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Monografia REVISADA - Antonio Michiles PDF
Monografia REVISADA - Antonio Michiles PDF
ANTONIO MICHILES
FOLHA DE APROVAÇÃO
Orientador/a: __________________________________
(Nome e Sobrenome)
Leitor/a: __________________________________
(Nome e Sobreno
2
3
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradecer ao Colégio São Domingos, instituição que frequento desde
meus 6 anos, onde tive liberdade e apoio para a formação intelectual e cidadã que hoje
expresso.
Desde que aceitei o desafio para escrever esta monografia já se passaram 9 meses
-foram dias, semanas de reflexões que eram alternados de alegria e incertezas que
serviram como estímulos para procurarmos alcançar os propósitos do meu trabalho.
Nesta empreitada, tive o apoio incondicional do professor, orientador e amigo Daniel
Souza que não poderia ter tido melhor parceria - dando base intelectual, bibliográfica e
estrutural para realizar este projeto.
Aos meus colegas e amigos que se mostraram cúmplices e como eu, se encontravam
comprometidos em realizar suas monografias e assim compartilhamos solidariedade.
Marcelo, Heitor, Broc, Menezes, Bia, Lívia, Laura, "Alfinete": muito obrigado!
Aos meus eternos professores: Carol, Tato, Álvaro e Leandro; que me ajudaram a
compreender os universos indianos; às potência e perversidades da indústria cultural
aqui mesmo no Ocidente.
Ao escritor e amigo Milton Hatoum pela conversa sobre os preceitos teóricos sobre o
‘orientalismo’ que ajudou a esclarecer o assunto.
E, por final quero agradecer aos meus pais e irmãos que sempre me estimularam a
exercer a curiosidade sobre o desconhecido, mas não somente isso, me dando
referências bibliográficas, filmográficas e fonográficas.
RESUMO
Por muito tempo a cultura Indiana ficou no âmbito exótico e romântico do imaginário
ocidental. Nos anos 60, muitos jovens se apropriaram de elementos indianos,
colocando-os em uma certa visibilidade. Em parte os Beatles foram responsáveis por
esse fenômeno. Nesta pesquisa, tentarei analisar até que ponto os Beatles foram agentes
importadores e exportadores populares das culturas Indianas para o ocidente, e em que
medida estes movimentos se caracterizam como hibridismos. Inventaram uma Índia?
ABSTRACT
For a long time, Indian culture was in the exotic and romantic realm of Western
imagery. In the 1960s, many young people appropriated Indian elements, putting them
in a certain visibility. In part, The Beatles were responsible for this phenomenon. In this
research, I will try to analyze in what way The Beatles were import agents and popular
exporters of Indian cultures to the West, and to what extent these movements are
characterized as culture hybridism. Did they invent an India?
SUMÁRIO
SUMÁRIO 7
1.1 Contexto histórico 11
1.2 As mudanças Culturais da "Era de Ouro do Capitalismo" 15
1.2.1 A juventude 15
1.3 Walter Benjamin, Theodor Adorno e Horkheimer e como pensar a cultura de
massas 17
1.3.1 Adorno, Horkheimer e a "Indústria Cultural" 19
1.4 A beatlemania 23
1.4. As repercussões da Beatlemania 28
1.5 O que é possível entender a respeito da Beatlemania? 30
2.1 Como compreender as culturas 33
2.1.1 Diferença Cultural 34
2.1.2 Negociação 36
2.1.3 Entrelugar 37
2.2 O Império britânico e a Índia 39
2.2.1 O que é imperialismo? 39
2.2.2 Os modos de ação do imperialismo 42
2.4 Então existe uma cultura indiana? 49
3.1. Como se deu o encontro dos Beatles com a Índia? 52
3.2 Como compreender as culturas indianas nos Beatles? 56
3.2.1 Norwegian Wood 56
3.2.2 Love You To 58
3.2.3 Within you Without You 60
3.3 Os ruídos do encontro entre The Beatles e Índia 61
Bibliografia 65
8
INTRODUÇÃO
se vestir igual, usar o mesmo corte de cabelo e mudar a sua filosofia de vida. Um
impacto global entre pessoas de diversas culturas e países, quem sabe se possa dizer um
o início da globalização como conhecemos? Em um momento em que havia uma
mudança muito rápida de diversas áreas da sociedade: econômica, política e cultural.
Tendo em vista do que foi posto acima, dividi este trabalho monográfico em três
capítulos: (1) Observei o processo da beatlemania a partir de um olhar histórico e
filosófico; tendo como “Norte” indústria cultural de Adorno e Horkheimer, junto com o
pensamento sobre arte de Walter Benjamin. (2) Apresentei o “funcionamento” da
cultura indiana aliada ao pensamento filosófico (e histórico) dos estudos culturais
pós-coloniais, como Edward Said e Homi Bhabha, tendo sempre como linha de
horizonte a perspectiva de hibridismo cultural e do orientalismo. Por fim, (3) entre na
pergunta que organiza esse texto: seriam os Beatles agentes importadores/exportadores
da cultura indiana para o ocidente? Inventaram uma Índia?
10
Essa icônica e polêmica entrevista, foi concedida pelo ex-beatle John Lennon
reflete a gigantesca popularidade atingida pelos Beatles, chamada por vários jornais da
época de beatlemania. Em sua entrevista, Lennon compara a popularidade da banda ao
cristianismo. Os Beatles haviam se tornado uma "religião", nunca na história um grupo
musical havia conseguido alcançar o interesse de tantos jovens de diversas partes do
mundo, e seguidores tão devotos. A banda se tornou um sucesso mundial,
permanecendo 3 9 semanas no topo das paradas com álbum de estreia Please Please Me.
Todos queriam usar o mesmo corte de cabelo, usar as mesmas roupas e o mais
importante: queriam ouvir suas músicas sem parar.
Posto isso, e pensando sobre a enorme popularidade dos Beatles: Quais foram as
dimensões da popularidade dos Beatles? Para entender tal popularidade, é preciso
analisar a beatlemania como consequência de um período considerado "A Era de Ouro
do Capitalismo", o contexto histórico que permitiu o surgimento da cultura jovem (e
também da própria juventude) e da própria cultura de massas. Esse conceito é abordado
nos manuscritos sobre a "Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica" e "A Dialética do
Esclarecimento" dos filósofos alemães Walter Benjamin, Theodor Adorno e
Horkheimer que dissertam a respeito da mudança da arte no capitalismo durante o
século XX, tratando especialmente do período que vai até o começo de sua segunda
11
1
Foi na conferência de Bretton Woods (1944) que se estabeleceu o padrão-ouro -
divisas baseadas no dólar e de um sistema de taxas de câmbio fixas, uma política
monetária internacional, resultando na criação do Banco Internacional de Reconstrução
e Desenvolvimento, do Fundo Monetário Internacional, e a proposta da Organização de
Comércio Internacional (precursora do GATT). Ainda seria discutida a necessidade de
políticas intervencionistas do Estado, para a existência de uma economia liberal
internacional. Deste modo se iniciaria o modelo econômico keynesiano de pleno
emprego, que possibilitaria o welfare-state n os países desenvolvidos.
