Você está na página 1de 11

DISTÚRBIOS DE

ARTIGO ORIGINAL
APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM
NA VISÃO DO PROFESSOR

Fabrícia Bignotto de Carvalho; Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte; Sylvia Maria Ciasca

RESUMO – Introdução: A educação, atualmente, percorre grandes e


variadas discussões, e, o fracasso escolar é uma realidade visível. Pesquisas
confirmam o fracasso escolar como um desafio a ser vencido. O presente
estudo propõe identificar o saber daquele que atua diretamente com o aluno,
o professor, por considerá-lo um personagem importante no diagnóstico de
alunos com distúrbios de aprendizagem, pois, muitas vezes, crianças com
essa problemática recebem estigmas ou atitudes equivocadas referentes às
suas ações na sala de aula. Objetivo: Verificar o conhecimento do professor
quanto aos distúrbios de aprendizagem. Método: Para atender o objetivo,
foi aplicado um questionário aos professores da rede pública de ensino. Os
dados obtidos foram analisados estatisticamente e postos em discussão.
Resultados: Os resultados apontaram para o desconhecimento do professor
quanto à diferença entre distúrbios de aprendizagem e dificuldade de
aprendizagem. Conclusão: Os achados deste estudo nos fazem pensar que
o professor precisa rever seus métodos de ensino, seus conhecimentos práticos
e teóricos e ir à busca do conhecimento.

UNITERMOS: Educação. Transtornos de aprendizagem. Aprendizagem.

Fabrícia Bignotto de Carvalho - Curso de Correspondência


Especialização em Neuropsicologia aplicado à Fabrícia Bignotto de Carvalho
Neurologia Infantil, FCM/UNICAMP. Rua das Caneleiras, 38, apto 501 – Jd. Glória
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte - Faculdade de Americana – SP – 13468-240 – Tel.: (019) 3405-2732
Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, E-mail: famaca@uol.com.br
Departamento de Fonoaudiologia. Membro do
Laboratório de Distúrbios e Dificuldades de
Aprendizagem e Transtornos da Atenção – DISAPRE e
do Grupo de Pesquisa CNPq – Neurodesenvolvimento,
Escolaridade e Aprendizagem, FCM/UNICAMP.
Sylvia Maria Ciasca – Psicóloga. Departamento de
Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas
UNICAMP. Laboratório de Distúrbios e Dificuldades
deAprendizagem e Transtornos da Atenção – DISAPRE
e do Grupo de Pesquisa CNPq – Neurodesenvolvimento,
Escolaridade e Aprendizagem, FCM/UNICAMP.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

'
CARVALHO FB ET AL.

