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Memória Jurisprudencial
MINISTRO ALIOMAR BALEEIRO
CDD-341.4191081
Ministro Aliomar Baleeiro
APRESENTAÇÃO
ABREVIATURAS ....................................................................................... 17
DADOS BIOGRÁFICOS ............................................................................. 19
NOTA DO AUTOR ...................................................................................... 23
PRIMEIRA PARTE — ASSUNTOS DIVERSOS .......................................... 25
HERMENÊUTICA ...................................................................................... 27
Contra o farisaísmo hermenêutico no Direito Tributário ............................ 30
Contra o farisaísmo hermenêutico no Direito Civil ................................... 31
Elementos úteis para identificação da mens legislatoris .......................... 32
Importância de investigar os princípios econômicos subjacentes ao Direito.... 33
Juiz não pode substituir-se à lei ou à autoridade apontada pela lei como
competente ......................................................................................... 34
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ........................................... 36
Garantias implícitas .............................................................................. 36
Liberdade de manifestação de pensamento e direito à honra ..................... 36
Liberdade de opinião e incitamento à animosidade contra as Forças
Armadas............................................................................................. 37
Liberdade de pensamento e de expressão. Liberdade de imprensa ............ 38
Liberdade de pensamento e tributação estadual ...................................... 41
Liberdade de trabalho ........................................................................... 42
Prisão civil, depositário e alienação fiduciária .......................................... 43
MOROSIDADE DO PODER JUDICIÁRIO ................................................. 44
Responsabilidade civil. Demora no julgamento, prescrição e outras ques-
tões..................................................................................................... 44
Desquite por mútuo consentimento. Falecimento antes do julgamento da
apelação necessária.............................................................................. 47
CONTROLE DIFUSO E EM CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE ... 48
Controle de constitucionalidade de decreto-lei ......................................... 49
Controle de constitucionalidade de decreto-lei. Outras questões ............... 57
Controle do quantum de multa fiscal ...................................................... 59
Ex nunc .............................................................................................. 60
Irretroatividade das leis (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada): diferença essencial entre o Direito francês e o brasileiro
e outras questões ................................................................................. 61
Pelo Poder Executivo ........................................................................... 65
Pelo Poder Legislativo .......................................................................... 68
Princípio da isonomia e equiparação de vencimentos ............................... 70
Regra do full bench ............................................................................. 71
Resolução do Senado Federal suspensiva de norma legal declarada
inconstitucional pelo STF: inconstitucionalidade de sua modificação
por outra ............................................................................................. 73
CONTROLE CONCENTRADO E EM ABSTRATO DE CONSTITUCIO-
NALIDADE ............................................................................................... 76
Amicus curiae em representação de inconstitucionalidade ....................... 79
Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ............ 80
“Taxa-ônibus” e presunção de constitucionalidade .................................. 81
Veto do Poder Executivo ...................................................................... 82
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUALIDADE .......................... 83
Nova redação de hipótese constitucional do recurso extraordinário. Plura-
lismo de intérpretes a oxigenar a Constituição ......................................... 83
“Negar vigência” ................................................................................. 85
Questões diversas ................................................................................ 86
DIREITO ADMINISTRATIVO .................................................................... 88
Criação de função por decreto .............................................................. 88
Concurso para procurador do Estado. Idade mínima e inscrição na OAB ....... 88
Exclusão de maiores de 20 anos da rede de ensino, com reserva de
cursos supletivos .................................................................................. 88
Desapropriação indireta: juros compensatórios ....................................... 89
Desapropriação indireta: correção monetária .......................................... 92
Desapropriação por interesse social ....................................................... 94
Não há direito subjetivo à posse e à entrada em exercício ......................... 95
Promoção de juízes. Processo de cooptação ........................................... 96
Reforma agrária .................................................................................. 97
Responsabilidade civil do Estado ........................................................... 97
Responsabilidade civil do Estado. Condição funcional do agente ............... 98
Serviço público .................................................................................... 99
FEDERALISMO ....................................................................................... 100
Princípio da simetria ........................................................................... 100
“Peculiar interesse local” .................................................................... 106
Supremacia do Direito Federal ............................................................ 109
MANDADO DE SEGURANÇA ................................................................. 111
Contra lei em tese .............................................................................. 111
Tribunal de Contas. Legitimidade ativa para impetrar mandado de segu-
rança ................................................................................................. 111
PROPRIEDADE DE TERRA. PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO .... 113
PROCESSO LEGISLATIVO ...................................................................... 114
Lobby ............................................................................................... 114
Veto parcial sobre palavras ................................................................. 114
Vício de iniciativa. Aumento de despesa ............................................... 115
DIREITO PENAL ...................................................................................... 118
Detração ........................................................................................... 118
Direito Penal mínimo .......................................................................... 118
SEGUNDA PARTE — DIREITO TRIBUTÁRIO ........................................ 121
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA ........................................................... 123
CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS ........................................................... 124
Natureza tributária ............................................................................. 124
Irredutibilidade de vencimentos de magistrado e competência para insti-
tuir contribuições sobre eles ............................................................. 126
CONTRIBUINTE EM DÉBITO. ILICITUDE DE CONSTRANGER SUAS
ATIVIDADES EM RAZÃO DO DÉBITO. ACESSO AO PODER JUDI-
CIÁRIO ..................................................................................................... 128
IMPOSTO INDIRETO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO ................................ 130
IMUNIDADE. CONTRIBUINTE DE DIREITO E CONTRIBUINTE
DE FATO.................................................................................................. 134
PEDÁGIO. ASPECTOS HISTÓRICOS ...................................................... 141
TRIBUTAÇÃO EM BRASÍLIA. PERÍODO DE TRANSIÇÃO.
APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO GOIANA .............................................. 142
IMPOSTO TERRITORIAL URBANO: PROGRESSIVIDADE. BIS IN
IDEM E BITRIBUTAÇÃO ......................................................................... 143
IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO INTER VIVOS ................................ 147
Evasão lícita ...................................................................................... 147
Fato gerador e preservação de conceitos do Direito Privado ................... 147
Isenção relativamente ao Banco do Brasil ............................................ 148
IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS ...................................... 149
Fato gerador. Momento do cálculo. Norma estadual supletiva ................. 149
Estado a que cabe a cobrança do tributo ............................................... 150
Incidência sobre transmissão de jazida ................................................. 153
IMPOSTO ÚNICO SOBRE MINERAIS ..................................................... 154
Voto divergente de Súmula. Recepção ou não de legislação por aspecto
formal ............................................................................................... 154
Súmula n. 140. Imunidade. Lubrificante. Taxa de previdência social.
Similitude com questão recente ........................................................... 156
Súmula n. 91: imposto único vs. imposto de indústrias e profissões,
bem assim taxas ................................................................................ 157
Imposto único, taxa de despacho aduaneiro e imposto de consumo ......... 158
Imposto único e Taxa do Fundo de Investimento Minero-metalúrgico ..... 159
IMPOSTO DE INDÚSTRIAS E PROFISSÕES ........................................... 160
Correlação com o imposto de serviços .................................................. 160
Elemento espacial do fato gerador ....................................................... 160
Isenção heterônoma ........................................................................... 161
Operações realizadas em outros municípios .......................................... 162
Relações comerciais intermunicipais. Falta de norma geral. Eqüidade .... 162
IMPOSTO DE VENDAS, IMPOSTO DE CONSUMO, ETC. ....................... 164
Adicional ao imposto de consumo ........................................................ 164
Configuração de produto industrializado ............................................... 164
Exigência antecipada de tributo. Fato gerador presumido ....................... 167
Fato gerador ...................................................................................... 167
Saída ................................................................................................ 168
Questões diversas .............................................................................. 169
TAXA E PREÇO PÚBLICO ....................................................................... 171
Taxa de melhoramento dos portos ........................................................ 171
Taxa do serviço de retransmissão de imagens e de manutenção de
torre de canais de televisão ................................................................ 172
TAXA DE SEGURANÇA E EXAÇÕES CORRELATAS .............................. 174
REFERÊNCIAS INTERESSANTES RELATIVAS A MANIFESTAÇÕES
DO MINISTRO ALIOMAR BALEEIRO..................................................... 177
Assuntos diversos .............................................................................. 177
Direito Tributário ................................................................................ 187
FRASES .................................................................................................... 193
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 197
APÊNDICE ............................................................................................... 199
ÍNDICE NUMÉRICO ................................................................................ 421
ABREVIATURAS
HERMENÊUTICA
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Ao seu ver, mais importante que o dito por um dispositivo em sua imperfei-
ção literária era o que a Constituição pretendia preservar e o que acontecia na
vida real.
Claro, há que se ter muita prudência e experiência para o correto manejo
desses conceitos, sem perda do sentido da Constituição. Com efeito, aquelas
virtudes sobravam ao Ministro Baleeiro. Veja-se, por exemplo, o seu respeito e o
seu apego à Constituição ao se dirigir ao Ministro Luiz Gallotti: “Sr. Presidente,
os escravos somos dois. E mais ainda: sou o pior, o mais submisso escravo
da Constituição.”8
Admitia que o juiz é legislador para o caso concreto9. Mas, insista-se, não
descurava da prudência: “Em matéria de inconstitucionalidade pode ser utili-
zado discreto e prudente apelo do juiz à analogia.”10
Rejeitava, como magistrado, escrutinar a política legislativa praticada pelo
Congresso Nacional e pelo Governo:
“(...) a política legislativa escapa ao Poder Judiciário.”11
“Pode ser draconiano, mas é lei.”12
“(...) as leis podem ser ruins a nossos olhos e, na consciência
do legislador, boas.”13
“(...) não temos o direito de passar atestado de inépcia ao legis-
lador, cuja política penal não nos é dado rejeitar, mas apenas cum-
prir como nela se contém, ainda que de sua sabedoria discordemos
como simples cidadãos. (...)”14
“(...) aqui tenho dito que, conquanto me pareça, e sempre tenha
parecido, o Supremo Tribunal Federal é um órgão político na mais
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Por outro lado, na falta desses elementos, ao Ministro Baleeiro parecia “que
a nós não é dado penetrar nas intenções do legislador, se ele não as expressa,
para ver quais foram os fins da política legislativa por ele adotada”25.
Em suma, apontava como subsídios importantes para a identificação da
ratio juris da norma: (1) as exposições de motivos dos projetos originados do
Poder Executivo; (2) as justificações, que fazem as vezes das exposições de
motivos nos projetos de iniciativa parlamentar; (3) os pareceres dos relatores nas
comissões parlamentares, pareceres esses que, no mais das vezes, esclarecem o
porquê das redações adotadas e das modificações introduzidas ou não.
O voto proferido no RE n. 58.356/GB foi reafirmado no RE n. 53.812/MG,
Relator o Ministro Aliomar Baleeiro, julgado em 22 de abril de 1968. Neste caso,
o voto do Ministro Baleeiro prevaleceu26.
No RE n. 61.299/SP, Relator o Ministro Oswaldo Trigueiro, julgado em 1º
de março de 1967, o Ministro Baleeiro afirmou que não se pode ressuscitar na
execução da lei norma que constava de emenda parlamentar não aprovada:
“Ora, a lei é o que está na lei.” No mesmo sentido: RE n. 62.015/GB.
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Memória Jurisprudencial
que não se dilata quase. O mito da moeda estável tem sido responsá-
vel pelas maiores iniqüidades na aplicação do Direito.”
Ademais — debateram os Ministros Evandro Lins e Adaucto Cardoso —,
não permitir a retomada de imóvel construído especialmente para um determinado
fundo de comércio (no caso, cinema e teatro), cujo criador é, portanto, o proprietário,
seria negar o direito de propriedade. Ao que arrematou o Ministro Aliomar
Baleeiro: “E aí se daria o locupletamento indébito.”
À unanimidade de votos, o Tribunal manteve a retomada determinada em
sentença de primeiro grau.
No RE n. 65.733/GB, Relator para o acórdão o Ministro Themistocles
Cavalcanti, julgado em 9 de dezembro de 1968, o Ministro Aliomar Baleeiro vol-
tou a enfrentar a relação havida entre Direito e Economia:
“Para mim, o Direito tem uma função puramente ancilar, é mero
auxiliar de outros interesses humanos. Esses interesses são de várias
ordens, sobretudo a ordem econômica e política. Então, não se pode
afastar da interpretação de uma lei o seu conteúdo econômico ou político.
Que o legislador quis proteger, qual foi o fim que ele visou a
amparar? Para mim, o que ele quis, na sua expressão literal e grama-
tical, não é o precípuo. Para mim importa muito mais o que a lei quis,
em que circunstâncias a lei quis isso, para que algo se atingisse. ‘Por
que disse’ e não ‘como disse’.”
Neste último caso — relativo à falta de cumprimento de cláusula
contratual —, o Ministro Aliomar Baleeiro ficou vencido.
Juiz não pode substituir-se à lei ou à autoridade apontada pela lei como
competente
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para dizer a palavra decisiva. Sem ferir a lei, não pode substituir-se
à autoridade pública investida da competência legal, para decidir
como se pode construir de acordo com o poder de polícia em matéria
de edificações urbanas.”
São palavras que demonstram a prudência do Ministro Aliomar Baleeiro.
À unanimidade de votos, o STF reformou o acórdão recorrido.
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Garantias implícitas
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27 Nos debates, o Ministro Baleeiro voltou a referir o “teste de claro e atual perigo” como
mecanismo hábil a evitar o arbítrio judicial em casos tais.
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Liberdade de trabalho
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Ademais, no caso dos autos, o Relator destacou que houve, sim, culpa dos
agentes públicos, “por omissão de medidas idôneas ao funcionamento da
Justiça e até culpa in vigilando das autoridades superiores, por sua passivi-
dade”.
E arrematou:
“(...) Se, desde a lei de 8-6-1865, já se reconhecia direito à
indenização pelo erro judiciário apurado em revista, não há por que
negá-la pela inércia crônica e invencível, que levou Anatole France
a pôr na boca dum personagem de referência a sua ancila: ‘surda
como um saco de carvão e lenta como a justiça’.”
Durante os debates, o Ministro Vilas Boas classificou como “avançada” a
tese do Relator no sentido de que o art. 194 da Constituição também envolveria a
responsabilidade pelas faltas da Justiça, ao que respondeu o Ministro Baleeiro:
“(...) onde o texto não distingue, o juiz não deve distinguir. Não
posso distinguir. Considero o Judiciário como o serviço de vacina-
ção, ou o serviço público de guarda noturna. O cidadão paga para
tê-lo (...).”
O Ministro Vilas Boas defendeu que, para certos serviços, como o de
polícia, há que ser exigida a ocorrência de uma “culpa excessivamente grave”.
O Ministro Pedro Chaves acompanhou o Ministro Vilas Boas, invocando o
chamado “risco processual”, isto é, o risco que pesa sobre os que “ousam” ir a
juízo disputar um direito:
“É por isso que eu digo: quando o recorrente entrou em Juízo
propondo ação de injúria contra o jornalista, ele correu esse risco
que estava pesando sobre todos os brasileiros que ousassem ir a
Juízo disputar algum direito nos termos dessa lei processual. É o cha-
mado risco processual, conhecido de todos os tratadistas da matéria.
(...) eu lhe neguei provimento, por achar que não havia relação
de causalidade entre o dano sofrido por ele e o ato omissivo do fun-
cionário, porque a causa imediata do dano que ele sofreu foi o pró-
prio risco processual, a que se sujeitou com a propositura do processo.”
O Relator ficou vencido, prevalecendo — a teor da Ementa do julgado —
o entendimento de que:
“A atividade jurisdicional do Estado, manifestação de sua so-
berania, só pode gerar a responsabilidade civil quando efetuada
com culpa, em detrimento dos preceitos legais reguladores da espécie.”
Lavrou o acórdão o Ministro Vilas Boas.
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vida política brasileira, uma natureza social de maior urgência”. Fez, então,
minucioso histórico da legislação sobre inquilinato e apontou: “O Supremo Tribunal
Federal tem entendido que esta matéria está dentro da nova concepção da
propriedade como função social.” Enfim, sustentou que o Decreto-Lei em
causa não foi impugnado no Congresso. Tornou-se um ato legislativo, não mais
sendo possível “a qualquer outro Poder, mesmo o Judiciário, dizer que tal lei
é inválida pela sua origem”. E arrematou:
“Se o Senado e a Câmara podem legislar sobre inquilinato —
ninguém o contesta —, podem também fazê-lo indiretamente, apro-
vando um decreto-lei que o fez sob o título de urgência, segurança
nacional, etc.”
O Ministro Baleeiro abriu o seu voto afirmando que não contestava as
teses ou fatos que o Procurador-Geral da República trouxe como informação ao
Tribunal.
Reconheceu que a Câmara e o Senado silenciaram sobre o Decreto-Lei
em questão. Lembrou que alguns interpretaram esse silêncio como concordância,
outros como desaprovação. Mas descartou tais considerações: “Não me cabe,
Sr. Presidente, psicanalisar os eminentes representantes da Nação.”
Destacou que não entraria na apreciação da justiça da lei e citou lição de
D’Argentré: “não julgo a lei, julgo segundo a lei”38.
Não desconhecia que o Decreto-Lei não foi invocado pelas partes. No en-
tanto, lembrou que foi o próprio legislador quem expressamente desejou que o
Decreto-Lei questionado fosse aplicável aos casos sub judice, “se constitucional”.
Passou, então, aos dois problemas que enfrentou em seu voto: (1) a possi-
bilidade de tratar em decreto-lei sobre a purgação da mora nas locações comer-
ciais; (2) a força retroativa do Decreto-Lei n. 322, de 1967, abrangendo relações
constituídas antes da expedição da decretação de urgência atacada.
Primeiro problema. Não escrutinou a configuração ou não dos pressu-
postos constitucionais à edição de decreto-lei:
“Não me parece duvidoso que a apreciação da ‘urgência’ ou do
‘interesse público relevante’ assume caráter político — é urgente ou
relevante o que o Presidente entender como tal, ressalvado que o
Congresso pode chegar a julgamento de valor contrário, para rejeitar
o decreto-lei. Destarte, não pode haver revisão judicial desses dois
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ela se reporta àqueles conceitos de Direito Privado: quando ela se refere a conceitos de
Direito Penal, também se reporta àqueles conceitos já consagrados no País, se por
acaso não lhes emprestou outros.” E concluiu relativamente ao caso concreto: “No caso
concreto, creio que o crime de contrabando ou ataque a bancos, se foi praticado sem
um móvel político, por meliantes comuns com passado criminoso, etc., (...), não pode, à
luz da Constituição, ser julgado pela Justiça Militar. Até degrada a Justiça Militar, que
foi instituída exclusivamente para delitos militares ou de civis que prejudiquem insti-
tuições militares, ou para casos de crimes políticos, como tais definidos, naquelas
hipóteses a que a Constituição se refere.” O referido voto vencido guarda coerência com
o proferido pelo Ministro Baleeiro no RE n. 62.731/GB, no que toca à interpretação
restritiva e sistemática do conceito de segurança nacional.
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41 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Medida provisória e a sua conversão em lei.
A Emenda Constitucional n. 32 e o papel do Congresso Nacional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. pp. 128, 156-163, 230-235 e 284-293.
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entanto, o voto do Ministro Leitão de Abreu, que deixava de lado esse problema
e reconhecia haver harmonia entre o CTN e o decreto-lei objeto do caso concreto.
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Ex nunc
45 Norma hoje constante do art. 327 do CPC: “O juiz só decidirá por eqüidade nos casos
previstos em lei.”
46 A norma constante do art. 920 do Código Civil de 1916 consta, hoje, do art. 412 do
Código Civil de 2002: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode
exceder o da obrigação principal.”
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53 Por exemplo, a ADI n. 493/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, julgada em 25 de junho
de 1992 (modificação do índice de correção das prestações de imóveis financiados) e o RE
n. 226.855/RS, Relator o Ministro Moreira Alves, julgado em 31 de agosto de 2000 (corre-
ção das contas de FGTS em face da sucessão de planos econômicos).
54 No mesmo sentido, quanto à posição dos atos complementares no sistema de fontes
do Direito brasileiro de então, vide o voto do Ministro Aliomar Baleeiro no RE n. 68.661/MG,
Relator o Ministro Luiz Gallotti, julgado em 3 de dezembro de 1969.
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62 “Art. 481. (...) Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não subme-
terão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando
já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão.” (Acrescentado pela Lei n. 9.756, de 17 de dezembro de 1998.)
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absolutamente imprópria para ser dirigida contra um dos órgãos dos Pode-
res da República”.
No entanto, considerando que o Procurador-Geral da República assumira
a autoria da reclamação, conheceu como representação.
Terceiro, no mérito, o Ministro Baleeiro votou vencido. Sustentou a possi-
bilidade de o Senado Federal “suspender e rever o seu ato e fazê-lo a qual-
quer tempo”. Lembrou hipótese manejada pelo Ministro Victor Nunes, qual seja,
o Senado Federal poderia chegar à conclusão de que mais convém aguardar uma
mudança de composição do STF quando a margem de votação foi mínima,
“como poderia, também, preferir o processo de emenda constitucional” para
superar a jurisprudência firmada pelo Tribunal.
Deu, ainda, exemplo fundado na História constitucional norte-americana,
qual seja, um Estado-Membro, profundamente conturbado por um problema polí-
tico como aquele havido no sul dos Estados Unidos em 1860. Sobrevém, então,
uma decisão judicial, como a do célebre case Dred Scott vs. Sanford 64,
provocada por um ou dois indivíduos, enquanto todos os demais querem cumprir
a lei: “Isso pode provocar tamanha irritação no Estado, que o leve a tomar
de armas, como lá aconteceu, em parte, por efeito do acórdão sobre Dred
Scott.”
Concluiu, então, que o Senado não está preso à disciplina jurídica, às for-
mas de direito, e poderia, sim, optar por critérios políticos e “preferir ‘suspender
a sua suspensão’, para parodiar Pontes de Miranda, e evitar um mal maior
para o País.”
E concluiu:
“A Constituição não é, apenas, um Oráculo de Delfos em matéria
de ordem jurídica. Ela é para fazer andar o País; não é para fazer
parar a vida do País.”
A resolução impugnada foi declarada inconstitucional.
Enfim, vale registrar, o Ministro Baleeiro reconhecia a inconstitucionalidade
da legislação objeto da suspensão senatorial, apenas ressalvava a possibilidade
de o Senado Federal querer reformar a sua decisão de suspensão, conforme
afirmou em seus votos dos seguintes julgados: RMS n. 17.049/SP, Relator o Ministro
Adalicio Nogueira, julgado em 19 de setembro de 1967, RMS n. 17.113/SP, Relator
o Ministro Adaucto Cardoso, julgado em 17 de outubro de 1967, RMS n. 17.310/SP,
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Também não tenho dúvida alguma de que a pena com que foi
escrita essa reforma da Constituição da Guanabara devia estar muito
grossa e rombuda.
Mas, por outro lado, a pena que escreveu a Constituição de
1967, pelo menos na parte literária, também estava muito maltratada
e enferrujada.”77
Como que antevendo tempos futuros, advertia contra a vulgarização do
controle concentrado e em abstrato:
“Se a prática se generalizasse e o STF tivesse de espancar as
dúvidas sobre a constitucionalidade dos milhares de leis e decretos
expedidos cada ano pela fecundidade legiferante das instituições
atuais, nenhum tempo lhe sobraria para o exercício de outras atribui-
ções. Não se pode transformar em rotina o que foi concebido como
remédio heróico para os casos graves de exceção. (...)”78
Enfim, importa coligir alguns dos julgados de que tomou parte o Ministro
Baleeiro, em que problemas pertinentes ao controle concentrado e em abstrato
foram por ele enfrentados.
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E arrematou:
“Sou daqueles, Sr. Presidente, que levam muito em conta a ratio
iuris — o fim inspirador da lei ou por ela alvejado. A letra da lei não
é tudo. É impossível que o legislador quisesse limitar o recurso extraor-
dinário a essa hipótese, muito rara, de um Tribunal local, ou mesmo
de um Tribunal Federal de instância inferior, negar vigência à lei
federal. (...)
Acredito também que, mais importante do que a Constituição
literária, essa que foi impressa no ‘Diário Oficial’, num papel muito
ordinário e até com pleonasmos, é a Constituição viva, aquela que foi
constituída pelo Supremo Tribunal, pelo Congresso Nacional, pelo
Presidente da República, pelo cidadão na rua, adquirindo maior
elasticidade, maior sobrevivência. E só isso explica que, em outros
países, velhos textos do século XVIII ainda vigorem, assim como anti-
gos códigos, de 150 anos, ainda resolvam problemas ligados à
tecnologia, à ciência, a todas as forças dominadas pelo homem na
época em que vivemos.”82
Na Representação n. 861/MG, Relator o Ministro Oswaldo Trigueiro,
julgada em 23 de agosto de 1972, o Ministro Baleeiro ressentiu-se de não haver
maior debate — uma crítica plural — sobre trabalhos do STF:
“(...) Se há uma coisa em que falhamos é não termos provocado,
dos juristas, das universidades, das Ordens de Advogados e dos ci-
dadãos, uma crítica permanente às nossas opiniões e aos nossos tra-
balhos.”
Vale destacar a atualidade da lição do Ministro Aliomar Baleeiro, compreen-
dendo o texto constitucional de modo plural. É o que defende doutrina recente83.
Uma última observação: a alínea a do inciso III do art. 114 da Constituição
de 1967 encontra correlação com as alíneas a (“contrariar dispositivo desta
Constituição”) e b (“declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei fe-
deral”) do inciso III do art. 102 da Constituição de 1988. A diferença é que, na
Constituição vigente, a alínea b requer expressa declaração de inconstitucionali-
dade para a interposição do recurso extraordinário84. Ademais, a jurisprudência
82 Grifo no original.
83 A propósito, vide HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Tradução de Gilmar
Ferreira Mendes, Porto Alegre: Fabris, 1997.
84 RE n. 294.361/SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão, julgado em 6 de novembro de 2001.
84
Ministro Aliomar Baleeiro
“Negar vigência”
85
Memória Jurisprudencial
Questões diversas
86 O recurso tratava da partilha decorrente da morte do cônjuge varão em casal que não
tinha filhos. Metade tocou à viúva, a outra aos ascendentes do de cujus. Um ano depois,
foi reconhecida filha em ação de paternidade. Partindo do pressuposto de que o direito da
menor era receber a metade da herança paterna que havia sido adjudicada aos ascenden-
tes do de cujus, e que — por um princípio de economia — não se deveria obrigar a viúva
a fazer nova partilha e novo registro (“Ela nem reside mais na comarca e ninguém iria
indenizá-la das despesas por isso.”), conheceu e proveu o recurso para que ficasse
intacta a parte da meação da viúva e para que a parte dos ascendentes fosse aquinhoada
à “filha natural”.
86
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
DIREITO ADMINISTRATIVO
88
Ministro Aliomar Baleeiro
isonomia “nem o de que a educação é direito de todos, que deve ser entendido
dentro das possibilidades materiais e técnicas do Estado”. Concluiu:
“(...) Insuficientes as redes de ensino estadual, há de adotar-se
critério seletivo e não se mostra ilegal o da Resolução impugnada.
Resta ao Impetrante apelar para o ensino supletivo instituído para
sua faixa etária com facilidades fechadas aos adolescentes.”
O Ministro Baleeiro votou no mesmo sentido no RE n. 78.669/SP e no RE
n. 78.734/SP.
89
Memória Jurisprudencial
88 Voltou a referir, nos ERE n. 52.886/SP, Relator o Ministro Aliomar Baleeiro, julgados em
9 de abril de 1969, que a Súmula n. 345 necessitava de reforma. No entanto, os embargos
não foram conhecidos por questões processuais.
89 Como se verá logo adiante, a decisão foi modificada em grau de embargos.
90
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
93
Memória Jurisprudencial
92 Vale destacar a amplitude com que defendia a correção monetária: “Acho que, mesmo
nas obrigações ex delicto, nós deveríamos, em todos os casos de responsabilidade civil
não contratual, admitir a correção monetária. Ora, já enunciei aqui o meu ponto de
vista de que a Nação só me pode exigir dois sacrifícios: o do imposto e o do serviço
militar. Fora disso, deve indenizar todos os males que suscitar ou que forem dirigidos
contra ela e eu sofrer as conseqüências.”
93 “(...) Quanto ao mérito, conquanto a letra da Constituição permita a inteligência
dada pelo ilustre Ministro Victor Nunes de que só se reserva à União aquele processo
de desapropriação mediante títulos, todavia, acho que a função política do Supremo
Tribunal Federal, no caso, e numa matéria essencialmente, dramaticamente política
como esta, aconselha uma construção, e essa construção, a meu ver, no interesse nacio-
nal, é no sentido da Constituição de reservar-se para o Congresso Nacional e para o
Presidente da República a estruturação da política da terra. A experiência brasileira,
nos últimos anos, mostrou que há uma tragédia muito grande por causa dos planos
locais e das agitações regionais em matéria de reforma agrária.” E prosseguiu ao
debater com o Ministro Victor Nunes: “Quem viajou pelo interior do Brasil, em 1963 e
1964, já teve oportunidade de ver essa gente armada de metralhadoras em defesa de sua
terra. (...)” (excertos do voto vencido do Ministro Aliomar Baleeiro na Representação n.
718/RN, Relator o Ministro Gonçalves de Oliveira, julgada em 22 de agosto de 1968).
94
Ministro Aliomar Baleeiro
que fez passar essa emenda era que, por um processo de desapropria-
ção, pudesse estender-se a propriedade ao maior número de brasilei-
ros. O pagamento seria justo e em dinheiro, não em títulos. Mas a
tributação seria progressiva e graduada, pessoal, pela capacidade
econômica do contribuinte, segundo o artigo 202 daquele Estatuto
Político. Os mais ricos pagariam mais. Era um processo de, lentamente,
na história, fazer a erosão da classe poderosa opulenta e disseminar
a propriedade. Era uma Constituinte em que havia dezesseis comu-
nistas, alguns socialistas, poucos milionários e enorme número da
classe média. Todos sentiam a questão social como fator inevitável e,
então, queriam uma forma progressiva, evolutiva, que evitasse a
‘catástrofe’ no sentido marxista.”
O Ministro Baleeiro entendeu não ser dado ao Município fazer uma “desa-
propriação com fins redistributivos, porque seria ferir a sistemática da Cons-
tituição”. Sustentou que, para tanto, seria necessário um “plano nacional geral,
para todo o País, não para uma área pequena”94.
95
Memória Jurisprudencial
96
Ministro Aliomar Baleeiro
Reforma agrária
97
Memória Jurisprudencial
não se verificava, na espécie dos autos, caso fortuito. Sustentou que os veículos
pertencentes à União deveriam estar sujeitos a inspeção contínua. Ademais, o
evento “aconteceu dentro do perímetro urbano, em que o veículo não pode
correr mais do que a velocidade determinada pela Lei do Trânsito”.
Chegou a essa conclusão após sustentar que não estava a apreciar prova,
mas, sim, a classificar fato no Direito.
O Ministro Baleeiro adiantou, ainda, o seu entendimento no mérito. Vale
transcrever o excerto essencial, pela sua atualidade (com ares de inovação àquele
tempo):
“A meu ver, a União responde pela colisão, dividindo-se as cul-
pas, se for o caso. Ainda quando não fique provada a responsabili-
dade pessoal ou individual do motorista, ela responde pela qualidade
e pela conservação de seu equipamento.”
Interpretando o art. 194 da Constituição de 1946 (“As pessoas jurídicas
de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os
seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.”) e não obstante a
resistência da doutrina e da jurisprudência brasileiras de então, o Ministro Baleeiro
afirmou:
“(...) eu me inclino a admitir aquilo que os franceses chamam
de ‘responsabilité du faits des choses’ — responsabilidade inerente à
coisa. Quem se utilizou em seu proveito, em sua conveniência, ou em
seu prazer, de alguma coisa suscetível de perigos e danos, deve pa-
gar por isso. (...)”
No mérito, o Recurso Extraordinário foi provido à unanimidade, para reco-
nhecimento da responsabilidade exclusiva da União pelo evento.
No mesmo sentido foi o voto do Ministro Baleeiro no RE n. 61.387/SP,
Relator o Ministro Evandro Lins, julgado em 29 de maio de 1968, ao acompanhar
o Ministro Themistocles Cavalcanti, Relator para o acórdão.
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Ministro Aliomar Baleeiro
Serviço público
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Memória Jurisprudencial
FEDERALISMO
Princípio da simetria
97 “Os Estados reformarão suas Constituições dentro em sessenta dias, para adaptá-
las, no que couber, às normas desta Constituição, as quais, findo esse prazo, conside-
rar-se-ão incorporadas automaticamente às cartas estaduais.”
98 “As disposições constantes desta Constituição ficam incorporadas, no que couber,
no Direito Constitucional legislado dos Estados.”
99 Sobre o princípio da simetria, inclusive defendendo a sua permanência na Constituição
de 1988, vide Nelson Oscar de Souza, Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. pp. 114 a 117.
