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Livro: Loucura: uma proposta de ação

Autor: Massaro, G.
Local de publicação: São Paulo
Editora: Ágora
Ano: 1994
Professor: Eduardo Bilbão

Capítulo 3 Uma proposta de método para a psicoterapia de psicóticos


Método de cura. Criação de uma nova ilusão. Completa as ilusões dispersas. Como conseqüência
a gente volta a procurar as pessoas.
(CEJ. Carta de 6/93)
O método proposto não é decorrência direta das teorizações resumidas anteriormente. A elas e
às invariantes delas retiradas, somam-se experiências colhidas nesses anos de trabalho com
psicóticos. Nesse sentido, sempre que possível, procurarei dar consistência às propostas com
exemplos típicos que realcem os aspectos clínicos.
Antes de pensarmos o conteúdo do método, vamos nos ater sobre suas formas e seus objetivos:
3. 1. CARACTERÍSTICAS ESPERADAS DO MÉTODO PROPOSTO
1º. - Que tenha uma proposta para a fase de surto.
Por que não esperar que a crise psicótica termine para só depois iniciar a psicoterapia?
Fromm-Reichmann já nos deu algumas respostas. Juntando-se às nossas, temos:
1) O tratamento pelo mesmo profissional em fases de surto psicótico e de intersurto poderia
ajudar a dar ao processo psicoterápico um sentido de continuidade, de historicidade, tão
importantes para a integração da crise - aspecto fundamental da proposta.
2) Para poder ser integrado, o material de fase de surto tem de se tornar conhecido. O
terapeuta iria selecionando, com vistas ao trabalho futuro, aspectos que dificilmente viriam
à tona noutras circunstâncias.
3) É comum haver fases de angústia e sofrimento durante o surto, sendo por isso um dos
momentos em que o paciente mais precisa de ajuda. A disponibilidade do terapeuta pode fazer
com que o paciente sinta-se mais aceito, situação que tenderia a favorecer-lhe a vinculação.
4) A fase de surto é um momento de isolamento comunicacional. A possibilidade de um contato
psicoterápico que diminua o isolamento poderá alterar a maneira como o paciente,
futuramente, venha a se dispor a enfrentar o entendimento da crise.
5) Algumas vezes o paciente, estereotipadamente, relaciona o psiquiatra ao conteúdo de seu
delírio. Seremos computadores. Seremos computadores, anjo ou Hitler. Quando bem conduzida,
tal estereotipia poderá servir-nos de porta de entrada para o material delirante.
Para corroborar tais observações podemos citar os trabalhos de Amaro (4, 5) a respeito do
abandono na psicoterapia grupal.
Após exaustiva pesquisa o autor pôde concluir que o vínculo do terapeuta com o paciente
obtido através da psicoterapia individual anterior ou concomitante ao grupo e com o mesmo
terapeuta favorecia o fortalecimento do vínculo, decorrendo disso menor índice de abandono
em relação ao grupo controle. Com isso, temos como clara a importância do vinculo do
terapeuta com o paciente na diminuição do índice de abandono do processo psicoterápico.
2ª. Que tenha circularidade
É de esperar que determinada proposta psicoterápica comporte um tipo de ação a partir da
chegada do paciente. Assim o inicio do processo deverá ocorrer na chegada do paciente,
independentemente de estar em pré-surto, surto ou pós-surto. Como é mais comum o paciente
estar em surto, iniciaremos a descrição de proposta a partir daí.
3ª. Que possa aplicado em clinica particular ou hospital psiquiátrico.
Num hospital a liberdade ele ação, por inúmeras razões, costuma ser menor. Aspectos
administrativos, econômicos e sociais têm maior influência. Tenho supervisionado processos
psicoterápicos de psicóticos em diferentes hospitais, inclusive fora do estado, e tais
fatores costumam ser limitantes. No consultório, entretanto as responsabilidades e os riscos
tendem a aumentar principalmente nas fases agudas.
Os centros de formação de terapeutas e outras entidades de serviço público raramente aceitam
tratar de psicóticos. Os pacientes costumam ser encaminhados, quando em surto, para
hospitais de psiquiatria, onde são internados, para depois continuar o tratamento em
ambulatório ou, em casos mais raros, em serviço de psicoterapia.
Nos últimos anos, entretanto, temos visto aumentar o encaminhamento de psicóticos para o
consultório particular.
Por isso, tal proposta de métodos deve saber reconhecer e observar as diferentes situações.
4ª. Que seja adaptado à cultura.
Esperamos que uma proposta de ação seja coerente com o meio cultural no qual ela se insere,
mesmo porque a patoplastia da doença é culturalmente dependente. A presente proposta de
método não tem nenhuma pretensão a qualquer universalidade.
Aspectos intraculturais oriundos de diferenças étnicas, religiosidade ou de educação
escolar, devem ser absorvidos pelo terapeuta que se 'mantiver atento. Certo grau de
conhecimento da dinâmica social e certo embasamento de teorias sociológicas poderão ajudar
nesse sentido.
