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Sobre Comportamento

e Cognição
( > o /)// / 6 u / \ ' õ e s p a r a a G o n s / r u ç ã o <Ja O f e o r i a d o G o m p o r í a m e n i a

O rganizado p o r Jfélio tfosé Q uil/iardi


JlCaria J ie a /riz ‘JSarf)osa t7 i n/i(t JíCaili
7 }a M cia O^iazzon (2 ueiroz
'JlCai'ia Claro fina <^coz

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento
e Cognição
Contribuições para d Construção dd Tcorid do
Comportdmento

Volume 10
O rtfiini/iii/o po r h iclio José C/uilfhmfi
M iirn i lk \itriz Itürbosü Pinho M d d i
Pdtrícid PUizzon Queiroz
M iiru i C'iiroliihi Scoz

Hélio José Guilhardi «Almir Del Prette • Amauri Gouveia Jr • Ana Lúcia Cortegoso • Ana Maria Ló Sónechal-
Machado • Angélica Capelari • Armando R. das Neves Neto • Donald M. Baer • Cacilda Amorim • Cilene
Rejane Ramos Alves • Denis Roberto Zamignani • Denise Cerqueira Leite Heller • Edwiges Ferreira de
Mattos Silvares • Eliane de Oliveira Falcone • Érica Maria Machado Santarém • Gimol Benzaquen Perosa
• José Antônio Damásio Abib • Joselma Tavares Frutuoso • Laércia Abreu Vasconcelos • Letlcia Furlanetto
• Lúcia Cavalcanti de A. Williams • Makilim Nunes Baptista • João Vicente de Sousa Marçal • Marcelo
Beckert • Maria Amalief Andery • Maria da Graça Saldanha Padilha • Maria Tereza Araújo Silva • Marilza
Mestre • Neury José Botega • Neuza Corassa • Nilza Micheletto • Patrícia Piazzon Queiroz • Paulo Sergio
T. do Prado • Rachel Rodrigues Kerbauy • Renata F. Bazzo • Renério Fráguas Júnior • Ricardo Corrôa
Martone • Rosana Righetto Dias • Sandra Leal Calais • Solange L. Machado • Suely Sales Guimarães •
Tereza Maria de Azevedo Pires Sério • Vanise Dalla Vecchia • Vera Regina L. Otero • Yara K. Ingberman •
Zilda A. Pereira Del Prette_____________________________________________________________

ESETec
Editores Associados
2002
( 'opyright O desta edição:
F.SKTec Kdifores Associados, Santo André, 2002.
Todos os direitos reservados

Guilhardl, Hélio José, et al.

Sobre Comportamento e Cogniçflo: Contribuições para a Construção da Teoria do


Comportamento. - Org. Hélio José Guiihardi. 1* ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados,
2002. v.10

410 p. 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ISUN -

ESETec Editores Associados

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente editorial: Jussara Vince Gomes
Capa original: Solange Torres Tsuchiya
Projeto gráfico original: Maria Claudia Brigagão
Equipe de preparação: Maria Eloisa Bonavita Soares Piazzon,
Noreen Campbell de Aguirre
RJtSntBO Orat^gramaçào: Erika Horigoshi

Revisão ortográfica e gramatical: Maria Rita J. Martini Del Guerra

Solicitação dc exemplares: esetír^uol.com.hr


Rua Catequese, 845 - Bairro Jardim Santo André SI’
CEP 09090-710
Tcl. ( I I ) 4990 5683/4432 37 47
www.esetee.com.br
"É exato que as ciências comportamentais
ainda não cumpriram a promessa que fizeram...
O que está faltando è uma teoria coerente do comportamento humano”
Skinner, B. F. (1978) Reflections on Behaviorism and Society, p. 94.
Com a publicação deste volume estamos oferecendo a nossa contribuição.

Este livro é dedicado a todos aqueles que se


interessam pela análise comportamental e que
compõem a nossa “audiência"... Porque “uma audiência
é uma variável independente negligenciada. Aquilo que uma
pessoa diz é determinado, de um modo muito importante, pela
pessoa para quem ela está dizendo".
Skinner, B. F. (1987). (Jpon Further Reflection, p .156
S u m á r io

Tudo se deve às conseqüências.......................................................................... xi

Capítulo 1 - A nálise do com p o rta m e n to e c o o p e ra tiv a s de tra b a lh o :


produçã o de c on hecim en to, e n sin o e tra n s fo rm a ç ã o de
conhecimento em atuação profissional
Ana Lucia Cortegoso (UFSCar)......................................................... 01

Capitulo 2 - A manipulação no contexto clinico


Ana Maria Lé Sénéchal - Machado (UFMG)........................................ 16

Capítulo 3 - Modelos animais de psicopatologia: depressão


Angélica Capelari (USP/UMESP)...................................................... 24

Capitulo 4 - Terapia Cognitivo-Comportamental na Psicologia da Saúde


Armando Ribeiro das Neves Neto (UNIFESP - EPM/AMBAN-IPQ-
HCFMUSP/lnst. Neurológico de São Paulo/Hospital Beneficência
Portuguesa)...................................................................................... 29

Capítulo 5 - Q uando e s p e ra r (ou não) pela c o rre s p o n d ê n c ia en tre


comportamento verbal e comportamento não-verbal
Cacilda Amorim (USP/PUCSP) e Maria Amalia Andery (PUCSP)....... 37

Capítulo 6 - Modelos animais de psicopatologia: esquizofrenia


Cilene Rejane Ramos Alves e Maria Teresa Araújo Silva (USP).......... 49

Capítulo 7 - Anorexia nervosa: etiologia e estratégias de enfrentamento


Denise Cerqueira Leite Heller (UTP).............................................. 61

Capítulo 8 - Avaliando programas de autismo: um caso especial de avaliação


de programa*
Donald M. Baer (University ofKansas)............................................... 69
Capítulo 9 - Família, enurese e intervenção clinica comportamental
Edwiges Ferreira de Mattos Silvares.................................................. 79

Capitulo 10 - Contribuições para o treinamento em habilidades de interação


Eliane de Oliveira Falcone (UERJ)...................................................... 91

Capitulo 11 - Modelos animais de psicopatologia: Transtorno Obsessivo-


Compulsivo
Érica Maria Machado Santarém (Univ. São Francisco-IT)...................105

Capitulo 1 2 - Suporte psicológico a gestantes portadoras de fetos com


diagnóstico de malformação
Gimol Benzaquen Perosa (UNESP-Botucatu).................................. 113

Capítulo 13 - Ética de Skinner e metaética


José Antônio Damásio Abib (UFSCar)............................................... 125

Capitulo 1 4 - 0 ensino da análise do comportamento: da prática à teoria


Joselma Tavares Frutuoso (UFSC)..................................................... 138

Capítulo 15 - Análise comportamental do transtorno de déficit de atenção e


hiperatividade: implicações para avaliação e tratamento
Laércia Abreu Vasconcelos (UnB)......................................................144

Capitulo 16 - Abuso sexual infantil


Lúcia Cavalcante de Albuquerque Williams (UFSCar/LAPREV)..........155

Capítulo 17 - Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): principais caracte­


rísticas, histórico, prevalência, comorbidade e tratamento
Makilim Nunes Baptista (UNIFESP/Univ. Brás Cubas/Centro Univ.
Hemiínio Ometto - Araras), Rosana Righetto Dias (UNICAMP/Centro
Univ. Hermlnio Ometto - Araras) e Sandra Leal Calais (PUCCamp/
UNESP-Bauru)................................................................................ 165

Capítulo 18 - Psicologia do esporte no contexto escolar


João Vicente de Souza Marçal (IBAC/UniCEUB)................................ 175

Capitulo 1 9 - Correspondência: quando o objetivo terapêutico ó o “ digo o


que faço e faço o que digo"
Marcelo Beckert (IBAC)..................................................................... 183

Capítulo 20 - Notas sobre a atualidade de ciência e comportamento humano


Maria Amalia Andery (PUCSP), Nilza Micheletto (PUCSP) e Tereza
Maria de Azevedo Pires Sério (PUCSP)............................................. 195
Capítulo 21 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: considerações
sobre os fa to re s an teced ente s e sua im p o rtâ n c ia na
prevenção
Maria da Graça Saldanha Padilha (UTP)....................................... 209

Capítulo 22 Mediadores no sucesso da psicoterapia comportamental


Marilza Mestre (UFPR/CPEM/USP/UTP) e Neuza Corassa (UTP/
PUCPR/CPEM)............................................................................ 221

Capitulo 23 Depressão no paciente acometido por outras doenças


Neury José Botega (FCM UNICAMP), Letícia Furlanetto (UFSC)
e Renório Fráguas Jr. (Inst. de Psiquiatria FMUSP)......................... 229

Capítulo 24 Passados 30 anos: “ os princípios comportamentais servirão


para os revolucionários?”
Nilza Micheletto (PUCSP) e Tereza Maria de Azevedo Pires Sério
(PUCSP)....................................................................................... 241

Capítulo 25 Redução da agressividade e hiperatividade de um menino


pelo manejo direto das contingências de reforçamento: um
estudo de caso conduzido de acordo com a Terapia por
Contingências
Patrícia Piazzon Queiroz e Hélio José Guilhardi (Inst. de Análise
do Comportamento - Campinas)................................................... 249

Capítulo 26 Pode o paradigm a de eq uivalê ncia fu n dam enta r uma


compreensão comportamental do conceito de número?
Paulo Sérgio Teixeira do Prado (UNESP- Marllia)......................... 271

Capitulo 27 Contribuição da FAP e pontos a esclarecer


Rachel Rodrigues Kerbauy (USP)................................................. 281

Capítulo 28 A presença da pesquisa em Farmacologia e Fisiologia no


J E A B - 1957-2000
Renata F. Bazzo (FC/UNESP - Bauru) e Amauri Gouveia Jr.
(UNESP-Bauru).......................................................................... 284

Capítulo 29 Esquizofrenia: a análise do comportamento tem o que dizer?


Ricardo Corrêa Martone (Psicólogo clinico) e Denis Roberto
Zamignani (Psicólogo cl/nico)...................................................... 305

Capítulo 30 Estresse e doença crônica


Rosana Righetto Dias (UNICAMP/Centro Univ. Hermlnio Ometto
- Araras), Makilin Nunes Baptista (UNIFESPICentro Univ.
Hermlnio Ometto - Araras) e Sandra Leal Calais (PUCCamp/
UNESP-Bauru)............................................................................ 317

ix
Capítulo 31 - A manipulação coercitiva nas relações interpessoais
Solange L. Machado (UTP)........................................................... 325

Capítulo 32 - Uso gradual de exposição e prevenção de respostas para


portadores de Transtorno Obsessivo-Compulsivo resistentes
à medicação
Suely Sales Guimarães (UnB)...................................................... 349

Capítulo 33 - Obesidade mórbida - aspectos clínicos


Vanise Dalla Vecchia.................................................................... 356

Capítulo 34 - Peculiaridades do atendimento psicoterápico do portador do


transtorno “ Bordeline” de personalidade
Vera Regina Lignelli Otero (Clínica ORTEC - Ribeirão Preto-SP) 361

Capítulo 3 5 - 0 atendimento a pais de crianças em psícoterapia: orientação


ou terapia?
Yara Kuperstein Ingberman (UFPR).............................................. 369

Capítulo 36 - Transtornos psicológicos e habilidades sociais


Zilda Aparecida Pereira Del Prette e Almir Del Prette (UFSCar)... 377
Tudo se deve às conseqüências...

Os volumes 9 e 10 da coleçào Sobre Comportamento e Cognição reúnem uma amostra


abrangente do que foi apresentado no X Encontro Anual da ABPMC em 2001. No final de
uma década de Associação, são claros os produtos da organização anual dos Encontros:
maior número de trabalhos publicados, por um número crescente de diferentes estudiosos
do comportamento, para uma audiência progressivamente mais numerosa. Os dados parecem
indicar que devem ter operado na comunidade dos comportamentalistas contingências
reforçadoras positivas. Mas, quem reforçou quem? A audiência com certeza reforçou o
comportamento dos expositores. Os expositores, por sua vez, reforçaram o comportamento
da audiência. Todos reforçaram todos? Todos se sentiram reforçados? Que bela circularidadel
“O comportamento positivamente reforçado é em geral acompanhado por um estado que
descrevemos dizendo que estamos fazendo 'o que queremos fazer', ‘gostamos de fazer' ou
’amamos fazer'.” (Skinner, 1989, 1995 p. 105).’ Quem participou ativamente dos Encontros
da ABPMC poderia dizer: Skinner descreveu muito bem o que se viveu nessas ocasiões.
Imediatamente antes da criação da Associação e de seu produto mais conspícuo, os
Encontros anuais, a comunidade comportamental estava exageradamente retraída. Tal
retraimento só era interrompido nos Congressos e nas publicações mais abrangentes, onde
os trabalhos comportamentais eram apresentados em meio aos de outras orientações e de
outras áreas, como se viu na SBPC, nas Reuniões Anuais da Sociedade de Psicologia de
Ribeirão Preto e da Sociedade Brasileira de Psicologia, nas publicações destas sociedades
e em revistas de diferentes instituições cientificas. Não havia, no entanto, à época, nenhum
veiculo especifico para organizar a produção comportamental e permitir sua expressão de
forma mais sistematizada. Os Encontros da Associação adquiriram a função de uma eficaz
operação estabelecedora, capaz de mobilizar para a ação todos os níveis da comunidade
comportamental. Eles permitiram, ainda mais, que os comportamentos de seus organizadores
e participantes funcionassem como poderosos estímulos discriminativos e reforçadores
condicionados generalizados para as classes comportamentais: comparecer aos Encontros,
apresentar trabalhos e publicá-los, como jamais se viu antes no ambiente comportamental
brasileiro. A análise comportamental chegou a sua maturidade, que pode ser caracterizada
pelos seguintes critérios: 1. Maior

'Skinner, B. F. (1989. 1995).


Questões Recentes nu Análise Comportamental Campinas: Papirua

xi
aproximação entre a comunidade acadêmica e a aplicada; 2. Realização de trabalhos
conjuntos entre psiquiatras e psicólogos comportamentalistas; 3. Convivência harmoniosa
entre os psicólogos cognitivo-comportamentais e os behavioristas radicais, sem perda das
respectivas identidades; 4. Extensão dos trabalhos aplicados para as múltiplas áreas da
comunidade: clinica, escola, hospital, trânsito, posto de saúde, empresa etc.; 5.
Desenvolvimento de pesquisa de temas teóricos; 6. Desenvolvimento de pesquisa básica
com animais e humanos; 7. Desenvolvimento de pesquisa aplicada; 8. Desenvolvimento de
maneiras de trabalhar voltadas para a comunidade brasileira; 9. Realização por 10 anos
sucessivos do Encontro Anual da ABPMC com crescente participação de público e de
apresentação de trabalhos; 10. Aumento significativo de publicações, incluindo os volumes
da coleção Sobre Comportamento e Cognição b uma revista especializada Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva. Em todos os itens mencionados, o que melhor
caracterizou cada um deles foi a prevalência de contingências reforçadoras positivas para
instalação e manutenção dos comportamentos dos estudiosos e para o desenvolvimento
das relações entre todos os profissionais. O pressuposto básico é que não basta apenas se
comportar, mas deve-se fazê-lo sob contingências reforçadoras, minimizando os controles
coercitivos e eliminando os repertórios de fuga-esquiva. Há que se comportar e sentir prazer
naquilo que se faz; sentir liberdade ao fazer o que se faz. Todos sabemos quais contingências
produzem tais sentimentos. Dediquemo-nos a elas.

Hélio José Guilhardi


Presidente da ABPMC
Gestão 2000/2001

xii
Capítulo 1
A nálise do comportamento e cooperativas
de trabalho: produção de conhecimento,
ensino e transformação de conhecimento
em atuação profissional

Ana Lucia Cor/egoso '

Que contribuições pode a AnAllse do Comportamento oferecer pura o desenvolvimento de organizações de trabalho no
contexto de Economia SolldAria, considerando o conhecimento diBponlvel e as perspectivas abertas pela concepção de
tiomem o de cultura que Skinner ilustra em seu romance Walden Two? Respostas Inicial» para esta pergunta foram obtidas
a partir da InverçAo de docentes, alunos e profissionais psicólogos em uma incubadora universitária de cooperativas
populares Integrando atividade de ensino, pesquisa e extensAo, foi possivel identificar perguntas de pesquisa e necessida­
des de intervenção que constituíram oportunidades significativas para a capacitação de alunos, futuros profissionais em
Psicologia, e oferta de contribuições concretas para lidar com o processo de incubação de cooperativas de trabalho em uma
perspectiva multidiscipllnar e multiprofissional. Apoio a grupos incubados, com assessorla para atividades especificas e
partlcIpaçAo em equipes de incubação; análise e programação de contingências para a Incubadora, na forma de procedlmon-
tos e instrumentos de trabalho e de organlzaçAo Interna que foram propostos, desenvolvidos, implementados e avaliados;
apoio a mediadores no processo de incubação, por n>eio da identificação e descrição de comportamentos de indivíduos e de
organizações e de proposiçAo de recursos favorecedores dos comportamentos dos mediadores e produçAo de conhecimento
sobre estes e outros aspectos de interesse no processo de geração e funcionamento de cooperativas populares de trabalho
correspondem a tais contribuições.

Palavras-chave, cooperativas de trabalho, contingências organizacionais; comportamentos em organizações.

What kind of contributions can Behavior Analysis offer to the development of work organizations in the context of Solidary
Economy, considering the available knowledge and the perspective showed by the human being and culture conceptions that
Skinner illustrates in his romance, Walden Two? Preliminary answers to this question were produced from Psychology
teachers, graduates and professionals Insertion in a university incubator of popular work cooperatives. By the articulations
of teaching, research and professional intervention, it was possible to identify research questions and Intervention necessities
which were relevant opportunities to prepare students, as future professionals, as much as offer concrete contributions to
doal with the Incubation process of work cooperatives In a multidisciplinary and multi-professional perspective. Support to
incubated groups, with counseling to specific activities and participation in incubation times; analysis and programming
contingencies to the incubator, in form of procedures and means for work and for internal proposed organizations, were
developed, implemented and evaluated; support to mediators In the Incubation process, by Identification and descriptions of
individuals and organizations behaviors, and proposition of mediators behavior and knowledge production about this and
another interesting aspects In the generations and operation of popular work cooperatives promoting conditions are such
contributions.

Key words work cooperatives, organizational contingencies, behavior In organizations

(t ABOR-t aboratrtrlo d* Paicologla Organiiacional. D*p«rijin>*nto da Ptlcotogia da IJntvantdade Federal de SAo Carlo*)

Sobrr (.'omportamcntur Cogniçdo 1


Cooperativas de trabalho como alternativa à forma tradicional de organização do
trabalho no âmbito capitalista...
A expressão "cooperativa de trabalho" tem sido utilizada com significados
diferentes, assim como existem diferenças na organização e na prática encontradas em
situações concretas, justificando um esclarecimento inicial sobre o tipo de organização a
que faz referência este trabalho.
São consideradas como objetos de interesse, neste contexto, cooperativas que
se pautam, efetivamente, por um conjunto de princípios doutrinários reconhecidos como
definidores de organizações que fazem jus a esta denominação, e que se diferenciam de
outras iniciativas que apenas se apropriam desta denominação. As “coopergatas", como
costumam ser conhecidas as "falsas cooperativas”, são empreendimentos que, em busca
dos benefícios legais previstos para a criação e funcionamento de cooperativas, são criados
e funcionam de forma a tornar ainda mais precárias do que usualmente as condições de
trabalho para os seus - apenas teoricamente - sócios. Tais organizações, usualmente,
mantêm ou mesmo agravam os aspectos mais perniciosos das relações trabalhistas muito
frequentemente presentes em empresas baseadas na separação entre capital e trabalho,
e ainda suprimem os direitos trabalhistas que, pelo menos teoricamente, são garantidos
pela legislação para trabalhadores com vínculos empregatícios.
Conhecidos pelos que têm familiaridade com a proposta cooperativista, e
apresentando algumas variações na maneira como são formulados conforme a fonte
utilizada, constituem princípios da proposta cooperativista "genuína" (Veiga e Fonseca,
2001)
- adesão livre e voluntária, estando este tipo de empreendimento abert
todas as pessoas aptas a usar seus serviços e dispostas a aceitar as responsabilidades
de sócio, sem discriminação social, racial, política ou religiosa e de gênero;
• controle democrático pelos sócios, em relação ao estabelecimento de políticas e
tomada de decisões, sendo usual a igualdade na votação, ou seja, a cada sócio
corresponde um voto;
• participação econômica equitativa dos sócios, segundo o qual os sócios contribuem
eqüitativamente para o capital da cooperativa, se houverem juros sobre o capital, eles
são limitados, e as sobras são destinadas ao desenvolvimento das cooperativas, de
acordo eom deliberações dos sócios;
• autonom ia e independência (auto-gestão), de acordo com o qual mesmo
estabelecendo acordos operacionais com outras entidades, inclusive governamentais,
a cooperativa deve preservar o controle democrático pelos sócios e sua autonomia;
• com promisso com educação, treinamento e informação dos membros, para
desenvolvimento das operações cooperativas e da comunidade em relação ao
cooperativismo;
• cooperação entre cooperativas, visando o fortalecimento delas e das atividades
econômicas em questão;
• preocupação com o desenvolvimento sustentável da comunidade, por meio de
políticas aprovadas pelos membros.

í A na l.ucia Cortc#o*o
Ainda que formulados de modo genérico, estes princípios estabelecem limites e
possibilidades para organizações que se apresentam como esforço de resistência à
exclusão que resulta da organização econômica e social vigentes, independentemente de
representarem iniciativas com potencial para enfrentar tal organização. Constitui, neste
sentido, uma exigência de produção de conhecimento capaz de amparar, ao menos, as
tentativas de construção de alternativas ao modelo predominante de relações de trabalho
e humanas em geral. Ainda que o papel do movimento cooperativista, em termos de sua
condição para enfrentar a realidade social e econômica vigente, seja um assunto polêmico
e objeto de exame no âmbito político e científico.
Os princípios cooperativistas equivalem, pela generalidade de sua formulação, e
pela mobilização afetiva que geram, a palavras de ordem, estando subjacentes a eles um
conjunto de valores. Ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e
solidariedade, honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação com
seu semelhante, expressões usualmente utilizadas para expressar tais valores são, contudo,
elas próprias, excessivamente genéricas para definir os contornos de tais empreendimentos
humanos e, por isso, insuficientes para orientar as ações envolvidas com a criação,
implementação e avaliação deste tipo de organização. Em outras palavras, um provocante
desafio de pesquisa para uma psicologia comportamental.

Formando profissionais para lidar com necessidades sociais


O exame da proposta cooperativista justifica-se de vários pontos de vista:
econômico, social, político... No âmbito da Psicologia, alguns motivos para interesse
sobre este tipo de empreendimento podem ser destacados.
Uma ainda presente limitação de profissionais de nível superior para atuar e para
promover atuações orientadas pela concepção de campo de atuação profissional, mais do
que pelo mercado de trabalho (Rebelatto e Botomé, 1999) é uma destas razões. A despeito
do tempo decorrido desde considerações já históricas sobre a relevância de preparar
profissionais para identificar necessidades e possibilidades de atuação profissional, propor
alternativas e implementar intervenções considerando as necessidades sociais existentes e
o conhecimento disponível, e não para buscar empregos, mesmo considerando alguns avanços
nesta direção, ainda parece insuficiente o que foi possível modificar, substancialmente, na
formação em nível de graduação e, consequentemente, na realidade existente.
A possibilidade de lidar com cooperativas de trabalho constitui, neste sentido,
circunstância potencialmente favorecedora de formação de psicólogos mais preparados
para atuar sob controle de necessidades sociais, propondo alternativas de atuação
profissional para atender tais necessidades, e preparo de psicólogos empreendedores,
capazes de gerar oportunidades de trabalho para outros e não apenas (e quando muito)
competentes para garantir seus próprios empregos.

O conhecimento disponível sobre organizações cooperativas no âmbito da Análise


do Comportamento...
Outro tipo de justificativa para estudar e intervir no processo de criação e
funcionamento de cooperativas está relacionado ao conhecimento que vem sendo produzido

Sobre Comporldmenlo c CoRtilçÜo 3


no âmbito da Análise do Comportamento e os desafios que têm se configurado, em termos
de lacunas neste conhecimento. Assim como um certo sonho de um outro tipo de vida
para esta espécie.
A obra Walden Two, de Skinner (1948/1972), teve papel importante como inspiração
para muitos pesquisadores que não a compreenderam como obra de ficção ou como
anúncio do Apocalipse. Ainda que escrito em um momento em que muitas das descobertas
atuais sobre o comportamento humano não podiam sequer ser previstas, o romance facilita
compreender o significado de descobertas da Análise do Comportamento, mesmo mais
atuais. As considerações de Sidman, em seu livro Coerção e suas implicações (1989/
1995), acerca da possibilidade de uso de formas de controle comportamental não coercitivo
e da importância de não compreensão da coerção como "natural" ou inevitável, clareiam-
se diante da utopia skinneriana, que permite mergulhar em uma forma alternativa de
organização das relações humanas e, de dentro dela, acolher outras possibilidades, mesmo
reconhecendo os limites que apresentam e as dificuldades concretas para implementá-
las. Walden Two constitui, ainda hoje, fonte de encantamento e de esperança, que a
impossibilidade de estar em um outro mundo que não este tempera com algumas dúvidas
e, tantas vezes, com uma forte sensação de impotência, mas não consegue eliminar. A
provocação para produzir dados empíricos que a obra faz, contudo, talvez seja sua maior
relevância.
A comunidade de Los Horcones, no México, constitui demonstração viva deste
valor, e da possibilidade de outras formas de organização social. Afinal, e a despeito das
dificuldades, lá estão eles, vinte e vários anos depois, construindo possibilidades por meio
dos mesmos princípios que orientam, nos mais diversos laboratórios de Análise do
Comportamento que se espalham pelo mundo, investigações sobre diferentes fenômenos
e variáveis. E, em algum grau, indo além deles, à medida que tomam a si mesmos como
oportunidade permanente de investigação empírica.
Do ponto de vista formal, Los Horcones se estabeleceu, considerando a legislação
Mexicana, como uma cooperativa, sendo esta sua identidade legal. Como coletividade,
ela também adota "princípios” e Valores", expressos pela própria comunidade ao se
caracterizar como uma cultura:
• baseada na cooperação, não em competência;
• fundada na igualdade, não na desigualdade ou discriminação;
• com uma o rg a n iz a ç ã o não h ie rá rq u ic a , aberta a todas as pessoas
independentemente de sua idade, sexo, nacionalidade, religião, nível cultural ou
econômico etc.;
• baseada em compartilhar, não em apropriar-se;
• pautada no pacifismo, não na violência ou agressão;
• que respeita as crenças religiosas, desde que não sejam utilizadas para atacar,
discriminar ou competir com pessoas que tenham outras crenças;
• ecologicamente orientada;
• que busca a auto-suficiência em todos os aspectos possíveis.