Neste período, políticos, autoridades e grandes empresários já não consideravam
a volta ao livre mercado original. Agora, países dedicados ao liberalismo econômico
precisavam direcionar sua economia para um modelo que, anteriormente era rejeitado
como "socialista". Além disso, por conta da “ameaça comunista”, ocorreu uma junção
entre liberalismo econômico e democracia social, cooptando a classe trabalhadora para
o sistema, proporcionando-a um certo bem estar - mas ainda dentro do sistema. Seriam
feitos, então, substanciais "empréstimos" dos planejamentos econômicos realizados na
URSS, formando assim uma economia de mercado mista e direcionada pelo
keynesianismo.
Foi também em Bretton Woods que foi concedido ao Reino Unido um
empréstimo de US$ 3,75 bilhões para ajudar o país a atravessar os anos pós-guerra
(mediado pelo próprio Maynard Keynes). Algo que não teria efeito, como é explicado
pelo economista inglês John Galbraith:
A libra esterlina havia sido sujeita a um rígido a um controle cambial
durante a guerra. Era uma das condições básicas do empréstimo que
ela se torna-se total e livremente conversíveis em dólares (...) E assim,
todos que tivessem acumulado reservas de libras inconversíveis - ou
seja, especuladores, os operadores cambiais, os bancos - acorreram
jubilosos para trocar seu dinheiro em dólares. O empréstimo foi
consumido, literalmente, numa questão de dias. (GALBRAITH, 1973,
p. 224)
1
Sistema que foi extinto em 1971, durante o governo do presidente estadunidense Richard Nixon dando
início ao sistema de taxas de câmbio flutuantes.
13
Isto levaria por sua vez a um projeto de reconstrução para a Europa ocidental: o
Plano Marshall. Projeto este que ajudou significativamente na assistência técnica e
2
econômica, que teve um investimento de US$ 12 bilhões , dinheiro este usado na
reconstrução da indústria, moradia e economia. No Reino Unido, por exemplo, a
indústria tinha sido destruída após os diversos ataques a bomba realizados pela
Alemanha Nazista, cidades foram devastadas deixando milhares de pessoas sem casa e
desempregadas logo após o fim da Guerra.
Nos anos que se seguiram a 1945, a economia dos países ocidentais,
desenvolvidos ao contrário do que se esperava, cresceu de maneira explosiva, não só
atendendo puramente aos grandes empresários mas ao bem-estar da população como um
todo, dando início para o que o historiador inglês Eric Hobsbawm chama de "Era de
Ouro do Capitalismo":
(...) sobretudo, para início de conversa os economistas começavam a
perceber que o mundo, em particular o mundo do capitalismo
desenvolvido, passará por uma fase excepcional de sua história; talvez
uma fase única. Buscavam nomes para descrevê-la: "os trinta anos
gloriosos" dos franceses (les trente glorieuses) , a Era de Ouro de um
quarto de século dos anglo-americanos (Marglin & Schor,1990). O
dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço e escuro
das posterioridades Décadas de Crise. (HOBSABAWM, 1994, p. 225)
Isto provou o sucesso (pelo menos à curto prazo) das políticas intervencionistas,
de pleno emprego e consumo, implementadas em um estado de bem estar-social.
A gigantesca explosão da economia ocidental, como um todo no pós-guerra, foi
um reflexo ainda maior do que vinha acontecendo nos EUA pré-1945. Ainda com as
políticas econômicas de Bretton Woods e do sucesso do Plano Marshall. Um exemplo
disso foram as habitações que, nesse momento, eram construídas milhares de moradias
para as massas. No Reino Unido houve a maior escassez de casas do século XX. Com a
vitória do partido Trabalhista no país em 1945, o programa de moradias públicas
2
OFFICIE OF THE HISTORIAN. Marshall plan, 1948. Disponível em:
<https://history.state.gov/milestones/1945-1952/marshall-plan>. Acesso em: 08 abr. 2018.
14
encomendou 750 mil lares para serem construídos. Os próprios Beatles, por exemplo,
foram criados em casas populares construídas pelo governo britânico, para reconstrução
de bairros operários de Liverpool.
Com o aumento da produção, foi possível empregar ao longo dos anos os
milhares de desempregados que haviam na Europa. Em essência, agora era possível um
3
cidadão viver como muitos ricos, tinham vivido no tempo de seus pais . Essa mudança
industrial funcionou, tendo em vista que três-quartos das exportações do mundo eram
realizadas por países da Europa Ocidental.
O boom econômico do pós-guerra também foi proporcionado pela acelerada
Revolução Tecnológica que ocorreu na Era de Ouro, houve uma enorme evolução em
pesquisas (principalmente por causa do esforço para vencer a II Guerra), produtos
revolucionários, como materiais sintéticos, conhecidos como "plástico", computador,
televisão e os próprios LPs. Essas mercadorias transformaram drasticamente o cotidiano
do "mundo rico", a própria alimentação foi mudada graças a revolução verde (pesquisa
de agrotóxicos, mecanização do campo, etc...), que mudou as "geladeiras" na Europa e
nos EUA.
A revolução tecnológica trouxe também a mecanização de atividades que eram
regidas por muitos trabalhadores, que, como mostra o historiador inglês Eric
Hobsbawm, mudou as a relação entre o sistema e as próprias pessoas. "A grande
característica da era Era de Ouro era precisar de cada vez mais maciços investimentos e
cada vez menos gente, a não ser consumidores (...) Os seres humanos só eram essenciais
para tal economia num aspecto: como compradores de bens e serviços." (HOBSBAWM,
1991, p. 262). Como as pessoas haviam se tornado menos pobres, menos precisavam
gastar com produtos essenciais como comida e, podiam esbanjar em produtos de "luxo"
3
Este bem estar-social de pleno funcionou até o fim da Era de Ouro (1973). Os efeitos da decadência
deste sistema são ilustrados no filme do cineasta inglês Ken Loach "Eu, Daniel Blake".
15
4
(como prevista na lei de Engel ). O consumo das massas foi um dos o principais
motores do sistema capitalista vigente, sem ele a economia que movia o welfare state
dos países desenvolvidos não seria possível.
1.2.1 A juventude
4
Lei econômica descrita pelo estatístico alemão Ernst Engel (1821-1896), que quanto mais pobre a
população, mais precisa gastar em produtos essenciais como comida. Deste modo quanto mais rica
poderia gastar com produtos menos essenciais.
16
popular. Um grupo da sociedade que buscava algo diferente do que foi imposto para
seus pais puritanos, e guiados por uma "gerontocracia".
Antes deste momento a "juventude" era vista apenas como um estágio
preparatório para a fase adulta. Esse grupo que protagonizou os acontecimentos
políticos mais dramáticos das décadas de 60 e 70, também financiaria a indústria
fonográfica do mesmo período - sobretudo o rock. O rock foi tão importante para a
indústria, que - quando surgiu em 1955 - três anos mais tarde subiu 216% o número de
discos vendidos. Além disso, esse estilo musical simbolizava a influência cultural que
caminhava junto com a política e econômica que os EUA tinham (e ainda tem) sobre os
países que exerciam uma economia de mercado.
A juventude surgiu como camada social separada, inspirado por um espírito de
rebeldia, um fenômeno que provavelmente não tinha paralelo para ser feito com outro
momento da história. Este espírito jovem está representado no poema "O Uivo", do
escritor beatnik Allen Ginsberg, que narra os jovens que pensaram em descobrir o
mundo que está a sua volta. O reflexo de uma geração que saiu da casa de seus pais e
decidiu enxergar além do american way of life. Como é mostrado em alguns versos do
poema de Ginsberg:
que dirigiram 72 horas através do país para descobrir
se eu tinha uma visão ou se você tinha ou
se ele tinha uma visão para descobrir a Eternidade,
(...)
que num protesto triste virar apenas uma
mesa simbólica de pingue-pongue, descansando
um pouco em catatonia,
(...)
