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Janeiro
17 a 21 de setembro de 2012
Resumo: Este trabalho comparará a crítica ao niilismo presente nos romances Os Demônios
(Dostoiévski) e Doutor Fausto (Thomas Mann). O objetivo é compreender a forma como
ambos os autores representaram artisticamente um conjunto de idéias radicais, relativistas
e/ou que negam qualquer sentido existencial ou metafísico. Para isso serão analisados tanto os
respectivos contextos sociais e históricos em que estes escritores viveram quanto as
perspectivas filosóficas e políticas que os orientam. No romance dostoievskiano há uma
crítica cristã e conservadora à mentalidade revolucionária, a qual superestima os poderes da
razão e da autonomia humana. Personagens como o soturno Stavróguin, o suicida Kiríllov e o
ambicioso Vierkhoviénski simbolizam as várias facetas que, segundo Dostoiévski, o niilismo
pode assumir. Por sua vez, na obra de Thomas Mann predomina uma preocupação humanista
com o lado imoral e diabólico que o esteticismo pode assumir. O autor se apropria do mito
fáustico para elaborar a trágica história de Adrian Leverkühn, um músico que pactua com o
diabo para adquirir maior inspiração artística. Seu círculo social, que envolve desde teólogos
negativistas até intelectuais nietzscheanos, permite elucidar o desvirtuamento da Bildung
(formação) deste protagonista. O propósito epistemológico que orienta este trabalho é a
possibilidade de estudar temas da Filosofia Política por meio da Literatura.
Palavras-chave: Niilismo; Humanismo; Esteticismo; Filosofia Política; Literatura.
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Introdução
Dois dos principais autores de “romances filosóficos” (ou “romances de idéias”) são o
russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e o alemão Thomas Mann (1875-1955). Além das
qualidades estritamente estéticas de suas obras, ambos conseguiram desenvolver enredos e
personagens dotados de profundas reflexões existenciais, morais e políticas. Embora
Dostoiévski tenda a enfatizar questões éticas e metafísicas e Mann tenha como tema central a
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Mestrando em Ciência Política (IESP/UERJ). Bolsista pela CAPES. E-mail: kaiofelipe@iesp.uerj.br
http://sepocs.blogspot.com/ sepocsrio2012@gmail.com
relação entre artista e sociedade, é possível verificar características em comum. Uma delas é a
preocupação em dar densidade psicológica aos caracteres, por meio de monólogos interiores,
a relação irônica do narrador com os personagens e a polifonia.
Outra possível aproximação entre os dois é a temática do diabólico. Esta trama aparece
no dostoievskiano Os Irmãos Karamázov (1880), quando Ivan, após descobrir que foi mentor
indireto do assassinato do pai, tem uma estranha conversa com o Diabo. Já Thomas Mann, em
Doutor Fausto (1947), como o próprio título sugere, apresenta um pacto diabólico entre o
protagonista Adrian Leverkühn e um demônio multiforme (que ora assume um aspecto
animalesco, ora se assemelha a um intelectual sofisticado), no qual se sela o acordo que
permitirá a Adrian ser dotado de grande inspiração musical por vinte e quatro anos.
Estas “conversas demoníacas” são também uma alegoria do principal ponto de
convergência entre Mann e Dostoiévski, e que será o tema deste trabalho: a crítica ao
niilismo 2, que é visto por ambos como sintoma de decadência moral e cultural e produtor de
conseqüências devastadoras tanto para o indivíduo niilista quanto para seus contemporâneos.
Ambos os escritores viveram em contextos turbulentos: Dostoiévski foi contemporâneo
de movimentos socialistas e anarquistas que promoveram atentados terroristas e assassinatos
políticos na Rússia czarista; Mann presenciou as duas guerras mundiais e, entre elas, a
ascensão do nazismo. Sendo assim, cabe investigar de que forma ambos enxergaram o
niilismo em suas respectivas épocas, e como este foi simbolizado em suas criações literárias.
Para essa comparação escolhi as duas obras em que a questão niilista é tema central: Os
Demônios (1871) e Doutor Fausto.