4 Ana l.ucid Cortf#o*o


A comparação dos princípios cooperativistas e das características propostas para
Los Horcones evidencia semelhanças, tanto em relação às direções propostas quanto na
generalidade de formulação de seus princípios. Ambas convocam para a produção de
conhecimento e para a geração de contingências capazes de oferecer novas possibilidades
de relações pessoais a um mundo que esgota velozmente sua capacidade de sobrevivência
nos danos que causa aos indivíduos, à natureza e à espécie.

Uma Incubadora de Cooperativas Populares...


A partir de experiência iniciada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e já
compondo uma rede com pelo menos 14 unidades (Gonçalo, 2000), vêm sendo criadas
incubadoras universitárias de cooperativas populares. Com o propósito de produzir
conhecimento sobre o funcionamento de cooperativas de trabalho e sobre o processo de
incubação deste tipo de organização para o trabalho, e tendo como prioridade segmentos
economicamente excluídos da população, atuam nestas incubadoras docentes, alunos
de graduação e pós graduação e profissionais de diferentes áreas do conhecimento e
campos profissionais.
A partir do atendimento a solicitações apresentadas por grupos de indivíduos
interessados em organizar cooperativas populares ou por agências interessadas em
promover a formação de cooperativas ou por solucionar problemas sociais por meio desta
iniciativa (prefeituras, sindicatos etc.), ou ainda a partir de diagnósticos sobre necessidades
da população (mesmo não havendo nenhum solicitante), têm sido desenvolvidos processos
de incubação, bem como produzido e sistematizado conhecimento sobre aspectos diversos
deste processo.
Uma destas incubadoras foi criada na Universidade Federal de São Carlos, SP,
em 1999, a INCOOP, na qual tem sido possível contar com a participação de alunos,
profissionais e docentes de Psicologia, dentre outros. Tal participação tem possibilitado
identificar necessidades no âmbito desta área de conhecimento e desenvolver um conjunto
de atividades de pesquisa e de intervenção profissional como parte da formação de
psicólogos.
Constituem frentes de atuação em Psicologia, já identificadas nestas situações,
em relação a cooperativas de trabalho e à incubação de cooperativas populares:
1) Produção de conhecimento sobre cooperativas e sobre incubação de cooperativas;
2) Intervenções em situações diversas do processo de incubação de cooperativas.

Em relação a produção de conhecimento...


A identificação (ou por vezes proposição) de comportamentos que constituem (ou
devem constituir) uma organização tem se mantido como projeto permanente de pesquisa,
produzindo dados que podem ser considerados como fundamentais para que questões de
outra natureza possam ser adequadamente formuladas e para que sejam produzidas
respostas cientificamente satisfatórias para elas. No âmbito do ensino, a relevância de
anteceder a definição de como ensinar de uma adequada definição de "o quê" e "porque"
ensinar, tem sido enfaticamente defendida com base no conhecimento tornado disponível

Sobre Com portam ento e Cotfniváo 5


pela Análise do Comportamento. Skinner, principalmente em seu livro Tecnologia do Ensino
(1968/1972), talvez seja pioneiro nestas considerações mas, na década de 80 Botomó
(1981), e mais atualmente Zanotto (2000), fazem abordagens vigorosas a este problema.
O mesmo tipo de equívoco (apontado por Melchior, 1987, entre outros), de buscar
ou oferecer "soluções" antes mesmo de comprovar a existência de “problemas" e identificar
suas características e limites, ou ainda de prever como ensinar, sem saber o quê deve ser
ensinado ou, mesmo, de buscar respostas para a pergunta “como ensinar" sem tomar "o
quê" deve ser ensinado como objeto de estudo sistemático, pode ser observado em
situações como aquelas com as quais se deparam profissionais, docentes e alunos ao se
responsabilizar por processos de incubação de cooperativas populares.
Mesmo dispondo de um conjunto de princípios definidores do tipo de organização
que era desejável, e que a delineava quanto ao seu papel social, a comunidade de Los
Horcones identificou a necessidade de explicitar objetivos, com a perspectiva de que
fossem comuns - condição indispensável para que seja possível cooperar pelo bem comum.
Ainda que compreendida como uma lista a ser modificada - o que de fato ocorreu e tem
ocorrido no decorrer dos anos - este conjunto de objetivos servia para que os membros da
comunidade soubessem que tipos de condutas a comunidade desejava promover, que
tipos desejava reduzir ou eliminar. Deste conjunto de objetivos foi derivada uma lista de
condutas consideradas como comunitárias, acompanhada das razões pelas quais eram
consideradas apropriadas para a vida comunitária, e de “contra exemplos" - ou condutas
incompatíveis com as desejáveis. A comunidade estabeleceu, para si, um "código de
condutas".
Ao comentar o processo de desenvolvimento deste código (atualmente substituído
pelo código de contingências com unitárias), em sua página na Internet
(wvvWxl0^QrCQ^nes.0Ca,ril^C0djg0,Mrnl)1OS autores do texto ressaltam as dificuldades para
lidar com o código inicialmente formulado. Embora o código inicial ajudasse a prevenir
que cada membro interpretasse de forma particular cada objetivo, e fossem gerados conflitos,
o passar dos anos demonstrou ser este código insuficiente para produzir mudanças
duradouras no comportamento dos membros. Desta forma, a comunidade constatou que,
embora seus membros apresentassem condutas cooperativas, o faziam em condições
específicas (diante da presença de observadores, por exemplo) e nào em todas as situações
relevantes.
Um^exemplo como este, utilizado para ilustrar dificuldades encontradas na
comunidade, sugere ser tal dificuldade originada de um equívoco muito frequente, que é o
de tomar como referência classes de respostas como se fossem classes de
comportamentos - entendidas aquelas como o conjunto de ações equivalente de um
organismo, e estas como o conjunto de relações classes de estímulos antecedentes -
classes de respostas - classes de estímulos subseqüentes funcionalmente semelhantes.
Ainda que detalhadas, as descrições de condutas desejáveis inicialmente elaboradas
pela comunidade estavam, aparentemente, centradas nas respostas esperadas, e
enfatizavam a topografia destas respostas, quando na verdade o desejo da comunidade
era a de que os seus membros apresentassem determinadas respostas sob controle de
aspectos específicos (antecedentes e subsequentes) do ambiente. Ao substituir o código
de condutas pelo código de contingências comunitárias, a comunidade compôs para si
um referencial constituído de descrições de relações comportamentais desejáveis, nas

6 A na I ucia C ortejo*«
quais eram explicitadas não apenas as ações (ou classes de respostas) envolvidas, mas
as condições diante das quais estas ações eram esperadas, e as consequências ou
razões que deveriam mantê-las.1
A experiência de Los Horcones, em termos de construção de um conjunto de
normas verbais capazes de orientar a conduta de um conjunto de indivíduos que partilha
de alguns referenciais, colocou em evidência a necessidade de dispor de um conjunto
muito mais especifico de regras do que os princípios orientadores e mesmo do que a
enumeração de simples ações desejáveis no âmbito de uma organização com as
características pretendidas, para que fosse possível identificar e implementar contingências
comportamentais capazes de garantir a ocorrência e a manutenção destas condutas.
Tal como os objetivos, valores e características descritivas de Los Horcones, os
princípios cooperativistas são excessivamente genéricos para orientar a criação e a
implementação de cooperativas tal como as que são delineadas na proposta cooperativista.
Indagados sobre que condutas dos indivíduos são necessárias para que uma cooperativa
funcione apropriadamente, mediadores do processo de incubação apresentaram respostas
genéricas e diversificadas, apontando uma multiplicidade de interpretações e ênfases dentro
de uma mesma equipe de trabalho (Franchini, 2002). Tal situação evidencia a necessidade
de que as diferentes concepções sobre as condutas de interesse sejam afinadas, com
base em convenções mais específicas, e expressas em linguagem capaz de representar
adequado controle de estímulos para as condutas destes indivíduos ao participar de
processos de incubação de cooperativas. Dificuldades de funcionamento interno de uma
organização que pretende preparar indivíduos para atuar cooperativamente, mas que se
defronta com suas próprias limitações para atuar cooperativamente, mesmo considerando
definições amplamente aceitas de cooperação, confirmam a necessidade de investir na
busca de respostas sobre que comportamentos humanos constituem uma organização
do tipo cooperativa popular de trabalho.
A expressão "comportamentos humanos que constituem uma organização" tem,
subjacente a ela, a concepção de que organizações são comportamentos, em suas
complexas redes de relações - e não apenas os inclui ou contém. Neste sentido, apontar
para a necessidade de identificar que comportamentos são desejáveis em uma cooperativa
de trabalho corresponde a destacara necessidade de definir esta organização com qualidade
e especificidade capazes de gerar, em torno dela, um alto grau de acordo entre seus
membros sobre o que ela é ou deve ser, e que oriente suas ações de forma que ela se
torne viável como“empreendimento humano com determinados objetivos e função social.
Que comportamentos são esperados de uma cooperativa de trabalho, como
organização? Que comportamentos são esperados de cada um de seus membros? Que
comportamentos são esperados de uma organização que visa incubar cooperativas
populares? Que comportamentos são esperados de cada um dos membros de uma
organização que assuma tal responsabilidade, ao atuar no processo de incubação? Com
a mesma perspectiva apontada pela comunidade Los Horcones, que destaca a necessidade
de rever permanentemente, e a partir de conhecimento confiável produzido, as propostas
de quais são os comportamentos que produzem os resultados desejáveis para a

’O» conceito* de comportamento a contingência nfto Mo uMi/adoa de forma Itomogânea no âmbito da AnAHite do Comportamento Emborn relevante esta
ditcuMâo nâo terá feita neate contexto Deete modo, o termo conttngéncM eali tendo utM/ado de acordo oom o uio leito dele em texto da comunidade Los
Horoone» em que eete awunto 6 abordado

Sobrr 1'omport.imrntor ('ognipio 7


organização, tem sido realizado um trabalho de identificação de comportamentos
potencialmente relevantes para estes diferentes níveis, a partir de diferentes fontes
disponíveis. Descrições destes comportamentos, em termos de classes de respostas,
condições diante das quais estas classes são esperadas (classes de estímulos
antecedentes) e resultados, efeitos e produtos desejáveis destas ações (ou classes de
estímulos subseqüentes), bem como análises de comportamentos em termos de seus
comportamentos mais específicos, têm sido elaboradas, e constituem contribuição tanto
para a compreensão dos processos envolvidos com a constituição e funcionamento de
cooperativas, quanto para o trabalho da incubadora.
Até o presente momento, o esforço por identificar condutas de interesse no âmbito
da organização cooperativa de trabalho e de analisar estas condutas em outras mais
específicas que as compõem, possibilitou estabelecer um ponto de partida que parece ser
mais apropriado para formular perguntas de pesquisa e para elaborar propostas de
intervenção do que as expressões usualmente utilizadas para definir características e
finalidades de tais organizações.
Quatro grandes categorias de comportamentos envolvidos no complexo processo
de geração e funcionamento de cooperativas atendidas por uma incubadora como a
INCOOP, foram propostas como relevantes para estudo: condutas de cooperantes (membros
de cooperativas); condutas de cooperativas como organizações com determinadas
características e finalidades; condutas de incubadoras de cooperativas com tais
peculiaridades e condutas de indivíduos que atuam como mediadores do processo de
incubação.
No caso de comportamentos de membros de cooperativas, foram identificadas
categorias de comportamentos relacionadas a três grandes subcategorias: comportamentos
relativos à avaliação de viabilidade da cooperativa, comportamentos relativos à implantação
da cooperativa e comportamentos relativos ao processo de constituição e funcionamento
da cooperativa. No âmbito desta última subcategoria, foram identificados comportamentos
de indivíduos em alguns âmbitos: administrativo, profissional, pessoal e de relações
interpessoais. Em relação a cada uma destas novas categorias, foram identificados
comportamentos, gerais e específicos, produzindo um “mapeamento” de comportamentos
humanos e organizacionais considerados como significativos para o adequado funcionamento
de uma cooperativa e de uma incubadora universitária, com os objetivos propostos para
estas organizações.
Para grande parte dos comportamentos identificados, foi possível ainda elaborar
definições compatíveis com a noção de comportamento como relação ambiente-organismo,
tal como ilustrado no Quadro 1.
Outros estudos têm sido desenvolvidos, na perspectiva de produção de
conhecimento sobre os objetos de interesse da Psicologia no âmbito da Incubadora. Cinco
estudos sistemáticos foram iniciados por alunos de graduação em Psicologia no âmbito
da INCOOP, e três deles encontram-se já concluídos: um deles, voltado para a investigação
de condições favorecedoras e desfavorecedoras de comportamentos verbais indesejáveis
em cooperativas, com informações obtidas por meio de entrevistas com cooperantes e
mediadores do processo de incubação (Vieira, 2001); outro, investigando relações entre
aspectos do comportamento de mediadores em reuniões do grupo em incubação e
propriedades de processos decisórios em cooperativas, a partir de informações obtidas

8 A na Lúcia CorteRtKo
Quadro 1. Descrição da classe de comportamentos de membros de cooperativas populares
em seus elementos componentes

Diante de... 0 que fazer Com os seguintes resultados,


efeitos, produtos
• Quaisquer situações em que haja
necessidade ou oportunidade de • acesso às informações garantido
comunicação no âmbito da COMUNICAR-SE para o(s) interlocutor(es)
cooperativa COM OUTROS • possibilidade de continuidade da
* Características do(s) Interlocutor(es) COOPERANTES comunicação com probabilidade
• Características da informação a ser aumentada
transmitida/ assunto a ser tratado
• Objetivos a serem atingidos com a
comunicação
• Condições disponíveis para a
comunicação

por meio de observação de situações de tomada de decisão mediadas em cooperativas


(Cia, 2001); o terceiro, buscando identificar relações entre aspectos da organização do
trabalho (funções fixas x rodízio de funções) sobre satisfação do trabalhador, com
informações obtidas a partir de entrevistas com cooperantes (Ferreira, 2001). Um dos
trabalhos ainda em desenvolvimento pretende avaliar a eficácia de uma estratégia de
construção de código de conduta cooperativa como condição para promover comportamentos
cooperativos e o outro identificar variáveis favorecedoras e desfavorecedoras de inserção
de novos membros em grupos já constituídos.

Em relação a intervenções junto a grupos incubados...


Em termos de intervenções diretas no processo de incubação de cooperativas,
elas têm se dado nas formas de: a) apoio a grupos de trabalho no âmbito de cooperativas,
b) participação em equipes multiprofissionais e multidiscipinares de incubação e c) apoio
para o funcionamento da incubadora como organização.

Apoio a grupo dae trabalho de uma cooperativa de limpeza e zeladoria.


A cooperativa atendida, que já mantinha um grupo de cooperantes realizando
atividades de limpeza no restaurante da instituição contratante (uma universidade), passou
a ocupar postos de trabalho em um serviço de apoio ao ensino de graduação nesta mesma
instituição, realizando atividades de agendamento de solicitações de equipamentos
audiovisuais de docentes e alunos para atividades didáticas, transporte, instalação e
manutenção destes equipamentos, controle de empréstimo, utilização e devolução de
equipamentos, controle das condições ambientais de salas de aula etc.
Considerando a novidade do serviço mesmo para a contratante do serviço e a
inexistência de experiência anterior com as atividades requeridas para funcionamento do
serviço, o grupo de trabalho necessitou de apoio para organizar o desenvolvimento das
atividades e mesmo para interagir com a contratante ao definir responsabilidades e

Sobre Comportamento c Co^niçAo Ç


procedimentos. Para tanto, foram realizadas, com a participação de alunos do curso de
graduação em Psicologia, sob supervisão, atividades como: identificar dificuldades no
desenvolvimento das atividades e na interlocução com a instituição contratante, propor e
apoiar implantação de procedimentos e materiais para execução e avaliação das atividades
(reserva de equipamentos, controle de entrega e recebimento etc.), criar condições para
capacitação do grupo na realização das atividades, criar condições para a adequada inserção
dos membros do grupo de trabalho que passaram a fazer parte da cooperativa em função
das exigências de formação académica imposta pela contratante para ocupação dos postos
de trabalho etc.

Participação em equipes de incubação


Juntamente com alunos e docentes de outros campos profissionais e áreas do
conhecimento, alunos do curso de Psicologia, sob supervisão, participaram de processo
de incubação na condição de membro da equipe de incubação. Esta equipe, neste caso,
era responsável por desenvolver este processo, partindo de "etapas" gerais já delineadas
no âmbito da Incubadora a partir de experiências acumuladas, sendo que etapas mais
especificas, sequência de desenvolvimento de etapas, procedimentos e recursos envolvidos
na implementação do processo e no enfrentamento de problemas surgidos constituíram
objetos de definição e investigação.
Constituem etapas do processo de incubação, tal como proposto no atual estágio
de desenvolvimento da Incubadora: identificação e recrutamento de membros potenciais:
apresentação e sensibilização dos atores envolvidos: formação e consolidação do grupo
potencial para formação de cooperativa; capacitação dos participantes do grupo potencial
para o cooperativismo; escolha da atividade econômica; capacitação técnica dos membros
em relação à atividade econômica selecionada; capacitação administrativa dos membros
do grupo potencial ou constituído para autogestão; elaboração do estatuto; legalização da
cooperativa; assessoria para implementação das atividades da cooperativa; desincubação
da cooperativa. No desenvolvimento do processo de incubação, são realizadas atividades
como: planejamento de reuniões, coordenação de reuniões, preparo e execução de
treinamentos, apoio para organização do grupo e do trabalho etc.

Apoio à incubadora como organização


Em termos de atividades de apoio à incubadora como organização, foram
desenvolvidas algumas atividades: elaboração, implementação e avaliação de processo
de inserção de novos participantes na Incubadora; proposição e implementação de
sistemática de trabalho para a equipe: tipos de reuniões, objetivos, características,
procedimentos e instrumentos para realização de atividades etc.; identificação e descrição
de comportamentos da Incubadora, como relações entre ações e ambiente, de
organizações e de indivíduos, desejáveis no âmbito da proposta cooperativista e de
incubação de cooperativas populares de trabalho.
Quanto a processos de inserção de novos membros na Incubadora, foi proposta
uma sistemática que prevê um conjunto de atividades a serem desenvolvidas, algumas
permanentemente, outras de forma episódica (cadastro de interessados, apresentação da
incubadora, curso introdutório sobre cooperativismo e assuntos afins, triagem, treinamento

10 A na Lucid Corteno*o
em serviço, manutenção do interesse de alunos não aproveitados em projetos e avaliação
da sistemática), para as quais foram explicitadas a função e as características principais.
Uma síntese desta sistemática pode ser vista no Quadro 2.

Quadro 2. Sistemática de inserção de alunos na equipe INCOOP proposta como parte das
atividades de apoio ao funcionamento da incubadora pela equipe de Psicologia.
Atividade Função Características

Cadastro Facilitar a localização de pessoas Preenchimento de uma ficha com dadoB


do Interessados para compor equipes: orientar a pessoais, académicos e de interesse e
INCOOP na proposição de expectativas A ficha deve estar disponível nf
atividades de inserção de INCOOP e com os membros da equipe,
interessados quanto n época de permanentemente
ocorrência

Subsidiar interessados como Reuniôo breve, de aproximadamente duas


Apresentação da horas, com informações gerais, contexto em
divulgadores da INCOOP e para
INCOOP(2) que a INCOOP se insere, função,
sua decisão quanto ao tipo de
envolvimento que terá com o composição, atividades regulares, projetos dei
projeto incubação, possibilidades de participação de
interessados etc Apresentação de recursos
motivacionaís (filme) e disponibilização de
recursos para esclarecimentos conceituais
(textos)
Curso Introdutório Apresentar aos interessados
Desenvolvimento de atividades em módulos
sobre informações necessárias para
relativos a a) conceitos básicos e princípios
cooperativismo e tomada de decisões sobre
do cooperativismo, b) processo de incubaçAo
sobre a proposta da inserção, garantir capacitação
c) motivação e treino para trabalho em
INCOOP preliminar para participação em
equipe e junto a grupos; d) projetos
atividades; subsidiar equipes na
desenvolvidos e em desenvolvimento
triagem de alunos
Podendo ser feita apenas a partir do contato
Selecionar alunos a serem
Triagem entre equipes o alunos interessados ou com
convidados a participar, como
dmãmica(s) especlfica(s) adicionais, sempre
parte de uma equipe e na
envolvendo a equipe, com classificação de
condição de voluntário, do
todos os interessados
acompanhamento de um grupo
em processo de incubação

Completar a capacitação
Capacitação em Participação dos alunos em atividades
iniciada, levando em
serviço programadas, de nfvel crescente de
consideração o contexto
dificuldade, acompanhadas de forma a
especifico em que o trabalho é
garantir “dicas" e “feed-backs'' sistemáticos
desenvolvido, de modo a garantir
para desempenho desses individuos e
autonomia e adequado controle
condições para generalização das condutas
de estimulos para ações
relevantes para o processo de incubação
individuais e participação em
atividades coletivas

Avaliaç&o Subsidiar decisões da equ»pe Reunião geral com participantes de projetos,


do processo sobre processo de inserção de para discussão sobre o andamento do
novos alunos, sejam de processo, identificação de dificuldades e
manutenção, sejam de mudanças definição de encaminhamentos

Garantir a possibilidade de contar Informes, convites para participação em


Manutenção de
com a participação de pessoas já grupos de estudo, palestras, oficinas etc.
Interesse dos não
familiarizadas com a proposta em
inseridos em momentos futuros ou novos
projetos projetos

Sobrr Comportamento c Co^nlçAo 11


De acordo com a sistemática de inserção de alunos proposta, está previsto um
envolvimento gradual e uma capacitação crescente dos interessados. A sistemática prevê,
ainda, diversidade de tipos de participação e a manutenção de interesse e proximidade
dos indivíduos que buscam a Incubadora, mesmo quando a possibilidade de participação
destes indivíduos é restrita ou não imediata.
No Quadro 3 pode ser encontrada uma síntese da sistemática de reuniões proposta
para a equipe da Incubadora, como forma de apoio ao seu funcionamento.

Quadro 3 - Sistemática de encontros dos membros da INCOOP, em termos de tipos de


reuniões e suas características.

1. Reuniões gerais ordinárias de caráter deliberativo, com pauta previamente indicada


om convocação especifica, que deverão ocorrer quinzenalmente, salvo convocações
extraordinárias adicionais ou inexistência de assuntos que justifiquem sua ocorrência.
Nestas reuniões, além de informes (que deverão ser apresentados com brevidade, de
preferência selecionados de lista elaborada no inicio da reunião), serão discutidos e
encaminhadas questões com caráter de urgência, monitoramento dos projetos em
andamento, apreciação de propostas elaboradas em reuniões preparatórias e outros
assuntos considerados pertinentes pelos membros da Incubadora;
2. Reuniões gerais ordinárias de trabalho, preparatórias de reuniões deliberativas, com
temas de interesse da Incubadora, indicados em reuniões deliberativas. Tais reuniões
deverão ocorrer também quinzenalmente, altornadas com as do primeiro tipo (a monos
que seja necessária a ocorrência de reuniões deliberativas extraordinárias ou que o
desenvolvimento dos trabalhos de preparação exijam maior duração). Exemplos do temas
que requerem reunião ou organização de informações ou elaboração de propostas
preliminares: critérios para compor equipes responsáveis por incubação de grupos,
critérios para elaboração de orçamentos (incluindo existência e valores de bolsas
institucionais para alunos e docentes), critérios para aceitação ou identificação de
demandas, formas de operacionalização dos princípios do cooperativism o (no
funcionamento da Incubadora e om cooperativas), funções e limites de autonomia dos
diferentes participantes da Incubadora, procedimentos para geração de fundos, critérios
para utilização de recursos disponíveis, acesso ao conhecimento produzido a partir da
atuação da Incubadora. Em reunião deliberativa deverão ser estabelecidas prioridades
para o encaminhamento destes (e de outros temas que venham a ser acrescentados à
lista) em reuniões preparatórias.
3. Reuniões de equipe, para tratar de encaminhamentos relativos ao grupo atendido pela
equipe para incubação ou ao projeto pelo qual a equipe responde, com dinâmica,
periodicidade, data, assuntos e local definidos pela própria equipe, e indicados no quadro
de atividades da Incubadora.
4. Reuniões de grupos temáticos (de estudo ou trabalho), para atender a necessidades e
Interesses específicos de uma parte dos membros.
Observação: as diferentes reuniões deverão ser Indicadas em quadro destinado a esta
finalidade, devendo ser usadas cores correspondentes aos tipos de reuniões e grupos ou
projetos, de modo a favorecer sua identificação por todos os participantes da INCOOP.

12 And I ucid Cortftfoío


Diferentes tipos de reuniões, em termos de finalidade, condições e exigências
para ocorrência e participação, composição etc. foram previstos, de modo a possibilitar
uma articulação de atividades a serem desenvolvidas por um conjunto também diversificado
de pessoas, em termos de vinculação com a Incubadora, interesses, disponibilidades etc.
Favorecer processos de tomada de decisão com alto grau de acesso a informações por
parte de todos os potencialmente interessados e possibilidade de participação ampla, a
despeito das dificuldades práticas envolvidas na reunião de tal diversidade, foi um dos
objetivos estabelecidos e orientadores da proposta, ainda em implantação e teste.
O apoio ao funcionamento da incubadora se dá também em relação aos
mediadores que desenvolvem o processo de incubação junto aos grupos de cooperantes.
A proposição de recursos favorecedores de condutas de mediadores do processo
de incubação relevantes para instalar e manter condutas de cooperantes e da cooperativa
identificados como desejáveis no contexto da proposta cooperativista aplicada a cooperativas
populares de trabalho, constituiu o objetivo desta frente de intervenção com Psicologia na
Incubadora.
Tomando como base condutas de indivíduos identificadas como relevantes para a
participação em cooperativas populares de trabalho, foram elaboradas: a) descrições
comportamentais destas condutas e b) sugestões sobre como mediadores podem atuar,
ao interagir com grupos em processo de incubação, de forma a favorecer a instalação e
manutenção destes comportamentos.
A descrição comportamental dos comportamentos indicados como desejáveis,
com a explicitação não apenas de ações, mas das condições antecedentes (aquelas
diante das quais tais ações são desejáveis, ou estímulos discriminativos, e das que são
necessárias para a ação ocorrer) e das condições subsequentes (resultados, produtos ou
efeitos esperados destas ações) já constitui, por si só, uma contribuição para o trabalho
dos mediadores. Ao tornar explícitos os aspectos considerados relevantes na relação
comportamental, a descrição comportamental facilita a conferência do grau de concordância
sobre o fenômeno de interesse, a identificação de concepções diversas dentro da mesma
equipe e o estabelecimento de convenções mais apropriadas para orientar um trabalho
consistente, por parte dos mediadores, junto aos grupos. Um exemplo do tipo de descrição
elaborada foi apresentada no Quadro 1.
A esta contribuição foi acrescida a indicação de providências, de diferentes graus
de complexidade, que podem ser implementadas pelos mediadores, para promover, em
situações cotidianas ou formalmente conduzidas para esta finalidade, condutas desejáveis
dos membros do grupo para o adequado funcionamento de cooperativas.
No Quadro 4 são apresentados exemplos de procedimentos e providências
propostos como forma de orientação dos mediadores para que sejam promovidos
comportamentos de comunicação entre os cooperantes (e destes com outras pessoas),
um daqueles considerados como relevantes de serem apresentados por indivíduos que
participam de uma cooperativa, desde sua proposição até a implementação e administração
de seu funcionamento.