5ª. Que não seja finalizado
Num campo tão denso e ao mesmo tempo tão impreciso como o do tratamento de distúrbios
mentais, qualquer proposta finalizada tenderia a levar à perda de contribuições nos mais
variados níveis. Mais do que isso, poderia criar um viés capaz de esconder inevitáveis
conflitos na prática psiquiátrica, conflitos esses que, quando reconhecidos e absorvidos,
poderão funcionar como estímulos ao aprimoramento de tal prática.
6ª. Que não afaste outros mecanismos de tratamento.
As práticas socioterápicas e psicofarmacológicas devem ser integradas à prática
psicoterápica, tendo em vista possibilitar maior eficiência no tratamento.
Por não estar preocupado com os aspectos estatísticos ou sistemas de avaliações, utilizei,
sempre que julguei necessário, o auxílio dessas formas de tratamento.
3.2. OBJETIVOS DE UMA PSICOTERAPIADE PSICÓTICOS
Eu gostaria de iniciar com você um outro projeto. Um projeto artístico de alta
receptividade.
(CEJ, Carta de 7/83)
O que norteia um método de ação e as posturas dele decorrentes é justamente o objetivo a ser
alcançado. Uma colocação clara dos objetivos se faz necessária.
O que buscamos?
Muitos psiquiatras utilizam como critérios avaliativos de tratamento de psicóticos o número
de surtos que o paciente apresentou durante determinado tempo. Tal critério tem, sem dúvida,
validade. Mas não é absoluto e pode ser questionado. Exageremos um exemplo:
Um paciente A pode ter ficado 5 anos sem ter tido surto, mas durante esse período ter-se
isolado, produzido pouco em sua ação sobre o mundo, não ter encontrado satisfação nas
relações estabelecidas e ter permanecido com o mundo emocional embotado.
Outro paciente, B, em contrapartida, pode ter tido dois surtos no mesmo período, mas
estabelecido algumas relações satisfatórias, ter agido no mundo segundo seus limites e ter
vivenciado, de quando em quando, suas emoções. Suponhamos ainda que no final desse período
se encontre razoavelmente integrado ao seu meio.
Não estaria ele com melhor evolução?
Sabemos que alguns pacientes podem, durante meses, manter quadros delirantes ou
alucinatórios sem que o meio ambiente o perceba. Disso pode decorrer surto visível, suicídio
ou mesmo desaparecimento dos sintomas. Como, a partir disso, utilizar o número de surtos
como critério único de medir a evolução do processo psicótico?
Outro critério que tem sido utilizado é o de readaptação social. É amplo e produtivo, mas
também merece ser discutido. O cerne da questão está naquilo que chamamos de readaptação.
Ela poderá ser intensamente positiva mas poderá também servir para a manutenção e o
ocultamento dos sintomas.
Tal discussão daria, talvez, uma tese.
Alguns psicóticos, quando da alta hospitalar, encontram-se "adaptados", aptos a cumprir o
que deles se espera ou o que acreditam ser o esperado. Cumprem papéis estereotipados sem
nenhum projeto consistente. Poderão manter-se assim por longos períodos.
Não poderemos esperar que o psicótico funcione segundo nossos padrões de adaptação. Se assim
o fizermos, poderemos estar condenando esse indivíduo a uma busca do inatingível. Deve-se
levar em conta suas necessidades e seus limites.
Há anos, no início dos trabalhos, tinha cinco objetivos propostos: a criação de um projeto;
uma relação satisfatória com as pessoas (uma comunicação possível); uma rematrização
(reformulação da relação filho/mãe e filho/sociedade); um auxílio no desenvolvimento de uma
identidade e a resolução de dinâmicas conflitivas.
Tais objetivos eram estritamente pessoais.
A partir de algum tempo a proposta metodológica mudou. Com o desenvolvimento do Grupo de
Estudos de Psicoterapia de Psicóticos (GREPP), ligado ao Serviço de Psicoterapia do
Instituto de Psiquiatria, pudemos elaborar outros critérios.
Foi feito por três acadêmicos da FMUSP um levantamento bibliográfico dos principais
parâmetros avaliativos da evolução de psicóticos em psicoterapia. Desses, em discussão com o
grupo de estudo, foram selecionados 12, considerados os mais freqüentes nos levantamentos.
Após terem sido detalhados, foram enviados a cerca de 50 psiquiatras, psicoterapeutas ou
não, a maioria de São Paulo. Tomamos o cuidado para incluir profissionais das mais variadas
formações. Cada profissional escolheu 6 dos 12 critérios, ou seja, os que julgasse mais
importantes.
Fizemos um trabalho orientado por estatístico levando em conta os aspectos ponderais e
optamos pelos seguintes critérios:
Funcionamento sócio-ocupacional.
Relacionamento familiar.
Convivência social.
Ocorrência de novos surtos.
Os outros oito critérios fornecidos como opções eram: lazer, planos para o futuro
(excluindo-se ideações delirantes), uso de medicação neuroléptica, presença de sintomas
produtivos, presença de sintomas negativos, dependência de parentes para realizar atos,
possibilidade de compreensão do discurso do paciente e manutenção de relacionamento sexual.
Este último foi o critério considerado por todos como o menos importante.
