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Introdução ao Pensamento Sociológico

Unidade II
5 A sociologia de Durkheim

Embora Comte seja considerado o pai da sociologia e tenha‑lhe dado esse


nome, Durkheim é apontado como um de seus primeiros grandes teóricos. Ele
e seus colaboradores se esforçaram por emancipar a sociologia das demais
teorias sobre a sociedade e constituí‑Ia como disciplina rigorosamente
científica. Em livros e cursos, sua preocupação foi definir com precisão o
objeto, o método e as aplicações dessa nova ciência (idem).

Durkheim formulou as orientações iniciais para a sociologia, orientações essas que demonstraram
que os fatos sociais possuem características próprias, por isso diferem dos objetos estudados por outras
ciências. Para Durkheim, a finalidade da sociologia é, portanto, compreender, estudar os fatos sociais.

Nesse contexto, ao definir a finalidade da sociologia, buscou‑se a resposta para a questão: o que
vem a ser fato social?

Na concepção durkheimiana, fato social relaciona‑se às ações da vida cotidiana, como a maneira de
pensar, de sentir e agir de um determinado grupo social. Essas ações existem não apenas na mente de
cada indivíduo, de cada membro de um grupo, como também são exteriores e exercem sobre eles um
poder coercitivo. Um exemplo simples pode nos ajudar a compreender o que significa esse conceito:

Se um aluno chegasse à escola vestido com roupa de praia, certamente ficaria


numa situação muito desconfortável: os colegas ririam dele, o professor lhe daria
uma enorme bronca e provavelmente o diretor o mandaria de volta para pôr uma
roupa adequada. Existe um modo de vestir, que todos seguem. Isso é estabelecido.
Quando ele entrou no grupo, já existe tal norma quando ele sair, a norma
provavelmente permanecerá. Quer a pessoa goste, quer não, vê‑se obrigada a
seguir o costume geral.Se não o seguir, sofrerá uma punição. O modo de se vestir é
um falo social. São fatos sociais também a língua, o sistema monetário, as religiões,
as leis e uma infinidade de outros fenômenos do mesmo tipo (VIANA, 2008).

Em seu livro As regras do método sociológico, publicado em 1895, Durkheim define o objeto da
sociologia, os fatos sociais, com as seguintes explicações:

É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer


sobre o indivíduo uma coação exterior; ou ainda, que é geral no conjunto
de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria,
independente das suas manifestações individuais (p. 92‑93).
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As características do método sociológico são resumidas na conclusão desse mesmo livro, da seguinte
forma:

Em primeiro lugar, é independente de qualquer filosofia (...). Em segundo


lugar, o nosso método é objetivo. É totalmente dominado pela ideia de
que os fatos sociais são coisas e devem ser tratados como tais (...). Mas, se
consideramos os fatos sociais como coisas, consideramo‑los como coisas
sociais. A terceira característica do nosso método é ser exclusivamente
sociológico (...). Mostramos que um fato social só pode ser explicado por
um outro fato social e, simultaneamente, como este tipo de explicação é
possível assinalando no meio social interno o motor principal da evolução
coletiva (...). Tais nos parecem ser os princípios do método sociológico (idem,
159‑161).

Durkheim comparava a sociedade a um animal que possui um sistema de órgãos diferentes e cada
um desempenha um papel específico, sendo alguns naturalmente mais privilegiados do que outros. Esse
privilégio, por ser natural, representaria um fenômeno normal, como em todo organismo vivo em que
predomina a lei da sobrevivência dos mais aptos e a luta pela vida.

5.1 Emile Durkheim (1858‑1917): vida e obra

Figura 7

Nascido em 15 de abril de 1858 em Epinal, na Loraine, fronteira nordeste da França, Durkheim era
filho de uma família de rabinos. Iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris,
dando continuidade na Alemanha.

Na escola normal (normale), durante o período entre 1879 e 1882, encontrou‑se com alguns homens
que marcaram sua época. Tornou‑se, nessa época, amigo íntimo de Jaurès, aluno que obteve o 1º lugar
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na classificação de 1876 e 3º na agrégation de 1881. Foi colega também de Bergson, que em 1876
obteve o 3º lugar e saiu em 1881 em 2º.

As obras de Durkheim foram importantíssimas para definir os métodos de trabalho dos sociólogos e
estabelecer os principais conceitos da nova ciência. Entre essas obras, as principais foram:

• A divisão do trabalho social;

• Regras do método sociológico;

• O suicídio;

• Formas elementares da vida religiosa;

• Educação e sociologia;

• Sociologia e filosofia;

• Lições de sociologia (obra póstuma).

Saiba mais

A obra A divisão do trabalho social é considerada a principal contribuição


de Durkheim para a sociologia econômica. Trata‑se de sua tese de doutorado,
além de ser sua primeira grande obra.

5.2 Durkheim e o seu tempo

Emile Durkheim nasceu em um contexto em que a Europa ainda vivia a lembrança das revoluções
de 1848. O historiador Eric Hobsbawm (1982) descreve esse período como sendo palco da “primeira e a
última revolução europeia no sentido (quase) literal” (p. 22).

As revoluções de 1848 ocorreram simultaneamente, atingindo todo o centro do continente


europeu, como a França, a Confederação Alemã, o Império Austríaco e a Itália. Todos os governos
constituídos naquela região foram derrubados ou perderam suas bases de sustentação em
pouquíssimo tempo e, como consequência, houve uma instabilidade política em uma grande
extensão territorial.

Essas revoluções sociais envolveram a classe média, trabalhadores pobres, campesinos e intelectuais
de esquerda, fato até então inédito no continente europeu. Com essa mobilização política, os Estados
nacionais tiveram que fazer concessões, pois esse novo contexto, envolvendo novos sujeitos políticos,
passaram a influenciar nas organizações estratégicas políticas.

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Entre 1848 e 1851, a França se tornou palco de muita instabilidade política causada pela grande
movimentação e distúrbios que ocorriam no centro de Paris e envolviam os diferentes grupos.

A sociedade que Durkheim conheceu depois destes acontecimentos é marcada pelo período
denominado III República, quando se discutiam os problemas de unidade e coesão nacional. Nesse
contexto, o Partido da Ordem estava no centro desse conflito, buscando articular uma nova ordem social,
que a expansão econômico‑industrial havia instaurado e que as novas relações políticas demandavam.

Após 1848, os grupos que estavam no poder contavam com a possibilidade de uma revolução social,
fazendo com que cometessem excessos na repressão da Comuna de Paris em 1871, presenciados por
Durkheim que tinha 13 anos nessa época.

No campo econômico, esse período caracteriza‑se pela expansão mundial do capitalismo,


acompanhada do processo de colonização, do imperialismo e da difusão da crença no liberalismo
econômico, no valor da ciência e na tecnologia para o progresso material e moral da sociedade. Eram
visíveis as transformações econômicas e os progressos tecnológicos da época.

Contudo, no período entre 1873 e 1896, essa consolidação do mundo capitalista foi enfraquecendo e
dando lugar a uma prolongada depressão, que atingiu não apenas as indústrias, mas também o comércio
dos países capitalistas. Sobre essas transformações, Hobsbawm (1982) afirma que as consequências
maiores foram observadas nas nações da periferia deste sistema.

Diante dessas transformações, surge um novo estilo de vida nessas sociedades, que privilegiava o
consumo e a abundância.

Ao observar esse contexto, Durkheim passou a se preocupar fortemente com a educação moral, pois
o que percebia na sociedade era um “culto do individualismo” próprio dessa nova cultura europeia que se
expandia pelo mundo. Em sua concepção, era necessário fortalecer os laços sociais, desenvolver o amor pela
coletividade, facilitar a internalização de uma ordem normativa e envolver‑se em valores e objetivos comuns.

5.3 A definição da sociologia como ciência

Para Durkheim, a questão que se colocava naquele contexto de transformações era a possibilidade
ou não de se reconhecer se os fenômenos sociais eram passíveis de serem investigados cientificamente,
da mesma forma como eram estudados os fenômenos físico‑químicos e biológicos.

Respondida a questão, seria necessário demarcar fronteiras e os caminhos a seguir, isto é, era preciso
continuar as trilhas deixadas por pensadores como Montesquieu, Saint‑Simon e Comte, que tentaram
mostrar, em suas pesquisas, a interdependência dos fenômenos da vida social e a urgência em estudá‑los
a partir da positividade de um saber empírico.

A partir de então, a sociedade passa a ser um novo objeto do conhecimento científico; deveria ser
estudada no interior de uma ciência positiva, denominação que afirmava sua contraposição com o saber
puramente especulativo da tradição filosófica.
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Fica evidente nas obras de Durkheim sua preocupação em definir um estatuto científico para a
sociologia e assim demarcar seu campo como ciência distinta e autônoma. No entanto, Durkheim
percebeu a possibilidade de articulação entre os diferentes campos das ciências humanas e sociais
que poderiam auxiliar no entendimento dos fatos sociais, entre os quais estavam a psicologia social, a
história, o direito, a economia.

Enfim, na concepção durkheimiana só poderia ocorrer um estudo dos fenômenos sociais como
ciência se fosse possível concebê‑los como algo de real e existente fora das consciências particulares, ou
seja, como realidade coletiva, externa ao indivíduo, que o ultrapassa e se impõe sobre ele.

Para Durkheim, no entanto, a sociologia é a ciência das instituições sociais, aquela que compreende
sua origem e seu funcionamento. Essas instituições são entendidas em seu sentido amplo, abrangendo
as crenças, valores e comportamentos instituídos. Dessa forma, justificam‑se suas preocupações ao
conceber a sociologia e seu papel em auxiliar na compreensão das instituições pedagógicas, conduzindo
o pesquisador à análise de práticas sociais.

5.4 A definição do método sociológico

Durkheim tinha como grande questão definir quais seriam os objetos de estudo e as bases da
explicação sociológica, ao analisar os sistemas sociais, estruturas, instituições e as relações entre o
indivíduo e a sociedade.

Outro problema básico para ele era como estudar os objetos que tinham sido tradicionalmente
motivo da especulação filosófica, ou seja, como analisá‑los sem transbordar para filosofia, sem invadir
outros campos das ciências humanas também nascentes, como a psicologia. Definir os métodos de
investigação ou as “regras” de construção desta nova ciência era o grande desafio de Durkheim, que os
buscou na ilusão da neutralidade do pesquisador e na defesa de observações despidas de pré‑noções,
juízos de valor e tomada de posições.

Segundo Durkheim, que o sociólogo deixe de lado suas pré‑noções, isto


é, seus valores e sentimentos pessoais em relação ao acontecimento a ser
estudado, pois nada têm de científico e podem distorcer a realidade dos
fatos. Essa postura exige o não‑envolvimento afetivo ou de qualquer outra
espécie entre o cientista e o objeto. A neutralidade exige também a não
interferência do cientista no fato observado (COSTA, 1997).

Tendo como referência os princípios positivistas, Durkheim acreditava que, com esse rigor, o método
que garantia o sucesso das ciências exatas pudesse definir a sociologia como ciência, rompendo com as
ideias e o senso comum, os “achismos” – que interpretavam de maneira vulgar a realidade social (idem).

5.5 O conceito de consciência coletiva de Durkheim

De acordo com a concepção de Durkheim, as condutas individuais e de grupo são guiadas por
determinantes sociais, denominada por ele como consciência coletiva, isto é, aquilo que se sobrepõe às
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consciências individuais através de símbolos culturais, como ritos, valores, crenças, mitos, transmitidos e
considerados válidos através das gerações.

A consciência coletiva faz parte da natureza dos símbolos sociais e, por isso, acompanhará as
transformações, provando que a visão de mundo e de homem em muito incorpora o que se encontra
presente na natureza dos símbolos sociais.

Definir esse conceito permitiu a Durkheim responder à questão proposta pelo método funcionalista,
ou seja, provou‑se que, ao analisar a consciência coletiva, era possível verificar o que mantinha os
homens coesos no contexto social, visto que considerava que a coesão entre os participantes de
uma dada sociedade é diretamente proporcional à extensão da consciência coletiva, fazendo com
que todas as consciências convirjam para uma consciência comum e sintam‑se atraídas por suas
similitudes.

Em sua obra O suicídio, publicada em 1897, Durkheim considerava inclusive esse fato de caráter
altamente pessoal como influenciado pelo meio social, levando em conta a pesquisa desenvolvida sobre
o histórico de suicídios na França, em que percebeu que alguns indivíduos estão mais predispostos que
outros a dar cabo da própria vida, sendo eles, geralmente, os que não estavam integrados a grupos
sociais cujas aspirações estavam reguladas por normas sociais.

A obra de Durkheim que se consagrou como o estudo sociológico clássico mais importante foi a que
se debruça sobre o tema do suicídio.

Em artigo publicado na Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental, intitulado “Suicídio


e sociedade: um estudo comparativo de Durkheim e Marx”, Marta M. Assumpção Rodrigues refaz o
percurso trilhado por esses dois influentes sociólogos modernos, de uma perspectiva comparada. Seu
objetivo é demonstrar que estes dois sociólogos trataram, cada uma a seu modo, do tema do suicídio,
o que se constituiu um marco importante na delimitação da sociologia como disciplina rigorosamente
objetiva.

Ao analisar o ato do suicídio, Durkheim (1977) parte do pressuposto de que não é apenas um
fenômeno psicológico individual, mas esse ato é um fato social. Desta forma, ao fazer exatamente essa
distinção, contribuiu fundando, de sua maneira, o campo sociológico (RODRIGUES, 2009). Em suas
reflexões, Durkheim assim descreve sua maneira de compreender o suicídio:

Assim, se, em vez de vermos neles [nos suicídios] apenas acontecimentos


particulares, isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um
exame particular, considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa
sociedade dada durante uma unidade de tempo dada, constatamos que o
total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes,
um todo de coleção, mas que constitui em si um fato novo e sui generis,
que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria
por conseguinte, e que, além disso, tal natureza é eminentemente social
(Durkheim, 1977, p. 14).
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As análises do suicídio como fato social mostram sua preocupação em delimitar a sociologia como um
campo científico autônomo e sua maneira diferenciada de conceber a realidade social, principalmente das
orientações positivistas que transformavam a investigação social numa dedução de fatos particulares a
partir de leis supostamente universais – como preconizava Augusto Comte, por exemplo.

Durkheim considerava os valores sociais como sendo determinados pela natureza particular das
sociedades e acreditava que a análise crítica desses valores poderia contribuir para que a ciência
sociológica formulasse uma ética que substituísse a moral.

Para ele, o fenômeno do suicídio é especificamente individual, e a tarefa do sociólogo é estabelecer


correlações entre as circunstâncias e as variações da taxa do suicídio, cujas variações são consideradas
fenômenos sociais.

Nesse sentido, para a teoria sociológica, o mais importante é essa relação entre o fenômeno individual
e o fenômeno social, no caso de Durkheim, o suicídio e a taxa de suicídio.