Sobrr Comportamento eCorti*v3o 13


Quadro 4. Exemplos de providências e procedimentos sugeridos aos mediadores para
instalar e manter comportamentos no âmbito da comunicação em cooperantes de grupos
em processo de incubação.

- em reuniões com o grupo de cooperantes, a) propor que todos se manifestem, dôem


suas contribuições para o encaminhamento do debate; b) fa*er perguntas ou comentários
sobre o assunto discutido; c) destacar a Importância de uma comunicação adequada
para o grupo.
- em reuniões com o grupo, pedir para que os próprios cooperantes se organizem em
grupos menores para discussão de determinado assunto, de modo a facilitar a
comunicação dos mais tímidos, e posteriormente, propor uma discussão com todo o
grupo.
- em quaisquer situações de comunicação, destacar aspectos favorecedores de
comportamentos adequados de comunicação que tenham ocorrido.
- apresentar modefos de forma de comunicação adequada e, sempre que possível,
destacar as propriedades adequadas demonstradas

Uma adequada caracterização de comportamentos de cooperação e de


concepções de cooperantes e de mediadores sobre "cooperação", com elaboração de
estratégias e recursos para desenvolvimento de comportamentos de cooperação em
cooperantes, como forma de apoio ao trabalho dos mediadores, foi também iniciada. Os
produtos deste trabalho devem contribuir, também, para o funcionamento da Incubadora,
que se encontra em uma fase de avaliação e reformulação de seu funcionamento como
equipe de trabalho, em função, dentre outras coisas, de dificuldades para implementar,
dentro dela mesma, condições de trabalho compatíveis com a proposta cooperativista.
Cooperativas de trabalho como organização de interesse: controle de estímulos
para comportamentos ao produzir conhecimento e ao intervir profissionalmente
As possibilidades de atuação abertas pela ampliação dos empreendimentos
solidários, para pesquisadores e profissionais em Psicologia é considerável, e requer
respostas relativas tanto ao melhor aproveitamento do conhecimento disponível sobre
conduta humana, organizações em geral e organizações de trabalho, quanto para produção
de conhecimento especificamente voltado para as exigências comportamentais impostas
pela necessidade de gerar e manter novas formas de relações em relação às predominantes.
A inserção de pesquisadores da área Psicologia, e de profissionais, formados ou em
formação, do campo profissional que mais diretamente depende do conhecimento da área,
em projetos multidisciplinares e multiprofissionais contribui para que, de modo amplificado,
a Psicologia responda a este desafio com conhecimento de qualidade, socialmente relevante
e promissor para que seja possivel alcançar uma sociedade mais justa e digna. Nesta
direção, parece relevante que pesquisadores e psicólogos decidam não apenas lidar com
situações correspondentes a necessidades sociais relevantes, mas buscar sua própria
exposição a ambientes favorecedores da percepção de tais necessidades.

14 Anu J.ucwLortetfoío
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Zanotto, M. L. B. (2000). Formação de ProfessoresLa. contribuição da análise do comporta­
mento. São Paulo: ÈDUC.

Sobrt Comportamentoctotfnjçilo 15
Capítulo 2
A manipulação no contexto clínico *

Atm Mdrià LéStnéchâl-Machiuio "

A manipulação no contaxto clinico pode ser vi»t« como uma estratégia d« análise funcional, á medida que for utili/ada pelo
terapeuta para iniciar e dasignar uma ahordagnm particular á problemática apresentada pelo cliente Assim, o teraponta
poderá manipular estímulos associados a consequências positivas, tais como descritas pelo cliente, de forma a tornar
algumas açAes deste mais prováveis e mais favoráveis ao alcance do objetivos mais funcionais, mais aduptatlvos Atravós
da manipulação de contingôncias t do estabelecimento de condições indicadoras de provável alivio do sofrimento ou dn
) gratificação efetiva, transformações nos repertórios disfuncionais do cliente podem ser produzidas. A manipulação no
", contexto clinico se Insere, em grands parte das intervenções, quando o objetivo do terapeuta è ensinar o cltenlo sobre o que
fazer, em vez de. simplesmente, alertá-lo sobre o que nâo fazer. Quando as práticas de controle do comportamento sâo
explicitadas, o contracontrole se torna menos dificll, pois se fica sabendo de quem se deve escapar ou a quem se deve
atacar Quando a manipulação explicita o controle, a funcionalidade do contracontrole aparece e a coerçAo enfraqueço. A
funcionalidade da manipulação na relaçáo pnlcoterápica è (ratada, neste toxto, como uma proposta de Intorvençâo çentrada
na pessoa do cliente e no modo ético de contingenciaçâo e de atendimento clinico comportamental

Palavras-chave: mampulaçfto clinica; contracontrole coercitivo; funcionalidade

The manipulation in the clinical context may be seen as a strategy of functional analysis, as it is used by the therapist to
initiate and designate a particular approach to the problematic presented by the client Thus, tlie therapist will be able to
manipulate stimuli associated to positive consequences, such as they are described by the client, In a means to turn some
of his/her actions more likely and favorable to the achievement of more functional and adaptative goals. Through the
manipulation of contingences and the establishment of indicative conditions of feasible suffering relief or effective
gratification, transformations in the client's dlsfunctional repertories may be produced The manipulation in the clinical context
is Inserted, in aiost interventions, when the therapist's goal is to teach the client what to do, instead of simply alerting him/
her of what not to do When the practices of behavior control are made explicit, the countercontrol becomes less difficult,
because It becomes known of whom one should escape, or of whom one should attack. When the manipulation makes the
control explicit, the countercontrol functionality arises and coercion weakens The manipulation functionality in tho
psychotherapeutic relation is handled, in this text, as an intervention proposal centered in the client's person and In the ethical
manner of contingency and of clinical behavioral attempting.

Key words: clinical manipulation, coercive countercontrol; functionality.

O contexto clinico comportamental


As terapias comportamentais, e outras que se alinham a elas, têm enfatizado a
necessidade de uma investigação sistemática da disfuncionalidade de repertórios

' Texto mtmtmutóo na mmn rwdonó* 'MmUpulaçào docomport*nmlo dn fwicionaJKJíide h oo*fpío'. r6»llzi»d» dumnlaoX Cncontro B*mIMtd de Pticoleríipin
« Medicina Comportamenw, da Aaaociaçâo Bra»ile*a d« Pttootefaplíi • Medicina Comportamental - ABPMC, em Cainplna«/SP, «etembro da 2001
" Umveraidade Federal de Mina* Qerala - Faculdade de Filoeofle e Clénciaa Humana* - Departamento de Milcologla

16 A nd M .iria Lé Sénéchal-M<ich«nlo
comportamentais particulares, o que aponta na direção do estabelecimento de condições
terapêuticas específicas. Na condução do processo de atendimento clínico psicoterápico,
a direção relevante a ser empreendida tem sido a de se produzir, como objetivo final, o
autoconhecimento por parte do cliente. A esse respeito, Skinner (1989/19911) observa
que,
"A psicoterapia ô, freqüentemente, um espaço para melhorar a auto-observaçâo,
para ‘trazer à consciência' uma parcela maior daquilo que ô feito e das razões
pelas quais as coisas são feitas.’’ (págs. 46-47). Destacando ainda que "Todo
mmportamento, seja ele humano ou não humano, ó Inconsciente; ele se torna
'consciente’ quando os ambientes verbais fornecem as contingências necessári­
as à auto-observaçâo.” (pág. 88),
sugere que ê a comunidade verbal que pode estabelecer as contingências que levam ao
conhecimento, na medida em que nos questiona sobre o que fizemos, estamos fazendo
ou estamos prestes a fazer. Assim, sob condições específicas - setting terapêutico, por
exemplo - mantidas pela comunidade verbal, é possível ensinar pessoas a relatar os seus
comportamentos privados, seus sentimentos mais íntimos, pois os comportamentos de
auto-observação e auto-descriçâo são produtos sociais. Portanto, se o autoconhecimento
depende da comunidade social, a situação terapêutica e o papel do terapeuta revelam-se
como aspectos importantes para a explicitação, ao cliente, das contingências atuantes
em seu contexto de vida pessoal e social. O terapeuta deverá conduzir o cliente à
discriminação dessas contingências e à respectiva alteração funcional delas. Deverá, ainda,
conduzir o cliente ao autoconhecimento, ensinando-lhe que, se "O eu éo que uma pessoa
sente a respeito de si própria. "(Skinner, 1989/1991, pág. 45), ao se conhecer, uma pessoa
passa a ter, á sua disposição, informações sobre os outros e sobre si mesma que lhe
possibilitarão desenvolver repertórios comportamentais de autocontrole, que a auxiliarão a
lidar melhor consigo mesmo. Nesse sentido, o comportamento terapêutico voltado para a
análise funcional das contingências positivas e negativas da vida do cliente poderá incluir
a estratégia de manipulação (neste trabalho, denominada ‘manipulação terapêutica’) como
uma forma de interação e de condução do cliente ao ajuste comportamental e a um
estado de relações menos conflitante s e mais gratificantes (Beech, 1969/1971 ; Sidman,
1989/1995; Bernardes, 1993; Guilhardie Queiroz, 1997; Baum, 1994/1999).

A manipulação como procedimento


Manipulação, como uma categoria de conteúdo verbal de comportamento
terapêutico, foi, em trabalho anterior, definida como
“o conjunto de verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação com
outro, no sentido de imprimir neste, de modo planejado, outras formas de agir,
que facilitem a realização funcional de um objetivo." (Lô Sônéchal-Machado,
1999, pág. 88).
Machado (2001), discutindo o papel da manipulação no contexto das relações
sociais, pessoais e íntimas, descreve manipulação como a maneira pela qual indivíduos,
intencional e propositadamente (embora não necessariamente conscientemente), alteram,

1A primeira data refera •« ao ano da ptibUcaçAo original, em inglêa, • a aagurtda ao ano da irnduçAo • «dtçAo. am portiiguéa, conauKada

Sobre Comportamento e Cojjnlçüo 17


mudam e influenciam ou exploram outros. Ainda com base em Buss (1987) e em Buss,
Gomes, Higgins e Lauterbach (1987), essa mesma autora observa que, no campo das
relações interpessoais, a manipulação pode ser reconhecida como inerente ao processo
de interação, o que não implica, necessariamente, a adoção de atitudes de maldade, de
malícia ou de intenção perniciosa. Muito embora tais atitudes possam estar presentes em
muitos destes processos interacionais, a manipulação comportamental, compreendida
como uma forma de controle de estímulos, não está vinculada à produção de relações
constrangedoras ou coercitivas, e sim à produção de comportamentos discriminatórios
que permitam a diferenciação de respostas mais aceitas socialmente e mais gratificantes
pessoalmente. O terapeuta vai procurar, nesse contexto, dar mais ênfase ao trato dos
problemas encobertos, dos quais o cliente não tem consciência. A manipulação, assim,
pode ser empregada como uma disposição de condições para a indução de uma decisão
ou ação, por meio de estímulos, verbais ou não, mas sem discussão (Lé Sénéchal-
Machado, 1993,1999; Machado, 2001).

A ‘manipulação terapêutica'
A manipulação terapêutica, no contexto clínico da análise funcional, justifica-se
na reconhecida ênfase atribuída à necessidade de aquisição e manutenção, pelo cliente,
de repertórios mais adaptativos, mais recompensadores, que privilegiem o
autoconhecimento e o autocontrole; e também, em grande parte das intervenções nas
quais o objetivo do terapeuta é, por exemplo, ensinar ao cliente sobre ‘o que fazer’, em vez
de, simplesmente, alertá-lo sobre 'o que não fazer'. Bernardes ( 1993) observa que
"o conjunto de características pessoais que compõem o repertório total relatado
por uma pessoa, constitui o eu que ela aprendeu a observar e, obviamente, não
abrange todas as suas probabilidades comportamentais nas diversas situações
de estímulos, " (pág. 67).
Assim, a apresentação direta de um estímulo funcionará como modelo de ação
diversa, criando, inclusive, condições para que novas respostas se instalem. Isto equivale
a dizer que parece ser muito importante o fornecimento de incentivos, a fim de que uma
pessoa mude de atitude: a alteração da atitude deve ser provocada através de incentivos e
reforçadores para que se incorpore ao repertório comportamental da pessoa e permita
melhores ajustamentos. A nossa comunidade social não costuma aceitar, amavelmente,
o fracasso e acaba por transformar os fracassados em vítimas, em pessoas ‘incompletas,
insatisfeitas, mal definidas’ - em pessoas com ‘falta de vontade’ para agir, pois fizeram
seleções mal feitas e continuam a fazê-las a cada dia. Durante o processo terapêutico,
pode-se supor que o terapeuta, conforme vai conhecendo o cliente, sua história passada
e seu 'aqui agora’, ou ainda, sua história de fracassos, de más escolhas e de punições, e
os convencimentos decorrentes, vai adquirindo melhores condições de identificação dos
níveis de privação e de estimulação aversiva que compõem o sistema de regras e de
contingências do cotidiano do cliente. Desse modo, o terapeuta vai sendo instrumentado
para fazer previsões, por exemplo, sobre o valor reforçador de uma determinada condição
e sobre a probabilidade de seu cliente empenhar-se na realização de comportamentos
pertinentes. A implementação de tais procedimentos, por parte do terapeuta, implicará o
que estamos chamando de ‘manipulação funcional’: através da apresentação de avisos,
de sugestões, de conselhos e de propostas de ensaios comportamentais, o terapeuta

18 Ana M.irid l.é Sénéchdl-Mdchdtlo


estará auxiliando o cliente a alterar a compreensão de suas dificuldades particulares e de
suas limitações especificas. Trata-se, portanto, do terapeuta assumir um desafio - o de
intervir de forma forte, ativa e dinâmica: instalar um regime terapêutico com objetivos e
planos de ação claros, nos quais o 'fazer' do cliente tem papel mais importante do que o
‘falar’ do terapeuta.

As metas clinicas compartilhadas


Na terapia comportamental, o cliente percebe logo que os objetivos do atendimento
são imediatamente esclarecidos de comum acordo com o terapeuta, o que permite a ele,
cliente, reconhecer o terapeuta como o indivíduo que, na relação em curso, é, em geral, a
pessoa mais ativa, mais animadora, mais persuasiva. Assim, pode-se supor que o terapeuta
não deverá negligenciar os fatores suscetíveis à modificação desejada por ambos (terapeuta
e cliente), concentrando sua relação com o cliente na identificação das contribuições
ambientais e dos processos de aprendizagem aos quais o cliente deverá ser exposto. De
acordo com Skinner (1974/1982), "O conhecimento vem sendo usado há muito tempo
para fins de controle.” (pág. 46), e é nessa direção, de dar a conhecer ao cliente os
controladores de seus comportamentos, que o terapeuta lhe explicita os esquemas e os
valores de reforçamento atuantes em sua vida atual e que, deficitários ou em excesso,
muito possivelmente atuaram assim em sua história de vida passada. O terapeuta, assim,
irá propor ao cliente a testagem de comportamentos em direção ao contracontrole.
Assumindo esse pape), o terapeuta facilitará ao cliente a seleção de outros repertórios e
de novas estratégias para contingenciar as apresentações incisivas e indutoras de ação,
fornecidas pelo seu (do cliente) cotidiano de relações sociais e interpessoais. É na relação
com o ambiente que um comportamento é selecionado, moldado e mantido por suas
conseqüências: é na relação com o ambiente que aprendemos a manejar o nosso próprio
comportamento e o comportamento dos outros, de modo a ajustar as nossas ações às
demandas do mundo que nos rodeia (Skinner, 1974/1982,1983;Sidman, 1989/1995). E
esse ‘manejo' pode incluir ‘manipulação’, intenção e propósitos funcionais para a obtenção
de bons desempenhos, no controle pessoal de nossas próprias vidas. Muitos progressos
no atendimento às dificuldades do cliente serão obtidos, conforme o terapeuta for
identificando as variáveis que estão no controle do ajustamento desse cliente. Para tanto,
o terapeuta precisa isolar as variáveis que supõe sejam específicas e importantes para o
bom funcionamento do cliente e então testá-las. Manipulando essas variáveis, o terapeuta
poderá distinguira que acontece: observando a freqüência com que o cliente se engaja
numa dada atividade, o terapeuta terá mais chances de identificar a grande maioria das
variáveis das quais aquela freqüência ó função. A esse respeito, Skinner (1953/1993)
observa:
“O poder de manipular as condições que afetam outro Indivíduo pode ser delega-
do ao indivíduo controlador por (...) agências organizadas. A relação entre
controlador e controlado pode assim ser caracterizada como a de (...) terapeuta a
paciente (...), professor a aluno, e assim por diante. (...) Mas quase todos controla­
mos algumas variáveis relevantes, independentemente dos papéis como os
mencionados, que podem ser empregados em beneficio próprio. A isto se pode
chamar ‘controle pessoal’. O tipo e a extensão dependem dos dons e da habilida­
de pessoal do controlador." (págs. 299-300).

Sobrr Comportamento t Cognição 19


A funcionalidade da ‘manipulação terapêutica’
Ao utilizar-se da estratégia de 'manipulação terapêutica', condições específicas
de observação de processos comportamentais do cliente estarão sendo criadas pelo
terapeuta. Sob condições relativamente controladas - o 'setting terapêutico' - o terapeuta
poderá localizar, mais facilmente, as funções do comportamento do cliente num contexto
mais amplo, mais generalizável. O que equivale a dizer que, ampliando-se a classe de
variáveis independentes, manipuláveis, ampliar-se-á também a classe de variáveis
dependentes a serem medidas e observadas funcionalmente (Skinner, 1974/1982; Guilhardi,
1988; Lé SénéchaUMachado, 1997, 2000). E é nesse ponto que a ‘funcionalidade da
manipulação’ vai permitir a identificação e a distinção do repertório de respostas ao controle
coercitivo, que vêm fazendo parte da vida do cliente. A partir dos relatos do cliente sobre
suas ações no dia-a-dia, o terapeuta passa a observar a regularidade entre condições
antecedentes, respostas do cliente e conseqüentes. O estabelecimento de relações
contigenciais entre esses eventos (antecedentes, comportamento e conseqüentes)
decorrente da análise funcional empreendida pelo terapeuta, junto com o cliente, favorecerá
a ambos a identificação das variáveis das quais o comportamento do cliente é função. Por
isso a ‘manipulação terapêutica’ se justifica, porque o terapeuta, ao dar conselhos ao
cliente, por exemplo, indica um comportamento a ser copiado: descreve, para o cliente,
as conseqüências de reforçamento implicadas na distinção entre o modo como está fazendo
as coisas e o modo novo ou nova vida.
"Todo o avanço em terapia comportamontal vai nessa direção, porque ela come­
ça mudando o mundo em que as pessoas vivem e assim, apenas indiretamente,
o que eias fazem e sontem. * (Skinner, 1989/1991, pág. 115).
Portanto, é preciso testar novos comportamentos para que a generalização dos
novos comportamentos, bem aprendidos, possa acontecer. Ou seja, para que o cliente
possa reconhecer que náo são os seus sentimentos e sim as condições em que eles
ocorrem ó que sáo importantes. Para sentimentos positivos ó imprescindível a construção
de contingências positivas. Nesse sentido, a possibilidade de manipulação de estímulos e
de modulação de comportamentos, em direção à ampliação de repertórios, se instala. Um
treinamento de evitação ou fuga, eventualmente, poderá ajudar o cliente a fazer
aprendizagens mais rápidas e atuações mais duradouras, de modo a que possa reduzir
boa parte dos eventos aversivos que controlam seu (do cliente) comportamento. Assim, a
'manipulação terapêutica’ poderá se voltar para uma programação de generalização das
novas maneiras de o cliente se relacionar consigo mesmo e com os outros, enfim, com
sua vida pessoal e social.
"Os estímulos verbais que chamamos conselhos, as regras ou as leis, descre­
vem ou aludem a contingências de reforçamento. Pessoas que foram aconselha­
das, ou que seguem regras e obedecem a leis comportam-se por uma das se­
guintes razões: seu comportamento foi diretamente reforçado pelas conseqüên­
cias ou elas estão respondendo a descrição de contingências. Como e por que
e/as respondem a descrições ô explicado pela análise das contingências verbais
de reforçamento." (Skinner, 1989/1991, p.87-88).
E a 'manipulação terapêutica’ permite essa distinção e essa análise apurada.

20 A n ,i M .iriii l.f Sintchal-M dchdtlo


A funcionalidade no controle da coerção
Considerando-se a relação terapêutica como um contexto de relação interpessoal,
obviamente muitos comportamentos problemáticos, dificuldades e limitações do cliente,
nessa área, poderão ser evocados. A partir da manipulação terapêutica, a variabilidade de
comportamentos funcionais do cliente tem a chance de ser aumentada, em direção à
produção de conseqüências reforçadoras positivas naturais e sociais e ao ajustamento de
repertórios de fuga e esquiva aos esquemas coercitivos atuantes na vida do cliente. Portanto,
a exposição do cliente à estimulação aversiva e conseqüente enfrentamento do controle
coercitivo do seu espaço vital poderá promover a extinção de reações neuróticas e a
habituação a novos modos de contato, ou seja, a respostas diferenciadas de autocontrole.
A manipulação terapêutica visa, portanto, a alteração da capacidade do cliente para resolver
problemas e o fortalecimento de repertórios de contracontrole das condições ambientais
coercitivas (tanto encobertas quanto públicas):
"Modificamos a maneira pela qual uma pessoa vê alguma coisa, bem como o
que vê quando olha, através da manipulação das contingências; (...) Alteramos
as forças relativas de respostas através de reforçamento diferencial de cursos
alternativos de ação; (...) modificamos a probabilidade de ocorrência de um ato
ao mudarmos uma condição de (...) estimulação aversiva.” (Skinner, 1971/1983,
pág. 73).

O terapeuta como 'manipulador'


Ser terapeuta é estar na situação clinica como um explorador de potencial, no
sentido de levar o cliente a dar tudo de si para promover seu autoconhecimento e seu
autocontrole. Ser terapeuta é reconhecer, também, que o cliente sabe de si melhor que
qualquer pessoa, mas carece de consciência e poder de auto transformação: necessita
do terapeuta como aquele que o acompanhará no esclarecimento plausível de suas
disfuncionalídades, através de ‘manipulações’ funcionais, determinadas e não teimosas,
disciplinadas e não escravizantes. Skinner (1971/1983), ao esclarecer distorções quanto
ao entendimento dos comportamentos de 'incitar à ação’ ou de 'persuadir', afirma que,
quando fazemos esses comportamentos, "parece que estamos atuando sobre a mente
quando 'incitamos'ou ‘persuadimos’alguém a agir. "(pág. 72). O que estamos fazendo, na
realidade, diz de uma exploração e/ou explicitação de situações mais favoráveis à ação
funcional. Ou ainda, quando ‘incitamos’ ou ‘persuadimos’ alguém, estamos ‘adoçando
condições' através da manipulação de variáveis e de estímulos associados á produção de
conseqüências positivas e/ou negativas, conforme identificadas, pelo‘manipulador’, como
atuantes na história de vida desse alguém (Skinner, 1971/1983; Lé Sénéchal-Machado,
1999). Evidentemente, a presença de um terapeuta acolhedor e apoiador, que ofereça
segurança ao cliente, é elemento importante no conjunto de estímulos contextuais que
favorecerão ao cliente a seleção de comportamentos específicos, em direção à adaptação
e à maior liberação de reforçamento positivo ou negativo, se for o caso. O terapeuta funciona
como ‘manipulador' na medida em que, na situação clínica, é a pessoa que emite um
maior número de comportamentos específicos (solicita informações, manipula SDs, insiste
no esclarecimento de algum dado relevante), estimulando contínua e regularmente o cliente,
até obter a identificação das variáveis controladoras - determinantes e mantenedoras - do
repertório comportamental deste. No contexto do atendimento psicoterápico, o cliente é

SobreComportamentocCognição 21
estimulado - via manipulação - a ‘experimentar’ novos modos de atuar, com o propósito
de ampliar seu repertório de ações adaptativas. Enquanto 'manipulador funcional’, o terapeuta
vai especificando ocasiões para a ocorrência de comportamentos alternativos, de maneira
a auxiliá-lo na substituição de ações disfuncionais: o terapeuta manipula condições para
que o cliente aprenda e treine novas habilidades contingenciais de contracontrole do seu
bem estar pessoal e social (Beech, 1969/1971; Sidman, 1989/1995; Lé Sénéchal-Machado,
1999). Enfim, como manipulador funcional, o terapeuta poderá programar, junto com o
cliente, a execução de repetidos comportamentos de auto-afirmação em condições
relativamente controladas. O cliente poderá aprender repertórios de confiança em si mesmo
para lidar de maneira mais apropriada e eficiente com as dificuldades próprias dos
relacionamentos sociais, já que somos seres essencialmente sociais.

Considerações óticas à manipulação terapêutica


A primeira consideração, ao se fazer julgamentos a respeito da manipulação
terapêutica, não é de natureza ótica. Em vez disso, deve-se primeiro avaliar a adequação
técnica e cientifica-a padronização-dos procedimentos utilizados para tal manipulação.
Se o controle de um terapeuta sobre elementos importantes e críticos da análise funcional
da problemática do cliente é frágil, torna-se imperativa uma análise contextual do repertório
de comportamentos terapêuticos na relação clínica com o cliente em questão. Essa
reavaliação de procedimentos na situação clínica relevante permitirá, então, ao terapeuta,
a interpretação clara dos resultados alcançados e a obtenção de conclusões plausíveis ao
conflito básico vivenciado pelo cliente. Só assim o terapeuta poderá, efetivamente, ajudar
o cliente a se auto-observar e a ampliar essa observação às novas contingências
estabelecidas, de modo a interagir diretamente com o (seu) mundo, agora, de regras
mudadas (Sidman, 1989/1995).

