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Artigo de Revisão

Acessos cirúrgicos a articulação temporomandibular:


revisão de literatura

Surgical approaches to the temporomandibular joint: review Éllen Cristina Gaetti Jardim 1
Leonardo Perez Faverani 2
Gabriel Ramalho Ferreira 2
Cassiano Costa Silva Pereira 3
Walter Cristiano Gealh 4
Elio Hitoshi Shinohara 5

Resumo Abstract

A escolha do acesso cirúrgico para as afecções que atingem The choice of surgical approach to diseases that affect the
a região pré-auricular tem sido motivo de bastante discussão pre-auricular region has been subject of much discussion in
na literatura. Acessos pré-auriculares vêm sendo usados com the literature. Access pre-hearing, have been used with high
a observância de alta taxa de sucesso e, durante a história compliance rate of success, and during the history of surgery,
da cirurgia, diversas modificações nesta abordagem foram several modifications were made in this approach with the goal
realizadas com o objetivo de redução das sequelas irreversíveis, of reducing the irreversible consequences especially regarding
sobretudo em fraturas condilares como paralisias e cicatrizes common in condylar fractures as paralysis and facial scars.
faciais. As opiniões vão desde a indicação do tratamento cirúrgico The views range from the indication of surgical treatment for all
a todas as fraturas, até a convicção de que nenhuma fratura fractures, until the conviction that no fracture of the bone segment
desse segmento ósseo deva ser abordada cirurgicamente. should be surgically treated. Therefore, this study is of relevance,
Portanto, o presente estudo reveste-se de relevância, uma vez since offers surgeons warn about the care on the anatomical
que propõe alertar os cirurgiões quanto aos cuidados diante structures involved in these surgical approaches and describe,
das estruturas anatômicas envolvidas nestes acessos cirúrgicos seeking a comparison between them, the advantages of them by
além de descrever, buscando uma comparação entre eles, as means of a literature review covering from the extensive bouts of
vantagens dos mesmos por meio de uma revisão de literatura que Bellinger (1940) and Al-Kayat (1979) that provide a broad view
abrangerá desde os extensos acessos de Bellinger (1940) e Al- of the surgical field to access modified and increasingly smaller
Kayat (1979) que promovem uma ampla visualização do campo as the endaural (2001) which not only allows a satisfactory field
operatório até acessos modificados e cada vez menores como of aesthetics as maintenance the patient without any signs of
o Endaural (2001) que não só possibilita um campo satisfatório scarring.
como manutenção da estética do paciente, sem qualquer sinal
de cicatriz. Key words: Facial Nerve; Temporomandibular Joint; Models,
Anatomic.
Descritores: Nervo Facial; Articulação Temporomandibular;
Modelos Anatômicos.

INTRODUÇÃO a todas as fraturas com deslocamento, até a convicção


de que nenhuma fratura desse segmento ósseo deve ser
A busca pelo melhor acesso cirúrgico para o trata- abordada cirurgicamente1.
mento de fraturas do processo condilar da mandíbula, Quando optamos pela cirurgia como terapêutica,
do arco zigomático e das afecções da articulação tempo- dentre os diversos aspectos a serem considerados,
romandibular (ATM) ainda é sinônimo de controvérsias, estão principalmente as possíveis sequelas estético-
particularmente, em relação a fraturas condilares. As funcionais pós-operatórias principalmente quando ob-
opiniões vão desde a indicação do tratamento cirúrgico servamos a abundante vascularização e inervação da

1) Mestre em Estomatologia. Mestranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.


2) Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.
3) Mestre e Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.
4) Mestre e Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Cirurgião Bucomaxilofacial.
5) Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Professor Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Pós Graduação da UNESP - Araçatuba e Cirurgião do Hospital Albert
Einstein.

Instituição: Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Odontologia de Araçatuba.