Os Demônios é a obra mais crítica de Dostoiévski; o objetivo do autor “era fazer um
ensaio sobre o ateísmo, um ensaio acerca do mal em seu funcionamento, na sua
fenomenologia absoluta. Nesse sentido, esse livro parece ser uma profunda reflexão acerca do
relativismo e do niilismo.” (PONDÉ, 2003: 239) Já Doutor Fausto é contemporâneo à II
Guerra, e não se furta de conectar ficção com fatos históricos: “Alemanha, teologia
reformada, demonismo, esteticismo, niilismo, guerra, a proibição de amar ao próximo. Tudo
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Embora “niilismo” seja um termo tão polissêmico, uma possível definição inicial seria a seguinte: “situação de
desnorteamento provocada pela falta de referências tradicionais, ou seja, dos valores e ideais que representavam
uma resposta aos porquês e, como tais, iluminavam a caminhada humana.” (VOLPI, 1999: 8)
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se conecta maravilhosamente neste „livro do Diabo‟, formando um quadro definitivo que
mostra como o Ovo da Serpente foi gestado.” (CORDEIRO, 2011)
Os primeiros dois capítulos deste artigo analisarão separadamente as duas obras. No que
diz respeito a Os Demônios, o propósito é entender como três dos personagens - o soturno
Nikolai Stavróguin, o suicida Kiríllov e o ambicioso Piotr Vierkhoviénski - simbolizam as
facetas que, segundo Dostoiévski, o niilismo pode assumir. Em Doutor Fausto a ênfase será
em Adrian Leverkühn, músico ambicioso e esteticista, mas também em seu círculo social, que
abrange desde teólogos liberais e negativistas até intelectuais vitalistas, e que permite elucidar
o desvirtuamento da Bildung (formação) de Adrian. No terceiro capítulo irei comparar ambas
as obras, elucidando qual a perspectiva de Thomas Mann e qual a de Dostoiévski sobre o
niilismo, tanto nos pressupostos quanto nos alvos de suas respectivas críticas. Seguir-se-ão as
considerações finais, com um balanço da discussão prévia.
O propósito epistemológico que orienta este trabalho é a possibilidade de estudar temas
da Filosofia Política por meio da Literatura. Em outras palavras, acredito na possibilidade de
discutir e refletir sobre teorias e ideologias políticas a partir da arte, na medida em que a
literatura consiga representá-las de forma mais clara e instigante do que um estudo
estritamente conceitual. Os literatos de gênio - cânone do qual fazem parte autores como
Dante, Shakespeare, Goethe e os próprios Dostoiévski e Mann - são capazes de criar
poderosas metáforas e alegorias sobre idéias e fenômenos políticos, permitindo assim uma
fecunda relação entre os campos do Pensamento Político e da Estética.
Outra justificativa para esta articulação entre Arte e Política reside na capacidade da
literatura de cunho realista de apresentar personagens sócio-historicamente enraizados e
situados em mundos sociais particulares. Segundo Luis de Gusmão, “a lucidez intelectual
desses romancistas não se manifesta exatamente na formulação explícita, discursiva, de um
saber „sobre o homem‟, devendo antes ser buscada na construção de personagens complexas e
plausíveis, as quais, em determinadas circunstâncias, por palavras ou atos, evidenciam „coisas
que podíamos não perceber‟, alargando assim o nosso autoconhecimento.” (GUSMÃO, 2012:
39). Destarte, neste artigo investigarei o niilismo por meio da representação literária que
Fiódor Dostoiévski e Thomas Mann fizeram do mesmo em Os Demônios e Doutor Fausto.
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As Três Faces do Niilismo em Os Demônios
Quando começou a escrever Os Demônios, em 1869, Dostoiévski já era um romancista
maduro e consagrado. Mais do que isso, os temas que aparecem nesta obra já haviam sido
prefigurados em Memórias do Subsolo (1864) e Crime e Castigo (1866). Personagens como o
“homem do subsolo” e Raskólnikov já apresentavam os dramas morais e existenciais que
serão retomados, sob um recorte mais político, em Os Demônios. Esta continuidade temática é
constatada por Albert Camus: “todos os heróis de Dostoiévski se questionam sobre o sentido
da vida”, sendo que tal questão “é colocada com tal intensidade que só admite soluções
extremas. A existência é enganosa ou é eterna.” (CAMUS, 2010: 106)
A inspiração imediata para este romance foi o assassinato de Ivanov, um membro da
célula revolucionária liderada pelo estudante anarquista Sergey Nechaev. Tal homicídio tinha
como objetivo “estreitar os laços que uniam o grupo, ao tornar cúmplices os seus integrantes.
Dostoiévski fica impressionado com o acontecimento, noticiado nos jornais, e passa a
pesquisar e estudar o caso, pois o considera típico da geração dos niilistas russos.” (PONDÉ,
2003: 234) Nechaev, aliás, serviu de base para o personagem Piotr Vierkhoviénski, que na
obra desempenha o papel de um cínico e ambicioso líder de um grupo revolucionário.