INTRODUÇÃO Diagnóstico Diferencial: Distúrbios de Apren-


O processo de aprendizagem tem sido cada dizagem e Dificuldade de Aprendizagem
vez mais diagnosticado como problemático e caó- Descrever a diferença entre distúrbios de
tico, e a responsabilidade tem recaído em quem aprendizagem e dificuldades de aprendizagem
ensina e quem aprende sob a ênfase de ensinar nos mostra um dos equívocos que leva a uma
mal e aprender pouco1 e, é crescente o número concepção errônea da dificuldade de aprender, e
de alunos com dificuldades escolares, muito deles isso se deve pela interpretação, às vezes, incor-
se desinteressam aliados pela desmotivação do reta do termo, pois, muitas vezes, o termo distúr-
próprio sistema, desenvolvem uma baixa auto- bio de aprendizagem aparece na literatura como
estima, acabam evadindo, reprovando ou sinônimo de outros: dificuldade escolar, problema
abandonando as atividades escolares. Existe uma de aprendizagem, dificuldade na aprendizagem
queixa freqüente por parte de pais e educadores e, até mesmo, pela tradução errada do termo
acerca das dificuldades de aprender2. inglês “learning disabilities4”.
Considerando aprender pouco, uma dificul- As tentativas de definir distúrbios de apren-
dade, e ensinar mal, uma variável, a problemática dizagem são inúmeras, mostram igualdades e
contorna a ênfase do desconhecimento do profes- disparidades, por conta do descobrimento de
sor com relação aos problemas comportamentais novas áreas (Pedagogia, Neurologia, Psicologia
e distúrbios de aprendizagem, que levam a uma e Assistência), visando a uma reformulação
atuação equivocada no processo educacional. de conceitos, e até com objetivo de se obter uma
Entretanto, o diagnóstico de um distúrbio de linguagem que se proponha a uma coesão diag-
aprendizagem não é tão simples de se fazer, é nóstica, tratamento e remediação4.
preciso livrar-se das possibilidades de que fatores No dicionário5, verifica-se sobre distúrbio:
psicopedagógicos e condição socioeconômica- como uma perturbação orgânica ou social, dificul-
familiar não estejam causando falhas no desenvol- dade: caráter de difícil, aquilo que o é, obstáculo,
vimento escolar do aluno2 e, o professor tem um óbice, situação crítica, e, aprender: tomar conhe-
papel importante, já que, sabe-se que tais proble- cimento de tomar de algo, retê-lo na memória
mas aparecem em crianças com idade pré-escolar graças a estudo, observação, experiência, etc.
e escolar, sendo a sala de aula um local prove- Não discutiremos aqui a questão da apren-
niente de identificar os distúrbios ou dificuldades dizagem, mas não podemos deixar de citá-la,
de aprendizagem3. pois está envolvida neste processo, é uma
Por esse motivo, ter conhecimento sobre dificul- palavra cotidiana, que muitos pronunciam com
dades e distúrbios de aprendizagem pode ajudar diversas variações e significados, onde, inúmeras
o professor, já que estudos demonstram que o definições são colocadas por diversos autores,
professor é o intermediário para a procura dos pais onde cada segmento se refere às questões épicas,
aos serviços de saúde, com queixas de distúrbios do momento da história do homem no seu
ou dificuldades de aprendizagem. Entretanto, processo de aprendizagem, todas de grande
sabe-se que muitas dessas crianças não apresen- importância, pois nos permitem julgar, conhecer
taram causas orgânicas que justifiquem um distúr- e compreender.
bio de aprendizagem, dos quais muitas vezes eram Para Ciasca6, aprendizagem “é uma ativi-
rotuladas, e que, em sua maioria, os problemas dade individual que se desenvolve dentro de
devem-se quase que exclusivamente à dificuldade um sistema único e contínuo, operando sobre
de caráter pedagógica, caracterizada como todos os dados recebidos e tornando-os reves-
inadequação ao método e ao sistema de ensino3. tidos de significado. Este ato não é limitado à
Desse modo, faz-se necessária a descrição de intenção ou ao esforço para reter itens ou habi-
conceitos sobre a diferenciação entre distúrbios lidades deliberadamente repetidas de momento
de aprendizagem e dificuldades de apren- a momento, mas se amplia na qualidade do
dizagem, para uma análise do propósito principal aprendido, no grau de abstração e com o trans-
deste estudo, a investigação do conhecimento do correr da idade”.
professor quanto aos distúrbios e às dificuldades Sendo assim, a aprendizagem pode ser enten-
de aprendizagem. dida como um processo de aquisição individual,