Com um X ao quadrado observado de 35,297 e um X ao quadrado crítico de 19,67 (g.1. = 11,
grau de significância = 5%), podemos dizer que as freqüências esperadas e observadas foram
significantemente diferentes e que, portanto, os critérios escolhidos têm alta possibilidade
de servir de critérios padrões para a avaliação dos objetivos de psicoterapia de psicóticos,
no meio em que a amostra foi colhida.
3.3. A PROPOSTA: DIVISÃO EM FASES
Por razões didáticas e operacionais, decidi dividir a proposta em fases. Acredito existir
diferentes momentos durante o processo psicoterápico que podem ser coerentemente delineados,
de forma a permitir ao profissional obter um conjunto de atitudes mais específicas a cada
situação.
Assim, diante de determinada atitude do paciente, a resposta do terapeuta poderá variar
segundo a fase do processo em vigência.
Se a proposta é criar uma sistematização de posturas, não estou em busca de uma rigidez de
atitudes e acredito que só a sensibilidade do terapeuta à situação poderá determinar-lhe a
resposta final.
As fases dimensionadas são as seguintes:
1ª Fase de vinculação,
2ª Fase de auto-questionamento,
3ª Fase de diferenciação do ego e de organização do psiquismo e do cotidiano,
4ª Fase de entrada na realidade, e 5ª Fase de ancoragem.
Vamos nos aprofundar em cada uma delas:
3.3.1. FASE DE VINCULAÇÃO
Eu montei uma sociedade para acabar com o demônio!!! Convido-o a participar!!!
(CEJ. Carta de 8/84)
Duas cenas numa sala de triagem do Serviço de Psicoterapia: uma paciente auto-referente tem
alucinações auditivas ligadas a uma situação sexual que até então não contara a ninguém. Por
que contou ali? Outro paciente apresenta um quadro delirante semi-estruturado, com auto-
referência e persecutoriedade, logo após um desvio de verba que fizera numa empresa em que
trabalhava. Por que contou o fato ali?
Outra paciente psicótica, após início da psicoterapia, viaja para o exterior, onde logo
entra em crise de angústia. Telefona para o terapeuta e não para a família. Por que?
Poderíamos dizer que, ao desconhecer o outro como ser humano, o estereotipam e o utilizam
segundo suas próprias necessidades. Poderíamos, inversamente, dizer que, ao reconhecer o
outro, tomam-no como possível saída para suas angústias.
São respostas que ocultam talvez fenômenos mais profundos.
Pichon-Riviere conceituou o vínculo como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que
engloba tanto o sujeito quanto o objeto, tendo essa estrutura características consideradas
normais e alterações interpretadas como patológicas 1. Considera ainda que o vínculo pode ser
tido como normal quando ambos têm a possibilidade de fazer uma livre escolha de objeto como
resultado duma boa diferenciação entre ambos.
No caso do vínculo em questão, poder-se-ia dizer que temos duas pessoas, uma das quais
especializada em certo nível da problemática humana e a outra como testemunha direta dessa
problemática. O funcionamento dessa relação dependerá da atitude de ambos.
Sem vinculação a psicoterapia não ocorrerá.
O vínculo do terapeuta com o psicótico tem algumas características que merecem um repensar a
questão:
1ª Todo paciente traz uma proposta de relação. No caso do psicótico, as duas propostas mais
freqüentes são, ou a recusa total ao tratamento, ou sua aceitação integral.
2ª Quando um psicótico inicia a psicoterapia, sabemos pelas invariantes que possui alguns
modelos de relacionamentos patológicos.
Simbioses, cismas, vieses, papéis complementares patológicos, falsos reconhecimentos, -
muito disso pode ser encontrado. O terapeuta deverá ter a noção clara que vincular para
aquele paciente poderá ter uma conotação diferente da dele.
3ª Quando o paciente é levado a tratamento, é comum existir ansiedade familiar. É um momento
de desestabilização das relações de família que afeta ainda mais os já precários modelos de
relacionamento do paciente.
4ª À medida que o paciente vai-se vinculando com o terapeuta, poderão ocorrer modificações
nos padrões dos vínculos com sua família que acarretarão vários rearranjos. Decorre disso a
importância em reconhecer-se as principais forças atuantes sobre o paciente, para
neutralizá-las quando possível.
5ª A formação dum vínculo saudável pode influenciar na evolução do processo doentio. Nesse
sentido, o vínculo já constitui tratamento.
6ª Mesmo que o paciente esteja em surto, mesmo que estereotipe o terapeuta ou que o inclua
no conteúdo de seu material delirante, ainda assim a existência do terapeuta como pessoa
real, poderá dar consistência real à vida do paciente.
7ª Aspectos transferenciais fortes como o jogo afeto/ódio ou dependência/destruição, poderão
ocorrer.
Tais apontamentos demonstram quantas dificuldades poderão ocorrer no vínculo com psicóticos.
Torna-se necessário fazer um delineamento de tais dificuldades, bem como das propostas, a
fim de neutralizá-las.
1
Pichon-Rivíere. E. - Teoria do Vínculo. São Paulo, Martins Fontes, 1986, p. 12.
Por uma questão meramente didática dividi as dificuldades em quatro níveis evidentemente
entrelaçados: dificuldades do paciente, dificuldades do terapeuta, dificuldades presentes na
relação e dificuldades oriundas do mundo exterior.
