juridico a adstricao
a suportar uma privação de bens (liberdade, vida, dinheiro, ….). a esta privacao se dá o nome de
sancao, e à necessidade de suportá-la o de responsabilidade. No sentido mais amplo do termo,
diz-se que alguem é responsavel, ou que tem responsabilidade, quando se encontra adstrito a
suportar uma sancao, sendo que esta, por seu turno, pode ser definida como toda a privacao de
bens imposta pelo direito como consequencia da prática de um facto por ele proibido.

A consequencia normativa dos factos ilicitos consiste, pois, em terem os responsaveis de


suportar as respectivas sancoes, sucedendo que estas, não obstante a sua extrema variedade, se
podem reconduzir a duas grandes categorias: as sancoes penais e as sancoes restitutivas.

As sancoes penais podem, por sua vez , distinguir-se em pecunlárias ou corporais, sendo a pena
de prisao a mais caracteristica destas últimas.

As penas de prisão são geralmente de caracter criminal, mas nem sempre, pois revestem, às
vezes, a natureza de penas disciplinares. Fora do Direito criminal, as penas são geralmente de
caracter pecuniario, como as multas processuais ou administrativas.

A que notar que se uma norma foi desobedecida, o proprio facto da violacao permanece
irremovivel. Contudo, se tal facto não pode ser removido do número das coisas que existiram, já
o mesmo não se diga com o aspecto prático das suas consequências.

Pelo que a estas respeita, bem pode o violador (ou alguem por ele) agir de modo a remediar ou
impedir as consequencias danosas da violação, repondo o lesado no próprio estado em que este
deveria encontrar-se se aquela não tivesse ocorrido, ou, fornecendo-lhe os meios pecuniarios
que para tal sejam necessários, ou, quando ambas estas coisas sejam impossíveis, realizando um
interesse sucedâneo do interesse ofendido, que de algum modo possa compensar os efeitos da
ofensa.

À sanção que se traduz em realizar o próprio interesse ofendido cabe com mais propriedade que
em qualquer outra hipotese o quantitativo de restituição; e por isso lhe poderemos chamar
restituição strictu sensu ou restituição especifica. Tem ela cabimento sempre que o infractor é
compelido a satisfazer ele mesmo, em tempo ainda util, aquilo a que estava juridicamente
adstrito e que não podia ser realizado por mais ninguem( por exemplo: nas prestacoes pessoais)
ou quando, em virtude do caracter objectivo do interesse em causa, pode ele ser realizado in
natura pela acção de uma entidade diversa do obrigado.

Sucede frequentemente que o acto devido já não pode, ele próprio, ser prestado com alguma
utilidade para o titular do interesse, como é, por exemplo, o caso de A que estava obrigado a
entregar a B certo automovel, ter provocado a destruição.

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Gestão Hospitalar da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade Católica de Moçambique – Beira – 2014.

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Aqui, toda a reintegração in natura é impossivel. Mas o direito, ainda assim, admite que o
violador seja obrigado, pelo menos, a pagar ao lesado um valor pecuniário equivalente ao do
carro destruido. O interesse realizado pela aplicação da sanção não é, neste caso, o interesse
postergado, mas um outro que pecuniariamente lhe equivale, e fala-se então, de ressarcimento.

O ressarcimente constitui a mais frequente das sançoes restitutivas. Mas além dele, uma outra
especie existe: a reparação. Esta cabimento nas hipoteses em que não é possivel realizar nem o
próprio interesse ofendido (restrituição strictu sensu), nem um interesse pecuniariamente
equivalente (ressarcimento), mas tão-somente um interesse de outra especie, que funciona de
algum modo, como sucedâneo do que foi postergado. Na reparação, a aplicação de sanção não
restitui o ofendido à situação anterior à ofensa; apenas serve de compensação pela ofensa
sofrida.

O caso mais caracteristico de reparação é o da indemnização pecuaniária por danos morais (vide
o art. 496 do Código Civil), pois o interesse moral ofendido não encontra um equivalente na
quantia recebida a titulo de indemnização. A função desta é puramente compensatória, destina-
se a atribuir ao ofendido a possibilidade de realizar interesses cuja satisfação de algum modo
possa atenuar a dor sofrida. Se por exemplo, um pai recebe certa indemnização do motorista
que atropelou seu filho, logo se vê que o papel desempenhado por esta indemnização não é o
de o restituir ao estado anterior à lesão (ou a um estado equivalente) mas apenas o de
compensar, de algum modo, o seu desgosto.

Uma forma caracteristica de tutela repreessiva é a integrada pelas medidas compulsivas, que
consistem em infligir ao infractor um sacrificio continuado que cessará quando este satisfizer o
interesse que ilicitamente deixou de ser realizado.

Exemplo tipico desta especie são as impropriamente denominadas “multas” a que se sujeitam
os empreiteiros de obras públicas por cada dia de atrso na entrega da obra que se obrigaram a
construir.

TUTELA PÚBLICA

A função de tornar efectivas as normas jurídicas cabe, em princípio, ao Estado, que a realiza
através dos seus órgãos. É o que se chama de tutela pública.

Ora o Estado, que detém em suas mãos o monopólio da coerção, nem possui uma estruura
inteiramente homogénea nem desenvolve actividades todas elas da mesma natureza. De um
modo geral, verifica-se existir nele uma diferenciação organica entre a administração pública e
os tribunais, com a correspondente distinção entre a função administrativa e a função
jurisdicional.