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

evolutiva e constante, que reúne características uma perturbação na ‘aquisição, utilização e


tanto orgânicas como do ambiente. armazenamento de informações, ou na habili-
Para haver um processo de aprendizagem são dade para soluções de problemas’. Portanto, os
necessários elementos comunicadores: a mensa- distúrbios de aprendizagem seriam uma pertur-
gem, o receptor e o meio ambiente, interagindo bação no ato de aprender, isto é, uma modificação
um com o outro, onde, na falha de um deles gera- dos padrões de aquisição, assimilação e
se um problema. E, para se aprender, é necessária transformação, sejam por vias internas ou externas
uma série de pré–requisitos, que irão desenvolver ao indivíduo”3.
condições, capacidades, habilidades para tal Diferentemente de dificuldade escolar “que
processo, incluem-se áreas de: motricidade (rolar, está relacionada especificamente a um problema
sentar, engatinhar, andar, auto-identificação, de ordem e origem pedagógica”6, um distúrbio
esquema corporal, abstração, etc), integração de aprendizagem envolve situações orgânicas que
sensório-motora (equilíbrio, ritmo, destreza, impedem o indivíduo de aprender, e, dificuldade
agilidade, lateralidade, discriminação tátil, etc), escolar, pode estar relacionada a fatores internos
habilidades perceptivo-motoras (percepções que se somam aos fatores ambientais como, por
sensitivas, integração visomotora, acuidade exemplo, fatores emocionais, familiares, sociais,
visual, memória, coordenação motora fina, etc), motivacionais, relação professor–aluno, progra-
desenvolvimento da linguagem (fluência, articu- mas escolares inadequados e outros6.
lação, vocabulário, etc), habilidades conceituais Quanto aos distúrbios de aprendizagem,
(classificação, seriação, conceito numérico, podem ser verbais e não verbais. Os distúrbios
compreensão, etc) e habilidades sociais (aceitação verbais estão relacionados com as dificuldades
social, maturidade, criatividade, julgamento de nas habilidades em ler e escrever, que são as
valor, etc)7. dislexias, que podem ser classificadas em três
Existe, então, a possibilidade das dificuldades subtipos: a dislexia disfonética (indivíduos que
aparecerem naquele aluno que não estava capa- lêem as palavras conhecidas, mas com dificul-
citado no desenvolvimento de questões iniciais, dades das palavras novas, há trocas nas letras),
pré-requisitos para o começo da alfabetização, ou a dislexia deseidética (apresentam leitura lenta,
melhor, da aprendizagem mais complexa do que com dificuldade em palavras irregulares), e a
aquela situada na pré-escola, onde a preocupação dislexia mista, que abrange os dois tipos8.
se dá mais no processo da socialização, do lúdico, Os distúrbios não verbais estão relacionados
do início das regras sociais, etc. aos problemas visoespacial e incapacidade para
Entretanto, quando se trata de um distúrbio compreender o significado do contexto social.
de aprendizagem, da dificuldade ou da incapa- Apresentam dificuldades na percepção tátil e
cidade de aprender por algum motivo que seja visual, habilidades de coordenação motora,
orgânico, isso também constitui um problema destreza, dificuldades em lidar com situações
dentro do processo de ensino-aprendizagem, pois novas, acarretando em dificuldades acadêmicas
há um prejuízo, uma barreira, um obstáculo nesse e sociais. Apresenta boa memória auditiva e boa
processo7. estrutura de linguagem9, sendo que as crianças
Distúrbio de aprendizagem é como uma acometidas apresentam inteligência normal, sem
“perturbação no ato de aprender, isto é, uma déficits sensoriais, ausência de problemas físicos
modificação dos padrões de aquisição, assimi- e emocionais significativos8,10-12.
lação e transformação, sejam por vias internas Quanto ao comportamento, há alguns autores
ou externas do indivíduo”4, acrescentando, distúr- que os apontam e que podem ser problemas como,
bios de aprendizagem como “sendo uma disfun- por exemplo, no caso da dislexia, onde a criança
ção do Sistema Nervoso Central relacionada a pode apresentar um prejuízo tanto nas relações
uma ‘falha’ no processo de aquisição ou do desen- com a aprendizagem, como uma limitação na
volvimento, tendo, portanto, caráter funcional”, capacidade de comunicar desejos, necessidades,
sendo assim, “um distúrbio não caracteriza uma afetos, e fazer planos12.
ausência, mas sim uma perturbação dentro de um E, quanto aos distúrbios não verbais, são crian-
processo; assim, qualquer distúrbio implica em ças consideradas pelos professores, como proble-