I - Dificuldades do paciente
a) Isolamento comunicacional. O psicótico fica isolado comunicacionalmente. Está impedido de
entender e de ser entendido. Assim, isola-se dos outros. Já vimos o quanto a extrapolação da
vida interior coisifica o mundo exterior, tornando-o verdadeira representação a serviço do
psiquismo doentio. Esse isolamento é também afetivo. Uma análise mais profunda demonstra que
mesmo pacientes mais brincalhões costumam ter as relações superficiais, porque
estereotipadas.
A paciente Célia chegou a ficar quase meio ano pronunciando monossílabos nas sessões.
Ao contrário do que muitos acreditam, os psicóticos também não se relacionam entre si,
principalmente na vigência do surto.
A postura de confirmação do indivíduo que discutiremos proximamente torna-se fundamental
para a possibilidade de haver diminuição do isolamento.
b} Características da personalidade psicótica. As características já apresentadas nas
invariantes tendem a dificultar a vinculação.
Entre elas destacam-se o comprometimento da identidade, a auto-referência, a
persecutoriedade e a tendência à simbiose. O terapeuta deverá aprender a contracenar, dentro
do possível, com cada uma dessas características. Desde já podemos salientar que clima da
sala deverá ser afável e acrítico, para resultar em diminuição da ansiedade e da
desconfiança.
c} Uma grande resistência aos dados da realidade. Essa dificuldade torna-se maior ainda pela
tendência social de impor, a todo custo, a realidade consensual. Como veremos, torna-se
necessário haver aceitação do mundo psicótico do paciente, de posição existencial. Claro
que, levado pelas necessidades de configurar uma realidade própria, o psicótico poderá criar
situações inaceitáveis no plano da convivência humana.
Nessa situação torna-se importante a colocação nítida de limite, o que pode ser feito de um
jeito simples, dando-lhe parâmetros de ação, protegendo-se e protegendo-o.
Certa vez o paciente CEJ ameaçou-me de mão estendida. Bastou colocar-lhe com firmeza, mas
gentilmente, minha desaprovação, para que recolhesse a mão, desculpando-se.
d} Recusa ao tratamento. O principal motivo que temos visto levar o paciente a recusar o
tratamento encontra-se na suposição de que sua aceitação implicaria um reconhecimento da
loucura.
Apesar disso quase sempre se percebe um pedido de apoio implícito.
Como transformar tal pedido em algo que possibilite o início?
Muitas vezes a saída é dada pelo próprio paciente. Ele não aceita fazer o tratamento, mas
aceita comparecer uma vez por semana para discutir os progressos da medicina ou para trocar
idéias sobre religião. Isto lhe diminui o temor de passar por louco. Não são armadilhas pois
são propostas feitas pelo paciente.
Diferentes disso são as armadilhas preparadas pela família. A mais comum é o convite para ir
a uma festa na casa do paciente, para iniciar o vínculo. Embora respeite a ansiedade
familiar, considero tais propostas perigosas, pois assentam a psicoterapia numa mentira,
justamente para um tipo de paciente que é, em geral, desconfiado.
E se a recusa se mantiver?
O que temos feito nesse caso e iniciar o processo por reuniões familiares, nas quais a
situação do psicótico é conjuntamente analisada. É comum que, no instante em que a dinâmica
familiar começa a evidenciar-se, o paciente queira ficar sozinho na sala. Nessa altura sua
confiança no profissional deverá ser maior. A proposta, explícita, não é trabalhar os
vínculos familiares, mas iniciar um contacto com o paciente.
Se percebermos uma brecha na recusa do paciente, poderemos forçar um pouco, desculpando-se
posteriormente. Mas, se a recusa for total, resta-nos orientar a família para outras formas
de tratamento.
II - Dificuldades do terapeuta
a) Dificuldades em dimensionar a loucura. A mensuração do distúrbio psicopatológico é
necessária, não só no nível do diagnóstico, mas, mais do que isso, em intensidade e riscos.
Só assim poderemos elaborar um projeto do processo.
Existem limites técnicos que nós, psiquiatras, possuímos pela insuficiência de nossos
conhecimentos sobre a psicopatologia.
A esse limite um outro se soma.
É o da avaliação familiar. As atitudes do psicótico que podem ser vistas como normais por
amigos seus ou por vizinhos passam a ser consideradas loucuras pelo meio familiar. O grupo
familiar costuma estabelecer regras particulares de convivência. A quebra dessas regras pode
ser considerado ato de loucura. São exemplos dessas situações a diminuição de expectativas,
o abandono do estudo ou do emprego, a mudança de aparência ou de hábitos etc. A isso soma-se
o fato de qualquer sinal de mudança de humor do psicótico gerar uma situação de perigo. Às
vezes exigem do psicótico um grau de equilíbrio que a média das pessoas não possui.
Algumas situações tornam-se mesmo cômicas. Uma mãe nos telefonou porque o filho psicótico,
já adulto e fora de surto, havia saído com um irmão para tomar cerveja. Ela não conseguia
perceber que essa atitude poderia ser considerada normal e mesmo estimulada. Um amigo
psiquiatra contou-nos uma situação semelhante na qual um assustado pai o procurou porque a
filha psicótica tinha ido a um baile e dançado!