Estou com você em Rockland nos meus sonhos
você caminha gotejando de uma viagem marinha
pela estrada que atravessa a América em lágrimas…
até a porta da minha casa na noite ocidental (GINSBERG, p. 5)
indústria cultural (conceito que será abordado no próximo tópico) observou um mercado
em potencial para consumidores, que por sua vez podiam gastar em produtos vistos
como “desnecessários”, diferente do que era imposto por seus pais (LP's, roupas e
filmes). Buscavam por algo diferente, não por coincidência, neste mesmo momento
surgiram personalidades como: James Dean, Marlon Brando, Buddy Holly, Elvis
Presley Bob Dylan e os Beatles.
Por fim a juventude, que moldou a revolução cultural que aconteceu nesse
período mudou desde o meio de lazer, costumes e as artes comerciais. De fato os jovens
tinham um papel fundamental na formação dos anos 60 e 70 e seriam protagonistas
desta era de revoluções e choques culturais que fora este período peculiar do séc XX.
Dessas mudanças, pode-se citar os novos estilos de musicas que foram criados ou
interpretações de gêneros mais antigos como o Blues, que se transformou no rock; e até
mesmo protestos de estudantes que ocorreram em praticamente todo mundo ocidental
no ano de 1968 e sem a menor sombra de dúvidas ficariam marcados na história.
Ainda escrito em 1936, Walter Benjamin, em seu ensaio “A obra de arte na era
de sua reprodutibilidade técnica”, aborda a forma como a Arte mudou com o aumento
acelerado da qualidade de sua reprodutibilidade. Um processo que vinha acontecendo
desde que surgiu a prática de imitar o que outros homens faziam, até a reprodução
técnica do som que aconteceu no fim do século XIX. Para Benjamin, a reprodução da
voz era um padrão de qualidade tão grande que se inseriu de forma artística através do
cinema falado e da música.
A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado.
Com ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela
não somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras
de arte tradicionais, submetendo-as a transformações profundas como
conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos.
18
Para estudar esse padrão, nada é mais instrutivo que examinar como
suas duas funções - a reprodução da obra de arte e a arte
cinematográfica repercutem uma sobre a outra. (BENJAMIN, 1994,
p.1)
O autor também afirma que a cada vez a diferença entre público e autor está
mais tênue, citando o exemplo da coluna dos jornais da época "cartas dos leitores", em
vista disso o leitor está cada vez mais próximo de se tornar um escritor. Todavia a
inserção das massas no processo é bloqueada neste processo devido ao desemprego.
Por fim, é abordado a não existência da autenticidade nessa época e com a
melhoria da reprodutibilidade, o original e a reprodução se tornaram praticamente
19
massificada que se assemelha a uma linha de montagem industrial e gera mais dinheiro
do que diversos setores industriais.
A esquematização do procedimento aparece em os produtos
mecanicamente diferenciados revelarem-se, afinal de contas, como
sempre iguais. Que a diferença entre a série Chrysler e da General
Motors seja substancialmente ilusória disso sabem até as crianças
"vidradas" por elas. As qualidades e as desvantagens discutidas pelos
conhecedores servem tão só para manifestar uma aparência de
concorrência e possibilidade de escolha. As coisas não caminham de
modo diverso com as produções da Warner Brothers e da MGM.
Porém, mesmo entre os tipos mais caros e menos caros da coleção de
modelos de uma mesma firma, as diferenças cada vez mais se reduzem:
nos automóveis, a variação no número de cilindros, no tamanho, na
novidade dos gadgets; nos filmes, a diferença no número de astros, na
fartura dos meios técnicos, mão-de-obra,figurinos e decorações, no
emprego de novas formas psicológicas. A medida unitária do valor
consiste na dose de conspicuous production, de investimento ostensivo.
A diferença de valor orçado pela indústria cultural não tem nada a ver
com a diferença objetiva, com o significado dos produtos. Mesmo os
meios técnicos tendem a uma crescente uniformidade recíproca. A
televisão tende a uma síntese do rádio e do cinema, retardada enquanto
os interessados ainda não tenham conseguido um acordo satisfatório,
mas cujas possibilidades ilimitadas prometem intensificar a tal ponto o
empobrecimento dos materiais estéticos que a identidade apenas
ligeiramente mascarada de todos os produtos da indústria cultural já
amanhã poderá triunfar abertamente. (ADORNO, HORKHEIMER,
1995, p. 102)
A arte se tornou tão reprodutível quanto acessórios que são produzidos nas
fábricas, chegando a alcançar milhões de cópias e uma única obra de arte e se
mercantilizando. Para os autores essa mercantilização resulta na própria destruição da
arte, pois ocorre um processo de reificação da mesma, o que impede que a arte exerça
seu papel principal segundo Adorno: o exercício do pensamento, estranhamento e
experiência a obra. A arte se torna entretenimento, e passa a ser um instrumento
poderoso de manipulação da burguesia contra-revolucionária, transferindo a arte para a
esfera do consumo.
Os interessados adoram explicar a indústria cultural em termos
tecnológicos. A participação de milhões em tal indústria
imporia métodos de reprodução que, por seu turno, fazem com
21
Por fim, Adorno e Horkheimer adotam uma perspectiva bastante crítica sobre o
que a partir de então se chamou indústria cultural. Para eles, a massificação da cultura
não levou a inclusão das massas na cultura, mas levou a decadência dela. Se tornando
5
apenas um fetiche sobre a mercadoria consumida pelo indivíduo despersonalizado,
fruto da mercantilização das obras de arte, como é mostrado nas citações: “Na indústria
cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção. Ele
só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora
de contestação" (ADORNO, HORKHEIMER, 1995, p. 128). E mais:
Tudo tem valor somente enquanto pode ser trocado [...]. O valor de uso
da arte, o seu ser, é para os consumidores um fetiche, a sua valoração
social, que eles tomam pela escala objetiva das obras, torna-se o seu
único valor de uso, a única qualidade de que usufruem. Assim o caráter
de mercadoria da arte se dissolve mesmo no ato de se realizar
integralmente. Ela é um tipo de mercadoria, preparado, inserido,
assimilado à produção industrial, adquirível e fungível, mas o gênero de
mercadoria arte, que vivia do fato de ser vendida, e de, entretanto, ser
invendável, torna-se - hipocritamente - o absolutamente invendável
quando o lucro não é mais só a sua intenção, mas o seu princípio
exclusivo. (ADORNO, HORKHEIMER, 1995, p. 131).
5
O conceito de "fetiche" utilizado neste contexto é o mesmo desenvolvido por Karl Marx de relação
pessoal com os bens de consumo, ou qualquer outra mercadoria.