100 “O Presidente tomará posse em sessão do Congresso Nacional e, se este não estiver
reunido, perante o Supremo Tribunal Federal (...)”
100
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
102 Grifamos.
103 Prosseguiu: “Cada contribuinte faz um plano para um ano, mas pode ser surpreen-
dido e ter um prejuízo que seria sua ruína, com impostos não previstos no orçamento.
Por outro lado, a coletividade quer conceder os tributos em função dessa despesa
global correspondente a específicos serviços públicos programados para o ano ime-
diato.” Vale referir, ainda, a explicação do Ministro Baleeiro constante dos ERE n. 61.474/
SP, de sua relatoria, julgados em 11 de dezembro de 1968. Contou que a mens legislatoris
do princípio da anualidade foi “no sentido de que a exigência de tributo era condicionada
104
Ministro Aliomar Baleeiro
105
Memória Jurisprudencial
Ainda hoje, sob texto constitucional que não mais impõe simetria aos
Estados, vez ou outra são proferidas decisões judiciais, como que por inércia,
declarando a inconstitucionalidade de dispositivos constitucionais estaduais ao
argumento de que se afastam do paradigma federal.
Outros casos em que o Ministro Baleeiro votou vencido afastando a sime-
tria: Representação n. 770/GB, Relator o Ministro Djaci Falcão, julgada em 26 de
fevereiro de 1969 (sobre reorganização do Ministério Público estadual e da Pro-
curadoria-Geral do Estado); Representação n. 796/SP, Relator o Ministro Adaucto
Cardoso, julgada em 10 de junho de 1970 (sobre a participação da Assembléia
Legislativa na escolha de Reitor de Universidade estadual)105; Representação n.
824/ES, Relator o Ministro Djaci Falcão, julgada em 10 de junho de 1970.
105 Sustentou o Ministro Baleeiro neste feito: “Diante de duas interpretações perfeita-
mente possíveis (...) prefiro a que resguarda o princípio fundamental da Constituição,
que é o da existência de um regime federativo neste País.”
106
Ministro Aliomar Baleeiro
107
Memória Jurisprudencial
106 Cf. art. 15, II, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional n. 1,
de 1969. A Constituição de 1988 afirma competir aos municípios “legislar sobre assuntos
de interesse local” (art. 30, I).
107 Por exemplo, o RE n. 118.363/PR, Relator o Ministro Célio Borja, julgado em 26 de
junho de 1990.
108
Ministro Aliomar Baleeiro
matéria sob a ótica do “peculiar interesse local”. Ainda que não o tenha reconhe-
cido nos julgados referidos (fixação de horário bancário em lei municipal), a ele
dedicou atenção, o que, lamentavelmente, pouco se faz hoje em dia, seja na dou-
trina, seja na jurisprudência. Mesmo sob uma Constituição democrática, a auto-
nomia municipal — bem assim a estadual — segue “metida num colete de
aço”. 108
É curioso observar que a expressão utilizada pelo Ministro Baleeiro —
“peculiar interesse local” — conjugava a expressão do constitucionalismo preté-
rito com a do atual. Vaticinava. De toda sorte, infelizmente, a dimensão do muni-
cípio há muito foi perdida por um progressivo amesquinhamento da autonomia
municipal109.
Também sobre autonomia municipal, com importantes considerações do
Ministro Baleeiro: RMS n. 13.270/SP e RMS n. 13.822/SP, ambos relatados pelo
Ministro Aliomar Baleeiro e julgados em 18 de agosto de 1966.
Enfim, vale destacar que o Ministro Baleeiro, já sob a Constituição de
1967, defendia: “o município não é criatura do Estado, porque sua criação e
autonomia decorrem da própria Constituição Federal”. (RE n. 77.817/SP,
Relator o Ministro Aliomar Baleeiro, julgado em 7 de maio de 1974)
108 Sobre peculiar interesse, vale conferir obra clássica: LEAL, Victor Nunes.
Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. pp. 79 a 126.
109 Na Representação n. 654/BA, Relator o Ministro Vilas Boas, julgada em 14 de abril de
1966, o Ministro Baleeiro reconheceu que a competência decorrente do peculiar interesse
é limitada: “Mas a verdade é que o nosso município tem apenas aquela competência
limitada que está na Constituição de 1891, ‘autonomia em relação ao seu peculiar
interesse’. Esse ‘peculiar interesse’, é indefinível e cada lei orgânica estende para mais
ou para menos. Em regra, o mais forte, o Estado, leva sempre vantagem...” A lei orgânica
referida era estadual: dos Estados para os municípios. Havia exceções: sob a Constituição
de 1967, os municípios gaúchos, bem assim os de Curitiba e Salvador já elaboravam as
suas próprias leis orgânicas (ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na
Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 113).
109
Memória Jurisprudencial
O Ministro Baleeiro afirmou que admitia a taxa federal nos casos em que
se tratasse de controle levado a efeito sobretudo no interesse do comércio inte-
restadual ou internacional, como, por exemplo, o controle sanitário, higiênico ou
da eficiência industrial. Lembrou, ainda, que a Constituição reservava — e reserva —
à União, o controle do comércio interestadual e internacional110.
A seguir, esclareceu sobre quando haveria peculiar interesse municipal:
“(...) O que se ressalva ao município é seu controle, de caráter
local, quando as carnes se destinam única e exclusivamente ao con-
sumo local, quer quanto ao comércio, quer quanto à industrialização
dessas carnes na área urbana ou suburbana, inclusive nos açou-
gues, veículos, etc., porque, então, há ‘peculiar interesse’ dos municí-
pios.”
No RE n. 62.830/MG, julgado em 8 de abril de 1969, relativo à mesma
espécie de exação, o Ministro Aliomar Baleeiro, Relator, reafirmou a supremacia
do Direito Federal sobre o local quando União e Estado, ou ela e município, forem
igualmente competentes para um só serviço. Sustentou, ainda, que “o peculiar
interesse não serve de capa para reinspecionar à entrada o que já foi ins-
pecionado e certificado em boas condições sanitárias, numa duplicação de
serviços que não disfarça a gula tributária”.111
Também sobre taxa de matadouro e decidido no mesmo sentido: ERE n.
62.800/MG, Relator o Ministro Aliomar Baleeiro, julgados em 8 de novembro de
1973.
110 Constituição de 1946, art. 5º, XV, k, e Constituição de 1988, art. 22, VII.
111 Confirmado em grau de embargos: ERE n. 62.830/MG, Relator o Ministro Eloy da
Rocha, julgados em 14 de dezembro de 1972.
110
Ministro Aliomar Baleeiro
MANDADO DE SEGURANÇA
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
PROCESSO LEGISLATIVO
Lobby
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Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
DIREITO PENAL
Detração
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SEGUNDA PARTE
Direito Tributário
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CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA
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Memória Jurisprudencial
CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS
Natureza tributária
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
119 A Constituição de 1988 confere, expressamente, em seu art. 149, § 1°, competência aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a instituição de contribuição, cobrada
de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime de previdência de que
trata o art. 40 do texto constitucional.
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Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
Supreme Court, lavrado pelo Chief Justice John Marshall, McCulloch vs.
Maryland, justamente relativo a uma instituição financeira federal. O precedente
sustenta que o poder de tributar envolve o poder de destruir, em razão do que não
podem os entes federados tributarem-se reciprocamente122.
Vale referir as seguintes palavras do Ministro Baleeiro:
“(...) que quis a Constituição, quando estabeleceu o princípio
da imunidade recíproca? De certo, a preservação do funcionamento
de uma das unidades do sistema federativo. A União não pode ser
embaraçada no funcionamento dos seus serviços públicos, no exercício
das suas atribuições, por um tributo do Estado. Reciprocamente, o
Estado também não pode ser embaraçado por um tributo federal.
Quem pode tributar um pode tributar cem. Se a União pode tributar
um por cento, pode tributar cem, como tributa, às vezes, trezentos por
cento. É um meio eficaz para destruir a sobrevivência de outra esfera
de governo.”
Daí a conclusão que deu à espécie dos autos:
“(...) Pouco importa que a lei número tal, de 58, tenha dito que
contribuinte de iure é o produtor. O que importa, no caso, é o contri-
buinte de facto, a fim de assegurar-se objetivo da Constituição. É ele
quem vai suportar, no seu patrimônio, o desfalque que representa o
imposto de consumo.”
Por outro lado, no RE n. 68.344/SP, Relator o Ministro Barros Monteiro,
julgado em 13 de novembro de 1969, o Ministro Aliomar Baleeiro havia cogitado
ressalvar os casos em que a entidade pública é a vendedora e, portanto, ela
própria o contribuinte de direito que repassa o ônus do tributo a terceiro (“reper-
cussão”). No caso vertente, tratava-se do Serviço Funerário do Município de São
Paulo:
135
Memória Jurisprudencial
123 Durante os debates, disse, ainda, o Ministro Baleeiro: “não se pode criar uma ficção
de direito de que quem vai suportar determinado tributo é o contribuinte de iure, quan-
do, na realidade, vai ser o contribuinte de fato, se, com isso, anula-se imunidade fiscal
recíproca”.
124 O Ministro Luiz Gallotti, então, indagou: “o município não poderá cobrar imposto
predial sobre o imóvel de um particular alugado a uma entidade estadual ou federal?”
A indagação remete à dificuldade de distinguir tributos diretos e indiretos. Ora, o IPTU é
tributo direto por excelência, mas é perfeitamente possível considerá-lo quando da fixação
do valor do aluguel (e, portanto, repercuti-lo). Ademais, não é raro o IPTU constar — de
modo discriminado — da conta do aluguel. Seja como for, essa compreensão das coisas
consta do próprio exemplo dado pelo Ministro Aliomar Baleeiro ao fazer a ressalva aludida.
136
Ministro Aliomar Baleeiro
137
Memória Jurisprudencial
127 O julgado em causa, que envolveu interesse da Petrobrás, foi muitíssimo discutido.
Nos debates, há diversas intervenções do Ministro Baleeiro.
138
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
128 Referência a David Ricardo e à sua explicação da especulação imobiliária, mais adiante
examinada no mesmo voto do Ministro Aliomar Baleeiro: “Nas cidades, a princípio,
todos querem o centro. Depois, vão aceitando os lotes mais distantes e assim sucessiva-
mente. Os proprietários dos lotes bons, pela situação, existência de serviços públicos,
proximidade em relação ao comércio, escolas, transportes, etc., gozam de um
oligopólio — ou mercado de pouquíssimos vendedores —, e assim podem impor preços
cada vez maiores. Eles se locupletam com o crescimento demográfico, que agrava a
procura das habitações, e com a expansão dos serviços públicos, que melhoram os
bairros novos.” Daí a contribuição de melhoria, mencionou, a seguir, o Ministro Baleeiro.
Voltou a discorrer sobre especulação imobiliária no RE n. 77.991/SP, de que foi Relator,
julgado em 16 de abril de 1974.
144
Ministro Aliomar Baleeiro
Insistiu, uma vez mais, citando o Ministro Victor Nunes, que “o adicional
de Americana pode ser injusto talvez, mas não é inconstitucional”. Quanto à
“justiça”, afirmou:
“A justiça é uma idéia-força, no sentido de Fouillé, mas varia
no tempo e no espaço, senão de indivíduo. Fixa-a o legislador e o
juiz há de aceitá-la como um autômato. Inúmeros acórdãos do Supre-
mo Tribunal Federal declaram que lhe não é lícito corrigir a justiça
intrínseca em lei, substituindo-se às escolhas do legislador.”
Com isso, defendeu, repele-se o imposto evidentemente confiscatório, o
que não seria o caso da legislação de Americana, que não seria “nem mesmo
drástica ou exagerada”. As alíquotas praticadas pela municipalidade em causa
variavam, em seis faixas, de 1% a 1,6%. Poderia ter adotado uma única alíquota,
inclusive maior, por exemplo, de 2%.
Relevou, a seguir, a distinção entre tributos reais e pessoais:
“Não há imposto sobre a coisa, mas imposto sobre a coisa por-
que alguém ganhou a coisa, vendeu-a, importou-a, exportou-a, con-
tratou-a, ou dela é dono ou possuidor. Se o imposto é calculado obje-
tivamente pela coisa, sem considerar o contribuinte, temos tributo
real. Se é considerado o contribuinte, por suas condições individuais,
temos tributo pessoal. Qualquer tributo pode ser personalizado, e
Vauthier, há um século, escreveu um livro para provar que todo im-
posto pode ser cobrado em base progressiva (L. V. VAUTHIER, ‘De
L’Impôt Progressif, étude sur l’application de ce mode de prélèvement
à un impôt quelconque’ (Paris, 1851).”
Concluiu que o adicional era um bis in idem sobre o imposto territorial
urbano, legítimo, portanto, e “que não se confunde com a inconstitucional
bitributação, essa caracterizada pela concorrência de governos diversos,
um dos quais apenas será o competente”129.
145
Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
Evasão lícita
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
149
Memória Jurisprudencial
131 Vide, a propósito, o tópico “Elementos úteis para identificação da mens legislaroris”
do Capítulo “Hermenêutica”.
150
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
133 Grifamos.
134 Grifo no original.
153
Memória Jurisprudencial
154
Ministro Aliomar Baleeiro
A questão levantada pelo Ministro Baleeiro cingia-se aos minerais nos fa-
tos sujeitos ao imposto único a teor do art. 15, inciso III e § 2º, da Constituição de
1946.
Com efeito, o inciso I do art. 4º do CTN veio a pontuar que
“A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo
fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para quali-
ficá-la: (...) a denominação e as demais características formais ado-
tadas pela lei;”
Nisso estavam de acordo os Ministros Victor Nunes e Aliomar Baleeiro.
Ainda assim, na questão de fundo, prevaleceu a jurisprudência já firmada no seio
do STF.
O caso é curioso. Trata-se, também, de saber se acaso houve ou não a
recepção de uma legislação anterior cuja competência legislativa passou a ser
somente da União.
Em princípio, somente incompatibilidades materiais determinam a não-re-
cepção da legislação anterior. Aspectos formais, em regra, não obstam a recep-
ção, de modo a não haver vazio legislativo.
Em última análise, o Ministro Baleeiro defendeu a cessação imediata da
competência legislativa dos Estados e Municípios no que toca à tributação de
minerais. Havia, no caso, uma possível e razoável exceção à regra da ocorrência
da recepção independentemente de elementos formais. Com efeito, o fundamento
constitucional para o exercício da competência tributária por parte dos Estados e
Municípios juridicamente deixou de existir, passando, em sua integralidade, à
União.
Em seu voto — vencido — como Relator no RE n. 47.211/SP, julgado em
23 de agosto de 1966, o Ministro Baleeiro fez minuciosa resenha da matéria. Na
mesma assentada também ficou vencido no RMS n. 16.319/MG. Ambos os
acórdãos foram lavrados pelo Ministro Adalicio Nogueira.
No RE n. 45.032/MG e nos ERE n. 37.798/MG, a incidência da taxa de
recuperação econômica de Minas Gerais foi reputada inconstitucional (por
adentrar no âmbito de tributo de outro ente federado).
No mesmo sentido foi a decisão proferida no RE n. 68.636/GB, Relator o
Ministro Antonio Neder, julgado em 18 de março de 1975. Em seu voto, o Ministro
Aliomar Baleeiro chamou de “paralogismo terrível” a jurisprudência do STF
que admitiu a cobrança estadual enquanto a União não legislasse sobre o imposto
único de sua competência. E contou: “A coisa foi de tal ordem que, quando se
redigiu o projeto do Código Tributário, o que se fez primeiro foi colocar um
artigo que acabasse com aquela interpretação.”
155
Memória Jurisprudencial
156
Ministro Aliomar Baleeiro
137 “À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153,
I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica,
serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.”
(cf. redação da Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993).
138 Grifamos.
157
Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
Isenção heterônoma
161
Memória Jurisprudencial
139 Há duas exceções a esta regra na Constituição de 1988: o art. 155, § 2º, XII, e (ICMS),
e o art. 156, § 3º, II (ISS).
140 É o que defende, por exemplo, José Souto Maior Borges (Isenções em tratados inter-
nacionais de impostos dos Estados-Membros e Municípios in Estudos em homenagem a
Geraldo Ataliba, vol. 1, São Paulo: Malheiros, 1997. pp. 177 e 178). A propósito, vide o
voto do Ministro Nelson Jobim na ADI n. 1.600/UF, Relator o Ministro Sydney Sanches,
julgada em 26 de novembro de 2001.
162
Ministro Aliomar Baleeiro
141 Norma hoje constante do art. 327 do Código de Processo Civil: “O juiz só decidirá por
eqüidade nos casos previstos em lei.”
142 No RE n. 74.762/SP, julgado em 18 de junho de 1973, o Ministro Aliomar Baleeiro,
Relator, cogitou aplicar o mesmo entendimento: “É verdade que o juiz não pode corrigir
a iniqüidade da lei fora dos casos de eqüidade ou interpretação razoável. Mas é verdade
também que o Código Tributário Nacional admite expressamente a eqüidade (art. 108,
IV), que, no caso, poderia ser a dispensa do acréscimo, segundo precedentes do Supre-
mo Tribunal Federal.” Estava a se referir a acréscimos excessivos em dívidas para com a
Fazenda Pública. Sugeriu, então: “Se os nobres juízes assim pensarem, de acordo com o
art. 114 do Código de Processo Civil, darei provimento em parte, por eqüidade, para
cancelamento do acréscimo nas certidões de fls. 114 a 124. Se as dívidas já estão
oneradas de multa superior ao imposto — mais de 100%, portanto —, acho extorsivo o
acréscimo de 50% sobre o total, ou seja, outros 100% sobre o tributo.” A sugestão não
foi acolhida.
143 Em outras palavras, uma declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de
texto. Vide, a propósito, o tópico “Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redu-
ção de texto” do Capítulo “Controle Concentrado e em Abstrato de Constitucionalidade”.
163
Memória Jurisprudencial
164
Ministro Aliomar Baleeiro
Sustentou mais:
“(...) o conceito de produtos industrializados (...) tanto pode ser
jurídico, porque resultante da definição ou enumeração legal, quanto
apenas tecnológico ou econômico. A lei poderá reputar ‘industriali-
zado’ produto que a tecnologia não considera como tal. Mas o legis-
lador ordinário não pode negar a condição de ‘industrializado’ à
mercadoria que, do ponto de vista tecnológico, deve ser considerada
dessa maneira. As palavras, na Constituição, têm o sentido que ge-
ralmente o povo lhes dá.”
Disse, ainda, que, na legislação tributária brasileira, “o conceito jurídico
de industrialização é mais largo do que o conceito tecnológico dessa ope-
ração econômica”.
O Ministro Baleeiro destacou que, no caso, tinha-se uma piscicultura alta-
mente especializada e requintada, que ia desde a pesca selecionada e a recriação
dos peixes até o especial acondicionamento dos exemplares — manutenção de
temperatura ideal, adição de oxigênio, acréscimo de tranqüilizante, medidas essas
necessárias à exportação —, o que configurava, sim, industrialização e, portanto,
imunidade.
No RE n. 74.893/RS, Relator o Ministro Aliomar Baleeiro, julgado em 27
de abril de 1973, o Tribunal reconheceu a imunidade do fumo em folha para
exportação, porque — na medida em que ele é destalado, fermentado, esterilizado
e acondicionado — configura, sim, produto industrializado. Lembrou, uma vez
mais, que a imunidade em causa é self enforcing. Registrou, ainda, lembrança
da sentença: o caso é análogo ao RE n. 67.993/SP, Relator o Ministro Amaral
Santos, julgado em 16 de setembro de 1969, em que foi reconhecida a imunidade
do chá em folhas para exportação. No mesmo sentido foi o voto do Ministro
Baleeiro no RE n. 77.328/RS, Relator o Ministro Xavier de Albuquerque, julgado
em 6 de março de 1975 (o Relator ficou vencido, tendo sido lavrado o acórdão
pelo Ministro Rodrigues Alckmin).
No RE n. 73.655/PR, Relator o Ministro Bilac Pinto, julgado em 7 de junho
de 1973, o Ministro Aliomar Baleeiro votou vencido quanto à configuração do
algodão em plumas como produto industrializado.
O Ministro Baleeiro sustentava que o produto configurava, sim, produto
industrializado, porque resultante de “operações mecânicas mediante as quais
sofre limpeza de resíduos vegetais inúteis e que o desvalorizam, separando-
se dela, ao mesmo tempo, por meio de máquinas (...) as partes que apresentam
préstimo econômico para outras indústrias”.
Lembrou que o STF, por analogia, já considerara “como produtos indus-
trializados outras mercadorias que sofreram mecânica, física ou quimica-
165
Memória Jurisprudencial
144 O voto faz minuciosa referência aos precedentes em que os produtos referidos foram
reputados industrializados.
145 O Relator ficou vencido quanto ao não-conhecimento do Recurso. O Ministro
Aliomar Baleeiro conhecia do Recurso — entre outros motivos — porque tinha ciência de
julgados anteriores do STF de que divergia o acórdão recorrido. Mas, no mérito, ficou
vencido, juntamente com o Ministro Luiz Gallotti.
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Ministro Aliomar Baleeiro
Fato gerador
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Memória Jurisprudencial
Saída
146 Código Civil de 1916, arts. 1.237 e seguintes. Vide, também, Código Civil de 2002, arts.
610 e seguintes.
147 CTN, art. 110.
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Questões diversas
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
148 “Tenho Victor Nunes no mais alto apreço intelectual e conheço sua obra notável no
aperfeiçoamento dos métodos de trabalho do STF. Mas, perdoai-me S. Exa., não estava
nos seus dias mais felizes.” O Ministro Victor Nunes havia considerado que a exação em
questão poderia se comportar ora como imposto, ora como taxa.
171
Memória Jurisprudencial
Por sua vez, o Ministro Rodrigues Alckmin entendeu que a referida “taxa”
seria, em verdade, um sobre-preço ou um aumento de preço dos serviços de
capatazias, porque a movimentação de cargas nos portos constitui, precisamente,
serviço de capatazia remunerado com preço ou tarifa149.
Nos debates, o Ministro Baleeiro replicou:
“Então, capatazia será preço na base de tonelagem. Mas se é
coativa e tem como base a mesma alíquota sobre o valor da mercado-
ria, ela se equipara ao imposto de importação. Acontece sempre que,
ao invés de ser calculada por alíquota específica, é calculada por
alíquota ad valorem.”
O Ministro Baleeiro votou vencido na matéria nos seguintes julgados: RE n.
74.972/SP, RE n. 75.326/SP, RE n. 75.339/SP, RE n. 75.344/SP, RE n. 75.437/SP,
RE n. 75.573/SP, RE n. 75.969/SP, RE n. 75.970/SP, RE n. 76.091/SP, RE n.
76.092/SP, RE n. 76.140/SP, RE n. 76.248/SP, RE n. 76.342/GB, RE n. 76.381/SP,
RE n. 76.502/SP, RE n. 76.503/SP, RE n. 76.632/SP, RE n. 76.793/SP, RE n.
76.794/SP, RE n. 76.831/SP, RE n. 76.842/SP e RE n. 76.926/SP.
O Ministro Baleeiro ressalvou o seu ponto de vista e aplicou o precedente
plenário nos seguintes julgados: RE n. 77.646/SP, RE n. 77.748/SP, RE n.
77.832/SP, RE n. 77.902/SP e RE n. 77.904/SP.
149 O Ministro Baleeiro não tinha simpatia pela expressão “tarifa”, que considerava sim-
ples tradução do Inglês rate, bem assim pela possível confusão com a aduaneira. Preferia
“preço público” (voto do Ministro Baleeiro no RMS n. 15.487/GB, Relator o Ministro
Evandro Lins, julgado em 10 de fevereiro de 1966).
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Ministro Aliomar Baleeiro
150 Nos debates, o Ministro Baleeiro explicou: “Pelo art. 6º do Código Brasileiro de
Telecomunicações, a União proíbe a cobrança de taxas por esses serviços.”
173
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
Via, nisso, reflexo da cláusula due process of law, isto é, um standard de flexi-
bilidade em equilíbrio com o poder de polícia. Admitiu que o cinema poderia com-
portar poder de polícia (salvo filmes obscenos, eróticos ou detrimentosos a crian-
ças e adolescentes, o que, no entanto, constituía atividade do serviço federal de
censura). Enfim, não era — e não é — tarefa do policiamento comum, ostensivo
ou não. Concluiu mencionando a posição do município na federação brasileira: “o
município não é criatura do Estado, porque sua criação e autonomia de-
correm da própria Constituição Federal”.
No mesmo sentido, com votos do Ministro Baleeiro: RE n. 78.146/SP, RE
n. 78.205/SP, RE n. 78.219/SP, RE n. 78.274/SP, RE n. 78.525/SP, RE n. 78.526/SP,
RE n. 79.711/SP e RE n. 80.135/SP.
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Ministro Aliomar Baleeiro
O Capítulo que ora se inicia colige diversos julgados que trazem manifesta-
ções importantes ou curiosas do Ministro Aliomar Baleeiro, seja do ponto de vista
jurídico, seja do ponto de vista fático. Tais julgados seguem sistematizados em um
“índice”, de modo a: (1) permitir o encontro fácil de matérias diversas; bem assim
(2) simplificar o início de pesquisas mais profundas sobre determinados temas
que escapam ao foco do presente trabalho (mas que não são menos importantes
do que aqueles já desenvolvidos). Claro, há, aqui, menções a algumas questões
jurídicas já superadas, que, ainda assim, são potencialmente úteis na solução de
problemas atuais.
Assuntos diversos
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Memória Jurisprudencial
Adoção. Não há nulidade na adoção feita por quem ainda não atingiu a
idade mínima. Forma de manifestação da vontade de adotar. Evitar “interpreta-
ção bizantina e incompatível com o caráter benéfico e social do instituto”.
Simplificação do formalismo. Aspectos históricos do instituto. RE n. 60.117/BA.
Advogado. Com a quitação da anuidade para com a OAB antes do julga-
mento, não se justifica a anulação do processo. RE n. 60.296/RS.
Alimentos. Mínimo vital (“aquele que é indispensável ao indivíduo
para se manter em pé”). Atualização. Cláusula rebus sic stantibus. Voto vencido
do Ministro Baleeiro em que defendia a aplicação de correção monetária para os
alimentos já concedidos em ação anterior assim como se admite em matéria
tributária (RE n. 41.370/SP). Em sentido similar quanto à tese da correção: RE n.
46.258/SP. Há diversos outros votos seus no mesmo sentido.
Alimentos. Prisão. RE n. 63.815/SP.
Analogia. Art. 4º da LICC. Aplicação, por analogia, dos juros fixados em
lei para concordata às dívidas de massa falida. RE n. 67.687/SP.
Anulação de registro. Disputa por bebê entre mãe solteira e casal que o
havia registrado como seu. “A mãe combinou com o amado que este poria a
criança no alpendre e ela o recolheria.” Houve desajuste de tempo e a avó
entregou a criança a outro casal. Voto do Ministro Baleeiro em que cita, de início,
história bíblica de Salomão que, ao julgar disputa como a dos autos, pediu a espada,
mandando que partissem ao meio a criança, dando metade a cada litigante. Deci-
diu, ao final, em favor da mãe de sangue, identificada porque foi aquela que não
aceitou o critério do Rei e pediu que o menino fosse poupado e entregue à
adversária. Presume-se que a criança estará melhor com a mãe de sangue.
“Quaisquer que fossem os pecados da Recorrente, sua corajosa atitude,
depois da compreensível vacilação de início, leva a crer que cumprirá dig-
namente os deveres da maternidade. E na lei há remédio para o caso de
falhar.” RE n. 69.837/GO.
Aposentadoria. Contagem de tempo. Lei municipal que mandava contar
em dobro, para o fim de aposentadoria, o tempo de mandato exercido como vereador
e deputado estadual ou federal. Voto do Ministro Baleeiro: “(...) a legislação
toda citada pode ser merecedora de reservas, do ponto de vista ético. Pode
ser uma péssima política, mas não é inconstitucional.” A votação foi dividida:
seis Ministros declararam a inconstitucionalidade da lei municipal; cinco rejeita-
ram a argüição; dois Ministros estavam licenciados, um ausente justificadamente
e um impedido. Portanto, a teor da regra do full bench, a argüição foi rejeitada.
RE n. 58.957/SP.
Aposentadoria. Revisão dos proventos dos inativos nas mesmas bases dos
vencimentos dos ativos. RE n. 71.483/DF, Relator o Ministro Aliomar Baleeiro,
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Direito Tributário
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para mais ou para menos, dentro dos limites mínimo e máximo. (...) Mas, no
caso concreto, o legislador estabeleceu ‘livre’, quer dizer, zero. Então argu-
menta o fisco: zero é uma alíquota. Não, zero não é alíquota, é um coefici-
ente para calcular uma fração de alguma coisa. Não há mínimo nem máxi-
mo. O mínimo é zero e o máximo é zero. É o meu ponto de vista. (...)” RE n.
66.567/SP (voto condutor do Ministro Baleeiro: o recurso não foi conhecido por-
que “nu de fundamentação”) e RE n. 73.290/SP, Relator o Ministro Rodrigues
Alckmin (voto vencido do Ministro Baleeiro). O leading case da matéria é o
RMS n. 18.191/SP (voto vencido do Ministro Baleeiro). No RE n. 78.441/SP, o
Ministro Baleeiro insistiu: “Ainda não me convenci de que possa existir mate-
maticamente alíquota zero. Nada, ou zero, não pode ser parte a ser retirada
de alguma coisa. Zero não é parte ou fração, mas nada de nada.” Logo
adiante sustentou: “Juridicamente, se há alíquota zero, existe impossibilidade
material e lógica de nascerem a obrigação fiscal e o conseqüente crédito
tributário, porque lhes faltam elementos essencialíssimos — a base de cál-
culo e o quantum exigível.” O entendimento do Ministro Baleeiro prevaleceu
neste feito.
Alíquota de tributo. Possibilidade de sua modificação por ato administrativo
dentro dos limites legais. Standard jurídico dentro do qual pode o Poder Executivo
modificar alíquotas. “Fora daí o Executivo não pode. Tem que seguir a regra
geral de que o imposto é fixado pelo Congresso.” Necessidade de motivação
(RE n. 69.486/SP). No mesmo sentido, relativamente à Cacex: RE n. 70.475/SP e
RE 72.966/SP. Em circunstância similar, também exigindo motivação: RE n.
69.319/SP. Nele, o Ministro Baleeiro afirma: “O discricionarismo administrativo
não se confunde com o arbítrio, que só o legislador possui dentro dos limites
da Constituição. Os órgãos administrativos, mesmo quando armados de
funções normativas (...), exercem suas atribuições dentro dum quadro de
estrita legalidade. O ato administrativo nunca pode exceder os limites da
lei. Não vale o ato administrativo ilegal.” No mesmo sentido, em grau de
embargos: ERE n. 74.028/SP.
Bem trazido do estrangeiro. RE n. 36.428/GB, RE n. 37.960/GB, RE n.
39.834/PB, RE n. 41.726/SP, RE n. 50.373/SP, RE n. 52.891/SP, RE n. 61.013/GB
e RE n. 61.372/SP.
Cláusula de nação mais favorecida. RMS n. 18.297/SP, RE n. 67.516/SP,
RE n. 67.518/SP, RE n. 68.477/SP e RE n. 69.530/GB.
Conceitos financeiros. Distinção entre receita e movimento de fundos. RE
n. 58.975/GB.
Contrabando. Diferença entre fraude penal e fraude fiscal. Voto vencido
do Ministro Baleeiro, acompanhando a divergência aberta pelo Ministro Adaucto
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Ministro Aliomar Baleeiro
enorme, como a isenção dum imposto cuja alíquota vai a 300%. Mas não
pode recuar, prejudicando quem, seduzido por essa isca farta, investiu licita-
mente dinheiro na fábrica. Revogar retroativamente a isenção raia pela
inconstitucionalidade.” RE n. 73.164/AM. No mesmo sentido, o RE n. 79.512/SP.
ISS. Não é legítimo sobre operações bancárias. RE n. 77.183/SP.
Legislação tributária. Circular ministerial integra o conceito de legislação
tributária, mas está adstrita à lei e não pode distinguir onde ela não distingue. RE
n. 70.269/SP.
Multa fiscal punitiva. Irresponsabilidade solidária do sucessor. São de res-
ponsabilidade pessoal do antecessor: art. 133 combinado com os arts. 106, 112,
134 e 137, todos do CTN. RE n. 76.153/SP. No mesmo sentido o RE n. 77.471/SP.
Produtos industrializados destinados ao exterior. Imunidade em benefício
de todo e qualquer produto industrializado destinado ao exterior (art. 24, § 5º, da
Constituição de 1967), e não apenas daqueles tributados pelo ICM, sem prejuízo
de a lei “determinar que fiquem livres desse imposto outros produtos não
industrializados, isto é, primários ou semi-acabados”. O Ministro Baleeiro
ainda explicou: “(...) a Constituição Federal de 1967, diversamente da ante-
rior, se preocupou mais com o econômico do que com o político e, em maté-
ria tributária, sobrepôs o interesse nacional à autonomia local.” RE n.