Outra dificuldade em dimensionar a loucura está ligada aos fatores culturais. Um paciente de
origem chinesa apresentava delírio de conteúdo religioso. Os pais falavam muito mal o
português, e nós os contatamos através dum "intérprete", um primo do paciente há muito tempo
radicado no Brasil. Notamos, algo surpresos, que algumas das idéias que julgávamos
delirantes eram com pactuadas pelos membros da família.
O discernimento dessas questões torna-se importante para o processo de vinculação.
b) O envolvimento emocional do profissional.
O trabalho com o paciente psicótico tende a levar emoções mais primitivas para a sala de
terapia. Raivas, medos, angústias fortes e idéias de suicídio são algumas das emoções que
aparecem com freqüência. É lícito pensar que, por mais preparado que esteja, o terapeuta
estará mais sujeito a essas tensões quando trabalha com psicóticos. Em vez de negá-las, o
que se pode esperar é que seja capaz de reconhecê-las, e colocá-las como auxílio de seu
trabalho. Por isso mesmo o profissional deve estar sempre avaliando-se em suas atitudes para
com o paciente.
III - Dificuldades presentes na relação
a) Exteriorizações de emoções intensas a até agressivas. É comum as emoções de psicóticos
encontrar-se exacerbadas, principalmente no surto. Desejos reprimidos, angústias, raivas
acumuladas, tudo pode vir à tona, muitas vezes contra pessoas que desconhecem a própria
existência do paciente.
Se uma pessoa nega a visão de realidade do paciente, este poderá reagir com hostilidade numa
tentativa de impor sua maneira de ver.
Isto pode acontecer na psicoterapia.
Com isso, sentimentos de competição, inveja, e outros, muitas vezes transferenciais, podem
também surgir atingindo algumas vezes níveis drásticos.
b) Vazios de conteúdo para conversar. O isolamento, o afastamento das relações humanas e o
quadro delirante podem tornar o psicótico pessoa de conteúdo empobrecido, vazio de conceitos
e idéias a respeito do mundo que o cerca. Isto costuma provocar silêncios às vezes
incômodos, ou repetições também incômodas de assuntos já conversados. Cabe ao terapeuta, em
sua criatividade, propor saídas técnicas, como, por exemplo, a utilização de recursos não
verbais.
c) Alta expectativa do paciente. Preso num emaranhado de situações internas e externas que
quase nunca compreende e em geral angustiado e tenso, o psicótico pode ver no terapeuta sua
saída, nele depositando alta expectativa.
A negação total dessas expectativas ou sua aceitação incondicional acrescidas de aspectos
contra-transferenciais, poderão trazer problemas sérios relativos aos aspectos da
vinculação. Assim, acredito que o real dimensionamento da situação, a discriminação do
interno com aquilo que lhe foi depositado e a aceitação temporária das expectativas, quando
possível, tenderão a servir de auxílio técnico para a situação.
d) Situações relacionais que incrementam as dificuldades. São inúmeras tais situações. Uma
delas são os constantes "testes" que os pacientes tendem a fazer com o terapeuta. Um dos
mais freqüentes é o "triângulo" formado com a família, no qual o paciente fica na
expectativa, ao avaliar a posição do profissional.
Um pequeno deslize e o vínculo poderá ficar comprometido.
O diagnóstico, amiúde pedido pelo paciente, costuma constituir um fator de dificuldade
relacional. Temos, por experiências anteriores, nos recusado a fornecê-las.
IV - Dificuldades oriundas do mundo exterior
a) Dificuldades presentes no hospital. Os padrões do processo psicoterápico numa instituição
costumam ser diferentes do padrão dum consultório particular. A influência externa costuma
ser maior, com a entrada de familiares ou de funcionários durante a sessão. Desencontros de
horários e salas ocorrem mais facilmente.
O próprio significado do que é terapia costuma ser diferente para o paciente e seus
familiares.
Em instituições, pela grande demanda, é mais comum o uso de processos psicoterápicos
grupais. Já vimos, em Amaro, (4,5) a importância de realizar a vinculação individual antes
ou concomitantemente à entrada no grupo. Temos procurado realizar isso sempre que possível.
b) A questão familiar. Ao longo do volume tenho optado por uma posição que chamaria de
ingenuidade consciente. Assim, tenho me desviado de algumas polêmicas que, embora não
estéreis, tenderiam a criar dificuldade pragmática numa proposta de busca um método de
psicoteria de psicóticos.
A questão familiar é uma dessas.
Ela é tão complexa e polêmica que poderia ser assunto de uma tese. No GREPP temos
profissionais que desenvolvem estudos sobre a relação psicoterapia/família de psicóticos.