23
1.4 A beatlemania
Figura 1
Figura 2 Figura 3
A banda já fazia um relativo sucesso nas casas de show de Liverpool e
Hamburgo. Apresentavam um som diferente, uma mistura da força do Rock-`N`-Roll
bruto dos anos 50, com a harmonia dos grupos femininos, além de contarem com as
incríveis vozes de Lennon e McCartney. Foi esse o potencial encontrado por Brian
Epstein, que acreditou que podia trazer os rapazes ao sucesso, que logo ofereceu um
contrato de 5 anos com o grupo com a promessa de levar fama e dinheiro. No entanto,
"sugeriu" algumas modificações: teriam que parar de fumar e comer durante os shows, e
começar a usar ternos. Além disso, John Lennon, a partir daquele momento, teria que
esconder que era casado, para poder não desapontar as fãs. Chegando ao ponto de ter
que esconder sua aliança em dias de shows e aparições públicas. (O'Dell, 2017)
25
John fez uma breve tentativa para organizar uma resistência, mas,
quando não encontrou nenhum apoio, o princípio cedeu ao
pragmatismo. "[Brian nos disse] 'Olhem, se vocês botarem um terno
vão ganhar muito dinheiro' e todo mundo queria um terno elegante…
queríamos um terno que servisse para usar também fora do palco. 'Sim,
cara, tudo bem, eu visto um terno… Visto até a porra de um balão se
alguém me pagar. (NORMAN, 2007 p. 259)
respostas verdadeiras, isto de certa forma trazia uma proximidade ainda maior com os
jovens, trazendo um "ar" tênue de rebeldia da banda. Isto está explícito, por exemplo, no
show em que fizeram na presença de rainha do Reino Unido em que John lennon disse a
famosa frase: "Para o nosso último número, eu gostaria de pedir sua ajuda. As pessoas
nos assentos mais baratos podem bater palmas. E o restante da plateia podem apenas
chacoalhar suas jóias".
É possível também dizer que a beatlemania também é fruto da acelerada
revolução tecnológica que vinha acontecendo desde o fim da 2ª Guerra Mundial
(abordado no tópico 1.1), além da própria invenção da guitarra elétrica que
transformaria o Blues e levava consequentemente a criação do Rock-'N'-Roll. Houve
uma melhora significativa na qualidade técnica e na quantidade dos discos produzidos
(mais do que já tinha acontecido décadas antes), desta forma o conceito de "Aura" de
Walter Benjamin é aplicado a esta situação.
Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa
distante por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa
tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho,
que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas
montanhas, desse galho. (BENJAMIN, 1994, p. 14)
Com a quebra desse conceito, a preocupação com a perfeição (isto pode ser
questionado com o aperfeiçoamento técnico, musical e lírico de algumas bandas
comercialmente bem sucedidas) gerou um conflito entre o artista que busca o seu
aperfeiçoamento e a indústria fonográfica. A experimentação não era prioritária para a
indústria. O consumo se tornou a prioridade da indústria fonográfica, a música passou a
ser uma mercadoria, algo a ser posse do indivíduo, de todo modo isto aproximou-a das
massas, tornando-a mais palpável para aqueles que não eram grandes conhecedores de
música, no caso dos anos 60 jovens que buscavam algo novo. A vista disso, os Beatles
faziam parte deste contexto de mercantilização e fetichização da música, em que era
necessário para um jovem do Reino Unido dos anos 60. Ainda é possível se fazer a
27
pergunta: de fato os Beatles em suas músicas trariam algo de novo para a estrutura
músical? A resposta é: neste primeiro momento, não. Pois o que está sendo visto neste
momento é o período pré-Índia, a vista que o que é realizado é apenas uma
reinterpretação do que já vinha sido apresentado anteriormente.
Ter um álbum da banda se tornou algo "necessário", a indústria fonográfica
estava voltada para um produto que conseguisse vender o maior número de músicas
possível. Ao mesmo tempo que iniciou o incentivo dos jovens a consumir, o que já
tinha acontecido em outros setores que tinham caráter industrial como a indústria
automobilística e tecnológica. Mais tarde os Beatles atingiram os padrões de sucesso
comercial que era buscado pela indústria fonográfica.
Outro ponto que se deve dar atenção para justificar tal popularidade é o claro
apelo para com garotas adolescentes. Ao aparecer aqueles quatro rapazes na televisão,
as jovens se interessavam e ficavam encantadas pelos pelos rapazes que viam cantando,
o que atraiu o desejo de comparar os seus discos e portanto consumir suas músicas.
Além do diferente estilo (que já tinha sido observado por Epstein), a música por si só já
tinha um apelo para jovens, tratando de temas não muito complexos como amor
adolescente ou pedidos de namoro. Os Beatles escreveram sobre daquilo que interessava
o grande público de massas. Nos versos das música Love Me Do, She Loves You, Please
Please Me e I Wanna Be Your Man é possível enxergar o tema adolescente que é
passado nas letras: (O'Dell, 2017)
Love, love me do
You know I love you
I'll always be true
So, please
Love me do (LENNON-MCCARTNEY, 1962)
Essa aproximação fez com que de uma hora para a outra jovens de todo o Reino
Unido (e mais tarde no resto do mundo ocidental) usassem o mesmo corte de cabelo e
imitassem suas músicas. Foi a cultura de massas exibida em sua maior forma, pouco
antes antes vista.
Logo após o sucesso comercial da banda, diversos grupos musicais se deixaram
influenciar pelo "quarteto de Liverpool," tanto no estilo da música, corte de cabelo e
jeito de se vestir. Grupos que mais tarde fariam parte da "invasão britânica", como ficou
conhecida o momento em que bandas do Reino Unido fizeram sucesso nos EUA, após a
viagem dos Beatles ao país em uma apresentação histórica no programa "The Ed
Sullivan Show" a ssistido por aproximadamente 73 milhões de pessoas. (NORMAN,
2009)
Os Rolling Stones, The Kinks e The Animals, adotaram o estilo pop musical, o
visual de cabelo e terno introduzido pelos Beatles. A banda Rolling Stones, por exemplo
fez sucesso comercial pela primeira vez com um cover da música "I Wanna Be Your
Man". Mesmo nos EUA apareceram muitas bandas que se inspiraram na música do
grupo, bandas que mais tarde fariam enorme sucesso como: The Byrds e os The Beach
Boys. E ainda influenciaram, o já famoso Bob Dylan a usar a guitarra elétrica. Os
Beatles haviam entrado no âmago cultural da maior potência do globo: Os EUA.
(O'Dell, 2017)
A consequência do número gigantesco de fãs da banda, foi a necessidade de
cada vez mais lugares que tivessem capacidade para suportar o número de pessoas que
queriam ver o grupo tocar. Ao ponto de no final da carreira dos Beatles nos palcos,
terem que se apresentar em estádios. Isto por sua vez mudou a forma de se pensar um
show de rock, a empresa de amplificadores "Vox", por exemplo, que produzia os
equipamentos de som para o grupo teve que fabricar amplificadores mais potentes para
uma apresentação daquela magnitude (Howard, 2016).
30
A vista do que foi posto acima, é sim possível dizer que os Beatles fizeram parte
do processo de massificação da cultura, em especial na música. Atingindo dimensões
que não haviam sido imaginadas até então, influenciando muitas bandas da época, com
o seu estilo visual e musical. Portanto, fizeram parte da indústria cultural como um todo
e por sua vez é factível encaixá-los dentro da análise feita por Adorno, Horkheimer e
Benjamin, de como a arte se comporta diante de tais circunstâncias. Aspectos como
fetichização, publicidade, quebra da "Aura" e aproximação do público, aparecem na
Beatlemania como um todo. Adorno, Horkheimer e Benjamin, apesar de ter uma
perspectiva semelhante sobre o processo de massificação da Arte, apresentam
discordâncias. Para Walter Benjamin, existem aspectos bons que podem ser observados
dentro do processo de massificação. Todavia, para Adorno e Horkheimer, existem
apenas aspectos críticos dentro deste processo. Não é necessário escolher entre estas
duas perspectivas, ambas podem coexistir, pois contribuem para uma análise ampla da
cultura de massas.