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!
CARVALHO FB ET AL.

máticas, mal educadas e imaturas, e os familiares de inclusão responderam às questões, volunta-


as consideram crianças com vocabulário de adulto riamente, sendo que, estes 10 questionários não
(vocabulário precoce e rico), mas com outras foram inclusos no resultado da amostra. A partir
dificuldades (sociais)9. De qualquer forma, tanto da análise obtida dessas respostas, o questionário
os distúrbios quanto as dificuldades geram sofreu algumas alterações cabíveis, correspon-
problemas escolares, na escola, com professores, dendo ao interesse do estudo.
com a aprendizagem, ou melhor, com a capaci- As pesquisadoras solicitaram permissão às
dade de aprender, por esse motivo, identificar o escolas da rede pública de ensino, onde, após
conhecimento do professor possibilita distinguir aprovação, deixaram o questionário aos profes-
as diferenças, permitem traçar o processo de sores, que quiseram participar voluntariamente
intervenção diferente dos rótulos, estigmas e até da pesquisa. Os objetivos do estudo foram expli-
exclusão, proporcionando novas relações entre o cados e esclarecidos aos professores. Cada
aprender, o aluno e a escola. questão é apresentada primeiramente de forma
estatística, a fim de visualizar os dados obtidos,
MÉTODO e, em seguida, tem-se o resultado descritivo.
Sujeito
Os sujeitos do estudo foram professores da Análise dos Dados
rede pública do ensino fundamental, totalizando Após a obtenção dos resultados, estes foram
um número de 55, de ambos os sexos, com predo- submetidos ao tratamento estatístico e foram
mínio maior do gênero feminino, entretanto não agrupados, analisados e discutidos.
sendo este um critério de diferenciação para a Queremos referenciar que foram consideradas
pesquisa. Os professores incluídos neste estudo todas as alternativas, até mesmo as respostas com
foram aqueles que possuíam, no mínimo, cinco mais de uma alternativa assinalada, a fim de obter
anos de experiência prática envolvidos no proces- a totalidade da amostra.
so pedagógico, que encontraram, em sua prática Os métodos estatísticos utilizados foram
comum, crianças e adolescentes com dificuldades freqüência absoluta e freqüência relativa, para
de aprendizagem. Sendo critério de exclusão o então descrever graficamente, no diagrama
tempo de trabalho inferior a cinco anos. circular.
Definimos como freqüência absoluta de uma
Material variável o número de vezes que este valor foi
A elaboração do questionário (Anexo 1) foi observado, e, freqüência relativa de uma variável,
realizada a partir da revisão bibliográfica, obje- como o quociente de sua freqüência absoluta pelo
tivando atingir a proposta do trabalho: verificar o número total de elementos observados.
conhecimento do professor. Para isto, o questio-
nário elaborado conteve três perguntas, sendo RESULTADOS
duas delas com respostas de múltipla escolha e Foram realizadas três perguntas referentes ao
uma pergunta aberta. tema: diferença entre distúrbio e dificuldade de
aprendizagem que será demonstrada abaixo:
Metodologia
Inicialmente, o trabalho foi submetido ao Comitê Questão 1 - Alunos que Apresentam
de Ética da Universidade de Campinas, com proto- Distúrbio de Aprendizagem
colo número 0310.0.146.000-6, onde, após apro- Foi perguntado aos professores o que eles
vação do mesmo, deu-se início à pesquisa de campo. compreendiam por um aluno que apresentava
Consta, também, o Termo de Consentimento Livre distúrbio de aprendizagem: 4% responderam a
e Esclarecido, conforme Resolução 196/96 do alternativa A, ou seja, aquele aluno que recebia
Conselho Nacional de Saúde 1996, o qual foi assi- exercícios e instruções adequadas, mas não
nado pelos sujeitos de pesquisa, ficando uma cópia rendia nas tarefas a serem executadas; 16%
com o pesquisador e uma com o sujeito. responderam alternativa B, aquele aluno com
O questionário foi submetido a um teste piloto, atraso no desenvolvimento global, decorrente de
onde 10 professores que atendiam aos critérios atraso cognitivo e deficiência mental; 47% respon-