Ou seja, a motivação inicial para a obra é política: denunciar as atrocidades da
intelligentsia revolucionária russa. Porém, Os Demônios não se resume a mera panfletagem
reacionária, pois Dostoiévski nutria preocupações mais profundas: analisar a fenomenologia
do niilismo, compreender a mentalidade revolucionária. Sendo assim, evitou maniqueísmos e
criou perfis psicológicos complexos mesmo para os personagens de posições mais radicais.
O leitmotiv deste romance é uma resposta à ambigüidade quase condescendente de
Turguêniev em Pais e Filhos (1862): há jovens niilistas porque houve pais liberais. Trocando
em miúdos, Dostoiévski está questionando a viabilidade da geração dos filhos cujos pais
acreditam na educação liberal3, ou seja, “na idéia de que a natureza humana, entregue a si
mesma, vai encontrar o seu caminho, o que para ele, na realidade, está preparando a
destruição.” (Ibidem: 241). A relação entre Piotr Vierkhoviénski e seu progenitor Stiepan
Trofímovitch simboliza bem esta questão. Ainda segundo Pondé:
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Cabe fazer uma ressalva: no caso de Dostoiévski e seus comentadores, o “liberal” em questão é sinônimo de
progressista, anti-tradicionalista e secularizante. Porém, “educação liberal” também designa o projeto
pedagógico de viés humanista e conservador defendido nos EUA por educadores como Mortimer Adler (Great
Books of the Western World [org.], 1952) e filósofos como Leo Strauss (What is Liberal Education, 1959).
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“Nesta obra, o risco da diabolização da vida, via desconstrução organizada revela
sua face histórica: a modernidade pode ser vista como a entrada da experiência do
Nada pelas mãos dos projetos de emancipação em direção ao vazio. Mas esse
processo pode ser pontualmente identificado tanto na preguiça do pai liberal
quanto na fúria transformadora do jovem cínico.” (Idem, 2009: 254)
O segundo dos niilistas é Nikolai Stavróguin. Em sua infância e juventude ele teve
como tutor Stiepan Trofímovitch (pai de Piotr); portanto, é o personagem que mais reflete as
conseqüências da “educação liberal”. Nikolai pode ser considerado como o mediador de todas
as personagens de Os Demônios. Dotado de uma grandeza satânica, ele se porta como um
cadáver ambulante, deixando um rastro de destruição em todas as suas relações sociais.
Dentre seus feitos estão: brigas de bar, relações adúlteras, duelo de armas, humilhação pública
de um governador, o casamento secreto com uma mulher com problemas mentais (e em cujo
assassinato foi cúmplice) - e, num dos capítulos mais perturbadores da obra, Stavróguin
confessa a um monge que molestou sexualmente e levou ao suicídio uma menina de 11 anos.
Há dois trechos da obra em que a psique de Nikolai é mais bem explicitada. O primeiro
deles é o capítulo supramencionado, no qual, durante a conversa com o monge, Stavróguin
descreve sua triste sina existencial: “Toda situação ignominiosa demais, humilhante ao
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extremo, torpe e principalmente cômica por que tive de passar em minha vida, sempre
despertou em mim um extraordinário prazer ao lado de uma desmedida ira. (...) Não era da
vileza que eu gostava (...), [mas] do êxtase que me vinha da angustiante consciência da
baixeza.” (DOSTOIÉVSKI, 2004: 666) O outro momento é em sua carta de suicídio, na qual
afirma temer que sua morte auto-infligida mostre magnanimidade: “Experimentei uma grande
devassidão e nela esgotei minhas forças; mas não gostava e nem queria a devassidão. (...) Em
mim nunca pode haver indignação e vergonha; logo, nem desespero.” (Ibidem: 651-652)
Estas passagens tornam visível a angústia que marca Stavróguin: “ele é o mal que
dissolveu sua personalidade por dentro. Embora continue vivo, não tem mais nenhum ruído
interior, é totalmente esvaziado de sentido.” (PONDÉ, 2003: 244) Conquanto à primeira vista
Stavróguin pareça movido apenas pela vontade diabólica de tudo corroer e destruir há também
nele um desejo de martírio e auto-sacrifício. Um exemplo disso é o fato de ter se casado com
uma deficiente mental, o que causou furor pelo fato de Nikolai ser de uma família nobre. Seu
niilismo é menos político que o de Piotr e menos filosófico que o de Kiríllov, mas Nikolai
encarna de maneira mais intensa a tragédia existencial acarretada pela dissolução dos valores.
