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do Direito ao Ambiente
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de equilíbrio3 e prosseguindo na busca das suas raízes4, este Direi-
to de carácter horizontal, recobrindo diferentes ramos clássicos do
Direito (..) e um Direito de interacções que tende a penetrar em to-
dos os sectores do Direito5 ou, no dizer de SOUSA FRANCO, en-
tendido como um conjunto, horizontal e materialmente determina-
do, de tópicos, princípios, regras e situações jurídicas pertencentes a
diversos ramos do Direito6, dispõe todavia de instrumentos norma-
tivos cuja importância deve merecer-nos uma atenção especial.
Ora, um desses utensílios consiste na consagração constitucional e
legal de um direito ao ambiente reconhecido a todos os cidadãos e,
apesar da sua idade balzaquiana (32 anos), este direito de todos a
um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado e
o dever de o defender que o art. 66º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) consagra como direito-dever fundamental, não
tem obtido da doutrina a atenção que merece nem o reconheci-
mento que lhe é devido pela comunidade. Mal amado, fora de
moda7, ou acusado de antropocêntrico, este direito fundamental ao
ambiente vem sendo ignorado, negado e abandonado, sendo-lhe
preferidas fórmulas estritamente publicistas como a de uma espe-
cífica tarefa fundamental do Estado8.
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Na verdade, esta aparente antinomia entre direito subjectivo
fundamental ao ambiente e protecção estatal não nos parece encer-
rar qualquer contradição. Bem pelo contrário, a afirmação daquele
direito reconhecido a todos e a imposição ao Estado de deveres
normativo-constitucionais de protecção ambiental afiguram-se-nos
mesmo complementares, não só de jure condendo, mas, sobretudo,
de jure constituto. Se, no nº 1 do art. 66º, o legislador português
consigna o direito-dever dos cidadãos a um ambiente são e ecologi-
camente equilibrado, no nº 2 impõe ao Estado que assegure este
direito, afirmando a protecção do ambiente como tarefa funda-
mental do Estado, no quadro de um desenvolvimento sustentável9.
O fim prosseguido é o mesmo (protecção ambiental com vista ao
desenvolvimento sustentável) e só os meios jurídicos para atingir
este fim são distintos e titulados por sujeitos também diversos: os
cidadãos (todos e cada um de nós) e o Estado investido do seu po-
der político, como garante dos valores sociais e dos direitos dos ci-
dadãos, como é próprio num Estado de Direito.
Já quanto à acusação de antropocentrismo, ela afigura-se-nos
fundada, mas deve ser contextualizada e analisada sem os comple-
xos que têm vindo a tolher o discurso jus-ambiental em torno deste
direito-dever. Pensamos ser hoje indiscutível que qualquer filoso-
fia que insista em ver o ser humano como centro do Universo, es-
pécie de mandatário de um qualquer deus perverso que, tendo fei-
to o homem à sua imagem e semelhança ainda o dotara de poderes
de domínio sobre a Natureza e todos os outros seres vivos, já não
colhe adeptos, tal a evidência dos estragos que esta visão distorcida
do Mundo e dos desígnios divinos tem vindo a causar10. Mas, sobre-
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tudo, tendo bem presente que somos nós, os seres humanos, as
principais vítimas da aplicação prática dessa crença irracional no
nosso poder infinito sobre a Natureza11.
Todavia, e apesar de nos parecer inegável alguma influência
desta visão antropocêntrica sobre o legislador constitucional, a ver-
dade é que o Direito tem uma natureza antropogénica. Ele define-
se como ordenamento normativo da sociedade humana, ou seja,
nele se estabelecem as regras que regulam as relações entre os ho-
mens, incluindo as instâncias e instituições por eles criadas para a
sua auto-organização.