67.963/SP, RE n. 67.964/SP, RE n. 67.996/SP, RE n. 68.083/SP, RE n. 68.194/SP
e RE n. 68.198/SP. Sobre madeira serrada (alguns com voto vencido do Ministro
Amaral Santos): RE n. 68.604/PR, RE n. 69.023/PR, RE n. 70.213/SC, RE n.
70.671/PR e RE n. 71.834/PR.
Sócios. Responsabilidade tributária. Arts. 134 e 135 do CTN. Voto do Mi-
nistro Baleeiro em que sustenta que “sociedade de pessoas”, no art. 134 do CTN,
são as em nome coletivo e outras semelhantes que não se enquadram nas cate-
gorias de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade limitada. As
sociedades por quotas de responsabilidade limitada são mistas e não de pessoas,
que não se constituem exclusivamente intuito personae. RE n. 70.870/SP.
Súmula n. 83 (“Os ágios de importação incluem-se no valor dos arti-
gos importados para incidência do imposto de consumo.”). RE n. 31.754/SP,
RE n. 31.860/SP, RE n. 32.339/SP e RE n. 32.439/GB.
Súmula n. 318: “É legítima a cobrança, em 1962, pela Municipalidade
de São Paulo, do imposto de indústrias e profissões, consoante as Leis
5.917 e 5.919, de 1961 (aumento anterior à vigência do orçamento e inci-
dência do tributo sobre o movimento econômico do contribuinte).” Voto
vencido do Ministro Baleeiro contra a sua aplicação no RE n. 60.056/SP. Confor-
mando-se à jurisprudência da Corte: RE n. 60.229/GB.
191
Memória Jurisprudencial
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FRASES
“(...) Toda lei exige interpretação e adaptação aos fatos. Não podemos
metê-los num leito de Procusto, para acomodá-los à lei. A norma é que, em
cada caso, há de afeiçoar-se à realidade da vida, e é por isso que se atribui
ao Juiz a missão de legislador do caso concreto.” (RE n. 38.644/MG)
“(...) não é possível psicanalizar o locador comerciante que alega
necessitar do prédio para seu uso (...)” (RE n. 47.476/CE)
“(...) a recorrente pretende locupletamento indébito, com jactura da
recorrida — o que é repugnante ao Direito em todos os tempos e sob todos
os céus.” (RE n. 52.376/GB)
“Só por espírito de formalismo e, às vezes, por gula de custas, são
expedidas precatórias para avaliação de ações noutros Estados, pois nin-
guém ignora que, em se tratando de sociedades anônimas abertas e com
cotação em Bolsa de Valores, o valor delas se estabelece por uma simples
certidão a ser apreciada pelo juiz do inventário.” (RE n. 58.356/GB)
“(...) vivacidade condenável da linguagem dos Recorrentes (...)” (RE
n. 62.264/GO)
“A causa é interessante e nos proporciona um festival de eloqüência
forense gaúcha.” (RE n. 64.463/RS)
“(...) apesar de os acórdãos terem sido redigidos à mão —, e não
gosto de ler julgados à mão, na época em que se vai à lua —, eu os li (...) Li
a petição do advogado, que é uma maravilha, não direi de sofisma, mas de
paralogismo, para justificar a chamada contradição. (...) De modo que,
após uma meditação longa do caso e após a leitura que fiz, com muito
prazer, dos votos dos eminentes Colegas, e daquela que não fiz com tanto
prazer, porque manuscritas, das peças dos magistrados de Minas Gerais,
mantenho o meu voto (...)” (RE n. 62.410/MG)
“Como dizia a Constituição argentina: em relação aos atos que a lei
não proíbe, o cidadão só deve contas a Deus.” (RE n. 63.216/SP)
“(...) quanto maior o peso sobre o réu, tanto mais larga se lhe deve
assegurar a defesa garantida pela Constituição.” (RE n. 63.223/SP)
“A pecha de inconstitucionalidade não pode ser irrogada em termos
indefinidos e vagos.” (RE n. 63.357/PA)
Em processo em que se discutia a concessão de adicionais, contando, além
do serviço efetivamente prestado ao Estado do Rio de Janeiro, também o mesmo
período de tempo paralelo em que os recorridos serviram como membros do
Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministro Baleeiro afirmou:
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
“Não há posição mais contrária à letra de lei do que aquela que viola
frontalmente a Constituição, aceitando a vigência de texto reconhecido
inconstitucional por esta Corte.” (RE n. 77.047/MG)
“Houve, pois, pruridos legislativos do direito do pessoal para corrigir
lacunas e vaguezas do sôfrego legislador por Decretos-leis não medita-
dos.” (RE n. 78.890/SP)
“(...) pé de galinha não mata pinto.” (RE n. 79.294/SP)
“O meu individualismo não é tão grande que não possa subordiná-lo à
opinião da maioria, embora haja alguns pontos em que não possa fazê-lo
(...)” (Representação n. 657/RN)
“(...) Em Direito, toca ao pleonasmo falar-se em exceção taxativa.
Todas são. Logo, não podem ser dilatadas além do que está expresso. (...)”
(Representação n. 902/SP)
“(...) Todas as classificações que tenho visto, feitas por luminares
da ciência, são arbitrárias, aproximativas, e têm fronteiras de confusão.”
(Representação n. 751/GB)
“Li, como regra de Hermenêutica, que, quando o texto é incongruente,
não se deve admitir erro na Constituição ou na lei, como não se deve admi-
tir erro da Rainha da Inglaterra. (...)” (Representação n. 861/MG)
“Acho que essa função política do Supremo Tribunal Federal [resol-
ver conflitos] é mais importante do que todas as demais.” (Representação n.
718/RN)
O Supremo como “Terceira Câmara do Congresso”. (RMS n. 17.443/MG)
“É preciso dar um pouco de alma à Constituição e tirar dela todas as
conseqüências que estão implícitas.” (RMS n. 18.129/RS)
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Ministro Aliomar Baleeiro
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
197
MELLO FILHO, José Celso de. “Sessão de Homenagem ao Centenário
de Nascimento do Ministro Aliomar Baleeiro” in Diário da Justiça de 14 de
outubro de 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo:
1999.
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1998.
APÊNDICE
Ministro Aliomar Baleeiro
REPRESENTAÇÃO 654 — BA
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
art. 28, isto é, o “peculiar interesse” municipal quanto “à organização dos seus
serviços públicos locais”. Está na Constituição. É exatamente essa a expressão.
Ora, precisaremos saber se esse serviço de águas da Bahia é um serviço estri-
tamente local, e, como tal, circunscrito ao “peculiar interesse” da Cidade de Salvador.
Tenho minhas dúvidas quanto ao fato. Há mais de cem anos, o Conselho Municipal
de Salvador fez uma concessão a uma companhia particular de águas, a de Quei-
mado, para manter o serviço de encanamento de águas e outros tantos chafarizes.
A Companhia de Queimado foi a primeira que estendeu tubos de água na
Bahia. Veio o Imperador à Bahia inaugurá-los e existia, ainda há pouco tempo, na
represa de Queimado, uma placa comemorativa.
O nobre advogado sabe disso e não há baiano que não o saiba. Ora, essa
companhia foi declinando até que o município assumiu o controle dos serviços de
água. No primeiro terço deste século, a água da Bahia chegou a uma situação de
carência, de escassez, de completa anarquia dos serviços. O eminente Ministro
Hermes Lima colaborou, se não me engano, no governo Góis Calmon, que, vendo
o estado catastrófico em que estava o serviço de águas na Bahia — água que
dantes ia a sobrados de cinco pisos e que, naquela época, não ia sequer ao térreo —,
contratou com o escritório técnico Saturnino de Brito um plano de modernização
do serviço, dado que as instalações feitas no município pela Companhia de Quei-
mado datavam do outro século. Em 1901 até 1905, do plano de melhoria foi
encarregado o sábio Teodoro Sampaio, grande geólogo, etnólogo, cartólogo, en-
tendido em línguas tupis-guaranis, etc.
O Governador Góis Calmon começou essas obras, e o sucessor dele, Vital
Soares, as prosseguiu. O município deu-se por satisfeito, porque estava na pior
situação financeira.
Até uma época muito recente, o Município de Salvador tinha apenas uma
relativa autonomia. Não elegia o seu prefeito, que era nomeado pelo governador.
Essas obras já estavam em curso e adiantadas quando veio a Revolução
de 1930. Depois, a crise econômica devastadora dos anos trinta.
O Governador Juraci Magalhães atacou a parte final das obras e pôde
inaugurar a represa de Ipitanga, dentro de Salvador.
Porém, o plano Saturnino de Brito era para 25 anos, porque se sabia que,
com o crescimento vegetativo da população, aquela rede nova não serviria para a
população no ano de 1955.
Foram feitas novas represas e abandonadas aquelas que vinham do tempo
da Companhia de Queimado.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
possuía, em 1924, não há mais nada. Os tubos são novos, as represas são novas,
as adutoras são novas, os edifícios-sede da administração são novos.
A meu ver, não poderíamos, numa ação que está limitada, como essa, a
uma questão de Direito Constitucional, entrar na massa de fatos deste caso.
Teríamos aí problemas de ordem administrativa, contratual ou semi-contratual de
toda a espécie, para os quais o processo declaratório e sumaríssimo da represen-
tação não é o adequado.
Por essas razões, considero improcedente a representação.
REPRESENTAÇÃO 861 — MG
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Cada contribuinte faz um plano para um ano, mas pode ser surpreendido e
ter um prejuízo que seria sua ruína, com impostos não previstos no orçamento.
Por outro lado, a coletividade quer conceder os tributos em função dessa despesa
global correspondente a específicos serviços públicos programados para o ano
imediato.
É uma garantia do regime, contra uma administração aujour le jour.
Se a Constituição diz que nosso regime é democrático, se diz que este País
é uma República Federativa, se diz que, além daqueles direitos e garantias ex-
pressos, são ainda admitidos, ainda, outros direitos e garantias de acordo com o
sistema e os princípios que a Constituição adota, art. 153, último parágrafo, não
há dúvida de que a regra boa é a da anualidade dos impostos.
Este dispositivo — art. 153, § 29 — data venia dos eminentes constitu-
cionalistas do Governo Militar de setembro de 1969, é um disparate. Acredito que
não tenham culpa disso os signatários da Emenda 1, de 1969, porque não são
juristas. Algum leguleio remendou os textos do Professor Pedro Aleixo e reduziu-os
a isso que está aí. Se lermos este artigo em sã consciência, não vamos saber
quais os outros casos em que a Constituição autoriza a cobrar tributos depois de
31 de janeiro. Parece que o autor que escreveu este artigo confundiu tributo com
preço.
O artigo, continuo a repetir com todo o respeito, é um enigma, a menos que
se busque interpretação tal que ele alcance sentido lógico, e é o que estou tentan-
do agora.
Li, como regra de Hermenêutica, que, quando o texto é incongruente, não
se deve admitir erro na Constituição ou na lei, como não se deve admitir erro da
Rainha da Inglaterra. Devemos procurar-lhe interpretação que tenha lógica. E
lógica é a tese, que temos aqui, do Ministro Oswaldo Trigueiro contraditada
pelo Ministro Bilac Pinto: a Constituição estadual pode dar mais segurança,
mais energia, mais amplitude a uma garantia da Constituição Federal.
O que não pode é excluí-la, fazendo o inverso, isto é, restringindo a garan-
tia individual e ampliando o arbítrio do Fisco.
Minas Gerais não poderá dizer, por exemplo, que o imposto criado antes do
dia 1º de janeiro pode ser cobrado no mesmo exercício, porque isso contraria
fundamentalmente princípio básico — não apenas o que está escrito na Constitui-
ção, mas o porquê da Constituição, enfim na ratio juris.
Minas fez o contrário, como acentuou o Ministro Oswaldo Trigueiro: deu
mais ênfase. Era um direito do Estado de Minas Gerais fazer isso com o que é
dele. Aquela Constituição é do Estado, representa a vontade do povo mineiro.
211
Memória Jurisprudencial
212
Ministro Aliomar Baleeiro
REPRESENTAÇÃO 864 — GB
Relator: O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Thompson Flores
Representante: Procurador-Geral da República — Representada: Assem-
bléia Legislativa do Estado da Guanabara
Declaração de inconstitucionalidade do § 6º, parcialmente,
do art. 42 da Constituição da Guanabara, com a redação da
Emenda n. 4, de 30-10-1969.
II - Posse do Governador e do Vice-Governador. Atribuindo-se
ao TRE, quando reunida não estiver a Assembléia Legislativa,
parte do parágrafo 6º do art. 42, citado, completo com o art. 8º,
XVII, b, da Constituição Federal, e destoa do seu símile, art. 76.
III - Representação julgada procedente.
Votos vencidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e
das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a Representação.
Brasília, 11 de abril de 1973 — Eloy da Rocha, Presidente — Thompson
Flores, Relator p/ o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O eminente Ministro Xavier de Albuquer-
que, na qualidade de Procurador-Geral da República, acolhendo representação
do Procurador Regional Eleitoral, Dr. Nuno Santos Neves, encaminhou-a ao Su-
premo Tribunal Federal, a fim de ser declarada a inconstitucionalidade do art. 42,
§ 6º, da Constituição da Guanabara. Argumenta S. Exa.:
“O dispositivo impugnado tem a seguinte redação:
‘§ 6º O Governador e o Vice-Governador tomarão posse pe-
rante a Assembléia Legislativa ou, se esta não estiver reunida, pe-
rante o Tribunal Regional Eleitoral, prestando o seguinte compro-
misso:
(...).’
213
Memória Jurisprudencial
214
Ministro Aliomar Baleeiro
215
Memória Jurisprudencial
Ora, nem nas atribuições constitucionais, nem nas que lhe são
deferidas pela lei federal vigente (a Lei 4.737/65, que instituiu o Código
Eleitoral em vigor), dá-se à Justiça Eleitoral competência para dar posse a
eleitos. Sua competência, quer em face da Constituição, quer do Código
Eleitoral, se exaure com a diplomação.
Assim, e não podendo a legislação estadual — ainda que se trate de
Constituição do Estado — elastecer a competência de juízes ou Tribunais
Eleitorais, manifesta-se patente a inconstitucionalidade dos termos impug-
nados na presente representação.
No caso, como se salientou na inicial, à fl. 3 dos autos,
‘Se indispensável a nomeação de um órgão para assumir o
mister, na impossibilidade de o fazer a Assembléia Legislativa, ha-
ver-se-á de adotar solução semelhante à do modelo federal, do qual
se vê que, no recesso do Congresso Nacional, a posse do Presidente
e do Vice-Presidente da República se dá perante o Supremo Tribu-
nal Federal (art. 76 da Constituição). Transposta a hipótese para o
plano estadual, resulta ser o Tribunal de Justiça o órgão substituto da
Assembléia Legislativa para dar posse aos mandatários estaduais,
sem ensejo para a escolha a que recorreu a Constituição da
Guanabara.’
Por outro lado, a Lei Santiago Dantas não afasta o vício de
inconstitucionalidade ora ressaltado.
Dispunha ela, em seu artigo 6º:
‘A Assembléia Legislativa se instalará por convocação e sob
a presidência do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, em local
previamente designado nos dez dias que se seguirem à data da
diplomação, e procederá à eleição da Mesa.
O Governador eleito assumirá o cargo perante o Tribunal Re-
gional Eleitoral.’
Como se vê de seus termos, são princípios excepcionais, aplicáveis,
apenas, para disciplinar a transição do antigo Distrito Federal para Estado
da Guanabara, na inexistência de Constituição estadual. Não são, portanto,
princípios permanentes, mas, por essência, temporários.
Aliás, ainda que assim não fosse, a legislação federal posterior, ao
disciplinar exaustivamente a competência dos Juízes e Tribunais Eleitorais,
e, ao determinar que ela se exaure com a diplomação dos eleitos, teria
revogado aquela lei episódica.”
É o relatório.
216
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Doutra feita, já comentei a
frondosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de inconstitucio-
nalidades. Parece que não exagero afirmando que, em nenhum país do mundo,
um tribunal declarou inconstitucionalidades com a assiduidade e a pertinácia com
que procede esta Corte excelsa. Certamente, o Supremo Tribunal Federal, nos
últimos 25 anos, já decretou algumas vezes mais inconstitucionalidades do que a
Corte Suprema dos EU em quase dois séculos de funcionamento. Se, em parte,
como já ponderou o eminente Ministro Oswaldo Trigueiro, isso se explica pela
rigidez e minúcia de nossa Constituição, que, em matéria de Emendas e substitui-
ções, só foi excedida pela da França, todavia o fenômeno representa o pior dos
atestados passados à consciência jurídica do povo brasileiro.
II - Para mim, uma Carta Política de Estado-Membro só viola a Constituição
Federal quando, expressa ou implicitamente, desafia dispositivo desta última ou
algum dos princípios cardeais do regime. Se pensarmos o contrário, melhor seria
que o Congresso Nacional incumbisse o Ministério da Justiça, ou o do Interior, ou
mesmo o Dasp, de redigir e imprimir uma Constituição-modelo, ou padrão, que os
Deputados estaduais preencheriam com o nome do Estado, datariam e assina-riam.
Na pior hipótese, poupar-se-ia o tempo por demais escasso da Procuradoria-Geral da
República e o nosso.
III - Não vejo ofensa grave da Constituição da Guanabara à Federal pelo
fato de a primeira determinar que, se estiver em recesso a Assembléia, o Gover-
nador tome posse e preste juramento perante o Tribunal Regional Eleitoral, em
grande parte composto de magistrados e juristas estaduais ou com jurisdição no
Estado. Dir-se-á que o Estatuto Político de um Estado cometeu uma tarefa a um
órgão da Justiça Federal. Este não se diminuiu por isso, mas, ao contrário, ficou
prestigiado. Não se recusou a fazê-lo, desde a instalação daquele Estado.
IV - Ou o Tribunal Regional Eleitoral se compraz ou não se compraz em
aceitar o encargo e realizar a solenidade. Se recusar-se, por amor à simetria
institucional, o Governador, se estiver em recesso a Assembléia, prestará o com-
promisso perante o Tribunal de Justiça e, se sofrer do feiticismo formal, o reitera-
rá quando se reabrir a Câmara local. É óbvio que isso não precisa ser regulado
expressamente na Constituição.
Afinal, tudo se resume num cerimonial sem maiores conseqüências. A rainha
da Inglaterra faz o juramento nas mãos do Chefe da Igreja Anglicana em presença
dos Lordes, que, hoje, quase que já não têm poderes políticos. O Presidente dos
EU jura sobre a Bíblia nas mãos do Chief Justice, ao ar livre, no inverno rijo de
janeiro, com risco de pneumonia para os representantes dos três Poderes da
217
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Thompson Flores: Senhor Presidente, o eminente
Ministro Aliomar Baleeiro rejeita a argüição de inconstitucionalidade. S. Exa.
acha que compete ao Tribunal Regional Eleitoral dar posse?
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Se o Tribunal Regional Eleitoral
concorda em receber, está válido o juramento. Se o Governador não quiser ir lá,
vai ao Tribunal de Justiça. Se esse não quiser recebê-lo, ou não estiver reunido,
irá à Câmara.
Não se viola nenhum artigo da Constituição Federal e não acontece nada.
O Sr. Ministro Carlos Thompson Flores: Data venia, permita-me V. Exa.
dissentir. Seria sujeitar Tribunal Federal, como é o Regional Eleitoral, a disposi-
ções da lei estadual, pelo Estado mesmo elaboradas, o que contravém ao sistema
constitucional e, em especial, seu art. 8º, XVII, a e b. A similitude transcrita no
parecer me parece perfeita. Nos casos do Presidente da República e do Vice-
Presidente, a competência seria do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Não é inconstitucional, por isso.
O Procurador argúi uma inconstitucionalidade da Constituição do Estado,
que atribuiu uma função ou um ato a um órgão da Justiça Federal. Que acontece?
Ou ele aceita ou não. Se aceita, tudo estará tranqüilo.
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro: Mas, se é inconstitucional, a aceitação
não corrige o vício. Se há inconstitucionalidade, a vontade do governador não
pode prevalecer.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Creio que não há inconstitucio-
nalidade.
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro: A representação existe para evitar este
gênero de conflito; no caso, para evitar que o Governador fique de Herodes a
Pilatos, sem saber perante quem tomar posse.
218
Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Ele toma posse perante o Tribunal
Regional Eleitoral. Se este não quiser dá-la, vai ao Tribunal de Justiça. Se o
Tribunal se recusar, toma posse perante a Câmara. Ele assume até perante o
contínuo. O máximo que pode acontecer é ser ele considerado Governador de
fato, e funcionar o Governo. A hipótese não é impossível. Deve ter acontecido
em vários Países.
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro: Não estamos examinando a conveniência.
O problema é de constitucionalidade. Pode a Constituição do Estado ampliar ou
restringir a competência de um Tribunal Federal?
O Sr. Ministro Eloy da Rocha (Presidente): A Constituição Federal dispõe,
no art. 137, que “A lei estabelecerá a competência para os juízes e Tribunais
Eleitorais, incluindo entre as suas atribuições (...)”. Essa lei só poderá ser federal.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O ato não tem conseqüências.
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro: Essa indagação é secundária.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Tenho profunda repugnância
em declarar inconstitucional artigos de uma Constituição, salvo quando estão
frontalmente em choque com determinados dispositivos da Constituição Federal
ou quando rompem com aqueles princípios básicos do sistema, que estão sendo
adotados desde o preâmbulo até mesmo o art. 153. Não me pareceu ser dessas
hipóteses o caso dos autos.
O Sr. Ministro Carlos Thompson Flores: Peço vênia para ficar de acordo
com o parecer da Procuradoria. Entendo que uma lei estadual — e também se
fosse uma lei municipal — não pode atribuir competência a Tribunal federal, tal
como o Tribunal Regional Eleitoral. Para guardar simetria, deveria estabelecer
competência ao Tribunal de Justiça, se o quisesse fazer a outro Tribunal, jamais
ao Tribunal Regional Eleitoral, porque Federal.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Data venia, V. Exa. é simetrista.
Não tenho essa tendência.
O Sr. Ministro Carlos Thompson Flores: V. Exa., que é constitucionalista e
foi constituinte de 1946, sabe que a Constituição é um sistema, e como tal merece
ser considerado, entendido e interpretado. E aqui o fazemos todos os dias. Ora, o
sistema, por si, ficaria, data venia, contrariado pela Constituição da Guanabara,
nesse tocante.
Em conclusão, Senhor Presidente, data maxima venia do eminente
Relator e dos votos que o acompanharam, acolho a representação para declarar
a inconstitucionalidade do preceito em comentário.
219
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Raphael de Barros Monteiro: Sr. Presidente:
Data venia do eminente Sr. Ministro Relator, acolho a argüição de
inconstitucionalidade, pelas considerações aduzidas pelos meus eminentes cole-
gas que votaram nesse sentido e à vista da observação de V. Exa. de que é
preciso lei federal estabelecendo, de expresso, que a posse se dê perante o Tribunal
Regional Eleitoral. Peço vênia para acrescentar que, diplomado o candidato,
qualquer outro assunto a respeito refoge ao âmbito da Justiça Eleitoral, não po-
dendo, por essa forma, a Constituição da Guanabara determinar, em absoluto,
que a posse do Governador se dê perante Tribunal Regional Eleitoral.
Com essas considerações, acompanho o eminente Sr. Ministro Thompson
Flores, acolhendo a representação.
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Sr. Presidente, estou de acordo com o emi-
nente Sr. Ministro Thompson Flores, julgando procedente a representação, so-
bretudo tendo em vista que se trata de matéria reservada à lei federal, como
acentuou S. Exa.
EXTRATO DA ATA
Rp 864/GB — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Relator para o acórdão:
Ministro Thompson Flores. Representante: Procurador-Geral da República. Re-
presentada: Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara.
Decisão: Julgada procedente a Representação para declarar a inconsti-
tucionalidade no § 6º do art. 42 da Constituição da Guanabara, com a redação da
Emenda n. 4, de 30-10-69, das palavras “ou, se esta não estiver reunida, perante o
Tribunal Regional Eleitoral”. Vencidos, o Relator e o Ministro Rodrigues Alckmim.
Impedido, o Ministro Xavier de Albuquerque. Votou o Presidente. Plenário.
Presidência do Ministro Eloy da Rocha. Presentes à sessão os Ministros
Luiz Gallotti, Oswaldo Trigueiro, Aliomar Baleeiro, Djaci Falcão, Barros Monteiro,
Thompson Flores, Bilac Pinto, Antonio Neder, Xavier de Albuquerque e Rodrigues
Alckmin. Procurador-Geral da República, Dr. José Carlos Moreira Alves.
Brasília, 11 de abril de 1973 — Álvaro Ferreira dos Santos, Vice-Diretor-
Geral.
220
Ministro Aliomar Baleeiro
REPRESENTAÇÃO 909 — RJ
Relator: O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Rodrigues Alckmin
Representante: Procurador-Geral da República — Representados: As-
sembléia Legislativa do Estado da Guanabara e Governador do Estado da
Guanabara
Valor da causa. Intervenção do Estado no processo, para
impugnar o valor declarado, autorizada por lei estadual (art. 37
do Decreto-Lei n. 110, de 11-8-69, do Estado da Guanabara).
Inconstitucionalidade do dispositivo da lei estadual, que disci-
plinou matéria de natureza processual, estranha à competência
do Estado. Legitimidade dos arts. 8º e 13 do Decreto-Lei n.
110, que fixam a base de cálculo da taxa judiciária. Representa-
ção julgada procedente em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plena, na conformidade da ata do julgamento e das
notas taquigráficas, por maioria de votos, conhecer e julgar procedente, em parte,
a Representação, para se declarar inconstitucional o art. 37 do Decreto-Lei n.
110, de 11-8-69, do Estado da Guanabara.
Brasília, 7 de maio de 1975 — Djaci Falcão, Presidente — Rodrigues
Alckmin, Relator p/ o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. Acolhendo solicitação do Dr. Raymundo
Gomes das Chagas, advogado, contador e economista, o Professor J. C. Moreira
Alves, em. Procurador-Geral da República, submete ao STF uma representação
do art. 119, I, l, da Emenda 1/69, a fim de que se declare a inconstitucionalidade
dos arts. 8º, 13 e 37 do Decreto-Lei n. 110, de 11-8-69, do Estado da Guanabara.
2. Resumo as objeções do reclamante a cada um dos dispositivos impug-
nados:
“Art. 8º Considera-se como valor do pedido a soma do principal,
juros, multas, honorários e quaisquer outras quantias pretendidas pe-
las partes.”
221
Memória Jurisprudencial
222
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): I - O Professor J. C. Moreira
Alves é o primeiro a reconhecer a inteira improcedência da Representação na
parte relativa aos arts. 8º e 13 do Decreto-Lei n. 110, de 11-8-69, expedido pelo
Governo da Guanabara.
É esse também o meu voto, não acreditando que a frivolidade dos argu-
mentos do honrado cidadão que a promoveu exija discussão maior. Reporto-me à
contestação de augusta Assembléia.
223
Memória Jurisprudencial
224
Ministro Aliomar Baleeiro
data venia, não se pode aceitar que são extensivos ao art. 37 os argumentos
esgrimidos contra o art. 8º, de conteúdo inteiramente outro.
IV - Se for conhecida nessa parte, julgo-a improcedente, porque não me
convenci de que o art. 37 do Decreto-Lei n. 110 da Guanabara houvesse usurpa-
do a competência federal em matéria de Direito Processual. “Comprazem-se
quase todos, juristas e amadores, em tecer filigranas doutrinárias em torno de
artigos da lei básica, realizam verdadeiros jogos malabares de palavras, para con-
vencer que um projeto deve cair por ser contrário ao espírito do Código de 1891”,
escrevia Carlos Maximiliano, um dos maiores desta Casa, ainda no tempo da
República Velha, e estabelecia a regra de prudência que, no século passado,
formulara a Corte Suprema dos Estados Unidos:
“Proclama-se a inconstitucionalidade apenas quando é absoluta-
mente necessário fazê-lo para decidir a questão sub judice”.
“Presumem-se constitucionais todos os atos do Congresso e do Exe-
cutivo. Só se proclama, em sentença, a inconstitucionalidade, quando esta é
evidente, fora de toda dúvida razoável” (C. Maximiliano, Comentários à
Constituição do Brasil, ed. 1929, pp. 118, 122/3, n. 88-9).
Torno a ler o dispositivo acuado:
“Art. 37. O Estado poderá ingressar em qualquer processo e
impugnar o valor declarado pela parte para pagamento da taxa, reque-
rendo, inclusive, na forma da legislação processual, o pagamento do
que for devido”. (Fls. 33/5)
Torno a ler, ponho os óculos, e não vejo o fumo longínquo sequer da
inconstitucionalidade.
Que se diz ali? O Estado pode ingressar em qualquer processo (subenten-
dido da competência da Justiça estadual) e impugnar o valor declarado pela parte
para pagamento da taxa judiciária... Sempre foi assim. Não pode deixar de ser
assim. Cabe-lhe esse tributo e não pode ficar tolhido de argüir a sonegação tentada
pelo litigante.
Inúmeras vezes, depois que em 1969 ficou estabelecida a inadmissibilidade
de Recurso Extraordinário para as causas abaixo de 30 ou 60 salários, os recor-
rentes confessam tranqüilamente a própria torpitude, alegando que subestimaram
o valor da causa — 10, 20 ou mais vezes maior — apenas porque não queriam
pagar o quantum devido da taxa judiciária. Qualquer de nós já observou isso em
inúmeros feitos.
O art. 259 do CPC de 1973 estabeleceu vários critérios para o valor da
causa, e o fez, em grande parte, para efeitos de alçada e competência. Mas isso
225
Memória Jurisprudencial
não exclui o interesse legítimo de o Estado velar para que lhe seja paga a taxa
realmente devida. Onde há um direito subjetivo há necessariamente um remédio
processual que lhe serve de defesa. Está no Código Civil.
Se o réu concorda com o autor, aceita-se o valor da causa, para efeitos de
alçada e competência, mas não se elimina o legítimo direito de o Fisco cobrar a
taxa que o litigante quer escamotear por qualquer artíficio ou expediente.
A situação é a mesma do inventário, no curso do qual os herdeiros podem
fazer seus arranjos de conveniência, sobre as avaliações, mas com elas não é
obrigado a concordar o Estado no lançamento e na arrecadação do imposto cau-
sa mortis.
Volto ao texto: O Estado poderá ingressar em qualquer processo “reque-
rendo, inclusive, na forma da legislação processual, o pagamento do que for
devido.” Requer e o juiz atende ou não.
É, afinal, a essência do art. 37, que apenas repete o óbvio. Condiciona-se o
ingresso à “forma da legislação processual”. E seria inconcebível que se decla-
rasse inconstitucional o direito de o Estado requerer o que lhe fosse devido na
forma da legislação processual.
Data venia, seria um non sense decretar-se a inconstitucionalidade de
dispositivo, a título de intrusão na competência federal para legislar sobre processo,
exatamente porque tal dispositivo recomenda aos Procuradores do Estado que
requeiram o que a este for devido “na forma da legislação processual”.
V - Julgo improcedente também a Representação quanto ao art. 37.
EXTRATO DA ATA
Rp 909/GB — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Representante: Pro-
curador-Geral da República. Representados: Assembléia Legislativa do Estado
da Guanabara e Governador do Estado da Guanabara.
Decisão: Pediu vista o Ministro Xavier de Albuquerque, após o voto do
Relator, que julgava improcedente a Representação quanto aos arts. 8º, 13 e 37
do Decreto-Lei n. 110, de 11-8-69, do Estado da Guanabara. Plenário.
Presidência do Ministro Eloy da Rocha. Presentes à Sessão os Ministros
Oswaldo Trigueiro, Aliomar Baleeiro, Djaci Falcão, Thompson Flores, Bilac Pinto,
Antonio Neder, Xavier de Albuquerque, Rodrigues Alckmin e Cordeiro Guerra.
Ausente, justificadamente, o Ministro Leitão de Abreu. Procurador-Geral da
República, Professor José Carlos Moreira Alves.
Brasília, 4 de dezembro de 1974 — Dr. Alberto Veronese Aguiar, Diretor
do Departamento Judiciário.
226
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Permita-me, eminente Ministro
Rodrigues Alckmin.
O art. 37 diz que o Estado poderá ingressar em qualquer processo e im-
pugnar o valor declarado pela parte para pagamento da taxa, requerendo, inclusive,
“na forma da legislação processual”, o pagamento do que for devido. O
Estado tem sempre um interesse jurídico no pagamento exato do imposto ou do
tributo, que é a taxa, de sorte que, se, evidentemente, o litigante deu um valor
ínfimo, distante da realidade, acho que é perfeitamente lícito que compareça o
Procurador do Estado apenas para reclamar o pagamento exato, na forma pro-
cessual e por meio expedito.