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22 A n.i M driu l.é Sénéchdl-M tichtido


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Sobrr C om poitim rnto e Cognição 23


Capítulo 3
M odelos A nim ais de Psicopatologia:
Depressão
Angélica Capdari' *
(A/>

Pode-te obter rut literatura, * o menot, dezoito modeloê animam de depressAo, A partir do uma avaliaçôo doates modelos
em relação A reprodoçAo da etiologia, bioquímica, sintomatologia 0 tratamento da depressAo, destacamos 0 modelo do
Desamparo Aprendido Segundo este modelo, sujeitos que foram submetidos a uma experiência prévia com choques
Incontroláveis apresentam dificuldade em aprender novas respostas operantes quando posteriormente estas forom
exigidas Estes sujeitos aprendem que nAo há relação entre as respostas que emitem e 0 desllgnmonlo de estímulos
averslvos que recebem e, portanto, encontram-se em uma sltuaçAo de Incontrolabllldade (nAo tôm controle sobre oa
estímulos ambientais, por mais que emitam diversas respostas). A incontrolabllldade rofere-se a nAo ter controle Bobre
os estímulos ambieritaiB e, através da utili/açAo do modelo triàdico, comprova-se que a variável critica a Incontrolabllldado
e nAo os estímulos averslvos aos quais os sujeitos foram submetidos Este modelo tem sido amplamente divulgado 0
utlli/ado em testes farmacológicos. Sua generalidade foi testada em diversas espécies, com diversas respostas t»
estímulos. O modelo do Desamparo Aprendido Investiga apenas uma das diversas rotas possíveis na instalaçAo e*
manutenção da depressAo
Palavras-chave: desamparo aprendido / depressAo / incontrolabllldade I modelos animaisAbstract

There are at least eighteen models of depression In the literature. Those models study the etiology, biochemistry,
slntomatology and treatment of depression. Learned Helplessness is one of these models. The subjects were submitted
to previous experience with chocks that they could not control After this experience, the subjects were not able to learn
new operant responses, when this kind of response was demanded These subjects learned that there was no relation
between their responses and the environmental consequences once the interruption of tho aversive stimuli occurs
independently of the behavior/response of the organism. The Incontrolabillty refers to the lack of control of the organism
over environmental stimuli. The triadic model proved that the critic variable is incontrolability and not the aversive
stimuli. The model have been divulged and published widely and used In pharmacological tests. The generality was tested
in many speclfes, with many responses and different stimuli. The learned helplessness models study only one of tho
many possibilities of the onset and maintenance of depression.

Key w o rd*: learned helplessness I depression I Incontrolabillty I animal models

A depressão tem sido considerada como uma desordem do humor caracterizada


pela perda de interesse e prazer nas atividades cotidianas, lentificaçâo, humor depressivo
ou irritável, apatia ou agitaçào psicomotora, dificuldade de concentração, pensamentos

’ A autora é aluna d« meetrado no programa de Pticologia Experimental da Univeraidade de SAo Paulo (USP) e protmo ra da Universidade Metodista
de Sêo Paulo (UMESP)
’ A autora agradece a professora Mana Teresa A/au)o S/Iva, a Fàbio leyserg pelo convite para participar da meea, e a Ma/M Helena Hunzlkw pelas
dica» e discusaOes «obre o lema

24 Angélica Caprldri
negativos, redução no apetite ou peso, alteração no sono, diminuição da energia,
pensamentos de morte e ideação suicida. A presença de cinco ou mais sintomas durante
duas semanas é necessária para o diagnóstico de depressão, levando em conta todas as
subdivisões que o distúrbio apresenta. (DSM IV; Louzã Neto, 1997 e Fennell, 1997).
Em geral, a descrição da depressão ó feita utilizando-se termos mentalistas
(Hunziker, 1997). Uma definição funcional da depressão deve enfocar a interação do
organismo com o meio. Essa interação sofre influências da história filogenética,
ontogenética e cultural às quais o organismo está submetido (Ferster, 1973). Segundo
Fennell (1997), o inicio e a evolução da depressão dependem de variáveis biológicas,
históricas e ambientais. Essa conclusão vai de encontro com o que Ferster (1973) postulou
como uma das explicações para a ocorrência da depressão: queda na obtenção de reforços
e/ou diminuição do valor reforçador de quando os estímulos conseqüências são liberados.
A falta de reforços poderia ser, na verdade, uma insensibilidade dos organismos aos
reforçadores disponíveis. Essa insensibilidade seria decorrente de disfunções no sistema
de neurotransmissão do reforçamento. De qualquer forma, ó o reforçamento (ou sua
inexistência) o ponto central. (Hunziker, 1997).

M o delos A n im a is
Para investigar os determinantes, as variáveis que envolvem a ocorrência,
manutenção e tratamento da depressão, alguns modelos animais têm sido utilizados.
Através de modelos animais, mudanças comportamentais podem ser objetivamente
avaliadas, independente da concordância entre observadores sobre um estado subjetivo,
e podem ser reproduzíveis por outros investigadores. Além disso, variáveis experimentais
podem ser isoladas e investigadas separadamente, aumentando a confiabilidade do dado
obtido.
Para que um modelo animal seja considerado válido, segundo Wilnner (1984),
ele teria que reproduzir condições de etiologia, bioquímica, sintomatologia e tratamento
da patologia a ser investigada. Maier (1984) estabeleceu, a partir da literatura, quatro
critérios para estabelecer um modelo experimental para investigação de uma condição
clínica:
1) similaridade entre o estado comportamental e os sintomas que caracterizam
a psicopatologia;
2) similaridade entre as mudanças neuroquímicas que ocorrem em pacientes
com o transtorno e observadas em animais submetidos a determinadas
situações;
3) similaridade de indução de condições ambientais que aumentariam a
probabilidade de ocorrência daquela psicopatologia;
4) similaridade de respostas a intervenções terapêuticas, incluindo prevenção e
tratamento de pacientes, observada em animais submetidos a situações
específicas e em animais submetidos a determinadas situações.
Willner (1984,1986) fez um levantamento e analisou a validade de 18 modelos
animais de depressão. Do levantamento feito, 5 modelos apresentaram validade preditiva

Sobre Comportamento e(‘ogniçilo 25


(performance no modelo prediz a performance na condição clínica); 7 apresentaram validade
preditiva e de face (similaridade fenomenológica) e 6 apresentaram validade predítiva, de
face e de construto (em relação à racional teórica que embasa o modelo). A partir desse
levantamento e da análise da validade dos mesmos, Willner (1984) considerou os seguintes
modelos como tendo maior validade: auto-estimulação intracranial; estresse crônico;
desamparo aprendido nos ratos e o modelo de separação em primatas. A ampla diversidade
entre cada modelo dificulta a comparação deles e a opção por um único. A seguir, um
dos modelos de maior validade, apontados por Willner (1984,1986), será detalhadamente
descrito.

D esam paro A p re n d id o
O modelo do Desamparo Aprendido apresenta similaridades à depressão em
termos de causalidade, tratamento (é utilizado em teste de medicamentos antidepressivos)
e prevenção.
Desamparo Aprendido é a interferência da exposição prévia a eventos aversivos
incontroláveis, na aprendizagem futura, quando os eventos podem ser controláveis. Esse
efeito de interferência ocorre porque os organismos, ao passarem pela experiência com
eventos incontroláveis, aprendem que não há relação entre o que fazem e as conseqüências
ambientais do que foi feito. O efeito é evidenciado no fato dos organismos apresentarem
deficiência em três níveis: motivacional (dificuldade em iniciar respostas operantes);
cognitivo (dificuldade em aprender a relação entre respostas e conseqüências) e emocional
(perda de peso; aumento de defecação; aumento de úlceras; diminuição de reações
agressivas).
A investigação realizada, a partir desse modelo, tem utilizado três grupos de
sujeitos submetidos a duas sessões. Na primeira sessão (chamada em geral, de
tratamento), os sujeitos de um grupo (controlável) podem desligar o estimulo aversivo que
recebem, emitindo uma resposta previamente especificada. Os sujeitos de um segundo
grupo (incontrolável) não podem desligar o estímulo aversivo independente da resposta
que emitam. Para os sujeitos desse grupo, o estímulo aversivo será desligado
concomitantemente ao desligamento do estímulo aversivo dos sujeitos do primeiro grupo,
em função das respostas emitidas por eles. O sujeitos do terceiro grupo (ingênuo) não
são submetidos ao tratamento, ou seja, não recebem estímulos aversivos. Vinte e quatro
horas após essa sessão, os sujeitos dos três grupos são submetidos a um teste de
aprendizagem de uma nova resposta operante. Todos, através da emissão dessa nova
resposta, podem desligar o estímulo aversivo que recebem. Os sujeitos do grupo
incontrolável, que receberam os estímulos aversivos na 1* sessão e não puderam desligá-
los, apresentam, em geral, uma freqüência muito reduzida na emissão de respostas que
desligam o estímulo aversivo na situação de teste, quando comparados com os demais
sujeitos dos outros grupos, que aprenderam a nova resposta sem dificuldades. Além
disso, nas pouquíssimas vezes que esses sujeitos emitem a resposta, a emissão ocorre
com altas latências (intervalo de tempo entre e liberação do choque e a emissão da
resposta), e não se mantêm, mesmo tendo sido reforçada com o desligamento do choque.
A dificuldade na emissão de resposta seria um sintoma similar ao que encontramos no
-quadro clínico da depressão. A utilização desses três grupos experimentais recebe o
nome de delineamento por tríades e evidência, não deixando dúvidas que a

26 Angélicd Capcltiri
incontrolabilidade frente aos eventos eversivos, aos quais os sujeitos foram expostos
previamente (e não a aversividade dos eventos em si) é o aspecto critico para a ocorrência
do desamparo.
O modelo do Desamparo Aprendido foi testado com sucesso em diferentes
espécies: cães, ratos (Maier, Albin e Testa, 1973), peixes (Padilla, Padilla, Ketterer e
Giacalone, 1970), gatos (Seward e Humphrey, 1967), camundongos (Anisman, Catanzaro
e Remington, 1978), baratas (Brown, Howe e Jones, 1990), galinhas (Rodd, Rosellini,
Stock e Gallup, 1997) e em humanos (por exemplo, Hiroto e Seligman, 1975); com uma
variedade de antidepressivos; exigindo diferentes respostas frente os estímulos aversivos
e diferentes estímulos aversivos (choques, sons). Em relação a todas essas variáveis, há
consenso na literatura sobre a ocorrência de desamparo. Tal consenso não ó observado
quando há generalidade entre estímulos diferentes; quando choques incontroláveis são
apresentados no tratamento e estímulos apetitivos na situação de teste (choque para
estímulo apetitivo); e quando estímulos apetitivos incontroláveis são apresentados no
tratamento e choques na situação de teste (estimulo apetitivo para choque). Assim,
novas investigações têm sido realizadas para esclarecer esse aspecto do desamparo.
Por clinicamente a depressão não ter uma única definição, a análise dos modelos
existentes e a escolha de um único são difíceis. Provavelmente temos que falar em
modelos dos subtipos de depressão. Segundo Maier (1984), a depressão é heterogênea
nas características comportamentais, neurobiológicas, de causação e prevenção, tendo,
assim, uma coleção de subtipos de depressão que provavelmente não são unitários na
natureza. Pelo fato de a depressão ser uma sIndrome, não haveria um único fator
determinante da sua causalidade e manutenção. Seriam várias rotas (ou diversas variáveis)
que a causariam e a manteriam. Os modelos seriam úteis para estudar uma única rota
isolada ou algumas dessas variáveis. O modelo do Desamparo Aprendido seria apenas
uma das possíveis rotas de investigação da depressão.

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28 A n flé llc j C jp fk iri


Capítulo 4
Terapia Cognitivo-Comportamental na
Psicologia da Saúde

Armando Ribeiro das Neves N eto'

Este capitulo descreve a utiliz«v*o d« Terapia cognitivo-comportamental em instituições d * saúde Frente a crescente
utllizaçAo desta abordagem no Brasil e no mundo, faz-se necessário discutir suas possibilidades e limites no tratamento
de transtornos mentais, de condições médicas gerais e queixas psicofisiológicas A reflexAo critica de seus métodos e
constructos teóricos sAo Importantes para o pleno desenvolvimento da Terapia cognltivo'comportamental na área da
saúde no Brasil.

Palavrat-chave: Tompia cognitivo-comportamental; Psicologia da saúde; Medicina comportamental; Saúde.

This paper describes the utilization of Cognitive-behavioral therapy In health Institution. Considering the Increase utilization
of this abordage In Brazil and the world, is necessary to discuss Its possibility and limits for the treatment of psychopatoloylcal
disorders, general medical conditions and psychophysiological complaints. The critical reflection of Its methods and
constructs theoretical are Important to development Cognitive-behavioral therapy in health area In Brazil

Key w ords: Cognitive-behavioral therapy; Health psychology; Behavioral medicine; Health.

A Terapia cognitivo-comportamental (TCC) vem sendo amplamente divulgada no


meio científico brasileiro e internacional, como proposta de compreensão e intervenção
psicológica baseada em constructos teóricos válidos e testáveis através de rigorosos
métodos de avaliação e de complexos desenhos de pesquisa (Meichenbaum, 1997; Barlow,
1999; Neves Neto, 2001 a, c). A substituição de cognições disfuncionais por pensamentos
mais flexíveis e pautados na interação entre indivíduo e seu ambiente (físico e social) é o
principal objetivo deste processo psicoterapêutico.
As principais características desta abordagem são; postura ativa- na relação entre
paciente e terapeuta (aliança terapêutica e empirismo colaborativo), diretiva- orientada para
o presente e voltada aos problemas diagnosticados e hierarquizados, educativa- ensina-se
ao paciente sobre o modelo cognitivo, a natureza de seu problema, o processo terapêutico
e a prevenção da recaída, estruturada - a psicoterapia tem uma seqüência de sessões
previamente estabelecidas, de prazo limitado- os objetivos da psicoterapia são perseguidos
e novos objetivos podem ser ou não estipulados (alguns estudos descrevem entre 16 a 20

'Universidade Federal de Sâo Paulo- Eacole Pautata de Medicma (UNIFFSPCPM) - Ambulatório de Ansiedade do InaKulo d« Psiquiatria do Hospital das
Clinicai da Faculdade de Medicina da Universidade de Sâo Paulo (AMBAN IPQ HCFMUSP) - Sotor de Psicologia da Saúde do Instituto Neurológico de
SP - Hospital Beneflcâncw Portuguesa

Sobre Comportamento f C oRniçüo 29


sessões necessárias para eliminação de sintomas que constituem critérios diagnósticos
clínicos), tarefas de casa- são utilizadas atividades que visem aumentar a efetividade e a
generalização dos efeitos da terapia (diário de pensamentos), utilização de técnicas cognitivas
e/ou comportamontais - reestruturação cognitiva, seta descendente, questionamento
socrático, exposição, modelação e relaxamento (Beck e cols., 1997; Range, 2001; Safran,
2002).
Ao longo do tempo foram sendo desenvolvidas diversas formas de terapia cognitiva,
como: Terapia Racional-Emotiva de Albert Ellis (1962), Terapia Cognitiva de Aaron Beck
(1963), Treino de auto-instrução de Donald Meichenbaum (1971), Terapia Multimodal de
Arnold Lazarus (1976), Psicoterapia Estrutural de Guidanoe Liotti (1983), Terapia Cognitiva
Construtivista de Michael Mahoney (1974) e Terapia Cognitiva Narrativa de Oscar Gonçalves
(1993), orientando-se para diferentes graus de mudanças comportamentais, cognitivas e/ou
emocionais, influenciados pelo backgroundde cada teórico, permanecendo em todas estas
abordagens o papel central das relações estabelecidas entre cognição, emoção e
comportamento e a preocupação de se demonstrar sua eficácia através de rigorosas
metodologias de pesquisa (Shinohara, 1997; Beck e Alford, 2000; Gonçalves, 2000).
Para a TCC os processos cognitivos (ou seja, qualquer conhecimento, opinião ou
convicção sobre si-mesmo, seu mundo ou o futuro) estão envolvidos na psicopatologia,
sendo esta encarada principalmente como uma distorção das cognições frente às possíveis
interpretações da realidade. O que gera o comportamento-problema (pensamentos
disfuncionais, comportamentos desadaptativos e emoções negativas), não são os estímulos
eliciadores ou discriminativos, bem como as consequências reforçadoras defendidas pelas
correntes do behaviorismo metodológico e radical, ou elementos conflituosos inconscientes
descritos pelas correntes psicodinãmicas, mas sim o processamento cognitivo da realidade
pessoal do indivíduo, sendo freqüentemente descrita sua origem no pensamento dos filósofos
estóicos do século IV a.C. (Zenão de Citium, Crisipo, Cícero, Sêneca e Marco Aurélio),
observando-se no escrito de Epíteto o The Enchiridion que "os homens são perturbados não
pelas coisas, mas pelas opiniões que extraem delas" (apud Beck e cols., 1997). Atualmente
são também relacionadas muitas filosofias orientais, como o taoísmo e o budismo por
enfatizarem que as emoções humanas são embasadas em idéias. Na figura 1, é apresentado
o modelo mediacional presente na conceitualização da Terapia cognitivo-comportametal.
Quanto ao referencial epistemológico da TCC, Beck et al. (2000) e Gonçalves
(2000) expõem:
1. O principal caminho do funcionamento ou da adaptação psicológica consiste de
estruturas de cognição com significado, denominadas esquemas.
2. A função da atribuição de significado é controlar os vários sistemas psicológicos,
portanto o significado ativa estratégias para adaptação.
3. O organismo humano responde primordialmente às representações cognitivas sobre o
seu meio e não diretamente ao meio.
4. Estas representações cognitivas encontram-se funcionalmente relacionadas com os
processos e parâmetros da aprendizagem.
5. A maior parte da aprendizagem humana é mediada cognitivamente.
6. Pensamentos, sentimentos e comportamentos são causalmente interativos.

30 Arm ando Ribeiro das Neve* N eío


Figura 1- Representação gráfica do modelo

Quanto à teoria da personalidade utilizada pela TCC encontra-se a psicologia dos


constructos pessoais desenvolvida por George Kelly, propondo uma integração hollstica e
humanista da cognição com outros processos psíquicos (comportamentais, emocionais e
fisiológicos), e descrevendo a utilização de construtos pessoais para predizer e controlar
os acontecimentos da vida, denominando sua visão de homem, através da metáfora do
homem-cientista (Cloninger, 1999).
A TCC obteve um acelerado desenvolvimento nos últimos 20 anos, sendo uma
das primeiras formas de psicoterapia que procurou integrar procedimentos e técnicas das
abordagens behavioristas e cognitivistas que demonstraram eficácia através de protocolos
de pesquisas científicas rigorosas e controladas, baseadas em metodologias complexas
como as utilizadas em epidemiologia clínica, ou seja, ensaios clínicos randomizados e
duplo-cego, estudos caso-controle e coorte, estudos transversais, estudo e série de
casos, além de revisões bibliográficas e metanálises (Cottraux, 1993; Perris e Herlofson,
1993; Deale e cols., 1997; Barlow e cols., 2000).
Para Beck et al. (1997) o curso padrão da TCC corresponde a:
1. O terapeuta obtém informações a respeito do desenvolvimento dos sintomas específicos,
bem como dos determinantes situacionais e cursos temporais. São coletados dados
subjetivos e objetivos (de preferência a partir de diversos informantes) a respeito da
natureza do problema atual.
2. Crenças, suposições, expectativas, objetivos, atribuições e auto-afirmações ou
pensamentos automáticos subjacentes são identificados. Os pacientes aprendem a
monitorar pensamentos negativos ou mal-adaptativos.
3. Déficits de habilidades comportamentais ou interpessoais específicas são identificados.
4. Fatores médicos e ambientais que apóiam e mantêm os sintomas são identificados.
Os últimos podem incluir fatos estressantes da vida ou o modelamento e reforço dos
sintomas por outros no desenvolvimento do indivíduo.
5. Intervenções cognitivas e comportamentais são selecionadas e iniciadas.
6. São determinadas tarefas de casa.
7. A eficácia da intervenção é avaliada através de medidas objetivas e relatos subjetivos.

Sobrr C'om|x>rtdmfnto e Co#niç«lo 31


Atualmente a TCC vem sendo efetivamente utilizada em diversos quadros
psicopatológicos descritos pela Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (OMS,
1993) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV (APA,
1997), como intervenção principal ou potencializando o uso de psicofármacos (ex.
aumentando a adesão ao tratamento), sendo sua eficácia avaliada durante e após a
intervenção psicoterápica.
Os principais quadros psicopatológicos que recebem atenção de estudos da TCC
são: transtornos de humor (ex. depressão, transtorno bipolar e distimia); transtornos de
ansiedade (ex. ansiedade generalizada, fobia específica, fobia social, estresse pós-
traumático e pânico); transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância
ou adolescência (ex. transtornos da aprendizagem); transtornos relacionados à substâncias
(ex. transtornos relacionados ao álcool); esquizofrenia e outros transtornos psicóticos;
transtornos somatoformes (ex. somatização, conversão, dor e hipocondria); transtornos
sexuais e da identidade de gênero (ex. disfunções sexuais e parafilias); transtornos
alimentares (ex. anorexia nervosa e bulimia nervosa); transtornos do sono; transtornos da
personalidade; fatores psicológicos que afetam a condição médica; problemas de
relacionamento e problemas relacionados ao abuso ou negligência (Cottraux, 1993; Perris
e Herlofson, 1993; Meichenbaum, 1997; Barlow, 1999; Rangó, 2001).
Como limites, os quadros com severo comprometimento cognitivo (ex. quadros
neurológicos-doença de Alzheimer, ou sintomas psicóticos), poderiam inicialmente ser
manejados através de procedimentos da terapia comportamental, sendo ao longo do
tratamento introduzidas técnicas da terapia cognitiva (Beck etal., 1997; Rangó, 2001).
Além dos quadros psicopatológicos apresentados anteriormente, o emprego da
TCC vem sendo avaliado em instituições de saúde (ex. hospitais, centros de saúde e
postos de saúde) como importante recurso de atendimento aos problemas psicossociais
e doenças médicas encontradas neste campo (Blumenthal et al., 1994; Godoy, 1996;
Ogden, 1996; Brannon e Feist, 2000).
Compreende-se Medicina Comportamental, como:
"... amálgama de elementos das disciplinas cientificas que estudam o comporta­
mento (Psicologia, Sociologia, Educação para a Saúde) que incidem sobre os
cuidados de saúde, tratamento e prevenção da doença" (Ogden, 1996, p. 17).
Compreende-se Psicologia da Saúde, como:
"... q conjunto de contribuições educacionais, cientificas e profissionais especifi­
cas da Psicologia à promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento
das doenças, identificação da etiologia e diagnósticos relacionados à saúde,
doença e disfunções relacionadas e à análise do desenvolvimento do sistema de
atenção à saúde e formação de políticas de saúde" (Matarazzo, 1980, p. 815
apud Marinho e Caballo, 2001).
A TCC aplicada em instituições de saúde utiliza o conceito de saúde da
Organização Mundial da Saúde que a descreve como "estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não meramente ausência de doença", emprega o modelo
biopsicossocial para compreensão do processo saúde-doença, adotando critérios
diagnósticos universais (ex. CID-10 e DSM-IV), favorecendo o trabalho em equipe
multidisciplinar ou interdisciplinar ao aplicar empiricamente intervenções frente aos
diagnósticos realizados por meio de entrevistas (estruturadas ou semi-estruturadas) e
escalas ou inventários válidos, permitindo mensurar seu impacto na qualidade de vida e

32 Arm ando Ribeiro das Neve* N eto


alivio ou resolução dos problemas psicossociais que interferem no aparecimento e/ou
evolução das doenças físicas (Ogden, 1996; Meichenbaum, 1997; Brannon e Feist, 2000).
A conceitualização da TCC para os quadros psicofisiológicos encontrados em
instituições de saúde gera trôs amplas categorias de intervenção (Gatchel e Blanchard,
1998; Stoudemire, 2000; Neves Neto, 2001 b, d, f):
1. Problemas em que há distúrbios observáveis e identificáveis do funcionamento corporal
(ex. fatores psicológicos que afetam a condição médica - hipertensão arterial, doença
arterial coronariana, asma, doença inflamatória intestinal, doenças dermatológicas -
herpes simples, doença renal terminal, artrite reumatóide, diabetes melitos e câncer);
2. Problemas em que os distúrbios são basicamente de percepção dos sintomas,
sensibilidade ou reação excessiva às sensações corporais normais (ex. transtornos
somatoformes, hipocondria, neurodermatose, síndrome do cólon irritável e dispepsia
funcional); e
3. Problemas em que a base dos sintomas varia ou ó incerta (ex. dispnéia desproporcional,
dor torácica, sintomas vestibulares e dor crônica).
Ao adotar uma conceitualização basicamente biopsicossocial aos problemas de
saúde identificados, a TCC avalia os pensamentos disfuncionais (irreallsticos ou
desadaptativos) suscitados pelo aparecimento dos sintomas/ sinais ou a partir do diagnóstico
médico e busca sua associação com os esquemas cognitivos do paciente e o aparecimento
de comportamentos e/ou emoções que influenciem negativamente o tratamento de saúde
oferecido ao indivíduo.
São também avaliados os fatores mantenedores dos pensamentos,
comportamentos, emoções e reações psicofisiológicas, através de diários de pensamentos,
entrevistas, observação do comportamento, escalas ou inventários (ex. Inventário de
Depressão de Beck - BDI, Inventário Traço-Estado de Ansiedade de Spielberg - IDATE,
Questionário de Saúde Global de Goldberg - QSG, Questionário de Qualidade de Vida -
MOS SF-36) e medidas fisiológicas (ex. frequência cardíaca, resistência galvânica da
pele), sendo ressaltados fatores como: aumento da estimulação fisiológica, focalização
dos sintomas, aumento de comportamentos de evitação, presença de crenças e
interpretações errôneas dos sintomas e sinais, como variáveis potencialmente reforçadoras
das atitudes negativas relacionadas ao paciente e seu tratamento (Neves Neto, 2001 b; f).
Estudos atuais no Brasil e no mundo descrevem a eficácia/ efetividade da TCC para
o tratamento de quadros psicopatológicos, condições médicas gerais e sintomas
psicofisiológicos. Seu impacto tem sido avaliado com relação ao controle ou desaparecimento
dos sintomas e/ou sinais, redução de sintomas psicológicos (ex. ansiedade antecipatória,
depressão), mudança de cognições disfuncionais relacionadas ao processo saúde-doença,
ou seja, o paciente torna-se mais apto a encontrar novas formas de perceber, interpretar e
lidar com a sua realidade (estratégias de coping mais adaptativas), aumento do status de
qualidade de vida, redução do consumo de drogas psicotrópicas e aumento da aderência ao
tratamento de saúde (ex. médico, fisioterápico), redução do estresse familiar e ocupacional,
aumento do repertório social dos indivíduos (dirigido à assertividade), além de afetar o estilo
de vida e poder influenciar na redução do período de internação e/ou do aparecimento de
comorbidades. O emprego da TCC tem demonstrado melhor resposta quando comparado a
lista de espera, placebo, psicoterapia de base psicodinâmica ou a utilização de certos
psicofármacos, com significância estatística (p £ 0.05), sendo que estudos de follow-up
demonstram seu impacto por mais de 2 anos de acompanhamento (Cottraux, 1993; Perris

Sobre Comportamento e Coflniçüo 33


eHerlofson, 1993; Warwick e cols., 1996; Deale etal., 1997; Salkovskisetal., 1998; Barlow
e cols., 2000; Snyder e cols., 2000).