Esta, a missão em que o Direito se esgota e qualquer utilização
que dele se pretenda fazer para regular instâncias não humanas,
será sempre marcada pela vontade humana, reflectindo os interes-
ses humanos e a consequente visão que os homens têm do Mundo
e das referidas instâncias. As regras e as premissas em que tais re-
gras assentem serão inexoravelmente determinadas pelos humanos
bemos hoje que não podemos valorizar verdadeiramente o homem se não valori-
zarmos também a vida, e que o respeito profundo pelo homem passa pelo
respeito profundo pela vida. A religião do homem insular é uma religião inuma-
na. (...) a pressão da complexidade dos acontecimentos, a urgência e a amplitude
do problema ecológico impelem-nos a mudar os nossos pensamentos. No origi-
nal, em francês, Il faut cesser de voir l’homme comme un être sur-naturel. Il faut
abandonner le projet formulé à la fois par Descartes et Marx de conquête et de
possession de la nature. Ce projet est devenu ridicule à partie du moment où on
s’est rendu compte que l’immense cosmos reste hors de notre atteinte. Il est devenu
délirant à partir du moment où l’on s’est rendu compte que c’est le devenir
prométhéen de la technoscience qui conduit à la ruine de la biosphère et par là au
suicide de l’humanité. (...) nous savons aujourd’hui que nous ne pouvons valoriser
véritablement l’homme que si nous valorisons aussi la vie, et que le respect
profond de l’homme passe par le respect profond de la vie. La religion de l’homme
insulaire est une religion inhumaine. (...) la pression de complexité des événe-
ments, l’urgence et l’ampleur du problème écologique nous poussent à changer nos
pensées.
11 Cfr. Hans JONAS, Le principe responsabilité — une éthique pour la civilisa-
tion technologique, CERF, 3e ed., 1993, tradução francesa do original alemão,
onde, a pp. 188, o autor escreve que a solidariedade de destino entre o homem e
a natureza, solidariedade de novo descoberta através do perigo, faz-nos igual-
mente descobrir a dignidade autónoma da natureza e manda-nos respeitar a sua
integridade para lá dos aspectos utilitários. No original, em francês, la solidarité
de destin entre l’homme et la nature, solidarité nouvellement découverte à travers
le danger, nous fait également redécouvrir la dignité autonome de la nature et
nous commande de respecter son intégrité par-delà l’aspect utilitaire.
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que as concebem, interpretam, aplicam e que constituem simulta-
neamente os destinatários dessa aplicação. Por isso, recusamos a
personalização da Natureza ou dos entes que a compõem12, consi-
derando-a hipócrita e sobretudo inútil, preferindo-lhe claramente
a consagração de um quadro de direitos e de deveres, que são afinal
a matéria-prima de que é tecido o Direito. Os actores somos sem-
pre nós, os seres humanos13, e ao Direito cabe proibir, impor, en-
corajar, desencorajar, premiar ou reprimir os nossos comporta-
mentos, elegendo objectos de protecção erigidos em bens jurídicos
e estabelecendo os níveis dessa protecção através do manejo eficaz
dos direitos e dos deveres facultados ou impostos e das sanções es-
tabelecidas em caso de violação das normas.
É nossa sincera convicção que a eficiência das normas ambien-
tais e a eficácia do Direito do ambiente, que o mesmo é dizer a
protecção eficaz do ambiente com vista à sustentabilidade, depen-
dem essencialmente da aceitação por todos de que o ambiente
constitui um bem maior, cuja preservação se mostra imprescindí-
vel para a nossa própria sobrevivência que dela depende. Qualificar
esta atitude perante a Natureza de ecocentrismo ou de antropo-
centrismo, na prática, redunda indiferente. Na verdade, será as
duas coisas: ecocêntrica porque parte da Natureza para o homem,
reconhecendo a dependência deste relativamente àquela, mas tam-
bém antropocêntrica ou pelo menos antropogénica, se atentarmos
no facto de que a razão da protecção devida ao ambiente parte de
nós, da necessidade da nossa própria protecção. Mas, é assim mes-
mo, o ser humano é egoísta e pensa sempre primeiro em si próprio
e nos seus interesses e quaisquer que sejam os mecanismos que ele-
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jamos para melhor defender o ambiente, não poderemos ignorar
esta cruel realidade.