Para mim, talvez, seja quase impossível dimensionar todos os impactos que a
Beatlemania causou no globo, em termos de mudanças ou ampliações da forma como a
indústria cultural se articula dentro das massas e sua perspectiva artística. Afinal, a
31
O termo moderno para cultura, tem como origem etimológica a palavra latina
7
colere q ue significa cultivo , e teria sido usado pela primeira vez durante a Roma
8
antiga, em que foi escrito o "cultivo da alma" ou em latim cultura animi. Este termo foi
usado como metáfora para o cultivo filosófico da alma, entendido teleologicamente
como ideal de desenvolvimento civilizatório humano. A mudança do significado dessa
palavra foi se transformando até chegar em algo como: "costumes coletivos e conquistas
9
de um povo, uma forma particular de desenvolvimento intelectual coletivo" .
Este pensamento que temos de cultura, é bem representado pelo poeta irlandês,
laureado prêmio nobel de literatura, William Butler Yeats, que diz: "Pois sem cultura ou
santidade, que são sempre o presente de muito poucos, um homem pode renunciar à
riqueza ou a qualquer outra coisa externa, mas ele não pode renunciar ao ódio, inveja,
7
CULTURE: Origin and Meanig. Disponível em: <https://www.etymonline.com/word/culture>. Acesso
em: 20out. 2018
8
Cicéron, Marcus Tullius Cicero; Bouhier, Jean (1812). Tusculanes. Nismes: J. Gaude. p. 273.
9
Smyth, Adm. William Henry, The Sailor's Word-book: An Alphabetical Digest of Nautical Terms,
London, Blackie and Son, 1867.
34
10
grupo humano que habita em certo período de tempo e espaço, seguindo um padrão comum;
coletividade.
35
Por sua vez, a diferença, é marcada pelo estranhamento entre culturas. O outro é
aquele que lança o eu a orientar-se em seus limites culturais. Não em uma dinâmica
binária: eu e outro, em que se esboça uma certa alteridade, que não obstante, causa a
falta de entendimento do outro (o outro se torna um "não eu"). Lógica esta, que serviu
de alicerces para a justificativa para tomada e destruição das culturas que foram
colonizadas por europeus A diferença é o estranhamento necessário para o rompimento
das totalidades impostas, e a superação da cultura universal e das ditas culturas puras.
Assim, a partir deste encontro fronteiriço, as culturas assumem-se como parciais, um
local de mobilidade e recriação. Não na história do “mesmo” (1+1 = 1), colonial e
36
universalizante, ou de uma pluralidade plástica sem tensão (1+1 = 2). Mas desde a
11
diferença, que nos coloca diante da necessidade de negociações possíveis (1+1 = 3) .
2.1.2 Negociação
Mais uma vez, para abordar o que Bhabha chama de negociação, devemos
voltar para a raiz etimológica da palavra. A origem do termo vem da junção das
palavras neg ( não) + otium (ócio) (BHABHA, 2011. p. 96), ou seja, negociação
significa estar em movimento, estar a todo momento realizando o tráfego de algum tipo
de informação. É a partir deste pensamento que Bhabha aborda como a hibridização das
culturas, que se dá através do movimento e bricolagem. É o ruído inquietante do dia a
dia, não é a sobreposição, mas sim a troca entre as culturas. Bhabha diz, a negociação:
"é a habilidade de articular diferenças no espaço e no tempo, de ligar palavras e imagens
em novas ordens simbólicas, de intervir na floresta de sinais e de mediar o que parecem
ser valores incomensuráveis ou realidades contraditórias” (2011 p. 97).
A negociação também tem um papel na realização dos hibridismos, o encontro
com o novo, o estabelecimento de novas “identidades”, um estranhamento na inscrição
autoritária do signo cultural. A negociação cultural transforma o valor significante da
cultura, ao se articular entre as duplas vozes e línguas que permeiam esse encontro.
Bhabha explica o hibridismo como potencial deste diálogo através de Mikhail Bakhtin:
O [...] híbrido não tem somente uma dupla voz e duplo sotaque [...] ele
tem também uma dupla língua: nele não há somente (e nem mesmo
tanto assim) duas consciências individuais, duas vozes, dois sotaques,
mas, acima de tudo, há [duplicações] de consciências
sociolinguísticas, duas épocas [...] que vêm juntas e lutam
conscientemente no território da elocução. (Apud BHABHA, 2011. p.
90)
11
Essas representações numéricas – apresentadas nas aulas de filosofia sobre hibridismo cultural – nos
ajudam didaticamente a compreender o pensamento de H. Bhabha. Para uma interpretação melhor do
esquema 1+1 = 3, confira a figura 4.
37
2.1.3 Entrelugar
Por cerca de 3 séculos, o território que hoje chamamos de "Índia" esteve sob o
12
Foi um Estado existente entre 1526 e 1857 que chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano.
A designação mogol sis atribuída durante o século XIX e deriva de mongol, denotando a ascendência
direta de Gengis Khan de seu fundador. Este foi abolido pelos britânicos em 1857.
40
o autor diz que há uma mudança na forma de dominação colonial, que já não é a mesma
desde o imperialismo romano. Isto é exemplificado no seguinte parágrafo:
A política colonial e o imperialismo existiam já antes da fase mais
recente do capitalismo e até antes do capitalismo. Roma, baseada na
escravatura, manteve uma política colonial e exerceu o imperialismo.
Mas as considerações "gerais" sobre o imperialismo, que esquecem ou
relegam para segundo, plano as diferenças radicais entre as formações
econômico-sociais, degeneram inevitavelmente em trivialidades ocas
ou em jactâncias, tais como a de comparar "a grande Roma com a
Grã-Bretanha". Mesmo a política colonial capitalista das fases
anteriores do capitalismo é essencialmente diferente da política
colonial do capital financeiro. (LENIN, 1916, p. S.l. )
Lenin ainda diz que o imperialismo está interligado com a fusão do capital
bancário com o industrial, e para sua sustentação é necessária a anexação de diferentes
13
tipos de territórios pelas potências capitalistas .
O que é característico do imperialismo é precisamente a tendência
para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais
industriais (apetites alemães a respeito da Bélgica, dos franceses
quanto à Lorena), pois, em primeiro lugar, estando já concluída a
divisão do globo, isso obriga, para fazer uma nova partilha, a estender
a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundo lugar, faz parte da
própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes
potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-se de
territórios não tanto diretamente para si, como para enfraquecer o
adversário e minar a sua hegemonia. (LENIN, 1916, p. S.l. )
13
Este processo é passível de ser visto durante a partilha da África, que ocorreu durante a conferência de
Berlim, em que representantes das potências da época se reuniram para decidir a quem iria pertencer os
pedaços do continente africano.
41
14
Laissez-faire é uma expressão escrita em francês que simboliza o liberalismo econômico, na versão
mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas com
regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade
15
Ainda é possível voltar a etimologia da palavra império, vinda do latim imperium, s ignifica poder
supremo.