Araçatuba / SP – Brasil.
Correspondência: Ellen Cristina Gaetti Jardim - Rua América do Norte, 373 - Bairro Jussara - Araçatuba / SP – Brasil – CEP: 16021-295 - Telefone: (+55 18) 9144-3348 - E-mail: e-jardim@bol.com.br.
Recebido em 20/12/2010; aceito para publicação em 20/02/2011; publicado online em 20/03/2011.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

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região supracitada em que artéria carótida externa pe- os ramos temporal, zigomático, bucal, marginal da man-
netra na glândula parótida e emite seus dois ramos ter- díbula e cervical12.
minais, a artéria maxilar e temporal superficial2-5. As divisões principais do nervo facial, a cranial e cau-
O nervo facial também percorre um trajeto no interior dal são originadas no interior da glândula parótida. Po-
da glândula parótida, cruzando medialmente à artéria rém, podem ocorrer variações como a trifurcação, qua-
carótida externa e à veia retromandibular, dividindo-se drifurcação e em casos raros, a presença de um padrão
nos ramos temporofacial e cervicofacial, originando ain- plexiforme. A divisão temporal possui entre 5 a 7 ramos,
da no interior da glândula parótida os ramos terminais do com anastomoses entre si; emite um ramo para a região
nervo facial, o temporal, o zigomático, o bucal, o margi- frontal, dois para a região orbital, três para a região zigo-
nal da mandíbula e o cervical5-7. mática e dois para a região bucal13.
Diversas abordagens são descritas na literatura com Outro estudo anatômico, também consistente com a
o intuito de tratar as afecções desta região. Desde o ad- variedade da ramificação do ramo temporal em nível do
vento do acesso pré-auricular, este vem sendo utilizado arco zigomático, encontrou quatro ramos temporais em
com alta previsibilidade de sucesso e, durante a história 13,33% e, ocasionalmente um ou mais finos ramos des-
da cirurgia, inúmeras modificações nesta abordagem fo- te nervo cruzam transversalmente a porção superior da
ram realizadas com o objetivo de redução das sequelas região temporal para inervar o músculo frontal14 .
irreversíveis tais como paralisia facial, necroses tecidu- Porém, foram descritos dois ramos zigomáticos, sen-
ais bem como formação de cicatrizes nada estéticas. do o cranial o mais delgado, cruzando superficialmente
Portanto, justifica-se o presente estudo por alertar os o terço superior do músculo zigomático maior, enquanto
profissionais desta área quanto aos cuidados diante das que o mais espesso, o ramo zigomático inferior, cruza
estruturas anatômicas nobres envolvidas nestes aces- profundamente o terço inferior do músculo zigomático
sos cirúrgicos. maior e, a seguir se subdivide para inervar os músculos
zigomático maior, levantador do lábio superior, bucina-
REVISÃO DA LITERATURA dor e levantador do ângulo da boca15.
Os ramos temporais do nervo facial possuem impor-
Aspectos Anatômicos tante relação com os acessos cirúrgicos pré-auriculares,
O tratamento para esse tipo de fratura sempre foi um uma vez tendo ocorrido sua lesão e consequente pare-
desafio para o cirurgião. Isso porque o acesso cirúrgico sia (paralisia parcial com relaxamento muscular) ou pa-
ao côndilo é dificultado pela presença de estruturas no- ralisia podem acarretar incompetência da musculatura
bres. Entre as estruturas intimamente relacionadas aos da região frontal8,16,17.
acessos pré-auriculares, destacam-se a artéria temporal Quanto a estratificação anatômica da região tempo-
superficial, artéria transversa da face, nervo auriculotem- ral, as camadas obedecem sucessiva e medialmente a
poral e o nervo facial7. seguinte ordem: a pele, o tecido subcutâneo denso, a
A artéria temporal superficial, um dos ramos da arté- fáscia temporoparietal (uma extensão lateral da gálea
ria carótida externa, inicia-se posteriormente ao colo do aponeurótica), tecido subaponeurótico frouxo, a fáscia
côndilo mandibular e após emergir da glândula parótida, temporal e o músculo temporal. A fáscia do músculo
ascende cruzando lateralmente à raiz posterior do arco temporal é descrita como uma lâmina única e espessa,
zigomático em direção à superfície da fossa temporal, inserida em toda extensão da linha temporal superior,
dentro do tecido subcutâneo denso, profundo à pele, po- revestindo o músculo temporal. Na sua porção caudal,
rém lateralmente à fáscia temporoparietal8,9. ela se divide em duas lâminas, cranialmente a aproxi-
Em relação ao nervo auriculotemporal, um ramo madamente 2 cm do arco zigomático. Caudalmente,
sensitivo da divisão mandibular do nervo trigêmio, o estas lâminas revestem as margens lateral e medial do
mesmo prossegue posteriormente ao colo da cabeça da periósteo do arco zigomático. Neste nível, não apenas o
mandíbula ao nível da cápsula articular. Ascende dentro periósteo se mescla firmemente com a lâmina lateral da
do tecido subcutâneo denso em nível da raiz do arco fáscia temporal, mas também com as fáscias temporo-
zigomático, posteriormente à artéria temporal superficial parietal e parotideomassetérica9-11,17.
para inervar a pele da região temporal, parotídea, parte Foi estudada a distância entre o meato acústico ós-
da orelha e meato acústico externo7,9. seo e diferentes pontos do nervo facial em 56 faces hu-
O nervo facial (VII par craniano), após advir do fora- manas, concluindo que a distância entre o ponto mais
me estilomastóideo, emite fibras eferentes para inervar anterior do meato acústico e o ramo mais póstero-supe-
os músculos da expressão facial, o ventre occipital do rior do nervo facial é em média 2 +/- 0,5 cm e varia de
músculo occipitofrontal, músculo estilo-hióideo e o ven- 0,8 a 3,5 cm. E a distância entre a porção mais caudal do
tre posterior do músculo digástrico. Ainda emite fibras meato acústico e a bifurcação do nervo facial varia entre
eferentes viscerais parassimpáticas para as glândulas 1,5 e 2,8 cm e, em média 2,3 +/- 0,28 cm. Baseados nes-
lacrimais, submandibulares e sublinguais9-11. te estudo quantitativo, os autores sugeriram que estes
Quanto à distribuição periférica extraparotídea do resultados devem ser considerados diante de qualquer
nervo facial, duas divisões primárias são citadas, uma variação da técnica pré-auricular, para preservar a fun-
temporofacial e uma cervicofacial, em que são emersos ção dos músculos frontal e orbicular do olho8.