Por sua vez, Piotr Vierkhoviénski é o único dos três niilistas que não cometeu suicídio,
sendo também aquele que teve um “final feliz”, pois conseguiu fugir para o exterior depois do
assassinato de Chátov. Ele alterna entre a aparência social de um sujeito culto e refinado e a
revelação, em círculos fechados, de suas verdadeiras intenções. Durante uma reunião da
célula revolucionária que lidera, Piotr descreve o “espectro niilista” que assola a população:
“Ouça, tenho uma relação de todos eles: o professor de colégio que ri com as
crianças do Deus delas e do berço delas, já é dos nossos. O advogado que defende o
assassino culto que por essa condição já é mais evoluído do que suas vítimas e que,
para conseguir dinheiro, não pode deixar de matar, já é dos nossos. Os colegiais
que matam um mujique para experimentar a sensação, já são dos nossos. Os
jurados que absolvem criminosos a torto e a direito são dos nossos. O promotor que
treme no tribunal por não ser suficientemente liberal é dos nossos. Os
administradores, os escritores, oh, os nossos são muitos, um horror, e eles mesmos
não sabem disso!” (DOSTOIÉVSKI, 2004: 409)
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foi pouco mais que uma vertente elitista do socialismo. Assim como vários niilistas reais do
Século XIX, este personagem rejeita a mobilização de massa, defendendo uma atuação
baseada em vanguardas. “Enquanto os chamados populistas depositavam suas esperanças na
mobilização popular, os niilistas pregaram a precedência da transformação pessoal sobre a
coletiva e, mais tarde, a ação coletiva, se necessário.” (DRUCKER, 2010: 116)
No âmbito epistemológico, Piotr é um relativista. Para ele, a história não existe, “não é
nada além da tradição que deve ser destruída”, pois a verdade “é simplesmente um conceito
feito para aprisionar as pessoas em crenças e deter sua autonomia.” (PONDÉ, 2003: 238).
Desta maneira, Vierkhoviénski personifica o homem de ação (ou “extraordinário”) que
Dostoiévski já havia descrito antes nas Memórias do Subsolo e em Crime e Castigo:
“O niilista busca o fundamento pelo fundamento para poder avançar. Ele faz da
ausência de fundamento um suposto fundamento para a sua ação, seja por burrice,
seja por maldade ou por simplesmente compulsão para ir adiante. (...) É possível
sugerir que o niilismo significa, antes de mais nada, exacerbação do Iluminismo, no
sentido da radicalização da busca de um ponto seguro dentro do eu. Como o eu,
porém, não pode ser elevado à categoria de ponto seguro, o processo de auto-
afirmação não resulta em nada.” (DRUCKER, 2010: 166)
Por fim, cabe dizer que Vierkhoviénski percebe que a chave da revolução é o niilismo,
“é buscar o estado em que, diante de um universo totalmente devastado de sentido, acaba-se
destruindo toda possibilidade de sentido.” (PONDÉ, 2003: 246) O desprezo pelo pai Stiepan,
a manipulação da governadora Yúlia (que, bajulada por Piotr, não percebeu as
movimentações do grupo revolucionário na cidade), o uso político do suicídio de Kiríllov e o
assassinato de Chátov são algumas das demonstrações de sua conduta perversa.
“Psicólogo afiado, sociólogo que compreende a fragilidade das estruturas
socialmente construídas, teórico de uma cultura da liberdade política a nascer,
Piotr é um rapaz jovem e assaz inteligente, capaz de manipular minúcias que visam
uma ordem universal dependente de outros jovens inteligentes como ele. (...) Para
além de um discurso político articulado ao redor da idéia do Nada a ser construído,
um anúncio de uma tendência claramente perversa como prática contra qualquer
ordem possível.” (Ibidem: 256)
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que pretendia elaborar um romance de sua época, “disfarçado numa história de vida de artista
altamente precária e pecaminosa.” (MANN, 2001: 35). Em A Gênese de Doutor Fausto
(1949), o autor alegou estar cauteloso quanto ao risco de, com seu romance, “contribuir para a
criação de um novo mito germânico, de lisonjear os alemães com seu aspecto „demoníaco‟”.
Para evitá-lo, procurou “dissolver o tema do livro - crise, um tema de tonalidade de resto tão
germânica - o máximo possível num contexto geral histórico e europeu.” (Ibidem: 48-49)
Doutor Fausto também foi a retomada de um projeto literário antigo:
“Quarenta e dois anos haviam se passado desde que eu fizera anotações para um
possível projeto de trabalho sobre um pacto entre um artista e o diabo, e buscá-las e
revê-las provocou em mim uma comoção, para não dizer um abalo emocional, que
me evidencia, já no começo, uma aura de sensação de vida inteira em torno desse
núcleo temático vago e escasso, uma atitude biográfica etérea, cujo alcance, mais
profundo do que minha própria visão, predestinou a novela a se tornar romance.”