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

deram alternativa C, consideravam o aluno com nada a questões pedagógicas, ao método,


distúrbio de aprendizagem aquele que apre- ao ensino, a adequação escolar, dificuldades
sentava incapacidade em aprender por algum socioeconômicas4,6. Sendo assim, foram conside-
problema neurológico; 18% assinalaram a radas corretas respostas como: “Distúrbios de
alternativa D, aquele com problema social aprendizagem são decorrentes problemas
inapropriado por conta de fatores emocionais e neurológicos e dificuldade de aprendizagem,
sociais; 4% assinalaram alternativa E, que problema pedagógico, emocional, familiar ”,
considerava aquele aluno que não se adequava “Distúrbio de aprendizagem são desordens
à metodologia utilizada pelo professor; 7% manifestadas na aquisição da compreensão da
assinalaram duas alternativas D+E; 2% fala, leitura, escrita, raciocínio matemático e
assinalaram C+D; outros 2% assinalaram B+C entendida como orgânica dificuldade de apren-
(Figura 1). dizagem pode ocorrer por situações sociais, emo-
cionais, metodológicas, culturais”, e incorretas
Questão 2 - Professor que Diferencia respostas como: “Distúrbio de aprendizagem está
Distúrbio de Aprendizagem de Dificuldade relacionada ao ambiente social e emocional,
Escolar dificuldade de aprendizagem está relacionada
Foram analisadas as respostas descritivas dos ao método de ensino, aprendizagem mediante
professores e foi constatado que 22% dos profes- a postura do professor”, “Distúrbio de aprendi-
sores diferenciavam distúrbio de aprendizagem zagem é mais duradouro e requer maior atenção
de dificuldade escolar, e 78% não o faziam e dificuldade de aprendizagem, requer mais
(Figura 2). Para esta análise, foram consideradas atenção, porém é mais passageiro”, “Distúrbio de
respostas conforme descrição da literatura, onde aprendizagem trata-se de um portador de
distúrbio de aprendizagem é definido como uma rebaixamento intelectual leve, com falhas no
disfunção do Sistema Nervoso Central, que comportamento adaptativo e déficit em relação
acarreta numa perturbação do ato de aprender ao conteúdo estabelecido pela escola, já, na
(aquisição, assimilação e transformação), afetando dificuldade de aprendizagem, a criança deve
a aprendizagem acadêmica, mais especificamente ter tratamento individual para maior segurança
a leitura, a escrita, aritmética, ortografia e lingua- em relação à aquisição do processo de
gem, e, dificuldade de aprendizagem, relacio- conhecimento”.

Figura 1 – Freqüência relativa das respostas à questão 1 - Alunos que Apresentam Distúrbio de Aprendizagem

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!!
CARVALHO FB ET AL.

Figura 2 – Freqüência relativa das respostas à questão 2 - Professor que Diferencia


Distúrbio de Aprendizagem de Dificuldade Escolar

Figura 3 – Freqüência relativa das respostas à questão 3 – Causa do Distúrbio de Aprendizagem