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Com o intuito de aprimorar as abordagens para pro-


cedimentos cirúrgicos, principalmente para os acessos
à ATM, arco zigomático e glândula parótida, um estudo
morfométrico dos ramos terminais da artéria carótida ex-
terna e do nervo facial, em relação ao côndilo mandibu-
lar, foi realizado, por meio da dissecção, ao microscópio
cirúrgico, 30 hemi-cabeças humanas para a observação
das distâncias do pólo superior do côndilo mandibular à
bifurcação da artéria carótida externa (em média 22,1
mm), ao ramo temporal do nervo facial (7,82 mm) e ao
ramo zigomático do nervo facial (13,48 mm). Portanto,
diante destes resultados, os cirurgiões se beneficiam
pela sistematização das estruturas anatômicas dessa
região, com finalidade cirúrgica18.

Aspectos Cirúrgicos:
A) Acesso pré-auricular de RISDON19.
Figura 1. Acesso pré-auricular (BELLINGER20).
Inicialmente, com o intuito de tratar as anquiloses
da articulação temporomandibular, o primeiro acesso
pré-auricular foi descrito, com uma incisão partindo da
região anterior ao meato externo do ouvido estendendo
até a borda inferior da mandíbula. O autor declara que
obtém excelentes resultados com a utilização deste tipo
de abordagem, apresentando baixo risco cirúrgico.

B) Acesso pré-auricular de BELLINGER20.