O eminente Ministro Rodrigues Alckmin reconhece esse direito ao Estado,
mas acha que ele não pode fazer isso expeditamente, dizendo o Procurador que
aquela estimação é irrisória e que merece que o juiz reveja, de plano, ou até fazer
uma diligência qualquer. Não. S. Exa. acha que o Estado deve, então, ir para as
vias competentes, executivas ou o que sejam, para reclamar em separado a taxa
que lhe é devida.
Perdoe-me, nesta matéria, sou partidário de formas mais simples e expeditas
até porque todo Direito Fiscal...
O Sr. Ministro Rodrigues Alckmin: V. Exa. está adotando a forma mais
complicada, e demonstrarei a V. Exa.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O Direito Fiscal, quando tem
disposições processuais, e as tem, procura sempre formas mais expeditas.
Estou certo de que o Tribunal dará a solução mais razoável.
Data venia, mantenho, por enquanto, meu voto.
EXTRATO DA ATA
Rp 909/GB — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Representante: Pro-
curador-Geral da República. Representados: Assembléia Legislativa do Estado
da Guanabara e Governador do Estado da Guanabara.
Decisão: Adiado o julgamento, por haver pedido vista o Ministro Rodrigues
Alckmin, após os votos dos Ministros Xavier de Albuquerque e Cordeiro Guerra,
que conheciam da Representação, também, quanto aos arts. 13 e 37, julgando-a,
porém, improcedente, contra o voto do Relator, que não conhecia da Representação
quanto aos citados arts. 13 e 37, e, se vencido, pela improcedência. Plenário,
26-2-75.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
229
Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: O v. acórdão de fls. 258-262, prolatado
pela Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, expõe, lucidamente,
a controvérsia:
“Trata-se de mandado de segurança impetrado pelos frigoríficos
Armour e Wilson, objetivando eximir-se da fiscalização prevista nas leis
municipais regulamentadoras do comércio de carne e seus derivados, bem
como da conseqüente cobrança das taxas previstas nessa mesma legisla-
ção, invocando eles o argumento de que a fiscalização desse comércio
constitui atribuição privativa da União.
Inicialmente, a decisão de primeira instância deixara de conhecer do
mérito do pedido, por ter sido impetrado após 120 dias da ciência do ato
impugnado.
Todavia, esta Egrégia Câmara deu provimento ao recurso das
impetrantes, para que o pedido fosse julgado pelo mérito.
Pela municipalidade foi interposto recurso extraordinário que, inicial-
mente provido pela Egrégia Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal,
foi posteriormente repelido, na apreciação de embargos, que restabelece-
ram o acórdão desta Câmara.
Em conseqüência, veio a ser proferida a sentença de fls. 219 e seguintes,
cujo relatório adoto, e que findou por conceder a segurança.
Recorreram o juízo, de ofício, e a municipalidade, voluntariamente.
Os recursos tramitaram regularmente.
A Procuradoria-Geral de Justiça é pelo provimento dos recursos.
A decisão recorrida, data venia, está a merecer reforma.
É certo que a Lei Federal n. 1.283, de 1950, depois de estabelecer
que ao Ministério da Agricultura cabe a fiscalização de estabelecimentos
destinados à matança de animais e a seu preparo ou industrialização para o
consumo sem comércio interestadual ou internacional, dispôs que a fiscaliza-
ção federal excluía a estadual e a municipal (arts. 4º e 6º, parágrafo único).
Mas parece evidente que tal dispositivo não tem a virtude de impedir
exerça o Município o seu poder de polícia, no atinente ao estado da carne
distribuída aos consumidores, em seu território. Pois, como bem pondera
Lopes Meirelles, pela facilidade de deterioração e formação de toxinas
altamente nocivas, a carne, os ovos e o pescado exigem sério policiamento
municipal (cf. Direito Municipal, 1ª Edição, vol. I, pág. 296).
230
Ministro Aliomar Baleeiro
Não é por outro motivo que nossos tribunais vêm afirmando que ao
Município cabe o poder de verificar se os produtos licenciados pela Admi-
nistração federal, na zona de produção, ainda se acham nas condições
sanitárias atestadas pelas autoridades federais (cf. Rev. Trib., 299/346,
311/390; adde Francisco Campos? Parecer na Rev. Trib., 312/88 e seguintes).
Observe-se que a fiscalização federal se exerce nos estabelecimentos
em que se faz a matança do gado, o preparo e industrialização da carne, e
nos entrepostos, apenas quando estes e aqueles se dediquem, no total ou
em parte, ao comércio interestadual ou internacional. A fiscalização de
estabelecimentos restritos ao comércio intermunicipal ou municipal foi
atribuído aos estados (Lei Federal n. 1.283, art. 4º, b).
O Estado de São Paulo, de seu lado, atribuiu aos municípios a polícia
dos gêneros alimentícios destinados ao abastecimento público local, inclu-
sive a da carne (Lei Estadual n. 1, de 1947, art. 22, § 1º, XVII).
Ora, é bem de ver que o estado dos gêneros destinados ao consumo
local é matéria de peculiar interesse do municipio. Nem é por outro motivo
que a municipalização do serviço de matança de gado tem sido regra cons-
tante no Brasil e no exterior (cf. O. A. Bandeira de Mello,
Municipalização de Serviços Públicos, págs. 55 e seguintes).
Esta é, data venia, a interpretação que põe a Lei Federal n. 1.283 a
salvo do vício da inconstitucionalidade, conciliando-a com o princípio da
autonomia municipal, que a Lei Fundamental consagra. É, portanto, a que
deve ser acolhida, pois, ‘sempre que possível, adotar-se-á exegese que
torne a lei compatível com a Constituição’ (Lucio Bittencourt, Constitucio-
nalidade das Leis, pág. 118).
Da licitude da fiscalização municipal resulta a da cobrança dos tributos,
contra que se rebelam as impetrantes.
Certo que estas também alegam que as taxas cobradas recaem não
sobre a carne que abastece a Capital, mas sobre a destinada à industriali-
zação e ao consumo da população de outros municipios.
Todavia, pareceu à maioria que, nem mesmo sob tal fundamento, a
segurança poderia ser concedida, tendo em vista a deficiência de provas
que, a rigor, pela complexidade da matéria de fato, não poderiam mesmo
ser produzidas em mandado de segurança.
A este ponto ficou restrita a divergência surgida por ocasião do jul-
gamento, entendendo o eminente Des. Ulysses Dória que os elementos
constantes dos autos autorizavam a concessão da segurança para livrar as
impetrantes da fiscalização e, conseqüentemente, das taxas atinentes às
carnes destinadas à industrialização e ao consumo da população de outros
municipios.”
231
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira (Relator): Casos semelhantes ao presen-
te têm sido, freqüentemente, trazidos à apreciação deste Egrégio Supremo Tribu-
nal Federal.
Querem os recorrentes furtar os seus estabelecimentos e instalações a
qualquer espécie de fiscalização municipal, reguladora do comércio de carnes e
seus derivados, porque entendem submeter-se, apenas, à federal, nos termos do
art. 6º e seu parágrafo único da Lei Federal n. 1.283, de 18-12-50, subtraindo-se,
assim, ao pagamento das taxas municipais pretendidas.
A recorrida retruca que o exercício da fiscalização federal, em conformi-
dade com aquela lei, não exclui a sua, resultante do seu poder de polícia, bem
como de zelo da saúde da população local, em assunto do seu peculiar interesse;
cabendo-lhe, assim, não só examinar as condições sanitárias das carnes distribuí-
das aos habitantes do Município de São Paulo, como cobrar as taxas decorrentes
de sua atividade.
Os recorrentes pretendem estribar-se na jurisprudência desta Excelsa
Corte, invocando acórdãos que apóiam o seu ponto de vista.
Mas, é mister considerar, atentamente, as várias hipóteses trazidas a julga-
mento, por vezes divergentes, nas várias faces que oferecem.
Haja vista o v. acórdão, por certidão, às fls. 205-209, de que foi Relator o
eminente Ministro Ribeiro da Costa, no Recurso Extraordinário n. 45.117, cuja
ementa é a seguinte:
“Livre exercício de atividade profissional. Regulação da lei federal.
Peculiar interesse do Município. Monopólio de comércio. Garantias cons-
titucionais.” (Fl. 208v.)
Assim, por igual, o v. julgado proferido no Recurso Extraordinário n.
46.090, de que foi Relator o saudoso Ministro Ary Franco, em que se reconheceu
à recorrida, Sociedade Anônima Frigorífico Anglo, o seu direito ao exercício do
comércio de carne no Município de Santos, sem as restrições opostas pelo município
ao livre exercício desse comércio, sendo-lhe, porém, ressalvado cobrar da citada
recorrida os impostos municipais devidos (cert. de fls. 210-212v.).
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Ministro Aliomar Baleeiro
233
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, acompanho o voto do
eminente Relator. Mas quero deixar bem claro meu pensamento, ou tão claro
quanto me seja possível.
Não fiquei muito impressionado com o argumento de que a taxa municipal
em questão, pelo fato de não corresponder sempre à prestação efetiva de um
serviço, pudesse, por si só, ser inconstitucional ou ilegítima.
Muito embora sempre houvesse defendido a necessidade jurídica e política
de um conceito rígido de taxa — até para preservação do sistema federativo e da
discriminação de rendas, que ele comporta —, sempre admiti que seria constitu-
cional e legítima uma falsa taxa quando o imposto por ela mascarado fosse da
competência do poder que a exige. Há vários julgados do Supremo Tribunal nesse
sentido, inclusive em relação à Taxa de Recuperação Econômica de Minas Gerais,
que, se não me engano, pela Súmula 306, fundada em vários acórdãos, foi conside-
rada constitucional quando corresponde a um mascarado imposto da própria
competência estadual. Afinal, nesse caso, há imposto da competência estadual
irracionalmente batizado com o nome de taxa — erro técnico-financeiro, não,
porém, inconstitucionalidade.
Assim, dado que o município pode exigir de um frigorífico o imposto de
indústrias e profissões, essa taxa, afinal, nada mais, nada menos, seria que moda-
lidade espúria de cobrar imposto de indústrias e profissões, modalidade irracional,
porque o mais prático é o município majorar o imposto o quanto tenha necessidade,
em vez de recorrer a esses expedientes pueris.
Mas invocou-se o art. 6º da Lei n. 1.283/50, que, estabelecendo uma fisca-
lização sanitária federal, exclui nova fiscalização pelo órgão local.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Vilas Boas: Entendo que a pretensão das empresas reque-
rentes tem amparo na Lei 1.283.
O pedido foi formulado nestes termos: “Por outro lado, esclarecem, tam-
bém, que, relativamente às carnes vendidas in natura, no Município de São Paulo,
e que passam pelo tendal, nunca deixaram de recolher a taxa respectiva, sendo
que o ‘Wilson’ pagou à Prefeitura Cr$ 21.167.665,20 e a ‘Armour’ Cr$
20.739.410,00”.
Portanto, este está fora.
A fiscalização da Prefeitura, pela distribuição de carne verde, funciona na
Cidade de São Paulo e é legítima.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: As impetrantes pagam e não reclamam.
O Sr. Ministro Vilas Boas: Elas têm todo o direito, em face do art. 6º da Lei
1.283. Assim, estou dando a segurança, nos termos formulados na petição inicial.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O voto de V. Exa. está coincidindo com o
meu. Eu não conhecia essa circunstância de fato.
O Sr. Ministro Vilas Boas: Quanto à distribuição de carne para consumo
local, elas têm recolhido a taxa, o que está, pois, fora de questão.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Então, concedo a segurança.
O Sr. Ministro Vilas Boas: Quanto ao mais é que é pedido a segurança...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sempre que existir, efetivamente, a
cobrança.
O Sr. Ministro Vilas Boas: ... para essa cobrança discriminada.
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães (Presidente): Data venia do emi-
nente Relator, acompanho o voto do Sr. Ministro Vilas Boas.
Observou-se bem, no caso, como me parece, o disposto no art. 6º da Lei n.
1.283, de 18 de dezembro de 1950. Não é lícito ao município cobrar a taxa sobre
inspeção de carnes já aprovada pelo órgão competente do Ministério da Agricultura.
237
Memória Jurisprudencial
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Acho que devo retificar ou esclarecer
mais ainda o meu voto.
Como eu expus e com o adminículo que agora está fornecendo o eminente
Ministro Vilas Boas, praticamente quero conceder a segurança. É caso de exclu-
são da taxa municipal pela existência do serviço federal, não recusando o
impetrante o ônus do município nos serviços de puro caráter local.
DECISÃO
RMS 14.624/SP — Relator: Ministro Adalicio Nogueira. Relator para o
acórdão: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrentes: Frigorífico Armour do Brasil
(Advogado: Luiz Lopes da Costa) e Frigorífico Wilson do Brasil (Advogado:
Nelson Planet Júnior). Recorrida: Prefeitura Municipal de São Paulo (Advogado:
Antônio Inserra).
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: a Turma, contra o voto do
Ministro Relator, deu provimento aos recursos.
Presidência do Ministro Hahnemann Guimarães. Tomaram parte no julga-
mento os Ministros Aliomar Baleeiro, Adalicio Nogueira e Vilas Boas. Ausente,
justificadamente, o Ministro Pedro Chaves.
Distrito Federal, 20 de setembro de 1966 — Guy Milton Lang, Secretário.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
pela Lei 3.414, de 20-6-58 (como se decidiu no MS 13.773), já que essa legisla-
ção não foi revogada com a aprovação de veto no art. 3º da Lei 4.449. Esse
artigo se limitava, redundantemente, a mandar aplicar a Lei 2.123. Por outro lado,
sustenta a administração que a efetivação do primeiro impetrante naquelas con-
dições só se poderia fundar no citado art. 3º da Lei 4.449, dispositivo que caiu por
meio do veto. Também não lhe aproveitaria o art. 1º, § 3º, porque, embora se
refira a procuradores, só cuida dos “ocupantes de classes singulares e séries de
classes”, mandando enquadrá-los após cinco anos de exercício. Essa efetivação,
aliás, a administração tem por inconstitucional, em face do art. 186 da CF.
b) Os dois outros impetrantes, Dr. Hélio Cruz de Oliveira e Dr. Uriel de
Resende Alvim, são Procuradores de 1ª categoria, efetivos, o primeiro do DNEF,
e o segundo, do DNOS. Ocupavam cargos efetivos de Consultor Jurídico, nas
suas autarquias, de acordo com as leis e decretos de enquadramento, que foram
restabelecidos pela Lei 4.449. Pretendem voltar à sua situação anterior de Con-
sultores Jurídicos.
O parecer da douta Procuradoria-Geral é deste teor (fl. 114):
“1. A impetração é dirigida contra ato do Senhor Presidente da Repú-
blica, que autorizou o descumprimento dos arts. 1º, 2º, 3º e § 5º, do art. 4º,
da Lei 4.449/64, sob o fundamento do ter havido violação do art. 5º do Ato
Institucional, visto ter sido aumentada a despesa sem iniciativa do Poder
Executivo, e bem assim vulneração do disposto no art. 186 da Carta Magna,
de vez que foram efetivados interinos em cargos de carreira.
Alegam os impetrantes:
a) o segundo motivo invocado para a negativa de cumprimento da lei
(inconstitucionalidade da efetivação de interinos) não fora inserido na ex-
posição encaminhada ao Congresso, na justificativa dos vetos opostos ao
projeto, onde se argüiria, tão só, a violação ao art. 5º do Ato Institucional;
b) inexiste a pretendida infringência ao art. 5º do Ato Institucional,
eis que o Congresso Nacional se limitara a conservar a situação
preexistente, mantendo a despesa prevista para o pessoal;
c) nem o Ato Institucional, nem o art. 186 da Constituição Federal
são aplicáveis às autarquias; e por último;
d) não cabe ao Poder Executivo suspender a execução de lei por
considerá-la inconstitucional.
2. Vieram as informações de f. 46 usque 112, nas quais o ilustre
Consultor Jurídico, Dr. Helio Doyle, em substancioso trabalho, demonstra
o descabimento da impetração, esclarecendo:
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): São apenas três os impetrantes
deste mandado de segurança, mas a sua fundamentação foi deduzida em termos
amplos, envolvendo toda a reorganização das quatro autarquias do Ministério da
Viação mencionadas no relatório.
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, durante muitos anos em
minha vida, estive convencido de que não era lícito ao Presidente da República ou
a Governador de Estado repudiar a execução de uma lei, sob alegação de que
fosse inconstitucional. A minha convicção ficou abalada por um dos julgados deste
Tribunal que sustentava tese contrária. São muitos. Eu me recordo de dois ou
três, pelo menos, do eminente Ministro Candido Motta, em que S. Exa. citou, até,
um tópico de Black, dizendo: “A lei inconstitucional é como uma lei nula”.
E isso foi aplicado, pelo menos, a várias leis estaduais.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
foi em certo sentido, com permissão da palavra, uma exorbitância, porque a re-
presentação do art. 8º, parágrafo único, não é um processo judiciário comum. É
uma prerrogativa político-constitucional do Supremo Tribunal Federal, vinculada
à intervenção federal nos Estados.
Assim como uma lei não poderia restringir, nessa matéria, as prerrogativas
do Executivo ou do Congresso, também não o poderia quanto às prerrogativas do
Supremo Tribunal. Aliás, o Supremo Tribunal sempre aplicou o art. 8º, parágrafo
único, mesmo antes de haver lei que regulasse, porque não era necessária lei
nenhuma para que o Supremo Tribunal exercesse aquela sua prerrogativa. Nenhum
dispositivo de lei ordinária pode limitar nossas atribuições constitucionais, porque
será dispositivo exorbitante dos poderes do legislativo.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Discutimos isso aqui ontem. Votei no
sentido de conhecer como representação aquele mandado de segurança. Anterior-
mente à lei que regulou o processo de representação, o Supremo Tribunal tinha
conhecido representações semelhantes, por iniciativa do Procurador-Geral da
República, Professor Temistocles Brandão Cavalcanti. Se não me engano, o pri-
meiro caso foi contra dispositivo da Constituição do Rio Grande do Sul, havido
como inconstitucional, porque criava, na realidade, governo de gabinete. Fazia a
nomeação do Secretário do Estado depender da aprovação da Assembléia.
Mas o argumento do eminente Ministro Victor Nunes foi que, depois da
Emenda Constitucional n. 16, não era mais possível isso. O Presidente tinha de
tomar o caminho da representação e não o da defesa. Ora, ainda voltando ao
direito americano, há algum modo geral de defesa, de provocar o pronunciamento
de inconstitucionalidade de uma lei nos Estados Unidos? Primeiro, há defesa em
qualquer processo. Quem quer que seja chamado aos Tribunais para fazer ou
deixar de fazer uma coisa, pode opor a inconstitucionalidade da lei que se invoca —
tanto um particular como o Presidente da República. Não há razão para que se
tire do Presidente da República um direito que lhe é legítimo em relação a qualquer
particular. E com os riscos políticos. O Presidente da República pode seguir esse
caminho, mas, se não tiver maioria no Congresso, praticamente fica sem poder
governar, como já aconteceu nos Estados Unidos e também no Brasil. Pode chegar
até ao impeachment. O Presidente fica suspenso da função, ainda que só possa
ser condenado pela maioria de dois terços.
Segundo, há os chamados constitucional tests cases, vários processos
que seriam como o mandado de segurança, mas cuja aplicação prática foi sendo
construída durante mais de um século; terminou há oitenta anos. É o que chamamos
no Brasil ação declaratória. O Presidente da República, na sua atitude, teria uma
defesa que pode opor. Praticou o ato e assume o ônus de provocar o Procurador-
Geral da República no sentido de se declarar a inconstitucionalidade ou a
constitucionalidade do ato.
256
Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Vilas Boas: É o que chamamos “pôr o carro adiante dos
bois”.
O Sr. Ministro Carlos Medeiros: O Presidente da República presta com-
promisso de cumprir a Constituição e as leis; o preceito está na própria Constituição.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: É uma circunstância. Cada um de nós
nasce dentro da Constituição e tem que aceitá-la.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Se o Presidente da República entende que,
para obedecer à Constituição, deve descumprir a lei, estará cumprindo a Consti-
tuição...
O Sr. Ministro Carlos Medeiros: Isso é uma opção de ordem subjetiva.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Em minha vida, já jurei a Constituição
várias vezes: quando prestei compromisso como soldado e advogado, ao ser
empossado como deputado, quando Secretário de Estado e aqui no Supremo
Tribunal Federal. Se não tivesse prestado este compromisso, nem por isso deixa-
ria de ter de respeitar a Constituição. Quem nasce no Brasil está sujeito à Cons-
tituição, mesmo que não queira.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. me perdoe a insistência. Mesmo a
ação declaratória de inconstitucionalidade, que há nos Estados Unidos, pressupõe
um litígio específico.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: A coisa mais fácil nos Estados Unidos...
Por exemplo, as ações de acionista...
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não se há de presumir que o Presidente da
República simule demanda para trazer uma questão constitucional ao Supremo.
Não existe no direito público americano o instituto que se criou no direito
brasileiro, pelo art. 8º, parágrafo único, da Constituição, ampliado pela Emenda
Constitucional n. 16. Essa diferença entre o direito positivo de um e de outro país
é que me parece fundamental. Obriga-nos a ter doutrina diferente.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sem nenhuma dúvida que o direito ame-
ricano não é, na sua forma expressa, igual ao brasileiro. Nessa matéria se regula
diversamente, porque, aqui, um Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade da
lei em tese, com determinado quorum, em certos casos, etc., e lá não há nada
disso. Lá, ainda se controverte se não há usurpação da Corte Suprema ao declarar
a inconstitucionalidade. Há mais de 160 anos discute-se isso nos Estados Unidos.
Quero fixar a razão de ser do meu voto no seguinte ponto: a meu ver, e
com todo o respeito que tenho pelas opiniões e pela atuação brilhante do eminente
Ministro Victor Nunes, no caso, há, data venia, uma ligeira inconsistência, até no
sentido peregrino da palavra, no sentido americano da palavra inconsistência. É
que S. Exa., invocando a representação contra a inconstitucionalidade de uma lei
257
Memória Jurisprudencial
federal, não pode excluir isso que se reconhecia como um direito do titular do
Poder Executivo, antes da Emenda Constitucional n. 16. Por quê? Porque, depois
de vigorar a Constituição de 1946 e depois de o Congresso Nacional regular a
forma da representação por intermédio do Procurador-Geral do Estado para
declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos dos Estados — não obstante,
desde há mais de quinze anos existir essa lei —, o Supremo Tribunal Federal,
reiteradamente, como foi reconhecido por todos, em mandados de segurança,
reconheceu o poder de o Governador repudiar a execução de leis inconstitucionais.
O Sr. Ministro Carlos Medeiros: Mas, mediante lei das assembléias
legislativas, data venia, é o caso do Ceará, o do Rio Grande do Norte e o de
Santa Catarina. Não foi por autoridade própria que agiu o chefe do Executivo; o
Governador pediu às assembléias que repudiassem os textos, e elas o fizeram.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Não, só nesses casos em que as assem-
bléias, a meu ver, erroneamente, declaram nulas e de nenhum efeito as leis ante-
riores, não como nesses casos.
O Sr. Ministro Carlos Medeiros: Foram esses os casos.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Há também outros casos em que as as-
sembléias rejeitaram o veto do Governador, como é o caso deste mandado de
segurança.
O eminente Ministro Victor Nunes poderia socorrer-me. Não posso citar
aqui, mas há, com certeza, acórdãos declarando que, mesmo no caso de o Poder
Legislativo ter rejeitado o veto do Governador, ainda assim, era lícito ao Governador
não cumprir a lei.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Realmente, há.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Caio Tácito sustenta isso, baseado na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Carlos Medeiros: No caso do Rio Grande do Norte, o Gover-
nador Aluísio Alves pediu à Assembléia que revogasse a lei.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: No caso do Ceará, também foi assim.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Realmente, em casos como o do Ceará e o de
Santa Catarina, a anulação se deu por lei, tendo sido, porém, inúmeros os casos,
inclusive de São Paulo, em que os próprios Governadores deixaram de cumprir a
lei, por inconstitucional. E o Supremo Tribunal lhes deu razão.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Nunca votei assim.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Estou dando a opinião do Tribunal.
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Ministro Aliomar Baleeiro
259
Memória Jurisprudencial
VOTO (Mérito)
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, interpreto o art. 186 como
exigindo concurso de títulos e provas. Sei que há casos em que o Supremo Tribunal
Federal tem se contentado apenas com o concurso de títulos. Vi várias vezes, no
Congresso, interessados enchendo os corredores e fazendo uma pressão tremenda,
fato que explica aquela confusão a que se referiu o eminente Ministro Oswaldo
Trigueiro, então Procurador-Geral da República, em relação aos tesoureiros.
O meio de que se tem usado para violar o artigo 186 da Constituição é o
chamado concurso interno, concurso de títulos que, na prática, é para os nomeados,
os interinos, com absoluta violação do princípio do mérito, que está subjacente no
art. 186 da Constituição. São os interinos os únicos que acabam sendo considerados
aptos para a continuação no cargo. Isso viola, a meu ver, completamente esse
artigo.
Por essas razões, indefiro o mandado em relação ao primeiro impetrante.
Compreendi que, pela Lei 2.123, como foi exposto pelo eminente Relator, o
primeiro impetrante ficou numa situação jurídica já estabelecida pela Lei 3.414,
de 1958, que dispensava o concurso de títulos e provas, para considerá-lo somente
no regime de títulos.
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Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Victor Nunes: Nem a Lei 2.123 exigia provas. Ela mandou
classificar na carreira de procurador quem exercesse função jurídica, e os que
fossem interinos seriam submetidos a concurso de títulos. A Lei 3.414, de 1958,
estendeu este regime às autarquias que se criaram ou viessem a ser criadas
posteriormente à Lei 2.123.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, não aceito o argumento de
que a rigidez da Constituição, no art. 186, não se aplica às autarquias. Elas foram
criadas para dar ao Poder Executivo maior elasticidade na administração do serviço
público. E, escapando aos princípios gerais e constitucionais, quer-se invocar o
princípio e a estrutura das autarquias, para o fim de restringir essa mesma flexi-
bilidade por parte do Executivo.
Em resumo, nego ao primeiro impetrante, porque considero necessário o
concurso. Nego também aos dois demais impetrantes por um argumento — e
peço ao eminente Ministro Victor Nunes que retifique minha informação, se eu
estiver errado. S. Exa. afirmou que, se os impetrantes estivessem sujeitos à situa-
ção que o Presidente da República pretende pela supressão dos dois cargos, eles
teriam direito a uma disponibilidade com vencimentos integrais, nos termos da
Constituição.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O governo não lhes reconheceu isso, mas
eles teriam esse direito.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Eles não teriam interesse econômico no
caso, e a condição para mandado de segurança é que haja interesse lesado.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O governo os classificou como procuradores
de 1ª categoria. Portanto, não lhes está pagando vencimentos de consultor jurídico,
mas vencimentos de procurador de 1ª categoria. O governo, em lugar de os pôr
em disponibilidade, com a situação e os vencimentos de consultor jurídico, mudou-
lhes a categoria funcional, com rebaixamento de status e de vencimentos. Acho
que não podia fazer isso, porque eles eram estáveis, tinham que ser mantidos no
cargo, ainda que em disponibilidade, com vencimentos integrais.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Para mim, a situação não se coloca na-
quilo de que a Constituição fala: direito líquido e certo. O problema é controver-
tido. O Sr. Procurador-Geral da República insiste em que, em todos esses casos,
houve aumento de despesa. O eminente Relator disse que não houve em relação
aos três impetrantes, mas talvez haja em relação aos demais. Não tenho, em
relação aos dois últimos, certeza de que eles sofreram lesão no seu direito.
Nego a ordem.
261
Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro: O Código de impostos e taxas de São
Paulo (Decreto 22.022, de 31-1-53) dispõe em seu livro II:
“Art. 1º O imposto sobre transações, criado pelo art. 2º da Lei n.
2.485, de 16 de dezembro de 1935, recairá sobre as transações efetuadas
por empresas comerciais ou civis, individuais ou coletivas, que se dedica-
rem a negócios de:
(...)
b) construção, reforma e pintura de prédios e obras congêneres, por
administração ou empreitada;”
Tendo o arquiteto Abelardo Reidy de Souza se recusado a pagar esse
tributo, que lhe foi exigido sobre os honorários contratados para a fiscalização de
obra a ser construída por conta do proprietário, foi executado pela Fazenda esta-
dual, cuja pretensão o Tribunal de Justiça julgou procedente.
262
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro (Relator): Ainda que se queira apontar
certa imprecisão na ementa do acórdão prolatado no RE 38.538, tenho como
insuscetível de dúvida que o Supremo Tribunal declarou a inconstitucionalidade
postulada pelo recorrente.
Como consta da ata, declarou-se “inconstitucional o tributo em questão”.
O tributo em questão era o previsto no Livro II, art. 1, b, do Código de Impostos
e Taxas do Estado de São Paulo.
Na relação constante do ofício enviado ao Presidente do Senado Federal,
para os efeitos do art. 64 da Constituição, incluiu-se o RE 38.538, com o esclareci-
mento, entre parênteses, de que ele dizia respeito à “inconstitucionalidade da
cobrança do imposto sobre transações”.
Foi em razão desse expediente que o Senado, pela Resolução 32, suspen-
deu, nos termos da decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a execução
da alínea b do art. 2º do Livro II do Código de Impostos e Taxas, por infringências
dos arts. 15, IV, e 21 da Constituição Federal. Completou-se, assim, o processo
estabelecido para o controle de constitucionalidade: a declaração do Supremo
Tribunal foi seguida de manifestação formal do Senado, suspensiva da execução
da norma legal questionada.
Depois disso, poderia o Senado — por outra Resolução, de sua iniciativa,
promulgada sete meses depois — revogar a anterior, para interpretar a decisão
do Supremo Tribunal, por essa forma atendendo à reclamação apresentada pelo
Estado de São Paulo? É a primeira questão a ser examinada.
Em face da decisão do Supremo Tribunal e da primeira Resolução do Senado,
entendeu o fisco estadual que a discutida alínea b não fora eliminada do Código
de Imposto e Taxas. Seria ela inaplicável aos casos rigorosamente idênticos ao
examinado no RE 38.538, porém continuava em vigor para a generalidade dos
contribuintes.
A essa exegese aderiu o Senado, e isso o levou a revogar a Resolução 32
para, por outra Resolução, a de n. 93, alterar, corrigir, ou apenas interpretar, como
se queria, o que fora objeto de declaração pelo Supremo Tribunal.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, peço a Deus e aos emi-
nentes Juízes me perdoem se disser alguma heresia, nesta Casa, porque o único
meio de o Supremo Tribunal Federal construir a Constituição, é por esse processo
de tentar, errar e corrigir o erro.
Portanto, se um erro eu posso cometer, divergindo, é com grande embaraço
para mim, porque tenho em alto apreço intelectual a opinião do eminente Sr.
Ministro Pedro Chaves.
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Muito obrigado a V. Exa.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
O Sr. Ministro Luiz Gallotti : S. Exa. acha que, mesmo de meritis, o Supremo
não pode anular o segundo ato do Senado.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Talvez não tivesse sido claro. Vou pôr o
problema nos termos em que o eminente Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro o colocou,
há pouco, com muito brilho.
A primeira pergunta foi esta: pode o Senado Federal revogar a sua resolução
tomada com base no art. 64? E a segunda, posta, aqui, pelo eminente Sr. Ministro
Pedro Chaves: pode o Senado deixar de suspender a lei que lhe é apresentada
como inconstitucional?
O Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro (Relator do Mandado de Segurança n.
16.512): Infelizmente, pode, porque não há prazo nem sanção. É o que assinalei
no meu voto. O Senado pode ser omisso durante vinte anos.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Tenho impressão de que o eminente Sr.
Ministro Pedro Chaves, talvez por má-percepção minha, levantou a tese de que o
Senado é obrigado a executar aquilo que o Supremo Tribunal Federal disse, quando
afirma a inconstitucionalidade de uma lei. A expressão de S. Exa. foi: “o Senado
é um executor das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Então, S. Exa. admitiu
que o Senado possa penetrar no julgado do Supremo Tribunal e apreciar se ele
está formalmente compatível com a Constituição, isto é, se ele foi votado por um
quorum adequado, de acordo com o art. 200 da Constituição, etc.
Aí, não. Acho que, quando o Supremo Tribunal Federal decide, o acórdão
que sai daqui tem, por si, a presunção de que o julgamento foi tomado com todas
as cautelas constitucionais.
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Mas ninguém pode chegar a essa presunção
sem as cautelas necessárias.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Será o Próprio Supremo Tribunal Federal
que verificará se foram tomadas as cautelas, de acordo com as normas legais
adequadas. O Senado, a meu ver, não pode fazer isso. É matéria interna
corporis.