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dest’arte, contribui também para a elevação do ambiente a valor
ético fundamental de toda a comunidade e respectiva inte-
riorização pelo seus membros15. O envolvimento e a participação
dos cidadãos na defesa do ambiente assume nos tempos que cor-
rem uma importância acrescida, assinalando-se o nascimento de
uma nova relação entre o Estado e o indivíduo, o cidadão, na socie-
dade actual16.
Ao declínio do Estado-providência, no qual a defesa dos inte-
resses sociais constituía uma das tarefas prioritárias do Estado, en-
quanto representante político da sociedade, sucede um Estado
com uma estrutura complexa, cujo intervencionismo, sempre pre-
sente, leva-o frequentemente a invadir a esfera dos interesses indi-
viduais e colectivos17, actuando como qualquer cidadão, membro
da sociedade civil, actuaria. Esta promiscuidade cria uma espécie
de conflito sob a forma de concorrência entre o Estado e a socieda-
de civil, interferindo com o cumprimento dos deveres estaduais e
impedindo o Estado de satisfazer plenamente a sua função, garan-
tindo, com total neutralidade, a protecção dos interesses dos cida-
dãos. Tratando-se de interesses ambientais, e a título de exemplo,
basta pensarmos em situações nas quais o próprio Estado é o polui-
dor.
Neste cenário, o conceito e a função do direito subjectivo
vêem-se forçados a mudar, assistindo-se então à respectiva evolu-
ção para um direito mais desprendido da pessoa, do seu interesse
individual, exclusivo e egoísta18. A sua função torna-se mais social
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e a necessidade de participar na defesa dos interesses colectivos
cujo titular originário, o Estado, já não está em condições de asse-
gurar sem o envolvimento da sociedade civil, torna-se mais nítida.
Trata-se de uma evolução que teve o seu início no século XIX19,
em França20, e que deu luz ao aparecimento dos direitos sociais, na
Europa21, que emergem do Welfare-State enquanto direitos sub-
jectivos a prestações do Estado, similares a direitos de crédito.
Mais tarde, o seu âmbito foi sendo alargado, permitindo o respec-
tivo exercício não só contra o Estado, mas igualmente contra ou-
tros cidadãos, colectividades públicas ou privadas. A natureza des-
tes direitos não é todavia pacífica, permanecendo objecto de dis-
cussão. Podendo distinguir-se diferentes espécies de direitos so-
ciais, cumprindo diferentes funções e apresentando naturezas22 e
objectos também diversos (estritamente sociais, como a saúde, a
educação ou a habitação, económicos, culturais, ecológicos, etc.)23,
ora se lhes atribui o carácter de direitos públicos, ora o de direitos
pp. 23, que fala da supremacia do interesse da comunidade sobre uma configura-
ção egocêntrica e proprietarista dos direitos individuais.
19 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique
, op. cit., pp. 157/158.
20 Cfr. Louis JOSSERAND, De l’esprit des droits et de leur relativité — Théorie
de l’abus des droits, Paris, 1927 e De l’esprit des droits et de leur relativité —
Évolutions et actualité (Conférences de droit civil), Paris, 1936.
21 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically
balanced environment, op. cit., pp. 46.
22 Cfr. José Carlos VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na
constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 50 e ss..
23 Ibidem, op. e loc. cit.. V. igualmente Robert ALEXY, Teoria de los Derechos
Fundamentales (versão castelhana do original alemão), Centro de Estudios Cons-
titucionales, Madrid, 1993; João CAUPERS, Os Direitos Fundamentais dos
Trabalhadores e a Constituição, Almedina, Coimbra, 1985; J. J. GOMES CA-
NOTILHO, Tomemos a sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Coim-
bra, 1988; Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional — Direitos
Fundamentais, IV, 2ª ed., Coimbra Ed., 1993, Introduction à l’étude des droits
fondamentaux, in, La justice constitutionnelle au Portugal, Paris, 1989 e Direitos
Fundamentais, in, Dicionário Jurídico da Administração Pública, IV, Lisboa,
1991; Vasco PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito ..., op. cit., pp. 21 e ss.;
M. A. LOPES ROCHA, Direito do Ambiente e Direitos do Homem, in Revista de
Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, nº 1, Set. 1995, pp. 9-28,
especialmente pp. 10/11; Ignacio ARA PINILLA, Los derechos humanos de
tercera generación en la dinámica de la legitimidad democrática, in, El Funda-
mento de los Derechos Humanos, Madrid, 1989, pp. 57-65.