A incisão começa anteriormente ao lóbulo da orelha
e continua superiormente até a região acima do arco zi-
gomático, curvando-se anteriormente ao hélice da ore-
lha (Figura 1). O estudo afirma que com esse acesso,
tomando-se cuidado com a dissecção, estruturas impor-
tantes como os ramos do nervo facial e a artéria e veia
temporal superficial, permanecerão preservadas.

C) Acesso pré-auricular de ROWE21.


Refere-se as indicações cirúrgicas para as afecções
da articulação temporomandibular. A via de acesso cirúr-
gico é a pré-auricular, com uma incisão de 3 cm partindo Figura 2. Acesso pré-auricular (ROWE21).
Fonte: Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial.
da região de fossa temporal inclinada em 45º no arco zi-
gomático, alcançando o limite posterior na margem livre
do hélix, continuando inferiormente até o limite posterior
do hélix e borda superior do trágus (Figura 2). A exposi-
ção do aspecto posterior da cápsula articular é atingida D) Acesso pré-auricular com extensão temporal
pela dissecção cuidadosa na margem do trágus, sepa- de ÁL-KAYAT; BRAMLEY8.
rando os tecidos da parte anterior da cartilagem do me- A incisão é iniciada na região temporal, anterosu-
ato auditivo externo. Imediatamente, segue em direção periormente à orelha externa e segue descrevendo um
anteromedial e inferior da glândula parótida e, os vasos semicírculo até a base da orelha externa em uma dire-
temporais superficiais são identificados e retraídos. ção ínfero-posterior para evitar os ramos principais dos
A extensão temporal da incisão é novamente atingi- vasos temporais. Continua-se contornando a porção an-
da, observando a necessidade de laqueadura do ramo terior da orelha externa, cartilagem do trágus e até a in-
posterior da artéria temporal superficial. Neste estágio, serção do lóbulo. Na região temporal deve compreender
incisa-se a fáscia temporal e o periósteo do arco zigomá- pele e fáscia temporoparietal até a margem superficial
tico é exposto, em que um elevador de periósteo é usado da fáscia temporal. A divulsão é feita cuidadosamente,
para dissecar desde o periósteo do arco zigomático até sendo toda a espessura desta fáscia refletida juntamen-
um ponto próximo ao aspecto lateral da cápsula articular, te com o retalho de pele e tecido subcutâneo, uma vez
que é incisada e a cabeça e colo do côndilo mandibular que as fibras nervosas encontram-se no interior da fás-
é identificado. cia temporoparietal. Até 2,0 cm da margem superior do

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arco zigomático, onde a fáscia temporal se bifurca, a dis-