Sua tese principal era provar que o suicídio é um fato social, uma forma de coerção exterior que
independe das vontades do indivíduo, mas que é estabelecida em toda a sociedade e que, portanto, deve
ser tratado como assunto sociológico. Acredita‑se que Durkheim teria se interessado pelo assunto após
o suicídio de um amigo íntimo e que isso o teria afetado também nas classificações do suicídio, pelo
menos na forma que chama de egoísta.

Durante seu estudo sobre o suicídio, Durkheim tenta demonstrar a insuficiência das estatísticas
puras sobre o assunto e sua fragilidade em determinar suas causas, já que para determinar o
motivo da morte são utilizadas as informações existentes em obituários de suicidas que, para
ele é, na verdade, a opinião que se tem sobre o fato, causa aparente, não servindo de explicação
palpável. Para provar essa tese, ele se utiliza do exemplo dos suicídios no âmbito religioso, e
mostra que o suicídio entre os protestantes é maior que entre os católicos, independente da
região em que se encontram, como resultado de um menor controle social sobre os fiéis, causa
essa, portanto, social.

Assim, ao escrever sobre o suicídio, foi possível aplicar o método sociológico, contribuindo para os
avanços sobre a temática, que se faz notável ainda hoje.

5.6 Durkheim e a sociologia da educação

Durkheim é considerado também o criador da sociologia da educação. Para ele, o homem nasce
egoísta e só a sociedade, por meio da educação, pode torná‑lo solidário. A educação é, portanto, uma
ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a
vida social.

“A educação é um esforço contínuo para preparar as crianças para a vida em comum. Daí a
necessidade de impor às crianças maneiras adequadas de ver, sentir e agir, às quais elas não chegariam
espontaneamente” (DURKHEIM, 1977).
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Assim, a concepção de Durkheim, semelhante à de Comte, revela um caráter conservador e


reacionário da tendência positivista na educação. Para o sociólogo francês, o professor tem o papel de
formar cidadãos capazes de contribuir para a harmonia social.

Para ele, existe, em cada aluno, dois seres inseparáveis, porém, distintos: o primeiro, denominado
individual, formado pelos estados mentais de cada pessoa, o jovem bruto, cujo desenvolvimento
educacional se deu no século XIX, principalmente por meio da psicologia, entendida como a ciência do
indivíduo.

A formação do segundo ser foi, portanto, o que deu projeção a Durkheim a partir do momento em
que ele ampliou o foco conhecido até então, considerando e estimulando também o que concebeu
como o outro lado dos alunos, aquilo que é formado por um sistema de ideias que introjetam nas
pessoas valores e concepções da sociedade de que fazem parte.

Observação

“A Educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta”


(DURKHEIM).

Essa concepção durkheimiana é também chamada de funcionalista e concebe que as consciências


individuais são formadas pela sociedade. Defende‑se que a construção do ser social, feita em boa
parte pela educação, corresponde à assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios,
sejam esses morais, religiosos, éticos ou de comportamento que dirigem a conduta do indivíduo num
grupo.

Observação

“O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela”


(DURKHEIM).

6 Max Weber e a sociologia alemã

A filosofia positivista desenvolvida na França e as transformações na vida econômica na Inglaterra


fizeram desses dois países potências emergentes nos séculos XVII e XVIII, e referências da sedimentação
do pensamento burguês.

O desenvolvimento industrial e a expansão marítima fizeram da França e da Inglaterra países com


maior facilidade de se relacionar com outras regiões e, por consequência, possibilitaram um maior
contato com outras culturas e sociedades. Esse processo permitiu que os estudiosos desses países
desenvolvessem uma análise das diferenças entre os grupos humanos, uma interpretação da diversidade
social existente.

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Os avanços tecnológicos desses países foram impulsionados pelos estudos das ciências físicas e
biológicas que influenciaram nas concepções das primeiras escolas sociológicas em seus princípios e
métodos.

Esse desenvolvimento, porém, não atinge em seu início a Alemanha, que apresenta nesse período uma
realidade bastante diversa da França e da Inglaterra, trazendo como consequência o desenvolvimento
do pensamento burguês influenciado por outras disciplinas filosóficas do século XIX, como a história e
a antropologia.

Por outro lado, segundo Cristina Costa (1997, p. 70), a economia alemã se expandiu no período do
chamado capitalismo concorrencial, período esse em que os países europeus disputaram com unhas e
dentes os mercados mundiais, “submetendo a seu imperialismo as mais diferentes culturas, o que torna
a especificidade das formações sociais uma evidência e um conceito da maior importância”.

A unificação alemã ocorre bem mais tarde que a de outros países europeus, fato que justifica sua
entrada na corrida industrial e imperialista apenas na segunda metade do século XIX. Por outro lado,
esse atraso em relação a outros países permitiu o interesse pela história como ciência de integração, da
memória e do nacionalismo.

Por isso, destaca‑se no pensamento alemão a preocupação em compreender a diversidade,


influenciando os estudos de quase todos os seus cientistas, entre eles Gabriel Tarde, Ferdinand Tonnies
e, mais tarde, Max Weber, o sistematizador da sociologia alemã.

6.1 A unificação da Alemanha: influência no pensamento sociológico

As necessidades das grandes potências mundiais do século XIX foram acompanhadas por um surto
nacionalista. Nesse contexto, entre 1860 e 1870, a Itália e a Alemanha conseguem se unificar, lideradas
pelas classes dominantes.

Em meados do século XIX, a Alemanha era formada por uma confederação de principados e Estados.
Prússia e Áustria tinham um lugar de destaque, com o objetivo de manter o equilíbrio entre as forças
revolucionárias que ameaçavam a aristocracia conservadora (junkers).

Nesse período, a principal atividade econômica do país era a agricultura, e ainda permaneciam na
sociedade as relações feudais de produção.

O processo de unificação foi liderado pelo primeiro‑ministro prussiano, Otto von Bismarck, que
ficou conhecido como Chanceler de Ferro, resultando na formação do império alemão. Assim, todos os
Estados germânicos unificaram‑se sob a liderança da Prússia, tendo Guilherme I como rei.

Para que isso se concretizasse, foram necessárias três guerras: contra a Dinamarca, contra a
Áustria e contra a França. Vinte anos depois, a Alemanha já era a principal potência industrial da
Europa. Vejamos:

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Em 1834, sob a liderança do governo prussiano formou‑se o Zollverien (união aduaneira dos
Estados), que promoveu a abolição das tarifas interestaduais, ou seja, a união alfandegária, que produziu
a unificação do mercado interno de vários estados alemães. Isso favoreceu a ampliação do mercado
consumidor, mobilizou as atividades econômicas e proporcionou às indústrias prussianas um momento
importante no seu crescimento econômico e desenvolvimento industrial.

O desenvolvimento industrial da Prússia foi fortalecido com a formação das estradas de ferro, o
incentivo à exploração do carvão e a mobilização da indústria bélica, o que resultou na ampliação do
armamento do exército, que, por conseguinte, movimentava grandes somas de recursos financeiros e
alimentava as indústrias siderúrgicas e metalúrgicas alemãs, conformando novos centros urbanos e
industriais.

Com a morte de Frederico Guilherme IV, quem assume o trono da Prússia é Guilherme I (1861‑1888).
Guilherme I tinha ambições de ampliar o território alemão, mas tinha na Áustria seu maior inimigo
para suas pretensões. Para que seu intento fosse realizado, precisava de alguém que fosse a favor da
monarquia, defendesse os junkers e desejasse também aumentar o território alemão e seu prestígio
político na Europa, encontrou o conservador Otto Von Bismarck (1815‑1898), que também era membro
da aristocracia prussiana, e o nomeou como primeiro‑ministro.

Em 1870 (Guerra franco‑prussiana), a França declara guerra à Prússia e, em janeiro de 1871, Bismarck
ganha a guerra contra Napoleão III e a França assina o armistício. Pelo tratado de armistício, a França
cede a Alsácia‑Lorena à Alemanha e é obrigada a reconhecer a unificação alemã. No conflito, prendeu
Napoleão III, o que significou que Bismarck também influenciou no fim do segundo império francês e
obrigou a França a declarar o surgimento da III República. De um conjunto de 39 Estados, agrários e
de pequena industrialização no início do século XIX, a Alemanha torna‑se, com a unificação, uma das
maiores potências imperialistas do século XX.

Etapas da unificação alemã

1ª etapa: Unificação econômica:

1834: Zollverein (união aduaneira dos Estados):

• Áustria inicialmente de fora.

• Prússia se fortalece política e economicamente.

• Unificação de mercados.

• Padronização de moedas.

• Expansão da agricultura, da indústria e dos transportes.

• Bismarck é nomeado chanceler da Prússia.


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2ª etapa: Anexação de ducados dinamarqueses (1864‑1866):

• Aliança da Prússia com o Império Austríaco.

• Anexação forçada de ducados dinamarqueses.

3ª etapa: Guerra austro‑prussiana (1866):

• Guerra das Sete Semanas.

• Aliança com o reino Piemonte‑Sardenha e com Napoleão III.

• Vitória da Prússia. A Áustria é excluída da Confederação Germânica.

• Criação da Confederação Germânica do Norte.

4ª etapa: Guerra franco‑prussiana (1869‑1871):

• Anexação dos territórios da Alsácia‑Lorena, ricos em ferro e carvão.

• A Alemanha é unificada (1871).

6.2 Max Weber (1864‑1920): vida e obra

Figura 8

Nasceu na cidade de Erfurt, na Alemanha, em uma família de burgueses liberais. Dedicou‑se ao


estudo de direito, filosofia, história e sociologia.

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Em 1895, iniciou a carreira de professor em Berlim, destacando‑se como catedrático na Universidade


de Heidelberg, onde manteve contato permanente com intelectuais de sua época, como Simmel Sombart,
Tönnies e Georg Lukács.

Escreveu sua tese de doutoramento sobre a história das companhias de comércio durante a Idade
Média e, mais tarde, a tese A história das instituições agrárias. Depois disso, passou por um período
de perturbações nervosas que o levaram a se afastar do trabalho. Retornou às atividades em 1903,
participando da direção de uma das mais destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha.

Em 1904, publicou ensaios sobre a objetividade nas ciências sociais e a primeira parte de A ética
protestante e o espírito do capitalismo, que se tornaria sua obra mais conhecida e é de fato fundamental
para a reflexão sociológica.

Weber viveu numa época em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais
começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha.

Na política, defendeu ardorosamente seus pontos de vista liberais e parlamentaristas, participou da


comissão redatora da Constituição da República de Weimar; mas sua maior influência se deu nos ramos
especializados da sociologia, como no estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações
políticas e crenças religiosas. Entre suas inúmeras obras, destacam‑se:

• Artigos reunidos de teoria da ciência;

• Economia e sociedade (obra póstuma);

• A ética protestante e o espírito do capitalismo.

6.3 A ação social pensada por Weber

De acordo com as análises de Weber, toda sociedade adquire uma especificidade e importância
própria na sua formação e organização. No entanto, o ponto de partida de sua sociologia não estava
nas entidades coletivas, grupos ou instituições, mas naquilo que se transformaria em seu objeto
de investigação, ou seja, a ação social, a conduta humana dotada de sentido, de uma justificativa
subjetivamente elaborada.

Nessa concepção, o homem torna‑se o principal responsável pela ação social. Cabe a ele, como
indivíduo, estabelecer a relação entre o sentido da ação e seus efeitos. Para Weber, “as normas
sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação”
(Weber, 1997).

Dessa forma, a sociologia, para Weber, é, antes de tudo, buscar a compreensão da ação social
dos seres humanos “individualmente”. Para ele, tudo parte dos indivíduos e suas ações nos mais
variados campos – desde a mais insignificante ação da vida privada até as mais grandiosas ações
da vida pública.
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Por isso, Max Weber é considerado, no campo da sociologia, uma espécie de “pai” do chamado,
hoje em dia, “individualismo metodológico” – ou seja, pensamentos/análises, sociológicos ou não, que
partem da ideia fundamental de que as explicações mais corretas sobre as coisas humanas, mesmo sobre
as coletivas, baseiam‑se nas “motivações” dos indivíduos, no “agir social”.

Lembrete

Ação social – moda, consumo, mercado, política, religião, crime, trabalho


etc. – é toda conduta humana que interfere em outros e consigo mesmo. A
sociologia, segundo Weber, é para “compreender” isso e não ficar fazendo
“julgamento de valor” sobre o agir humano.

A ação social, para Weber, divide‑se em quatro tipos ideais:

1º tipo: Ação racional com relação afim – Considerado aquilo que é um cálculo que busca resultados,
como, por exemplo, a atividade econômica que necessita de uma motivação para um cálculo racional
sobre meios e fins, custos e benefícios de sua ação.

2º tipo: Ação racional orientada por valores – Diferentemente do primeiro tipo, nesse caso, as ações
são “orientadas” por valores ou convicções determinadas – políticas, religiosas, morais ou ideológicas,
entre outras motivações possíveis.

3º tipo: Ação afetiva – Orientada basicamente por “emoções”, como, por exemplo, a vingança, o
desespero, o ciúme, o amor, a admiração, entre outros. Essas ações são consideradas “irracionais”, pois
não possuem cálculos de meios e fins.

4º tipo: Ação tradicional – É a ação considerada totalmente “irracionaI” e a menos consciente


de todas, baseada em hábitos e costumes, como, por exemplo, o fato de os ingleses manterem
sua adoração pela monarquia. (O Brasil, segundo Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro,
dois estudiosos de influência weberiana, tem um “traço histórico” de ações – do seu povo – que
variam da orientação afetiva à tradicional, ainda que as outras motivações possam ocorrer como
exceção).

6.4 A ética protestante e o espírito do capitalismo

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, foi escolhida por vários intelectuais
como o mais importante escrito teórico publicado no século XX. Nessa obra, Weber relaciona o papel do
protestantismo na formação do comportamento.

Partindo de dados estatísticos, Weber busca demonstrar a proeminência de adeptos da Reforma


Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários bem‑sucedidos e mão de obra qualificada.
A partir desses dados, estabeleceu conexões entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no
comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista.
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De acordo com Costa (1997, p. 71), a teoria de Weber, os valores do protestantismo – como
a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho
atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. Por isso, nas famílias protestantes, os filhos
eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril, optando sempre por atividades
mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o cálculo e os estudos técnicos ao estudo
humanístico.

O autor desenvolve uma análise pormenorizada sobre o perfil do protestante e o capitalismo.

A partir de uma análise etimológica, mostra então que houve a formação de uma nova mentalidade,
um ethos – valores éticos. Nessa ética, alguns valores são privilegiados, como a condenação ao
descanso e a vocação ao trabalho consciencioso; o tempo não pode ser desperdiçado, por isso, a
pontualidade no trabalho e nos compromissos sociais é muito importante. Esses aspectos passam
a ser extremamente valorizados por sua aptidão para ganhar dinheiro, que se torna relevante ao
sistema capitalista.