42
16
O orientalismo se mostra na dificuldade de compreensão das culturas hindu , o
que resultou em um conflito ainda maior entre os povos que lá habitavam/habitam e os
europeus. Um exemplo disso são os trabalhos alemães sobre o Oriente que não tinham
uma ligação com oriente de fato, como bem cita Said:
(...) o Westóstlicher Diwan [Diva oriental-ocidental, de Goethe, e o
Über die Sprache und Weisheit der Indier [Da língua e sabedoria dos
hindus de Friedrich Schlegel, eram baseados, respectivamente, em
uma viagem pelo Reno e em horas passadas em bibliotecas
parisienses. O que a erudição oriental alemã fez foi refinar e elaborar
técnicas que seriam aplicadas a textos, mitos, idéias e línguas
literalmente colhidas no Oriente pela Inglaterra e pela França
imperiais. (SAID, 2007, p. 31)
Outro aspecto desta prática é assumir os hinduístas como um só, não assumindo
a pluralidade do pensar sobre esta cultura, buscando um sentido funcionalista britânico
sob os povos. Se tenta aplicar, aqui, a lógica do uno, da não-pluralidade, isso é
perpetuado no livro de E. M. Forster analisado por Said: "hinduístas, segundo o
romance, acreditam que tudo é uma mistura só, tudo está interligado, Deus é um só, não
é, era, não era" (apud SAID, 1997, p. 258). Isto é repetido na citação de Harriet
Martineau: "O espírito despreparado, seja hinduísta ou muçulmano, desenvolvido em
condições asiáticas, não é capaz de qualquer sintonia, intelectual ou moral, com o
espírito europeu cristianizado” (apud SAID, 1997, p. 257).
Outro modo importante é a colonização. Colonização é o ato de estabelecer uma
colônia, termo este que tem como raiz etimológica a palavra colere, e m latim que
significa cultivar e habitar para designar terras ocupadas fora da península itálica
16
Esta que é a religião com mais adeptos no território indiano.
44
17
durante o império roman. Ou seja, seria cultivar e habitar algum território . Portanto é
possível dizer que o ato de estabelecer uma colônia ou uma cultura estão entrelaçadas,
ao possuir o radical colere em comum (ver tópico 2.1). Logo, colonizar também implica
no ato de habitar uma cultura estrangeira, e, como vimos anteriormente, isto implica em
uma relação de dominação, a ambivalência exercida nas regiões de fronteiras culturais.
O colonizador no ato de colonizar não consegue enxergar as culturas que interage como
interdependentes da sua, não tem reconhecimento do outro e nquanto semelhante, por
isso acaba reduzindo-as, para impor a sua cultura dominante.
O imperialismo por sua vez, usa da colonização como forma de dominação ao
ocupar terras estrangeiras com o intuito de suprir o bem estar da metrópole. Isso é
exemplificado em parte da carta feita pelo presidente da companhia das índias orientais
em 2 de Abril de 1800:
Nenhum princípio deveria ser tolerado ou posto em prática, o que não
acontece com base na Índia sendo considerada como a residência
temporária de um grande estabelecimento britânico, para o bom
governo do país, sobre princípios estáveis e uniformes, e de um grande
fábrica britânica, para a gestão benéfica do seu comércio, sobre as
regras aplicáveis ao estado e aos costumes do país. (WELLESLEY,
1837, p.124. Tradução livre)
A colonização busca encobrir a cultura do território. Uma das formas mais claras
de se observar este processo é na difusão da língua inglesa na Índia colonial. A região
da Índia britânica continha cerca de 7 famílias linguísticas. Principalmente com o início
ritânico em 1848, se foi implementado o sistema educacional britânico na
do Raj B
Índia, que tinha como base o inglês como língua oficial da colônia - mais uma tentativa
de encobrimento das diferenças culturais locais, em que mais uma vez a lógica da
cultura única (ver tópico 2.1.3) se prevalece no modo de dominação imperialista.
O colonizador não compreende a colônia (como já apresentado) como igual. Um
exemplo dessa atuação é a forma como os britânicos entenderam a sociedade indiana
17
COLONY: Origin and Meanig. Disponível em: <https://www.etymonline.com/word/colony>. Acesso
em: 13 nov. 2018
45
18
Em música, uma oitava é o intervalo entre uma nota musical e outra com a metade ou o dobro de sua
frequência.
19
Na música ocidental temos não muito mais que duas.
47
associado ao período do dia e estações do ano onde se está. Já a sensação tempo é dada
pela afinação corporal e espiritual com uma sensação de macro cósmicos integrados.
O tempo é a afinação dos pulsos, experi6encia de sobreposição infinita
das fases e defasagem, descoberto no coração do instante, no fluxo do
improvisado, através dos meios criados por uma cultura que crê,
simplesmente , que a realidade do universo não é nada mais (nem
menos) no meio da música. (WISNIK, 2017, p. 93)
Figura 5
Fonte:https://www.spin.com/2012/12/ravi-shankar-sitar-virtuoso-who-changed-pop-music-dead-at-92/.
Acesso em 12/ 11/ 2018
Figura 6
figura 7
Fonte: https://www.britannica.com/art/harmonium Acesso em 15/ 11/ 2018
a ligação com o sagrado, com sua busca pela compreensão do universo, resultando no
transe ou o êxtase, e meditação. Como já citado, aqui, música e espiritualidade
caminham lado a lado, na perspectiva da tradição hindustani ela serve para o
autoconhecimento do ser , por isso á de ser sentida em tantos níveis.
Após o percurso feito neste capítulo, é evidente que não existe uma cultura
indiana, mas sim diferentes culturas que se manifestam em outras disparidades no
subcontinente indiano. A cultura indiana, única e hegemônica, existe apenas no projeto
imperialista e colonial que o Império Britânico tinha como artifício de dominação do
território (e por conseguinte o seu povo). Como vimos, a diferença cultural (ver tópico
2.1.1) acontece sobretudo no estranhamento das culturas, isto de fato acontece ao
vermos os conflitos entre os “nativos” e britânicos, que levaram a certos hibridismos
culturais. Isto está claro no que podemos chamar de processo de negociação (ver tópico
2.1.2) que é evidente na adoção, por exemplo, do instrumento harmonium (ver tópico
anterior), isso mostra o caráter ambivalente da própria negociação, ao se articular de
diferentes maneiras; ser um instrumento europeu que se torna presente na tradição
indiana, uma das muitas pluralidades que existem dentro da música clássica indiana, que
ao longo dos séculos foram sendo (re)criadas em torno de novas identidades. As
culturas indianas, principalmente a música, (re)existem independentemente das
estratégias de dominação, e sua hibridização é uma das formas de existir no meio das
ações coloniais e imperialistas. A música não é um espaço de hegemonia cultural, mas
sim um entrelugar de experimentações de sons e sentidos. Ela agrega, e busca maneiras
de se (re)inventar ao seu modo. Por isso, não podemos falar de uma cultura indiana
orientalizada, mas de culturas indianas. Junto a isso, vale destacar que a experiência de
hibridismo – segundo Homi Bhabha – é uma estratégia desde a subalternidade, aquelas
50
Foi nas gravações de Help!, que os Beatles entraram em contato pela primeira
vez com algo relacionado a Índia. John lennon relata a "estranheza" deste encontro:
set. Tudo daquele filme maluco. Anos depois, conheci esse iogue que
nos deu cada um desses livros; Eu esqueci o nome dele porque todos
eles têm aquele 'Baram Baram Badoolabam', e todo aquele jazz. Todo
o envolvimento indiano saiu do filme Help!