secção é prosseguida e a partir desta fase, uma incisão
em 45º partindo da porção posterior do arco zigomático,
em direção ântero-superior deverá ser realizada sobre a
lâmina lateral da fáscia temporal até a margem posterior
do processo frontal do osso zigomático. Seguramente
agora o periósteo do arco zigomático pode ser incisado,
descolado e incisado num retalho único, rebatendo as
estruturas anatômicas nobres. A dissecção prossegue-
se no sentido caudal, até o encontro com a cápsula ar-
ticular e ligamento lateral da articulação temporomandi-
bular. Se um procedimento intra-capsular for objetivado,
uma incisão horizontal sobre a inserção superior da cáp-
sula é realizada (Figura 3).
Figura 3. Abordagem pré-auricular com extensão temporal (ÁL-KAYAT;
E) Acesso pré-auricular, retalho cutâneo-fascial BRAMLEY8).
(KREUTZIGER7). Fonte: Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial.
Posterior e caudalmente à artéria temporal superfi-
cial a incisão é confeccionada e se estende ínfero-poste-
riormente descrevendo uma leve curva por 2,0 a 2,5 cm,
gradualmente é convertida à direção vertical na junção
superior do hélice da orelha. Este componente vertical é
imediatamente pré-auricular e desce 2,5 a 3,0 cm até a
inserção do lóbulo da orelha. A incisão da pele, de seu
limite superior à margem superior da raiz do arco zigo-
mático, transcorre no plano da fáscia temporal. A dissec-
ção é realizada profundamente ao periósteo do arco e
ao pericôndrio sobre a cartilagem do trágus por toda a
extensão da abordagem. A fáscia temporal é incisada de
2,0 a 3,0 mm anteriormente à incisão curvilínea da pele.
A porção superior inicial da incisão é levada completa-
mente através da fáscia temporal. Portanto, o retalho
denominado fáscio-cutâneo é rebatido ao longo de sua
margem no sentido latero-anterior. A dissecção progride
entre a lâmina superficial da fáscia temporal e o tecido
adiposo, até o periósteo sobre o arco zigomático em sua
raiz posterior, este é descolado em direção caudal até a Figura 4. Incisão pré-auricular22,23.
margem inferior do arco zigomático, onde é contínuo a Fonte: Figura extraída do livro: Traumatismo buco-maxilo-facial.
fáscia parotideomassetérica. À medida que a dissecção
corre para anterior, a cápsula e o ligamento temporo-
mandibular são visualizados, sendo possível acessar os
espaços articulares ou o colo mandibular.
mandibular. Finaliza-se com a interposição de lâmina de
F) Acesso pré-auricular com extensão serrilhada silicone estabilizada através de fios metálicos.
ou escalondada22,23.
No tratamento da anquilose temporomandibular G) Acesso pré-auricular17.
como consequência da presença de infecção ou fisio- Para a abordagem da articulação temporomandibu-
terapia pós-operatória mal conduzida ou inexistente, lar, uma incisão foi proposta sendo desenhada na junção
pós-trauma, os autores descreveram uma incisão pré- da pele com o hélix da orelha, em que uma prega natural
auricular com extensão temporal de forma serrilhada ou da pele ao longo de todo o comprimento da orelha pode
em escalonamento, com o intuito de facilitar a exposição ser usada. Deve-se estender superiormente até o topo
ampla e quebrar a tensão do retalho. A divulsão é reali- do hélix e feita através da pele e dos tecidos subcutâne-
zada na região superior do campo cirúrgico para exposi- os, até a profundidade da camada superficial da fáscia
ção da fáscia do músculo temporal e, seguindo entre as temporal, devendo progredir com a dissecção profunda
fáscias superficial e profunda do músculo temporal, em até o arco zigomático, ao nível da camada superficial da
direção ao arco zigomático (Figura 4). A partir deste pon- fáscia temporal. Neste ponto, uma incisão oblíqua é con-
to, a área anquilosada é exposta e inicia-se a ostectomia feccionada na fáscia temporal (Figura 5). Um elevador
para separação do arco zigomático e ramo ascendente de periósteo é inserido abaixo desta fáscia para descolar

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o periósteo externo da parte lateral do arco zigomático.


Segue-se com a dissecção romba, em direção inferior,
superficialmente à cápsula da articulação temporoman-
dibular e infiltra-se anestésico local com adrenalina
dentro do espaço articular superior. Com um bisturi ou
tesoura adentra-se à cápsula, logo abaixo do arco zigo-
mático e incisa-se através da inserção lateral do disco
articular, penetrando no espaço articular inferior.

H) Acesso Endaural24,25.
A abordagem endaural é iniciada no espaço articular
posterior 1 a 1,5 mm medial à borda lateral do tragus
através da porção avascular, anterior ao meato acústi-
co externo. A divulsão é direcionada em sentido ântero-
superior e ligeiramente medial até o arco zigomático. Os
espaços articulares podem ser examinados com este
acesso (Figura 6).