Agora, o Senado, na minha opinião, tem discricionarismo político de sus-
pender ou não. Se convier, ele suspende; se não convier, ele, ao invés de
prestigiar a decisão do Supremo Tribunal, pode tomar a iniciativa de uma emenda
à Constituição, ou ficar inerte.
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Era assim no tempo da Carta de 1937.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Só não poderá emendar se, com isso, ele
vier a ofender a República ou a Federação. São os dois limites do poder de
emendar do Congresso Nacional.
272
Ministro Aliomar Baleeiro
273
Memória Jurisprudencial
Às vezes, há matizes, em cada caso, e aquela decisão que diz que a lei é
inconstitucional, assim procede em função de determinadas circunstâncias e
distinções, e não em face da lei.
Por essas razões, Sr. Presidente, adoto os votos de ambos os eminentes
Srs. Ministros Relatores, não conhecendo nem de mandado de segurança, nem
da reclamação. E, com ressalva a respeito desses poderes do Senado, que, a meu
ver, podemos nos dispensar de apreciá-los, mesmo para não nos comprometermos,
desde já o que não é necessário para a solução deste caso.
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, eu considero que, no
caso, não se trata propriamente de uma lei em tese, mas de um ato do Senado
Federal, que o praticou em nome da Constituição, para complementar, digamos
assim, aquilo que o Eg. Supremo Tribunal Federal decidiu. Praticando tal ato, o
Senado Federal estava, por conseqüência, cumprindo missão constitucional, que
lhe foi outorgada, de acatar e complementar a decisão deste Eg. Supremo Tribu-
nal Federal. Acho que se trata, como bem disse o eminente Ministro Pedro Cha-
ves, de um ato conseqüente de resolução anterior do Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Permite o eminente Juiz um aparte?
Eu queria ponderar a V. Exa. e ao Tribunal aquela cláusula do art. 64:
“incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal”.
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Mas, no todo ou em parte, se o Supremo
Tribunal Federal houver declarado a inconstitucionalidade, no todo ou em parte,
isso é evidente.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Com a devida vênia, o Senado Federal
tem opção para aceitar a conveniência de suspender um dos dispositivos, se forem
mais de um, e não suspender os demais. Está na letra, está na própria essência...
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Não tenho aqui o dispositivo constitucional,
mas o que ao Senado compete é, justamente, cumprir a decisão do Supremo
Tribunal Federal, mandando, portanto, aplicar ou suspender...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O Senado não é um mero executor, um
mero carimbo de borracha, para dar autenticidade ao ato.
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Nos termos da Constituição, o Senado,
acatando a decisão do Supremo Tribunal Federal, suspenderá a disposição.
274
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, conheço como represen-
tação, embora ainda não haja uma lei regulamentando o exercício dela em rela-
ção a leis federais. O conheço porque, quando entrou em vigor a Constituição de
1946, também não havia lei regulamentando o exercício desse remédio por parte
do Sr. Procurador-Geral da República, e creio que foi Temistocles Cavalcanti que
encaminhou as primeiras, independentemente de um texto legislativo; e o Supremo
Tribunal Federal considerou auto-aplicável o dispositivo constitucional.
Por esses precedentes, dado que o Sr. Procurador-Geral da República
assumiu a autoria da reclamação e também o Senado Federal foi ouvido, embora
em um prazo menor do que aquele que é concedido às Assembléias dos Estados
em circunstâncias análogas, repito: em face do precedente, conheço da repre-
sentação.
275
Memória Jurisprudencial
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, peço a palavra para es-
clarecer meu voto.
V. Exa. está computando meu voto vencido no mérito, da representação
da Procuradoria-Geral, no caso, quando enunciei, inicialmente...
O Sr. Ministro Ribeiro da Costa (Presidente): Por enquanto o que consta
da minuta de julgamento é o seguinte: conheceram do pedido como representa-
ção, julgando-a procedente para anular o ato impugnado. Restam, agora, os votos
que podem diferir.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Tive a impressão de que V. Exa. iria
facultar, a quem quer que fosse, votar sobre o mérito. Porque, quando me pro-
nunciei, inicialmente, me referi, apenas, à preliminar do não-conhecimento,
quer da reclamação, quer do mandado de segurança. E disse, mesmo: não sendo
necessário decidir sobre o mérito, pois não teria razão para me alongar sobre ele.
Agora, quanto ao mérito, voto contra o provimento da representação.
Creio — e, nisso, divirjo do eminente Sr. Ministro Victor Nunes Leal —
que é lícito ao Senado rever a sua resolução. Creio que S. Exa. está equiparando
duas hipóteses diferentes. S. Exa., como ouvimos aqui, considerou o ato do Senado
com apoio no art. 64 a uma revogação de uma lei. Não. O que o texto diz, inega-
velmente, é que a suspensão da execução é uma situação de direito; não é única
em nossa Constituição, no art. 64.
Além do caso do art. 64, temos um outro exemplo de que uma lei pode
ficar em vigor e ter sua execução suspensa. Veja V. Exa., por exemplo, o art.
141, § 34. Ali, há dois princípios: que um tributo deve ser sempre decretado por
uma lei; mas que a sua cobrança em cada exercício dependerá de uma prévia
autorização orçamentária. Então, que acontece se o Congresso — estou discutindo
no plano federal — ou uma Assembléia do Estado não concedeu autorização
orçamentária para cobrança de um imposto em determinado orçamento, embora
não haja sido revogada a lei que decreta esse imposto? A lei está em vigor;
apenas faltou o ato que dá eficácia àquela lei naquele exercício. Pode o Congresso
achar conveniente não revogar a lei e deixá-la para quando julgar oportuno
utilizá-la. E, num determinado exercício, considerar que a receita daquele imposto
ou conveniência da política possam não aconselhar a cobrança naquele ano.
O caso não é único, por isso reconheço ao Senado o poder de suspender e
rever o seu ato e fazê-lo em qualquer tempo. Poderia, também, chegar à conclu-
são de que mais convém aguardar aquela hipótese já aqui exposta pelo eminente
Sr. Ministro Victor Nunes Leal: uma mudança, por exemplo, da composição do
Supremo Tribunal, quando a margem de votação foi mínima, com apenas um voto
de diferença, como é, por exemplo, o caso das taxas de incêndio de Pernambuco
e Minas Gerais.
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Ministro Aliomar Baleeiro
DECISÃO
MS 16.512/DF — Relator: Ministro Oswaldo Trigueiro. Requerentes: En-
genharia Souza e Barker Ltda. e outros (Advogados: Benedicto Pereira Porto e
outro). Requerido: Senado Federal.
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: conheceram do pedido
como representação, julgando-a procedente para anular o ato impugnado,
contra os votos dos Ministros Aliomar Baleeiro e Hermes Lima, no mérito.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos de Recurso em Mandado de Segurança n.
18.534, do Estado de São Paulo, em que é recorrente a Editora Abril Ltda. e
recorrido o Juiz de Direito da Vara de Menores da Capital, decide a Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal dar provimento em parte, por maioria de
votos, de acordo com as notas juntas.
Distrito Federal, 1º de outubro de 1968 — Evandro Lins e Silva, Presidente —
Aliomar Baleeiro, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Themistocles Cavalcanti: A Editora Abril requereu mandado
de segurança ao Juiz da Vara de Menores da Comarca da Capital de São Paulo
que, de acordo com o parecer do Dr. Curador de Menores, mandou apreender,
em oficinas da empresa, 231.680 exemplares da revista Realidade, com graves
prejuízos para a impetrante.
A apreensão foi feita sob o fundamento de que é obscena a referida publi-
cação.
Que, entretanto, no conceito do art. 53 da Lei de Imprensa e no seu con-
ceito usual, não se verifica tal obscenidade.
Além do mais, a referida publicação devia ser distribuída em outras cidades
do Brasil, onde os juízes de menores poderiam atender a outras conceituações da
obscenidade.
O juiz justificou o seu ato à fl. 22, apontando diversos artigos (fls. 71/77)
que caracterizam a obscenidade e justificou seu ato que teria de atingir todos os
exemplares ainda nas oficinas.
Que o conceito de obsceno se refere estritamente ao pudor, cuja presunção
se impõe à autoridade judiciária, conceito que no dizer de Nelson Hungria não se
confunde com a expressão erótica.
O Tribunal proferiu decisão que se resume na ementa à fl. 90, denegando
o pedido e resumindo o que se contém no longo acórdão de fls. 90 a 99.
Recorreu a impetrante contestando o conceito de obscenidade constante
da decisão, por ser inaplicável na espécie, invocando a opinião do Dr. Procurador-
Geral, favorável à concessão da segurança (fl. 105), e que, na Inglaterra como
nos Estados Unidos, o conceito evoluiu porque a literatura não pode estar no nível
de menores, mas do público em geral.
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Themistocles Cavalcanti (Relator): O exame do recurso
envolve questão de saber se pelo artigo 53 da antiga Lei de Imprensa (de 1953),
como o quer o acórdão recorrido, cabe ao juízo apreciar livremente os casos de
obscenidade ou se a instância superior pode corrigir a aplicação da lei dada com
excessivo rigor ou a indevido entendimento do conceito de “obscenidade”.
A atual Lei de Imprensa usa de expressão diversa (art. 61, § 6º) e se
refere a impresso que “a moral e os bons costumes” dispensam toda e qualquer
forma de processo para a apreensão.
O meio adequado, portanto, para reagir contra o ato judicial seria ação
direta, por meio do mandado de segurança.
A dificuldade da medida é que toda a questão se assenta fundamentalmente
em um problema de prova, isto é, de verificação do ato do juiz em face do que
consta dos textos publicados para verificar se os mesmos são obscenos.
Direito líquido e certo pressupõe a prova da legalidade do ato, prova indis-
cutível de fato, de que decorra o direito e a sua violação.
Ora, no caso presente será necessário não só o exame de todo o texto da
publicação, mas também a apreciação do seu conteúdo.
Não existe, além do mais, um critério objetivo para declarar se uma publi-
cação é ou não obscena, não existe uma linha de demarcação entre o obsceno e
o não obsceno.
O sentimento de pudor com ele relacionado, na opinião dos autores, depende
da formação moral de cada um, de sua educação, da idade, de concepção
filosófica, etc.
A leitura do número da revista apreendida, para mim, não pode ser consi-
derada uma publicação obscena, precisamente porque não ofende o pudor, nem é
erótica, embora não recomendável para pessoas pouco amadurecidas. Ali se jus-
tificam certas formas de comportamento que, no meu entender, não são dos mais
salutares e contém narrativa de certas formas de vida que não condizem rigoro-
samente com preceitos tradicionais de moral.
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Ministro Aliomar Baleeiro
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, peço vista dos autos.
EXTRATO DA ATA
RMS 18.534/SP — Relator: Ministro Themistocles Cavalcanti. Recorrente:
Editora Abril Ltda. (Advogado: Sílvio Rodrigues). Recorrido: Juiz de Direito da
Vara de Menores da Capital.
Decisão: Pediu vista o Ministro Aliomar Baleeiro após o voto do Relator,
que negava provimento ao recurso. Segunda Turma.
Presidência do Sr. Ministro Evandro Lins e Silva. Presentes à sessão os
Ministros Adalicio Nogueira, Aliomar Baleeiro, Themistocles Cavalcanti e o Dr.
Décio Miranda, Procurador-Geral da República. Licenciado, o Ministro Adaucto
Lucio Cardoso.
Distrito Federal, 24 de setembro de 1968 — Guy Milton Lang, Secretário.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: I - O egrégio Tribunal de Justiça de São
Paulo denegou segurança impetrada pela Editora da revista Realidade, que teve
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, acabamos de ouvir dois
brilhantes votos, anteriormente, o do eminente Ministro Themistocles Cavalcanti,
e, hoje, o do eminente Ministro Aliomar Baleeiro, que honram o talento e a cultura
jurídica e geral dos eminentes Ministros.
Todavia, peço vênia ao eminente Ministro Relator para estar com o Sr.
Ministro Aliomar Baleeiro, porque S. Exa., apreciando bem os pontos de vista,
que, aliás, também foram muito bem exposto pelo Ministro Themistocles
Cavalcanti, concedendo o mandado, ressalva ao Juiz de Menores o direito às
providências necessárias para acautelar esses menores dos possíveis danos que
possa acarretar a leitura da revista proibida.
291
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva (Presidente): Gostaria que o eminente
Ministro Aliomar Baleeiro informasse em que disposição de lei se fundou o juiz
para a proibição.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Fundou-se no artigo 53 da Lei de Im-
prensa, de 1953, a primeira lei. A segunda repete esse dispositivo. Ao invés de
dizer “obsceno”, diz “contra os bons costumes”. O dispositivo é o seguinte:
“Art. 53. Não poderão ser impressos, nem expostos à venda ou
importados, jornais ou quaisquer publicações periódicas de caráter obsceno,
como tal declarados pelo Juiz de Menores, ou, na falta deste, por qualquer
outro magistrado”.
§ 1º Os exemplares encontrados serão apreendidos.
Base legal tem, não há nenhuma dúvida. O problema é saber se isto é
obsceno. Em tese, o juiz poderia fazer o que fez.
Aliás, no caso da Esquire, que citei aqui, o Relator, que foi Douglas, disse:
“não há nenhuma dúvida de que o Congresso pode estabelecer padrões, segundo
os quais a correspondência é classificada nos Correios, para, então, não dar pri-
vilégios de segunda classe, que é a tarifa barata, para livros e revistas, publica-
ções que, nesse discricionalísmo administrativo, não a merecem. Concedeu o
writ para que a Esquire não fosse impedida de trafegar pelos Correios, com as
mesmas vantagens das demais revistas.
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva (Presidente): Também peço vênia ao
eminente Sr. Ministro Relator para acompanhar o eminente Sr. Ministro Aliomar
Baleeiro. O conceito de obscenidade é variável no tempo e no espaço. O que era
considerado obsceno há bem pouco tempo, deixou de o ser com a mudança de
costumes e o conhecimento que a juventude passou a ter de problemas que lhe
eram proibido estudar e conhecer, até recentemente.
292
Ministro Aliomar Baleeiro
Há certa distinção que é preciso fazer. O critério a ser seguido pelo juiz,
sobre a caracterização da obscenidade, não deve ser o seu critério pessoal, mas,
sim, o critério da maioria, o pensamento médio da população. O Código Penal, no
art. 234, pune:
“Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim
de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho,
pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno.”
Os comentadores, que têm tratado desse assunto, vacilam sobre a carac-
terização exata do conceito do que seja o escrito obsceno.
Li uma distinção que Henry Miller — que é tido como autor condenado,
por grande parte dos moralistas — procura fazer entre obscenidade e pornografia.
Realmente, tem-se que distinguir a baixa pornografia e a obra de arte.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O erotismo, em si, não é imoral. Tem
base psicológica, de fundo biológico. Agora, por exemplo, deformar os fatos, exagerar
o que é natural ou pôr em ênfase, em louvor, o que é anômalo, vicioso, depravado,
isto é que é, sobretudo, obsceno. Os livros obscenos se caracterizam, em geral,
por isso. Por outro lado, obsceno é o contrário aos costumes bons, ainda que nada
tenha a ver com sexo, como por exemplo, a função excretória do organismo.
Pornográfico, do étimo grego porneion, é o pertinente às prostitutas e seus clientes.
O Sr. Ministro Themistocles Cavalcanti (Relator): O que há é o seguinte:
é que a lei atribuiu ao juiz competência para determinar o que é obsceno. Este é
o fundamento do meu voto.
Data venia, nós podemos, agora, através dos votos e declarações, corrigir
esse conceito e levar o juiz a outro comportameto, posteriormente.
O que me interessa, aqui, é exatamente a repercussão social. Todos esses
fatos são verdadeiros. Existe novo conceito de moral, liberdade muito maior, isso
é verdade. Que o que se exige e o que a lei justifica é uma disciplina desse
comportamento das revistas, livros, etc. Esse, o ponto fundamental para mim. Foi
por isso que eu, reconhecendo, embora, que o juiz precisava ter corrigido a sua
conceituação, negava o mandado.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Não podemos, também entregar isso ao
arbítrio do juiz. Ele tem que atender a certos padrões. Deve ter uma espécie de
standard ou test, como o que a Corte Suprema Americana chamou de “o teste
do claro e atual perigo”. Não há outro meio. Como vamos deixar um magistrado
apreender a edição de uma revista, pode ser, hoje, Realidade, pode ser, amanhã,
outra qualquer, pode ser O Estado de São Paulo, conforme lhe der na cabeça,
293
Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
EXTRATO DA ATA
RMS 18.534/SP — Relator: Ministro Themistocles Cavalcanti. Relator para
o acórdão: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: Editora Abril Ltda. (Advogado:
Sílvio Rodrigues). Recorrido: Juiz de Direito da Vara de Menores da Capital.
Decisão: Deu-se provimento em parte, contra o voto do Relator. Segunda
Turma.
Presidência do Ministro Evandro Lins e Silva. Presentes à sessão os Ministros
Adalicio Nogueira, Aliomar Baleeiro, Themistocles Cavalcanti e o Dr. Oscar
Correia Pina, Procurador-Geral da República substituto. Licenciado, o Ministro
Adaucto Lucio Cardoso.
Distrito Federal, 1º de outubro de 1968 — Guy Milton Lang, Secretário.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
Recursos cujas decisões, em sua maioria, conceituam como taxa (fl. 96). “A
jurisprudência dominante considera como taxa”, e cita vários acórdãos do Supremo
Tribunal Federal.
Conclui então:
“Trata-se, com evidência, de mera imposição parafiscal, e assim
excluída da categoria do imposto.
Não será tecnicamente uma taxa, por falta de interesse imediato do
serviço público na participação do contribuinte, mas é incontestável que
ela visa a melhoria de um serviço como o de navegação comercial que, se
não é público porque não é estatal, objetiva interesse público da maior valia
econômica.
A sua incidência sobre o frete, a sua arrecadação pelo Banco de
Desenvolvimento afastariam essa idéia, mas a sua aplicação pela Comissão
da Marinha Mercante daria um sentido público a essa contribuição.
Aproxima-se da taxa, pelo menos em alguns de seus elementos técni-
cos.”
7. Parece-me, também, que a Taxa de Renovação da Marinha Mercante
se classifica como uma das controvertidas “contribuições parafiscais”, da termino-
logia do Inventário Schuman e do prof. E. Morselli.
A Constituição de 1946 só mencionou a da previdência social no art. 157,
XVI, reproduzido no art. 158, XVI, da Constituição de 1969. Mas esta, além
desse caso, previu dois outros nos arts. 159, § 1º, e 157, § 9º.
Pouco importa que não as batizasse de “parafiscais”, denominação que
pegou de galho na França, Espanha e no Brasil, mas que encontra resistência
alhures.
O ilustre Professor Giuliano Fonrouge, que tão bem conhece e tem comentado
o Direito Fiscal do Brasil, prefere chamá-las classicamente de contribuições
especiais” (Acerca de la llamada “parafiscalidad” — en la Ley, de B. Aires,
ed. 4-5-1967).
A taxa da Marinha Mercante poderia enquadrar-se, talvez, no art. 157, § 9º:
“Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o
parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao
custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer”.
Mas não vigorava esse dispositivo ao tempo da impetração e do fato gera-
dor (1966). Ele não poderia ter convalidado a aplicação da Lei 3.381/1958, que é
anterior à Lei 4.425/64, excludente daquela taxa em relação aos negócios de
minerais.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
ACÓRDÃO
Vistos, etc.
Resolve a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, à unanimidade,
conhecer do recurso e, no mérito, contra o voto dos Ministros Aliomar Baleeiro e
Adalicio Nogueira, negar provimento, tudo conforme as notas taquigráficas.
Brasília, 21 de junho de 1966 — Vilas Boas, Presidente e Relator p/ o
acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O recorrente acionou o Estado do Rio
Grande do Sul, porque a alegada desídia do juiz fez com que prescrevesse sua
queixa-crime oferecida contra jornalista que o injuriara na imprensa local, a despeito
da diligência tenaz de seu advogado. Juiz e serventuários teriam sido morosos em
marcar audiências e praticar os atos processuais. Então, diz, o Estado não cumpriu
sua finalidade nem seu dever de prestar Justiça, e, nos termos do art. 194 da
Constituição, deve indenizá-lo dos honorários, custas e despesas feitas em pura
perda.
2. O Estado procurou eximir-se, argumentando não ser responsável por
atos dos membros do Poder Judiciário, tendo o juiz de 1ª instância acolhido a
ilegitimidade passiva dessa pessoa do Direito Público.
A 1ª Câmara Civil, depois de pronunciamento das Câmaras Reunidas, deu
pela legitimidade passiva do pedido, voltando os autos à 1ª instância, que julgou
improcedente a ação por não estarem caracterizados dolo e culpa do juiz crimi-
nal, assoberbado de trabalho, pois atendida a duas comarcas, razão pela qual
ocorrera “justo motivo” de retardamento. Admitiu inclusive força maior na lenti-
dão do magistrado (fl. 462).
3. Apelou o recorrente, argüindo que responsabilizara o Estado e não o juiz —
o Estado porque não providenciara nem equipara eficientemente o serviço da
Justiça, evitando seu congestionamento ou provendo substituições e outras medidas
curiais (fl. 468).
4. O v. acórdão de fl. 485 confirmou a recorrida sentença, porque estava
provada a inocorrência de culpa do juiz, esmagado pelo trabalho de duas
comarcas por impedimento do titular delas. Se o art. 121, II, do CPC escusa de
responsabilidade o juiz na ação direta contra ele, em caso de justo motivo, igual
escusa há de se reconhecer ao Estado, por fato do mesmo juiz — argumenta a
sentença.
300
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): 1. Conheço do recurso pelas
letras a e d, pois não se trata de reapreciar o justo motivo da morosidade do juiz —
matéria definitivamente encerrada na justiça local — mas qual a interpretação
exata do art. 194 da Constituição, tema em relação ao qual há divergência entre
a v. decisão recorrida e outras dos tribunais de São Paulo, Guanabara, e até do
STF, como indicou o recorrente.
2. Dou provimento ao recurso porque me parece subsistir, no caso, respon-
sabilidade do Estado em não prover adequadamente o bom funcionamento da
Justiça, ocasionando, por sua omissão dos recursos materiais e pessoais adequados,
os estorvos ao pontual cumprimento dos deveres de seus juízes. Nem poderia
ignorar essas dificuldades, porque, como consta das duas decisões contrárias ao
recorrente, estando uma das comarcas acéfala, o que obrigou o juiz a atendê-la,
sem prejuízo da sua própria — ambas congestionadas de serviço —, à Comissão
de Disciplina declarou-se em regime de exceção ampliando os prazos.
3. Se o Estado responde, segundo antiga e iterativa jurisprudência, pelos
motivos multitudinários, ou pelo “fato das coisas” do serviço público, independen-
temente de culpa de seus agentes (RE da Bahia, Salvador Araújo versus Prefei-
tura de Salvador, caso de rompimento dos esgotos pluviais por força de temporal
violentíssimo), com mais razão deve responder por sua omissão ou negligência
em prover eficazmente ao serviço da Justiça, segundo as necessidades e os reclamos
dos jurisdicionados, que lhes pagam impostos e até taxas judiciárias específicas
para serem atendidos.
4. No caso, há certeza da lesão e, pelo menos para mim, da imputabilidade
da causa dele à omissão do Estado do Rio Grande do Sul, como gerador único do
301
Memória Jurisprudencial
302
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): Paul Duez, em De la responsabilité
de la puissance publique, cita vários casos em que se estabelece a responsabili-
dade pela culpa do serviço. É uma culpa objetiva. O serviço falhou, mas o próprio
Conselho de Estado, pelo que sei, excetuava claramente o serviço de polícia.
Entendia que, quando o serviço de polícia falhava, era necessário que a culpa
fosse excessivamente grave para que engendrasse responsabilidade. O serviço
de polícia é, evidentemente, falho. Forçosamente, a polícia não está em toda parte.
Quanto à responsabilidade pela falta do serviço judiciário, a única regra que
conheço é o dispositivo do Código de Processo Penal, que manda indenizar pelos
erros judiciários praticados. Assim mesmo, bono modo, não é uma indenização
ampla. São tais as restrições que o cidadão sofre na sua liberdade, tão grave e
profunda a injustiça sofrida, que uma reparação pecuniária é, às vezes, pequena.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: No caso, o homem quer receber uma
reparação moral. Ele foi achincalhado por um adversário. Em vez de reagir com
desforço pessoal, acreditou na Justiça. O advogado bombardeava o juiz com
petições. Ele insistiu. Não conseguiu fazer funcionar a máquina da Justiça.
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): Em todo caso, V. Exa., Sr. Ministro
Relator, apresentou tese que reputo avançada, de que o art. 194 do Código Penal
também envolve a responsabilidade pelas faltas da Justiça.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: É o velho aforisma, a velha parêmia: onde
o texto não distingue, o juiz não deve distinguir. Não posso distinguir. Considero o
Judiciário como o serviço de vacinação, ou o serviço público de guarda noturna.
O cidadão paga para tê-lo. Quem vem à porta do Supremo Tribunal Federal paga,
embora seja um sumaríssimo preparo que não cobre nem a despesa com as
folhas de papel gastas pelo juiz; apesar disso, paga. Está nas mãos do Estado
cobrar mais taxas, mais impostos, porém, faça funcionar a Justiça. O que não
posso admitir é que numa comarca haja uma situação realmente anárquica, com
o juízo acéfalo, sem juiz, e, em outra, o juiz esteja assoberbado com o trabalho de
duas comarcas. O Conselho Disciplinar conhecia o fato. Considerou que essa
comarca estava em regime de emergência. Houve reclamação da parte e, afinal,
ela tem que sofrer o malogro por mau funcionamento da Justiça.
V. Exa., Sr. Presidente, citou a jurisprudência francesa do Conselho de
Estado. Citei, no meu voto, um caso cuja fonte, infelizmente, não tive tempo de
indicar, mas tenho absoluta certeza do que existiu. Salvador de Araújo versus
Prefeitura de Salvador, há perto de 20 anos, no STF. O caso saiu publicado numa
revista da Ordem dos Advogados da Bahia. Fui seu defensor gratuitamente, porque
ele prestava serviço à Ordem dos Advogados. Tinha uma tipografia no prédio na
base da montanha de Salvador. Como sabemos, Salvador é uma cidade de dois
303
Memória Jurisprudencial
andares. Houve uma grave catástrofe. Ninguém, na Bahia, nem as pessoas mais
velhas tinham memória de que tempestade daquele vulto houvesse ocorrido. As
águas pluviais desceram dos sobrados de seis andares, que tinha o primeiro no
nível do mar e o último ao nível da montanha. As águas pluviais desceram pelas
escadas do edifício, porque a rua se convertera num rio. Salvador de Araújo
entrou com uma ação e perdeu em todas as instâncias na Bahia.
Interpus recurso extraordinário. Infelizmente, não posso, de memória (já
se vão quase vinte anos), dizer qual o Ministro Relator.
Baseou-se o acórdão na teoria francesa, levada para os autos através da
pequena brochura de Rolland, o Manual de Direito Administrativo, da coleção
Dalloz, enfim a teoria da responsabilité du fait des choses, a responsabilidade
objetiva, oriunda das coisas e que prescinde da apuração de qualquer falta humana
na produção do evento danoso.
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): É baseada no princípio da respon-
sabilidade.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Os esgotos foram calculados
para todas as estatísticas e chuvas de durante os vinte ou trinta anos anteriores,
enquanto houve estatística na Bahia. Os esgotos foram calculados para isso.
Mas veio uma chuva acima de quaisquer dessas estatísticas e arrebentou com
tudo isso. Ainda assim, o tribunal condenou, e condenou bem, a meu ver. Quem
utiliza a coisa deve responder pelos danos que ela causa, ainda que se não possa
vincular o evento a uma culpa da pessoa. O risco é inerente a certas coisas,
sobretudo máquinas, instalações complexas ou que usam energia elétrica.
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): Este é meu voto.
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, o caso é delicado e inte-
ressante. Peço vista dos autos.
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: pediu vista o Ministro
Adalicio Nogueira, após o voto do Ministro Relator, conhecendo do recurso
e provendo-o.
Presidência do Ministro Vilas Boas. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro.
Licenciado, o Ministro Hahnemann Guimarães.
Brasília, 19 de abril de 1966 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos, Vice-
Diretor-Geral.
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: O recorrente propôs ação ordinária contra
o Estado do Rio Grande do Sul, a fim de compeli-lo a indenizá-lo de prejuízos
sofridos, oriundos de culpa exclusiva do Poder Judiciário ou dos órgãos do Estado,
cujo aparelho judiciário não funcionou, em termos de atendê-lo, nos seus reclamos
de justiça.
É que ele oferecera, na Comarca de Santa Maria, do Estado do Rio Grande
do Sul, uma queixa-crime, por delito de imprensa, contra Clarimundo Flores, diretor
do jornal A Razão, que, em artigo no mesmo publicado, o injuriara. Pretende,
assim, obter indenização dos gastos que despendeu, consistentes em honorários
de advogado que pagou, custas e outras despesas.
Para tanto, alegou que, a despeito de todos os meios que empregou, de
toda a vigilância de que se socorreu, de todos os esforços a que se consagrou
para levar a causa a bom termo, não o conseguiu, visto que a mesma desfechou
na extinção da punibilidade pela prescrição, mercê da desídia dos órgãos que
intervieram no processo e do inadequado funcionamento da máquina judiciária
local.
A sentença de primeira instância e o v. acórdão do Eg. Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul não reconheceram, em benefício do autor, o ressarcimento
pleiteado, o que o levou a se valer de recurso extraordinário, já conhecido e
provido pelo eminente Relator, com base nas letras a e d do permissivo constitu-
cional.
Também eu conheço o recurso.
A matéria em debate, já agora, circunscreve-se à apuração de se houve
responsabilidade do Estado, em razão do funcionamento defeituoso do serviço
público judiciário, motivador da lesão econômica sofrida pelo recorrente, porque
o aspecto da desídia funcional culposa dos agentes da Justiça, causadora do dano
em apreço, já se solveu, em definitivo, nas instâncias recorridas.
Aliás, a questão foi mal posta pela defesa, quando essa suscitou a matéria
da irresponsabilidade dos juízes em razão das sentenças ou decisões que proferem.
Todos sabem que, nessa esfera, a magistratura está resguardada pela intangibi-
lidade. A res judicata está sobranceira às agressões dos que são fulminados
pela sentença.
Há, contudo, uma brecha nessa muralha: a reparação do erro judiciário.
Mas não é disso que aqui se trata. Os atos acoimados de lesivos são estra-
nhos, propriamente, à função jurisdicional.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Sr. Presidente, peço vista dos autos.
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: após o voto do Ministro
Adalicio Nogueira, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o
Ministro Pedro Chaves.
Presidência do Ministro Vilas Boas. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro.
Licenciado, o Mininstro Hahnemann Guimarães.
Brasília, 17 de maio de 1966 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos, Vice-
Diretor-Geral.
VOTO
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Do minucioso relatório que precedeu o voto
do eminente Ministro Aliomar Baleeiro, verifica-se que o recorrente, tendo in-
tentado ação criminal por injúria praticada pela imprensa, contra certo jornalista,
viu seu esforço empregado no procedimento do processo em defesa de sua honra
e reputação, apesar de toda sua diligência, frustrado pela decretação da prescrição
da ação.
Sustentando que a prescrição ocorreu pela desídia do juiz e dos
serventuários da justiça, que falharam na missão de que os incumbira o Estado,
veio o querelante a juízo exigir a reparação do dano que sofrera pela não obten-
ção da prestação jurisdicional que lhe era devida e que limitou ao dispêndio que
teve, correspondente ao pagamento de honorários a seus advogados, custas do
processo e despesas.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): Realmente, essa lei foi feita para
libertar os jornalistas, para facilitar a prescrição. Em certo processo, manifestei-
me no sentido de evitá-la, mas, apesar de todo o meu zelo, fui derrotado.
O problema da responsabilidade do Poder Público baseia-se na culpa obje-
tiva, é a falta do serviço público. Mas essa é a jurisprudência francesa, que temos
adotado aqui. Eu mesmo apliquei muito esse entendimento em Minas Gerais.
Todavia, em relação a certos serviços, como, por exemplo, o serviço de
polícia, exige-se uma culpa excessivamente grave.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Já temos no Brasil, há mais de trinta anos
mais ou menos, acórdãos no sentido da responsabilidade do Estado por falta do
objetivo serviço público, como, p. ex., por omissão da polícia em reprimir ou garantir
o cidadão contra o movimento das multidões.
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): Encarando por esse aspecto, também
de falta do serviço público, a culpa está no próprio serviço, o serviço público agiu
mal. Adoto esse ponto de vista. Em relação ao serviço de polícia, é necessária
uma culpa excessivamente grave.