Assim mesmo optei por fazer algumas considerações que julgo necessárias, a maioria vinda de
experiências clínicas.
b1 ) Se é verdade que a família é medianeira entre o indivíduo e a sociedade e se é também
verdade que existe um jogo dinâmico de forças familiares que interagem na evolução do
processo psicótico, então deve ser também verdade que precisamos reconhecer algumas das
forças dinâmicas que no nível social agem sobre a família e seus membros, sejam ou não
psicóticos. Assim, se o entendimento duma dinâmica familiar nos leva ao entendimento de
alguns aspectos do psicótico, então, necessitaremos do entendimento também duma dinâmica
social.
b2) A família com a qual entramos em contacto foi a matriz na qual se desenvolveram aspectos
psicológicos e psicopatológicos de nossos pacientes. O conjunto de regras da família costuma
estar internalizado pelo paciente.
b3) Nesse sentido, deve existir uma diferença entre a família, enquanto sistema real
externo, e a "família" internalizada (imago) Essa diferença torna-se ainda mais importante
no psicótico já que interno e externo costumam estar misturados nele.
b4) Embora não tenha dados estatísticos para afirmar, sempre me pareceu que o sistema
familiar do psicótico era mais rígido, mais fechado, com menor possibilidade de ação. A
importância da família ou da "família" internalizada para ele é sempre muito grande. Por
isso torna-se muito difícil obter vínculo com um psicótico sem vincular-se à família.
b5) Nesse sentido a psicoterapia do psicótico é sempre, também, a psicoterapia de sua
família ou de sua "família". O processo passará a ter alta significação para eles,
provavelmente maior do que se fosse a de um outro elemento da família. Assim, os próprios
dados que chegam ao profissional já estão "organizados" segundo essa ansiedade familiar.
A família costuma estar dividida em suas posições. Uns optam pela psicoterapia, outros pelo
internamento imediato, outros ainda dizem uma coisa na sala, mas invertem a posição por
telefone, buscando ligação com o profissional fora da presença do paciente ou de algum outro
membro da família. Uns buscam medicação, outros combatem-na ferozmente. Uns trazem à tona
divergências familiares, outros escondem-nas. Uns colocam o profissional como juiz, outros
como carrasco e outros ainda como a única saída.
Telefonemas inoportunos, entradas na sala, propostas de conluio são algumas das situações
comuns.
A partir disso surgem armadilhas constantes para o terapeuta. Um paciente de 38 anos, que
mora sozinho, iniciou a vinculação terapêutica. Pouco depois do término da sua quarta
sessão, recebi uma comunicação urgente para ligar para a casa de sua mãe. Essa comunicação
havia sido feita diretamente pela mãe. Preocupado, liguei. Do outro lado atendeu o paciente
que disse: Então é verdade que o doutor liga sempre para a minha mãe para contar a ela o que
digo? Desligou e nunca mais retomou à psicoterapia.
A quantidade de cheques sem fundos que recebemos desses familiares é muito maior do que dos
pacientes não psicóticos. Independentemente da interpretação que se queira dar, servem para
tumultuar a relação e o processo psicoterápico.
A descrição de tais fatos não esconde que muitas vezes a família se mostra conscientemente
interessada, auxiliando de maneira eficaz o processo, sendo participante e seguindo
prontamente as indicações do profissional.
Assim como avaliamos as dificuldades, proponho avaliar algumas posturas e atitudes do
terapeuta com vistas a facilitar a vinculação. Algumas dessas posturas são pessoais e irão
variar entre diversos profissionais. O que se torna necessária é a manutenção de uma
coerência interna no conjunto das atitudes. Embora tais propostas sejam feitas no tópico
ligado à vinculação, muitas delas podem ser estendidas a outras fases.
Assim como nas dificuldades, optei por dividi-las em diferentes níveis: posturas e atitudes
do profissional para consigo mesmo, posturas e atitudes para com a maneira de ver o outro,
postura e atitudes para com um clima relacional e ambiental eficientes e posturas e atitudes
do profissional para com o mundo exterior.
I - Posturas e atitudes do profissional para consigo mesmo.
Menos importante quanto ao nível descritivo, possuem sua importância oriunda da necessidade
de aperfeiçoamento de um dos principais instrumentos de ação, ou seja, o próprio terapeuta.
Um dos aspectos importantes é o reconhecimento das emoções suscitadas na vigência do
processo. Confusões, frustrações e expectativas exageradas são algumas delas. Percebendo-as,
o terapeuta poderá colocá-las a serviço do processo.
II - Posturas e atitudes para com a maneira de ver o outro. Isto se inicia pela não fixação
de nosso quadro de referências, tendo em vista buscar a natureza da experiência do
psicótico. Em muitos casos trata-se de um processo de reconstrução para o mesmo, de sua
maneira de ver-se e ver o mundo. Nesse sentido precisamos perceber suas reais necessidades e
entender-lhe a proposta de relação. Para isso torna-se necessário evitar a posição
moralista, crítica e até mesmo persecutória de tomá-lo sempre como alguém incompleto e cheio
de defeitos. Por outro lado, não podemos desconhecer as características especiais de sua
personalidade e mesmo sua doença.
Embora bonito, nem sempre esse discurso é fácil de se realizar na prática. Ele exige do
terapeuta constante repensar.
Poder-se-ia dizer que essa é uma questão ética e não técnica. Mas com certeza é uma questão
concreta na vinculação mesmo porque ética vem do grego ethon que nos remete à ação e daí à
questão das regras de relação.