Acessos ao Côndilo
A) Acesso Retromandibular de HINDS26.
Diferentemente dos acessos especificamente para a
Figura 5. Aspecto da abordagem pré- auricular17.
ATM, os acessos retromandibulares expõe todo o ramo Fonte: Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial.
mandibular por detrás da sua borda posterior, sendo as-
sim pode ser útil para acesso a cabeça e pescoço con-
dilar.
A posição da incisão na região cutânea encontra-se
aproximadamente 2 cm posteriormente ao ramo da man-
díbula e cerca de 5 mm abaixo do lóbulo da orelha es-
tendendo-se cerca de 3 a 3,5 cm. Nesta posição temos a
vantagem teórica de distância dos ramos do nervo facial.
Após a retração da pele, o músculo platisma torna-
se visível, com um bisturi incisa-se o mesmo e o sistema
músculo-aponeurótico superficial. A dissecação romba
começa dentro da glândula parótida em direção Ante-
ro-medial, direcionada a borda posterior da mandíbula.
Uma pinça hemostática é aberta na direção esperada
dos ramos do nervo facial. Após retração dos mesmos,
a cinta pterigomassetérica é incisada prontamente com
bisturi; por fim descola-se o músculo masseter (Figura
Figura 6. Aspecto da abordagem Endaural24,25.
7).

B) Acesso Submandibular
O acesso submandibular é uma das mais úteis abor-
dagens para o ramo mandibular e a região de corpo pos-
terior. Esta abordagem pode ser utilizada também para
uma serie de osteotomias mandibulares, além de anqui-
lose da articulação temporomandibular.
A incisão é realizada de 1,5 a 2 cm inferiormente a
mandíbula. A incisão é localizada dentro de uma ruga
própria da pele na posição ântero-posterior, que é ne-
cessária para exposição mandibular.
A incisão inicial é conduzida através da pele e dos
tecidos subcutâneos até o nível do músculo platisma. A
pele é divulsionada por meio de tesouras rombas em to-
das as direções. A porção superior é divulsionada cerca
de 3 cm e a inferior cerca de 2 cm. Em seguida, realiza-se
a divulsão das fibras do músculo platisma. Com um ins- Figura 7. Aspecto da abordagem Retromandibular26.
trumento internamente ao músculo, o mesmo é incisado Fonte: Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial.

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de uma extremidade a outra. Disseca-se a alça pterigo-


massetérica e a veia e a artéria faciais bem como o ner-
vo marginal da mandíbula são isolados. Maior retração
da mandíbula é conseguida por meio de descolamento
do músculo masseter e assim expor satisfatorimante o
ramo assim como o processo condilar da mandíbula (Fi-
gura 8).