A autora Cristina Costa (1997) destaca alguns dos principais aspectos da análise desenvolvida por
Weber:

1. O trabalho, para os protestantes, é fonte de toda a motivação que possibilitou a esse grupo
construir valores, normas, regras e uma disciplina que não vem de nenhuma norma institucional,
mas da capacidade que cada indivíduo tem de assimilar, aceitar e introjetar esses valores,
transformando‑os em motivos de suas ações sociais. Dessa forma, surge uma relação entre
religião e sociedade motivada pelo trabalho. Isso pressupõe que o trabalho passa a ser uma
vocação e uma obrigação (dever). Nesse sentido, os ganhos econômicos e materiais que o
dinheiro permite e pode proporcionar não são a motivação primeira das relações sociais, mas
sim sua vocação para este.

2. Esse ethos (valores éticos) permite ao protestante acumular riqueza e propicia que o mesmo
reinvista sua riqueza no mercado de capitais e na produção, pois sua disciplina, sua procura
por atividades lucrativas, sua vida puritana, renunciando a uma vida mundana, o adequou ao
mercado de trabalho.

3. Weber, em seu estudo comparativo entre católicos e protestantes, procurou a conexão entre a
motivação e seus desdobramentos nas ações sociais dos indivíduos. Ele observa que o primeiro
desenvolveu uma mentalidade baseada na contemplação, na oração e no sacrifício. Já o segundo
fundamentou seus valores no racionalismo econômico que conformou o capitalismo moderno.

4. Para Weber, o capitalismo moderno (do Ocidente) torna‑se um “tipo ideal” por ser um fenômeno
típico histórico, este tem como características fundantes a utilização dos meios técnicos e suas
inovações constantes aliados ao conhecimento científico. O capitalismo erigiu uma plataforma
baseada no direito à propriedade privada, o que propiciou a separação do público e do privado,
estruturado no trabalho livre destinado ao mercado e fomentou uma administração burocrática
racionalizada.
64
Introdução ao Pensamento Sociológico

Sendo assim, podemos observar nos estudos de Max Weber sob esse tema que o intento do seu
projeto se limita a demonstrar a cooperação do pensamento protestante (religioso) com o espírito do
capitalismo moderno ocidental. O estudo histórico comparativo entre as religiões protestantes, ou
seja, as seitas batistas, metodistas, pietistas e calvinistas e suas imposições ascéticas fundadas em uma
disciplina rigorosa, deu a Weber a possibilidade de compreender historicamente a secularização dos
meios utilizados pelos protestantes para pensar a salvação. Isto é, observa‑se nesse estudo comparativo
entre as religiões e seitas protestantes uma racionalização e uma secularização das técnicas de salvação
(esses aspectos se apresentam de forma variada nas religiões e seitas protestantes analisadas por Weber).

Essa análise demonstrou que houve uma racionalização da vida dos protestantes, produzindo
um ascetismo econômico, ou seja, eles passaram a dar mais atenção ao tempo e organizá‑lo em sua
pontualidade, implicando que o protestante não pode ficar ocioso. O trabalho surge entre os protestantes
como vocação (estado de graça) e sinal de benção; quanto mais agraciado por Deus, mais rico ou
mais bem de vida era o protestante, por isso o trabalho é tempo e dinheiro. Dessa forma, a vocação
para o trabalho torna‑se a base do racionalismo econômico moderno, em que o protestante se sente
pressionado por uma obrigação moral. Esse asceticismo produziu um indivíduo com fama de trabalhador
honesto, inclinado à empresa capitalista.

Outro fator que vai influir nesse processo é a concepção puritana na vida dos casais. Tudo isso,
aliado aos ganhos materiais, enfraqueceu o poder divino (sacramentos e a magia) e gradualmente foi
ganhando força a secularização utilitária em que o asceticismo se deslocou para a vida social, e isso
visto em seu conjunto produziu um protestantismo materialista.

6.5 A contribuição do pensamento de Max Weber

Max Weber tenta elaborar sua reflexão a partir da sociedade conflituosa do século XIX, que sofria
com a divisão da burguesia e do proletariado, padecia dos conflitos e dos efeitos nefastos na vida dos
trabalhadores no período da Revolução Industrial. As lutas pelo poder na formação do Estado nacional
alemão, o êxodo rural (a expropriação de terras das mãos dos camponeses) que a Revolução Industrial
proporcionou também incomodavam o sociólogo alemão; as revoltas dos luditas, que geravam muita
violência, reivindicações de melhores condições de vida e os problemas urbanos devido ao aumento
populacional foram preocupações do pensador.

Para o autor, os problemas decorridos desse período eram de origem subjetiva e não meramente
fatos econômicos, ou seja, derivavam da conduta e da ação social de cada um, sejam elas morais ou
políticas.

Nesse período de construção do pensamento de Max Weber, a Europa está lutando para construir
os chamados Estados‑nações, ou os Estados modernos; no campo religioso, a reforma protestante
estava em plena ascensão e impondo ao mundo moderno novos valores religiosos e, por conseguinte,
rompendo a unidade cristã da época. Já no campo econômico, o capitalismo impôs uma ruptura no
sistema feudal e proporcionou a expansão marítima e comercial com a descoberta de outros pontos
comerciais do globo terrestre; esses acontecimentos tornaram o século XIX um século de unificações dos
Estados nações e possibilitaram que tais fatos se tornassem eventos em escala mundial. Esses eventos,
65
Unidade II

vistos em seu conjunto, se tornaram um marco na historicidade mundial e ficaram conhecidos como os
eventos fundantes da modernidade ocidental.

A partir da segunda metade do século XIX (1850), o absolutismo como forma de governo perdeu
sentido e significado na conjuntura capitalista da época e proporcionou a ascensão do nacionalismo e
do liberalismo, que exigiam um estado capaz de organizar a produção, a economia e a vida política da
população.

Nesse contexto do século XIX, a Alemanha era um emaranhado de 39 estados independentes, e


a formação de um Estado‑nação possibilitaria uma centralização de poder; isso se daria por meio da
unificação. Nesse período, outros países também estavam se mobilizando para se unificar e se tornar
Estado‑nação moderno, é o caso, por exemplo, da Itália (1815). O historiador Eric Hobsbawm, em seu
famoso texto Nações e Nacionalismo (1870), publicado no Brasil em 1990, nos ajuda a entender o
período em que Weber construiu seu pensamento e que fundamentou a sociologia como disciplina,
mas também a conjuntura social, política, econômica e cultural da época, que possibilitou a emergência
desse fenômeno europeu.

Ao longo do século XIX, uma família teria que viver em um lugar muito
inacessível se um de seus membros não quisesse entrar em contato regular
com o Estado nacional e seus agentes: através do carteiro, do policial ou do
guarda, e oportunamente do professor; através dos homens que trabalhavam
nas estradas de ferro, quando estas eram públicas; para não mencionar os
quartéis de soldados ou mesmo as bandas militares amplamente audíveis.
Cada vez mais o Estado detinha informações sobre cada um dos indivíduos
e cidadãos através do instrumento representado por seus censos periódicos
regulares (que só se tornaram comuns depois da metade do século XIX),
através da educação primária teoricamente compulsória e através do
serviço militar obrigatório, onde existisse. Como nunca até então o governo
e os indivíduos e cidadãos estavam inevitavelmente ligados por laços diários
(HOBSBAWM, 1990, p. 102).

Max Weber desenvolve seus conceitos a partir desse Estado moderno, herdeiro da reforma
protestante, do humanismo e do renascimento cultural, expansão comercial e marítima. Esse Estado
que, por sua vez, centralizou a vida dos indivíduos, produziu uma autoridade central que uniu os lugares
mais longínquos ou remotos e passou a atuar de forma ativa na vida cotidiana de cada pessoa. Ou
seja, o estado capitalista cria uma burocracia por causa de seu sistema racional legal cuja dinâmica
se dá em uma crescente necessidade de funcionários especializados que dominem as informações
institucionalizadas: toda a burocracia busca aumentar a superioridade dos que são profissionalmente
informados, mantendo secretos os seus conhecimentos e intenções (WEBER, 1997, p. 269).

A partir de conceitos como capitalismo carismático (isto é, qualidades heroicas e dons mágicos),
dominação, empresário, ação social e seu método tipo ideal, o autor se propõe a compreender a
sociedade. Weber desenvolveu seu pensamento na busca constante de um rigor científico e metodológico
e na tentativa de produzir uma ciência autônoma fundamentada no empírico real. Durante sua vida,
66
Introdução ao Pensamento Sociológico

analisou os fatos econômicos, históricos e culturais, e o resultado dessas análises em diversos campos
do conhecimento desenvolveu um papel fundante na epistemologia e no método sociológico (teórico
e empírico).

Em seu trabalho de maior repercussão, A ética protestante e o espírito do capitalismo, o autor


consegue sistematizar seu método comparativo e evidenciar um tipo ideal, demonstrando a ligação
entre o espírito comercial e a piedade cristã.

Seu pensamento é baseado no interpretativismo, isto é: “a ciência que tem como meta a compreensão
interpretativa da ação social de maneira a obter uma explicação de suas causas, de seu curso e dos seus
efeitos” (WEBER, 1987, p. 9). Em seus estudos, Weber interessou‑se pelos fatos da vida sociocultural,
que são singulares e particulares, ou seja, “a ciência social que pretendemos exercitar é uma ciência da
realidade. Procuramos entender na realidade que está ao nosso redor, e na qual encontramos situados
aquilo que ela tem de específico (Weber, 1991, p. 29).

Essa forma de pensar a ciência influenciou em vários ramos do pensamento sociológico, da


economia, da história, da educação, da sociologia, da religião, da administração, do direito, o que foi de
fundamental importância para as Ciências Sociais do século XX.

O calvinismo: objeto de estudo de Weber

Figura 9 – João Calvino

Um dos expoentes do asceticismo econômico (estudado por Max Weber na ética protestante e
o espírito capitalista), da mudança e da implantação dos valores éticos que moldaram o capitalismo
moderno foi João Calvino (1509‑1564), fundador da religião calvinista (calvinismo). Calvino nasceu em
Noyon, na França, descendente de uma família pequeno‑burguesa, estudou na universidade de Paris
teologia e direito. Em 1531, filiou‑se às ideias de reformadores protestantes, que estavam em plena
67
Unidade II

expansão na França, como Martinho Lutero (1483‑1546), alemão, e Ulrisch Zwingli (1841‑1531), suíço,
perseguido pela igreja católica francesa.

Predestinação divina de Calvino: em 1536, já morando em Basileia, por causa da perseguição dos
católicos franceses, Calvino publicou sua obra principal, Instituição da religião cristã. Nessa obra, expôs
suas principais ideias, que estruturaram o calvinismo, em que o indivíduo estava predestinado a ir para o
céu ou padecer no inferno e quanto a isso nada se podia fazer, pois não cabe ao indivíduo conseguir sua
salvação, mas a Deus, por sua infinita misericórdia, ou seja, uns eram escolhidos ou eleitos para alcançar
a graça de ir para o céu, enquanto outros sofreriam a danação eterna no inferno.

Em 1534, exilou‑se na Suíça, onde os habitantes da cidade de Genebra já haviam se rebelado contra
a Igreja Católica. A Suíça vivia um movimento de reforma religiosa cuja liderança era de Ulrisch Zwingli.

A partir de 1541 até 1560, Calvino se estabeleceu na Suíça, onde governou a cidade de Genebra.
Implantou ali uma disciplina rigorosa, proibindo o jogo a dinheiro, o culto a imagens de santos, as
danças, o teatro, o luxo e a ostentação de riqueza. Valia‑se dos pastores e das pessoas mais antigas
da cidade, adeptas ao calvinismo, para impor as leis do evangelho, ou seja, a igreja regeria a vida da
população.

As ideias de Calvino foram muito aceitas pelos comerciantes, que queriam ter lucro, o que era
condenado pela Igreja Católica, a partir do calvinismo suas práticas foram legitimadas. Calvino submeteu
seus habitantes a uma administração sob leis morais, políticas e religiosas muito rígidas.

Figura 10 – O cambista e sua mulher (1514). O modo de vida


ascética econômica e social da burguesia do século XVI.

O incentivo ao trabalho duro, intenso e constante, a condenação ao ócio, a pureza sexual nas
relações matrimoniais, a honestidade dariam ao indivíduo um sucesso material, e isso seria um sinal
de graça; por conseguinte, o indivíduo se sentia no caminho da salvação, pois a riqueza se tornara um
sinal da predestinação. Nesse sentido, as ideias de Calvino se adequaram à burguesia capitalista por
68
Introdução ao Pensamento Sociológico

meio da aceitação do dinheiro emprestado a juro e outras formas de ampliar o lucro, proporcionaram
a identificação com os anseios e as necessidades dos interesses da burguesia suíça. Esse asceticismo
econômico, proporcionado pelas atividades lucrativas, se tornou fundamental para o desenvolvimento
do capitalismo moderno.

A religião de Calvino se difundiu na França e se expandiu para a Inglaterra, passando pela Escócia
e chegando até a Holanda. Calvino estabeleceu a partir de Genebra uma nova doutrina cristã, segundo
a qual a salvação depende da vontade de Deus, manifestada no momento em que cada homem nasce.

O rei Henrique VIII da Inglaterra rompe com o Papa, cria no país uma nova igreja e, através do Ato
de Supremacia, o parlamento inglês reconhece a Igreja Anglicana como sendo a Igreja nacional da
Inglaterra e o rei seu chefe supremo.

A Igreja Anglicana é um novo instrumento de poder e torna‑se fundamental para a consolidação do


absolutismo real.

7 Marx e o materialismo histórico‑dialético

Karl Marx (1818‑1883) nasceu em Treves, na Prússia, na região do Reno, na Alemanha, em 5 de maio
de 1818, em uma família de origem judaica. O pai era advogado e a mãe, dona de casa; estudou direito
na Universidade de Bonn e, em 1836, matriculou‑se na Universidade de Berlim, onde se doutorou em
filosofia com uma tese sobre a diferença entre as filosofias da natureza de Demócrito e de Epicuro.

Em Berlim, a atmosfera era influenciada pelo pensamento idealista de Hegel, o que possibilitou
que Marx entrasse em contato com os discípulos de Hegel, conhecidos como jovens hegelianos, ou
hegelianos de esquerda.

Em 1843, o jovem Marx casa‑se com Jenny von Westphalem, quatro anos mais velha. Em Paris, entra
contato com Proudhon, Blanqui e Foureier, os socialistas utópicos franceses, e com Bakunin, anarquista
russo, além de encontrar também Friedrich Engels (1820‑1895), que se tornou seu amigo e colaborador
durante toda a vida. Tanto Marx quanto Engels, um em colaboração com o outro, desenvolveram o
campo de pensamento socialista científico contra os chamados socialistas utópicos.