(Ibidem: 20-21)
Segundo Nivaldo Cordeiro, Thomas Mann foi um dos poucos que compreendeu o que
estava em jogo, desde sua origem, quando a ascensão nacional-socialista estava em seus
primórdios marcha e as potências do Ocidente ainda falavam em desarmamento voluntário.
(cf. CORDEIRO, 2011). Mesmo morando nos Estados Unidos, pois exilado da Alemanha,
Mann continuou sua denúncia do totalitarismo, como demonstram seus Discursos contra
Hitler (1940-45), transmitidos pela BBC. Nesse sentido, Doutor Fausto é um retrato artístico
da decadência da intelectualidade alemã nos anos que antecederam a ascensão dos nacional-
socialistas ao poder. Mann pretendia traçar um paralelismo entre a embriaguez popular
fascista e uma euforia artística danosa que desemboca num colapso. (cf. MANN, 2001: 29)
Como já foi dito, o livro consiste nas memórias do professor humanista Serenus
Zeitblom sobre o seu amigo Adrian Leverkühn. Elas demonstram desde o início uma
interessante questão metafísica: Adrian se sentia alienado e inútil em relação a Deus, o que se
refletia até mesmo em sua timidez e incapacidade para cultivar relações sociais. Este tormento
religioso se refletiu na decisão de, antes de seguir a carreira musical, cursar Teologia. Na
universidade, conviveu com professores que só reforçaram suas tendências niilistas, sendo
que os principais eram o teólogo liberal Kumpf e o negativista Schlepfuss:
“A ingênua convivência que o professor Kumpf tinha com o Diabo era simples
brincadeira em comparação com a realidade psicológica que Schelepfuss conferia à
figura do Destruidor, personificação da traição a Deus. Pois, se me permitem
expressar dessa forma, acolhia ele dialeticamente na esfera divina o escândalo do
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pecado e o inferno no empíreo, elevando a perversidade à categoria de necessária e
congênita correlação de santidade, a qual, por sua vez, seria uma contínua tentação
satânica, convite quase irresistível à violação.” (MANN, 1996: 133)
Em meio à sua crise existencial, Adrian faz um “pacto” com o diabo para se libertar da
inibição e tornar possível sua redenção artística. Para tal, ele se relaciona com uma prostituta e
contrai sífilis, o que seria uma expressão e confirmação do pacto. Porém, há uma cláusula no
contrato: em troca de inspiração criativa, Adrian deve renunciar a amar: “O amor te fica
proibido, porque esquenta. Tua vida deve ser frígida, e, portanto, não tens o direito de amar
pessoa alguma.” (Ibidem: 337) Ao longo do romance, várias pessoas amadas por Leverkühn
morrem em circunstâncias trágicas - a última delas, seu pequeno sobrinho Nepomuk, serviu
de inspiração para sua composição final, “Lamentação do Doutor Fausto”, comparada por
Serenus a uma “Nona Sinfonia” (Beethoven) às avessas, isto é, uma ode à melancolia.
A essência do pacto fáustico é o anti-amor ao próximo (cf. CORDEIRO, 2011). Além
disso, o acordo satânico feito por Leverkühn revela o problemático fundamento de sua
Bildung (formação). Se por um lado o pacto pode ser visto como uma escapatória das
dificuldades da crise da cultura européia, também é possível encará-lo como a ânsia por
eclosão, a qualquer custo, de um espírito orgulhoso e ameaçado de esterilidade.