Questão 3 - Causa do Distúrbio de fizeram corretamente, ou seja, mesmo quando a


Aprendizagem escolha da alternativa estava correta (alternativa
Foi perguntado aos professores qual a causa C, de ordem orgânica), houve justificativas
do distúrbio de aprendizagem: 2% responderam incorretas (Figura 4) como: “o emocional está
alternativa A, considerando de ordem pedagó- presente”, “algumas crianças nascem com
gica; 40% dos professores responderam alterna- distúrbios, outras adquirem através da violência
tiva B, e consideram a causa do distúrbio de familiar ou escolar”, “nem sempre é da mesma
aprendizagem de ordem orgânica, outros 27% ordem”, “tem pessoas que não são habilitadas para
responderam alternativa C, sendo a causa tal ação, portanto nós devemos respeitar sua
emocional. Entretanto, 7% consideraram todas as limitação”.
alternativas, 20% consideraram alternativas B+C, Analisando cada questionário individualmente,
e 4% não responderam à questão. considerando as três questões conjuntamente, foi
Quanto à justificativa da questão, 64% não possível outra análise (Figura 5). A partir dos dados
justificaram corretamente, 20% a fizeram corre- apresentados, pudemos constatar que 11% dos
tamente e 16% não responderam à justificativa professores pesquisados acertaram todas as três
(Figura 3). Esta questão também constatava o perguntas que se referem ao mesmo assunto
conhecimento do professor referente aos distúrbios (conhecimento sobre distúrbio de aprendizagem
de aprendizagem. Responderam corretamente e dificuldade de aprendizagem), 18% acertaram
40% dos pesquisados, mas de forma parcial, pois duas perguntas, 36% acertaram uma pergunta, e,
ao requerer a justificativa da resposta 64% não a outros 35% erraram todas as perguntas.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!"
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

DISCUSSÃO ao professor a mesma resposta, só que de forma


Ao considerarmos a questão 1, que aborda descritiva, e já temos outro resultado, 78% não a
o conhecimento do professor com relação aos fizeram adequadamente. E quanto à questão 3,
distúrbios de aprendizagem, podemos afirmar onde os professores assinalaram as causas dos
que 47% dos pesquisados responderam correta- distúrbios de aprendizagem, às vezes corretos,
mente, que consta que alunos com distúrbios mas que não coincidiam com as justificativas.
de aprendizagem são aqueles que apresentam Podemos fazer a mesma leitura, porém com
incapacidade de aprender por algum motivo dados estatísticos diferentes, ao analisarmos as
neurológico (déficit de atenção, memória, três questões em conjunto do mesmo professor,
percepção, problemas de linguagem oral, escri- ou seja, ao considerarmos que o professor que
ta, leitura, raciocínio matemático e compor- tem conhecimento do assunto é aquele que
tamento social inapropriado), assim sendo, respondeu corretamente às três questões, para
podemos dizer que quase metade dos profes- isso, foi visto cada questionário, examinando-
sores conhece o assunto. se as três questões ao mesmo tempo, consi-
Entretanto, há outras duas questões envol- derando os que acertaram todas, professores
vidas, que deveriam ter a mesma resposta, a de que apresentam conhecimento do assunto, um
número 2 e 3, já que também enfocam o conhe- total de 11%, professores que acertaram uma
cimento do professor com relação ao distúrbio de (36%) ou duas perguntas (18%), professores que
aprendizagem. Quanto à questão 2, foi solicitado apresentam conhecimento parcial, totalizando

Figura 4 – Freqüência relativa das justificativas corretas

Figura 5 – Freqüência relativa da Análise de cada Questionário, considerando-se as 3 questões conjuntamente

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!#
CARVALHO FB ET AL.