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subjectivos privados ou, ainda, reconhecesse-lhes uma natureza
mista a ser precisada caso a caso, em cada situação jurídica. Dentro
destas categorias, a nossa atenção deve centrar-se nos interesses di-
fusos subjacentes ao direito ao ambiente, cujo objecto, o próprio
ambiente, deve ser olhado como um bem jurídico autónomo e in-
divisível, nem público nem privado, mas apenas comum (res com-
munis omnium), impassível de ser constituído objecto de direitos
individuais e exclusivos como o direito de propriedade.
Deste ponto de vista, o ambiente deve ser considerado um bem
ético-jurídico altamente colocado na hierarquia dos bens jurídicos
mais importantes, acima de outros, como a propriedade, pública
ou privada. À imagem de qualquer outro direito subjectivo, o direi-
to ao ambiente tem de se conformar à natureza e às características
do bem que lhe serve de objecto: o próprio ambiente24. Isto signi-
fica que as referidas autonomia, indivisibilidade e insusceptibilida-
de de apropriação que caracterizam o bem jurídico ambiente, en-
quanto res communis omnium, induzem a natureza e as caracterís-
ticas do direito concebido para a sua protecção. Simultaneamente,
a natureza ética de grau elevado que assinalámos ao ambiente re-
sulta grandemente facilitada pela consagração constitucional do di-
reito ao ambiente como direito fundamental, entre os mais impor-
tantes direitos, liberdades e garantias.
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mitindo colocar o direito subjectivo ao ambiente acima de outros
direitos subjectivos que com ele concorrem, tais como o direito de
propriedade ou outros direitos individuais, exclusivos, de conteú-
do egoísta, como este último.
O direito ao ambiente destaca-se pela sua universalidade, per-
tencendo a todos e não sendo exclusivamente de ninguém. Por
isso, algumas classificações que lhe têm vindo a ser atribuídas pela
doutrina e/ou pela jurisprudência não lhe assentam bem. Dentre
estas destacam-se os atributos de direito subjectivo público ou de
direito da personalidade.
Relativamente à sua consideração enquanto direito subjectivo
público, basta lembrar que se trata de um direito que pode ser
exercido pelo Estado, mas igualmente por qualquer cidadão, con-
tra outro cidadão ou instituição privada e contra o próprio Estado
ou qualquer organismo público que atente contra o ambiente. Do
ponto de vista dos seus titulares e daqueles que se encontram obri-
gados a respeitá-lo, apresenta assim um carácter misto, ora públi-
co, ora privado, que não pode, por isso, ser decisivo para a sua qua-
lificação, prevalecendo a sua natureza social, nem pública, nem pri-
vada, antes universal, porque a todos pertence, encerrando um de-
ver de respeitar e defender o ambiente que também a todos obriga,
nos termos que explicitámos supra. A qualificação de público des-
loca este direito de todos para a esfera privilegiada do Estado, favo-
recendo, desta sorte, posições defensoras da estatização do Direito
do ambiente, através da administrativização das suas normas e pro-
cedimentos e relegando para um plano menos que secundário o pa-
pel dos cidadãos e o princípio da participação da sociedade civil na
defesa do ambiente, acabando por negar o próprio direito funda-
mental a um ambiente são e ecologicamente equilibrado que a CRP
reconhece a todos28.
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Por sua vez, o rótulo de direito da personalidade tem concitado
a adesão da doutrina e da jurisprudência e merece-nos, por isso,
especial atenção.
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Além deste mérito, a qualificação do direito ao ambiente como
direito da personalidade ainda colhe a vantagem de integrar aquele
direito no catálogo dos direitos absolutos, comparável aos direitos
reais e até superior, atenta a sua natureza estritamente pessoal, li-
gada à dignidade humana32. Apesar disto, cabe contudo perguntar:
ano 103º, pp. 378. Este último, defendendo que os danos derivados da vizinhan-
ça podem também atingir quem não é proprietário de um imóvel vizinho, e podem
ofender, não só os direitos de propriedade, mas ainda outros direitos, designada-
mente os direitos de personalidade e O Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO — Direito
Civil — Reais, Coimbra Ed., 5e éd., 2000, pp. 252/253 — sustentando que o
prejuízo referido no art. 1346º reporta-se tão só às ralações jurídicas reais e não
aos direitos da personalidade.