Em relação à culpa do funcionamento do serviço judiciário, só no caso de
erro judiciário, aquele erro judiciário que, segundo o Código de Processo Penal,
permite uma reparação módica. Fora desse caso, não encontro nenhum outro de
condenação do Estado por culpa do seu serviço de Justiça. Realmente, poderemos
chegar a essa conclusão mais tarde.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: No caso, o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul eximiu de culpa o juiz, porque teria havido razões de ordem superior
à diligência dele. Porém, com isso, aquele tribunal reconheceu, como matéria de
fato, a culpa do Estado. O Estado foi que não deu solução ao impasse que havia
numa comarca vizinha e que obrigava esse juiz a dividir sua atividade entre os
dois foros.
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Aí é que está a falta do serviço público.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O Estado sabia. O órgão competente
declarou, à saciedade, essa comarca em regime de exceção, de emergência.
Ora, se nós indenizamos o erro judiciário, sabendo que não há no mundo
juiz que esteja à prova do erro, nem há nenhum tão arrogante e tão cheio de
veleidades que se suponha acima do erro, acima da negligência, acima da lenti-
dão, podemos estar...
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Ministro Aliomar Baleeiro
311
Memória Jurisprudencial
Por esses motivos é que, conhecendo do recurso, pela sua alta relevância,
eu lhe neguei provimento, por achar que não havia relação de causalidade entre o
dano sofrido por ele e o ato omissivo do funcionário, porque a causa imediata do
dano que ele sofreu foi o próprio risco processual, a que se sujeitou com a
propositura do processo.
O Sr. Ministro Vilas Boas (Presidente): A minha conclusão também é a
mesma de V. Exa.
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: conheceram do recurso,
a que deram provimento, os Ministros Aliomar Baleeiro, Relator, e Adalicio
Nogueira. Conheceram do recurso, a que negaram provimento, os Ministros
Pedro Chaves e Presidente. Havendo empate deve ser convocado Ministro de
outra Turma.
Presidência do Ministro Vilas Boas. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro.
Tomaram parte no julgamento os Ministros Aliomar Baleeiro, Adalicio Nogueira,
Pedro Chaves e Vilas Boas. Licenciado, o Ministro Hahnemann Guimarães.
Brasília, 14 de junho de 1966 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos, Vice-
Diretor-Geral.
VOTO (Desempate)
O Sr. Ministro Hermes Lima: A ação foi proposta contra o Estado do Rio
Grande do Sul para haver prejuízos sofridos em virtude de ter sido decretada a
prescrição da ação criminal instaurada pelo recorrente contra outrem, “por culpa
exclusiva do Poder Judiciário”.
A sentença absolveu da instância o Estado porque todos os atos referidos
pelo autor eram atos jurisdicionais (fl. 407). Houve apelação.
A Primeira Câmara Cível não conheceu da apelação, por não a comportar
a decisão recorrida (fl. 430v.) Embargou-se. Os embargos foram recebidos para
que a Câmara julgadora tomasse conhecimento da matéria. De onde o acórdão
de fl. 446, declarando o Estado parte legítima para integrar a relação processual
da ação proposta (fl. 446).
Baixados os autos à instância inferior, o juiz proferiu a sentença de fl. 462,
julgando improcedente a ação, dizendo que “não configurada a culpa, mesmo em
sentido lato, é incabível a indenização pretendida”.
O acórdão de fl. 485 confirmou unanimemente a sentença, dizendo que
todo problema se cifrara em saber se houve realmente a imputada culpa funcional.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
DECISÃO
RE 32.518/RS — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Relator para o
acórdão: Ministro Vilas Boas. Recorrente: Altino de Figueiredo Paz (Advogado:
Léo Aragon). Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul (Advogado: Álvaro de
Moura e Silva).
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: com o voto de desempate do
Ministro Hermes Lima, negaram provimento ao recurso, vencidos os Exmos.
Ministros Aliomar Baleeiro e Adalicio Nogueira.
Presidência do Ministro Vilas Boas. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro.
Tomaram parte no julgamento os Ministros Aliomar Baleeiro, Adalicio Nogueira,
Pedro Chaves e Vilas Boas. Convocado, o Ministro Hermes Lima, da Terceira
Turma, para desempate de voto. Licenciado, o Ministro Hahnemann Guimarães.
Brasília, 21 de junho de 1966 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos, Vice-
Diretor-Geral.
314
Ministro Aliomar Baleeiro
que este art. 68, se não me falha a memória, estabelece um teto de 8% (5% para
os Estados e Municípios e 3% para a União). Mas se, de qualquer modo, o art. 68
não representasse uma tributação única sobre os minerais, a conseqüência é que
não seriam tributáveis no momento e até que a lei federal viesse a estabelecer o
imposto da União sobre tais produtos. Nunca, data venia, seria possível juridicamen-
te que, depois da Constituição de 1946, os Estados e Municípios pudessem aplicar
naqueles impostos de sua competência (Const. 19 a 29) sobre os fatos geradores
direta ou indiretamente previstos no art. 15, III e § 2º, a minerais: produção,
comércio, distribuição, etc.
Destarte, conquanto o caso não tenha maior interesse, porque já há uma lei
federal recente sobre o assunto, data venia do eminente mestre Ministro Luiz
Gallotti, sou voto vencido.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): V. Exa. está impugnando a Súmula
118.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: A decisão regimental permite que cada
juiz, de acordo com a sua consciência, possa conservar sua opinião pessoal. Por
isso divirjo.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): O meu voto é fundado na Súmula
306, que se refere especificamente à taxa de recuperação econômica. O voto de
V. Exa. não está impugnando a Súmula 306, mas apenas a Súmula 118.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Não impugno a tese defendida na súmula
citada por V. Exa., de que não é inconstitucional uma taxa falsa, mas que, na
realidade, encobre o imposto da competência do Estado que a decretou. O nome
não tem importância; o que tem importância é o fato gerador.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Também penso assim.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sempre defendi esse ponto de vista.
Creio mesmo que o projeto do Código Tributário Nacional o consagrou. Foi o que
concordamos em reunião sobre o assunto o Professor Rubens Gomes de Souza,
o Dr. Ulhoa Canto, o Professor Bilac Pinto e eu.
A minha questão é apenas em relação aos minerais nos fatos sujeitos ao
imposto único, de acordo com o art. 15, III e § 2º.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
tação dada à lei teve como conseqüência prática a sua não-aplicação àquele
caso. Aí teríamos, então, a sinonímia constitucional, já há pouco definida, entre
aplicação e vigência.
Acredito também que mais importante do que a Constituição literária,
essa que foi impressa no “Diário Oficial”, num papel muito ordinário e até com
pleonasmo, é a Constituição viva, aquela que foi constituída pelo Supremo Tribunal,
pelo Congresso Nacional, pelo Presidente da República, pelo cidadão na rua,
adquirindo maior elasticidade, maior sobrevivência. E só isso explica que, em
outros países, velhos textos do século XVIII ainda vigorem, assim como antigos
códigos de 150 anos ainda resolvam problemas ligados à tecnologia, à ciência, a
todas as forças dominadas pelo homem na época em que vivemos.
Em resumo, para não dilatar mais o meu voto, subscrevo a solução magis-
tralmente exposta pelo eminente Ministro Prado Kelly.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O recorrido, exportador de café, moveu
ação para reaver o que pagou a título de “taxa de fomento da produção agrícola
e industrial”, instituída pela Lei 135/48 e mantida pela 609/51, direito que lhe foi
reconhecido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (acórdão de fls.
290-293, confirmado, em grau de embargos, pelo de fl. 312).
2. Interpôs o Estado do Espírito Santo o Recurso Extraordinário de fl. 314,
sustentado pelas razões de fls. 317-318, insistindo na preliminar (acolhida pelo
voto vencido de fl. 293) da ilegitimidade da firma recorrida para pleitear a repeti-
ção do indébito, por se tratar de tributo indireto.
3. Recebido o recurso pela letra d (fl. 315 v.) teve a apoiá-lo, nesta instân-
cia, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República (fl. 340 v.) no sentido do
seu provimento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): 1. Quanto à inconstitucionalidade
da pseudo “taxa de fomento da produção agrícola e industrial”, do Espírito Santo,
não há qualquer dúvida.
O recorrido juntou certidões de alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal
que a reconheceram por ser falsa taxa, que mascara imposto interestadual de
exportação, vedado pelo art. 27 da Carta de 1946 e pela anterior. Aquele Estado,
mais de uma vez, quando esta Corte lhe reprime essa política tributária
inconstitucional e destrutiva da unidade econômica do mercado interno do país,
substitui a denominação do tributo condenado e, à sombra dela, insiste no erro.
2. Resta a controvérsia sobre a impossibilidade jurídica da repetição de
tributos indiretos, tese que tem o amparo da Súmula n. 71.
Entendo que essa diretriz não pode ser generalizada. Há de ser apreciada
em cada caso concreto, porque de começo, do ponto de vista científico, os finan-
cistas ainda não conseguiram, depois de 200 anos de discussão, desde os
fisiocratas do século XVIII, um critério seguro para distinguir o imposto direto do
indireto.
O mesmo tributo poderá ser direto ou indireto, conforme a técnica de inci-
dência e até conforme as oscilantes e variáveis circunstâncias do mercado, ou a
natureza da mercadoria ou a do ato tributado. Para não alongar essa verdade,
reporto-me às lições de G. Jèze (Cours El Science Finances, pp. 398/9), que
uma das mais recentes obras eleva ao título de maior financista da França neste
século.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
DECISÃO
RE 45.977/ES — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: Estado
do Espírito Santo (Advogado: Lauro Calmon Nogueira da Gama). Recorrido:
João Zanotti (Firma) (Advogado: Jurandyr Ribeiro de Oliveira).
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: conheceram do recurso, a
que negaram provimento. Unânime.
Presidência do Ministro Vilas Boas. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro.
Tomaram parte no julgamento os Ministros Aliomar Baleeiro, Adalicio Nogueira e
Vilas Boas. Ausentes, justificadamente, os Ministros Pedro Chaves e Hahnemann
Guimarães.
Brasília, 27 de setembro de 1966 — Guy Milton Lang, Secretário.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, como os eminentes juízes
se recordam, o caso consiste num recurso extraordinário em que contribuintes do
imposto de transmissão causa mortis de inventário em Minas Gerais repeliram a
exigência do mesmo imposto pelo Estado da Guanabara, fundando-se este em
que as ações de sociedades anônimas, situadas em seu território, pagassem o
imposto de transmissão causa mortis nesse Estado.
O eminente Ministro Hermes Lima defendia a tese de que o imposto deveria
caber ao Estado da abertura da sucessão e, no caso, há a Súmula n. 435, como
veremos adiante.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. A questão federal, que, aliás, também
se reveste de caráter constitucional, reside em definir se a cláusula do art. 19, §
2º, da Constituição (numeração da Emenda 5/1961) — “(...)Ao Estado em cujo
território os valores da herança forem liquidados ou transferidos aos her-
deiros” — refere-se, em se tratando de ações nominativas, ao Estado onde se
processa o inventário ou, ao invés disso, ao Estado da sede da sociedade anônima,
dado que no livro de registro desta se realizará a transferência imposta pelos arts.
25 e 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 2.627, de 26-9-1940 (Lei de Sociedades por
Ações).
A discussão data de mais de 20 anos, desde quando o interventor Ismar
Góes Monteiro, de Alagoas, a suscitou, provocando solução do governo ditatorial
para que Pernambuco não arrecadasse o imposto de transmissão causa mortis
de ações de empresa alagoana, deixadas por acionista residente neste último
Estado, onde se liquidava o inventário. Nessa ocasião, Francisco Campos e
Hahnemann, em prol da competência do Estado sede da sociedade anônima,
formularam dois argumentos realmente persuasivos: 1º) a diferença de redação
entre as Constituições de 1934 e de 1937, pois esta ampliou aquela cláusula que,
na primeira, regia só sucessões abertas no exterior; 2º) ficar sem objeto, no § 4º
do art. 23 da Carta de 1937, a cláusula “em outro Estado” que não existia na de
1934 (RDA 2º/371 e seg.). Assim decidiu o Supremo, sob o regime de 1937, no
Acórdão de 10-10-44, no RE n. 5.384 – DF, Direito, 33/245.
Alagoas ganhou a partida graças aos pareceres dos dois festejados mestres.
Surgiram nesta Corte dois casos, sem grande estrépito, (RT 320/624) no
regime de 1946, e, afinal, o memorável acórdão de 5-12-1963, no Rec. Extr. de
São Paulo, n. 52.824, RDA 77/90 ou Arq. do MJ, 91/214, com luminosos votos dos
Ministros Evandro Lins, Relator, e Gonçalves de Oliveira. Este último eminente
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
Prefiro, no particular, com todo respeito, ficar com o autor da Lei de Sociedades
por ações, que ensina: “143 – As ações nominativas não podem ser objeto de
ação de reivindicação. O objeto desta, pelo nosso Direito, há de ser coisa
corpórea, e nessa categoria não entra a ação nominativa. O certificado da
inscrição das ações nominativas não é documento constitutivo, nem tem
força probante, não é negociável, nem a sua posse autoriza o exercício dos direitos
inerentes à ação”. (T. Miranda Valverde. Soc. por Ações, 1ª ed., 1/143-4). A
ação, enquanto dura a sociedade, é um direito de crédito contra ela, em relação
aos dividendos e bonificações (Lyon-Caen e Renault, Droit Commerc., 1924, n.
192, p. 168). Se são móveis, estão na classe dos móveis incorpóreos, ditos “valores
móveis” (idem, n. 194, p. 169).
Note-se, aliás, que os negócios com ações, sejam ao portador, sejam
nominativas, se fazem na Bolsa de Valores por meio de corretores oficiais. Quem
quer comprar um lote da Siderúrgica Nacional, por exemplo, cujas ações até há
pouco tempo eram só nominativas, telefona ao corretor ou ao banco. Este ordena
ao corretor que as adquira em pregão e se encarrega da transferência mais tarde,
recolhendo-as à custódia do banco, à disposição do novo acionista, que nada
assina. Entende-se que o negócio é definitivo e irretratável desde que o corretor
do adquirente cubra o pregão do alienante. Esses são os fatos quotidianos. Na
realidade, a transferência faz-se na Bolsa de Valores, considerando-se o registro
uma formalidade enfadonha, que a Lei do Mercado de Capitais hoje permite
delegar-se a instituições financeiras e sociedade de corretores fora do Estado da
sede da empresa. O Direito caminha para institucionalizar a realidade.
Só por espírito de formalismo, e às vezes por gula de custas, são expedidas
precatórias para avaliação de ações noutros Estados, pois ninguém ignora que,
em se tratando de sociedades anônimas abertas e com cotações em Bolsa de
Valores, o valor delas se estabelece por uma simples certidão a ser apreciada
pelo juiz do inventário. Não há porque enviar essa precatória de Minas para o
avaliador do Rio mencionar que a cotação é x ou y. A São Paulo Alpargatas, por
exemplo, tem sede em São Paulo, mas suas cotações são estabelecidas pela
Bolsa do Rio, onde esses papéis se negociam todos os dias do ano. Irá, então, de
Minas uma precatória para São Paulo, a fim de se avaliar o que é oficialmente
realizado e publicado no Rio cada dia? Bastaria uma certidão ou até um boletim
oficial da Bolsa, que os publica diariamente.
Não difere a lição de Miranda Valverde:
“Os documentos exibidos (para transferência no Livro de Registro
das Ações Nominativas) ficarão fazendo parte do arquivo da sociedade,
bastando, porém, na sucessão universal, certidão em devida forma do paga-
mento feito ao herdeiro ou legatário.” (obr. cit, n. 151, p. 153).
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos de Recurso Extraordinário n. 60.175, do
Estado da Guanabara, em que são recorrentes o espólio de Antônio Gomes de
Avelar, Júlio de Avelar e outros e recorrida a Casa de Saúde Santa Terezinha S.
A.; decide o Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda Turma, conhecer do
recurso e lhe dar provimento, unânime, de acordo com as notas juntas.
Distrito Federal, 8 de novembro de 1966 — Hahnemann Guimarães, Pre-
sidente — Aliomar Baleeiro, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O v. acórdão recorrido, por 3 votos
contra 2, decidiu, segundo sua ementa, que:
“No regime da Lei do Inquilinato, a relação locatícia transfere-se ao
nu-proprietário, assim como ao novo adquirente, ex-lege, independente-
mente de registro ou de instrumento. Inteligência do artigo 360 do CPC: só
se aplica se, na ação renovatória, se contrapõe pretensão de retomada”.
2. O voto vencido do eminente Des. Aloísio M. Teixeira, apoiado pelo
eminente Des. P. Borges, à fl. 324, entende que as leis do inquilinato não tolhem
ao nu-proprietário romper contrato de locação celebrado pelo usufrutuário, salvo
se garantida sua vigência no registro público: “Imagine-se — diz o voto vencido —
um usufrutuário de 80 anos que locasse imóvel pelo prazo de 40: a que se reduziria
o direito do nu-proprietário se fosse obrigado a respeitar a locação?” Socorre-se
do julgado do qual foi Relator Edgard Costa e invoca também Goulart Oliveira.
3. Os recorrentes recorrem extraordinariamente, sustentando, em resumo,
que o v. acórdão desobedeceu a lei federal, não aplicando o art. 360 do CPC ou
o art. 25 do Decreto 24.150/34, assim como invocou a Lei do Inquilinato (Lei
1.300/50, art. 14) a caso por ela não disciplinado. Vale-se da Súmula n. 375,
porque, rejeitada a renovatória, impunha-se a desocupação do imóvel, dado que
passara o caso ao direito comum, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal.
Lembra o acórdão do Supremo Tribunal Federal, Pleno, RF 168/123, se-
gundo o qual “não há distinguir entre improcedência e carência da ação
renovatória da Lei de Luvas”.
Afirma que a Lei 4.494/64 não é aplicável à espécie.
4. Os autos sobem a mais de 4.000 folhas em três processos diferentes, de
modo que, em resumo, o caso concreto pode ser resumido no seguinte: a usufru-
tuária, senhora idosa, contratou com a recorrida a locação de imóvel, por 5 anos,
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Ministro Aliomar Baleeiro
segundo a Lei de Luvas, dizendo-se dona dele, embora gozasse apenas do usu-
fruto. Com isso, a locatária incorrera em erro escusável, segundo alega. Falecida
a usufrutuária, cessou o usufruto antes de esgotado o prazo de prorrogação do
contrato, que não foi levado ao Registro de Imóveis, como não o foi também a
sentença que o prorrogou.
Os usufrutuários, então, intentaram ação possessória contra a recorrida,
pretendendo que a extinção do usufruto rompera a locação prorrogada. A locatária,
por outro lado, opôs consignação de aluguéis e renovatória. Os três feitos, por
dependência, foram julgados por sentença única e, afinal, pelo v. acórdão recorrido,
que, em grau de embargos, embora considerasse extinto o contrato não registrado
e carente de ação renovatória a locatária, aplicou a Lei n. 1.300/50, art. 14 — e
não o direito comum —, mantendo a locação por tempo indeterminado.
5. Os recorrentes exibiram erudito parecer de Orozimbo Nonato em prol
de seu direito (fls. 349 e ss.).
6. O recurso extraordinário foi admitido e contra-arrazoado pela recorrida,
que se bate pelo seu não-conhecimento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Sr. Presidente, como eu disse, o
processo tem três mil folhas e foram aflorados vários problemas que não tinham,
a meu ver, relação muito direta com a causa, ou porque se tinham tornado
extemporâneos.
Reavivando a memória dos eminentes juízes, vou ler, novamente, a ementa
do acórdão recorrido, que diz:
“No regime da Lei do Inquilinato, a relação locatícia transfere-se ao
nu-proprietário, assim como ao novo adquirente, ex-lege, independente-
mente de registro ou de instrumento. Inteligência do artigo 360, do CPC: só
se aplica se, na ação renovatória, se contrapõe pretensão de retomada.”
Como o ilustre advogado acentuou, o problema mais importante é a questão
federal propriamente dita: só se aplica, ou não, o art. 360 do Código de Processo
Civil, se é direito comum a Lei 4.494 no interregno entre a vigência dela e o
diploma que depois lhe modificou a redação, ou se ela é uma lei, como aquela
outra do Inquilinato, n. 1.300, e não sei quantas que vigoram neste país desde
1942, sem falar nas de 1921 e 1922. Este é que é o problema.
“Evaporado o recurso de quantas digressões o parasitam, há, por
fim, uma questão federal a se considerar: roto o contrato de locação da Lei
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Ministro Aliomar Baleeiro
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O recorrente moveu contra o recorrido
“ação ordinária de rescisão de contrato” de locação comercial de aluguéis, por
falta de pagamento. A r. sentença de fls. 27-28 deferiu a emenda da mora e
julgou extinta a ação. Esse decisório foi confirmado, em grau de apelação, pelo v.
acórdão de fl. 44 v. O recorrido foi citado a 11-7-64 e só depositou os aluguéis em
débito a 22-9-64, como diz o acórdão.
2. O contrato de fl. 3 estabelece pagamento até o 5º dia do mês subseqüente
ao vencido, portable na residência do locador (cláusula 2ª) com a sanção de resci-
são plena e imediata na falta de cumprimento de qualquer das cláusulas (8ª).
3. A fls. 46-48, vem o locador com recurso extraordinário, invocando a
Súmula 123 e diversos julgados do STF, que juntou por fotocópia: ERE 56.696,
Rel. Em. Ministro Candido Motta Filho, in RTJ 33/885, RE 58.115, Rel. Em.
Ministro Pedro Chaves, in RTJ 36/152 e RE 51.405, Rel. Em. Ministro Candido
Motta Filho, publicado na Revista de Jurisprudência.
4. O recurso foi admitido pelo r. despacho de fl. 56 e devidamente pro-
cessado.
É o relatório.
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O caso é igual ao do RE n.
62.739, que esta 2ª Turma já resolveu submeter ao Pleno, em face das dúvidas
sobre a constitucionalidade do Decreto-Lei 322, de abril p.p.
Proponho que também este recurso seja levado ao Pleno para ser julgado
conjuntamente com aquele.
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: a Turma, unânime, remeteu
os autos ao Tribunal Pleno.
Presidência do Ministro Hahnemann Guimarães. Relator, o Ministro
Aliomar Baleeiro. Tomaram parte no julgamento os Ministros Aliomar Baleeiro,
Adalicio Nogueira, Evandro Lins e Hahnemann Guimarães. Licenciado, o Ministro
Pedro Chaves.
Brasília, 30 de maio de 1967 — Guy Milton Lang, Secretário.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. Em locação da Lei de Luvas, a firma
locatária, confessadamente em mora, em abril de 1965, pediu emenda desta no
prazo de 30 dias, fixando o juiz prazo excedente do da contestação da lide. Im-
pugnado esse despacho, reformou-o o magistrado (fl. 42, em 19-6-65). Mas o
depósito foi extemporâneo.
SUSTENTAÇÃO DO PARECER
O Sr. Dr. Procurador-Geral da República: Sr. Presidente, a Procuradoria-
Geral da República não teve ocasião de se pronunciar sobre a questão constitu-
cional levantada por S. Exa., o eminente Relator.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): V. Exa. recebeu uma cópia.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Sr. Presidente, não perdi uma
sequer das palavras do eminente Procurador-Geral da República, porém,
estamos falando, por infelicidade minha, línguas diferentes.
Não contesto qualquer das teses ou dos fatos que S. Exa. trouxe como
informação ao Supremo Tribunal. Sei que a Câmara e o Senado silenciaram sobre
esse decreto-lei. A interpretação desse silêncio tem sido diversa e oposta. Uns,
como S. Exa., acham que isso foi uma concordância com a justiça desse diploma,
outros acham que isso, pelo contrário, foi uma desaprovação à maneira pela qual
esse diploma foi criado.
Não me cabe, Sr. Presidente, psicanalisar os eminentes representantes da
Nação. Por outro lado, não contesto que esta lei ou quaisquer outras, válidas
constitucionalmente, têm eficácia imediata. O normal é que toda lei tem eficácia
imediata, naquele minuto e para o futuro. O que contesto é que, num sistema
como o nosso direito brasileiro, em que se nega a força retroativa da lei — salvo os
casos que ela própria ressalva, como nas leis criminais mais favoráveis ao réu —, o
que contesto é que possa prejudicar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e as
situações definitivamente constituídas. É esta a minha tese. Sobre ela o nobre
eminente Procurador-Geral da República não falou.
Não entro, Sr. Presidente, na apreciação da justiça da lei. Desde que aceitei
um posto neste Supremo Tribunal Federal, com muita honra para mim, lembrei-me
de que na minha mocidade me tinham ensinado aquela regra sovadíssima, de
D’Argentré: não julgo a lei, julgo segundo a lei.
Quando estes autos me vieram conclusos, já estava publicado o Decreto-Lei
n. 322, de 7-4-1967, que, invocando o art. 58, I, da Constituição, estatui no
“Art. 5º Nas locações para fins não residenciais, será assegurado
ao locatário o direito à purgação da mora, nos mesmos casos e condições
previstas na Lei para as locações residenciais, aplicando-se o disposto
neste artigo aos casos sub judice.”
Realmente, como ponderou o nobre Procurador-Geral da República, nos
recursos extraordinários, as partes que haviam interposto tal remédio antes da
publicação deste decreto-lei, evidentemente, não o podiam invocar. Mas, dado
que o legislador disse que se aplica nos casos sub judice, a ele estou obrigado,
como juiz, se constitucional.
Esse dispositivo poria, desde logo, ponto final ao recurso se graves
problemas em torno das inovações da Constituição de 1967 não nos obrigassem a
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VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, tenho a impressão de que
as duas questões estão entrelaçadas.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Eu não aplico pelos dois motivos.
O Sr. Ministro Prado Kelly: ...outros, por uma razão de técnica processual,
em face do art. 114 da Constituição. Serão razões de decidir. Mas a preliminar
submetida ao julgamento...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Todas convergem.
O Sr. Ministro Prado Kelly: ...seria nos termos que acabei de enunciar.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. põe bem a questão.
O Sr. Ministro Evandro Lins: Cada um proferiria seu voto.
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, já adiantei o meu voto.
Estou de acordo com o eminente Relator na primeira parte e também na segunda,
por entender que a matéria do art. 5º do Decreto-Lei 322 escapa ao conceito de
segurança nacional.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Estou de acordo com o voto total enunciado
pelo eminente Relator porque, na realidade, o conceito de segurança nacional não
é de interpretação exclusiva dos Poderes Executivo e Legislativo. É dever desta
Corte Suprema dizê-lo e tirar daí a conseqüência necessária, que é a declaração
da inconstitucionalidade do Decreto-Lei 322, que, a todas as luzes, não trata de
assunto pertinente à segurança nacional. De forma que adoto o voto do eminente
Relator, tal como foi proferido no primeiro impulso, sem o lançamento de prelimi-
nares, mas globalmente considerado.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Acolho também ambos os fundamentos
adotados pelo eminente Relator, à vista do conceito de segurança nacional emitido
com brilhantismo por S. Exa. e no qual não se pode situar matéria relativa a
locação de imóvel para fim comercial, disciplinada pelo direito privado; muito
embora não desconheça eu, como todos nós, a tendência de publicização de cer-
tos princípios de direito privado.
Por outro lado, no que tange à aplicação da regra do art. 5º do Decreto
322, de modo retrooperante, ela destoa inclusive do art. 6º da Lei de Introdução
ao Código Civil.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, sigo, no meu voto, a ordem
indicada pelo debate: em primeiro lugar, a aplicação do art. 5º do Decreto-Lei
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Prado Kelly: Sr. Presidente, o eminente Relator, no seu
brilhante voto, que eu admiraria de diferentes ângulos, lembrou ao Tribunal a
tradição por ele adotada, em atenção a precedentes da Corte americana, de só
discutir a inconstitucionalidade de lei quando essa declaração for indispensável
ao julgamento do feito. Colocada a preliminar nesses termos, com o assentimento
dos eminentes colegas, e indagando-se da Corte se se aplica ao feito o art. 5º do
Decreto-Lei 322, a questão me parece muito simplificada.
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Queria, apenas, que V. Exa., com a
sua sabedoria, pudesse esclarecer: é que o art. 5º do Decreto-Lei 322 tem as
mesmas razões de ser do decreto! Ele se fundamenta na segurança nacional!
O Sr. Ministro Prado Kelly: Perfeito! Mas note V. Exa.: se entendo, por
motivos outros, que esse artigo não tem aplicação à espécie ora examinada, não
preciso deter-me nos defeitos que viciam o diploma legal. De outra forma, não
seria fiel ao critério que preconizo.
Como dizia, a matéria ficou altamente simplificada. O art. 5º diz:
“Nas locações para fins não residenciais, será assegurado ao loca-
tário o direito à purgação da mora, nos mesmos casos e condições previstas
na Lei para as locações residenciais, aplicando-se o disposto neste artigo
aos casos sub judice.”
Alterou-se, nesse caso, a legislação anterior, não só para locações ad
futurum como para locações já contratadas. E, no dizer “aplicando-se o disposto
neste artigo aos casos sub judice”, se dá efeito retrooperante da norma aos
processos pendentes. É esse o seu alcance. Mas pode aquela norma aplicar-se
em terceira instância, ou seja, no Supremo Tribunal Federal, por via do recurso
extraordinário? Creio que não, Sr. Presidente, porque a observância de tal preceito
feriria conceituação constitucional do apelo extremo, qual seja, a condição de
“prequestionamento”.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Prado Kelly: Não preciso cogitar de mais nada porque mais
nada se nos depara. Considero inaplicável à espécie, na presente fase processual, o
art. 5º do Decreto-Lei 322.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Presidente): E como a lei aplicada o foi em
desacordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, por isso V. Exa.
acompanha o Relator e também dá provimento.
O Sr. Ministro Prado Kelly : Estou de acordo com a conclusão do eminente
Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, entendo, como o eminente
Ministro Relator, que o conceito de segurança nacional, realmente, está definido
na Constituição, expressa ou implicitamente, não nos sendo possível ampliar ou
restringir esse conceito, ao sabor de uma interpretação plástica. Em tese, estou
perfeitamente de acordo com o voto de S. Exa.
Quanto, porém, ao caso vertente, adoto o ponto de vista sustentado pelo
eminente Ministro Prado Kelly. Acho inaplicável, no momento, o dispositivo citado
do art. 5º, em face, mesmo, do sistema de julgamento adotado pelo egrégio Supremo
Tribunal Federal, reservando-me, então, para, na oportunidade própria, apreciar,
em cada caso concreto, a solução.
É o meu ponto de vista.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Sr. Presidente, já tive oportunidade de
pronunciar-me, em caso anterior, de pleno acordo com o voto do eminente
Relator. Naquela oportunidade, discutiu-se a inconstitucionalidade do Decreto-
Lei n. 2, de 14-1-1966, que deslocava para a competência da Justiça Militar os
crimes contra a economia popular.
Sustentei, então, que, de acordo com o Ato Institucional n. 2, não podia o
Presidente da República, baseado na regra que lhe permitia expedir decretos-leis
em matéria que envolvesse a segurança nacional, ampliar conceitos, de modo a
absorver a competência do Poder Legislativo.
A meu ver, o eminente Relator situou perfeitamente o problema. O conceito
de segurança nacional é o gênero, que envolve duas espécies: a segurança externa
e a segurança interna.
De segurança externa evidentemente não se cuida, porque ela compreende
problemas de guerra externa, de defesa do território nacional, o que não está em
353
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Hermes Lima: Sr. Presidente, no meu entender, o art. 5º do
Decreto-Lei n. 322, de 7 de abril de 1967, que assegura aos locatários purgação
da mora em locações comerciais e editado em nome da segurança nacional, não
é inconstitucional, e as minhas razões são as seguintes: o art. 58 dá ao Presidente
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Memória Jurisprudencial
com o art. 58, que alarga o conceito de segurança nacional, porque, no art. 91, o
Conselho informará o Presidente da República, assessorará o Presidente da
República, nessas matérias que estão aí discriminadas.
Esse é o papel do Conselho.
Mas o art. 58 alarga mais o conceito de segurança nacional, porque diz que
“o Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público rele-
vante (...)”. Quer dizer, a segurança nacional abrange, como casos de urgência
ou de interesse público relevante, mais alguma coisa do que aquilo que está
compendiado no art. 91 da Constituição.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Permite o eminente colega um
esclarecimento?
Nós ambos já fomos partícipes em elaboração de constituições, e naquelas
houve um cuidado imenso da Comissão Redatora do Projeto de, seguindo a velha
regra da arte de elaborar leis, não empregar palavras ou cláusulas ou locuções
diferentes para uma idéia só.
Quando se fala, na Constituição, no “Senado”, só pode ser no “Senado
Federal”. Não podem ser usadas as expressões “órgão” ou “Câmara”, é sempre
a mesma palavra, usada do princípio ao fim, ainda com o perigo de se quebrar a
elegância literária do texto pela repetição.