7.1 O debate entre os socialistas utópicos e os socialistas científicos

Na tentativa de criticar o liberalismo burguês e o capitalismo, vários pensadores construíram campos


teóricos, cujo escopo do pensamento se fundamentava na ideia de um mundo socialista. Os primeiros
teóricos a defender essa proposta em substituição ao capitalismo foram chamados de socialistas
utópicos. Entre eles, destacam‑se:

Saint‑Simon (1760‑1825): fez severas críticas ao liberalismo econômico e à desumana exploração


dos trabalhadores pelos capitalistas proprietários dos meios e produção. Defendia enfaticamente a
destruição do sistema e desejava o fim das diferenças de classe e a construção de uma sociedade em
que cada um ganhasse de acordo com o real valor de seu trabalho.
69
Unidade II

Proudhon (1804‑1865): em sua concepção, a propriedade privada era um roubo, pois se mantinha
pela exploração do trabalho alheio. Por isso, pregava como sociedade ideal aquela que oferecesse a
igualdade e a liberdade para todos os indivíduos, que viveriam numa sociedade harmônica, sem a força
do Estado.

Owen (1771‑1852): socialista que acreditava na organização da sociedade em comunidades


cooperativas, compostas de operários. Essas comunidades foram denominadas trade unions, cuja
proposta era de que cada um recebesse de acordo com as suas horas de trabalho.

Diante dessas propostas dos chamados socialistas utópicos e comunistas propriamente ditos, como
Saint‑Simon, Fourier, Owen e Proudhon, Marx passa a avaliar que essas aparecem no primeiro período
da luta entre o proletariado e a burguesia.

Para Marx, esses socialistas não perceberam no proletariado uma iniciativa histórica, nenhum
movimento político que lhe seja próprio. A classe operária só existe para eles sob esse aspecto de classe
mais sofredora. Por isso, suas propostas para a sociedade têm um sentimento puramente utópico (Marx,
2001, p. 50‑52).

Esse debate sobre o socialismo científico ou utópico teve como tema central a exploração da
burguesia sobre a classe operária emergente naquele período. Enquanto a classe burguesa contabilizava
cada vez mais lucros exorbitantes, os trabalhadores e operários amargavam uma vida de plena miséria
e se organizavam, enquanto grupo, para garantir um pouco de dignidade, melhores condições de vida
e de trabalho.

Nesse contexto, surgem estudos que buscam compreender a situação do trabalhador‑ operário, como
a obra de Engels intitulada A situação da classe operária na Inglaterra (1844), e a de Marx intitulada A
sagrada família. Em 1846, terminam, juntos, A ideologia alemã, iniciada em 1845, na qual desenvolvem
a concepção materialismo histórico, porém, sem poder publicá‑la.

Em meio às críticas e aos debates, em 1847 Marx escreve um livro se contrapondo às ideias de
Proudhon, intitulado A miséria da filosofia, no qual ataca dizendo que seu pensamento é de pequeno
burguês.

Em 1848, Marx e Engels trazem a público O manifesto do partido comunista, um projeto que
demonstrava a luta de classes e sua desigualdade social em pleno período revolucionário da primavera
de 1848. Em março do mesmo ano, Marx foi expulso com sua família da Bélgica, voltou para a Prússia,
de onde foi expulso em 1849, sempre por causa de sua militância política. Vai para a França, onde
permanece por um breve período e é convidado pelo governo francês a deixar Paris e se refugiar
na periferia da cidade, o que é recusado por ele. Em 24 de agosto de 1849, Karl Marx e sua família
desembarcam na Inglaterra.

Na Inglaterra, Marx continua suas atividades políticas e lança uma obra que marca o materialismo
histórico, o chamado O 18 Brumário de Luís Napoleão, em que se põe a analisar o golpe de estado
bonapartista.
70
Introdução ao Pensamento Sociológico

Perseguido, exilou‑se em Londres, onde viveu o resto da vida escrevendo na Biblioteca do Museu
Britânico, tendo em 1864 participado da organização da primeira Internacional dos Trabalhadores.

A obra mais importante de Karl Marx é O capital. A primeira edição foi em 1867, publicada pela editora
Meissner de Hamburgo, cuja tiragem original foi de mil exemplares, em 1872 foi publicada em São Petersburg
e, no mesmo ano, foi publicada em fascículos, em Paris, pela editora La châtre. Karl Marx, debilitado por
causa das doenças, dos embates políticos e de várias mortes na família, algumas até prematuras, e de sua
condição financeira precária, faleceu em 14 de março de 1883 na cidade de Londres. O II volume de O
Capital foi publicado em 1885, em 1894 chegou aos leitores o volume III (COSTA, 1997).

Karl Marx e Friedrich Engels, em suas obras, buscam teorizar os fenômenos que se desenvolvem
durante o século XIX, divididos em classes sociais antagônicas, entre os proprietários dos meios de
produção e os operários despossuídos dos meios de produção. Essa forma de analisar a sociedade
permite que os autores apreendam o homem em suas ações concretas.

7.2 Marx em seu contexto: a Revolução Industrial

Figura 11 – Karl Marx e Friedrich Engels

Podemos perceber, pelos estudos de vários autores sobre o marxismo (COSTA, 1997; QUINTANEIRO,
2002), que as obras de Marx são construídas a partir da realidade social, política e econômica de sua
época, o século XIX. Mas temos que observar que bem antes, no século XVIII, as transformações que se
intensificaram no século XIX já vinham causando desigualdades sociais. Por exemplo, no processo de
industrialização que estava se constituindo no século XVIII, estavam as corporações do século XVIII sob
o fogo cruzado, pois produziam de forma local, familiar e sob uma disciplina que impedia que a livre
concorrência se estabelecesse de forma avassaladora, destruindo empregos, tornando precário o modo
de vida e modificando o modo de produção.

O trabalho familiar sob o domínio do artesão, que tinha sob sua tutela todas as fases da produção,
desde a compra da matéria‑prima, dos meios de produção até sua total confecção, começou a perder
força.
71
Unidade II

Em países como a Inglaterra surgiram as oficinas maiores, denominadas manufaturas, lugar que
reunia vários artesãos no mesmo espaço e todo o processo de produção sob o dono dos meios de
produção e dos instrumentos de trabalho, influenciando na criação das futuras fábricas.

Se as médias são ilusórias na agricultura, o problema persiste quando consideramos os setores do


trabalho urbano. Ainda, em 1830, o empregado industrial típico não trabalhava nas fábricas, mas (no
caso dos artesãos ou dos mecânicos) em pequenas oficinas ou na sua própria casa, ou eventualmente
nas ruas, nos pátios dos edifícios ou nas docas (Thompson, 1988:71).

A Revolução Industrial, que possibilitou o êxodo rural, ou seja, a saída dos habitantes da zona rural
para as cidades europeias, principalmente na Inglaterra, serviu também como laboratório para Marx
escrever O Capital, sua principal obra. Esse contexto foi marcado pelo êxodo rural, processo que levou
as populações rurais a se submeterem às regras dos trabalhos desumanos nas cidades que iam surgindo
em meio à Revolução Industrial.

A Revolução Industrial passou por várias etapas, como a de 1760 até 1860, que se restringiu à
Inglaterra, com ênfase no desenvolvimento das fábricas sob as indústrias de tecidos e algodão,
dinamizadas pelos avanços tecnológicos.

O avanço dos meios técnicos, como o tear mecânico e a invenção em 1769 da máquina a vapor
por James Watt (1736‑1819), foi empurrando para a miséria os trabalhadores familiares, ou melhor,
os artesãos, que se viram sem condições de competir com o grande capital que vinha varrendo toda a
Europa.

Os artesãos foram sumindo, dando lugar aos operários das zonas rurais, que não tinham nenhuma
qualificação e viviam de forma humilhante e miserável nas cidades. O historiador Robert Darton, em
seu livro O grande massacre dos gatos, publicado em 1986, relata esse processo de passagem de artesão
para operário, destacando os movimentos de insatisfação e resistência.

De acordo com Darton (1986), no fim da década de 1730, em Paris, na rua Saint‑Severin,
na gráfica de Jacques Vincent, ocorreu um sedicioso massacre de gatos realizado por aprendizes
gráficos, os quais viviam em situação de penúria em um quarto sujo e gelado, levantando‑se antes
do amanhecer para a execução das tarefas, que duravam o dia inteiro. Esses operários recebiam
maus‑tratos do patrão (mestre) e insultos dos oficiais (assalariados), além de não conseguirem
dormir à noite por causa do barulho dos gatos bem‑tratados e bem‑alimentados pelos seus patrões
burgueses.

Armados com cabos de vassoura, barras de impressora e ajudados pelos assalariados, mataram
todos os gatos que conseguiram encontrar, a começar pela gata de estimação da patroa. Em seguida,
atiraram os gatos mortos no pátio da gráfica, fingiram executar um julgamento e penduraram os corpos
mutilados dos culpados em forcas improvisadas (Darton, 1986, p. 104).

Essas formas de resistência à exploração capitalista do início da Revolução Industrial passaram


também pela revolta dos operários, expressando‑se na destruição das máquinas.
72
Introdução ao Pensamento Sociológico

7.3 Os movimentos operários de resistência: ludismo e sindicalismo

Para os operários, as máquinas eram sinônimo do desemprego, da miséria e da opressão, além de serem
responsáveis pelos salários baixos. Operavam várias ações ao mesmo tempo e possibilitaram, com isso, o
aumento da produção, a diminuição do tempo de trabalho, ou seja, o tempo que cada operário levava para
fabricar um objeto, deixando de ser uma ferramenta auxiliar. Nesse processo, o operário vira apêndice da
máquina, tornando‑se uma espécie de supervisor, com a função de vigiar seu funcionamento.

Com o passar do tempo, os operários se organizam em instituições, dando origem aos sindicatos
atuais e orientando suas ações em direção o sistema capitalista, que para os operários era o causador
das injustiças sociais.

Esses movimentos de resistência e revolta da classe operária foram inicialmente imediatistas, isto é, os
grupos de operários passaram a destruir o que acreditavam ser a principal causa dos problemas: as máquinas.

Os operários que entravam nas fábricas e quebravam as máquinas ficaram conhecidos como ludistas.
Para eles, a destruição não era aleatória, pois só quebravam as armações de quem agia de forma a
explorar os operários:

Só quebraram as armações dos que tinham reduzido o valor dos salários dos
empregados; os que não tinham abaixado o valor ficaram com suas armações
intactas; num estabelecimento, na noite passada, quebraram quatro entre seis
armações; as outras duas que pertenciam a mestres que não tinham abaixado
seus salários, não mexeram nelas (THOMPSON, 2002, p. 126).

Diferentemente de alguns pesquisadores, que analisam o movimento ludista como um movimento


ingênuo e pré‑político, o historiador Thompson (2002) chega a outra conclusão ao analisar esse
movimento. Em sua obra, A formação da classe operária inglesa, faz as seguintes observações:

O ludismo subsiste na mentalidade popular como um caso estranho e


espontâneo de trabalhadores manuais analfabetos, resistindo cegamente
às máquinas. Mas a destruição de máquinas tem uma história muito mais
comprida. A destruição de materiais, teares, debulhadoras, o inundamento
de minas ou estragos na boca das minas, o saque ou ateamento de fogo
a casas ou bens de patrões impopulares, estas e outras formas de ação
direta violenta foram empregadas no século XVIII e na primeira metade do
século XIX, enquanto que a destruição de máquinas ainda era endêmica em
algumas parcelas da indústria cuteleira de Sheffield nos anos 1860.

Esses métodos às vezes se dirigiam contra as máquinas tidas por ociosas


enquanto tais. Na maioria das vezes, eram uma forma de fazer valer condições
consagradas, pelo costume, de intimidar os fura‑greves, os trabalhadores
ilegais ou patrões, ou ainda meios auxiliares frequentemente eficazes de
greves ou outras ações sindicais.
73
Unidade II

Embora relacionado com essa tradição, o movimento ludista deve ser diferenciado dela. Em primeiro
lugar, pelo seu alto grau de organização, e em segundo, pelo contexto político em que floresceu. Essas
diferenças podem se resumir numa única característica: embora tendo sua origem em queixas trabalhistas
específicas, o ludismo foi um movimento de feição insurrecional, que oscilou continuamente à beira
de objetivos revolucionários ulteriores. Isso não quer dizer que fosse um movimento revolucionário
totalmente consciente; por outro lado, tinha uma tendência a se transformar num movimento desses, e
é esta tendência que é subestimada com excessiva frequência (THOMPSON, 2002, p. 124‑125).

O sistema artesanal foi dando lugar ao sistema mercantil, que se punha e impunha com toda sua
força devido a duas combinações: capital (dinheiro) e invenções técnicas. Essa junção facilitou o trabalho
para que se tornasse cada vez mais singelo e possibilitasse a qualquer criança fazê‑lo. Ao se sentir
impotente e desqualificado, os artesãos se põem no mercado para vender sua força de trabalho para o
capitalista, ou seja, o dono dos meios de produção.

Com isso, abre‑se uma brecha para que o sistema capitalista se ponha com toda sua pujança e
crueldade, pois mulheres grávidas, jovens mulheres, crianças a partir dos 6 anos de idade e homens pais
de família viam‑se trabalhando dezesseis horas por dia de forma insalubre, escrava, sem nenhum direito
trabalhista, morando em guetos e cortiços. No início da Revolução Industrial, os trabalhadores viviam
até cerca de 55 anos.

Os casos de mortes devido ao trabalho extremo e abusos de todas as ordens inundam a literatura
sobre a Revolução Industrial. Não é de hoje que os empresários querem mão de obra barata, livre
comércio. Naquela época, os capitalistas pagavam salários baixos e aumentavam as horas de trabalho
para maximizar seus lucros.

Essas desigualdades estavam na raiz dos conflitos entre patrões e empregados, devido ao avanço da
sociedade industrial, que de forma violenta e radical dividia a sociedade daquela época entre burgueses,
donos do capital e dos meios de produção, e o proletariado, vendedor de sua força de trabalho. Esses
proletários estavam vivendo em dificuldades, ou seja, na miséria, sem as mínimas condições de higiene,
água, esgoto e sem a possibilidade reprodução de suas condições básicas de sobrevivência.

Figura 12 – Ludistas quebrando máquinas (1812)

74
Introdução ao Pensamento Sociológico

7.4 O pensamento materialista histórico e materialista dialético

A contribuição de Marx para o pensamento sociológico foi a produção do pensamento materialista


histórico enquanto ciência e materialista dialético, enquanto filosofia.

Lembrete

O marxismo trouxe como grande contribuição à sociologia, à ciência


política e à história a interpretação dos fenômenos humanos como expressão e
resultado de contradições e conflitos sociais, de lutas e conflitos sociopolíticos
determinados pelas relações econômicas baseadas na exploração do trabalho
da maioria pela minoria de uma sociedade (CHAUI, 2001, p. 75).

O marxismo, dessa forma, passa a compreender os fatos humanos de maneira determinada


historicamente, permitindo uma interpretação racional dos mesmos e, por conseguinte, o conhecimento
das suas leis. Marx, levado pelo pensamento desenvolvido por Hegel (1770‑1831), entra em contato com
o grupo dos hegelianos de esquerda. Esse grupo de jovens pensadores criticou a noção de Estado e de
religião, inserindo nas análises a dialética. Ao elaborar seu pensamento, Marx desenvolve o materialismo
histórico como crítica ao idealismo de Hegel.