DISCUSSÃO

Como demonstrado outrora, é indispensável ao ci-


rurgião conhecer detalhadamente a anatomia local e a
aplicação meticulosa da técnica cirúrgica, sobretudo no
tocante a dissecção da região para adequada exposição
das estruturas nobres pertencentes à área pré-auricular,
sem quaisquer danos ao nervo facial e estruturas adja-
centes.
Para adequada exposição da região, diversos es-
tudos foram confeccionados com o intuito de avaliar os Figura 8. Aspecto da abordagem Submandibular17.
padrões de ramificação e anastomose do nervo facial. Fonte: Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial.
Especulou-se que a baixa incidência de lesão do nervo
facial no acesso pré-auricular se dá por conta de sua
ramificação distal, em ramos que cruzam o arco zigo-
mático12,16. Estes autores confirmaram que em 63% de tância menor a 0,8 cm da concavidade mais anterior do
neurotmese do ramo frontal do nervo facial, não houve meato acústico interno27.
perda da função do ventre frontal do músculo occipto- O mais seguro neste acesso, no plano subperios-
frontal, uma vez que existe mais de uma via de inerva- tal para evitar a lesão do ramo temporal do nervo facial
ção do mesmo. é na realização da incisão da lâmina lateral da fáscia
Neste contexto, os acessos pré-auriculares, dian- temporal, uma vez que estes ramos são superficiais a
te da dissecção dos planos, a paralisia da musculatura este plano e encontram-se protegidos dentro do retalho
envolvida pode ocorrer e, se houver a paralisia das pál- durante uma retração anterior8. Há maior proteção aos
pebras, as consequências são graves, o que nos leva ramos temporais e zigomáticos do nervo facial quando
a crer que a proteção das estruturas durante a divulsão se obtém o retalho fáscio-cutâneo durante o acesso pré-
dos planos anatômicos no intento de não lesionamen- auricular.
to das mesmas é fundamental. Fato este, evidenciado Desta forma, para se evitar trações com forças ex-
pela confecção do acesso endaural em detrimento de cessivas, com consequente neuropraxia28, é impres-
acessos maiores já que estes exigem maior dissecção cindível que este retalho acompanhe uma incisão com
e afastamento das estruturas adjacentes ao nervo fa- extensão temporal, descrito por diversos autores2,7,8,16,21.
cial. Esta extensão constitui uma manobra preventiva de le-
Na abordagem pré-auricular, os ramos temporais e são do nervo facial citada por estes autores, diante da
raramente os ramos zigomáticos do facial, são os mais redução da força de tração anterior do retalho, cuja in-
predominantemente lesionados. São fibras nervosas tensidade certamente é transmitida às fibras nervosas.
que cruzam o arco zigomático no sentido caudo-cefálico Com o acesso de ÁL-KAYAT e BRAMLEY, foi possível
e se encontram imersas na condensação das camadas analisarem que as incisões pré-auriculares com exten-
da fáscia temporoparietal, lâmina superficial da fáscia são temporal garantem uma maior previsibilidade de
temporal, fáscia parotideomassetérica e do periósteo da sucesso, quanto ao acesso a diversas regiões, com ma-
porção lateral do arco zigomático. Estas estruturas po- nutenção da integridade das estruturas nobres desde de
dem ser lesadas em qualquer técnica de dissecção que que seja confeccionada com a mais alta precisão e ha-
viole a integridade desse tecido8,27. Situação que pode bilidade cirúrgica.
ser minimizada com o acesso endaural e muito mais pre- Em relação às lesões ao nervo facial neste tipo de
ocupante nos acessos com extensão temporal. acesso, com excessiva retração dos tecidos no transo-
Fica nítido na literatura, um consenso quanto a zona peratório tem sido descrita numa taxa entre 9 a 18 % dos
de condensação nervosa que dista de 0,8 a 3,5 cm da casos28,29. Por isso, a sutura do retalho deve ser meti-
concavidade mais anterior do meato acústico interno, em culosa, para evitar a compressão indireta dos ramos do
média a 2,0 cm encontra-se o ramo temporal do nervo nervo facial. Ainda com estes cuidados, encontrou-se
facial8. Fato importante durante a dissecção da aborda- alto índice de paresia (20 a 32,5 %), resolucionado em
gem pré-auricular, a incisão vertical da fáscia e periósteo três meses30,31. Todavia, em outro estudo, não houve ca-
sobre o arco zigomático deve ser realizada a uma dis- sos de lesão do nervo facial32. Também com relação ao

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Acessos cirúrgicos a articulação temporomandibular: revisão de literatura. Jardim et al.