Essa matéria, antes mesmo da Constituição de 1954 e das anteriores, foi
discutida por um constitucionalista nosso conterrâneo, Aurelino Leal, embora ele
estivesse mais preocupado com a técnica legislativa em matéria de Direito Civil e
não de Direito Constitucional.
Hoje, todas as livrarias vendem as traduções de obras americanas sobre a
maneira de redigir-se projeto de lei, a drafting.
A Constituição emprega a locução “segurança nacional”, mas abre subtítulo
“Da Segurança Nacional”, e em outro capítulo a ela se refere. Tem-se que buscar
o conceito aí. É a velha arte de interpretar-se a lei analogicamente, sistematica-
mente. Uma disposição completa a outra, uma lei completa a outra. Não se pode
tornar uma disposição isolada se há uma autorização ao Presidente da República.
No art. 58, há um conceito do que é “segurança nacional” e de todas
aquelas matérias que constituem a “segurança nacional”. E o próprio bom senso
está dizendo que só podem ser a paz, a segurança, o bem-estar, enfim, a preser-
vação da incolumidade da Nação, quer quanto às ameaças externas, quer quanto
às internas.
Mas, purgar mora de comerciante, tenha paciência!
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
O Sr. Ministro Evandro Lins: Está no próprio art. 58, porque a urgência ou
o interesse público relevante ao invés de ampliarem o poder do Presidente da
República, aí funcionam como condição restritiva: só nos casos de urgência ou de
interesse público relevante, é que ele poderá expedir decretos-leis sobre matéria de
segurança nacional e finanças públicas.
V. Exa. está interpretando esse dispositivo como sendo ampliativo dos po-
deres do Presidente da República, quando essas condições são restritivas.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Não, perdão. Estou interpretando como sendo
ampliativo ou como contendo outros requisitos além dos que estão enumerados
no art. 91. Essa é minha posição.
O Sr. Ministro Evandro Lins: A enumeração do art. 91 não subordina o
Presidente da República a essas condições de interesse público ou de urgência
para que possa expedir os decretos-leis, porque o normal é que ele se dirija ao
Legislativo em todas as matérias que não envolvam problemas de segurança
nacional ou de finanças públicas.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Ora, Sr. Presidente, os casos de urgência ou
de interesse público relevante do art. 58 são casos políticos, de relevância política,
em que uma razão de ordem política ou, que vale dizer, uma razão de ordem
pública está incluída. Porque é um caso de ordem pública e de ordem política é
que o parágrafo único do art. 58 deferiu ao Congresso Nacional a apreciação do
decreto. Então, é essa a função política por excelência do Congresso Nacional.
Não podemos criar duas instâncias para tomar conhecimento dos decretos do
Presidente da República expedidos em nome da segurança nacional.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: Mas apreciamos as próprias leis do
Congresso!
O Sr. Ministro Hermes Lima: Esses decretos só têm uma instância. Qual é
a instância? O Congresso Nacional.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: Então esse decreto-lei valeria mais que
a lei. Se o Supremo Tribunal examina qualquer lei em face da Constituição, não
pode examinar tais decretos-leis?
O Sr. Ministro Hermes Lima: Não é isso; é que não podemos substituir o
Congresso na apreciação dessa matéria que está a ele deferida.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: E se o Congresso tivesse aprovado
expressamente o decreto-lei?
O Sr. Ministro Hermes Lima: Estava aprovado.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: Seria uma lei. E não poderíamos apreciar
essa lei?
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Ministro Aliomar Baleeiro
O Sr. Ministro Hermes Lima: No caso, trata-se de lei, apesar de não apro-
vada expressamente pelo Congresso, mas trata-se de lei. Se o Congresso tivesse
aprovado, seria lei; o Congresso não aprovando, é também lei. Só não seria se o
Congresso tivesse recusado. É o que está no parágrafo único do art. 58.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: E por que o Supremo Tribunal não teria
o poder de examinar somente esse tipo de lei, quando pode julgar todas as outras
em face da Constituição?
O Sr. Ministro Hermes Lima: O Poder Judiciário tem o poder de examinar
todas as leis, mas não tem o poder de se substituir ao corpo político no exame de
leis cuja matéria é peculiarmente política. Os nossos pontos de vista são diferentes
porque V. Exa. parte da premissa de que a lei é inconstitucional. Eu não: parto da
premissa de que a lei é constitucional.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Eminente Ministro, parece que
a nossa divergência se circunscreve a um problema que procurei deixar claro no
meu voto. O conceito de segurança está definido nos artigos 89 a 91, e neste caso
o Presidente da República não pode hipertrofiá-lo, com aprovação do Congresso
ou sem ela. O Congresso não pode convalidar ato do Presidente da República,
nesse sentido, nem por lei. V. Exa. parte de outro princípio, porque acha que esse
conceito não está definido na Constituição, não é evidente por si mesmo e será
aquilo que a discricionariedade do Congresso determinar, aprovando ou rejeitando
um ato do Executivo.
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: Esse é o problema: será matéria discri-
cionária do Executivo e do Congresso?
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Se for discricionária, meu nobre
colega, só o céu é o limite. Amanhã o Código Penal poderá criar pena de cem
anos; poderá até dizer que a segurança nacional exclui a proibição constitucional
da pena de morte, ou considera a paz, ou a inexistência de guerra estrangeira,
como guerra estrangeira, e então poderá ser aplicada essa pena de morte. Coisas
incríveis poderão ocorrer neste País. É bom imaginar todas as conseqüências
próximas e remotas de uma interpretação como essa numa Casa como a em que
estamos servindo. E olhe que eu sou partidário do governo forte, o governo que
manda, e por isso mesmo defendo o parlamentarismo, porque, a meu ver, é o
governo mais forte do mundo. O detentor de poderes mais discricionários do
mundo é o Primeiro Ministro da Inglaterra, enquanto apoiado pelo Parlamento.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Mas eu não digo que seja arbitrário, digo que
seja discricionário, porque os limites, como eu já disse, do conceito de segurança
nacional não estão no art. 91 — estão no art. 150 da Constituição.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Lá está, no art. 150, o conceito
de propriedade.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, os apartes esclareceram
devidamente a questão que estamos examinando. Evidentemente, não se pode
negar que o Congresso Nacional seja um freio constitucional para o Presidente
da República, no uso das atribuições do art. 58. Também não se pode negar que
outra contenção encontramos no art. 150, que define as garantias individuais, e
talvez mais importante, muito mais importante. O que me impede de concordar
com o brilhantíssimo voto do eminente Ministro Hermes Lima é que não são
esses os únicos elementos de contraste no sistema de freios e contrapesos que a
Constituição adotou.
O art. 58 não suprimiu qualquer das prerrogativas do Supremo Tribunal,
definidas no art. 114 e 115. O fato de poder o Congresso apreciar os decretos-leis
361
Memória Jurisprudencial
do art. 58 não lhes confere categoria superior à das leis votadas pelo Congresso,
quer este aprove esses decretos-leis pelo silêncio ou em forma expressa. Se o
Supremo Tribunal pode julgar as leis em face da Constituição, também pode
apreciar, em face da Constituição, aqueles decretos-leis.
O problema fundamental, no exame a que estamos procedendo, é saber se
o conceito de segurança nacional, a que se refere o art. 58, é matéria da compe-
tência discricionária do Executivo e do Congresso Nacional. Ainda há pouco, o
Sr. Ministro Aliomar Baleeiro pôs bem esse problema. E esta é a questão nuclear
que temos a decidir. O Executivo e o Congresso podem dar ao conceito de segu-
rança nacional, do art. 58, a amplitude que entenderem?
O Sr. Ministro Hermes Lima: A meu ver, sim. Não é arbitrário.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Estou empregando o vocábulo “discricionário”,
que tem rigor técnico. Competência arbitrária, na Constituição, nenhum de nós
admitiria.
A meu ver, Sr. Presidente, como já foi sustentado por eminentes colegas
que me precederam, a conceituação de segurança nacional não foi deixada à
discricionariedade dos outros dois Poderes.
Em primeiro lugar, o texto constitucional, particularmente o art. 58, não
confundiu, nem assemelhou, os conceitos de segurança nacional e interesse pú-
blico relevante. O Sr. Ministro Evandro Lins há pouco observou isso.
Diz o texto que o Presidente da República pode, em caso de urgência ou
de interesse público relevante, expedir certos decretos-leis. Quais? O próprio
texto responde: os que se refiram a matéria de segurança nacional e a matéria de
finanças públicas.
Portanto, a dois tipos de condicionamento está subordinada a ação do Pre-
sidente da República. O primeiro é que se trate de certa matéria: segurança
nacional, que ora nos interessa, ou finanças públicas. O segundo é que o caso
seja de urgência e de interesse público relevante.
O que é discricionário, nesse dispositivo, é a condição da urgência e do
interesse público relevante. Sobre isso falam soberanamente, em primeiro lugar,
o Executivo, em segundo, o Congresso. Mas a matéria do decreto-lei, esta é
outra condição sem a qual o Presidente da República não pode expedir decretos-
leis, pois não basta que a matéria seja urgente e de interesse público relevante, é
preciso também que se refira à segurança nacional ou às finanças públicas. A
definição dessa matéria não é discricionária, pois o nosso sistema constitucional
seria ilusório se um conceito tão básico, tão importante, tão fundamental, seja
para a segurança do Estado, seja para a segurança dos indivíduos, dependesse
tão-só do critério ilimitado e exclusivo dos órgãos políticos.
362
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Sr. Presidente, pelo adiantado da
hora, vou resumir o meu voto. A questão, em verdade, deve ser posta nestes
termos: a validade do decreto-lei expedido pelo Presidente da República, com
fundamento no art. 58 da Constituição, tem sua apreciação sujeita apenas às
atribuições conferidas ao Congresso Nacional, ou o Supremo Tribunal também a
pode julgar?
O eminente Ministro Hermes Lima diz que a questão é puramente de
natureza política e fica, conseqüentemente, ao critério exclusivo do Congresso
Nacional. Neste particular, peço licença ao egrégio mestre para divergir da sua
douta conclusão e acompanhar o brilhante e substancioso voto do eminente
Relator.
A questão é de grande relevância. Para chegar à conclusão de que a
questão seria apenas do arbítrio, do critério do Congresso Nacional, nós não
poderíamos ler que o Presidente da República baixará decretos-leis com força de
lei sobre segurança nacional ou finanças públicas. Seria sobre qualquer matéria.
Diz o parágrafo único do art. 58: (lê)
Se o Presidente não ficar adstrito a baixar decreto com força da lei apenas
sobre segurança nacional e finanças públicas, poderá fazê-lo sobre qualquer matéria.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Não há palavras inúteis na lei.
Então, por que o subtítulo “Segurança Nacional” numas das Seções da Constituição?
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Se a matéria, evidentemente, pelo
seu conteúdo, não diz respeito a segurança nacional nem a finanças públicas, mas
há aprovação implícita do Congresso Nacional, que não se manifestou no prazo
de 60 dias sobre esse ato legislativo, fica o projeto convalidado? Então, não é
363
Memória Jurisprudencial
apenas sobre segurança nacional e finanças públicas que pode legislar o Presi-
dente da República. É sobre qualquer matéria. E isso é que o legislador constituinte
não quis, deixando ao crivo do Judiciário, do Supremo Tribunal, apreciar o conteúdo
dessa lei.
Bastam essas considerações para me pôr de acordo como o eminente
Relator. O Presidente da República legislou sobre Direito Civil, matéria que a
Constituição reserva à lei, conforme o art. 8º, XVII, da Constituição.
Essa matéria de locação de imóveis é de Direito Civil e não de segurança
nacional. Por essas razões é que adoto o lúcido e brilhante voto do eminente
Relator como razão de decidir.
VOTO
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Sr. Presidente, também poderia declarar
inaplicável o art. 5º do Decreto-Lei 322, mas acho que é dever de minha consciên-
cia de jurista e de Ministro desta Casa dizer, de acordo com o eminente Relator,
que o Decreto-Lei é inconstitucional porque se baseia no conceito de segurança
nacional, que tem um sentido estrito dentro da nossa Constituição, lei de garantia,
de distribuição de direitos e competências, que, portanto, firma um sistema de
freios e contrapesos.
Se considerarmos a segurança nacional no seu sentido mais amplo, dentro
dessa discricionariedade de que aqui se falou, não haverá mais garantia nem para
os direitos individuais, nem para os direitos sociais, nem para os direitos políticos.
Acho mesmo que a Constituição distingue, nos seus termos, o que é ordem pública,
o que é questão política, o que é ordem social, o que é ordem econômica, o que é
direito individual. E, quando ela se refere à segurança nacional, está se referindo
à manutenção da integridade política do povo, como Estado, e é por isso que ela
ouve o Conselho de Segurança Nacional, como base, às suas decisões a respeito,
bem como às Forças Armadas.
Ora, o problema que se está discutido não é um problema dessa ordem. É
um problema de ordem constitucional que se refere às garantias de ordem civil,
que não são, portanto, abrangidas pelo conceito de segurança nacional.
Tive oportunidade, há mais de dez anos, de fazer uma conferência na
Associação Comercial de São Paulo sobre o conceito de segurança nacional, em
que mostrava justamente o perigo do conceito que se alastrava nos Estados Unidos,
onde se dizia que o conceito de segurança nacional se dilatava até ao Vietnam.
Eu chamava a atenção dos ouvintes e propugnava para que a Constituição, num
sistema da limitação de poderes, definisse o que fosse segurança nacional, e que
364
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Lafayette de Andrada: Sr. Presidente, acompanho o douto e
brilhante voto do eminente Ministro Relator, conhecendo do recurso e lhe dando
provimento.
Dou pela inconstitucionalidade do art. 5º do Decreto-Lei 322, de 7-4-67.
Como muito bem expôs o eminente Ministro Aliomar Baleeiro e bem explanou o
eminente Ministro Victor Nunes no correr do debate, ao Supremo Tribunal cabe,
dentro da sua competência de apreciar as leis em face da Constituição, declarar
a inconstitucionalidade de tais leis ou decretos-leis. E, se o art. 58 citado não
define o que seja matéria de segurança nacional, não poderemos concluir que o
conceito tão grave e relevante dessa matéria possa ficar ao arbítrio exclusivo dos
órgãos políticos.
É esse o meu voto, de acordo com o eminente Ministro Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Presidente): Vou recordar o julgamento que
houve aqui, em que os eminentes Ministros Evandro Lins, Gonçalves de Oliveira,
Ribeiro da Costa e eu fomos votos vencidos. O eminente Ministro Victor Nunes
achava-se na Inglaterra.
Entendemos que não podia um decreto-lei dispor sobre crimes contra a
economia popular, porque não nos parecia que fossem delitos contra a segurança
nacional. Tratava-se de infração a tabelamento de preços, eu não via como se
pudesse considerar tais crimes como cometidos contra a segurança nacional.
Ouvi com a maior atenção e com o respeito de sempre o voto do eminente
Ministro Hermes Lima, mas, data venia de S. Exa., desta vez não me convenci.
Entendo que, quando a Constituição usa a expressão “segurança nacional”,
refere-se a um conceito fixado, estabelecido na doutrina. É o que acontece tam-
bém com “imposto”, “taxa”, “crime político”, “anistia”, etc., como já tenho argumen-
tado em outros casos. Se ao legislador ordinário fosse livre subverter esses conceitos,
que a Constituição teve em mira, ruiria todo o sistema constitucional. O Congresso,
em lei ordinária, não pode alterar o conceito de segurança nacional. Se pudesse,
estaria modificando a própria Constituição, que dispôs levando em conta tal conceito,
e, obviamente, para ser respeitado.
365
Memória Jurisprudencial
DECISÃO
RE 62.731/GB — Matéria Constitucional. Art. 24, inc. III, do Regimento
Interno. Relator, o Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: José do Couto
Moreira (Advogado: Celso Augusto Fontenelle). Recorrido: Manoel Gonçalves
de Carvalho (Advogado: Nelson França da Silva). Foi julgado inconstitucional o
art. 5º do Decreto-Lei 322, de 7 de abril de 1967, pelos votos dos Ministros:
Relator, Raphael de Barros Monteiro, Adaucto Cardoso, Djaci Falcão, Eloy da
Rocha, Evandro Lins, Victor Nunes, Gonçalves de Oliveira, Candido Motta,
Lafayette de Andrada e do Presidente, Luiz Gallotti. Votou pela constitucionalidade
o Ministro Hermes Lima. Contra o voto deste Ministro, foi o recurso conhecido e
provido; votando também pelo conhecimento e provimento os Ministros Prado
Kelly e Adalicio Nogueira, que não se pronunciaram sobre a matéria constitucio-
nal por entenderem desnecessário. Falou o Procurador-Geral da República, Pro-
fessor Haroldo Valadão.
Presidência do Ministro Luiz Gallotti. Presentes os Ministros Lafayette de
Andrada, Candido Motta, Gonçalves de Oliveira, Victor Nunes, Hermes Lima,
Evandro Lins, Adalicio Nogueira, Prado Kelly, Aliomar Baleeiro, Eloy da Rocha,
Djaci Falcão, Adaucto Cardoso e Raphael de Barros Monteiro, e o Procurador-
Geral da República, Professor Haroldo Valadão. Licenciados, os Ministros
Hahnemann Guimarães e Oswaldo Trigueiro.
Tribunal Pleno, 23 de agosto de 1967 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos,
Vice-Diretor-Geral.
366
Ministro Aliomar Baleeiro
367
Memória Jurisprudencial
Aderindo a essa tese, escreve Pugliese: “Do ato administrativo emana uma
presunção de legitimidade que, por uma parte, não permite ao magistrado atacar
de maneira alguma a validade e a executoriedade e, por outra, vincula o sujeito
passivo, ao qual é dirigida a ordem contida nesse ato, para que a obedeça incon-
dicionalmente” (ob. cit., p. 228). Mas isso já foi posto em dúvida por Scandale e
A. D. Giannini.
Mas, apesar do imperioso tom da lei italiana, reconhece Pugliese que
“este rigor se atenua, como veremos, só em presença de elementos de convicção
tão evidentes que façam aparecer ictu oculi o bom fundamento da demanda do
contribuinte” (ob. cit., pp. 230 e 234). “A Suprema Corte italiana se pronunciou
muitas vezes nesse sentido, e os magistrados inferiores a seguiram e seguem
constantemente seu ensinamento. Estabeleceu-se que a autoridade judicial —
sem estar obrigada a observar o preceito solve et repete, pode examinar os
elementos da demanda para estabelecer se esta resulta, ictu oculi, plenamente
fundada. Nesta hipótese, a demanda pode ser admitida, sem que se haja observado
o cânon solve et repete. A Suprema Corte, para atenuar o rigor excessivo do
preceito em sua aplicação atual, chega a admitir uma espécie de ‘suspensão’ de
sua eficácia para os fins de exame da instância do autor — por outras palavras,
atribui efeitos jurídicos processuais, embora limitados, à demanda, ainda que sem
prova de haver-se assegurado o pagamento” (ob. cit., p. 234).
III - Bem diverso é o regime do Brasil, infenso ao solve et repete desde o
Império. A própria ditadura recuou de seus passos e disciplinou o executivo fiscal
em moldes menos ásperos no Decreto-Lei n. 960/38. Chegou a admitir o mandado
de segurança — matéria silente na Carta de 1937 —, embora dele excluísse as
questões tributárias, salvo quando o ato da autoridade embaraçasse a atividade
do contribuinte.
Finalmente, a Constituição de 1946, no art. 141, § 4º, introduziu expressa-
mente uma cláusula inédita até então, nas Cartas anteriores: “A Lei não poderá
excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”. A
par disso, veio a cláusula facultando o mandado de segurança contra direito líquido
e certo. Uma e outra foram conservadas, intactas, na Constituição de 1967.
Penso, pois, que, contra essas garantias iterativas e enfaticamente asse-
guradas na Constituição, fiel ao irrestrito judicial control dos norte-americanos,
não prevalecem aqueles Decretos-Leis 5 e 42, que são supérfluos na proteção ao
Fisco e visam apenas a dificultar e a embaraçar a revisão da controvérsia fiscal
pelos magistrados.
Hurlent de se trouver ensemble, os Decretos-Leis 5 e 42, de um lado, e o
art. 5, n. I, da Lei 1.533, de 1951, que dá mandado de segurança contra ato
administrativo do qual não caiba efeito suspensivo independente de caução.
368
Ministro Aliomar Baleeiro
369
Memória Jurisprudencial
370
Ministro Aliomar Baleeiro
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Trata-se de executivo fiscal de São Paulo
contra a Cia. Santista de Papel, cobrando-lhe Imposto de Vendas e Consignações
não recolhido no exercício de 1964, no quantum da Lei 8.049/63.
A Recorrente argumenta que não vigorava a Lei 8.049, de 30-12-63, pois
só entrou em vigor 45 dias depois da publicação, de acordo com a Lei de Introdução
ao Código Civil, e não imediatamente, como pretende a Fazenda.
Na r. sentença de fls. 71/73, o Dr. Juiz decidiu que a vigência da lei é
indiscutível, pois no art. 8º diz: “Esta lei entrará em vigor na data da publicação.”
Julgou procedente a ação.
O v. acórdão de fls. 95-7 manteve a r. sentença.
O recurso extraordinário pela letra c (fls. 100-7) cita v. acórdão do STF,
49.103, RTJ 23/370, e o art. 863 do CPC c/c o art. 114 da CF de 1946. O recurso
foi admitido em despacho de fls. 111-2, pelo em. Vice-Presidente do Tribunal de
Alçada de São Paulo.
Parecer da douta PGR pelo não-provimento (fl.121), defendendo a aplica-
ção do art. 8º da Lei n. 8.049, pois a cláusula “esta lei entrará em vigor 90 dias
371
Memória Jurisprudencial
depois da publicação” foi vetada pelo Governador nas palavras “90 dias”, ficando
eficaz a partir da data da publicação.
Embora a Constituição atual tenha acabado com o veto de palavra, por ser
posterior à Lei 8.049, é inaplicável a espécie. Lembra, ainda, decisão do Eg. STF
no RMS 14.597, RTJ 33/127.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): A lei de São Paulo n. 8.049, de
30-12-63, conforme fl. do DO local de 31-12-63, à fl. 26, contém o seguinte:
“Art. 8º Esta lei entrará em vigor (...) vetado (...) a sua publicação.”
Isso porque o Executivo vetou as palavras “em 90 dias após (...)”.
Entende o Estado que, como saiu publicado, a lei entrará em vigor à data
da sua publicação.
II - Não me parece correta essa interpretação. O texto ficou sem sentido.
Não diz quando entrará em vigor, e, nesse caso, isso acontecerá em 45 dias,
segundo o art. 1º da Introdução ao Código Civil.
Disso mesmo se convenceu o Em. Vice-Presidente Y. Costa Manso, do
Eg. TA de São Paulo em seu despacho de admissão do recurso, à fl. 112.
“Desse texto mutilado, evidentemente, não se poderá deduzir que,
ao invés dos 90 dias do projeto, a Lei n. 8.049 entraria em vigor ‘na data de
sua publicação’, como pretende o Fisco, mesmo porque o Governador
tinha apenas o direito de veto e, não, o de emenda para alteração do texto
aprovado na Assembléia Legislativa (Constituição Federal, art. 62, § 1º, in
fine). Conseqüentemente, vetado o prazo de 90 dias, a lei mencionada só
poderia vigorar após o decurso de 45 dias contados da publicação oficial
(Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1º).
Nesses termos, e aproveitando à defesa da Companhia executada
essa dilatação da entrada em vigor da Lei n. 8.049, cujo prazo a Fazenda
deseja encurtar, transparece nítida a questão federal.”
III - Conheço do recurso pela letra c, porque o ven. acórdão deu validade
a lei e ato de Governo em desacordo com a Lei Federal — no caso a Introdução
ao Código Civil. E dou-lhe provimento.
Acrescento que, data venia, a majoração decretada depois da aprovação
do orçamento não era exigível nos primeiros meses de 1964, no período anterior
à Emenda n. 7. A isso se opunha o art. 141, § 34, da Constituição de 1946, como
se decidiu nos ruidosos casos de Campinas.
372
Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Amaral Santos: Sr. Presidente, conquanto tenha votado em
sentido contrário, neste caso, acompanho o eminente Relator, conhecendo do
recurso e lhe dando provimento.
EXTRATO DA ATA
RE 64.624/SP — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: Companhia
Santista de Papel (Advogado: Jayme Edmundo Mauger). Recorrida: Fazenda do
Estado (Advogado: Roberto Maia).
Decisão: Conhecido e provido. Unânime.
Presidência do Ministro Luiz Gallotti. Presentes à sessão os Ministros
Amaral Santos, Barros Monteiro, Djaci Falcão e Aliomar Baleeiro, e o Dr. Oscar
Correa Pina, Procurador-Geral da República substituto.
Brasília, 18 de março de 1969 — Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
373
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): I - O douto parecer do eminente
Procurador-Geral da República, Décio Miranda, expõe bem a questão:
“Sustenta-se que é lícita a cláusula pela qual o empregador, que
ensinou ao empregado o know how da empresa, lhe impõe a obrigação de
não trabalhar no mesmo ramo profissional, pelo prazo de cinco anos após o
término do contrato de trabalho.
No Tribunal recorrido, a cláusula foi tida por atentatória à liberdade
de trabalho, assegurada no art. 150, § 23, da Constituição.
O agravante vê na decisão a matéria constitucional capaz de alçar o
seu recurso extraordinário à consideração do Supremo Tribunal Federal,
nos termos do art. 135 da Constituição.
É muito interessante a matéria do recurso, mas não vemos como
reconhecer tenha sido contrariado o princípio da liberdade de trabalho,
precisamente quando a decisão recorrida assegurou essa liberdade. Se o
fez com amplitude maior do que, no entender da recorrente, a espécie
comportava, ainda assim não terá contrariado o § 23 do art. 150. Terá
consistido numa condenação, razoável ou não, do excesso de constrição
do outro contraente, mas presumivelmente adequada, vista que foi a espécie
por experimentados Juízes trabalhistas.
Haverá, na espécie, interpretação que se possa considerar conveniente
à liberdade, mas contraproducente do ponto de vista do estímulo à trans-
missão de know how a empregados brasileiros, nunca, porém, interpretação
contrária ao § 23 do art. 150. Este, é certo, poderia ser trazido à colação na
hipótese inversa, isto é, se se tivesse admitido a validade da cláusula. Mas,
tendo-se afirmado a liberdade a despeito do contrato, é óbvio que não se
contrariou o dispositivo que a assegura com a só limitação das ‘condições
de capacidade que a lei estabelecer’.
Em resumo, o caso denuncia a existência de omissão na lei traba-
lhista, e a conseqüente dificuldade de o solverem os Juízes trabalhistas.
Não configura, porém, contrariedade à Constituição, capaz de trazer o
litígio ao Supremo Tribunal Federal.”
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
378
Ministro Aliomar Baleeiro
I
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O eminente Ministro Djaci Falcão, em
elaborado voto, confirma o venerando acórdão do egrégio Tribunal de Alçada
Criminal de São Paulo (fl. 251) que repeliu o adicional progressivo do Município
de Americana (Lei 614, de 6-10-1964) ao Imposto Territorial Urbano sobre
proprietários de mais de um lote não edificado na área da cidade. S. Exa. não
conheceu do Recurso Extraordinário da Prefeitura, pelos incisos a e d, por ofensa
aos artigos 25 e 150, § 1º, da Constituição Federal de 1967 e dissídio com o
Supremo Tribunal Federal. O voto do ilustre Relator, como o venerando acórdão
recorrido, funda-se em dois pareceres eruditos dos professores Rubens Gomes
379
Memória Jurisprudencial
de Sousa (fl. 7) e Rui Barbosa Nogueira (fl. 40), pedidos pelo Recorrido quando
submeteu ao Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário n. 63.666, de
1967, no qual aliás foi vencido, como outros foram no RMS 16.789 (RTJ 41/607).
A relevância manifesta do caso, o alto padrão técnico da inicial do Recor-
rido, as opiniões doutrinárias dos prestigiados jurisconsultos que opinaram, o
interesse de 4.000 municípios e o de muitos milhares de proprietários urbanos,
enfim várias circunstâncias estão a recomendar a atenção meditada e
circunspecta dos juízes do Supremo Tribunal Federal acerca da controvérsia, a
começar pelo bom exemplo do eminente Relator. Em verdade, estamos diante
dum caso em que esta Corte, fiel à sua missão constitucional, vai construir soluções,
como órgão para dirimir problemas políticos e econômicos latentes no contexto
da Constituição e das leis complementares dela. Temos de minerar os princípios
que jazem subjacentes em nosso Direito Constitucional escrito.
2. Data venia, conheço do recurso por ambos os incisos.
O venerando acórdão recorrido de fl. 251 tem fundamento básico neste
caudaloso período:
“No caso em discussão, além da revogação do art. 202 da Constituição
Federal de 1946, que constituiu a fundamentação da sentença apelada, a
Lei n. 614 do Município de Americana, a pretexto de criar um adicional ao
imposto territorial urbano, em realidade, como demonstram à saciedade os
dois lúcidos pareceres dos Professores Rubens Gomes de Souza e Ruy
Barbosa Nogueira, criou um novo imposto geral sobre o patrimônio imobi-
liário urbano dos contribuintes, violando, ao mesmo tempo, as normas do §
6º do art. 19 e do art. 25 da Constituição do Brasil de 1967, uma vez que
somente a União poderá instituir outros impostos que não os previstos na
Constituição, sendo que ao Município compete apenas decretar impostos
sobre propriedade predial e territorial urbana e sobre serviços de qualquer
natureza, etc., não sobre outros impostos, como fez o Município de Ame-
ricana através do art. 2º da Lei n. 614, que não tem por base de cálculo do
imposto territorial urbano o valor venal do imóvel, como estatui a norma
geral do art. 33 do Código Tributário Nacional, mas a circunstância subje-
tiva de ser o contribuinte proprietário de mais de um terreno, quando o
imposto discutido é de natureza estritamente real, como se infere da defi-
nição constante do art. 32 do citado Código Tributário”.
Não creio que Americana houvesse instituído “um novo imposto geral
sobre o patrimônio imobiliário urbano” nem que tivesse vulnerado os artigos 19, §
6º, e 25 da Constituição Federal de 1967. Cobrou o imposto territorial urbano de
sua competência, regulado, sem qualquer diferença, na Constituição de 1946,
na Emenda n. 18/1964, na Constituição de 1967 e na Emenda 1/1969. Sob o
380
Ministro Aliomar Baleeiro
regime de 1946 até hoje, o Município não tinha nem tem acesso à competência
residual. Se podia exigir validamente aquele adicional da Lei 614 no regime da
Constituição Federal de 1946, podia exigi-lo sob a Constituição Federal de 1967 e
ainda o pode sob a Emenda 1, de 1969. O Direito Constitucional brasileiro, nesse
particular, não mudou nada.
E a supressão do art. 202 da Constituição Federal de 1946 não retirou
qualquer sustentáculo à constitucionalidade da Lei n. 614 de Americana. Isso
quanto ao inciso a, como voltaremos a discutir mais adiante.
Estou convencido da divergência entre o venerando acórdão recorrido e o
proferido em caso rigorosamente igual — aplicação da Lei 614 de Americana a
proprietários de mais de um terreno —, o RMS n. 16-789/SP, de 12-12-68, unânime,
na RTJ 41/607. Naquela causa, os proprietários argüiam que, além de violação da
isonomia, o art. 202 da Constituição Federal de 1946 não justificava a discriminação
para a progressividade e já estava revogado pelo art. 25 da Emenda n. 18, de
1965. O ataque à Lei 614 era travado no mesmo campo e com as mesmas armas
deste recurso.
Data venia do preclaro Relator, parece haver equívoco em dizer-se que,
nesse venerando acórdão do RMS 16.789, “a matéria foi tratada em face do art.
202 da Constituição Federal, que não mais vigora” “bem assim não havia a regra
do art. 33 do Código Tributário Nacional”.
A decisão local, em verdade, citou o art. 202, mas o acórdão do Supremo
Tribunal Federal, calcado unicamente no voto do eminente Ministro Victor
Nunes, não contém a mais mínima palavra sobre o art. 202, de 1946, ou sequer
sobre o princípio nele consagrado — meramente programático, segundo Mestre
Rubens Gomes de Sousa — de que os tributos, “sempre que possível, devem
ser pessoais e graduados pela capacidade econômica do contribuinte”.
Lerei o voto do Ministro Victor Nunes, na Revista Trimestral de Juris-
prudência, v. 41, p. 608-9:
“Nego provimento ao Recurso, de acordo com a decisão recorrida.
Embora os recorrentes tenham lançado mão de argumentação inteligente,
ressalta, desde logo que não existe a alegada inconstitucionalidade, o
que nos dispensa mesmo de remeter este processo ao julgamento do Pleno,
tal como fez o Tribunal de Alçada, que o julgou por sua 3ª Câmara Civil.