32 Gilles MARTIN, Le droit à l’environnement. De la responsabilité civile pour
faits de pollution, tese, P.P.S., Lyon, 1978, pp. 140, sustenta o carácter absoluto
do direito ao ambiente, visto que ele se impõe ao respeito de todas as outras
pessoas. O autor associa igualmente este direito com os direitos da personalidade
e, mais ainda, com os direitos reais, uma vez que, tal como estes, ele consiste num
certo poder exercido sobre uma coisa. No original, em francês, il partage ce
caractère avec les droits de la personnalité, et, plus encore, avec les droits réels
puisque, comme ces derniers, il consiste en un certain pouvoir exercé sur une
«chose». Cfr. tb. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage
écologique , op. cit., pp. 175.
33 Cfr., v.g., decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 28 de Abril de
1977, no Processo nº 66.606.
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de34, o direito a uma certa qualidade de vida, etc., etc.. surgiram
como verdadeiras criações jurisprudenciais, fundadas ora no art.
70º do Código Civil (direitos da personalidade) ora nos arts. 64º
(saúde), 65º (habitação) e 66º (ambiente e qualidade de vida), da
CRP, ora em ambos os instrumentos normativos basilares do orde-
namento jurídico português35. E, isto, de forma sistemática, sendo
raras as decisões dos tribunais portugueses que, em matéria de con-
flitos de vizinhança, não se lhes refira.
Porém, isto revela tão só as dificuldades sentidas pela jurispru-
dência, perante a protecção insuficiente concedida pelo art. 1346º
do Código Civil aos conflitos de vizinhança, sobretudo nos meios
urbanos. Mas, igualmente, devido à proximidade destes conflitos
com a danosidade ambiental, principalmente se tivermos em conta
a, ainda praticamente inexistente, autonomização do bem jurídico
ambiente. Tudo isto, traduzindo a dificuldade em emancipar as
questões ambientais da sua conexão com os direitos de propriedade
e de personalidade36, apesar de que, também para nós, a leitura
conjugada das normas constitucionais e legais pertinentes, permite
concluir que: o direito ao ambiente não se caracteriza como um
simples momento do direito de personalidade; (...) antes im-
põe considerar o direito ao ambiente como (...) um direito au-
tónomo e distinto de outros direitos também constitucional-
mente protegidos, tais como a saúde, a vida, a personalidade e
a propriedade (...)37.
A estas razões não será certamente equívoco acrescentar algum
antropocentrismo excessivo, ainda muito presente na doutrina e na
jurisprudência portuguesas. É claro que certos direitos da persona-
lidade, como o direito à saúde ou o direito ao repouso, implicam a
existência de um ambiente propício ao seu desenvolvimento e à
respectiva protecção, pressupondo sempre a ideia de um ambiente
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equilibrado e sadio. No entanto, conceber que o direito ao ambien-
te nada mais é do que um direito da personalidade, conduz-nos a
negar (ou pelo menos a ignorar) a autonomia do bem jurídico am-
biente, que deve ser considerado um bem exterior à pessoa huma-
na (a qualquer pessoa), bem como nos leva a esquecer que o direito
ao ambiente não tem um conteúdo exclusivamente positivo, com-
portando igualmente um lado passivo (os deveres de preservação e
de defesa do ambiente), de importância pelo menos igual, senão
superior (atenta a natureza social do bem e do direito), à da seu
conteúdo activo38.