TCC e pesquisas controladas na prática médica


Atualmente vêm sendo desenvolvidas pesquisas que demonstraram o impacto
favorável da utilização da TCC sozinha ou complementar ao uso de intervenções
medicamentosas em diversas situações, como em quadros psicopatológicos,
psicofisiolõgicos e nas condições médicas gerais. Diferentes níveis de evidência, como os
obtidos em estudos de caso, ensaios clínicos, revisões sistemáticas e metanálise
recomendam consensualmente a utilização de estratégias da TCC para diversos problemas
de saúde.
Na Tabela 1 são descritos estudos publicados em periódicos com reconhecimento
internacional e que demonstraram o impacto positivo da TCC na prática médica, com
significância estatística, e comparados com outras intervenções tradicionalmente
empregadas.
Os promissores resultados levaram a atitudes políticas de saúde mundiais (ex.
Instituto de Saúde Mental dos EUA, Inglaterra e Austrália) no sentido de endosso frente
à efetividade das intervenções baseadas na TCC e criados consensos terapêuticos para
determinadas condições de saúde mental (ex. tratamento do pânico e dos transtornos
alimentares) (NIH, 1991). É necessário salientar que o treinamento em TCC é fundamental
para a correta utilização das técnicas, e que no Brasil observa-se atualmente a propagação
de cursos de especialização"lato-sensü' com este fim, nos principais centros de formação
em saúde, como: Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP (IPQ-HCFMUSP), Departamento de Psicobiologia da Unifesp - Escola Paulista
de Medicina (UNIFESP-EPM) e no Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), diversos
outros centros estão sendo criados em todo país (Neves Neto, 2001 e), além do surgimento
de duas importantes associações de abrangência nacional com o interesse de estimular

Tabela 1- Descrição de ensaios clinicos randomizados para avaliação da aplicação de TCC na prática
módica, com significância estatística (Neves Neto, 2002).

Fonte Condição médica Terapêutica N Resultados


Ehlert somatização TCC e CMG 42 TCC>CMG
Edinger insônia crônica TCC, R e P 75 TCC>R=P
Ward depressão TCC. A e CMG 627 TCC*A>CMG
Barlow pânico TCC, D, P, TCC+D 312 TCC+P>TCC
e TCC+P >TCC+D>D>P
Warwick hipocondria TCC e LE 32 TCOLE
Deale fadiga crônica TCC e R 60 TCC>R
Wysocki diabetes TCC, ES e CT 119 TCC>CMG*ES
Van Dulmen SCI TCC e LE 47 TCOLE

N = tamanho da amostra; SCI * síndrome do cólon irritável; TCC * Terapia cognitivo-comportamental;


R * relaxamento; P ■ placebo; A * aconselhamento nâo-diretivo; CMG ■ cuidados médicos gerais; D »
imipramina; LE ■ lista de espera; ES ■ educação e suporte.

34 Arm ando Ribeiro das Ncvcs Neto


o desenvolvimento da pesquisa clínica e da saúde sob enfoque da TCC, denominadas de
Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamentaf (ABPMC) e Sociedade
Brasileira de Terapias Cognitivas (SBTC).
A terapia cognitivo-comportamental pode tornar-se uma opção terapêutica com
excelente relação custo-beneflcio para a instituição de saúde, oferecendo também ao
paciente recursos cientificamente comprovados da eficácia desta intervenção, bastando
para isso uma política de saúde pública em que pese à visão biopsicossocial da doença
física e a necessidade de fomento de intervenções psicossociais.

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36 A rm diulo Ribciro das Neves Neto


Capítulo 5
Q uando esperar (ou não) pela
correspondência entre comportamento
verbal e comportamento n ão-verbal 1
CaciMa Amorim y
L
Maria Amalia Andery
ix/c-sr
Estudos acerca de relações de correspondência entre comportamento verbal ou nAo-vorbal estflo, em um sentido amplo,
interessados em descrever as condiçOes sob as quais a descrição verbal de uma contingência altera, de forniH
consistente, a probabilidade do emissêo da resposta correspondente. HA a sugestão, por alguns analistas do comportamento,
que o controle por uma auto-regra modelada poderia ocasionar uma insensibilidade As consequências diretas da resposta
descrita Outros autores, por sua vez, sugerem que o controle por regras depende de especificidades dos contingências
em vigor. De acordo com resultados de pesquisa apresentados, o controle verbal sobre a resposta descrita á mais
provável quando contingências em vigor para as respostas nAo verbais exercerem um fraco controle discriminativo sobro
padrões específicos de resposta Controle verbal, por outro lado, é improvável sob contingências que exerçam forte
controle discriminativo sobre padrões de resposta nAo correspondentes com a descriçAo verbal A depender destas
contingências, respostas verbais e nAo-verbals permanecerAo ou nAo sob controle exclusivo de suas consequências
diretas

Studies on controlling relations between verbal and non-verbal behavior are, in a broad sense, interested in describing tho
circumstances under which a verbal description of a contingency consistently alters the probability of the corresponding
verbal or non-verbal behavior Some behavior analysts have suggested that, when a self-generated rule Is modeled
through differential reinforcement, it could generate an insensibility of the described response to Its direct consequencos.
Other authors, in turn, have suggested that rule-governed behavior is more probable to be found under some specific
contingencies. According to the research results discussed, verbal control over the described response is more probable
when the contingencies programmed for the non-verbal response do not exert a strong differential control under specific
patterns of response Verbal control, Instead, is not probable to be found when the contingencies exert a strong
discriminative control over other responses not correspondent with the verbal description Depending on the ongoing
contingencies, verbal and non-verbal behavior are to be controled only by Ihelr direct consequences.

A análisô do comportamento ó uma ciência que tem por objetivo central a previsão
e o controle do comportamento. Em se tratando de comportamento humano, questões
relacionadas ao seguimento de regras e a correspondência entre o dizer e o fazer - entre
comportamento verbal e comportamento não-verbal - são fundamentais para a análise
aplicada do comportamento em diversas áreas, como a clinica, educacional e organizacional.
É especialmente importante que o analista aplicado do comportamento possa prever as
circunstâncias nas quais o fornecimento de um antecedente verbal, sob a forma de uma
instrução ou regra, irá controlar- ou n ã o- a emissão da resposta especificada. Não menos
importante ó prever quando a correspondência entre o dizer e o fazer de seu cliente pode

'ta la trabalho foi re«ili/«do enquanto a primeira autora era aluna de meatrado do Programa de f «tudo* Pó* Graduadot em Psioologla Experimentai;
Anillae do Comportamento, da Pontifícia Unlveraldade Católica de Sâo Paulo, aoto orientação da Profa Dra Mana Amtlia Andery
‘ A autora * meatre em Palcoiogia Fxperimental pela PUC-SP, doutoranda em Psicologia bxperlmental pela Unlveraldade de Sâo Paulo e profeaeom
da Unlveraldade SAo Francwco e Faculdade de Palcologie Padre Anchieta

Sobrr Comportamento e CotfniçJo 37


ser esperada ou, ao contrário, quando esta correspondência não deve ser esperada (Risley
& Hart, 1968). Em qualquer caso, será o conhecimento sobre os determinantes do
comportamento em questão que eventualmente permitirá controlar sua ocorrência futura.
A análise experimental do comportamento humano já produziu um corpo significativo
de conhecimento acerca destas questões desde as primeiras colocações de Skinner a
respeito do controle por regras. A possibilidade de certas respostas verbais exercerem a
função de estimulo discriminativo para uma resposta subseqüente foi descrita por Skinner
como uma instância de controle por regras (Skinner, 1969).
O termo comportamento governado por regras é comumente empregado em
referência a respostas instaladas ou mantidas sob controle de antecedentes verbais, sob a
forma de instruções ou descrições de contingências, enquanto o termo controlado por
contingências refere-se em especial a respostas instaladas ou mantidas por suas
conseqüências diretas. No caso do comportamento governado por regras, é preciso destacar
que o controle pelo antecedente verbal deve ser explicado como produto de dois fatores:
das conseqüências diretas da resposta emitida em conformidade com a regra e das
conseqüências do operante de seguir regras, entendido como um operante de segunda
ordem - normalmente, conseqüências arbitrárias liberadas por aqueles que formulam as
regras (Galizio, 1979; Cerutti, 1989).
A possibilidade de controle por regras é uma característica distintiva do comportamento
humano em relação ao comportamento animal. Uma vez que nos tornamos capazes de
descrever contingências e, ao mesmo tempo, de responder sob controle destas descrições,
podemos levar outros a emitirem respostas que produzirão reforçadores ou evitarão estimulação
aversiva, antes que as conseqüências diretas destas respostas possam operar, fortalecendo-
as. Podemos, igualmente, fazer com que outros deixem de emitir respostas indesejadas,
mas muito fortes no repertório do indivíduo, ou que poderiam causar dano. O controle por
regras representa, assim, uma grande vantagem adaptativa, uma vez que o seguimento de
uma regra pode levar à emissão de respostas novas ou à extinção de respostas já estabelecidas,
sem que um processo extenso de contato com as contingências seja necessário.
A instalação de controle por regras pode, desta forma, ser entendida como um
procedimento muito vantajoso para a obtenção de mudanças comportamentais, já que boa
parte dos problemas com os quais o analista aplicado do comportamento se depara diz
respeito à aquisição de novos repertórios comportamentais desejados ou à extinção de
repertórios indesejados. As vantagens do controle por regras dependeriam, entào, de um
forte controle exercido por uma história de conseqüências para o operante de seguir regras
que, quando efetivo, poderia tomar humanos insensíveis às conseqüências diretas de algumas
respostas. Entretanto, isto nem sempre acontece, como pode ser confirmado por qualquer
bom observador, seja um analista da área aplicada ou não. Esta variação na efetividade do
controle por regras pode ser observada em especial quando seguir a regra é incompatível
com uma outra resposta, mantida sob forte controle de suas conseqüências diretas. Se as
conseqüências diretas da resposta incompatível forem mais fortes do que as conseqüências
para o seguimento da regra, esta última não virá a exercer controle.
Uma sugestão da literatura da área será o objeto central de discussão deste
trabalho. A partir de um estudo realizado em 1982, Catania e colaboradores passaram a
defender que o grau de controle exercido por uma regra seria dependente do processo de
sua formulação. Regras, enquanto descrições de contingências, podem ser fornecidas

38 Cdcildii A m orim t M una Amália Andery


por outros ou formuladas pelo próprio sujeito, sendo, neste caso, denominada de auto-
regra. De acordo com os autores, uma regra fornecida por outros exerceria menor controle
que auto-regra de mesmo conteúdo. Ou seja, uma descrição verbal das contingências -
uma auto-regra - desde que modelada, controlaria de forma inequívoca a resposta descrita,
a despeito de suas conseqüências diretas ou da perda de outros reforçadores.
Com base nos resultados encontrados neste e em outros estudos subseqüentes
(Matthews, Catania & Shimoff, 1985; Shimoff & Catania, 1998), Catania e colaboradores
tiraram conclusões acerca do valor da modelagem do comportamento verbal enquanto
técnica de mudança comportamental, como pode ser verificado nas citações a seguir:
“(...) Nós observamos que é mais provável ter sucesso em modificar
comportamento humano não verbal indiretamente, por meio da modelagem
do comportamento verbal relevante que diretamente, por meio da modelagem
do próprio comportamento nào verbal. Esta observação pode ser clinicamente
relevante, porque manipulações verbais são comuns em tratamentos
terapêuticos. Considere a modelagem implícita da fala do cliente na terapia
Rogeriana (Trouax, 1966; outras terapias combinam modelagem com
manipulações instrucionais, como na terapia racional-emotiva ou na
modificação de comportamento cognitiva). Se o comportamento humano for
predominantemente governado por regras, ao invés de modelado por
contingências, faz sentido trabalhar sobre o comportamento verbal do cliente,
ao invés de trabalhar diretamente sobre o comportamento não verbal do cliente.
Esta ó uma maneira prática pela qual o comportamento estabelecido dentro
de um contexto terapêutico pode se transferir para ambientes externos a este
contexto. Modelar o que um cliente diz sobre comportamento em outros
contextos pode produzir mudanças no comportamento do cliente nestes
contextos”. (Catania & cols., 1990, pp. 227-228)
As sugestões cofocadas por Catania e colaboradores são instigantes, na medida
em que envolvem um tipo de comportamento que é único aos humanos - o comportamento
verbal, atribuindo a ele uma concepção de determinação, no mínimo, polêmica:
“(...) uma ironia desta explicação comportamental é que uma maneira
particularmente efetiva de mudar o comportamento humano seja mudara fala
privada do indivíduo, ou seja, modificar o que o indivíduo pensa” (Catania e
cols., 1982, p. 246).
Ao mesrfio tempo, a análise crítica dos resultados deste estudo são relevantes,
pelo menos por duas razões. Primeiro, porque há discordância sobre sua interpretação
entre os pesquisadores da área; segundo, porque a análise aplicada do comportamento
fundamenta seus procedimentos (ou, ao menos, deveria) em resultados de pesquisa
básica, como sugerido nas citações acima. Ou seja, caso a fundamentação empírica da
técnica seja inadequada, haverá prejuízos para aqueles que se valerem dela, bem como
para seus clientes, decorrentes da não utilização de outras técnicas mais adequadas.
Iremos prosseguir a discussão pela descrição dos resultados do estudo de Catania
e cols. (1982). A seguir, retomaremos os experimentos de Torgrud e Holborn (1990) e
Amorim (2001), cujos resultados experimentais fundamentam a crítica às conclusões de
Catania e colaboradores acerca do grau de controle potencialmente exercido pelo
comportamento verbal modelado.

Sobrr Comportamcnlo c Coflniçflo 39


O estudo de Catania e cols. (1982) pode ser visto como parte de um conjunto de
estudos que pretenderam investigar as variáveis responsáveis pelas diferenças
apresentadas por humanos e animais quando submetidos aos mesmos esquemas de
reforçamento (Matthews, Shimoff, Catania & Sagvolden, 1977; Shimoff, Catania &
Matthews, 1981). Estudos sobre este tema passaram a ser realizados por diversos
pesquisadores a partir da década de 70 (Baron & Galizio, 1983). Usualmente, animais
expostos a esquemas de razão emitem altas taxas de resposta; por outro lado, quando
sob esquemas de intervalo, emitem taxas comparativamente mais baixas. Já o
desempenho de humanos nestes mesmos esquemas muitas vezes difere daquele
apresentado por animais, especialmente quando os esquemas são programados em um
múltiplo VIVR. Neste caso, após algum tempo de exposição ao esquema, animais passam
a responder em taxa mais baixa no VI e mais alta no VR, o que foi interpretado por
Catania e colaboradores como sensibilidade às contingências; humanos, por sua vez, se
expostos ao mesmo múltiplo com freqüência emitem taxas similares no VI e no VR, o
que foi interpretado como insensibilidade às contingências (Catania & cols., 1982).
A sensibilidade do comportamento humano às contingências foi avaliada por Catania
e colaboradores de duas maneiras: em função do padrão apresentado em esquemas de
reforçamento, tomando como base o padrão típico animal e também em função da
manutenção do padrão no caso de mudança nas contingências em vigor. Inicialmente,
foram investigadas como variáveis determinantes da sensibilidade o tipo de resposta motora
emitida, o processo de instalação desta resposta e a exigência de resposta consumatória
(Mattews, Shimoff, Catania e Sagvolden, 1977; Shimoff, Catania e Mattews, 1981). Não
iremos nos estender aqui, descrevendo as hipóteses que levaram os autores a estudar
cada uma destas variáveis. Vale apenas destacar que, nestes estudos, respostas motoras
modeladas se mostraram mais sensíveis que respostas instruídas, de acordo com a definição
proposta de sensibilidade. A partir de tais resultados, os autores concluíram que a
sensibilidade às contingências, em humanos, dependeria - pelo menos em parte - do
processo de instalação das respostas em questão. Devemos ressaltar que os autores
nunca defenderam uma concepção de insensibilidade humana absoluta, o que seria uma
contradição em relação às definições do que é comportar-se. A sensibilidade às contingências
seria comprometida, no caso das respostas instruídas, em função da sensibilidade dos
sujeitos, não às consequências diretas das respostas, mas sim às consequências arbitrárias
(sociais) para o seguimento da instrução. Assim, a insensibilidade apresentada por humanos
às consequências diretas de suas respostas seria decorrência de uma história de
reforçamento social do comportamento de seguir regras.
Foi a partir deste conjunto de pressupostos, resultados e conclusões, que o
estudo de 1982 foi realizado. Nos estudos já citados, o efeito do fornecimento de instruções
sobre o desempenho motor não foi sempre regular. Como a sensibilidade às contingências,
de acordo com a definição proposta, foi mais freqüente entre os sujeitos cujo desempenho
fora modelado diretamente pelas contingências, os autores hipotetizaram que o processo
de instalação do antecedente verbal poderia ser uma variável importante. Ou seja, da
mesma forma como o processo de instalação da resposta motora interferiria em sua
sensibilidade às contingências, o processo de instalação do antecedente verbal poderia
interferir no grau de controle exercido por este antecedente: o grau de controle exercido
por uma regra fornecida por alguém poderia ser diferente do exercido por uma auto-regra.
A partir desta pergunta, os autores planejaram uma situação experimental na qual
expuseram universitários a um esquema múltiplo VI 10 VR 20. Os sujeitos produziriam

40 Cdcildu Am onm c M ana Am álid Andery


pontos, que posteriormente seriam trocados por dinheiro, emitindo respostas de pressionar
um botão. Os sujeitos trabalhavam diante de um console, que continha três botões alinhados,
trés lâmpadas adjacentes aos botões e um contador de pontos. Cada um dos esquemas
do múltiplo funcionava em um dos botões laterais. O botão central tinha a função de exigir
uma resposta consumatória, sugerida como variável relevante para a sensibilidade nos
estudos anteriores. Quando um dos esquemas entrava em vigor, a luz adjacente a ele
acendia. Quando uma resposta de pressionar atendia os requisitos de qualquer dos esquemas
do múltiplo, a luz adjacente ao botão central (luz verde) acendia, indicando que um ponto
seria adicionado ao contador após uma pressão sobre ele. Lembrando, de acordo com os
critérios para mensurar a sensibilidade, o desempenho considerado sensível às contingências
seria taxa mais alta no VR e taxa mais baixa no VI.
Os sujeitos foram divididos em trés grupos. Em vários momentos da sessão,
eles eram solicitados a emitir uma resposta descritiva de seu desempenho motor,
completando as frase: "A melhor maneira para acender a luz verde com o botão da
esquerda é..."e “A melhor maneira para acender a luz verde com o botâo da direita é...
As descrições dos sujeitos dos dois grupos “instrução" e “modelagem" eram
diferencialmente reforçadas com pontos, a depender de seu conteúdo. O terceiro grupo
funcionava como controle, recebendo a mesma quantidade de pontos independente do
conteúdo de resposta. A diferença entre o grupo “instrução" e "modelagem” é que o
primeiro recebia uma instrução direta sobre como ganhar os pontos. Esta instrução dizia
que, para ganhar o maior número possível de pontos, o sujeito deveria responder a pergunta
sobre o botão esquerdo com "pressionar bem rápido" e com "pressionar bem lento", para
a pergunta sobre o botão da direta.
Metade dos sujeitos em cada grupo começaram o experimento na situação de
coerência entre as contingências programadas e o conteúdo da resposta verbal a ser
instalada; assim, em relação ao VR, o conteúdo desejado da resposta verbal era "pressionar
bem rápido" e, em relação ao VI, "pressionar bom lento". Com a outra metade, acontecia o
contrário: eles começavam na condição de incoerência entre o conteúdo da resposta verbal
e as contingências para as respostas motoras. Depois de algum tempo de exposição, as
contingências em vigor para os botões foram alternadas (ou seja, o VI passou a funcionar
no botão onde anteriormente funcionava o VR e vice-versa). O objetivo desta manipulação
era verificar a sensibilidade dos sujeitos aos esquemas e às mudanças de contingências
em função do processo de instalação do antecedente verbal, por instrução ou por modelagem.
O grupo controle não desenvolveu nenhuma descrição consistente sobre o
desempenho de pressionar, que permaneceu semelhante nos dois componentes. Os
resultados mais importantes e mais conhecidos foram encontrados nas diferenças entre
o grupo "instrução" e o grupo "modelagem". Para o grupo “modelagem", não foi fácil instalar
a resposta verbal; o procedimento fracassou com metade dos sujeitos. Contudo, quando
a modelagem foi bem-sucedida, o pressionar acompanhou a descrição verbal mesmo
quando esta era incoerente com as contingências, de forma muito consistente. O contrário
ocorreu com o instruído. A descrição foi instalada com muita facilidade; porém, observou-
se grande variabilidade entre os sujeitos com relação ao desempenho motor: alguns
como grupo controle; outros responderam de forma similar ao grupo modelado; outros
ainda responderam de acordo com as contingências, independente da descrição.
Analisando estes resultados em termos de sensibilidade às contingências
programadas, um desempenho sensível ocorreria quando um sujeito respondia com taxa
mais alta no VR que no VI, o que maximizava os reforços no VR ao mesmo tempo em que

Sobre C omporlamcnlo o CoftniçJo 41


evitava custos adicionais de resposta no VI. No caso dos sujeitos do grupo controle, a
ausência de uma descrição das contingências foi acompanhada da indiferenciaçâo das
respostas nos componentes; portanto, de insensibilidade em pelo menos um dos esquemas.
No caso do grupo modelado, os sujeitos mostraram-se insensíveis às contingências, uma
vez que seu comportamento variava não de acordo com estas últimas, mas sim de acordo
com a descrição verbal. A insensibilidade, neste caso, significava que sujeitos ou deixavam
de ganhar todos os reforços disponíveis ao emitir uma taxa baixa no VR, ou respondiam
com custo adicional desnecessário quando emitiam uma taxa alta no VI. No caso dos
sujeitos do grupo instruído, como já foi mencionado, alguns sujeitos responderam de forma
similar aos do grupo controle; outros, como o grupo modelado. Para outros sujeitos ainda,
o desempenho foi sensível às contingências nos dois componentes, maximizando os reforços
no VR e respondendo no VI sem custo adicional de resposta.
Com base nestes resultados, Catania e colaboradores (1982) concluíram que o
processo de instalação da resposta verbal descritiva era uma variável relevante para o
grau de controle que esta poderia exercer enquanto antecedente. Modelar uma descrição
de uma contingência poderia não ser muito fácil, mas uma vez adquirida, esta seria muito
mais efetiva enquanto uma auto-regra que uma instrução idêntica fornecida por qualquer
outra pessoa. "Em outras palavras, modelar o que uma pessoa fala sobre seu próprio
comportamento parece ser uma maneira mais efetiva de mudar seu comportamento que,
ou modelar diretamente seu comportamento, ou dizer a esta pessoa o que fazer" (Catania
e cols., 1982, pág. 246). Uma auto-regra modelada, portanto, teria alta probabilidade de
controlar a resposta descrita, independente de suas consequências diretas, da perda de
outros reforços ou do custo da resposta, uma vez que o comportamento verbal modelado
produziria insensibilidade a estas conseqüências
Como já dito, as conclusões de Catania e colaboradores. (1982) foram criticadas
por Torgrud e Holborn (1990). Estes autores fundamentaram suas críticas na análise das
contingências programadas para as respostas de pressionar. Segundo estes autores, os
resultados obtidos por Catania e colaboradores, seriam específicos às contingências
programadas no experimento em questão, náo cabendo as generalizações sugeridas
sobre os efeitos do comportamento verbal modelado. Torgrud e Holborn partiram de dados
da literatura e do próprio estudo de 1982, apontando que a mera exposição de sujeitos
humanos a esquemas múltiplos VI VR ó insuficiente para gerar padrões diferenciais de
resposta. Eles náo se estenderam em tentar explicar por que tal diferenciação seria
mais facilmente obtida com animais, ao contrário dos humanos. Em vez disso, defenderam
que alguns tipos de esquemas exerceriam um controle mais forte sobre padrões específicos
de resposta que outros. O fato da diferenciação das taxas nào ser facilmente encontrada
nas contingências de múltiplo VI VR seriam indicadoras de fraco controle discriminativo
pelos esquemas empregados. Os autores levantaram, então, a hipótese de que o grau de
controle encontrado por Catania e colaboradores, em relação à descrição modelada não
seria esperado quando as contingências programadas para as respostas motoras
controlassem fortemente a emissão de padrões específicos, diferenciais ou não.
Esta hipótese foi testada em 1990. A racional do estudo de Torgrud e Holborn consistia
em testar o controle exercido por uma resposta verbal modelada sobre respostas motoras
comprovadamente emitidas sob controle discriminativo das contingências programadas para
elas. Ao invés de supor a existência de padrões típicos para esquemas, baseados no
comportamento de infra-humanos, Torgrud e Holborn empregaram esquemas similares ao
DRL e DRH. Com estes esquemas, os sujeitos só obteriam reforço nos dois componentes,

42 Cticilda A m orim e M aria Amdlia A m lcry


caso emitissem padrões específicos de resposta. Desta forma, os autores garantiram que as
contingências em vigor eram, em si, suficientes para produzir e manter desempenhos
diferenciais e, somente após esta demonstração de controle pelas contingências, eles avaliaram
o controle pelas respostas verbais modeladas, por meio da introdução de incoerências entre
os esquemas e as descrições. Sob tais contingências, segundo sua hipótese, não haveria
interferência das respostas verbais sobre as respostas de pressionar, uma vez que ambas
permaneceriam sob controle de suas conseqüências diretas.
O procedimento experimental básico foi similar ao de Catania e colaboradores
(1982): alternação entre períodos para emissão de respostas motoras e períodos para
emissão de respostas verbais descritivas das respostas motoras. Respostas verbais
foram modeladas de acordo com seu conteúdo. Contudo, no experimento de Torgurd e
Holborn, a resposta verbal não era "livre", mas consistia na escolha de uma dentre cinco
alternativas de descrição, que especificavam padrões de velocidade da resposta de
pressionar - “pressionar bem devagar", “pressionar devagar", "pressionar na média",
“pressionar rápido" e “pressionar bem rápido".
Os sujeitos trabalharam diante de um computador. Os esquemas em vigor eram
sinalizados por letras que apareciam na tela; o sujeito deveria pressionar a letra correspondente
no teclado com um uma taxa específica para produzir reforçamento. As alternativas de
descrição eram apresentadas também na tela do computador e a resposta verbal era emitida
pela pressão de uma das teclas numeradas correspondente à alternativa escolhida.
Neste experimento, Torgurd e Holborn realizaram diversas manipulações. Com
um grupo de sujeitos, taxas médias e idênticas nos dois componentes foram instaladas.
Em seguida, com estes mesmos sujeitos, os autores modelaram respostas verbais
incoerentes com as contingências "bem rápido", em um componente e "bem devagar”, no
outro. Verificou-se que estas respostas verbais, com a topografia de auto-regras, não
exerceram qualquer efeito sobre os padrões de pressionar. Os sujeitos continuaram a
emitir taxas médias e idênticas nos dois componentes, de acordo com as contingências
para estas respostas. Depois disto, as contingências para as descrições foram mantidas
constantes - reforçando a emissão de “pressionar bem rápido" e "bem devagar", em
componentes diferentes - ao mesmo tempo em que as contingências para o pressionar
foram gradativamente alteradas até se tornarem contrárias às descrições. As taxas
mostraram-se sensíveis à manipulação, deixando de ser idênticas entre os componentes
até serem emitidas de forma contrária às descrições.
Com outro grupo de sujeitos, Torgrud e Holborn começaram diferenciando as
taxas de pressão entre os componentes, até obter taxas bem distintas entre si. Até
então, as descrições não haviam sido solicitadas. Deste ponto em diante, as contingências
para as taxas foram mantidas constantes, enquanto as contingências para as descrições,
agora solicitadas, foram progressivamente manipuladas, até que se obtivesse uma
incoerência total entre taxas e descrições. Com este grupo, um resultado similar foi
encontrado: os sujeitos responderam, tanto verbalmente quanto pressionando, de forma
coerent.e com conseqüências diretas de cada um dos operantes, sem que a resposta
verbal modelada interferisse sobre o pressionar e, também, sem que o pressionar
interferisse com a descrição verbal.
Uma vez que as descrições das contingências emitidas pelos sujeitos - auto-
regras modeladas - não foram efetivas em controlar a emissão da resposta especificada,