Ao enfatizar o materialismo, afirma que é pelo trabalho que o homem muda a natureza e produz a
luta pela sobrevivência, e dessas relações do trabalho, natureza e sobrevivência originam‑se:

1) a família (divisão social do sexo);

2) o pastoreio e a agricultura (divisão social do trabalho);

3) troca e comércio (distribuição social dos produtos do trabalho) (CHAUI,


2001, p. 275).

Para o materialista, o mundo material é anterior e exterior ao pensamento, ou seja, ele existe
antes e fora de nós. Essa forma de ver contradiz o idealismo de Hegel, que pensa o mundo como ideia
absoluta da consciência. Para o materialista, o movimento da matéria não depende da consciência, ou
melhor, do pensamento, o movimento se torna para a análise materialista o ponto central e fundante
do pensamento, ou seja, da forma de pensar o mundo.

Nesse sentido, a consciência se faz a partir da matéria, da natureza. Marx, ao expor o materialismo
dialético como fonte de conhecimento, expressa‑o como processo; assim sendo, as coisas estão uma na
dependência da outra, formando uma unidade dialética em reciprocidade.

Nessa perspectiva, Chaui (1999, p. 415) afirma que: a história não é linear e contínua, uma sequência
de causas e efeitos, mas um processo de transformações sociais determinadas pelas contradições entre
os meios de produção (a forma da propriedade) e as forças produtivas (o trabalho, seus instrumentos, as
75
Unidade II

técnicas). A luta de classes exprime tais contradições e é o motor da história. Por afirmar que o processo
histórico é movimento por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético.

O materialismo histórico, no entanto, aplica sua leitura à história, levando em consideração os fatos
materiais que se desenvolvem na estrutura econômica chamada de infraestrutura. Essa estrutura é
considerada a primeira instituição, enquanto a superestrutura é tratada como a segunda instituição
(igrejas, estado, escola e outras). Segundo (ARANHA E MARTINS, 2001, p. 241), essas relações estão para
Marx sob dois níveis, a saber:

O primeiro nível, chamado de infraestrutura, constituiu a base econômica


(que é determinante, segundo a concepção materialista). Engloba as relações
do homem com a natureza, no esforço de produzir a própria existência, e
as relações dos homens entre si. Ou seja, as relações entre os proprietários
e não proprietários, e entre os não proprietários e os meios de produção e
objetos de trabalho.

O segundo nível, político‑ideológico, é chamado de superestrutura. É


constituído:

a) pela estrutura jurídico‑político representada pelo Estado e pelo direito:


segundo Marx, a relação de exploração de classe no nível econômico
repercute na relação de dominação política, estando o Estado a serviço da
classe dominante.

b) pela estrutura ideológica referente às formas da consciência social, tais


como a religião, as leis, a educação, a literatura, a filosofia, a ciência, a arte,
etc. Também nesse caso ocorre a sujeição ideológica da classe dominada, cuja
cultura e modo de vida refletem as ideias e os valores da classe dominante.

Nesse sentido, para que a sociedade se mantenha, ou melhor, conserve seu poder, cria para si valores,
símbolos, representações e ideias que sejam de uma forma ou de outra aceitos pelo grupo social, para que
possam a partir daí legitimar suas instituições e sua forma de produzir os bens materiais de produção.
Deve‑se levar em consideração que a “materialidade da existência econômica comanda as outras esferas
da vida social e da espiritualidade e os processos históricos abrangem todas elas” (CHAUI, 2001, p. 275).

Nesse caso, a sociedade passa a ser explicada não como os homens pensam, mas como produzem
seus meios de produção, ou seja, é a partir da transformação da natureza pelo trabalho e das relações
recíprocas entre os seres humanos que se desvela e se oculta a produção da vida, das ideias e das
instituições.

7.5 O conceito de modo de produção em Marx

Para Marx, a sociedade passa a ser explicada, então, por seu modo de produção, pela maneira que
cada sociedade em sua época desenvolve seu modo de produzir correspondente. Isso significa que
76
Introdução ao Pensamento Sociológico

as relações de produção e as forças produtivas, vistas em seu conjunto, possibilitam ao pesquisador


analisar as características de cada sociedade, em seu tempo histórico.

O estudo do modo de produção se torna central nas pesquisas marxistas, para que se compreenda
como as forças produtivas e as relações de produção influenciam na organização e no funcionamento
de cada sociedade. O pesquisador deve levar em conta alguns aspectos, a saber:

As forças produtivas constituem as condições materiais de toda a produção.


Qualquer processo e trabalho implicam: determinados objetos, isto é,
matérias‑primas identificadas e extraídas da natureza; e determinados
instrumentos, ou seja, o conjunto de forças naturais já transformadas e
adaptadas pelo homem, como ferramentas ou máquinas, utilizadas segundo
uma orientação técnica específica. O homem, principal elemento das forças
produtivas, é o responsável por fazer a ligação entre a natureza e a técnica
e os instrumentos (COSTA, 2001, p. 92).

Ao desenvolver sua teoria materialista da história, Marx procurou em várias épocas distintas analisar
alguns modos de produção, ou melhor, observou as forças produtivas e as relações de produção; dessa
forma, com um olhar no campo econômico, ou seja, na infraestrutura e na superestrutura, possibilitou‑lhe
colocar em prova sua teoria; vejamos quais são:

• Modo de produção comunal primitivo: não existe propriedade privada, os bens existentes
pertencem a todos, os meios de produzir se baseiam na pesca e na caça;

• Modo de produção patriarcal: aqui se muda o direito hereditário, que antes era materno,
passa‑se ao direito hereditário paterno, ganha relevância a autoridade paterna. O homem, nesse
momento, apropria‑se das técnicas para o uso de metais e vasos de barro para a acomodação
de reservas alimentícias e outras formas de armazenamento. O homem passa a domesticar os
animais e assim desenvolve também a agricultura;

• Modo de produção escravista: a contradição na Grécia Antiga nasce da luta entre os povos
chamados bárbaros (escravos e pagador de impostos) pelos romanos (Império Romano). Ou seja,
a luta entre senhores e escravos devido à apropriação da exploração do homem pelo homem a
partir do surgimento da emergência da propriedade privada dos meios de produção;

• Modo de produção feudal: o senhor feudal detém os meios de produção, e os servos, além
de trabalharem para si, ainda reservam um tempo para o senhor feudal sob a cobrança de
impostos; desse conflito surgirá o burguês, fruto do comércio, artesanato que se concentra nas
cidades;

• Modo de produção capitalista: as duas classes antagônicas se encontram em conflito


permanente, dividindo‑se entre os que detêm os meios de produção (burguês detentor
do capital) e os que não detêm os meios de produção (proletariado detentor da força de
trabalho).
77
Unidade II

Nesse sentido, para Karl Marx, em todo tempo e em todo lugar, as sociedades possuem uma base
material (estrutura). Essa base reproduz, como um reflexo, as forças de produção econômicas, ou seja,
os instrumentos, os sujeitos e indivíduos a partir de sua força de produção, que por sua vez estão nela
envolvidos, e pelas relações sociais de produção, que são de dominação, de solidariedade e outras. Dessa
maneira, esse modo de produção determina, de maneira geral, a vida social, política e intelectual.

Essa teoria é analisada em um texto produzido em 1859 por Karl Marx, intitulado: Contribuição à
crítica da economia política, em que ele estabelece as relações entre homem, natureza e sociedade,
demonstrando a superioridade da base material sobre a superestrutura.

O conjunto das relações de produção (que corresponde ao grau de


desenvolvimento das forças produtivas materiais) constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas
formas de consciência social. O modo de reprodução de vida material
determina o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em
geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o
seu ser social, inversamente, determina sua consciência (MARX apud
CHAUI, 1999, p. 414).

Isso significa que em cada época, a partir da mudança de cada modo de produção específico, muda
também a consciência que os homens têm do mundo vivido, de suas relações, da forma de pensar,
imaginar, representar e interpretar o mundo à sua imagem e semelhança.

Analisando dessa maneira, conclui‑se que as ideias que os homens fazem de si e dos outros, e suas
possíveis formas de se relacionar, dependem das suas condições materiais, ou seja, são as situações de
produção e reprodução da vida humana no movimento da história que formam e conformam a maneira
dos homens darem sentido e significado as ações humanas, e a partir daí constroem suas instituições e
outras de sobrevivência.

É por afirmar que a sociedade se constitui a partir de condições materiais


de produção e da divisão social do trabalho, que as mudanças históricas são
determinadas pelas modificações naquelas condições materiais e naquela
divisão do trabalho, e que a consciência humana é determinada a pensar
as ideias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela
sociedade, que o pensamento de Marx e Engels é chamado de materialismo
histórico.

Materialismo porque somos o que as condições materiais (as relações sociais


de produção) nos determinam a ser e a pensar.

Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos


nem nascem da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres
humanos no tempo (CHAUI, 1999, p. 414).
78
Introdução ao Pensamento Sociológico

7.6 A luta de classes: o motor da história

Marx analisa a sociedade enquanto uma construção histórica e transitória, de acordo com cada
momento e necessidade dos modos de produção, em que um cede lugar a outro. Para o materialismo
histórico, a luta de classes relaciona‑se diretamente à mudança social, à superação dialética das
contradições existentes. Em um sentido estritamente social, a luta de classes é o motor da história e,
segundo Marx, só teria fim com a ascensão da sociedade comunista, ou seja, terminaria a exploração de
um homem sobre o outro, desaparecendo dessa maneira a luta de classes. “É por meio da luta de classes
que as principais transformações estruturais são impulsionadas, por isso ela é dita o motor da história”
(QUINTANEIRO, 2003, p. 43).

Em cada modo de produção, existe a disputa de classes entre os que possuem os meios de produção
e os despossuídos, e o primeiro grupo domina o segundo, e o oprime. Trazemos agora para nossa reflexão
fragmentos do livro Manifesto Comunista de Marx e Engels (2001, p. 8, 12, 24, 56), para uma melhor
compreensão do conceito de classe social:

A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido
a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu,
senhor e servo, mestre de corporação e oficial, numa palavra, opressores e
oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta,
ora franca, ora disfarçada, uma guerra que terminou sempre, ou por uma
transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das
suas classes em luta.

[...]

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,


não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão substituir velhas
classes, velhas condições de opressão, velhas formas de lutas por outras
novas. A sociedade divide‑se cada vez mais em duas grandes classes opostas:
a burguesia e o proletariado.

[...]

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente


os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e,
com isso, todas as relações sociais.

[...]

A burguesia submeteu o campo a cidade. Criou grandes centros urbanos;


aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação a campos
e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento
da vida rural
79
Unidade II

[...]

Todos os movimentos históricos têm sido até hoje movimentos de minorias


ou em proveito de minorias. O movimento dos proletariados é o movimento
espontâneo da imensa maioria, em proveito da imensa maioria.

As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam‑se hoje


contra a própria burguesia. A burguesia, porém, não forjou somente as armas
que lhe darão morte; produziu também os homens que manejarão essas
armas, os operários modernos, os proletários. Que as classes dominantes
tremam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a
perder a não ser suas algemas. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todo
o mundo uni‑vos! (MARX E ENGELS, 2001, p. 14).

A tese defendida no Manifesto Comunista de Marx e Engels era a de que, com a união de todos os
trabalhadores contra o capital, acabaria a causa da origem de toda exploração do homem pelo homem,
a propriedade privada dos meios de produção. No texto de Engels intitulado A origem da família, da
propriedade e do Estado, de 1884, é reconstituída de forma mais densa essa forma de pensar iniciada
no Manifesto Comunista:

Portanto o Estado não existiu eternamente. Houve sociedades que se


organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do Estado ou do seu
poder. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento econômico, que estava
necessariamente ligada à divisão da sociedade em classes, essa divisão
tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora aproximando‑nos, com
rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produção em que a existência
dessas classes não deixou apenas de ser uma necessidade, mas até se
converteu num obstáculo à própria produção.

As classes vão desaparecer, e de maneira tão inevitável como surgiram no


passado. Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente
o Estado. A sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na
base e uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina
do Estado para o lugar que lhe corresponde: o museu da antiguidade, ao
lado da roca de fiar e do machado de bronze (ENGELS, 1984, p. 231).

A ideia que se defende é a de que na sociedade capitalista os donos dos meios de produção são
também donos do próprio homem, fazendo com que esse seja obrigado a vender sua força de trabalho
ao capitalista por meio do livre mercado de trabalho.

Com a aplicação de sua força de trabalho, este cria valor ao exercê‑la sobre outro objeto que contém um
trabalho passado e só pode ser reanimado por outro trabalho. Marx parte do princípio de que a estrutura de
uma sociedade qualquer reflete a forma como os homens organizam a produção social de bens. A produção
social engloba dois fatores básicos: as forças produtivas e as relações de produção (COSTA, 1997, p. 91).
80
Introdução ao Pensamento Sociológico

O capitalista explora o trabalhador à exaustão, até tirar‑lhe a mais‑valia desejável, pagando um


salário para sua reprodução, de seus descendentes e sua manutenção material. Em troca de salário,
os trabalhadores vendem sua força de trabalho e produzem mercadorias, e não se reconhecem como
produtores nos objetos produzidos por seu próprio trabalho, para estes os objetos tomam vida própria.
Acreditam que as instituições políticas existem fora deles e têm poder total sobre eles.

A esse processo denomina‑se alienação social, isto é, o desconhecimento das condições


histórico‑sociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de outras
contradições históricas anteriores e determinadas (CHAUI, 1999, p. 172).

A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho


se transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe
independente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo
em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e
antagônica (MARX, 1991, p. 112).

O sistema capitalista, ao gerar essas contradições, necessitou de um órgão regulador que atendesse
às necessidades da classe dominante. Surge, então, o Estado burguês como construção social, que se
põe acima da sociedade e é de interesse comum.

Segundo Marx, toda base material sugere um tipo de superestrutura, que se define basicamente de
instrumentos socioculturais, políticos e ideológicos, os quais têm por objetivo legitimar o sistema capitalista.

A sociedade civil é o sistema de relações sociais que organiza a produção econômica, realizando‑se
por meio de instituições sociais encarregadas de reproduzi‑lo. É o espaço onde as relações sociais e suas
formas econômicas e institucionais são pensadas. A sociedade civil é o sistema de relações sociais que
organiza a produção econômica (agricultura, indústria e comércio), realizando‑se através de instituições
sociais encarregadas de reproduzi‑lo (família, igrejas, escolas, partidos políticos, meios de comunicação
etc.) (CHAUI, 1999, p. 410).