É evidente que a personalidade e o cortejo de bens que a for-
mam resultam mediatamente protegidos, trata-se, porém, disso
mesmo, de uma protecção mediata, indirecta, reflexa. Viver num
ambiente saudável, equilibrado, acresce indiscutivelmente a quali-
dade de vida, é bom para a saúde e, portanto, para a pessoa e para
o desenvolvimento da sua personalidade, contribuindo para o equi-
líbrio físico, psíquico e social e colaborando, desta sorte, na protec-
ção dos direitos da personalidade. Assim é, aliás, com tudo aquilo
que nos facilita a vida ou nos torna a existência mais feliz, sendo o
contrário igualmente verdade: tudo o que prejudica o nosso bem-
estar, a nossa qualidade de vida ou a nossa felicidade, se mostra
também nocivo para os nossos direitos da personalidade. Contudo,
se o meu devedor não paga o que me deve e isso me afecta moral-
mente, me torna infeliz, esta dor moral, por pior que seja, não me
autoriza a qualificar o direito de crédito violado como direito da
personalidade. A sua função imediata não é a de proteger a minha
personalidade, mas sim a de organizar convenientemente o comér-
cio jurídico na sociedade, obrigando cada um a respeitar os com-
promissos assumidos e a pagar as suas dívidas. Se ao dano patrimo-
nial vier acrescer um dano moral, este será naturalmente indemni-
zado em concomitância com aquele39.
De quanto precede se inferem as respostas, necessariamente
negativas, às três questões colocadas. A qualificação do direito ao
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ambiente como direito da personalidade não só não se mostra a
mais adequada, quer do ponto de vista utilitário, quer no plano es-
tritamente dogmático, como também não é necessária para que
aquele direito beneficie de um regime que permita colocá-lo acima
de outros direitos, mormente do direito de propriedade, pois que
se trata igualmente de um direito absoluto, oponível erga omnes, a
todos e a cada um de nós. Por outro lado, tendo por objecto um
bem jurídico autónomo e exterior à pessoa (do seu titular, desde
logo, mas também qualquer outra), indivisível e inapropriável, o di-
reito ao ambiente não pode ser considerado um direito exclusivo
nem um direito egoísta e, sendo um direito social, difuso e altruís-
ta, em caso de confronto com outros direitos absolutos, tenderá
sempre a prevalecer, especialmente, quando do outro lado se en-
contre um direito de propriedade. Este, como, aliás, também os
direitos da personalidade, são direitos estritamente individuais, de
conteúdo egoísta e exclusivos, devendo ceder perante um direito
de natureza e extensão sociais, de conteúdo altruísta e constitucio-
nalmente elencado entre os direitos fundamentais40.
A estas evidências acresce porém uma outra decisiva: a qualifi-
cação do direito ao ambiente como direito da personalidade encer-
ra em si mesma uma carga antropocêntrica que vai ao arrepio das
necessidades e das características que lhe são próprias e convenien-
tes, induzindo uma concepção do bem ambiente que não atende à
sua natureza autónoma e exterior ao ser humano. Se o Direito, en-
quanto ciência social, o acolhe como objecto de direitos, isto não
tolhe as características que lhe são próprias, mormente, a sua auto-
nomia relativamente à pessoa, reforçando mesmo a interdição de
usar, dispor e abusar a bel-prazer. Ao tratar-se de um bem cuja pre-
servação, tornada essencial para a pessoa humana, há-de ditar o res-
pectivo regime jurídico, reconhecer a sua autonomia face às pes-
soas constitui paradoxalmente a única (ou pelo menos a melhor)
maneira de o Direito alcançar o seu objectivo. Assim, a autonomia
do bem jurídico relativamente às pessoas faz parte integrante das
respectivas qualidades jurídicas e comanda a função social do direi-
to subjectivo que o protege41.
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Afastada a qualificação do direito ao ambiente como direito da
personalidade, resta-nos ainda aquilatar da sua natureza jurídica,
dando nota da posição adoptada, embora quase tudo já tenha sido
dito.