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Deste modo, a tutela da ordem juridica, cuja realaização primacialmente incumbe ao aparelho do
estado (princípio da tutela pública), tanto pode ser da competencia de uns como da outra, e daí
o falar-se, ao lado da tutela judiciária, mas também de uma tutela administrativa.

Esta última constitui o processo mais frequente de protecção dos direitos do Estado, por isso
que, ante a sua violação, efectiva pou potencal, não necessita ele, em principio, de dirigir-se aos
tribunais para obter a respectiva garantia e antes procede pelos seus proprios meios
(autotutela) exercendo-os por si mesmo, coercivamente, e sem que para tanto haja de pedir
auxílio alheio.

Varios são os modos porque o Estado, na ordem interna, realiza coercivamente os seus direitos.
Em certos casos impõe aos particulares a realização especifica do preceito considerado, noutros
efectua sub-rogatoriamente a sua execução; umas vezes aplica medidas compulsivas, noutras
estabelece penas cuja cominação dissuade os potenciais infractores…

Não se pense, entretanto, que existe uma conscidência absoluta entre a tutela administrativa e
os direitos do Estado, de tal modo que estes hajam de ser apenas protegidos pela administração
pública e que, inversamente, esta só proteja os direitos daqueles.

Tal não acontece, na verdade, pois nalguns casos também o Estado necessita de se dirigir aos
tribunais, para defesa dos seus direitos e, por outro lado, observa-se, às vezes, que a actividade
da administração pública se orienta no sentido de garantir os interesses dos particulares.

Se a tutela administrativa é o meio mais frequente e caracteristico de garantia dos direitos do


Estado, a tutela judiciária é, por seu turno, o processo normal de tutela dos interesses dos
particulares.

Esta função de garantia observamo-la, antes de mais, quando consideramos as relações dos
particulares uns com os outros, sabido como é que a criação dos tribunais tem por primacial
objectivo colocar na mão de órgãos especializados e independentes a tarefa de garantir os
interesses de cada um.

Mas tal função não se limita apenas àquelas relações. Interessa igualmente às que se travam
entre os particulares e o Estado. Pelo que respeita aos direitos que contra este devem ser
exercidos, o modo de os garantir consiste, precisamente, em instituir tribunais que os apreciem
e que, uma vez verificada a sua existência, os imponham ao respeito da administração pública.

TUTELA PRIVADA

A tutela privada é uma excepção da tutela pública que constitui a regra geral. Este caracter
excepcional da tutela privada pode ser apreciada no art.1 do Código do Processo Civil, onde se

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diz expressamente que “a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o
próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.”

Entretanto, e não obstante o caracter excepcional da acção dos particulares como meio de
tutela dos seus direitos, várias figuras jridicas podem apontar-se em que a mesma tem
cabimento. Tais são, entre outras, a acção directa, a legitima defesa, o erro sobre os
pressupostos, o estado de necessidade, o consentimento do lesado (arts. 336 à 340 todos do
Código Civil).

A acção directa, a legitima defesa e o estado de necessidade têm de comum a sua relevância
justificada de actos ilicitos praticados pelo agente para a defesa de direitos próprios.

A permissão da acção directa torna justificado o recurso à força com o fim de realizar ou
assegurar o próprio direito quando tal se torne indispensavel (pela impossibilidade de recorrer
em tempo util aos meios coercivos normais) para evitar a inutilização prática do direito, não
devendo, porém, o agente usar da força senão na medida necessária para evitar o prejuízo (art.
336, nr. 1 do CCiv.) e sem que haj sacrificio de interesses superiores aos que o agente visa realizar
ou assegurar (art. 336, nr. 3 do CCiv.). Por exemplo: um filho foi confiado pelo tribunal à guarda
do seu pai, entretanto, a mãe subtrai-o a essa guarda e prepara-se para sair do País com ele: é
lícito ao pai impedir pela força a saída, contanto que não exceda os limites em que a lei lhe
consente esta acção directa.

Por via da legítima defesa considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão
dirigida contra o agente ou terceiro, desde que na agressão e na defesa se verifiquem os
requisitos de que a lei faz depender aquela justificação (vide art. 337 do CCiv.). Por exemplo: A
pretende apunhalar B, que, com um tiro num braço, o impede que prossiga a agressão.

O que há de caracteristico na legitima defesa é que ele pressupõe uma agressão ilegal do direito
do direito que se defende. Por vezes, porém, o direito encontra-se numa situação de perigo,
resultante de factos stricto sensu e, daí, insusceptivel de configurar-se como o resultado de uma
agressão determinada por uma vontade alheia.

Em tais casos, para obviar a que se inutilize o interesse juridicamente protegido, admite a lei, ao
lado de um “direito de defesa”, também um “direito de necessidade”, cujo exercicio torne
licitos certos actos que, de outro modo, o que não sriam (art. 339 do CCiv.). Por exemplo: A
utiliza o automovel de B sem autorização deste, para transportar ao hospital um ferido em
estado grave, ou invade o quintal do vizinho para dele retirar o seu cavalo que ai caiu a um poço
e está em risco de afogar-se.

Apontamentos produzidos pelo Dr. Ivan Nacapa para os estudantes do 1º ano do curso de Administração e
Gestão Hospitalar da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade Católica de Moçambique – Beira – 2014.

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