A história do homem é, segundo Marx, a história da luta de classes, luta


constante entre interesses opostos, embora esse conflito nem sempre se
manifeste socialmente sob forma de guerra declarada. As divergências,
oposições e antagonismos de classes estão subjacentes a toda relação
social, nos mais diversos níveis da sociedade, em todos os tempos, desde o
surgimento da propriedade privada (COSTA, 1997, p. 86).

7.7 A contribuição do pensamento de Karl Marx

O pensamento de Karl Marx teve reflexos em várias partes mundo, como no caso das revoluções
soviética e cubana, quando o mundo ficou dividido em dois blocos de influência política e econômica.

Após a Segunda Guerra Mundial, o socialismo se amplia para além do mundo Ocidental (Leste
Europeu), atingindo países do Continente Africano e chegando à China, pela Revolução Cultural.
81
Unidade II

A influência desse sistema político e econômico (socialismo) foi tão relevante que um terço
do mundo conhecido da época se tornou socialista, o que acirrou os conflitos entre as duas
potências que dominavam e dividiam o mundo em dois blocos econômicos, ou seja, os Estados
Unidos da América e a ex‑União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que durante décadas
disputaram a hegemonia mundial. Essa disputa determinava que cada país envolvido se alinhasse
com um deles. Ao se alinhar, passava a viver na órbita dessa potência, dependendo de ajuda
militar, econômica e financeira, e era obrigado a defendê‑la em qualquer conflito e a tinha como
parceira comercial.

Esse período ficou conhecido como Guerra Fria e deixou o mundo sob tensão permanente, pois,
como em um jogo de xadrez, cada potência avançava sua zona de influência (militar, ideológica
e econômica), que foi concentrada, sobretudo, nos países do chamado Terceiro Mundo (nações
subdesenvolvidas da época). Esses avanços sob as zonas de influência carregavam o mundo de
tensão e deram origem à corrida nuclear armamentista, que colocou o mundo próximo da Terceira
Guerra Mundial.

Esses dois países, que passaram a influenciar o mundo, colocavam de um lado a economia de
mercado, que representava o mundo capitalista. Essa economia se baseava na produção privada
dos bens e serviços. O papel do Estado era mínimo e servia para a regulamentação das atividades
econômicas, fiscalização e manutenção dos setores de serviço, como educação, saúde, segurança e
comunicação.

Já na economia estatal planificada, a produção dos bens e serviços era estatal, ou seja, o Estado
desempenhava papel de grande influência no mercado econômico de produção, tudo ficava sob sua
orientação, tanto os meios de produção quanto os funcionários. Nesse modo de gerir a economia, não
existia iniciativa privada, todos as ações eram estatais.

Em uma escala menor, mas muito significativa, o pensamento marxista influenciou também áreas
culturais (desde a poesia, passando pela música, pelo teatro, literatura), acadêmicas, revoltas populares,
sindicatos, educação, movimentos sociais e populares. Ou seja, o pensamento marxista foi o divisor de
águas do século XX.

Os modos de produção marxista

Modo de produção asiático

Foi a primeira forma que se seguiu à dissolução da comunidade primitiva. Sua


característica fundamental era a organização da agricultura e da manufatura em unidades
comunais autossuficientes. Sobre elas, havia um governo, que poderia organizar os custos
com guerras e obras economicamente necessárias, como irrigação e vias de comunicação. As
aldeias eram centros de comércio exterior, e a produção agrícola excedente era apropriada
em forma de tributo pelo governo. Era o tipo característico da China e do Egito antigos,
também conhecido como pró‑despotismo oriental. A coesão entre os indivíduos era
assegurada pelas comunidades aldeãs.
82
Introdução ao Pensamento Sociológico

Modo de produção antigo

Neste, as pessoas mantinham relações de localidades e não de consanguinidade. O


trabalho agrícola era considerado atividade própria de cidadãos livres. Dessa relação entre
cidadania e trabalho agrícola teve origem a nação, politicamente centralizada no Estado. A
vida era urbana, mas baseada na propriedade da terra, fato que Marx chamava de ruralização
da cidade. A cidade era o centro da comunidade, havendo diferença entre as terras do Estado
e a propriedade particular explorada pelos patrícios (cidadãos livres proprietários) por meio
de seus clientes. As sociedades típicas no modo de produção eram a grega e a romana.

Modo de produção germânico

Neste modo de produção, cada lar ou unidade doméstica isolada constituía um centro
independente de produção. A sociedade se organizava em linhagens, segundo parentesco
consanguíneo que transmitia ofício e a herança da possessão ou do domínio. Eventualmente, esses
lares isolados uniam‑se para atividades guerreiras, religiosas ou para solução de disputas legais. A
sociedade era essencialmente rural. O isolamento entre os domínios tornava‑os potencialmente
mais individualistas que a comunidade aldeã asiática. O Estado como entidade não existia. Este
modo de produção caracterizaria as populações bárbaras da Europa antiga (COSTA, 1997, p. 93).

Saiba mais

Sugerimos a leitura de um texto sobre a sociologia, o socialismo e o


marxismo no seguinte link:

<http://www.ite.edu.br>

8 A contribuição de Gramsci Ao pensamento sociológico

Figura 13

83
Unidade II

Antonio Gramsci foi filósofo e político italiano (23/1/1891‑27/4/1937), além de se destacar como
teórico marxista fundador do Partido Comunista Italiano (PCI).

Comprometido com um projeto político que tinha como proposta a concretização de uma revolução
proletária, Gramsci se diferencia dos outros teóricos por defender que a tomada de poder só seria
possível após uma transformação nas mentalidades.

Os conceitos criados ou valorizados por Gramsci são atualmente utilizados em várias partes do
mundo, entre eles o de cidadania. Para ele, existe uma fundamental relação entre a discussão pedagógica
e a conquista da cidadania como um objetivo da escola. A escola, de acordo com essa concepção, deveria
ser orientada para uma “elevação cultural das massas”, ou seja, tem o importante papel de livrá‑las de
uma visão de mundo marcada por preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia
das classes dominantes.

Diferentemente da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do


trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818‑1883), salientando em seus estudos as relações
entre política e economia, Gramsci se propôs a aprofundar as reflexões sobre o papel da cultura e dos
intelectuais nos processos de transformação histórica.

A pesquisadora Ivete Simionatto (1997) destaca como ponto central nas análises de Gramsci a visão
crítica e histórica dos processos sociais:

Gramsci não toma o marxismo como doutrina abstrata, mas como método
de análise concreta do real em suas diferentes determinações. Debruça‑se
sobre a realidade enquanto totalidade, desvenda suas contradições e
reconhece que ela é constituída por mediações, processos e estruturas.
Essa realidade é analisada pelo pensador a partir de uma multiplicidade de
significados, evidenciando que o conjunto das relações constitutivas do ser
social envolve antagonismos e contradições, apreendidos a partir de um
ponto de vista crítico que leva em conta a historicidade do social, sendo
este, segundo Gramsci, o único caminho fecundo na pesquisa científica.
Se o pensamento dialético funda‑se na perspectiva da totalidade e da
historicidade, não é outra a perspectiva do autor em questão.

A concepção gramsciana sobre o social e o político é, portanto, caracterizada pelo princípio da


totalidade, salientando que essas duas esferas não podem ser compreendidas sem levar em conta o
fator econômico, ou seja, da relação entre infraestrutura e superestrutura. Para Gramsci, a política não é
simples reflexo da economia, mas é acima de tudo entendida como esfera mediadora entre a produção
material e a reprodução da vida humana. Assim, a realidade social na concepção gramsciana só pode
ser entendida com o princípio da totalidade, que leva em conta as especificidades dos momentos
(SIMIONATTO, 1997).

Nessa concepção, entretanto, para que o grupo social consiga conquistar sua hegemonia, necessita
passar por um processo constitutivo de sua identidade. Uma prática voltada para o ser humano necessita
84
Introdução ao Pensamento Sociológico

ter a compreensão crítica de si própria, e só assim conseguirá combater a subalternidade e a passividade


(elemento bastante presente no interno dessas classes trabalhadoras).

8.1 Gramsci: vida e obra

Antonio Gramsci nasceu em 23 de janeiro de 1891 em Ales, província de Cagliari, na Ilha de


Sardegna. Durante a infância, foi acometido de várias doenças devido sua saúde fraca e uma
vida precária. Aos 21 anos foi estudar na Universidade de Turim, onde em 1915 se converte ao
socialismo. Em 1917 organizou a greve dos operários de Turim. No ano de 1920, no mês de abril,
coordenou a greve geral na Itália. No ano seguinte, se tornou um dos fundadores do Partido
Comunista Italiano, como seu primeiro secretário‑geral, pelo qual foi eleito deputado. Durante
este período foi mandado para Moscou, como representante internacional do Partido Comunista.
Foi preso em novembro de 1926 e deportado para ilha de Ustica devido a suas atividades políticas
de oposição ao regime fascista. No julgamento, foi condenado a vinte anos de prisão, dos quais
cumpriu dez anos. Cumpriu a metade do tempo devido a péssimas condições na prisão. No ano
de 1933, Gramsci apresentou problemas de tuberculose, que ao passar dos anos vieram a agravar
sua saúde. Mediante a pressão popular e seu estado de saúde precário, as autoridades do regime
resolveram soltá‑lo três dias antes de sua morte. Antonio Gramsci faleceu no dia 27 de abril de
1937, aos 46 anos de idade, vitimado por tuberculose e derrame cerebral que o debilitaram durante
anos seguidos. O publico só teve acesso as suas obras após o ano de 1945. Suas obras ficaram
conhecidas do grande público como cadernos e cartas do cárcere que Antonio Gramsci escreveu na
prisão durante os anos de 1926 até 1936.

Em sua obra, Cadernos do cárcere, Gramsci destacou as práticas de construção e manutenção da


hegemonia das classes dominantes, a importância das questões ligadas à direção cultural e moral que
essas classes imprimem ao todo social. Esse estudo engloba, progressivamente, as estruturas do Estado,
enriquecendo‑se com um novo conceito: o de aparelhos de hegemonia.

As análises sobre a hegemonia referem‑se tanto à hegemonia burguesa quanto à das classes
subalternizadas e seu objetivo é o de aprofundar a análise sobre o Estado moderno, que se fundamenta
no modo de produção capitalista.

Ao se referir à hegemonia das classes subalternizadas, Gramsci propõe estratégias que podem
guiá‑las num processo de transformação revolucionária, a partir da criação de um novo bloco cultural,
fruto de uma concepção de mundo coerente e utilitária.

Para Gramsci, a hegemonia de uma classe significa sua capacidade de subordinar intelectualmente
as demais classes através da persuasão e da educação, sendo esta entendida em seu sentido amplo.

Para conquistar a hegemonia é necessário que a classe fundamental se torne referência para
as demais, como aquela que representa e atende aos interesses e valores de toda sociedade,
obtendo o consentimento voluntário e a anuência espontânea, garantindo, assim, a unidade
do bloco social que, embora não seja homogêneo, se mantém, predominantemente, articulado
e coeso.
85
Unidade II

Isso significa que a classe hegemônica deve ser capaz de converter‑se em classe nacional, além de
ser capaz de envolver toda a sociedade em um mesmo projeto histórico, com condições de assumir,
como suas, as reivindicações das classes aliadas.

Ao afirmar que a classe hegemônica deve assumir, como suas, as reivindicações das demais classes,
Gramsci aponta para a estreita relação entre hegemonia e economia, na medida em que as expressões
da vontade, interesses e necessidades das classes aliadas são, na verdade, manifestações concretas das
necessidades econômicas, geradas por determinado modo de produção.

Isso faz com que Gramsci conclua que é necessário que a classe hegemônica, ao formular seu projeto
econômico, considere estas necessidades, sem, entretanto, descaracterizar seu projeto fundamental de classe.

Antonio Gramsci viveu sob o signo do totalitarismo, seja ele soviético ou italiano. No totalitarismo
soviético, sofreu não com a perseguição, mas com a frustração de ver a classe operária liberta. No período
de Stalin, a União Soviética se viu mergulhada em uma onda de assassinatos e perseguições daqueles que
discordavam do regime stalinista (socialismo real). Já no fascismo, Gramsci se viu perseguido e preso, o
regime estava em seu auge. Neste período, o regime fascista conseguiu reunir vários segmentos sociais
formados por comerciantes, camponeses, trabalhadores, burgueses capitalistas, que lutaram contra a
possibilidade do proletariado formar na Itália um estado marxista. Estas experiências de frustração de
um lado e confinamento do outro conjugadas com uma infância precária e uma mocidade que envolveu
desde greves sindicais à formação do Partido Comunista, possibilitou a este pensador refletir sobre a
sociedade e suas relações e inferir destas reflexões um pensamento original, criativo e inventivo, dando
um novo fôlego ao marxismo que na época se encontrava desacreditado por ter se filiado a corrente
stalinista coberta de horrores. Antonio Gramsci possibilitou a entrada do marxismo nos estudos culturais
de onde será difícil se ser tirado.

8.2 O conceito de hegemonia

O conceito de hegemonia representa um dos pontos centrais do pensamento gramsciano, em que


o pesquisador analisa as características dos processos histórico‑sociais, a formação e a importância dos
intelectuais nesse processo.

Ao desenvolver estudos sobre o Estado, Gramsci aborda questões ligadas à literatura e à cultura em
geral e propõe estratégias de transição para o socialismo.

No entanto, para compreender de forma mais ampla o conceito gramsciano de hegemonia, faz‑se
necessário antes analisar a relação existente entre as concepções de hegemonia em Lênin, já que é a
Lênin que Gramsci atribui a formulação do princípio teórico‑prático da hegemonia.

Em resumo, o princípio da hegemonia desenvolvido por Lênin refere‑se, basicamente, à ditadura do


proletariado e fundamenta‑se na especificidade da história russa e definição das tarefas políticas do
proletariado. Esse princípio, embora construído em situação histórica diferente da vivida por Gramsci,
possibilitou a utilização dos elementos básicos que lhe permitiram construir o próprio conceito,
ampliando e enriquecendo a concepção leninista.
86
Introdução ao Pensamento Sociológico

Assim, os fatores que permitiram a Lênin e a Gramsci elaborarem, em situações históricas distintas,
o conceito de hegemonia estão relacionados à compreensão que ambos tinham de que a sociedade é
um todo orgânico e unitário, que se explica a partir da base econômica, mas que não pode ser reduzida
inteiramente a ela, pois tal redução implicaria a negação da ação política e da própria hegemonia.

Com essas reflexões, Gramsci afirmava a necessidade de combater o economicismo na teoria e na


prática política, mostrando a importância de desenvolver uma luta que viesse a possibilitar a ampliação
do conceito de hegemonia.

Podemos observar claramente alguns pontos em comum entre Gramsci e Lênin, entre eles a
importância dada às alianças de classes, que permitiu a mobilização da maior parte possível da população
trabalhadora, oferecendo uma base sólida ao Estado proletário. Um outro ponto comum a ressaltar
está na organização intelectual da hegemonia através do partido, representando o verdadeiro sujeito
revolucionário.