A propósito, a “conversa” entre Leverkühn e o diabo, relatada pelo próprio Adrian em
um manuscrito encontrado anos depois por Serenus, consiste em um dos momentos mais
sublimes de Doutor Fausto. O ser demoníaco, assim como aquele que dialogou com Ivan nos
Irmãos Karamázov de Dostoiévski, parece sempre ecoar e expressar pensamentos do próprio
Leverkühn; ou seja, o romance nos leva a compreender o documento de Adrian como auto-
revelação, ao invés de uma prova de um pacto "real" fornecido por uma fonte onisciente e
objetiva. (cf. GOLDMAN, 1992: 242)
O diabo concorda com Adrian no sentido de considerar a arte moderna como paródia, e
a paródia como um niilismo aristocrático. Além disso, infla o ego de seu “parceiro comercial”
ao mencionar as vantagens da genialidade artística que lhe fornecerá:
“Tu serás um líder, imprimirá o ritmo à marcha que conduz ao futuro; teu nome
será adorado pela rapaziada, que graças à tua loucura, já não precisará
enlouquecer. (...) Não somente vencerás as estorvadoras dificuldades dos tempos;
não, os próprios tempos, a fase da Cultura e seu culto serão superados por ti; terás
a audácia de uma barbárie duplamente bárbara, por ocorrer após o humanismo,
após o refinamento burguês e qualquer tratamento de canal que se possa
imaginar.” (MANN, 1996: 329)
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O esteticismo (isto é, afirmação da superioridade dos valores estéticos e do caráter auto-
suficiente da Arte) presente em Leverkühn é, segundo Cordeiro, apenas outro nome para o
niilismo resultante do abandono a metafísica cristã. A arte e o belo não podem ser sucedâneos
para as verdades da alma e caem no vazio existencial inexoravelmente. Um trecho do diálogo
com o diabo revela a perigosa relação entre esteticismo e a apologia do crime e da morbidez:
“O artista é irmão do criminoso e do demente. Pensas, por acaso, que já se haja
realizado alguma obra interessante, sem que seu autor tivesse aprendido a entender
a existência de celerados e loucos? Que significa „mórbido‟ e „sadio‟? A vida nunca
logrou dispensar o mórbido. E „genuíno‟ ou „falso‟? Somos então trapaceiros? (...)
Onde nada existe, o próprio Diabo não terá campo, e nenhuma Vênus pálida
produzirá coisa alguma que preste. (...) O que nós propiciamos já não é o clássico,
meu caro, e sim o arcaico, o primordial, o que, desde tempos imemoriais, ninguém
experimentou.” (Ibidem: 320)
O próprio círculo social de Leverkühn reforçou-lhe tais tendências. Além dos já citados
professores de Teologia, ele conviveu com artistas e intelectuais que também estavam neste
Zeitgeist niilista. Um exemplo é o acadêmico Helmut Institoris, marido de Inês, uma amiga de
Adrian e Serenus. Especialista na Renascença, Helmut faz constantes apologias ao ideal da
“arte pela arte”, não se importando com as conseqüências morais (e políticas) dessa postura.
Durante um sarau no qual foi lido um poema que exaltava a guerra e a conquista imperial (“Ó
soldados! Entrego-vos, para o saqueardes, o mundo!”), eis como a platéia reagiu:
“Tudo isso era „belo‟ e tinha forte consciência de sê-lo. Era „belo‟, de um modo
cruel, inteiramente estético, naquele desbragado espírito exclusivo, irresponsável,
frívolo, que poetas ousam manifestar. Em suma, o mais esdrúxulo, o mais absurdo
esteticismo que jamais me foi dado presenciar. É escusado dizer que Helmut
Institoris o apreciava grandemente. Mas também entre os demais convidados, o
autor e a obra gozavam de alta estima.” (Ibidem: 492)
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Porém, Serenus Zeitblom se opõe frontalmente ao cinismo esteticista do amigo,
mostrando os riscos de uma postura anti-humanista: “Ver na estética um compartimento
estreito, separado, da Humanidade é um grande erro. (...) O afã de abrir caminho, livrando-nos
das amarras e do cárcere do feio (...) é mesmo o que define a germanidade, um estado de alma
ameaçado de quimeras, do veneno da solidão, de um provincialismo boçal, de maranhas
neuróticas, de silencioso satanismo...” (Ibidem: 418) É possível afirmar que esta é uma
passagem autoral, pois a crítica de Thomas Mann ao niilismo reside nessa ressalva à tentadora
fusão entre o culto ao belo e a vontade de poder; aliás, as grandiloqüentes óperas de Wagner e
a filosofia vitalista de Friedrich Nietzsche são duas manifestações dessa tendência.