fechamento da área operada, é necessário que seja feito 7. Kreutziger KL. Surgery of Temporomandibular Joint. Surgical anat-
de forma cuidadosa, para não suturar inadvertidamente omy and surgical incisions. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1984; 58
(6): 637-46.
alguns dos ramos do nervo facial ou, numa sutura pro- 8. Ál-Kayat A, Bramley P. A Modified Pre-auricular Approach to the
funda, comprima uma fibra nervosa13. Temporomandibular Joint and Malar. Arch Brit J oral Surg. 1979; 17:
Outra possibilidade de lesão ao nervo facial é através 91-103.
da formação de hematoma e edema excessivos. Mesmo 9. Teixeira LMS, Reher P, Reher VGS. Anatomia aplicada à odontolo-
gia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara-Koogan, 2001, 372 p.
que transitória, medidas devem ser tomadas para a re- 10. Madeira MC. Anatomia da Face. 2ª ed., São Paulo: Ed. Sarvier,
dução do edema, como a prescrição de antiinflamatórios 1997.
esteroidais, além de uma boa hemostasia e fechamento 11. Cruz-Rizzolo RJ, Madeira MC. Anatomia Funcional com fundamen-
por planos, não havendo formação de espaço morto. tos de anatomia sistêmica geral. São Paulo: Ed. Sarvier, 2004.
12. Moore KL, Dalley AF. Anatomia orientada para a clínica. 4a ed., Rio
Ainda, o uso de anestésico com vasoconstritor para de Janeiro: Guanabara / Koogan, 2001.
a hemostasia local, proporcionando um acesso exan- 13. Baker DC, Conley J. Avoiding facial nerve injuries rhytidectomy –
gue, pode ocasionar paresia de um ou mais ramos do anatomical variations and pitfalls. Plast Reconstr Surg. 1979; 64 (6):
nervo facial13, não sendo congruente com os autores 781-95.
14. Ishikawa, Y. An anatomical study on the distribution of the temporal
deste estudo, que não utilizam anestésico para vaso- branch of the facial nerve. J Craniomaxillofac Surg. 1990; 18 (7): 287-
constrição, uma vez que o efeito vasoconstritor não é 92.
tão eficiente quanto o esperado, devido a presença de 15. Freilinger G, Gruber H, Happak W, Pechmann U. Surgical anatomy
vasos de grande calibre, tornando assim mais indicado of the mimic muscle system and the facial nerve: importance for re-
constructive and aesthetic surgery. Plast Reconstr Surg. 1987; 80 (5):
seu uso no caso de se obter uma analgesia no pós- 686-90.
operatório. 16. Cauás M, Valença LPAA, Andrade AFA, Martins C, Valença MM.
Quanto ao melhor resultado estético diante das di- Paralisia facial periférica recorrente. Revista de Cirurgia e Traumatolo-
ferentes abordagens pré-auriculares, o acesso com en- gia Buco-Maxilo-Facial. 2004; 4 (1): 63 - 68.
17. Ellis III E, Zide, M. Acessos Cirúrgicos ao Esqueleto Facial. 2ª ed.,
daural, foi descrito como um acesso que traz ótimos re- São Paulo: Ed. Santos, 2006.
sultados estéticos, pois há na incisão um desenho que 18. Isolan GR, Rowe R, Al-Mefty O. Microanatomy and Surgical Ap-
orienta o cirurgião para o seu fechamento e provoca uma proaches to the Infratemporal Fossa: An Anaglyphic Three-Dimension-
diminuição na tensão do retalho, diferentemente do ob- al Stereoscopic Printing Study. Skull Base. 2007; 17 (5): 285-302.
19. Risdon F. Ankylosis of the temporo-mandibular joint. J Am Dent As-
servado por alguns autores25,31,32. soc. 1934; 21: 1933-7.
20. Bellinger DH. Temporomandibular ankylosis and its surgical correc-
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21. Rowe NL. Surgery of the Temporomandibular Joint. Proc Roy Soc
Med. 1972; 65: 383-8.
A partir da revisão de literatura pode-se concluir que 22. Marcantonio E, Gabrielli MFR, Gullo N. Fraturas Mandibulares. In:
as abordagens pré-auriculares quando bem indicadas ZANINI S. Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial. Rio de Janeiro:
e executadas podem e devem ser realizadas pois pro- Ed. Revinter, 1990; 201-4.
pociam adequada exposição adequada a estruturas no- 23. Marcantonio E, Gabrielli MFR, Gabrielli MAC. Fraturas do Côndilo
Mandibular. In: Barros JJ, Manganello-Souza LC. Traumatismo Buco-
bres tornando os resultados mais previsíveis. O acesso Maxilo-Facial. São Paulo: Ed. Roca, 1993; 258-60.
endaural mostra-se eficaz já que foi descrito como um 24. Rongetti JR. A New Approach to the Temporomandibular Joint AMA
acesso que traz ótimos resultados estéticos. Arch Otolaryngol. 1954; 60(5):566-572.
25. Starck WJ, Catone GA, Kaltman SI. A modified endaural approach
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52 ����������������������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 1, p. 46-52, janeiro / fevereiro / março 2011

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