Para Lênin, o partido é o responsável em intervir em todos os momentos da vida social e política e,
por isso, pode‑se movimentar em todas as camadas da população, dando oportunidade aos operários
de obter o conhecimento político necessário à luta pela conquista da nova hegemonia. Gramsci, no
entanto, retoma essas concepções leninistas do partido, dando maior ênfase à sua função educativa.

O conceito gramsciano de hegemonia está diretamente relacionado a alguns dos fundamentos


bastante próximos da concepção leninista. Contudo, coube a Gramsci aprofundar e ampliar esse
conceito, relacionando‑o aos interesses da sociedade civil, enriquecendo‑o com o conceito de aparelho
de hegemonia.

A diferença entre Gramsci e Lênin, entretanto, pode ser encontrada no conceito de hegemonia, em
que Gramsci abarca em suas entidades não apenas o partido, mas as instituições da sociedade civil,
desde que apresentem um nexo qualquer na elaboração e difusão da cultura.

8.3 Educação e emancipação das massas

Gramsci ganha importância no mundo ocidental a partir de sua análise original e criativa em que
salienta a importância que a cultura e os intelectuais têm no sistema capitalista. Ao contrário das ideias
dos marxistas de seu tempo que, para analisarem o capitalismo partiam da estrutura econômica, Gramsci
privilegiou em seus estudos a superestrutura, ou seja, as instituições sociais, dentre elas a educação.

As ideias e estudos do filósofo italiano Antonio Gramsci contribuíram para que a função da escola
fosse repensada. Para ele, a escola é a principal responsável em possibilitar o acesso à cultura das classes
dominantes, para que todos possam ser cidadãos plenos.

Por meio de suas análises, a educação constrói o conceito de cidadania, que orienta uma discussão
pedagógica tendo a escola como uma formadora de cidadãos. Para ele, a escola é burguesa e herdeira
de tabus e das ideias preconceituosas, que são assimiladas e introjetadas pela sociedade, e esta forma
de organizar a escola, de formar a visão de mundo daqueles que dela precisa, pois, impõe uma ideologia
87
Unidade II

dominante, que não permite a discussão e a crítica. Estes argumentos se tornaram um importante
instrumento e contribuição na área educacional (formal e informal).

A partir de categorias como de Bloco Histórico, Senso Comum, Sociedade Civil e Política,
Intelectuais Orgânicos, Hegemonia, o autor influenciou pensadores de várias partes do mundo.
Gramsci acreditava na Revolução do Proletariado e afirmava que uma revolução só seria possível
devido à mudança de comportamento, de práticas, ou seja, uma mudança de mentalidade. Para que o
proletariado alcançasse este objetivo, deveria produzir no interior de sua classe intelectuais orgânicos
que auxiliariam nesta mudança. Estes elevariam culturalmente as massas e um de seus instrumentos
seria a educação.

Nesse sentido, a educação, para Gramsci, ganha relevo a partir da possibilidade que a escola
oferece, junto com os intelectuais, de se tornarem mediadores. Isto permite que os alunos,
proletários, os segmentos sociais, partidos políticos e outros reconheçam seu valor histórico. A
partir de uma tomada de consciência, seja ela individual ou coletiva, a sociedade pode fazer uma
contra‑hegemonia, se apropriando de uma visão crítica do processo que só pode ser obtido na luta
e no convencimento no campo ético e político, ou seja, para Gramsci primeiro muda‑se a mente
depois o poder.

Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma
empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito Mussolini, que reservava aos
alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada
principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci defendeu a manutenção de “uma
escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”.

Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o aluno a um determinado ofício, sem dar‑lhe
acesso ao “ensino desinteressado” que “cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo,
liberta de toda magia ou bruxaria”. Ao contrário dos pedagogos da escola ativa, que defendiam a
construção do aprendizado pelos estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros
anos de estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. “A escola unitária de Gramsci
é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, com o qual se
aprende a operar”, diz o pedagogo Paolo Nosella. Em termos metafóricos, não se trata de colocar
um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações
econômicas do torno.

8.4 A sociedade civil e o intelectual

Além do conceito de hegemonia que se tornou o centro do pensamento gramsciano, outros conceitos
foram fundamentais para se compreender a proposta que Gramsci defendia para a sociedade. Para ele,
a sociedade civil e principalmente os intelectuais possuem papel fundamental nesse processo.

Intelectual: por intelectuais podem ser compreendidos não só as camadas comumente entendidas
com esta denominação, mas em geral toda a massa social que exerce funções organizativas em sentido
lato, seja no campo da produção, seja no campo da cultura, seja no campo administrativo‑político.
88
Introdução ao Pensamento Sociológico

Gramsci diferencia a concepção de intelectual, intelectual orgânico e intelectual tradicional:

• Intelectual: na concepção gramsciana, é todo aquele que cumpre uma função organizadora
na sociedade e é produto de uma classe em seu desenvolvimento histórico; pode ser desde um
tecnólogo ou um administrador de empresas até um dirigente sindical ou partidário.

• Os intelectuais tradicionais: são os membros do clero ou da academia, por seu turno, podem
tanto se vincular às classes dominadas quanto às dominantes, adquirindo uma autonomia em
relação aos interesses imediatos das classes sociais.

• O denominado intelectual orgânico: entendido como aquele que se mistura à massa levando
a essa conscientização política e agindo em meio ao povo, nas ruas, nos partidos e sindicatos.
Assim, esse intelectual pode ser tanto o acadêmico, o jornalista, o padre, o cineasta, o ator, o
locutor de rádio, o escritor profissional, quanto o intelectual coletivo; em suma, todo homem é
um intelectual em potencial.

Sociedade civil: é compreendida como sendo o conjunto formado pelos organismos denominados
privados e sociedade política ou Estado. Ambos correspondem à função de hegemonia que o grupo
dominante exerce sobre toda sociedade e àquela de domínio direto ou de comando que se expressa
no Estado e no governo jurídico. Tais funções configuram‑se organizativas e conectivas. O conceito de
sociedade civil foi concebido por Gramsci, que o reconstituiu da tradição iluminista e hegeliana dos
séculos XVIII e XIX e o renovou como parte de uma operação teórica e política dedicada a interpretar
as imponentes transformações que se consolidavam nas sociedades do capitalismo desenvolvido. A
sociedade civil é considerada um espaço no qual são elaborados e viabilizados projetos globais que se
articulam às capacidades de direção ético‑política, além de ser palco de disputa do poder e da dominação.
É um conceito complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade contemporânea, além
de ser um projeto político, abrangente e igualmente sofisticado, com o qual se pode tentar transformar
a realidade. A ideia gramsciana de sociedade civil espelharia a nova situação: abrigava a plena expansão
das individualidades e diferenciações, mas acomodava também, acima de tudo, os fatores capazes de
promover agregações e unificações superiores. Ela seria a sede de múltiplos organismos privados, mas,
nem por isso, menos estatal. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força,
como agentes de consenso e hegemonia, candidatos a se tornar Estado.

Cabe aqui ressaltar a importância de se compreender essas categorias e o legado de Gramsci, de


maneira geral, que passaram a ser fundamentais para refletirmos sobre nossa atuação como intelectuais
e como profissionais, como é o caso do profissional que atua no serviço social.

8.5 A influência do pensamento de Gramsci no serviço social

As concepções de Gramsci influenciaram, no Brasil, os campos acadêmicos e profissionais,


entre eles o serviço social. Suas obras, traduzidas e publicadas nos anos de 1960, passaram a ser
consideradas pelos profissionais que já questionavam as matrizes conservadoras que subsidiavam
teoricamente o serviço social desde a década de 1930. Sobre esse período, a pesquisadora Ivete
Simionatto (1997) destaca:
89
Unidade II

As propostas de natureza crítica que emergiam no interior do serviço social,


neste período, não encontraram, no entanto, espaço para se desenvolver,
pois com o golpe militar de 1964, a tendência pragmático‑tecnocrática é
assumida como forma de responder às necessidades do crescente processo
de acumulação capitalista.

O processo de abertura democrática ocorrido entre 1978‑84 e a revogação do AI‑5 permitem, no país,
uma maior participação dos movimentos populares, que reivindicavam novos itens na agenda política,
entre eles o direito à greve, às melhores condições de trabalho, o que, segundo Simionatto (1997),
permitiu ampliar a consciência crítica dos trabalhadores e ressaltar a importância da sua participação
como sujeitos políticos.

Essas modificações interferem no âmbito do serviço social, pressionando seus principais dirigentes a
incluir nos debates da categoria as teorias fenomenológica e marxista, destacando os temas relacionados
à questão do Estado, da hegemonia e dos intelectuais a partir do pensamento de Gramsci:

Dois grandes marcos da produção do serviço social desse período são, sem
dúvida, o Método BH e o livro Legitimidade e crise no serviço social de Marilda
Iamamoto. Mas ao lado dessas duas elaborações, há, ainda, todo um acervo
de formulações que instauram um novo debate no interior da profissão na
virada dos anos de 1970 e início de 1980. Penso aqui na larga produção que,
no eixo da tradição marxista, busca no aporte teórico gramsciano subsídios
para refletir sobre o serviço social frente às novas demandas da realidade
brasileira (idem).

A autora destaca o período do final da década de 1970, quando, no serviço social, há um


distanciamento do pensamento althusseriano e o pensamento de Gramsci passa a ser um marco teórico
significativo na área. Essas ideias, que passaram a ser progressivamente incorporadas pelo serviço social,
abriram novas possibilidades para pensar seus referenciais teóricos e suas ações interventivas. Assim, a
concepção gramsciana repercutiu fortemente na produção do serviço social desde os anos de 1980 e
prossegue até os dias atuais em forma de livros derivados de teses acadêmicas, ensaios diversos, artigos
e análises da prática profissional:

As primeiras referências ao pensamento de Gramsci no serviço social,


encontram‑se nas produções de Vicente de Paula Faleiros através da categoria
da hegemonia e da análise da prática profissional no contexto da sociedade
capitalista. Serão, no entanto, as produções de Safira Bezerra Ammann, Alba
Maria Pinho de Carvalho, Franci Gomes e Marina Maciel que possibilitarão a
efetiva aproximação do Serviço Social ao pensamento gramsciano. O trabalho
de Safira B. Ammann é extremamente relevante, uma vez que se constitui na
primeira formulação que adota o referencial do pensador italiano para analisar
o processo sócio‑histórico do desenvolvimento de comunidade na transição
democrática. A produção de Alba Maria Pinho de Carvalho é extremamente
significativa à medida que apresenta um estudo histórico‑crítico do pensamento
90
Introdução ao Pensamento Sociológico

de Gramsci a partir de fontes originais. E, por último, mas não menos importante,
o texto de Franci Gomes e Marina Maciel que busca em Gramsci suporte teórico
para subsidiar as práticas interventivas do serviço social. As produções dessas
autoras são marcos significativos no trato de categorias (idem).

O profissional assistente social pode embasar sua prática na teoria gramsciana, pois esta tem como
contribuição a reflexão sobre a importância do sujeito nas inúmeras mudanças sociais. Nesse contexto
de mudanças sociais, o campo do serviço social tem um papel fundamental, por meio da contribuição
de seu saber, para impulsionar uma reflexão política entre os segmentos populacionais, para que esses
possam reconhecer seus direitos e deveres, para exercerem sua cidadania.

De acordo com a concepção de Gramsci, denominada o “complexo da superestrutura ideológica”,


a sociedade civil se realiza pela trama das relações que os homens estabelecem em instituições como
os sindicatos, os partidos, a igreja, a escola e assim por diante. Assim, a classe que aspira à hegemonia
deve iniciar seu trabalho com algumas dessas instituições da sociedade civil, ambientes apropriados
para divulgar os seus ideais, os seus valores éticos, morais, sua ideologia, desenvolvendo um trabalho
ininterrupto e organizado, constituindo a unidade moral e intelectual.

Ao indicar a sociedade civil como local potencializadora, Gramsci transfere


o eixo da ação política das instituições consideradas formais para o âmbito
das diversas formas de organização social que buscam reafirmar a primazia
do espaço público na representação dos anseios e interesses da população
(SEMERARO apud SIMIONATTO, 1997).

Sinopse conceitual

Ação social – refere‑se a toda ação humana influenciada pela consciência da situação concreta da
realidade em que se vive. Weber utiliza esse conceito como uma ação com um sentido, ou seja, uma
intenção, cujos tipos classifica de acordo com os motivos que os geram.

Coerção social – conceito que se refere à ação exercida pela sociedade sobre a vontade do indivíduo.
Para Durkheim, essa influência da sociedade sobre o indivíduo é o elemento definidor de fatos sociais.
Para os marxistas, porém, a coerção social existe entre a classe dominante e a classe dominada e é uma
das funções do poder existente na sociedade.

Conflito social – conceito utilizado a partir do final do século XIX pelos sociólogos que pesquisavam
o conflito como aspecto existente em toda sociedade. Para Durkheim, o conflito é uma expressão de
anomia, de um estado patológico da vida social, enquanto os marxistas consideram o conflito como
elemento integrante da vida social, além de ser responsável por seu processo de transformação.

Controle social – são denominados controle social os mecanismos materiais e simbólicos existentes
em todas as sociedades como forma de eliminar ou diminuir formas de comportamento desviantes
individuais e coletivas. As normas, os valores sociais e a socialização por meio da educação formal e
informal, os meios de comunicação configuram formas de controle social.
91
Unidade II

Divisão social do trabalho – conceito que se refere a maneiras diferenciadas pelas quais
a sociedade se organiza em diferentes funções que os indivíduos exercem. Essa divisão implica
também na obtenção de privilégios, regalias e poder. Para a concepção marxista, essa divisão no
sistema capitalista industrial é responsável pelo processo de alienação do trabalhador em relação
a seu trabalho.

Estrutura social – corresponde, nas mais diferentes teorias, ao sistema integrado de relações e
cargos ou forças sociais em interação. Na teoria marxista, corresponde à estrutura de classes sociais de
uma sociedade.

Grupo social – é denominado o conjunto de indivíduos que age de maneira coordenada, autorreferida
ou recíproca, ou seja, as ações de cada membro do grupo estão relacionadas aos demais membros do
grupo e são direcionadas a esses. A consciência de pertencer a um grupo faz com que os homens
desenvolvam a interdependência, integração e reciprocidade.

Instituição social – são as entidades que reúnem várias maneiras de se comportar, organizando
esses comportamentos de forma recíproca, hierárquica e com objetivos comuns. São exemplos dessas
entidades a família, a igreja, o exército e a burocracia do Estado, consideradas as mais antigas e fortes
instituições sociais. Apesar de terem a finalidade de contribuir para a manutenção da sociedade, as
instituições são passíveis de mudanças e transformações.

Movimentos sociais – todas as formas de organização e mobilização de membros da sociedade,


a partir de seus objetivos comuns. Os movimentos sociais são os principais objetos da sociologia, que
analisa os processos sociais e as mudanças.