Sobre Comportamento e Coflniçilo 43


Torgurd e Holborn reafirmaram que o grau de controle demonstrado pelos sujeitos do
grupo "palpites modelados" de Catania e colaboradores (1982) foi devido às contingências
VI VR programadas, que não seriam suficientes para gerar um forte controle sobre padrões
de resposta específicos e não à insensibilidade do pressionar às contingências. Uma
auto-regra modelada não geraria, necessariamente, insensibilidade. Quer dizer, o controle
por regras ou por auto-regras - ou seja, a correspondência entre o que se diz e o que se
faz - não deveria ser esperado quando as contingências em vigor para as respostas
descritas na regra fossem fortes o suficiente para manter o responder, independente da
regra ser fornecida por outros ou ser uma auto-regra modelada.
Uma replicação dos experimentos de Catania e cols. (1982) e Torgrud e Holborn
(1990) foi realizada por Amorim (2001), com o objetivo de verificar sob quais condições
relações de controle entre respostas verbais e não verbais deveriam ser esperadas, bem
como sob quais condições tais relações não deveriam ser esperadas.
Amorim (2001) realizou três experimentos, com o delineamento experimental
básico também muito próximo aos de Catania e colaboradores (1982) e Torgrud e Holborn
(1990). Os sujeitos foram expostos a um esquema múltiplo, sob a forma de um jogo de
computador de formar figuras. Neste jogo, períodos para emissão de respostas de
pressionar uma tecla colorida eram alternados a períodos para a emissão de uma resposta
descritiva. Como em Torgrud e Holborn, as descrições consistiam na escolha da descrição
de um padrão de resposta, dentre cinco alternativas disponíveis.
A partir das conclusões de Torgurd e Holborn, de que controle por regras não
deveria ser esperado quando as contingências em vigor para a resposta descrita
exercessem um controle discriminativo forte, a autora hipotetizou que este controle poderia
ser mais provável sob contingências que, ao contrário, exercessem um grau fraco de
controle discriminativo. Ao mesmo tempo, o controle de padrões motores sobre a
formulação de auto-regras seria igualmente dependente da força das contingências em
vigor para estas últimas. Ou seja, tanto a correspondência entre dizer e fazer quanto a
correspondência entre fazer e dizer seriam mais ou menos prováveis sob circunstâncias
similares, envolvendo as contingências em vigor para a resposta controlada. Quando as
contingências em vigor exercessem um controle discriminativo forte, a resposta verbal
(escolher a alternativa) ficaria sob controle de suas conseqüências diretas (pontos a
depender da alternativa escolhida) e a resposta não verbal (pressionar rápido ou devagar)
também ficaria sob controle de suas conseqüências diretas (pontos a depender da taxa),
independente da não-correspondência entre elas e do processo de instalação do
antecedente verbal.
A realização do experimento de Amorim (2001) dependia da programação de
contingências para as respostas de pressionar e de descrever que exercessem controle
discriminativo ora forte, ora fraco, sobre as respostas. Para o controle discriminativo
fraco, foram programadas contingências idênticas para as respostas de pressionar e de
descrever, em ambos componentes, com dois objetivos: manterem os sujeitos na tarefa
e servirem de linha de base para a mensuração de eventuais relações de controle. Estas
contingências tinham por característica o fato de permitirem a emissão de diferentes
topografias sem levar à perda de reforçamento. Para as contingências que deveriam exercer
forte controle discriminativo sobre as respostas, as mesmas contingências acima foram
mantidas, com uma diferença: ambas as respostas passaram a ter uma conseqüência

44 G icilda A m orim c M aria Am élia Andery


adicional - pontos - liberados em função da topografia da resposta em questão. Ou seja,
contingências de reforçamento diferencial seriam sobrepostas às contingências não
diferenciais dos componentes, de modo favorecer a emissão de padrões diferenciais sob
controle de suas conseqüências diretas. Os pontos ganhos poderiam ser trocados
posteriormente por prêmios ou dinheiro, com o objetivo de garantir a efetividade da sua
função reforçadora.
No caso das respostas de pressionar, um esquema VI foi programado nos dois
componentes, conseqüenciando as respostas com um pedaço de uma figura. Nas fases
em que o objetivo era manter a resposta sob uma contingência fraca, apenas o VI era
programado. O esquema de VI tem por característica permitir maior variabilidade de padrões
de resposta, uma vez que o critério de reforçamento independe de padrões específico.
Assim, o controle de uma regra sobre uma resposta mantida em V) poderia ser comparado
ao controle pela mesma regra sobre a resposta mantida por uma contingência que
reforçasse apenas taxa alta ou taxa baixa, como um DRH ou DRL. Nas fases em que o
objetivo fosse obter um forte controle discriminativo sobre a resposta, o pressionar produzia,
como conseqüência, além do pedaço da figura, uma quantidade diferente de pontos, a
depender da taxa média de respostas durante o intervalo. Esta contingência de
reforçamento diferencial foi utilizada para diferenciar as taxas, entre os componentes.
No caso das respostas de descrever, sua emissão sempre era conseqüenciada,
nos dois componentes com o retorno ao jogo, independente da descrição escolhida. Nas
fases em que o objetivo era manter a descrição sob uma contingência fraca, apenas esta
conseqüência era programada. Partiu-se do pressuposto que a volta ao jogo exerceria
função reforçadora, por permitir que o sujeito pudesse voltar ao jogo; contudo, não reforçaria
diferencialmente nenhuma descrição específica. Nas fases em que objetivo fosse obter
um forte controle discriminativo sobre a descrição, a escolha da alternativa produziria
uma quantidade diferente de pontos, além da volta ao jogo, a depender da alternativa
escolhida. Portanto, o controle da resposta de pressionar sobre a escolha da descrição
- o processo de derivação da auto-regra - poderia ser avaliado comparando-se seu efeito
em função da descrição ser mantida por contingências fortes, diferenciais, (controíe
discriminativo forte, pelo reforçamento diferencial em função do conteúdo da resposta) ou
fracas, não diferenciais (controle discriminativo fraco, reforçamento pela volta ao jogo).
Segundo os resultados de Amorim (2001), quando contingências diferenciais foram
programadas para as respostas descritivas (pontos para descrição “pressionar bem rápido",
em um componentae "pressionar bem lento", em outro componente), simultaneamente a
contingências não diferenciais para as respostas de pressionar (VI para a produção de
pedaços da figura, nos dois componentes), observou-se que alguns sujeitos emitiram taxas
altas e baixas, de acordo com as descrições, mesmo na ausência de contingências que
pudessem explicar este desempenho diferencial. Um resultado similar foi encontrado,
também com alguns sujeitos, quando contingências diferenciais foram programadas para
as taxas de pressão (pontos para taxas médias altas no VI, em um dos componentes e
taxas médias baixas, no outro componente), ao mesmo tempo em que contingências não
diferenciais vigoravam para as descrições (respostas conseqüenciadas apenas com o retomo
ao jogo, nos dois componentes). Sujeitos escolheram descrições correspondentes aos
seus desempenhos, mesmo quando não exigido pelas contingências que mantinham as
descrições. Ou seja, quando ganhar pontos dependia da descrição da contingência e o
sujeito não perdia nem ganhava nada por responder de acordo com a descrição, em muitos

Soòrc Comportamento c CotffliçJo 45


casos o sujeito respondia de acordo com a descrição formulada por ele. O contrário também
foi encontrado: quando ganhar pontos dependia dos padrões de pressionar e o sujeito não
ganhava nem perdia nada por descrever seu comportamento de uma forma ou de outra,
muitas vezes ele escolhia a descrição correspondente ao padrão de pressionar.
Um resultado diferente, válido para todos os sujeitos, foi encontrado quando
contingências diferenciais, incoerentes entre si, foram programadas para as respostas
de pressionar e de descrever. Sempre que taxas altas, em um componente e taxas
baixas, no outro componente, foram mantidas por reforçamento diferencial, ao mesmo
tempo em que descrições incoerentes com as taxas eram igualmente mantidas por
reforçamento diferencial, tanto taxas quanto descrições continuaram a ser emitidas de
acordo com suas contingências especificas. Assim, quando ganhar pontos dependia, ao
mesmo tempo, da descrição da contingência e do desempenho motor e quando as
contingências para estas duas respostas eram incoerentes entre si, em nenhum caso as
descrições corresponderam ao desempenho motor e vice-versa.
Por outro lado, grande variabilidade de padrões de resposta foi encontrada entre os
sujeitos, quer em relação às respostas motoras, quer em relação às respostas verbais,
quando contingências fracas foram programadas para ambas respostas, nos dois
componentes (VI, para as respostas de pressionar e retorno ao jogo, para as respostas de
descrever). Todos os sujeitos mostraram taxas de respostas similares entre os componentes,
mas que foram indiscriminadamente mais altas para alguns e mais baixas, para outros.
Em vários casos houve correspondência entre a descrição e a resposta motora.
Para investigar se uma história de reforçamento social da correspondência entre
dizer e fazer poderia ser responsável pela correspondência entre descrições e desempenho
motor, mesmo quando não requerido pelas contingências, Amorim (2001) deu aos sujeitos
uma história de reversões sucessivas de contingências que reforçavam descrições e
desempenho motor ora coerentes, ora incoerentes entre si. Após história de reforçamento
de padrões de descrição e respostas motores coerentes entre si, os sujeitos continuavam
a apresentar correspondência entre estas respostas, mesmo quando não mais requerido
pelas contingências - quando as conseqüências diferenciais para um dos operantes era
retirada. De forma similar, após uma história de reforçamento de padrões de descrever e
pressionar incoerentes entre si, quando as conseqüências diferenciais eram retiradas
para uma destas respostas, ainda assim os sujeitos mantinham a incoerência entre as
respostas. Ou seja, quando os sujeitos não perderam nem ganharam pontos em função
de topografias especificas de respostas, tanto de descrever quanto de pressionar, os
efeitos de sua história passada de reforçamento puderam exercer controle.
Analisando em conjunto os resultados de Amorim (2001), Torgrud e Holborn
(1990) e Catania e colaboradores (1982), podemos entender melhoras condições sob as
quais relações de controle entre respostas descritivas e respostas motoras - relações de
correspondência entre dizer e fazer - podem ou não ser encontradas quando humanos
são submetidos a esquemas múltiplos.
Em primeiro lugar, esta correspondência pode ser encontrada mesmo quando
não requerida pelas contingências para os dois operantes. Neste caso, falamos de interação
ou de relações de controle entre as respostas. No caso específico de controle de uma
descrição verbal antecedente sobre a resposta descrita, falamos em controle por regras
ou auto-regras. A emissão das descrições diferenciais pode ser explicada em termos
das contingências em vigor para as descrições; porém, a diferenciação das respostas de
pressionar não pode ser explicada em termos das conseqüências destas respostas, que

46 Cdcildd A m orim c M»irid Am<lliu A ndcry


são as mesmas nos dois componentes. Sua diferenciação, portanto, foi produto de uma
interação que levou ao controle de uma resposta sobre a outra. No experimento de Catania
e colaboradores (1982), bem como no de Amorim (2001), encontramos este tipo de controle,
quando descrições controlaram o desempenho motor, bem como quando o desempenho
motor controlou a escolha das descrições. Quer dizer, a possibilidade de controle não é
exclusiva do comportamento verbal sobre o comportamento não-verbal.
Nestes dois experimentos, a relação de controle foi encontrada somente quando
dois pré-requisitos foram atendidos. Primeiro, quando as contingências para a resposta
controladora foram suficientes para estabelecer padrões diferenciais de descrição ou
motores. Segundo, quando as contingências para a resposta controlada não foram
suficientes para estabelecer e manter padrões específicos de respostas. Ou seja, a
correspondência entre dizer e fazer ó mais provável quando a resposta controlada for
mantida sob contingências que exerçam controle discriminativo fraco, permitindo que
variações em sua topografia sem contudo levar à perda de reforçamento.
Em segundo lugar, o tipo de relação de controle encontrada, que produziu a
correspondência ou a não-correspondência, mostrou-se dependente da história prévia de
reforçamento de coerência ou incoerência entre dizer e fazer. O controle pela história
passada pode ter como produto tanto a correspondência quanto a não correspondência
entre dizer e fazer; a variável relevante são as contingências passadas. O fato da
correspondência ser mais freqüentemente encontrada, quando não requerida pelas
contingências presentes, é um efeito histórico das contingências sociais que reforçaram
mais freqüentemente a correspondência que a não-correspondência.
Terceiro, mesmo quando relações de controle entre comportamento verbal e não
verbal foram encontradas, como em Amorim (2001), este controle não foi consistente.
Variações entre sujeitos e intra-sujeitos foram encontradas, entre sessões ou dentro de
uma mesma sessão. Os desempenhos derivados de interações entre dizer e fazer não
se mostraram tão estáveis quanto os desempenhos mantidos por suas conseqüências
diretas. Isto significa que estas interações, além de serem esperadas apenas sob situações
específicas, são relações de controle fracas. Desde que as contingências em vigor para
uma das respostas permite a variação de sua topografia sem que haja perda de
reforçamento, é possível que estas sofram a interferência de variáveis históricas, de variáveis
derivadas de controle social ou controle por regras, como foi observado, ou de outras
fontes de controle não identificadas.
Por último, os resultados de Torgrud e Holborn (1990) e de Amorim (2001) sugeriram
fortemente que quando o dizer e o fazer forem mantidos sob contingências que conflitam,
cada um ficará sob controle de suas conseqüências diretas. Ou seja, o controle de uma
regra sobre uma resposta não é provável, mesmo se tratando de uma auto-regra modelada,
quando esta resposta for mantida por contingências que exerçam forte controle
discriminativo. Da mesma forma, a possibilidade de derivação de uma auto-regra, que
corresponda às contingências efetivamente em vigor, dependem também das contingências
em vigor para o comportamento de formular a regra. Se as contingências em vigor para a
resposta verbal e não verbal forem simultaneamente fortes e incoerentes entre si, o sujeito
irá emitir uma descrição de seu comportamento incoerente com o seu desempenho real.
Portanto, a correspondência entre dizer e fazer não deveria ser esperada quando esta
combinação de contingências estivesse operando.
Os resultados de Amorim (2001) replicaram e ampliaram os resultados encontrados
por Torgrud e Holborn (1990), não confirmando as suposições de que o comportamento

Sobre Comportamento e Cognição 47


verbal modelado possa tornar o comportamento motor correspondente insensível às suas
consequências diretas (Catania e co/s., 1982). A identificação das limitações das propostas
de Catania e colaboradores (1982) a respeito das supostas vantagens da modelagem do
comportamento verbal enquanto técnica de intervenção comportamental devem ser
confrontadas com resultados experimentais adicionais, antes de se tornarem práticas
regulares. Como foi sugerido pelos experimentos descritos, os achados de Catania e
colaboradores mostraram-se prováveis apenas sob determinadas condições, descritas
durante este trabalho. Portanto, suas conclusões e potenciais implicações para a prática
do analista aplicado do comportamento deveriam ser limitadas a estas condições.

Referências
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çomportqfnento verbal e comportamento nflo-verbal. Dissertação de mestrado. São Paulo:
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48 CMilda A m o rim c Mitrtd A m ú lij A n d cry


Capítulo 6
M odelos animais de psicopatologia:
esquizofrenia
Cilene Rejane Rd/noa Alves *
i/sr
Maria Teresa Araújo Silva*
i/sr

A eaqul/ofronla é caracterizada por dlsfunçôos variadas, simultâneas e de dlvorsos graus de intensidado A motivação, os
estados afetivos, ob procesBos cognitivos, o conteúdo do pensamento e a percepção se apresentam alterados Em
conseqüência dessas alteraçAes, o indivíduo p(xte perder o senso do identidade pessoal, e apreBontar dlflculdado em
estabelecer contato social Devido à variedade de seut sintomas, a esquizofrenia é um transtorno de natureza complexa e
de causas ainda controversas Oa modelos experimentais animais servem de Instrumento para estudar a neuropslcoblologla
da esquizofrenia. Sâo discutidos: (a) modelos baseados em manipulação do sistema nervoso central, como por exemplo
através de lesOes cerebrais, (b) modelos baseados na açâo de drogas e neurutransmissores. como por exemplo drogas
estimulantes, drogas alucinógenas, agonistas dopaminórgicos e agonistas serotonArgicos; e (c) modelos baseados em
manipulação de variáveis ambientais, como o de isolamento social, “resposta de esquiva condicionada - CAR", inibição pré-
pulso e Inibição Intonte. Desses, a maioria sAo modelos de simulação, que visam á mimetlzaçflo de um ou mais sintomas
como parte da slndrome completa
Palavraa-chava: esquizofrenia, modelos animais, modelos de simulação.

ANIMAL MODELS OF PSYCHOPATHOLOGY; SCHIZOPHRENIA


Schizophrenia is a complex disorder involving several disfunctions related to perception, motivation, emotion, cognition and
thought content. As a consequence of alterations in these functions ttie individual may lose (ho sense of personal identity
and show difficulties In establishing social ties The etiology of schizophrenia Is still controversial. Animal experimental
models are an Instrument for studying the neuropsychobiology of this disorder The following models are discussed: (a)
models bused in the manipulation of the central nervous system, through for example cerebral lesions; (b) models basod on
the action of drugs and neucotcansmitters, such as stimulants, hallucinogens, dopaminergic agonists and serotonergic
agonists; and (c) modeliTbased in environmental manipulations, such as social isolation, shock avoidance (CAR), pre-pulse
Inhibition (PPI) and latent inhibition (LI). The majority of these are simulation models, which attempt at mimetizing one or more
symptoms as part of the total syndrome.
Key words: schizophrenia, animal models, simulation models

A esquizofrenia foi melhor definida pelos psiquiatras no final do século XIX.


Caracterizada pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin como uma doença grave que evoluía
de forma crônica e com alteração progressiva da capacidade intelectual durante a juventude,
a esquizofrenia foi denominada, inicialmente, demência precoce. Já na primeira década
do século XX (1911), o psiquiatra sulço Eugen Bleuler observou, principalmente,
fragmentação do pensamento e das emoções durante os surtos agudos da demência
precoce. Essa observação fez com que Bleuler substituísse o nome dessa condição por

’D^Mrianwnto d• PsJtologMi t ipancnanUil

Sobrf Comportamento c Coflniçüo 49


esquizofrenia de, “esquizo" - cisão e “frenia"- mente (Alves e Silva, 2001; Graeff, 1989;
Louzã Neto, 1996).
O transtorno esquizofrénico se caracteriza por apresentar distorções funcionais
em vários graus e de forma simultânea. A motivação, os estados afetivos, os processos
cognitivos e várias outras funções dos pacientes com essa slndrome se encontram
alterados. O conteúdo do pensamento dos esquizofrênicos apresenta-se fragmentado,
com perda das associações lógicas, expressando-se de forma “incoerente”, vaga,
circunstancial e repetitiva. A percepção, na esquizofrenia, também se encontra alterada.
O principal distúrbio perceptivo são as alucinações auditivas, escuta de vozes quando o
paciente está sozinho ou não tem ninguém por perto. Podem ocorrer, mas não muito
freqüentemente, alucinações visuais (visões irreais), olfativas (odores diferentes) ou táteis
(sensação de ‘'formigamento"). Os indivíduos esquizofrênicos também podem ter ilusões
(percepção de objetos reais de modo distorcido) ou despersonalização (sensação de que
o corpo está sofrendo modificações). Distúrbios motores também são observados, tais
como catatonia (alterações intensas da motricidade caracterizadas por imobilidade e
comportamento indiferente ao ambiente), movimentos estereotipados (repetitivos e sem
propósito), atividades motoras incontroláveis e agitação, sendo as duas últimas as mais
freqüentes. Em conseqüência dessas alterações, o indivíduo perde o senso de identidade
pessoal, tendo extrema dificuldade de estabelecer contato social, ficando isolado em
seus pensamentos e fantasias, ou ouvindo alucinações (Alves e Silva, 2001; Ashton,
1992; Graeff, 1989; Reynolds, 1992).
Os distúrbios no processo de atenção e aprendizagem são considerados básicos
na esquizofrenia: a percepção de estímulos externos e as funções cognitivas encontram-
se alteradas em vários graus. Essas alterações são responsáveis por algumas
anormalidades verbais, como alucinações auditivas com conteúdo verbal, distúrbios de
linguagem e de pensamento. Esses sintomas encontram-se bastante presentes na fase
aguda da doença (Alves e Silva, 2001; Ashton, 1992; Frith, 1979; Graeff, 1989; Gray,
Feldon, Rawlins, Hemsley, e Smith, 1991).
Os sintomas da esquizofrenia são classificados em sintomas positivos
(caracterizados por distorção do funcionamento normal das funções psíquicas) e sintomas
negativos (caracterizados por perda das funções psíquicas). Esses tipos de sintomas
estão condensados na Tabeía 1.
Tabela 1 - Pcincipais sintomas positivos e negativos na esquizofrenia*

Sintomas Positivos Sintomas Negativos

Delírios Deficiências intelectuais e de memória


Alucinações Pobreza de discurso
Pensamento incoerente Embotamento afetivo
Agitação psicomotora Incapacidade de sentir prazer - Anedonia
Afeto incongruente Isolamento social
Falta de motivação

* Esta tabela baseia-se em Graeff, 1989; Ashton, 1992; Louzâ Neto, 1996.

50 Cilene Reianc Ramo* A lv e i t M una Teresa Araújo Silva


A esquizofrenia ó definida basicamente por sua sintomatologia (Alves e Silva,
2001; Ashton, 1992). Dependendo do predomínio de um ou outro sintoma pode-se subdividir
a esquizofrenia em diferentes tipos clínicos. Os principais subtipos clínicos de esquizofrenia
classificados pelo DSM-IV (Associação Psiquiátrica Americana, 1994) são: paranóide
(predomínio de delírios, freqüentemente de natureza persecutória ou alucinações),
desorganizado (também chamado de hebefrênico, em que predominam os distúrbios afetivos
do tipo incoerente, inapropriado ou pueril), catatônico (sintomas de estupor, rigidez,
negativismo ou agitação psicomotora), indiferenciado (predominam delírios e alucinações
acompanhadas por comportamento incoerente e grosseiramente desorganizado) e residual
(predomínio dos sintomas negativos) (Alves, 1998; Alves e Silva, 2001).
As causas da esquizofrenia, infelizmente, não foram descobertas até hoje. Fatores
genéticos, fatores ambientais, alterações cerebrais e bioquímicas parecem influenciar de
maneira variável o aparecimento e a evolução da doença. De uma forma ou de outra, esses
fatores parecem interagir na produção dos sintomas psicóticos, pois nenhum fator isolado
ó suficiente para o desenvolvimento desses sintomas (Alves, 1998; Alves e Silva, 2001;
Ashton, 1992; Graeff, 1989; Knable, Kleinman, e Weinberger, 1995; Louzã Neto, 1996).

Modelos Animais de Esquizofrenia


Antes de falarmos sobre modelos animais de esquizofrenia, faremos uma breve
introdução sobre os modelos animais em neuropsicofarmacologia.
Segundo Willner (1991), os modelos comportamentais em neuropsicofarmacologia
se relacionam às três disciplinas, farmacologia, neurociências e psicologia, e podem ser
classificados, correspondentemente, em testes de triagem, bioensaios comportamentais
e simulações. Os testes de triagem são voltados essencialmente ao estudo de novos
compostos terapêuticos e os bioensaios comportamentais utilizam o comportamento para
compreender os mecanismos responsáveis por mudanças na função cerebral. Já as
simulações de comportamento humano “anormal” em animais se referem à mimetizaçáo
de um ou mais sintomas do distúrbio mental ou, em caso excepcional, de uma síndrome
completa. Assim, são dirigidas essencialmente à compreensão de processos psicológicos
humanos. Quando se fala de modelo animal de ansiedade, ou depressão, ou esquizofrenia,
claramente a referência é a modelos de simulação. A descrição dos modelos de simulação
animal, contida nesta seção, teve como base McKinney e Moran, 1981; Willner, 1991.
Em sentido teórico, um modelo de simulação deve ser capaz de mimetizar quatro
aspectos básicos do comportamento em questão: etiologia, sintomatologia, tratamento e
bases fisiológicas. Porém, na prática, as simulações não podem corresponder a todos
esses aspectos pela simples razão de que as bases fisiológicas e a base etiológica dos
distúrbios psiquiátricos são mal conhecidas.
Os métodos utilizados para construção de modelos comportamentais de simulação
incluem lesões cerebrais, seleção de comportamentos extremos e manipulação de alguns
fatores que podem estar implicados na origem do comportamento, como por exemplo
estresse, isolamento social e outros. Essas manipulações produzem um estado
comportamental que serve de instrumento para estudar a neuropsicobiologia dos distúrbios
mentais. Nesse contexto, a validade de um modelo é de importante consideração. Os
procedimentos utilizados para validar os modelos animais de distúrbios psiquiátricos incluem

Sobre C omportamento c (.'otfniçilo 51


considerações de: validade pneditiva (que se interessa, principalmente, pela correspondência
entre ações de drogas no modelo e na clinica), validade de face (que verifica a similaridade
fenomenológica entre o modelo e o distúrbio) e validade de construto (que examina a
racionaI teórica do modelo).
Dos três procedimentos utilizados para validar um modelo de simulação animal, a
validade de construto é o aspecto mais fundamental para construção de um modelo confiável.
A racional teórica de uma simulação ó um critério de difícil avaliação; porém, ó o mais
relevante.
Segue-se uma descrição de alguns modelos de esquizofrenia relevantes pela
disseminação do seu uso ou pelas suas características de validade.