54% e, professores que erraram todas as Além disso, há questões que envolvem o
questões, professores que desconhecem o contexto escolar, a escola, o ambiente, o reconhe-
assunto, um total de 35%. cimento profissional. Escolas sem estruturas, sem
Nessa leitura, podemos concluir que há três condições físicas de atender aos alunos,
grupos de professores, aqueles que apresen- professores com excesso de carga horária, baixos
tam conhecimento, aqueles que apresentam salários, desmotivados para enfrentarem salas de
conhecimento parcial, e os que desconhecem aula superlotadas e alunos com problemas ou
o assunto. dificuldades14,15.
Embora os dados estatísticos nos mostrem que É difícil pensar que o professor das escolas
os professores pesquisados não apresentavam públicas, com toda a problemática envolvida,
conhecimento frente ao tema, queremos recorrer ainda tenha motivação para realizar cursos de
a algumas discussões, não na tentativa de justificar pós-graduação, aprimoramento, aperfeiçoa-
essa defasagem, mas de relacionar os problemas mento, entre outros, arcando com todos os custos,
com situações reais como, por exemplo, a questão sem terem retribuições, principalmente o
da educação e a formação dos professores. reconhecimento.
Os problemas educacionais não estão apenas Mas, também, não podemos nos esquecer
sobre a vertente do aluno que não aprende, mas que é no contexto escolar e, na maioria das vezes,
também com relação à formação do professor, que, é o professor quem percebe as dificuldades do
muitas vezes, se tornaram professores, por aluno 2,6,16 e um investimento profissional é
segunda opção, pois, no papel de alunos, entram importante, principalmente para o aluno.
nas universidades com “a expectativa de serem
biólogos, geógrafos, matemáticos, lingüistas, CONCLUSÃO
historiadores ou literatos, dificilmente professores Os resultados apontam que há um desconhe-
de biologia, de geografia, de línguas ou de cimento do professor quanto ao assunto distúrbio
literatura”13. e dificuldade de aprendizagem e, as responsa-
Há, ainda, a problemática da própria bilidades do fracasso escolar recaem sobre os
formação quanto a investimentos públicos, que agentes do processo: professor e aluno, por um
acabam sendo para áreas mais nobres e os lado às práticas pouco adequadas e, por outro, o
professores acabam sendo pessoas originárias esforço insuficiente para alcançar o sucesso:
de camadas médias e médias baixa, onde têm aprender e passar de ano. Por esse motivo, é
que arcar financeiramente com sua formação importante, ao professor, a busca do conhecimento
profissional13. e repensar suas práticas pedagógicas.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!$
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

ANEXO 1

QUESTIONÁRIO

Identificação
Idade (anos):__________________________________
Ano de formação: _________/_________/_________
Nível de formação: _______________________________________________________________________________
Sexo: ___________________________________________________________________________________________
Tempo que leciona: _______________________________________________________________________________
Série que leciona: _________________________________________________________________________________

1-Alunos que apresentam distúrbios de aprendizagem são alunos que:

a) Recebem exercícios e atividades apropriados para sua idade e capacidade e não rendem nas tarefas a serem
executadas.

b) Apresentam atraso no seu desenvolvimento global, causando um atraso no desenvolvimento cognitivo, por
conta de apresentarem uma deficiência mental.

c) Apresentam incapacidade de aprender por algum problema neurológico (déficit de atenção, memória,
percepção, problemas na linguagem oral, escrita, leitura, raciocínio matemático e comportamento social
inapropriado).

d) Apresentam comportamento social inapropriado, por conta de fatores emocionais e/ou familiares, que
causam problema de aprendizagem.

e) Não se adequam à metodologia de ensino utilizada pelo professor e, por esse motivo, apresentam dificulda-
des no processo de aprendizagem.

2 -Como você diferencia distúrbio de aprendizagem de dificuldade de aprendizagem?

3 - Para você o distúrbio de aprendizagem é sempre de ordem:


a) Pedagógica

b) Orgânica

c) Emocional

Justifique:_______________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!%
CARVALHO FB ET AL.

SUMMARY
Learning disturbances in the teacher vision

Introduction: The education, nowadays, goes trough great and varied


discussions, and, school failure is a challenge to be faced. This study
proposes to identify the knowledge of the one who works directly with
the student, the teacher, for considering her/him an important character
in the diagnoses of students with learning disturbances, because students
with this problem receive many times stigmas or wrong attitudes referring
to their actions in class. Objective: To verify the teacher ’s knowledge in
relation to learning disturbances. Method: To accomplish the objective,
a questionnaire was applied to teachers of regular state school. The
data obtained was analyzed statistically, discussed and concluded.
Results: The results pointed to a lack of knowledge about the difference
between learning disturbances and learning difficulties. Conclusion:
The findings of this study make us think that the teacher needs to verify
his teaching methods, his practical and theoretical knowledge and look
for more learning.