De forma alegórica, Mann liga o destino de Leverkühn com, por um lado, a evolução
gradual da Alemanha em direção ao nazismo e, por outro, a vida e destino de Nietzsche (o
qual, cabe lembrar, também era sifilítico). Com isso esperava mostrar que a tentativa de
escapar da impotência através da adesão a ideais anti-sociais (como o esteticismo e o
nazismo) fracassaria, pois está divorciada do ideal de Humanidade. Nietzsche e a Alemanha
nazista seriam dois exemplos do malogro dessa tentativa. (cf. GOLDMAN, 1992: 226)
Sendo assim, Doutor Fausto é um romance anti-nietzscheano, no qual Nietzsche é
forçado a ver e confessar seus erros. (Ibidem: 252) O que Mann está defendendo é o ideal de
Humanidade que, outrora parte integrante e pilar da tradição da Bildung, foi suplantado por
elementos reacionários e vitalistas. Thomas Mann tenta reviver este ideal como uma
alternativa para a crise e divisão da Alemanha e à sua perda de ideais estáveis; ou seja, vê o
humanismo como uma síntese espiritual e uma tentativa de transcendência da sociedade
burguesa e de seus oponentes da direita e esquerda. É por isso que a vontade de poder e o
avanço em direção ao "super-homem" (Übermensch), empreendidos tanto pela Alemanha
quanto por Leverkühn, são uma solução nietzscheana que Mann rejeita. (cf. Ibidem: 232)
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Fiódor Dostoiévski é apaixonadamente um escritor político, e a forte carga filosófica de
suas obras dá um tom mais elevado para os debates ideológicos. Embora seja possível defini-
lo como conservador, Dostoiévski tem um conservadorismo peculiar: embora seja czarista,
não fecha os olhos diante da terrível realidade dos camponeses russos, e tenta encontrar
soluções que não passem por uma adesão cega às idéias e práticas ocidentais. “O seu sonho de
humanidade espiritualizada é o de uma humanidade emancipada das forças econômicas que,
uma vez desencadeadas, tornariam inevitável a queda no abismo materialista.” (Ibidem: 170)
Thomas Mann vê com mais cautela a relação entre arte e política. Embora na época de
Doutor Fausto já não seja mais um “apolítico”, como chegou a se definir num polêmico
ensaio de 1918, procura incorporar questões político-ideológicas a seus romances sem ser
panfletário. Já o havia feito com maestria em A Montanha Mágica (1924), com o debate entre
Settembrini e Naphta, e o realizou novamente no romance fáustico. Nas palavras do próprio
Mann, embora o moralizar político de um artista tenha um quê de cômico e fútil, o problema
da humanidade é indivisível: o estético, o moral e o político-social são uma unidade, e a arte
não pode estender a fria mão diabólica do niilismo à vida. 4
Em termos gerais, Dostoiévski pode ser rotulado como um “ortodoxo” (isto é, um
partidário da ortodoxia cristã russa) e Mann como um “humanista” (pois defende o legado
cultural do Ocidente quando este valoriza a dignidade humana). A propósito, segundo Claudia
Drucker, o autor de Os Demônios não tem uma opinião tão favorável sobre esta cosmovisão.
Para Dostoiévski, o niilismo é a forma mais radical do humanismo, na medida em que este é
matéria-prima do ímpeto calculador e da aposta na capacidade humana de erguer-se a partir
de si mesmo, de ser o fundamento de si mesmo. Sendo assim, a segunda metade do século
XIX, na Europa e em seus satélites, é uma época niilista porque sacrifica tudo em nome da
organização, seja de esquerda ou de direita. (cf. DRUCKER, 2010: 185-188)
Porém, não creio que seja possível considerar Dostoiévski como um anti-humanista, na
medida em que a dignidade humana também é um valor importante para ele. A diferença
reside no fato de, ao contrário de Mann, ele ser um pessimista antropológico, isto é, acreditar
que, embora o homem seja livre, o sofrimento é inevitável, pois a liberdade humana está
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Vide MANN, Thomas. “O Artista e a Sociedade”. In: Ensaios. São Paulo: Perspectiva, 1988.
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misturada com o mal, com o pecado. (cf. PONDÉ, 2003: 177) Além disso, cabe ressaltar que
Dostoiévski não poupa o cristianismo ortodoxo de críticas; vide Os Irmãos Karamázov.
No que tange especificamente à questão central deste artigo, podemos atribuir a
Dostoiévski a descoberta de uma essência do niilismo, que consistiria na tentativa
contraditória de fundar o sentido sobre a falta e o sentido:
A destruição pregada pelos niilistas é concebida como um estágio provisório, como
uma preparação para um ordenamento social mais racional. O niilista declara
ansiar por um fundamento novo e mais sólido, mas não se abala diante da
possibilidade de que seu projeto resulta apenas em destruição. A destruição é
autorizada, em princípio, pelo novo começo que ele entrevê, mas não se sabe
quando ele vai considerar terminado o trabalho de negação. A conclusão implícita
de Dostoiévski: o niilismo não leva a nada além de sua repetição.” (DRUCKER,
2010: 176)
Thomas Mann compartilharia dessa crítica ao niilismo, pois afirma que a verdade não
pode ser “um conceito relativo e subjetivo que cada um pode manipular a seu bel-prazer. A
verdade deve ser novamente a medida absoluta com que se mede a nossa dignidade humana.”