1. Modelos Animais de Esquizofrenia


Descreveremos alguns modelos animais de esquizofrenia. Não será feita uma
tentativa de classificação em modelos de triagem, bioensaios comportamentais ou
simulações porque muitas vezes esses aspectos se sobrepõem. Será porém analisado
dentro do possível o nivel de validade almejado por esses modelos. Uma sinopse dessa
análise está apresentada na Tabela 6.

1.1 Modelos baseados em manipulações do SNC


Como já mencionado, vários estudos mostram que alterações cerebrais podem
estar presentes na esquizofrenia (Ashton, 1992). Manipulações de algumas estruturas
cerebrais e de alguns sistemas do SNC produzem importantes modelos animais de
simulação dos aspectos biológicos e comportamentais da esquizofrenia.

1.1.1 Lesões Cerebrais


Há demonstrações de que a esquizofrenia pode estar associada a alterações
cerebrais, tais como: a) aumento do terceiro ventrículo na região do hipotálamo; b)
desorganização dos dendritos neuronais no hipocampo; c) aumento do quarto ventrículo e
até d) redução do volume total do cérebro. Muitas dessas alterações se dão em estruturas
ligadas ao sistema dopaminérgico mesolímbico, parte estriatal do sistema nigro-estriatal
e à borda dos ventrículos cerebrais. Lesões ou aplicação de drogas nas vias dopaminérgicas
ou próximo aos ventrículos podem fornecer importantes modelos animais para o estudo da
esquizofrenia (Lyon, 1991).
Há três procedimentos principais de lesão cerebral que são utilizados como modelo
de esquizofrenia (Lyon, 1991). Consistem de lesões eletrollticas no hipocampo, lesões
eletrollticas na área tegmental ventral (VTA) e injeção de neurotoxinas na região
intraventricular. Essas lesões produzem alterações com portam entais como
comportamentos estereotipados, aumento do comportamento exploratório, catatonia e
comportamento agressivo, que correspondem a alguns sintomas da esquizofrenia. Portanto,
os modelos animais de lesões cerebrais têm como fundamento aspectos biológicos da
esquizofrenia humana, e mimetizam alguns aspectos comportamentais.

511 C ilcn c R<r).inr Ramos A lve s e M aria rrrcsa A rau io Silva


1.1.2 Assimetria Cerebral
Estudos mostram que desvios de lateralidade cerebral ou talvez a perda da
interação bilateral dos hemisférios é uma importante característica biológica da
esquizofrenia (Lyon, 1991). Embora esse fenômeno tenha causas não muito conhecidas
em seres humanos, observou-se que o cérebro de animais também possui diferenças
entre hem isférios. Essas diferenças são dem onstradas pelo conteúdo de
neurotransmissores nos hemisférios e pela diferença na resposta dos mesmos a tratamentos
com drogas.
Os modelos animais de assimetria cerebral tentam simular as diferenças de
lateralidade cerebral através do comportamento rotatório induzido por estimulantes
dopaminérgicos e pela observação da assimetria do conteúdo de dopamina (DA) sobre os
dois lados do cérebro de ratos. Assim, o aumento da rotação está diretamente relacionado
ao aumento de DA em um dos hemisférios cerebrais. Os modelos de assimetria cerebral
da função DA parecem ser importantes modelos para o estudo da lateralidade hemisférica,
mas a sua relevância para a esquizofrenia ainda não está clara (Lyon, 1991).

1.1.3 Abrasamento ("Kindling")


Outro modelo de manipulação do SNC é o abrasamento. Esse modelo simula
comportamentos estereotipados e convulsões por administração de agonistas
dopaminérgicos (p. ex., metanfetamina) no sistema límbico (amígdala) de animais. A
principal semelhança do modelo de abrasamento com a esquizofrenia está na forma de
tratamento, pois o uso de neurolépticos (p. ex., pimozida) reduz os sintomas de ambos
(Lyon, 1991).
O abrasamento, como os outros modelos baseados em manipulações do SNC,
tem relações significantes com a estrutura mesollmbica e o próprio hipocampo, e se
presta principalmente a estudar o sistema límbico como base biológica da esquizofrenia.
A similaridade com os aspectos biológicos ou comportamentais da esquizofrenia humana
indica que esses modelos têm boa validade de face na simulação da sintomatologia dessa
síndrome em animais.

1.2 Modelos baseados na ação de Drogas e Neurotransmissores


Os sintomas esquizofrênicos também podem ser mimetizados pela ação de drogas
e neurotransmissores. Os modelos animais que manipulam drogas e neurotransmissores
constituem importantes instrumentos de simulação da esquizofrenia. A maior parte das
drogas e neurotransmissores manipulados têm relação com o sistema dopaminérgico,
dada a importância que se atribui a esse neurotransmissor na biologia da esquizofrenia.

1.2.1 Drogas estimulantes


Os modelos animais relacionados a drogas estimulantes como anfetamina,
apomorfina, feniletilamina (PEA) e metilfenidato se baseiam na similaridade com a
sintomatologia da esquizofrenia humana produzida por essas drogas.

Sobre Comportamento e Coflnlçâo 53


Estudos mostram que a anfetamina é um composto de efeito psicoestimulante
de ação dopaminérgica capaz de causar psicose em seres humanos (Graeff, 1989). A
capacidade da anfetamina ou da apomorfina em produzir sintomas psicóticos em animais,
em particular uma marcante estereotipia motora, fornece uma alta validade de face para
os modelos relacionados com essas drogas (Lyon, 1991; McKinney e Moran, 1981). As
drogas neurolépticas, caracterizadas por bloquear a ação dopaminérgica, são altamente
eficazes na redução dos sintomas que simulam a esquizofrenia, demonstrando que os
experimentos animais que utilizam estimulantes dopaminérgicos (DA) também possuem
boa validade preditiva para o teste de novos antipsicóticos, isto ó, para triagem (Ahlenius,
1991; Lyon, 1991).
Os modelos relacionados com a PEA utilizam essa substância endógena,
encontrada no cérebro, para produzir comportamentos estereotipados similares aos
produzidos pela anfetamina em animais (Lyon, 1991; McKinney e Moran, 1981). A base
do modelo são evidências que mostram que há aumento da secreção dessa substância
na urina de esquizofrênicos, e talvez o excesso da PEA possa ser a causa desse distúrbio
psiquiátrico (Lyon, 1991). Portanto, os modelos animais de PEA são importantes modelos
de esquizofrenia porque simulam características biológicas e comportamentais dessa
síndrome.
Estudos mostram que o metilfenidato, estimulante catecolaminérgico, produz em
esquizofrênicos aumento de sintomas psicóticos, acompanhado de aumento do batimento
cardíaco e pressão sangüínea (Lyon, 1991). Os modelos animais relacionados com o
metilfenidato utilizam, basicamente, a reprodução dessas medidas fisiológicas (aumento
do batimento cardíaco e pressão arterial) para simular a esquizofrenia humana. Embora
tenha similaridade biológica com a esquizofrenia, este modelo é pouco utilizado.

1.2.2 Drogas alucinógenas: LSD


Como alucinações são um sintoma importante da esquizofrenia, vários modelos
foram criados com base na ação de drogas alucinógenas, em especial o LSD. O LSD é
um agente sintético responsável por produzir alucinações em humanos e animais. Porém,
os sintomas específicos produzidos pelos agentes alucinógenos em sujeitos que não
utilizam droga e em esquizofrênicos não parecem ter semelhanças comportamentais
confiáveis com os sintomas da esquizofrenia humana (Lyon, 1991; McKinney e Moran,
1981). Particularmente, as alucinações esquizofrênicas são predominantemente auditivas,
enquanto que o LSD produz caracteristicamente mudanças visuais. Assim, os experimentos
animais que utilizam agentes alucinógenos proporcionam um bom conhecimento da
farmacologia desses compostos, mas não produzem modelos animais proveitosos para a
simulação da esquizofrenia (McKinney e Moran, 1981).

1.2.3. Opióides
Os modelos animais relacionados com opióides tentam fazer um paralelo com a
esquizofrenia humana por simularem o sintoma catotônico da esquizofrenia. A catatonia
pode ser medida pelo comportamento de imobilidade, falta de reação e redução da atenção
produzido por drogas opiáceas endógenas (p.ex., betaendorfina) e exógenas (p.ex., morfina)

54 Cilcnc Rejanc Rdmo* A lv c * e M aria Tcreta Araujo Silva


em animais (Lyon, 1991). A produção desses sintomas esquizofrênicos específicos parece
resultar da participação de substâncias opiáceas endógenas e da interação destas com o
sistema de regulação da DA. Dessa forma, os modelos animais de drogas opiáceas parecem
estar mais relacionados com a função neuromoduladora do sistema DA na produção desses
sintomas. Esse modelo não replica a extensão dos sintomas presentes na slndrome.

1.2.4 Dopamina (no núcleo accumbens)


Estudos mostram que injeções de dopamina (DA) no núcleo accumbens produzem
hiperatividade em animais, mas esse sintoma sozinho não é um indicador adequado de
esquizofrenia (Lyon, 1991). A falta de replicaçãode medidas comportamentais seguras,
nesse tipo de experimento, não fornece suporte para considerar o modelo de injeções de
DA no núcleo accumbens um método confiável de simulação da esquizofrenia.

1.2.5 Outros agonistas dopaminérgicos


O desenvolvimento de novos compostos antipsicóticos tem sido investigado por
alguns modelos animais de esquizofrenia. Esses modelos utilizam agonistas dopaminérgicos
(DA) para produzir alguns sintomas como emese, inibição da prolactina, hipotermia e aumento
da rotação, os quais podem ser tratados com antipsicóticos. Os modelos animais relacionados
com agonistas DA possuem boa validade preditiva para o estudo de novos compostos,
permitindo a comparação com drogas já existentes. Esse tipo de estudo permite a descrição
do perfil farmacológico e do mecanismo de ação de novos agentes terapêuticos utilizados
no tratamento farmacológico da esquizofrenia (Ahlenius, 1991). Muitos modelos animais de
agonistas DA são utilizados no desenvolvimento de novos antipsicóticos, e constituem bons
modelos de triagem (Weiss e Kilts, 1995).

1.2.6 Serotonina (5-HT)


Evidências mostram que o aumento de 5-HT, pela administração de altas doses
de fenfluramina, produz distúrbios psicóticos acompanhados de alucinações em voluntários
humanos. No entanto, o desequilíbrio de 5-HT parece ser ainda duvidoso como principal
aspecto biológico da esquizofrenia humana (Lyon, 1991). Ainda assim, a serotonina é
usada como base de modelo animal de esquizofrenia. Essa substância e algumas outras
produzem, em animais, também com altas doses (>15 mg/kg), sintomas da “síndrome de
5-HT” (tremor, aumento do balançar da cabeça, levantamento da cauda). Alguns desses
sintomas, mas não a maioria, possuem similaridade com a sintomatologia da esquizofrenia
humana. Os modelos relacionados com 5-HT parecem não oferecer, ainda, confiabilidade
para simulação da esquizofrenia em animais.

1.2.7 Ácido gama-aminobutlrico (GABA)


Os modelos animais relacionados ao GABA também não constituem modelos
confiáveis para a simulação da esquizofrenia. Embora estudos demonstrem que os
agonistas GABA (p.ex., muscimol) simulam comportamentos estereotipados (parecidos
com os produzidos por agonistas DA), a complexidade desse sistema, ora exacerbando

Sobre Comportamento e CojjniçJo 55


ora reduzindo a ativação da DA, parece não fornecer validade aos modelos animais
relacionados com esse neurotransmissor.

1.2.8Antagonistas de glutamato
O glutamato (GLU), importante neurotransmissor excitatório, ó encontrado em
várias regiões do cérebro, como córtex pró-frontal medial, parte rostral do corpo estriado,
núcleo accumbens (Lyon, 1991). A relação do GLU com a esquizofrenia parece ter ligação
com seu papel como neurotransmissor ou modulador em neurônios do hipocampo. Estudos
verificaram que alterações nos níveis de GLU em algumas regiões do cérebro, em especial
no hipocampo, são encontradas no cérebro de esquizofrênicos (Lyon, 1991 ). Antagonistas
desse neurotransmissor, como ester-dimetil-ácido-glutâmico (GDEE), produziram em
experimentos animais alterações comportamentais como aumento do catalepsia e
locomoção, que possuem semelhança com os sintomas da esquizofrenia. Dessa forma,
os modelos animais que utilizam antagonistas de GLU parecem reproduzir alterações
biológicas presentes nesse distúrbio psiquiátrico.
Concluindo, os modelos animais descritos acima, que utilizam ações de drogas e
neurotransmissores, são sem dúvida importantes instrumentos para a simulação da
esquizofrenia humana. Desses, os modelos relacionados com a dopamina (DA) constituem
os modelos animais mais completos na simulação dos principais sintomas desse transtorno,
uma vez que o sistema de neurotransmissão dopaminérgica parece funcionar em excesso
na esquizofrenia, como já foi dito. Sintomas do tipo alucinações, desordens motoras,
estereotipias da fala e ações, e alguns outros sintomas específicos dessa síndrome encontram
uma similaridade muito grande com sintomas produzidos por algumas drogas estimulantes
de ação dopaminérgica (Lyon, 1991; McKinneyeMoran, 1981). Além disso, alguns modelos,
como o de agonistas dopaminérgicos, são bastante utilizados em triagem industrial.

1.3 Modelos baseados em variáveis ambientais


Esses modelos animais simulam a esquizofrenia humana através de manipulações
do meio ambiente. Utilizam tratamentos não farmacológicos para mimetizar sintomas
específicos dessa síndrome em animais. Em geral são mais demorados e trabalhosos do
que os expostos acima.

1.3.1 Isolamento social


Muitos estudos que focalizam o isolamento social sugerem que o desequilíbrio
na comunicação social e a falta de contato social são sintomas principais da esquizofrenia
(Lyon, 1991; McKinney e Moran, 1981). Os modelos animais que utilizam o isolamento
social como um fator causador de psicoses se preocupam, principalmente, em verificar a
conseqüência futura da falta de contato social durante o início de vida. Os resultados
desses experimentos mostram estados depressivos acompanhados de severas alterações
comportamentais no animal adulto (Lyon, 1991; McKinney e Moran, 1981). Esses sintomas
se assemelham aos sintomas depressivos apresentados por pacientes esquizofrênicos.
Outra semelhança das conseqüências do isolamento social com os sintomas
esquizofrênicos é que em ambos ocorre aumento da atividade de DA na região do estriado.

56 Cilenc R rjant Ramo* A lv c * e M aria Tcr«d Araújo Silva


Portanto, os modelos de isolamento social, por terem boa validade de face, se constituem
em modelos animais confiáveis.

1.3.2 “Resposta de esquiva condicionada" (CAR)


O modelo animal que utiliza a exposição a choque elétrico no paradigma de
resposta de esquiva condicionada (CAR) ó considerado um bom modelo para avaliar a
eficácia de novos compostos antipsicóticos (teste de triagem). Nesse tipo de procedimento
o animal ó treinado a evitar um choque elétrico sobre as grades que compõem o chào de
uma caixa de dois compartimentos (shuttle-box). Os bloqueadores dopaminórgicos (p.ex.,
clorpromazina) caracterizam-se por suprimir o comportamento de esquiva em doses que
não afetam a fuga ao estimulo aversivo. Assim, o modelo animal de CAR fornece boa
validade preditiva para a avaliação de novos compostos terapêuticos no tratamento da
esquizofrenia e é bastante utilizado como teste de triagem (Ahlenius, 1991).

1.3.3 Campo Aberto


Outro modelo animal baseado na manipulação de variáveis ambientais utiliza a
observação do comportamento exploratório no campo aberto. Esse modelo se vale da atividade
locomotora espontânea do animal para verificar a eficácia dos novos antipsicóticos. Os
compostos antipsicóticos são caracterizados por suprimir o comportamento exploratório do
animal nesse modelo experimental (Ahlenius, 1991) e, assim, novos compostos podem ser
testados para se verificar se também produziram esse efeito. O modelo de campo aberto
tem, portanto, boa validade preditiva para o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos.

1.3.4 Inibição pré-pulso (PPI)


O modelo de resposta ao alarme acústico ou inibição pré-pulso (PPI) se refere ao
efeito inibitório do reflexo de alarme pela apresentação de um estimulo auditivo de intensidade
mais fraca, imediatamente antes do estimulo que produz o alarme (Varty e Higgins, 1995).
Estudos demonstraram que esquizofrênicos apresentam uma resposta de alarme mais
intensa que sujeitos normais, nesse modelo experimental (Lyon, 1991). Essa diferença
parece estar relacionada a alterações de atenção apresentadas pelos indivíduos psicóticos,
com sua diferenç»no controle por estímulos ambientais salientes (Varty e Higgins, 1995).
A abolição da PPI pode ser verificada em animais através de injeções sistêmicas de
agonistas dopaminérgicos (p.ex., anfetamina), enquanto os antipsicóticos, por exemplo,
a risperidona, caracterizam-se por reverter esse efeito (Lyon, 1991; Varty e Higgins, 1995).
Portanto, o modelo de PPI parece ser um bom método para simulação da esquizofrenia
em animais, por possuir boa validade de face.

1.3.5 Inibição latente (LI)


Outro modelo animal que utiliza a manipulação de variáveis ambientais é o modelo
de prô-exposição ao CS ou inibição latente (LI). Conceituado como modelo de
aprendizagem de irrelevância, o modelo de LI tem como fundamento básico o fato de que
a pré-exposição a um estímulo sem conseqüência dificulta um condicionamento posterior

Sobre Comportamento e Cogniçdo 57


Tabela 2. A lg u n s modelos animais tlc esquizofrenia *

M u n lp iila ^ V * Medida« l'iiiid » m c n to * ripo


(p rin c ip a l)

NT I COMP | DKOCA
S lM cm * Nervim» ('e n lm l
(SNC):
1.esiVs cerebrais Istereotipias, compt" 1) Si mu lav Ao
exploratório, posiura, ngresnio

Assimetria cerebral KotaçAo DA 1) Simulação

Abrasamento Convulsflo c cstereotipia* DA C SimulavAo

Drogav c
N curotram m issorcs:

Drogas estimulantes:

-Aníctamina.apomorfina Kwcrcofipta* DA C, li X Siinulavilo,


e PI-.A Triagem
-M ctillenidato l*res.sAo snnguinca c batimento ('A C SimulavAo
cardíaco

Alucinógemw: LS I) Alucinares cm animais Indolamihas C SimulagAo


(excesso dc investigacAo.
compl’ Parecidos com
disputa, aumento dc
chicoteada*. tal la dc limpc/.a)

<>pióides ( iilatonia Opióides C Simulai; Ao

Dopumina (no núcleo llípctalividadc. Iimpc/Ji c DA C SimulaçAo


aivtinihfHs) compl“ exploratório

Outros agonistas 1 mesc. prolactin«, DA X Triagem


dopaminérgicos lem|KTaiina, convulsAo,
catclcpsia c rota^Ao

Serotonina (5-H T) Sindrome <tc 5-111 (tremor, Indolaminas C SimulaçAo


Uilanvur da cahcca.
levantamento ila cauda )

C AMA lístereoíipias ( iA H A /D A C Simula^Ao

Antagof)Ml;w gJuiumuto (. iiinlcpsifl, locomovAo íiJ .I J 1) SimuluvAo

V ariávvi« Am bientais.

Isolamento social Contato social DA c SimulavAo

líxposiçáo a cIuk |iic elétrico Isqinva DA X Triagem


(C AR )

Campo iibcrto UtcomovAo exploratória DA X Triagem

Cré-cxposiçAo a um estímulo Alarme DA C SimulagAo


auditivo (1*1*1)

l'ri-e.xf>osiç<l<> ao ( S (l.l) “ InibiçAo lalcnlc" c SimtilaçAo

N T, a lterado na ncurotransmissAo. C O M I*, curactcristicu da csqiu/olrcm u, H, biológica, ( ' cim ipixiuincnlal l)R (
eleito de anlipsicótico,
* I'.sta tuhclu baseia-sc cm M c K in n cyc M oran.1981; Lyon, 1991 c Ahlenius 1991

58 Cllcnc Rejanr Ramos Alves e M aria leresa Arauí« Silva


em que esse estímulo tenha funçáo de estímulo condicionado (CS). A inibição latente (LI)
da resposta condicionada parece ser um bom mótodo animal para o estudo da atenção
seletiva (Lubow, Weiner, e Feldon, 1982). O fenômeno de LI parece simulara deficiência
na atenção, apresentada na esquizofrenia, que ó expressa no uso de estratégias não
eficientes e inflexíveis para “filtragem de estímulos", e que pode ser entendida numa análise
comportamental como uma alteração no controle do comportamento pelo contexto. Estudos
experimentais com seres humanos deram forte suporte para o fenômeno de LI como
modelo animal de sintomas da esquizofrenia com validade de construto (Alves, Guerra, e
Silva, 1999; Weiss e Kilts, 1995).
Portanto, os modelos que utilizam variáveis ambientais fornecem subsídios im­
portantes para o entendimento dos aspectos comportamentais envolvidos na
esquizofrenia. Desses, são especialmente interessantes os modelos de PPI e de LI, pois
se baseiam em uma deficiência crítica da esquizofrenia de ordem cognitiva, envolvendo a
atenção. Procedimentos que avaliassem perturbações na atenção possibilitariam um teste
direto do potencial de neurolépticos putativos (Alves, 1998).
Em resumo, a utilidade de um modelo animal de esquizofrenia é evidente, pois
permite testar novos compostos e pesquisar seu mecanismo de ação. Porém, a simulação
da esquizofrenia de modo válido, sensível e fidedigno não é tarefa fácil, pois a síndrome,
como já mencionado, ó complexa e se caracteriza por sintomas especificamente humanos.

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Sobre C omportamento c Coflmçilo 59


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60 Ctlenc Rcjitnc Rtimot Alves c M.in.i TcrcM A niu/o Silva


Capítulo 7
Anorexia nervosa: etiologia e estratégias de
enfrentamento
Penise Ccrqueira Leite / lel/er'

A anorexia nervosa è um transtorno alimentar que se caracteriza por medo intenso de engordar, atenção voltada para dieta
e magreza, percepçAo corporal distorcida, peto abaixo de 85% do esperado e amenorréla. Ê prevalente em mulheres,
Inicia-se entre 13 e 18 anos, com dieta restritiva, podendo chegar ao jejum completo. Podem ocorrer comportamentos de
purgaçAo e prática excessiva de exercícios. A anorétlca apresenta auto-estima rebaixada, falta de habilidade social e
perfeccionismo. O tratamento è multldiscipllnar e, em funçAo do estado clinico da cliente, pode «er ambulatorinl ou
Institucional. 0 primeiro passo consiste no monitoramento de todas refeições para assegurar o ganho de peso e evitar u
purgação. O tratamento psicoterâpico è importante, poróm, esta cliente dificilmente vem á terapia por vontade própria,
já que sua magreza nAo a incomoda Qualificar seus medos e mostrar os prejuízos resultantes da doença auxiliam no
estabelecimento de vinculo. Uma vez em terapia, é preciso trabalhar-se seu padrAo de pensamento distorcido, ligado A
magreza; aumentar seu repertório comportamental, especialmente em habilidades sociais, para assegurar-lhe mais
fontes de reforçamento. A família deve participar do tratamento para promover a autonomia da cliente.

Palavras chave Auto-estima, Anorexia nervosa,Transtorno alimentar.

Anorexia Nervosa Is an eating disorder characterized by Irrational fear of becoming overweight, amenorrhea, craving for
thlnnesH, body insatisfaction, underweight (less them 85% minimal healthy weight) The high prevalence Is In girls; It
begins between 13 and 18 years old. The weight loss Is reached with a restrictive diet or a complete fast. Some additional
purging behaviors can occur with or without excessive exercise practice. The client presents low self-esteem, perfectionism
and a lack of assertiveness behaviors. The first step of treatment concerns In establishing a minimum dally caloric intake
Psychotherapy Is necessary but usually the client doesn’t want to do it because her weight Isn’t a problem for tier It’s
Important to make a bond with this person and the acceptance of her fears Is a way of doing it. The psychologist must
assist the client In Identifying and replacing any distorted thoughts that trigger hoarding behavior, develop assertive
behaviors that allow a healthy expression of emotions and hold family therapy sessions that focus on issues of
separation and emancipation.

Key words: Self-esteem, Anorexia nervosa. Eating disorder

A Anorexia Nervosa é um transtorno alimentar que se caracteriza por; medo intenso


de engordar, atenção voltada para dietas e magreza, percepção corporal distorcida, peso
abaixo de 85% do esperado e amenorréia de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos.
É mais freqüente em mulheres, iniciando-se entre 13 e 18 anos. (Bruch, 1984; Castilho,
2001; Duchesne & Appolinário, 2001; Duchesne, 1998; Herscovici, 1997). Freqüentemente,
a perda de peso ó conseguida por meio da redução de ingestão alimentar. Podem começar
excluindo de sua dieta alimentos que percebem como altamente calóricos, mas a maioria
termina em uma dieta muito restritiva, podendo haver jejum completo (Castilho, 2001;
Duchesne, 1998). Métodos purgativos tais como uso de laxantes, diuréticos, anorexlgenos

Unlver»Kl*de Tulull do Pararuk

Sobre Comportamento e Loflni(<k> 61


podem ocorrer acompanhados ou não de exercício físico excessivo. (Castilho, 2001;
Duchesne, 1998; American Psychiatric Association, 1994; CID-10,1993). Além dos distúrbios
comportamentais associados a esta patologia podem ocorrer sintomas neurofisiológicos
causados por desequilíbrio neurolítico, tais como: hipotermia, cefaléia, perda de interesse
sexual, letargia, cabelos e unhas quebradiços, pele seca recoberta de pelugem, arritmia
cardíaca, anemia, entre outros (Duchesne, 1998; Jongsma, Peterson, Maclnnis, 2000).

Caracterização
A anorótica apresenta auto-estima rebaixada, perfeccionismo, falta de habilidade
social, repertório comportamental limitado e tendência a se auto-avaliar a partir da opinião
dos outros. Tende a atribuir todo seu insucesso, em diferentes áreas de sua vida, ao seu
corpo e não discrimina suas limitações em termos de habilidades sociais. Este indivíduo
apresenta sensação de falta de controle em sua vida e a recusa em comer parece ser sua
única fonte de controle (Duchesne, 1998), sendo, portanto, auto-reforçadora para a anorética.