Pode ser injusto o critério de variação do Imposto Territorial Urbano
em Americana, adotado pela Lei municipal 614/64, mas a verdade é que
ele se baseou em dados objetivos, tendo em vista uma finalidade
social relevante”.
381
Memória Jurisprudencial
VOTO (Mérito)
3. Rubens Gomes de Sousa, estrela cuja luz intensa no firmamento jurídico-
tributário sobrevive à morte, honrou-me, há 20 anos, criticando minha opinião de
que o art. 202 da Constituição Federal de 1946 era cogente, como Giardina e
Manzoni também vieram a sustentá-lo mais tarde em relação a disposição idên-
tica — o art. 53 da Constituição Federal italiana de 1947, fiel, nesse ponto, ao
princípio embrionário análogo no Estatuto Albertino. No parecer, à fl. 30,
Rubens queixa-se de que eu o não houvesse refutado nem me referido a seu
reparo quando publiquei a 2ª edição do livro criticado. Dispensei-me de fazê-lo,
porque meu argumento se achava expresso na citação das palavras do Deputado
e Professor Scoca na Constituinte italiana, acerca do art. 53 da Constituição de
seu país: “(...) un principio informato è un criterio più democratico, più aderente
alla conscienza della solidarietà e più conforme alla evoluzione delle legislazioni
più progredite. La regola della progressività deve essere effetivamente
operante (...)” (Carullo, Constituzione Ilustrata con i lavori preparatori,
1948, v. I, 182 e s. — transcrição em Baleeiro, Limitações Contitucionais ao
Poder de Tributar, 4ª ed., 1974, p. 314, nota 1).
Embora na campanha de Giardina e Manzoni, concedo que são mais
numerosos os que estão na mesma linha de Rubens — a de que o art. 202 da
Constituição Federal de 1946 e o art. 53 da Constituição Italiana têm caráter
apenas programático (p. ex., E. D’Albergo, Riforma Tributaria, 1949, p. 11;
Giannini, Coment. alla Constit. Ital. de Calamandrei, 1950, v. I, pp. 169, 281 a
284, etc.).
382
Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
fim de que os donos dos lotes não se abstenham de vendê-los à espera de que se
valorizem ainda mais, criando para a comunidade angustiosos problemas de mo-
radia, causa da criação do BNH. Nenhum financista moderno deixa de mencio-
nar as funções extrafiscais do imposto, louvando-as, como exercício do poder
fiscal não para obter receitas, mas para coibir atitudes individuais tidas como anti-
sociais. Há algumas dezenas de anos, o Brasil e outros países aplicavam adicio-
nais aos solteiros e aos casais estéreis ou de poucos filhos, como política
populacional.
A explosão demográfica contemporânea fez perimir aquela política fiscal.
Um coisa é certa: nenhum dispositivo da Constituição veda o emprego de
tributos para fins extraficais, tão bem estudados por Alberto Deodato, Bilac,
W. B. Correa e outros no Brasil, objeto de estudos especiais do Congresso
reunido pelo Instituto Internacional de Finanças, em Roma, 1948, quando os relatou
o Prof. F. Neumark, deles tendo participado o próprio Bilac (Travaux de
l´I.I.F.P., 1949, pp. 235 e s.). Todos os países civilizados exploram as possibilidades
e os efeitos extrafiscais dos impostos, seja para combate à inflação, seja contra os
vícios, o luxo, as coisas prejudiciais à saúde, o latifúndio, os terrenos baldios, etc.
Há quase 100 anos, o velho Cooley distinguia do tax power o police
power exercido pela tributação. E ele está consagrado no art. 78 do CTN (redação
do AC 31/67) a respeito das taxas.
5. É válido e legítimo todo tributo que não repugna à Constituição Federal
ou a uma lei complementar dela, como o CTN. A alegada injustiça do tributo pode
ter os melhores fundamentos políticos, econômicos ou éticos, mas não o condena
juridicamente. Os contribuintes, então, recorram aos legisladores e os castiguem
nas eleições se permanecerem moucos, mas nada esperem dos Tribunais.
Como acentou Victor Nunes naquele v. acórdão do RMS 16.798 (RTJ
41/607), o adicional de Americana pode ser injusto talvez, mas não é
inconstitucional. A lição é de A. D. Giannini: a lei pode instituir validamente “il più
iniquo o antieconomico dei trubuti” (Elementi. Dir. Finanz., 1945, pp. 67 e s.).
A justiça é uma idéia-força, no sentido de Fouillé, mas varia no tempo e no
espaço, senão de indivíduo. Fixa-a o legislador, e o juiz há de aceitá-la como um
autômato. Inúmeros acórdãos do Supremo Tribunal Federal declaram que lhe não é
lícito corrigir a justiça intrínseca na lei, substituindo-se às escolhas do legislador.
5. A fórmula brutal de A. D. Giannini obsta a Constituição Federal, porque
repele, parece-me, o imposto evidentemente confiscatório. No caso, não é
confiscatória nem mesmo drástica ou exagerada.
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Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O Recorrente, comerciante, foi denun-
ciado pela emissão de cheques sem fundos, tendo o juiz decretado sua prisão pre-
ventiva. No final, o processo foi encerrado e arquivado, com absolvição do acu-
sado a requerimento do próprio Ministério Público.
Mas o acusado permaneceu na cadeia pública durante 3 anos e 17 dias,
dos quais 2 anos e 9 meses em virtude da desídia do juiz, que, recebendo os autos
conclusos depois do interrogatório, em 15-4-61, conservou-os consigo,
disciplicentemente, sem qualquer despacho ou providência, até 16-1-64, como o
reconheceu e o disse o Promotor Mário Dirceu Araújo, segundo certidão de fl.
28, acrescentando: “(...) não obstante reiteradíssimas solicitações de devolução
por parte do Ministério Público desta Comarca”.
Até a Ordem dos Advogados interveio para que se pusesse cobro à inércia
do magistrado.
2. Como essa longa prisão por prazo maior do que o admitido na lei hou-
vesse reduzido à miséria extrema, socorreu-se da justiça gratuita (fl. 5) e propôs
ação de indenização por perdas e danos contra Minas Gerais.
A r. sentença de fl. 106 julgou improcedente a ação, citando o acórdão do
Supremo Tribunal Federal, de 21-6-66, na RF 220/105, “sem embargos da grave
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): I - Sentença e acórdãos contrários
ao Recorrente reconhecem de modo expresso os fatos em que ele assenta sua
pretensão: a retenção ilegal do processo por juiz desidioso, durante 2 anos e 9
meses, estando preso o denunciado, que, por lei, não poderia permanecer no
cárcere senão por 81 a 90 dias, no máximo, sem concluir-se a instrução, vindo a
ser absolvido a pedido do próprio Ministério Público.
Na singela inicial, o Recorrente deixa bem claro que não reclama nada
pelo fato de ter sido denunciado e preso, para afinal ser absolvido, mas pela culpa
do juiz negligente no cumprimento de seus deveres e na violação da lei, que não
se compraz com a detenção preventiva além do prazo máximo nela previsto.
II - O primeiro fundamento do recurso repousa no art. 105 da Constituição
Federal de 1967: “As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos
que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.” O caso ocorreu sob
o regime da Constituição Federal de 1946, que continha norma igual no art. 194.
Entende o Recorrente que os magistrados, nesse dispositivo, a exemplo do
que ocorre noutros diplomas, como o Código Penal, estão abrangidos no conceito
genérico de “funcionários”.
Ainda se socorre do Código Civil:
“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente res-
ponsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a
dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores de
dano.”
Ambos os dispositivos transcritos partem do mesmo princípio — o da
regressividade e não o da solidariedade.
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Ministro Aliomar Baleeiro
“Pour cette raison, la prise à partie peut avoir lieu même pour erreur
de droit, pourvu que cette erreur n´ait pas été commise dans le jugement
luimême et qu´elle soit si grossière qu´un magistrat normalement soucieux
de ses fonctions ne 1´aurait pas commise (même arret)” (Lalou, Tr. Resp.
Civ., 1949, n. 1415, p. 809).
Do mesmo modo, ensinam os processualistas franceses, como se vê em
Juris — Classeurs de Procedure Civile, sobre o art. 505 do CPC, notadamente
n. 96, 97, 98, 64 a 67, 78, 79-bis, etc.
Coincide com o Código de Processo francês o da Itália, no art. 55, 1º: “(...)
il giudice é civilmente responsabile soltanto: 1) quando nell´esercizio delle sue
funzioni é imputabile di dolo, frode o concussione; 2) quando senza giusto motivo
rifiuta, omette o ritarda di provedere sulla domanda delle parti e, in
generale, di compiere un atto del suo ministero”.
Mas essa disposição não previu a responsabilidade solidária do Estado,
como o fez a Lei francesa de 7-2-1933, de sorte que alguns comentadores a
excluem. Assim se pronunciaram Rocco, Salvatore Satta e Sergio Costa.
Este, porém, adverte:
“Tutavia, vedasi Alessi, in Foro Pad., 1957, I, 348, il quale, nel
sostenere che l´attività colposa dell’ ufficiale giudiziario determina una
responsabilità dello Stato, in forza del rapporto organico, sembra sostenere
equale tesi anche per il giudice” (Costa, Responsabilità del giudice, vb.
no Novissimo Digesto Ital., 1957, XV, p. 702-3).
Note-se o comentário do professor colombiano H. D. Echandia:
“Por lo general, los autores de derecho administrativo aceptan esta
responsabilidad del Estado. Duguit considera que si bien el acto
jurisdiccional es una emanación de la soberanía del Estado, ‘ella no se
manifiesta de una manera más intensa en el acto jurisdicional que en el
acto administrativo’, y no hay razón para excluirla del primero. De la
misma opinión es Philippe Ardant, y también Bielsa. Los autores
brasileños siguen esta moderna doctrina, como observa Mario
Guimaraes, para quien reconocer la indemnización em ciertos casos es
una medida de justicia, porque si existe un servicio público organizado por
la colectividad, y falla, el perjuicio que por ese motivo se cause a alguien no
tiene por qué sufrirlo la víctima, y es natural que sea repartido entre toda la
colectividad, siempre que con ello no se atente contra la cosa juzgada.”
(Derecho Processal Civil, 1966, p. 349)
395
Memória Jurisprudencial
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Sr. Presidente, peço vista dos autos.
EXTRATO DA ATA
RE 70.121/MG — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: Júlio
Batista da Silva (Advogado: Orlando de Souza). Recorrido: Estado de Minas
Gerais (Advogado: Laércio Nogueira Branco).
396
Ministro Aliomar Baleeiro
Decisão: Pediu vista o Ministro Djaci Falcão, após o voto do Relator, conhe-
cendo do recurso e dando-lhe provimento. Primeira Turma, em 15-9-70. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Barros Monteiro e Amaral Santos.
Decisão: Decidiu-se remeter ao Tribunal Pleno. Unânime.
Presidência do Ministro Luiz Gallotti. Presentes à sessão os Ministros
Amaral Santos, Barros Monteiro, Djaci Falcão e Aliomar Baleeiro, e o Dr. Oscar
Corrêa Pina, Procurador-Geral da República substituto.
Brasília, 24 de novembro de 1970 — Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O Recorrente, comerciante, foi denun-
ciado pela emissão de cheques sem fundos, tendo o Juiz decretado sua prisão
preventiva. No final, o processo foi encerrado e arquivado, com absolvição do
acusado a requerimento do próprio Ministério Público.
Mas o acusado permaneceu na cadeia pública durante 3 anos e 17 dias,
dos quais 2 anos e 9 meses, em virtude da desídia do Juiz, que, recebendo os
autos conclusos depois do interrogatório em 15-4-161, conservou-os consigo,
displicentemente, sem qualquer despacho ou providência, até 16-1-64, como o reconhe-
ceu e o disse o Promotor Mário Dirceu Araújo, segundo certidão de fl. 28, acres-
centando: “(...) não obstante reiteradíssimas solicitações de devolução por parte
do Ministério Público desta Comarca.
Até a Ordem dos Advogados interveio para que se pusesse cobro à inércia
do magistrado.
2. Como essa longa prisão por prazo maior do que o admitido na lei o
houvesse reduzido à miséria extrema, socorreu-se da justiça gratuita (fl. 5) e
propôs ação de indenização por perdas e danos contra Minas Gerais.
A r. sentença de fl. 106 julgou improcedente a ação, citando o acórdão do
Supremo Tribunal Federal, de 21-6-66, na RF 220/105, “sem embargo da grave e
lamentável omissão do Juiz de Carmo Minas, ficando com os autos em seu poder
por mais de 2 anos, sem, sem qualquer despacho, estando o A. preso (...)” (fl.
108).
Entendeu também que a ruína financeira do Recorrente já se caracterizara
antes da prisão.
3. Apelou o A. e o nobre Procurador da Justiça Dr. Wagner de Luna Car-
neiro, às fls. 128/9, opinou favoravelmente ao provimento, a fim de que se liqui-
dassem os danos na execução.
397
Memória Jurisprudencial
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Sr. Presidente, antes de o ilustre
Professor, que acabamos de ouvir com encanto, assumir as graves funções de
Procurador-Geral da República, já lhe tributava eu a mais sincera e profunda
admiração.
Mas, como todos os humanos, ele hoje não estava nos seus dias mais
felizes. Com certeza, foi o imprevisto do caso. Se ele tivesse examinado esse
processo, refletido sobre todas as questões a ele pertinentes, acredito que não
teria feito a promoção que acabamos de ouvir.
Quer dizer, de logo, que não se trata, aqui, de uma construção no silêncio
da lei. Trata-se de aplicação do Direito Positivo do País. Trata-se de dar o sentido
exato do art. 105 da Constituição Federal de 67, correspondente ao art. 194 da
Constituição de 46, assim como do art. 15 do Código Civil — o conceito de
funcionário público no dispositivo em que se estabelece a responsabilidade do
Estado pelos seus agentes.
Mas, quando fosse silente a legislação brasileira, o nosso dever era outro.
O eminente Professor de Processo e Direito Judiciário, mais do que eu, sabe todo
o alcance daquele artigo velho no nosso Direito, o art. 113 do Código de Processo
Civil, que já existia na legislação anterior.
“O juiz não poderá, sob pretexto de lacuna ou obscuridade da lei,
eximir-se de proferir despachos ou sentenças.”
A mesma regra que, por outras palavras, já com a solução, está na Lei de
Introdução ao Código Civil:
“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
E um deles, dos mais fecundos, está no próprio texto dessa Lei, no artigo
imediato:
“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.”
399
Memória Jurisprudencial
400
Ministro Aliomar Baleeiro
O recorrente não vem pedir uma indenização porque foi processado. Qual-
quer de nós pode ser processado e passar pelos dissabores, vexames, prejuízos que
um processo acarreta. Não é porque foi processado e preso que ele reclama.
Litiga porque o juiz o reteve pelo décuplo do prazo legal.
...para afinal ser absolvido, mas sim pela culpa do juiz negligente no
cumprimento de seus deveres e na violação da lei, que não se compraz com a
detenção preventiva além do prazo máximo nela previsto.
Para mim, e creio que também para o Ministro Amaral Santos, os prazos
do Código de Processo são de ordem pública. Se a parte disser “quero ficar na
cadeia”, o juiz não tem o direito de conservá-lo na cadeia.
O Sr. Ministro Amaral Santos: Há prazos que não são preclusivos.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O primeiro fundamento do re-
curso repousa no art. 105 da Constituição Federal de 1967: “As pessoas jurídicas
de Direito Público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade,
causem a terceiros”. O caso ocorreu sob o regime da Constituição Federal de
1946, que continha norma igual no art. 194.
Entende o Recorrente que os magistrados, nesse dispositivo, a exemplo do
que ocorre noutros diplomas, como o Código Penal, estão abrangidos no conceito
genérico de “funcionários”.
Ainda se socorre do Código Civil:
“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente res-
ponsáveis por atos dos seus representantes...
Peço a atenção do Tribunal para a expressão do Código, que é genérica:
representantes, e não apenas funcionários.
...que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de
modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o
direito regressivo contra os causadores de dano.”
Ambos os dispositivos transcritos partem do mesmo princípio — o da
regressividade e não o da solidariedade.
Responsável é a Pessoa de Direito Público pela falta de seus agentes em
serviço ou por extensão deste, resguardado seu direito de regresso contra eles, se
pessoalmente culpados. Claro que pode haver falta anônima do serviço, por fato
inerente a este, objetivamente considerado, sem culpa específica do agente público.
De início, admito a tese do Recorrente: “funcionários”, no art. 105 da
Constituição Federal de 1967, ou 194 da Constituição Federal de 1946, são os
mesmos “representantes” do art. 15 do Código Civil, inclusive os órgãos e
agentes dos três Poderes, e não apenas aqueles que as leis antigas chamavam de
“empregados públicos” da Administração.
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Memória Jurisprudencial
402
Ministro Aliomar Baleeiro
Casos como os destes autos não podem ser aferidos pelos votos dos
gloriosos magistrados das gerações anteriores, que nos precederam nesta Corte
há cerca de meio século, quando ainda vacilava o espírito jurídico contra os privilé-
gios da irresponsabilidade do Estado pelos atos dolosos ou culposos de seus agen-
tes em serviço. Isso era concebível no regime da Constituição de 1824, ou talvez
na de 1891, cujo art. 82 deixava a responsabilidade “estritamente” aos funcioná-
rios insolventes e impecuniosos como escárneo às vítimas dos fatos lesivos produ-
zidos pelo serviço público ou pela culpa do Estado in vigilando ou in eligendo.
Recordo-me de um caso, aqui, do International Bank contra uma firma de
São Paulo — 30 ou 40 milhões de contos. Suponhamos que o Supremo tivesse
cometido um erro grosseiro num caso que, a meu ver, seria indenizável: todo o
patrimônio dos onze Juízes do Supremo, vendidos em leilão, não daria para pagar
um milésimo do prejuízo que daí decorreria. É um escárnio mandar um juiz,
pobretão, indenizar.
O Sr. Ministro Amaral Santos: No caso do Supremo, quem seria responsá-
vel: o Relator?
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Não é coisa para ser discutida
agora. Acredito que V. Exa. cumpriria o seu dever com a mesma bravura moral
com que tem exercido o seu mandato nesta Casa.
Aliás, a despeito da letra daquele art. 82 da Constituição Federal de 1891,
o Supremo Tribunal Federal, há 60 anos pelo menos, condenava o Estado por
faltas atribuíveis a seus funcionários em serviços (Acórdãos n. 1.926, de 12-7-
1911; n. 1.973, de 25-5-1912; n. 2.098 e 2.251, de 10 e 21 de maio de 1913. No
mesmo sentido, C. Maximiliano, Comment., id. de 1929, n. 475, p. 837).
Hoje, ou melhor, desde 1946, a regra não pode ser posta em dúvida nem
sofrer restrições que não existem no art. 194 da Constituição Federal de 1946 ou
105 da Constituição Federal de 1967.
Não me parece, pois, exata, com a devida vênia, a assertiva do em. Des.
Natal Campos, o revisor, à fl. 138, de “que o Estado não pode ser responsabilizado
no presente caso. A responsabilidade pelos prejuízos alegados pelo A., se existe,
é pessoal exclusivamente do juiz Oscar Junqueira Lopes.”
Não. Pelo menos depois do art. 194 da Constituição Federal de 1946, essa
responsabilidade ou não existe ou é também de Minas Gerais, que escolheu o juiz
inadequado e por seus órgãos competentes não o vigiou, nem tomou as providên-
cias cabíveis, inclusive o habeas corpus por iniciativa de seu Ministério Público.
A r. sentença de fl. 106 pretende ter apoio no v. Acórdão do Supremo
Tribunal Federal, de 21-2-66, no RE 32.518/RS, vencidos o em. Min. Adalicio
Nogueira e eu (RTJ 39/190 ou RF 220/105). Sua ementa resume a tese ali vitoriosa
e que não se opõe à do Recorrente:
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Ministro Aliomar Baleeiro
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: O recorrente propôs ação ordinária de indeni-
zação contra o Estado de Minas Gerais, fundado em que, processado por crime
de emissão de cheque sem provisão de fundos, ficou sob custódia preventiva
entre 1º de fevereiro de 1961 e 17 de fevereiro de 1964, quando foi absolvido a
pedido da Promotoria Pública. Acrescenta que o processo, durante dois anos e
nove meses, ficou paralisado, em mãos do Dr. Juiz de Direito da Comarca de
Cristina, resultando desse injustificado e negligente retardamento a sua ruína
financeira, eis que teve de abandonar o seu estabelecimento comercial — Casa
N. S. Aparecida.
No juízo de origem, o seu titular, após ressaltar os pressupostos da ação de
responsabilidade civil da administração pública, ou seja, ato do funcionário em
razão do ofício e nexo de causalidade entre o ato e o dano, desce à análise das
provas, concluindo textualmente:
“Portanto, bem claro está que a derrocada financeira do Autor não
decorreu de sua prisão ou do tempo que nela permaneceu, da sua própria
incapacidade de gerir sua casa comercial, embora contando com a colabo-
ração de sua esposa e filhos. Por outro lado, o próprio Autor concorreu
para a sua longa permanência na prisão, não podendo, pois, atribuir a culpa
exclusiva ao Estado. Ao que parece, conforme lembram os contestantes
na primeira ação (fls. 75 dos autos apensados), o Autor quis fazer a greve
do encarceramento, em sinal de protesto, pois, apesar de estar em contato
com seus familiares e advogados inclusive um irmão que lhe levou um
advogado não reclamou, não requereu habeas corpus, não permitiu qualquer
providência por parte de seus advogados e familiares, sendo que estava
cônscio de seus direitos, mesmo por ser jurado, permanecendo no propósito
de ficar na cadeia.
E na ação intentada contra os seus credores que promoveram o
processo crime, o autor agiu estranhamente. Assim é que, ele próprio,
redigiu e subscreveu dos autos da ação (apensados) várias petições, com
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Ministro Aliomar Baleeiro
PELA ORDEM
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Peço a palavra, Sr. Presidente.
Não é meu hábito replicar aos votos que divergem do meu. Mas, só há
progresso do direito nos debates, e só podemos buscar a verdade aqui, fazendo o
contraste de nossas opiniões e dando nossa impressão sobre os atos.
O eminente Ministro Djaci Facão trouxe aqui a doutrina do Tribunal de
Minas Gerais de que esse homem estava em má situação financeira, tanto que
tinha títulos protestados quando foi preso.
O Sr. Ministro Djaci Facão: Não foi a doutrina do Tribunal de Minas. Apenas
lembrei os fatos que estão nos autos e que podem ser objeto de verificação. E, na
aferição da prova, a justiça local é soberana.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Mas referiu o Tribunal de Minas.
Esse homem tinha uma casa de comércio.
O Sr. Ministro Djaci Facão: Não discuto isso.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Foi o voto que V. Exa. transcreveu.
Ora, esse homem, sua mulher e seu filho tinham uma casa de comércio, que
podia estar insolvente, ou em situação de impontualidade, de iliquidez de caixa.
Poderia, estando em situação ilíquida, recobrar-se. Há inúmeros casos de firmas
que passaram por vicissitudes e escaparam. Podia ter títulos protestados. Isso
me lembro um fato com o Banco do Brasil, cuja importância na vida econômica
do País não preciso ressaltar. O Banco do Brasil uma vez foi ameaçado de pro-
testo de cheque pelo Governador Carlos Lacerda. Foi preciso até intervenção
política junto ao Governador, para não promover medidas drásticas contra o Banco.
Houve outro caso aqui, de R.A. Azeredo, no qual a indenização a que foi conde-
nado o Banco do Brasil era maior do que o seu capital.
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Memória Jurisprudencial
Portanto, isso não prova que não assiste direito a esse homem de ser inde-
nizado, porque levou 2 anos e 9 meses, pelo menos, sem falar nos três de prisão,
impossibilitado de exercer qualquer atividade econômica e de olhar por seus inte-
resses, porque um juiz desidioso, relapso, reteve os autos em casa.
Estamos a dizer aqui: por que ficou preso? Por que não saiu da prisão? Por
que não requereu habeas corpus? Tudo isso é muito bonito, aqui, mas não para
quem se viu preso num canto longínquo do sertão.
Esse homem se improvisou em advogado. O eminente Ministro Djaci Falcão
leu as peças dos autos. Na capa, está um memorial do próprio punho dele.
O Sr. Ministro Djaci Facão: Membros do Poder Legislativo estadual foram
lá, interceder em seu favor. É o que está nos autos.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Vários deputados estiveram lá,
mas ninguém conseguiu tirá-lo da cadeia, nem arrancar os autos do Juiz. O Pro-
motor diversas vezes pediu os autos, mas o Juiz não deu. Não afirmo que houvesse
contemplação partidária local. Não levantei essa tese.
Reconheceu o Tribunal de Minas que houve culpa e mandou responsabilizar
o Juiz.
Se um homem fica preso dois anos e nove meses, há presunção de que
sofreu prejuízo. Não quero dizer que a casa dele afundou ou não. O que digo é
que tem que ser reparado o prejuízo, que ele tem direito a uma indenização, como
preferiu o Dr. Procurador-Geral da República, e serão apuradas as perdas e
danos na liquidação.
O direito que lhe reconheço é saber se, na realidade, ele teve perdas e
danos, porque ficou dois anos e 9 meses na prisão. O que reconheço é o direito
dele, diante de uma culpa que o Tribunal de Minas foi o primeiro a proclamar.
VOTO (Reiteração)
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Presidente e Relator): Fui Relator desse
processo e já o discuti, inúmeras vezes, na Turma, e creio que no Pleno.
Mantenho meu voto, que era pelo conhecimento e provimento do recurso,
porque acredito que o Estado tenha o dever jurídico e até ético de indenizar os
danos que cause aos particulares pela desídia, pela culpa, ou pelo dolo dos seus
juízes. Para mim, eles são tão servidores públicos, funcionários, agentes públicos
de que trata o art. 15 do Código Civil, quanto quaisquer outros.
O v. acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, coloca o
problema em termos de direito, havendo apenas de um ou de outro juiz uma
referência aos fatos. O Tribunal de Justiça nega a responsabilidade do Estado
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Ministro Aliomar Baleeiro
pelos atos do juízes. Considera que responsabilizar o próprio juiz ou o Estado pela
sua desídia ou pela sua inexação no cumprimento do dever teria como conseqüência
comprometer a independência da magistratura.
O Código de Processo tem aquelas limitações de mandar interpelar antes,
etc., etc. Eu me baseei na legislação francesa de 1933, que modificou o velho
Código de Processo e que manda o Estado indenizar quando o juiz, por culpa
grave, faute lourde, causa prejuízo aos particulares, em várias hipóteses, que são
exemplificativas, evidentemente, como dolo e desídia.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Só que, no Brasil, não se fez uma lei como a
que foi feita na França, em 1933.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Presidente e Relator): Para mim, bastam
os arts. 15 do Código Civil e 107 da Constituição atual, que repete, no assunto, as
anteriores. No caso concreto, o juiz levou quase três anos com um processo em
casa, enquanto o réu permanecia no calabouço, indefeso, e, até pela sua própria
situação financeira, não poderia custear os serviços de um patrono. Acho que o
Estado tem o dever de manter uma Justiça que funcione tão bem como o serviço
de luz, de polícia, de limpeza ou qualquer outro. O serviço da Justiça é, para mim,
um serviço público como qualquer outro.
Data venia do eminente Sr. Ministro Luiz Gallotti, cujo voto é
brilhantíssimo, neste caso, acho que há lei, há o próprio Código Civil que manda,
pelo art. 15, responder o Estado pelas faltas dos seus agentes; e há o art. 194 da
Constituição de 1946 igual ao art. 107 da Constituição de 1969.
O Sr. Ministro Amaral Santos: Distingue o funcionário público.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Presidente e Relator): Não posso distinguir
onde o texto não distingue. Para mim, o juiz é um funcionário público.
O Sr. Ministro Amaral Santos: Há várias categorias de funcionários. O juiz
é regulado por legislação completamente diversa daquela dos servidores públicos.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Presidente e Relator): Em sessão recente,
manifestei o meu ponto de vista, a minha convicção, e não quero convencer
ninguém. Meu voto está nos autos e já há três votos contrários a ele. Acredito
que, um dia — que desejo não seja longínquo —, se o legislador retardar a sua
ação, o Supremo Tribunal Federal cumprirá um dos seus deveres, que é o de preen-
cher a lacuna das leis, e dê ao caso, dentro do espírito de conjunto das regras do
sistema, uma solução para casos tristíssimos como este.
Reitero meu voto, conhecendo do recurso e lhe dando provimento.
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Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): 1. O Presidente Geltil C. Pinto,
em seu despacho de deferimento, bem resume a questão, à fl. 121:
“No Município de Pindamonhangaba promulgou-se a Lei n. 1.302/
72 que fixou o horário para o atendimento ao público dos estabelecimentos
bancários entre 9 e 16 horas.
O Banco Brasileiro de Descontos S/A, inconformado, impetrou
segurança sob a alegação de que essa lei municipal ofende diplomas federais
reguladores das atividades bancárias. Saiu vencido nas duas instâncias.
Irresignado, ingressou com o presente extraordinário, arrimando-se
no artigo 119, III, letras a, c e d, da Constituição da República. Argumenta
que o julgado afronta o artigo 8º, item XVII, letra l,da Lei Maior; artigo 4º,
item VIII, da Lei Federal n. 4.595; a Lei Federal n. 4.173; o Decreto-Lei n.
546, de 18-4-1969 e os artigos 224, § 2º e 225 da Consolidação das Leis do
Trabalho, bem como diverge da jurisprudência de outros tribunais do País
(RT 348/482, 361/371 e doc. anexo).
Houve impugnação e a ilustrada Procuradoria-Geral opinou pelo
indeferimento do recurso.
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Ministro Aliomar Baleeiro
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): I - Desde as Constituições an-
teriores, aos municípios foi assegurada a autonomia quanto à matéria de seu
peculiar interesse. Parece-me que “peculiar”, na cláusula constitucional, deve
ser entendido como “exclusivo” ou “preponderante” interesse.
Ninguém disputará ao Governo municipal a atribuição de regular a que
horas se entregará o leite às portas, coletará o lixo, serão acesas as lâmpadas
públicas ou que espécies botânicas serão preferidas para a arborização das ruas, etc.
II - Mas o “peculiar” interesse local há de ceder ao “maior” interesse do
Estado-Membro ou da União. Depois que a nossa República passou a chamar-se
de “federativa”, por amarga ironia, a autonomia local — seja a do Estado-Membro,
seja a do Município — vem sendo metida num colete de aço, que o legislador
federal pode apertar com larga discrição.
Se era inexato nas Constituições anteriores, poder-se-ia dizer que, hoje,
direito federal corta direito local em quase tudo.
III - A atividade bancária, pela sua conexão com os problemas de moeda,
crédito, inflação, câmbio, balanço de pagamentos, etc., está comandada
discricionariamente por órgão da União, o Banco Central. O horário dos bancos,
que não é assunto exclusivo do Direito Trabalhista, deve ser isócrono no País, em
cujo território as empresas desse gênero se expandem em vasta rede de estabe-
lecimentos ou agências que, pelo telefone e pelo telex, se comunicam com as
matrizes e lhe cumprem instruções e ordens, muitas das quais derivadas do Banco
Central. Este tanto pode deliberar, a qualquer momento, um feriado bancário,
quanto pode prorrogar o horário de todas as agências bancárias até meia-noite,
como já fez, para recebimento de declarações de imposto de renda. Se for permi-
tido a Pindamonhangaba restringir a duração de horários de bancos, como fez, ou
ordenar-lhes que interrompam as atividades às 16 horas, Camamú poderá restringir
ainda mais aqueles horários e determinar que os guichês desçam as grades às
15h30.
Nenhum estabelecimento da mesma rede bancária nacional poderá efetuar
um pagamento por meio de outro estabelecimento congênere, na praça de
Pindamonhangaba, às 16h15, porque a edilidade não quer. O interesse nacional
mais relevante do Brasil todo curvar-se-á àquilo que o próspero município
paulista erigiu em seu “peculiar interesse”.
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Ministro Aliomar Baleeiro
EXTRATO DA ATA
RE 79.253/SP — Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: Banco
Brasileiro de Descontos S.A. (Advogado: Armando Rodrigues Arsenço). Recorrida:
Prefeitura Municipal de Pindamonhangaba (Advogado: João Laert Salles).
Decisão: conhecido e provido, unanimemente.
Presidência do Ministro Oswaldo Trigueiro. Presentes à sessão os Ministros
Aliomar Baleeiro, Djaci Falcão, Bilac Pinto, Rodrigues Alckmin e o Dr. Oscar
Corrêa Pina, Procurador-Geral da República substituto.
Brasília, 11 de outubro de 1974 — Alberto Veronese Aguiar, Secretário.
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Ministro Aliomar Baleeiro
ÍNDICE NUMÉRICO
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