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concidadãos, incluindo as gerações futuras, pois que estamos pe-
rante um interesse altruísta e difuso que dá lugar a um direito tam-
bém ele altruísta e difuso. É por isso que o ‘meu’ direito não é ex-
clusivo, nem sequer é individual. Ele é tão só uma parcela, uma
fracção do todo que é o direito de todos a um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado. Esta dimensão social, comunitária, e o
carácter difuso explicam, e por outro lado reforçam, o carácter al-
truísta do direito, explicando da mesma sorte que o dever de res-
peito e de preservação do ambiente contenha em si mesmo, e sirva
para justificar, o direito de o defender. Direito e dever, sempre que
um dano atinja o ambiente, surgem-nos praticamente indissociá-
veis, confundindo-se num único instrumento jurídico concebido
para a protecção do bem jurídico ofendido: o poder-dever a um
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Esta simbiose entre direito e dever mostra-se crucial para evitar
interpretações equívocas, de conteúdo estritamente antropocên-
trico, como sucedeu num caso que opôs uma Associação ambien-
tal, FAPAS — Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, à ad-
ministração do Tribunal de Niza (pequena cidade do Alto Alente-
jo), há alguns anos atrás, em 2000. A FAPAS, no caso que ficou
conhecido por Andorinhas no Supremo, processou o Estado portu-
guês, acusando o Ministério da Justiça de destruir os 400 ninhos de
andorinha que existiam nos beirais e nas paredes frontais do Palá-
cio de Justiça de Niza. Como o edifício do Tribunal não era repara-
do, limpo ou pintado há oito anos, a administração do Tribunal or-
denou a remoção dos ninhos e subsequentes limpeza e restauro do
edifício, tendo igualmente mandado colocar redes e outros artefac-
tos nas paredes do Palácio, de modo a impedir que as andorinhas
pudessem aí nidificar no futuro. Para sustentar a sua decisão, a ad-
ministração do Tribunal arguiu que os referidos ninhos prejudica-
vam o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado dos
trabalhadores e utentes do Tribunal, devido às poeiras, dejectos,
parasitas e outras imundices, causadoras de doenças do foro alérgi-
co, do foro respiratório e demais incómodos, alegando, por isso, em
sua defesa o art. 66º da CRP.
Tendo conseguido ganho de causa nas 1ª43 e 2ª instâncias judi-
ciais, esta argumentação, assente numa leitura estritamente antro-
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pocêntrica do referido art. 66º da CRP, acabou por decair no recur-
so interposto pela FAPAS para o STJ44. A última instância judicial
portuguesa, considerando que tinha sido violado o art. 66º da CRP,
além da violação de outras normas legais, ordenou a retirada de to-
dos os artefactos colocados na fachada do imóvel, permitindo as-
sim o regresso das andorinhas às paredes do Palácio de Justiça de
Niza45. O STJ fundamentou o seu Acórdão essencialmente numa
correcta, porque ecológica, interpretação do art. 66º da CRP e do
direito-dever ao ambiente que o seu nº1 consagra, considerando
que o ambiente surge (...) como um bem merecedor de tutela jurídi-
ca, um bem jurídico que é tutelado em si e por si mesmo e que o
direito ao ambiente, direito subjectivo autónomo e distinto de outros
direitos igualmente protegidos pela Constituição (...) é um direito
subjectivo pertencente a qualquer pessoa46.
A principal lição que deve ser retirada deste processo consiste
na constatação de que uma leitura deturpada do direito de todos e
de cada um de nós a um ambiente sadio e ecologicamente equili-
brado pode, pura e simplesmente, redundar numa inversão dos ob-
jectivos de respeito pela natureza e de preservação do ambiente
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que a norma visa prosseguir e coloca bem a nu os perigos inerentes
à sua qualificação como direito da personalidade, esquecendo a in-
dispensável autonomia do bem jurídico que lhe serve de objecto, o
ambiente.
O direito ao ambiente apresenta-se ao Direito como uma reali-
dade jurídica complexa e multiforme e dele terá de fazer-se sem-
pre uma leitura valorativa, baseada numa ética social ambiental que
faça prevalecer os valores ecológicos sobre os bens ou valores hu-
manos individuais, pois, como já dissemos, ele mais não é do que
uma parcela do vasto direito social pertença de toda a comunidade.