(RIEMEN, 2011: 72) A trajetória de Adrian mostra, em sua perspicácia niilista e total
alienação do mundo, que seu espírito não pôde superar todas as inibições sem a ajuda de uma
vontade formadora e sem um ato de absoluta prostituição. A arte como produto de tal
prostituição não é tanto uma questão de autodisciplina, mas resultado do orgulho de
Leverkühn, que sacrifica seu intelecto para solucionar a angústia espiritual, o que lhe acarreta
uma “consciência infeliz” e uma resignação ao destino. (cf. KAUFMANN, 1973: 214)
Conclusão
Cabe pronunciar algumas considerações finais sobre a comparação entre Doutor Fausto
e Os Demônios. Comecemos por Dostoiévski, em cuja obra o cenário do niilismo se abre de
par em par, com toda a amplidão e profundidade. “O fenômeno da dissolução dos valores,
vivido como uma crise que corrói a alma a russa, descortina-se visivelmente em todas as suas
nefastas conseqüências, até no crime e na perversão.” (VOLPI, 1999: 41)
Kiríllov pretendia se suicidar para se tornar um homem-Deus, mas sua morte refletiu
apenas o desespero de um homem que não via sentido na própria vida. Stavróguin também
encerrou com suicídio uma existência marcada por situações chocantes e sombrias, portando-
se como uma “medusa solitária”. Vierkhoviénski alcançou seus objetivos puramente
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destrutivos, levando uma cidade ao caos total em poucos dias; porém, seu desfecho consiste
mais em denúncia política do que em uma condescendência à la “o crime compensa”.
“Dostoiévski premeditara um final tamanhamente aterrador. Desejava desenvolver
uma crítica tão ferrenha que nenhuma ambigüidade doravante pudesse persistir
quanto aos malefícios do processo de inumanidade então apenas em princípio.
Desejava convencer a Rússia inteira, desejava convencer o mundo, desejava
convencer, sobretudo, a si mesmo... E, no entanto, não obstante sua intenção tão
estreitamente definida, delimitada, o conjunto da desventurosa aventura finda por
explicitar a multiplicidade de perspectivas diante da questão: se Stavróguin e
Kiríllov abraçam fatidicamente o suicídio (e por razões diversas), a mesma
descrença leva (...) Vierkhoviénski a traçar seus planos mórbidos de arrasadora
destruição.” (AQUINO, 2011)
Por sua vez, Doutor Fausto consistiu na amarga história da vida do músico Adrian
Leverkühn, na qual seu amigo Serenus narrou “os altos e baixos da Alemanha, a crise de uma
época, a crise na arte.” O pacto simbolizou o seu “orgulho intelectual e cegueira moral; a
proximidade do esteticismo e da barbárie como conseqüência da cultuação da arte; do
pensamento ilusório de que o homem pode libertar-se a si mesmo.” (RIEMEN, 2011: 77)
Doutor Fausto também representa o fim e o enterro de uma era. Zeitblom, já velho, revê
a própria vida, a de seu amigo e a de sua época - e o que ele vê é... a morte. A morte como
saída majestosa de uma grande tradição, mas também na aridez que ela emite; na pseudo-vida
da paródia, no “niilismo aristocrático” em que as velhas formas são perpetuadas,
reverentemente ou não. O fim de tudo é experimentado por Serenus Zeitblom em 1945,
embora o desfecho bélico já tenha sido prefigurado pelo “Apocalipse” de seu melhor amigo. E
Thomas Mann? Ele não se permite a indulgência de voluptuosos sonhos de morte. Esta
posição pessoal aparece na consciência de última hora de Leverkühn, quando este, em seu
último concerto, confessa seus pecados à platéia. (cf. KAUFMANN, 1973: 220-221)
A principal semelhança encontrada entre Mann e Dostoiévski foi a perspectiva cristã
que adotam em suas críticas ao niilismo. A diferença central é a postura diante do Ocidente. O
autor russo possui muitas ressalvas em relação ao pensamento ocidental, vendo na
Modernidade um rastro de deificações do indivíduo e ambições ingênuas (e perigosas); a
mentalidade niilista seria uma conseqüência lógica do humanismo. Já Mann procura fazer um
acerto de contas com a tradição filosófica ocidental, tecendo críticas às ambições fáusticas de
pensadores como Lutero e Nietzsche, mas ao mesmo tempo se considerando herdeiro da
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preocupação humanista - cujas raízes estão nas filosofias grega e cristã - com a dignidade e o
amor ao próximo, em oposição ao encanto mortal do esteticismo.
Referências Bibliográficas
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