(ROYALANCE, 2001, p. 171)
Outro relato que revela o curioso primeiro encontro com a cultura indiana, é o de
George Harrison:
Nós estávamos esperando para filmar a cena no restaurante quando o
cara foi jogado na sopa e havia alguns músicos indianos tocando ao
fundo. Lembro-me de pegar a cítara e tentar segurá-la e pensar: "Este
é um som engraçado". Foi uma coisa incidental, mas em algum
momento eu comecei a ouvir o nome de Ravi Shankar. Na terceira vez
que ouvi, pensei: 'Esta é uma estranha coincidência'. E então eu
conversei com David Crosby dos The Byrds e ele mencionou o nome.
Eu fui e comprei um disco de Ravi; Eu coloquei e atingiu um certo
ponto em mim que eu não posso explicar, mas parecia muito familiar
para mim. A única maneira que eu poderia descrever era: meu
intelecto não sabia o que estava acontecendo e, no entanto, essa outra
parte de mim se identificava com isso. Acabou de me chamar...
Alguns meses se passaram e então eu conheci esse cara da organização
20
Asian Music Circle que disse: 'Oh, Ravi Shankar vai à minha casa
para jantar. Você quer vir também? (R
OYALANCE, 2001, 171)
Estes dois relatos nos fazem observar a certa casualidade em que se deu estes
encontros, marcados principalmente em um primeiro momento pelo estranhamento por
parte dos Beatles. Todavia, não podemos acreditar no simples fato de que estes atos
foram meras coincidências… Em primeiro lugar, devemos notar que neste período os
Beatles estavam procurando algo novo, estavam de fato insatisfeitos com a forma que
viviam, muito derivado da "loucura" da beatlemania. O próprio álbum Help!, já mostra
tanto sinais de aprimoramento em suas letras (inspirados por Bob Dylan, outro expoente
da cultura jovem) quanto musical, por conseguinte a musicalidade indiana caiu quase
que perfeitamente neste período inicial de experimentações. Outro ponto que é válido de
20
O Asian Music Circle foi uma organização fundada em Londres, Inglaterra, em 1946, que promoveu
estilos indianos e outros asiáticos de música, dança e cultura no Ocidente. Acredita-se que o AMC tenha
facilitado a assimilação das tradições artísticas do subcontinente indiano para a cultura britânica
dominante. Este mais tarde se envolveu em diversas gravações com os Beatles.
54
questionamento, é se existe uma correlação entre o fato dos Beatles terem tido este
encontro justamente em um restaurante indiano em Londres (ver figura 8), a capital do
ainda "Império Britânico". Não haveria lugar melhor para "conhecer" a Índia (além da
própria Índia) do que a sua antiga nação colonizadora imperialista (talvez uma visão
orientalista sobre a Índia?). Como vimos no capítulo anterior, as negociações culturais
não são uma via de mão única - ao mesmo tempo que a cultura britânica (dominante,
homogeneizadora) se incide sobre a indiana, as culturas indianas também afetam as
culturas dominantes. Isto é observado na própria figura do restaurante que contrasta
com a arquitetura tipicamente londrina.
Figura 8
Em 1968, também a convite do guru, todos os quatro Beatles foram para a Índia
para um retiro espiritual. Os Beatles estavam inseridos neste imaginário mítico e
religioso da Índia. Lá, além de dedicarem profundamente a meditação, fizeram diversas
56
músicas que em sua grande maioria estaria no "Álbum Branco" . Os Beatles estiveram no
retiro até abril do mesmo ano, quando saíram por uma acusação de assédio sexual
cometido por Maharishi Mahesh. John Lennon relata:
Para finalizar, outro fato interessante de ser observado é que após esta
experiência tão intensa, com uma das facetas das culturas indianas (já direcionada para
o Ocidente), a aparição desta cultura se tornou cada vez menor. Deixando simplesmente
de aparecer elementos da música clássica hindustani em seus albúns. Talvez, este não
seria um contra fluxo do que a banda viveu anteriormente?
Após ver como se deu o encontro entre os Beatles e parte da cultura Indiana, é
necessário agora analisar em quais pontos da discografia dos Beatles esses elementos,
que já foram estudados no Capítulo 2, aparecem na discografia da banda. Por isso, o
selecionei algumas músicas que conseguem sintetizar as formas como essa cultura se
deu em suas obras, (vale lembrar que são as únicas). Estas canções foram: Norwegian
Wood, Love You To e Within you Without You.
Norwegian Wood é uma música composta por John lennon, creditada à dupla
Lennon/McCartney, gravada entre 12 e 21 de outubro de 1965, e lançada em 3 de
dezembro do mesmo ano no álbum Rubber Soul. A letra conta a história de uma "caso"
extraconjugal que John teve, e descreve em detalhes uma cena de "sedução". A música
57
segue um estilo folk-rock, contendo uma batida 12/8, no entanto a faixa obteve destaque
pelo uso da sitar, recém comprada por George Harrison - era a primeira vez que o
instrumento indiano era usado em um disco pop. O instrumento veio a calhar no álbum
pois estava de acordo com a sua proposta: buscar experimentações, um processo
também de amadurecimento musical dos Beatles (TURNER, 2009, p. 137).
Como relata Harrison:
"Norwegian Wood" foi a primeira vez que usamos sítaras nas nossas
gravações (...) comprei uma sitar na loja Oxford Street, que se
chamava Indiacraft - vendia estatuetas e incenso. Era uma Sitar mei
vagabunda, na verdade, mas eu comprei e meio que desprezei um
pouco. De qualquer jeito tínhamos gravado a base de "Norwegian
Wood" (violão, seis cordas, baixo e bateria) e a música precisava de
alguma coisa a mais. A gente começou a procurar no armário para ver
se conseguia encontrar alguma coisa, um som novo, e eu peguei a sitar
- que estava jogada; não tinha descoberto o que fazer com ela. Foi bem
espontâneo. Eu tirei as notas e toquei. (ROYALANCE, 2001, p. p.
196)
Porém, se deve dar atenção para o modo como a Sitar foi usada na música em
questão. Ao ouvir a música, o instrumento indiano aparece como um elemento
secundário. Como dito pelos próprios Beatles, eles estavam buscando sons diferentes -
algo “exótico”, que servisse de ornamento para música a folk rock. Usa-se a sitar como
21
uma espécie de novo timbre no violão , descartando a lógica do próprio instrumento, a
22
lógica de microtonalidade . O exótico se sobrepõe às musicalidades indianas, usando
21
Fato curioso, é que o equipamento de gravação usado na época não era capaz de captar com perfeição o
som da sitar, foi necessário um aprimoramento para a utilização do instrumento em gravações posteriores.
22
A música microtonal ou microtonalidade é o uso na música de microtons - intervalos menores que um
semitom, também chamados de "micro intervalos". Também pode ser estendido para incluir qualquer
58
desta maneira a escala diacrônica, tonal, convencional ocidental. Isto mostra uma
homogeneização da música ocidental sobre a oriental, não há terceiro espaço das
culturas, ou melhor: há terceiro espaço mas é encoberto pela própria estrutura de
Norwegian Wood. Seria este um processo “orientalista” ou de dominação que segue as
mesmas lógicas do imperialismo britânico na Índia?
Todavia, este exótico assume um papel também de primeiro contato, estranheza
que faria os Beatles a tentar compreender o funcionamento da lógica musical indiana, já
observado na música Love You To, lançada apenas seis meses depois.