III - Posturas e atitudes para com um clima relacional e ambiental eficientes.
a) Uma proposta saudável de relação. Cabe ao profissional oferecer uma proposta de relação
que possa ser considerada saudável e que sirva de modelo para o psicótico, para que ele
possa exercê-la em outras relações.
Um aspecto disso é a disponibilidade. Empatia, calor humano, interesse pelos outros e seus
atributos devem ser posturas do profissional. Em sendo ativo, criativo e espontâneo, ele
estimulará as iniciativas do paciente, incrementando-lhe a autoconfiança e a confiança no
processo.
O processo psicoterápico poderá tornar-se uma opção a mais para uma vida de poucas saídas,
como é a do psicótico.
Tudo isso não deve se limitar ao contexto da sala de psicoterapia. O contexto hospitalar, a
sala de espera e outros espaços poderão ser incluídos.
Tais atitudes podem parecer para alguns ingênuas ou românticas, mas têm um caráter de grande
importância na vinculação. O paciente passa a reagir de maneira mais adulta também. Tudo
funciona como se o paciente não estivesse acostumado a ser tratado dessa maneira.
b) Um ambiente maleável e ameno. O ambiente psicoterápico deve ser de tal maneira que o
paciente possa comunicar sem temor seus conteúdos internos. Além do necessário sigilo,
buscamos um clima afável, seguro e maleável. Não têm se mostrado úteis, para mim, as
restrições ou preocupações técnicas, como lugar determinado para o paciente sentar ou
fixação rígida da duração da sessão. É claro que sempre existe um limite operacional,
variável para cada profissional.
Em momentos de silêncio podemos orientar a conversa com perguntas dosadas. Costuma ser fácil
perceber se o silêncio constitui dificuldade do paciente. Nesse caso as perguntas seriam
facilitadoras. Se for uma opção do paciente para aquele momento, pode-se respeitar. Se tiver
dúvida, podemos perguntar para o paciente.
Perguntas sobre a crise nessa fase costumam ser mal aceitas.
Repressões, críticas e grandes exigências não devem ser confundidas com limites, avaliações
reais e estímulos. O clima de camaradagem não deve significar sedução ou relação
estereotipada.
Um aspecto relacional importante que inclui o ambiente é a continência. Só assim o paciente
poderá depositar ali suas inquietações.
É evidente que um clima maleável e ameno não deve se restringir apenas à sala de
psicoterapia, mas a qualquer ambiente em que ocorrer a relação terapêutica.
c) Um terapeuta que aceite certas posições. O terapeuta deve reconhecer certas necessidades
do paciente e aceitá-las quando viáveis. Muitas vezes tais aceitações são temporárias.
Uma delas é a aceitação da estereotipia. Aceitar ser Jesus não significa passar a sê-lo. A
estereotipia advém, provavelmente, da dificuldade de se propor uma relação mais real,
tendendo a desaparecer na continuidade do processo.
Identificações exageradas ou excessivas admirações poderão, eventualmente, ser aceitas como
já nos ensinou Kohut.
É também difícil aceitar o sofrimento do paciente. Mas é necessário, inclusive para que o
paciente aprenda a absorvê-lo.
Uma ansiedade do terapeuta poderá, nesse sentido, assustar o paciente ou mesmo dar a ele
instrumentos de manipulação.
Às vezes o paciente estabelece uma distância afetiva na relação.
É importante aceitá-la sem forçar a proximidade.
Tantas aceitações não implicam uma posição de "bonzinho".
Quando necessário, já o dissemos, pode-se dar o limite, ajudando-o a contatar-se com o real.
Em geral, quando alguma atitude minha frustra o paciente, costumo explicar ao mesmo os
motivos da atitude. Isto tem se tornado útil, inclusive como um verdadeiro aprendizado para
ele.
d) Posturas e atitudes docentes. Vamos evitar a polêmica da validade ou invalida de se
manter atitudes psicopedagógicas. A simples atitude do terapeuta já o coloca como modelo de
ação.
Por uma série de aspectos anteriormente discutidos, podemos considerar o psicótico como
alguém que tem dificuldades em saber manipular os instrumentos de vida. Assim, cabe ao
terapeuta discutir com ele alguns desses aspectos. Suas colocações devem ser claras e
precisas. Que se use mais o sim ou não, do que o talvez.
Muitos recursos podem servir. Uma estória contada, ou a comparação com um comercial de
televisão podem fazer com que o paciente compreenda melhor do que uma colocação aprofundada.
e) A confirmação do delirante. Já se discutiu a aceitação da posição existencial do
psicótico. Trata-se de algo na mesma linha, porém mais técnico. No capítulo I, ao trazer a
contribuição da Escola de Pala Alto, referi-me ao conceito de confirmação.
Se um paciente se coloca como Deus, ele se sente, percebe a si mesmo e pensa em si como tal.
A aceitação temporária de tal posição facilita em alto grau a vinculação. Obviamente não se
trata de reconhecê-la como Deus, mas de aceitar que ele se veja como tal. Se o paciente
perguntar se eu o acho Deus, teria que dizer que não, mas que eu percebo o quanto isso lhe é
importante.
Nunca nenhum paciente perguntou.
Mas tenho um senão a fazer.