KEY WORKS: Education. Learning disorders. Learning.

REFERÊNCIAS prática interdisciplinar [Dissertação de


1. Leite LP, Aranha MSF. Intervenção reflexiva: Mestrado]. São Paulo:Instituto de Psicologia,
instrumento de formação continuada do Universidade de São Paulo;1991.
educador especial. Psic Teor Pesq. 2005;21 5. Ferreira ABH. Mini Aurélio. O dicionário
(2):207-15. da língua portuguesa. 6a ed. Curitiba;2006.
2. Goto AF. Memórias de uma pesquisa voltada p.895.
à dificuldade de aprendizagem com alunos 6. Ciasca SM. Distúrbios e dificuldades de
de 1ª série. Revista Virtual. 2004;abr/dez aprendizagem: uma questão de nomen-
[acesso em 09 de jun de 2006]. Disponível clatura. In: Ciasca SM, ed. Distúrbios de
em: www.cdr.unc.br aprendizagem: proposta de avaliação inter-
3. Ciasca SM, Rossini SDR. Distúrbios de disciplinar. São Paulo:Casa do Psicólogo;
aprendizagem: mudanças ou não? Correla- 2004. p.19-31.
ção de dados de uma década de atendi- 7. Drouet RCR. Distúrbios da aprendizagem.
mento. Temas sobre Desenvolvimento. 4a ed. São Paulo:Ática;2003. p.248.
2000;8(48):11-6. 8. Galaburda AM, Cestnick L Dislexia del
4. Ciasca SM. Diagnósticos dos distúrbios de desarrollo. Rev Neurol. 2003;36(supl1):
aprendizagem em crianças: análise de uma S3-S9.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!&
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA VISÃO DO PROFESSOR

9. Garcia-Nonell C, Rigau-Ratera E, Artigas clínicas. Rev Neurol. 2004;39(12):


Pallarés J. Perfil neurocognitivo del trastorno 1173-81.
de aprendizaje no verbal. Rev Neurol. 13. Mello GN. Formação inicial de profes-
2006;43(5):268-74. sores para a educação básica: uma (re)
10. Pestun MSV, Ciasca S, Gonçalves VMG. A visão radical. São Paulo Perspec. 2000;
importância da equipe interdisciplinar no 14(1):98-110.
diagnóstico de dislexia do desenvolvimento. 14. Gouvea GFP. Um salto para o presente: a
Arq Neuro-Psiq. 2002;60(2-A):328-32. educação básica no Brasil. São Paulo
11. Etchepareborda MC. La intervención em los Perspec. 2000;14(1):12-21.
trastornos dislexos entrenamiento de la 15. Souza Neto MF. O ofício, a oficina e a
conciencia fonológica. Rev Neurol. 2003;36 profissão: reflexões sobre o lugar social do
(supl1):S13-9. professor. Cad CEDES. 2005;5(66):249-59.
12. Castro-Rebolledo R, Giraldo-Prieto M, 16. Bolsoni–Silva AT, Marturano EM, Manfri-
Hincapié-Henao L, Lopera F, Pineda DA. nato JWS. Mães avaliam comportamentos
Trastorno específico del desarrollo del socialmente “desejados” e “indesejados”
lenguaje: una aproximación teórica a su de pré-escolares. Psicol Estud. 2005;
diagnóstico, etiología y manifestaciones 10(2):245-52.

Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas Artigo recebido: 15/06/2007


da UNICAMP, Campinas, SP. Aprovado: 21/08/2007

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 229-39

!'

Você também pode gostar