Love You To é uma música composta por George Harrison, gravada entre 11 e
13 de abril de 1966 e lançada em 5 de agosto do mesmo ano no álbum Revolver. Disco
este que trazia um desenvolvimento ainda mais significativo para os Beatles, com
elementos das cenas underground, p sicodélica e da arte de vanguarda. Fazendo do
estúdio quase que um verdadeiro instrumento, através de doubles tracks e fitas girando
ao contrário (TURNER, 2009, p. 167). A música foi a primeira escrita por Harrison
pensando na sitar especificamente, ele queria criar algo que de fato colocasse o
instrumento como um agente mais complexo e importante da música em questão. Além
da introdução de artistas não creditados do já mencionado Asian Music Circle, que
tocaram tambura e tabla. George Harrison diz:
Eu compus "Love You To" na cítara, porque o som era muito bom e
meu interesse se aprofundava cada vez mais. Eu queria compor uma
melodia que fosse especificamente para a cítara. também tinha uma
parte para a tabla e foi a primeira vez que usamos um especialista em
tabla. (Apud ROYALANCE, 2001, p. 209)
música usando intervalos não encontrados na sintonia ocidental habitual de doze intervalos iguais por
oitava. Em outras palavras, um microton pode ser pensado como uma nota que fica entre as teclas de um
piano sintonizado em temperamento igual.
59
Within Without You é uma música composta por George Harrison, creditado há
Harrison/Lennon/McCartney, gravada entre 12 de março e 3 de abril de 1967, e lançada
em 1º de junho de 1967 no álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Considerado
23
por muitos o melhor álbum da história , foi executado em um momento em que os
Beatles estavam dedicados inteiramente ao estúdio, estavam sujeitos a qualquer tipo de
experimentação, sem ter a preocupação de ter que replicá-las no palco. Em parte, Within
Without You é uma expressão deste processo.
É a primeira música de George Harrison que expressa a filosofia hindu e veda,
que vinha estudando desde a sua viagem á Índia em 1966, e suas aulas com Ravi
Shankar. A letra é uma espécie de crítica ao individualismo na sociedade ocidental - a
ideia de que cada um de nós temos temos nosso próprio ego - se baseia em ilusão, que
encoraja a separação e a divisão. Para nos aproximarmos, devemos abrir mão dessa
ilusão e perceber que somos "um só". Isto só reforça a ideia veda de experiência interna
e auto conhecimento tendo a música como possibilitador desse processo.
Harrison diz a respeito da canção:
Somos todos um. A compreensão da reciprocidade do amor humano é
incrível. Uma boa vibração, que faz você se sentir bem. Essas
vibrações que a ioga, os cânticos cósmicos e coisas assim são uma
viagem. Uma viagem que te leva para qualquer lugar. Não tem nada a
ver com com remédios. É só você na sua cabeça, a compreensão. É
uma viagem. Te leva direto para o plano astral. (TURNER, 2009, p.
207)
Tente perceber que tudo está dentro de você, ninguém mais pode fazer
você mudar
23
Ver a lista dos 500 melhores álbuns da história elaborada pela revista Rolling Stones
61
Além do elemento lírico filosófico hindu, Within You Without you expressa estes
elementos em sua musicalidade. A música é praticamente uma reinterpretação da
música clássica hindustani, baseada em uma peça de Ravi Shankar (ROYALANCE,
2001, p. 242), utilizando praticamente de instrumentos do gênero - exceto pelos violinos
e violoncelos tocados pela Orquestra Sinfônica de Londres, ainda que tocados para
seguir a harmonia microtonal. George Martin, produtor do álbum diz: "Não foi difícil
organizar os músicos indianos para a gravação. Difícil foi escrever uma partitura para os
violoncelos e violinos, de modo que os músicos ingleses tocassem como os indianos."
(Apud TURNER, 2009, p. 205). A canção não só segue harmonias e melodias
microtonais, mas possui uma dicção orientalizada no modo de cantar de Harrison.
Estes aspectos da música sugerem uma prevalência estética oriental - um
terceiro espaço encoberto pela musicalidade e lirismos hindus. Todavia este resultado é
mais uma vez invertido pela indústria cultural através da mercantilização, afinal é uma
música de estética hindu composta por um inglês e distribuído para a cultura de massas.
A tradição cultural oriental é mais uma vez capturada pela indústria ocidental?
clássica hindustani. Este gênero se tornou caracterizado pela mistura entre o rock e a
música indiana. As músicas deste estilo musical seguem o mesmo esquema apresentado
na música Norwegian Wood do uso da música oriental como algo exótico. Bandas
britânicas também seguiram este exemplo, como: os Yardbirds na música Heart full of
soul (1965); os Rolling Stones na música Paint It In Black (1966) e no álbum Their
Satanic Majesties Request (GUERRERO, 2010, p. 37).
Os ruídos dessas experimentações também chegaram no Brasil, Caetano Veloso
em seu livro de memórias ‘Verdade Tropical’, revela que:
A idéia do canibalismo cultural servia-nos, aos tropicalistas, como
uma luva. Estávamos comendo os Beatles e Jimi Hendrix’. ‘Isso tem
muito a ver com o modo como ouvíamos os Beatles – de que nao
eramos /eu ainda menos do que Gil e grandes conhecedores. Na
verdade, foi uma composição de Gil, ‘Bom Dia’, segundo ele
influenciado pelos Beatles, que surgiu a fórmula. A lição que, desde o
início, Gil quisera aprender dos Beatles era a de transformar
alquimicamente lixo comercial em criação inspirada e livre,
reforçando assim a autonomia dos criadores – e dos consumidores. Por
isso que os Beatles nos interessam como o rock’n’roll americano dos
anos 50 não tinha podido fazer. (VELOSO, 1997, p. 169)
Outro ponto que se deve dar atenção é o fato de que os Beatles ajudaram o
próprio "mestre" de George Harrison na sua inserção na cultura indiana: Ravi Shankar.
Shankar após trabalhar com os Beatles ganhou muito mais visibilidade no ocidente,
chegando até apresentar no famoso festival "hippie" Woodstock, e m que apresentou para
uma multidão gigantesca em torno de estrelas do rock da época, tocando apenas a
música clássica hindustani.
A filosofia e a música indiana tiveram forte impacto no psicodelismo hippie,
ideias que já vinham sendo passadas desde Allen Ginsberg, um dos pensadores do
movimento beatnik. A Índia se tornou um lugar de desejo hippie para a busca de novas
experimentações. Cecília Guimarães Bastos, sobre esse tema, escreve:
O grande marco de como a Índia passou a ter maior visibilidade para o
chamado mundo ocidental, com certeza, foi o fato de os Beatles terem
visitado o país na década de 1960. Esse acontecimento marca o início
63
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Bibliografia
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Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. 120 p.
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1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza: John Kenneth Galbraith. 2 ed. São
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GUERRERO, Rodrigo. The Role of The Beatles in Popularizing Indian Music and
Culture in the West. 2015. 10 p. Ensaio (Graduação em Música)- Florida State
University, Florida State University, [S.l.], 2015. 5. Disponível em:
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HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. 2. ed. São
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HOBSBAWM, E. J. A Era dos Impérios: (1876-1914). 5.ed. São Paulo: Paz e Terra,
1988. 513 p.
How The Beatles Changed the World. EUA, RU: Tom O'Dell: Symettrica
Entertainment, Vision films, 2017. Streaming (90 min): Streaming, Ntsc, son, color.
Legendado. Port.
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2009. 839 p. v. 1
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Cosacnaify, 2009. 384 p.
67
VELOSO, Caetano. Verdades tropicais. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: Uma outra história das músicas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017. 281 p.