Assim que a postura de confirmação ficou evidente no trabalho com psicóticos, passou a ser
muito utilizada. Se o terapeuta fica muito preocupado com a confirmação, poderá passar a
policiar-se em demasia tornando o clima artificial ou mesmo persecutório. O importante é que
o terapeuta possa abrigar em sua sala o delírio do paciente. Uma vez treinado no convívio
técnico com psicóticos, a postura de confirmação aparecerá naturalmente.
Assim, o paciente terá na sala um local e no terapeuta uma pessoa a compreendê-lo. Como não
resistimos à "sua realidade", a tensão baixa e a procura do vínculo aparece.
Tal postura deve ser mantida durante todo o processo.
f) A influência do entendimento. Algumas vezes isto se torna tão importante quanto a
confirmação, e dela se diferencia, embora entender uma pessoa seja confirmá-la.
As mensagens dos psicóticos costumam ser confusas, cheias de obscuridade ou significação
incompreensível. Isto faz com que as pessoas que o cercam tenham dificuldades de entendê-lo.
Tal dificuldade é extensiva ao terapeuta. Este, porém, tem conhecimento de dinâmicas
psicológicas e de mecanismos de funcionamento do psiquismo doentio. Isto pode facilitar o
entendimento dos fenômenos e assim passá-los ao paciente. É impressionante o quanto isso se
torna útil para a vinculação. Muitas vezes aconteceu de os psicóticos proporem, ao sentir-se
entendidos, aumentar o número de sessões. Mas basta mostrar que o estamos entendendo.
Qualquer interpretação psicodinâmica mais profunda, nessa fase, pode fazê-lo sentir-se
transparente demais e recuar no vínculo.
IV - Posturas e atitudes do profissional para com o mundo exterior
a) Contato com o hospital. Isto vai depender do tipo de hospital em que estivemos
trabalhando. Trata-se de neutralizar possíveis interferências que costumam surgir nessas
situações, interferências essas já apresentadas anteriormente.
Nas supervisões hospitalares tenho procurado insistir nesses aspectos. Em algumas ocasiões
chegamos a marcar reuniões com os funcionários. Nessas reuniões foi explicado para eles
alguns conceitos simples, como sigilo, não interferência na sala e evitação de críticas mais
contundentes ao paciente.
Tais posturas tendem a integrar os funcionários no tratamento do psicótico.
b) O contato com a família. Já discutimos o estado caótico com que a família costuma chegar
e a importância de o contato com ela ser feito de uma forma a viabilizar o tratamento com a
sua colaboração no processo.
Grande passo para isso é desistir em achar "o louco da casa".
Movidos por algumas teorizações e por alguns preconceitos estabelecidos, o terapeuta pode
querer cometer o erro de querer substituir a figura de "louco" que seu paciente carrega por
um dos familiares. Esse movimento de "caça às bruxas" invariavelmente não só não protege o
paciente, como deixa sua família em posição de defesa.
Claro que o reconhecimento de uma dinâmica familiar que possa estar influenciando
negativamente terá que ser buscado.
Mas não é apontando culpados que estaremos ajudando a nos vincular aos nossos pacientes.
Diferente disso é quando o paciente aponta, logo no início, uma dinâmica patológica nas
relações familiares. Se a sentir como real, costumo confirmá-la como possível.
No contato com a família é necessário fazer a definição das responsabilidades, não só para o
momento presente, como para o seguimento do processo. Algumas famílias, por motivos vários,
costumam depositar o paciente nas mãos do terapeuta tornando-o responsável por todas as
decisões a respeito.
Embora cada situação tenha suas particularidades, o que se tem mostrado mais útil é a
manutenção dum contato com o paciente por algumas sessões e, a seguir, propiciar uma ou duas
reuniões com a família. Ao paciente é dada a opção de acompanhar ou não tais reuniões. Em
casos raros de família desestruturada em excesso, podemos optar por conversas sem o
paciente. Isto pode gerar desconfianças desagradáveis no mesmo. Para minimizar tal situação,
estabeleço com ele que lhe direi tudo o que julgar importante. Comunico tal decisão à
família antes da reunião.
Desse jeito o controle das informações fica em minhas mãos, já que a promessa é contar
aquilo que julgar importante. Antigamente, toda vez que um familiar nos procurava, eu
contava ao paciente. Uma delas, Elaine mostrou-nos que, quando a família queria falar algo a
ela, usava-nos como intermediário. A partir disso, dou a opção ao psicótico, se ele quer que
lhe conte toda vez que um familiar procurar-me ou não.
Nas primeiras reuniões com os familiares, costumo apresentar as possíveis fases do processo,
bem como as dificuldades a elas inerentes. Discuto o que se pode e o que não se pode esperar
do paciente em cada uma das fases.
Se as relações familiares forem muito caóticas, poderemos pensar em psicoterapia familiar.
Tal encaminhamento poderá ser feito a profissionais por nós conhecidos para uma maior
integração. Em casos de fortes ligações simbióticas, o encaminhamento do outro membro
familiar à psicoterapia será de grande valia.
Toda vez que fiquei dividido entre o paciente e a família, quando não houve saída, optei
pelo paciente. É de esperar que os familiares tenham mais condições de absorver ansiedades.

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