Resumo

Durkheim formulou as orientações iniciais para a sociologia,


orientações essas que demonstraram que os fatos sociais possuem
características próprias, por isso diferem dos objetos estudados por
outras ciências. Para ele, a finalidade da sociologia é compreender,
estudar os fatos sociais. A generalidade, exterioridade e coercitividade
permitem que os fatos sociais sejam estudados objetivamente, como
“coisa”. O método durkheimiano estabelece que o pesquisador se
envolva em seus estudos sem permitir que seus valores interfiram na
objetividade de sua análise.

O pensamento científico se destaca pela preocupação em compreender


e estudar a diferença, característica de sua formação política e de seu
desenvolvimento econômico.

O desenvolvimento do pensamento sociológico alemão reflete, então,


seu processo de unificação política e a herança puritana.
92
Introdução ao Pensamento Sociológico

Max Weber viveu em um período em que as primeiras disputas sobre a


metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo
em seu país, a Alemanha. O ponto de partida da sociologia de Weber não
estava nas entidades coletivas, grupos ou instituições, mas naquilo que
se transformaria em seu objeto de investigação, ou seja, a ação social, a
conduta humana dotada de sentido, de uma justificativa subjetivamente
elaborada. A sociologia, para Weber, é, antes de tudo, buscar a compreensão
da ação social dos seres humanos “individualmente”. Para ele, tudo parte
dos indivíduos e suas ações nos mais variados campos – desde a mais
insignificante ação da vida privada até as mais grandiosas ações da vida
pública. Max Weber é considerado o pai do “individualismo metodológico”
no campo da sociologia, ou seja, pensamentos/análises, sociológicos ou
não, que partem da ideia fundamental de que as explicações mais corretas
sobre as coisas humanas, mesmo sobre as coisas coletivas, baseiam‑se nas
“motivações” dos indivíduos no “agir social”.

A ética protestante e o espírito do capitalismo, escrita por Weber, é uma


das obras de referência do século XX. Nela, é analisada a formação de uma
nova mentalidade, possibilitada pelos valores protestantes e seus valores
éticos – propícios ao capitalismo, em flagrante oposição ao “alheamento”
e à atitude contemplativa do catolicismo voltada para a oração, sacrifício
e renúncia da vida prática. A contribuição de Weber para a sociologia
tornou‑se referência obrigatória em todas as áreas, e seus estudos
inovaram, mostrando a fecundidade da análise histórica e da compreensão
qualitativa dos processos históricos e sociais.

Já as obras de Marx são construídas a partir da realidade social, política


e econômica de sua época, o século XIX. A Revolução Industrial foi, nesse
sentido, um processo que forneceu elementos para o desenvolvimento
do pensamento marxista. O marxismo trouxe como grande contribuição
à sociologia, à ciência política e à história a interpretação dos fenômenos
humanos como expressão e resultado de contradições e conflitos sociais,
de lutas e conflitos sociopolíticos determinados pelas relações econômicas
baseadas na exploração do trabalho da maioria pela minoria de uma
sociedade. Marx explica a sociedade a partir de seu modo de produção,
pela maneira como cada sociedade em sua época desenvolve seu modo
de produzir correspondente, isto significa que as relações de produção e
as forças produtivas, vistas em seu conjunto, possibilitam ao pesquisador
analisar as características de cada sociedade, em seu tempo histórico.

A tese defendida no Manifesto comunista Marx e Engels era a de que,


com a união de todos os trabalhadores contra o capital, acabaria a causa da
origem de toda exploração do homem pelo homem, a propriedade privada
dos meios de produção.
93
Unidade II

Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação


e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx,
que concentraram suas análises nas relações entre política e economia,
Gramsci deteve‑se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais
nos processos de transformação histórica.

O conceito de hegemonia representa um dos pontos centrais no


pensamento gramsciano, no qual o pesquisador analisa as características
dos processos histórico‑sociais, a formação e a importância dos intelectuais
nesse processo.

Além do conceito de hegemonia, outros conceitos foram fundamentais


para se compreender a proposta que Gramsci defendia para a sociedade.
Para ele, a sociedade civil e, principalmente, os intelectuais possuem papel
fundamental nesse processo.

A sociedade civil é considerada por Gramsci um espaço em que são


elaborados e viabilizados projetos globais que articulam as capacidades
de direção ético‑política, além de ser palco de disputa do poder e da
dominação.

Conclui‑ se que, apesar da sociedade civil na atualidade não ser mais


a mesma do tempo de Gramsci, ele levantou questões fundamentais
e apontou caminhos que até hoje permanecem em aberto para se
pensar a construção de uma sociedade radicalmente democrática,
que inclua cada vez mais a massa de excluídos e subalternizados pelo
atual sistema.

Exercícios

1. Leia o texto abaixo:

Mas Weber (1864‑1920) é o principal representante da Sociologia alemã.

[...]

Weber nega a viabilidade dessa ciência em produzir leis deterministas


acerca dos fenômenos sociais. Para ele, descobrir leis e constâncias na
sociedade é impossível, uma vez que o fluxo das relações entre os homens
e as instituições é caótico e desordenado. Aquilo que ocorreu em Roma
antiga não se repete da mesma forma na sociedade contemporânea,
por isso é inviável se buscar uma linha de continuidade que permita a
formulação de leis.
94
Introdução ao Pensamento Sociológico

A análise sociológica deve se orientar para a especificidade dos diferentes


períodos históricos. [...]

Cada momento histórico é singular e resultado de uma série de fatores


econômicos, políticos, religiosos, culturais, etc de seu próprio tempo. Essa
é uma contribuição essencial da sociologia de Max Weber, que estabelece a
impossibilidade de descobrirmos uma sequencia única nos eventos sociais.

[...] Weber enfatiza que as transformações sociais não podem ser explicadas
somente pelas relações econômicas. Ou seja, a economia e as formas de
produção são importantes mas não explicam as condições históricas em
sua totalidade. Para Weber, é possível entender as relações humanas sem
buscar a formulação de leis e sem estabelecer as condições materiais como
causa determinante das transformações sociais (ANDRADE, T. O Pensamento
Sociológico de Max Weber. In LEMOS FILHO, A.; BARSALINI, G.; VEDOVATO,
L. R.; MELLIN FILHO, O. Sociologia geral e do direito. 3. ed. Campinas: Alínea,
2008, p. 82).

[...] a maneira como os homens se organizam – e para Marx isso nunca pode
ser pensado individualmente, já que os homens ocupam lugares na produção
que independem de sua vontade, mas sim da relação jurídica com os meios
de produção – para produzir e as relações daí decorrentes fundamentam a
base econômica de uma determinada sociedade.

A compreensão do funcionamento dessa base, das relações e dos conflitos


ai existentes, assim como sua evolução apresenta‑se como chave para se
entender a sociedade.

A partir dessa ideia, a economia assume um papel fundamental na teoria


de Marx, uma vez que as relações sociais se estruturam a partir da maneira
como o trabalho é extraído e apropriado pela comunidade (CABRERA,
J. R. O pensamento sociológico de Marx. In LEMOS FILHO, A.; BARSALINI,
G.; VEDOVATO, L. R.; MELLIN FILHO, O. Sociologia geral e do direito. 3. ed.
Campinas: Alínea, 2008, p. 105‑106).

Assinale a alternativa correta:

A) Para Weber, as condições econômicas e sociais podem variar em razão de outras perspectivas que
não apenas as lutas de classe, por isso ele travou intenso combate às ideias de Marx e de Engels.

B) Marx e Engels contribuíram para a sociologia com a interpretação dos fenômenos humanos a
partir das contradições e conflitos das classes sociais, uma detentora do modo de produção e
outra detentora da força de trabalho. Para eles era preciso eliminar a produção industrial para
resolver os problemas sociais.
95
Unidade II

C) Weber defendeu a ideia de que cada momento histórico sofre influências variadas e, por isso,
não pode ser estudado a partir de uma única dimensão que exclua as demais influências
ocorridas.

D) As ideias de Weber e de Marx não têm mais nenhuma importância na sociedade contemporânea,
que está fundamentada na hegemonia capitalista em quase todos os lugares do mundo.

E) Weber e Marx foram muito mais historiador e economista do que propriamente estudiosos de
sociologia. Suas contribuições estão restritas ao tempo histórico em que viveram.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa:

Weber realmente afirmava que as condições econômicas e sociais podem variar em razão de outras
perspectivas que não apenas as econômicas, mas não travou intenso combate às ideias de Marx e de
Engels.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa:

Marx e Engels contribuíram para a sociologia com a interpretação dos fenômenos humanos a
partir das contradições e conflitos das classes sociais, uma detentora do modo de produção e outra
detentora da força de trabalho. Porém, em nenhum momento eles defenderam que era preciso eliminar
a produção industrial para resolver os problemas sociais. Ao contrário, defenderam que os meios de
produção deveriam pertencer a todos os trabalhadores, que dividiriam igualmente o produto de seu
trabalho sem exercer a exploração do capital pelo trabalho.

C) Alternativa correta.

Justificativa:

Weber demonstrou com seus estudos que cada momento histórico sofre influências variadas e,
por isso, não pode ser estudado a partir de uma única dimensão que exclua as demais influências
ocorridas. Para ele, toda a sociedade adquire uma especificidade e importância próprias na sua formação
e organização. Por isso, o homem se torna o responsável pela ação social, que é toda a conduta humana
que interfere em outros e no próprio homem. Para entender as diferentes condutas humanas em
diferentes épocas, é preciso considerar a dimensão da trajetória histórica dos homens e dos grupos
sociais.
96
Introdução ao Pensamento Sociológico

D) Alternativa incorreta.

Justificativa:

As ideias de Marx e Weber são ainda muito importantes no atual momento histórico, em especial
porque o capitalismo enfrenta sérias crises, como a ocorrida nos Estados Unidos em 2008 e a que está
ocorrendo desde 2011 na chamada zona do euro na Europa, que repercute em importantes economias
do planeta, como a Inglaterra, a França, Alemanha, Espanha e Portugal. O conhecimento dos estudos de
Marx e Weber poderá contribuir para que os estudiosos detectem as razões dessas crises e, até mesmo,
sugiram novas perspectivas para a produção e relação econômica e política no mundo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa:

A contribuição do pensamento de Marx e Weber para a sociologia foi muito significativa e não
está restrita à época em que viveram. Ao contrário, as contribuições de ambos continuam a ser
sistematicamente estudadas porque são reflexões de grande importância para a compreensão dos
fenômenos sociais contemporâneos.

2. Analise o desenho abaixo:

Disponível em: <http://goo.gl/i5Ho0>. Acesso em: 10 de janeiro de 2012.

A partir dos conceitos aprendidos com o estudo do pensamento de Antonio Gramsci, leia as
afirmativas e assinale a alternativa correta:

I – A escola é sempre um importante instrumento de construção de uma sociedade mais solidária e


mais justa, porque o ensino analisa e critica as situações sociais e promove perspectivas de mudanças.
97
Unidade II

II – Para Gramsci, a educação é um instrumento importante para que as classes sociais, em especial
a classe operária, tomem consciência de seu valor histórico e se apropriem de uma visão crítica que
permitirá mudanças e o convencimento de outros atores sociais.

III – Para Gramsci, a escola é sempre local de produção do pensamento de alienação coletiva, em
especial quando se trata da escola com dimensão profissionalizante.

IV – Gramsci acreditava que a escola é burguesa e herdeira de tabus e das ideias preconceituosas
que são assimiladas e introjetadas pela sociedade e esta forma de organizar a escola, de formar a visão
de mundo daqueles de dela precisam, impõe uma ideologia dominante, que não permite a discussão e
a crítica.

V – A educação atende aos objetivos das classes dominantes que, por sua elevada qualidade cultural,
estão em melhores condições de definir o que é preciso aprender e saber, que conhecimento deve ser
construído e qual aquele que deve ser ignorado por ser desnecessário em um dado momento histórico.

A) I e III

B) I e IV

C) III e V

D) II e III

E) II e IV

Resolução desta questão na Plataforma.

98
Introdução ao Pensamento Sociológico

FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

3b01071_150px.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3b00000/3b01000/3b0100


0/3b01071_150px.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2012.

Figura 2

3c00795r.JPG. Disponível em: <http://www.loc.gov/pictures/resource/cph.3c00795/>. Acesso em: 6 fev.


2012.

Figura 3

creation.JPG. Disponível em: <http://www.artchive.com/artchive/m/michelangelo/creation.jpg>. Acesso


em: 6 fev. 2012.

Figura 4

3b14146_150px.JPG. sci01037.jpg | LEONARDO DA VINCI | Vitruvian Man. | c. 1490 | Italian


| Renaissance | Ink | Italy. | | ©Kathleen Cohen. Disponível em: <http://worldart.sjsu.edu/
VieO11754?sid=3062&x=2126402>. Acesso em: 6 fev. 2012.

Figura 5

another_picture_of_auguste_comte.JPG. Disponível em: <http://www.bolender.com/Sociological%20


Theory/Comte,%20Auguste/Another%20Picture%20of%20Auguste%20Comte.jpg>. Acesso em: 6 fev.
2012.

Figura 6

republica.JPG. Disponível em: <http://educar.sc.usp.br/cordoba/gob_bispo/republica.jpg>. Acesso em: 6


fev. 2012.

Figura 7

durkheim.JPG. Disponível em: <http://www.marxists.org/glossary/people/d/pics/durkheim.jpg>. Acesso


em: 6 fev. 2012.

Figura 8

3b01048_150px.JPG. Acesso em: <http://www.loc.gov/pictures/item/2003677415/>. Acesso em: 6 fev.


2012.

99
Figura 9

3b19375r.JPG. Disponível em: <http://www.loc.gov/pictures/resource/cph.3b19375/>. Acesso em: 6 fev.


2012.

Figura 10

louv2162.JPG | METSYS Quentin |The Goldsmith. | 1514 | Netherlandish | Renaissance


(Northern) | Wood | Netherlands. | ©Kathleen Cohen. Disponível em: <http://worldart.sjsu.edu/
VieO39018?sid=3199&x=2136780>. Acesso em: 6 fev. 2012.

Figura 11

marx‑eng5.JPG. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/marx/photo/art/marx‑eng5.jpg>.


Acesso em: 6 fev. 2012.

Figura 12

engl1234.JPG | BRITISH Anonymous|Luddite uprising of 1812 at Rawfold’s Mill in Gomersal.


|1812|British|Illustration|©Kathleen Cohen | Gomersal. West Yorkshire. England. | ©Kathleen
Cohen. Disponível em: <http://worldart.sjsu.edu/VieO68837?sid=3062&x=2138091>. Acesso em:
6 fev. 2012.

Figura 13

gramsci.JPG. Disponível em: <http://www.marxists.org/glossary/people/g/pics/gramsci.jpg>. Acesso em:


6 fev. 2012.

REFERÊNCIAS

Textuais

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. M. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna,


1999.

BIRARDI, A.; CASTELANI, G. R. Desmistificando Maquiavel – ensaios acerca de sua história, obras e
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Informações:
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