Uma fracção do interesse unitário em preservar o ambiente, prote-
gendo-o de ofensas ou intervenções ilícitas ou ilegais, que não lhe
retira o carácter indivisível, enquanto bem autónomo, a se. Em úl-
tima instância, estão em causa, afinal, os propósitos gerais de pre-
servação que são próprios da Lei e do Direito, cuja principal missão
consiste em garantir a preservação dos valores éticos da sociedade,
assegurando que sejam respeitados. Ora, o ambiente é hoje um
destes valores e também um dos mais importantes dentre eles.
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É certo que o princípio da participação, ele também constitu-
cionalmente consagrado, não deriva directamente do direito ao
ambiente; afigura-se contudo óbvio que a afirmação constitucional
deste direito o reforça, dando-lhe maior consistência. Na verdade,
ambos beneficiam reciprocamente, pois que uma correcta imple-
mentação daquele princípio exige sempre o reconhecimento deste
direito. A concretização do direito ao ambiente implica a aplicação
do princípio da participação e uma das formas juridicamente mais
significativas pelas quais o cidadão (individual ou colectivamente
através das ONG’s) pode participar na defesa do ambiente é agin-
do judicialmente contra quem o agride, cidadão, pessoa colectiva
(jurídica) ou o próprio Estado.
A parca aplicação do princípio da participação e o deficiente
acesso à justiça em matéria de ambiente, que pode ser observado
em elevado número de países, constituem, quanto a nós, obstácu-
los de monta ao desenvolvimento sustentável a que urge dar execu-
ção49. Sem a participação dos cidadãos e dos seus representantes na
sociedade civil, os Estados, sempre dominados pela necessidade de
cumprir metas económicas e politicamente permeáveis a todo o
tipo de pressões, acabam cedendo ao poder económico, adiando in-
definidamente a realização dos desígnios da sustentabilidade. Só o
envolvimento dos cidadãos, imbuídos de uma elevada consciência
ético-ambiental, e a concomitante existência de organizações não
governamentais empenhadas e apoiadas na sociedade civil, pode-
rão inverter esta tendência, levando os Estados a agirem em confor-
midade com os interesses da protecção ambiental e da sua preser-
vação para as futuras gerações. Ora, para que este envolvimento e
esta participação sejam possíveis, torna-se indispensável apetre-
char o ordenamento jurídico com os instrumentos necessários e,
dentre estes, não nos restam quaisquer dúvidas de que o direito
subjectivo ao ambiente e os inerentes mecanismos de acesso à jus-
tiça se afiguram fundamentais.
réparation du dommage écologique , op. cit., pp. 188 e ss.. V. tb. Branca MAR-
TINS DA CRUZ, Responsabilidade Civil pelo Dano Ecológico — Alguns Proble-
mas, in, Actas do I Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Universi-
dade Lusíada — Porto, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Número Especial,
Porto, 1996, pp. 187-227.
49 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically
balanced environment, op. cit., pp. 56.
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Dele decorrem igualmente outros direitos menores, mas nem
por isso menos importantes, como o direito à informação, por
exemplo, e dele é também incindível a própria ideia de responsabi-
lidade ambiental, sendo certo que, sem esta última, não podere-
mos dar consecução a um desenvolvimento sustentável50.
V — Conclusão
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contra qualquer agressão juridicamente relevante de que seja alvo
e cumprindo afinal aquele dever constitucional. Isto, é claro, para
além do dever geral de respeitar o ambiente, que decorre daquela
mesma norma constitucional e que também a todos obriga.
Este é, sem dúvida, um dos instrumentos mais valiosos de que
dispõe o Direito do ambiente, ao qual, distraída com a incessante
novidade dos desafios, a doutrina se esquece muitas vezes de con-
ceder o devido relevo, negligenciando, da mesma sorte, a riqueza
dogmática que ele encerra. Fizemos, por isso, questão de lhe con-
ferir um lugar de destaque nesta nossa reflexão e podemos agora
concluir encontrarmo-nos perante um dos esteios do nosso ordena-
mento jurídico-ambiental, verdadeiro ponto de partida e de chega-
da do aludido escoramento ético-valorativo de que este novo ramo
do Direito tanto carece, e que o legislador constitucional, em
1976, teve a clarividência de não descurar.
VI — Bibliografia citada
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