Características da Famílía
A família deste tipo de cliente apresenta padrões de comunicação disfuncionais
(Cordás, Cobelo, Fleitlich, Guimarães, Shonner, 1998; Herscovici & Bay, 1997; Steimberg
& Phares, 2001), que dificultam a expressão de sentimentos e o estabelecimento de
vínculos efetivos. Mostram-se bastante rígidas, com regras de funcionamento inflexíveis,
atribuem grande importância ao corpo e ao sucesso e parecem esperar este tipo de
comportamento por parte de seus membros.
Muitas vezes, os pais são superprotetores e impedem o desenvolvimento da autonomia
de seus filhos. É bastante freqüente que um dos pais, em geral a mãe, faça dieta e exercícios
(Bruch, 1986; Steimberg & Phares, 2001). A família tende a esquivar-se da doença até porque
num primeiro momento, quando a filha inicia a dieta restritiva e emagrece, seu comportamento
é reforçado, já que nestas famílias a magreza está associada ao sucesso. Quando a perda
de peso é excessiva, ainda assim, a família pode esquivar-se da doença. A figura 1 demonstra,
esquematicamente, o desenvolvimento da Anorexia Nervosa.
A falta de habilidades sociais leva a um repertório comportamental reduzido que
faz com que o sujeito tenha poucas fontes de reforçamento, assim sendo, emagrecer
passa a ser um reforçador em si. Como este sujeito tem no emagrecimento praticamente
sua única fonte de reforçamento, quer mantê-lo a todo custo, e isto é gatilho para o
aparecimento de pensamentos obsessivos tais como; “não posso engordar", "só serei
aceito se for magro". Estes pensamentos eliciam ansiedade e esta é reduzida a partir de
comportamentos compulsivos que acabam por promover o isolamento social: a anorética
esquiva-se de reuniões sociais para não ter de comer e evita atividades recreativas porque
a prática de atividade física exagerada não lhe permite organizar seu tempo.

Tratamento
“Muitos estudos controlados de transtornos alimentares em crianças e
adolescentes têm sido feitos, entretanto, continua sendo necessário que se
estabeleçam métodos efetivos de tratamento para esta população específica,
A literatura com clientes adultos traz três modalidades que se têm mostrado

62 Perils«Cerqueiml.cilc Hcllcr
promissoras e aplicáveis a crianças e adolescentes. São elas: terapia
comportamental, terapia comportamental cognitiva e terapia interpessoal"
(Gore, Wal, & Thelen, 2001, pág. 293).

Todos os tratamentos da Anorexia Nervosa envolvem uma equipe multidisciplinar


com psicólogo, nutricionista, psiquiatra e clinico geral. O primeiro passo neste processo
é decidir-se, em função do estado geral de saúde física e mental da cliente, se o tratamento
será ambulatorial ou institucional. Opta-se pelo internamento quando a cliente apresenta
risco de suicídio, perda ponderai rápida e complicações físicas (Gore e cols, 2001) ou
quando o tratamento ambulatorial falha.
O tratamento ambulatorial, embora menos traumático para a cliente, obedece às
mesmas etapas do institucional. Em ambos os casos, o primeiro objetivo é fazer com

Sobrf Comporldmrnto r Cojiniçáo 63


que a anorética ganhe peso e volte a comer. Alguns autores sugerem que o mais importante
seja o consumo de alimentos e nâo o ganho de peso (Gore e cols, 2001). Para que a
cliente volte a se alimentar, todas sua refeições são monitoradas o que assegura o consumo
da dieta prescrita e evita a purgação. Como engordar é extremamente aversivo para estas
pessoas, voltar a comer pode gerar muita ansiedade, pois a ansiedade está associada a
ganho ponderai. A fim de solucionar este problema, a pesagem semanal é feita para
auxiliar na discriminação do ganho real de peso e prevenir recaídas.
O tratamento psicoterápico é fundamental, entretanto este tipo de cliente
dificilmente vem à terapia por vontade própria, já que sua magreza não o incomoda. Além
disto, ela tem muito medo de engordar e é freqüentemente pressionada neste sentido, o
que pode levá-la a perceber no psicólogo mais uma pessoa que tentará fazê-la ganhar
peso. Qualificar seus medos, abordar os sintomas orgânicos (tonteira, perda da memória
etc) provocados pela doença, além de explicar-lhe no que consiste o treino em habilidades
sociais e autocontrole, são estratégias que facilitam a estabelecimento de vinculo e
aumentam a probabilidade de permanência deste sujeito em terapia.

Terapia Familiar
Muitos autores afirmam que os transtornos alimentares são um problema familiar,
dal a importância da participação da família no processo terapêutico. A terapia familiar
deve trabalhar com os padrões de comunicação disfuncionais destas famílias que
geralmente apresentam dificuldade de expressão de sentimentos, inassertividade, crítica
exacerbada (Fischer e Birch, 2001; Jongsma e cols, 2000).
A modificação do estilo de vida muitas vezes é necessária a fim de que seja
desfocada a atenção ao peso e corpo. Deve-se evitar falar sobre dietas e exercício na
presença da anorética. Muitos pais, sem perceber, modelam em suas filhas comportamentos-
problema que mantêm a patologia. Diminuir o grau de exigência frente ao sucesso é
fundamental, já que, para estas pessoas, ele está atrelado à magreza. Trabalhar a ansiedade
dos pais pode ser necessário para que dêem mais autonomia a sua filha. (Jongsma, e
cols., 2000). Não é raro se encontrar, neste tipo de família, pais superprotetores que dificultam
ou até impedem o desenvolvimento de habilidades sociais por parte da anorética. Como
vimos antes, este é um dos gatilhos da anorexia nervosa.
A culpa deve ser discutida, porque os pais se punem pelo fato de terem demorado
a perceber a doença..
"Quando a família consegue compreender a dinâmica do seu funcionamento,
abre-se a possibilidade de transformar e substituir os sentimentos de culpa
pelos de responsabilidade e participação, o que permitirá, sem dúvida,
compreender melhor as dificuldades e os problemas do sistema familiar"
(Cordás e cols., 1998 pág. 53).

Tratamento medicamentoso
O uso de medicação para tratamento de anorexia nervosa é bastante controverso.
Alguns autores (Cordás e cols, 1998; Duchesne, 1998) sugerem o uso de antidepressivos,
embora outros (Strober, Freeman, DeAntonio, Lamport & Diamond, 2001) afirmem que
na anorexia nervosa a medicação não se mostra eficiente nem para promover adesão à
dieta nem para ganho de peso.

64 Penltc Crrquelra Leite Iíeller


Um Estudo de Caso
Cliente:
Menina, 14 anos e seis meses, apresentando perda ponderai de 25 quilos nos
seis meses anteriores ao início da psicoterapia.
Dinâmica familiar:
Filha única, mãe (48 anos), pai (59 anos), ambos bastante preocupados com
sua aparência. A mãe, do lar, afirmou que seu marido exige que esteja sempre bonita, já
que não trabalha. Fez cirurgia plástica, lipoaspiração, fazia dieta e tinha um personal
trainer com quem praticava exercícios diariamente a fim de manter-se “em forma". Era
responsável por organizar todas as festas em sua casa que, segundo ela, eram bastante
freqüentes em função da profissão do marido. O pai "cuidava-se", pois sua esposa ó mais
jovem; já fez cirurgia plástica de rosto e praticava, diariamente, junto com a esposa,
exercícios. É empresário e declarou ter muito medo de seqüestro em função do seu nível
sócio-econômico. Não permitia que a esposa nem a filha saíssem sem um segurança e
sempre em carro blindado. Não era permitido a filha sair com amigos, ela os trazia em
sua casa. Não podia viajar com amigas nem participar das excursões da escola. Quando
viajavam, permitiam que a filha convidasse uma amiga e pagavam as despesas.
Queixa dos pais:
A queixa foi trazida pelos pais que estavam assustados com a magreza de sua filha.
Segundo eles, o médico da família sugeriu atendimento psicológico. A filha não achava
necessário. Mostravam-se bastante disponíveis a participar do tratamento, pois estavam em
pânico frente à gravidade do caso e não queriam interná-la sob hipótese alguma.
Queixa da cliente:
A cliente veio á terapia afirmando que sua magreza não a incomodava, não
conseguia entender a preocupação dos pais pois, segundo ela, eles sempre lhe falaram
para emagrecer. Relatou ter sido sempre "gordinha" e afirmou estar muito feliz com seu
corpo magro. Estava preocupada com a perda de memória que vinha apresentando porque
suas notas na escola pioraram e ela não podia suportar isto. Sempre fora a primeira da
classe. Quanto ao início da dieta, relatou que seis meses antes havia se interessado por
um rapaz do colégio, mas ele acabou namorando uma colega sua que era mais magra.Teve
certeza de que se emagrecesse conseguiria este namorado. No início, cortou os doces e
as massas mas, gradativamente, passou a só ingerir água e salada verde. Praticava
quatro horas de exercício todos os dias em sua casa, onde havia uma academia de
musculação. Parou de sair porque tinha medo de não resistir e comer, o que estragaria
sua dieta. Sentia falta das amigas mas tinham medo de voltar a vê-las e engordar. Não
entendia porque o rapaz não a namorava, já que estava muito mais magra que sua colega.
Análise funcional:
Comportamento 1: Fazer dieta e exercícios em excesso foi adquirido por modelagem e
modelação.
Hipótese: os pais sempre fizeram dieta, reforçaram o consumo de alimentos
pouco calóricos, deram muita importância à prática de atividade física como forma de

Sobrr Comportdmcnlo e CoflniçAo 65


manter um corpo magro. Construíram uma academia de musculação em sua casa e
contrataram um personal trainer.
Intervenção: os pais foram orientados a não falar e nem fazer dieta na presença
da filha, e a colocarem seu comportamento de recusa em se alimentar em extinção pela
retirada de reforçamento social, pois a cliente exercia, com esta forma de nâo alimentação,
controle intenso sobre o comportamento dos pais.
Comportamento 2: Cuidado com a beleza física controlado pela regra: "as pessoas só
são aceitas se são belas, com um corpo perfeito e magro", aprendida a partir do
comportamento dos pais.
Hipótese: desde pequena ouviu que pessoas belas têm sucesso, viu os pais
fazerem cirurgia plástica. Foi criticada por estar “gordinha" e reforçada positivamente
quando começou a emagrecer e exercitar-se. Quando o emagrecimento tornou-se
excessivo, os pais pararam de reforçá-la, mas neste momento o que passou a manter os
comportamentos de fazer dieta e exercício foi o auto-reforçamento. Emagrecer tornou-se
um fim em si mesmo pois, não tendo controle em quase nenhuma área de sua vida,
controlar a comida passou a ser um reforçador em si.
Intervenção: Por reforçamento diferencial, os pais foram orientados a comentar
os sucessos de sua filha em outras áreas: escolar e artística (piano), que não implicavam
em ter um corpo perfeito. Nesse momento, os sucessos passaram a ser reforçados
positivamente. A cliente declarava que sempre foi boa aluna, mas que estava chateada
porque seu desempenho escolar baixou. A terapeuta a ajudou a discriminar a relação
entre estar desnutrida e perder a concentração, que tinha como conseqüência o baixo
rendimento escolar. Argüida sobre a possibilidade de voltar a ter boas notas, a cliente
declarou que isso seria bastante reforçador, pois sempre fora a primeira da turma. Nesse
momento, a terapeuta propôs que ela passasse a seguir a dieta prescrita apela nutricionista
que tinha como objetivo estabilizar seu peso num patamar aceitável sem deixá-la "gorda",
possibilitando a recuperação da memória e, portanto, dos ganhos em escolaridade. A
cliente mostrou muita ansiedade frente a isto, pois tinha certeza de que, se engordasse,
não seria “amada” pelo rapaz por quem estava apaixonada. Esta declaração da cliente
confirmava a regra acima descrita.
A terapeuta propôs que ela seguisse a dieta e fosse pesada semanalmente, a
fim de assegurar que não ganharia peso excessivo. Foi acordado entre elas que suas
refeições seriam monitoradas pela mãe ou pela empregada, a fim de ajudá-la a consumi-
las. A mãe e-a empregada foram orientadas a não punir a cliente quando esta não quisesse
se alimentar. Foi combinado que telefonassem para a terapeuta se houvesse problemas.

Comportamento 3: relato de situações que mostram a faíta de repertório em habilidades


sociais.
Hipótese: os pais ansiosos e cuidadores fizeram a cliente desenvolver reações de
ansiedade e comportamentos de esquiva frente às situações sociais. Sempre fizeram por
ela ou a impediram de se relacionar socialmente (ter amigos, sair com colegas e viajar).
Assim sendo, as habilidades sociais não foram desenvolvidas e, em situações em que a
cliente necessitava interagir com outras pessoas, a ansiedade era eliciada e vários operantes
de esquiva eram emitidos.

6ô Pcnlsc Ort]U(ird Leite I Icllcr


Intervenção: a terapeuta orientou os pais a deixarem a paciente sair mais de casa,
foi discutido com os pais a necessidade de a cliente de estabelecer convívio social, isto é,
sair com seus amigos, freqüentar suas casas e eventualmente até viajar com eles. Isto foi
feito com a explicação de que se ela não desenvolvesse repertório em habilidades sociais,
sua anorexia não seria curada. Neste momento, o comportamento dos pais, que estava sob
o controle de estimulo “medo" de perder a filha em um seqüestro ou assassinato, passou a
ser controlado pelo medo de que ela morresse de fome. Isto provocava muita ansiedade nos
pais, mas mesmo assim as saídas da filha desacompanhada foram programadas com a
terapeuta de forma gradual. Num primeiro momento, ela foi à casa das duas amigas junto
com o motorista no carro blindado e o guarda-costas. Motorista e guarda-costas ficaram no
carro esperando por ela. Num segundo momento, a cliente foi ao shopping com as duas
amigas, acompanhada do guarda-costa que ficou num lugar combinado e as deixou circular
livremente. Num terceiro momento, os pais permitiram que a cliente fizesse uma excursão
com a escola. Ao voltar da viagem, a cliente relatou muita ansiedade, disse que teve dificuldade
para conversar com os colegas e se "entrosar”; o contato com os pares gerava ansiedade e
tomava-se aversivo. Esta ansiedade era reduzida quando ela se esquivava de contatos sociais.
A terapeuta auxiliou a cliente a discriminar suas esquivas e por conseqüência a motivou a
iniciar um treinamento em habilidades sociais. A resposta de ansiedade foi contra-condicionada
pelo treinamento em habilidades sociais e a resposta de esquiva entrou em extinção.
Comportamento 4: reações emocionais que denotavam baixo limiar de resistência a
frustração.
Hipótese: filha única, superprotegida, nunca dividiu a atenção dos pais, foi
reforçada por eles em seus comportamentos de esquiva social. Ao se apaixonar e náo
ser correspondida atribuiu seu fracasso a seu peso, já que esta era uma regra da família.
A cliente não conseguia discriminar que a sua falta de habilidades sociais dificultava e
prejudicava seu relacionamento com os pares. O seu fracasso em não conseguir o
"namorado" possivelmente não era contingente ao seu peso, mas sim à sua inabilidade
para relacionar-se. A regra de que "só pessoas magras são amadas” confirmou-se para
esta adolescente quando o rapaz que lhe interessava passou a namorar uma colega mais
magra. Optou por fazer dieta restritiva e muito exercício esperando o reforço futuro,
namorar. Embora tenha emagrecido excessivamente, seu comportamento não foi reforçado
(não conseguiu o namorado). O comportamento compulsivo de fazer dieta e exercício se
manteve, apesar da punição, poisa regra, ainda mantida, fazia-a repetir exaustivamente
os mesmos comportamentos, sem perceber que esta não era a forma de obter o que
desejava. A ansiedade gerada pela possibilidade de vir a ser gorda só era aliviada quando
ela fazia dieta e exercícios.
Intervenção: a terapeuta por reforçamento diferencial auxiliou a cliente a discriminar
os estados emocionais acima descritos e, a partir desta discriminação, colocar seu
comportamento sob controle de contingências ambientais e não mais sob o controle de
regras disfuncionais.
Resultados:
Ao final de um ano, o peso da cliente estava adequado e estável. Desenvolvera
repertório em habilidades sociais e era capaz de interagir com seus pares de forma eficaz.
Verbalizava assertivamente seus sentimentos e emoções. Ao final de dois anos de tratamento,
havia retomado as aulas de inglês, treinava vôlei duas vezes por semana e fazia musculação,
cinqüenta minutos por dia, três vezes por semana. Viajava com a escola. Começou a namorar.
A relação com os pais modificou-se e a cliente já era capaz de negociar com eles suas

Sobrr Comportamento e Coflniçüo 67


saídas e viagens. A cliente foi acompanhada por mais um ano, pela terapeuta, e manteve
todos os comportamentos acima descritos, bem como seu peso.

Conclusão
A Anorexia Nervosa ó uma patologia muito grave que pode levar seu portador a
óbito. Portanto seu tratamento ó imprescindível e deve ser feito tão logo o quadro seja
diagnosticado para aumentar a probabilidade de sucesso.
O estudo de caso mostrado acima revela a importância da análise funcional para
o diagnóstico e planejamento das intervenções de tratamento. O manejo das contingências
feito pela família com a orientação da terapeuta é o ponto-chave do tratamento, pois a
partir do momento em que a família mudou o padrão de interação com a cliente, foi
possível que a terapeuta ensinasse à cliente estratégias de enfrentamento efetivas.

Referências
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68 Denise Ccrquciru l.cltc I ieller


Capítulo 8
A valiando programas de autismo:
um caso especial de avaliação de programa '

Donald M. fíaer, PhD.


University ofKansas

Até 200 anos atrás, profissionais examinando uma criança com autismo não
tinham outra categoria a que recorrer a não ser a de idiotice; e aquele diagnóstico significava
que não havia esperança e que não havia nada a fazer. Mas, no final do século XVIII, o
módico francês Jean-Marc-Gaspard Itard foi apresentado a um jovem garoto selvagem
recém-capturado, que aparentemente tinha vivido sozinho na floresta a maior parte de sua
vida. O garoto não tinha linguagem ou habilidades sociais. Descrições sobre ele, escritas
naquele época sugerem agora que ele era um caso de autismo. Itard (1932/1894) resistiu
ao diagnóstico psiquiátrico de idiotice e tomou conta da educação do garoto. Seis coisas
marcantes parecem ter resultado, todas de grande importância para nós hoje.
Primeiro, até certo ponto, Itard foi bem sucedido Segundo, ele publicou uma
descrição de seus procedimentos e seus resultados. Terceiro, sua publicação foi
amplamente lida e citada; ainda é publicada até hoje. Quarto, iniciou a atitude profissional
de que a educação da criança era possível, não importa o diagnóstico. Quinto, possibilitou
uma crescente convicção moral de que já que a educação era possível, era também
mandatória. Setfo, foi a lenta realização de que Itard não sabia muito sobre ciência
comportamental, pois isso ocorreu nos anos 1700. Certamente ele nem mediu o progresso
que ele produziu; sendo que só isto já explica porque ele não conseguiu mais. Naquele
tempo, poucas pessoas sabiam que havia uma ciência de motivação e uma ciência de
ensinar; poucas pessoas sabiam que não se pode ensinar certas lições sem antes ensinar
as lições pre-requisitos.
A suposição da "educabilidade" é mais prevalente hoje, apesar de não ser universal.
Muitos de nós sabemos que se compreendemos as condições que possibilitam mudanças
comportamentais, e se nós analisarmos que o ensino de habilidades avançadas depende
em primeiro ensinar habilidades básicas, nós teríamos mais sucesso que Itard. Mas, o

Tradução AngetoM M Duart», Ph ().

Sobre Comportamento e C'oflmv<1o 69


uso da ciência da motivação e da ciência de mudança de comportamento, e o ensino de
acordo com a estrutura do conhecimento, é um grande, longo, e complexo empreendimento;
tamanho, tempo, e complexidade pedem um programa de ensinos.
Como fazemos aquele programa?
Behavioristas assumem que problemas críticos são, fundamentalmente, uma
ausência dos comportamentos certos e uma abundância dos comportamentos errados. O
único significado de comportamentos certos é que eles ajudarão as crianças a entrarem
no futuro que queremos para elas. O único significado de comportamentos errados, é que
eles vão impedir que as crianças entrem no futuro que queremos para elas.
Nós acreditamos que uma ausência dos comportamentos certos e uma abundância
dos comportamentos errados resultam de muito pouco de procedimentos ambientais certos
e demais dos errados. Nós vemos que essas contingências podem ser mudadas, nós
assumimos que se elas forem mudadas, os comportamentos certos emergirão e os
comportamentos errados desaparecerão. Nós sabemos que a educação de crianças com
autismo exige muito: As contingências casuais que são certas para crianças com
desenvolvimento típico, raramente são bem sucedidas com crianças com autismo. Com
essas crianças, precisamos ensinar em nossa melhor forma. O caso delas requer que
mudemos muitas respostas, frequentemente concorrentemente, na ordem bem certa, com
a motivação bem certa, e o mais rápido e consistentemente possível. Vemos que levará
um período bem longo de trabalho consistente, sistemático, e sofisticado feito por
profissionais apropriadamente treinados.
Um longo período de trabalho consistente, sistemático, sofisticado é chamado de
um programa. O treinamento apropriado dos profissionais também é chamado de um
programa, porque o treinamento também requer um trabalho consistente, sistemático e
sofisticado. No caso de autismo, aquele programa requer também uma longa aprendizagem
com profissionais que sabem mais do que fazer algumas mudanças comportamentais
imediatas. Os melhores programas comportamentais do mundo (e.g., Lovaas, 1987;
McEachin, Smith, & Lovaas, 1993) sabem mais sobre as mudanças comportamentais
requeridas, e como mantê-las indefinidamente. Manutenção indefinida requer equipar as
crianças para entrada e sobrevivência no seio de nossa sociedade. Isso levou muito
tempo para ser descoberto, assim como leva muito tempo para o resto de nós aprender
destes programas o que eles sabem.
Um programa ô uma receita para solver um grande problema. Assim como qualquer
receita, um programa é uma lista de procedimentos e subprocedimentos. Alguns destes
procedimentos determinam quem recebe o programa; outros procedimentos determinam
quem implementa o programa; e o resto dos procedimentos, neste caso em sua maior
parte procedimentos de motivação e de ensino, são feitos para resolver o problema.
Geralmente, podemos imaginar muitos programas diferentes que podem solver o
mesmo problema. Portanto, uma pergunta crucial é quão bem qualquer programa em
particular solve um problema. Se não der certo, podemos rapidamente tentar uma alternativa,
e deveríamos, porque programas são caros. Portanto, temos uma disciplina chamada
avaliação de programas. Meu propósito hoje é traçar a forma geral de avaliação de programa,
e também relacioná-la com o caso especial do autismo.
À primeira vista, parece simples a questão de quão bem um programa em particular
é bem sucedido. Na verdade, essa questão nunca é simples. Avaliação de programas

70 Ponuld M . B«tcr
podem ter seis passos. No mínimo, deveria ter seis passos, e cada um deles pode ser, e
com freqüência é, um problema em si mesmo.
O primeiro passo: Medir o efeito do programa. Se o problema pode ser medido, o
medimos, pelo menos uma vez logo antes do programa ser implementado, e pelo menos
uma vez após o programa ser completado, ou ter alcançado um ponto ótimo. A diferença
entre as duas medidas é uma avaliação do programa; ela mostra quão grande é a diferença
que o programa parece ter feito. O valor da segunda medida, não importa quão diferente da
primeira, é outra avaliação independente do programa; ela mostra quão completamente
nós solvemos o problema.
O segundo passo: Avaliar o que hoje é chamado de fidelidade do programa. Quanto
do programa prescrito foi realmente feito? O que mais que foi feito que não era parte do
programa prescrito? Queremos saber quanto do programa prescrito foi feito, e quanto do
programa sendo avaliado não havia sido prescrito.
O terceiro passo: Mostrar causa e efeito. Nós precisamos saber se a solução
alcançada para o problema foi causada pelo programa. A medida pós-programa pode
revelar bastante soluções do problema, mas se aquilo não foi causado pelo programa, não
é uma avaliação do programa.
O quarto passo: Checar generalização. Muitos programas mudam os
comportamentos alvo no momento e local do programa; mas alguns programas são
conduzidos quando e onde ó conveniente, tal como em uma sala de aula, e não quando e
onde as mudanças de comportamento são mais úteis, tal como em casa, no trabalho, e
na hora de brincar. Comportamentos mudados apropriadamente em um momento e local,
nem sempre permanecem mudados apropriadamente em outros momentos e locais. Um
programa bem sucedido faz mudanças de comportamentos quando e onde elas são mais
necessárias e mais valiosas, e as insere no meio social para manutenção.
O quinto passo: Medir os custos e benefícios do programa e seus resultados. Os
benefícios alcançados pelo programa justificam os custos do programa? Para responder
essa pergunta, nós temos que medir os benefícios e custos do programa com as mesmas
unidades, geralmente dinheiro.
O sexto passo: Avaliar o que hoje é chamado de validade social do programa:
Ver quem tem poder sobre o futuro deste programa, e perguntar a eles quanto eles gostam
dos objetivos, procedimentos, custos, benefícios, e pessoal. As pessoas com poder
sobre o programa devem incluir, pelo menos, os clientes do programa, suas famílias e
defensores, e os profissionais que delineiam e usam o programa, e aqueles que mantém
o ambiente onde o programa é implementado, e quem paga por ele. As pessoas com
poder de manter ou terminar um programa podem fazê-lo quer seja efetivo ou inefetivo,
quer seja feito fielmente ou não, quer cause ou não cause seus aparentes resultados, e
quer seja barato ou caro. A avaliação da efetividade de um programa depende de suas
medidas, generalização, fidelidade, prova, e proporção custo-benefício. Em contraste, a
avaliação do futuro de um programa depende somente de sua validade social. Precisamos
de programas efetivos que sejam apreciados ou pelo menos valorizados mais que suas
alternativas, pelas pessoas que podem determinar os futuros dos programas..
Alternativamente, as pessoas que gostam ou desgostam de um programa devem se
certificar que têm poder suficiente sobre seu futuro.

Sobrr Comportamento e Coflniçflo 71


Esses seis passos criam um número de problemas a resolver.
Primeiro, reconhecer que hoje em dia, quase toda agência oficial rotineiramente
diz que avalia seus programas. A maioria das agências, incluindo as escolas públicas,
avaliam seus programas criando formulários para serem preenchidos pelos funcionários
da agência. Os formulários perguntam aos funcionários da agência se eles seguiram os
procedimentos do programa. Algumas vezes, o propósito principal dos formulários é deixar
os funcionários dizerem que a insuficiência de verbas tornou aquilo impossível. Se e
quando as verbas se tornam muito boas para aquilo, o próximo propósito é deixar os
funcionários da agência dizer Sim, eles seguiram as recomendações do programa. É
costume deles dizer Sim. Portanto, muitos programas de agências fracassam até que
sejam bem financiados, porque até então seus formulários estão cheios de Nãos; depois
muitos programas de agências têm sucesso, porque seus formulários estão cheios de
Sim. Isto é chamado de responsabilidade. Mas aqueles Sim significam somente que o
programa foi feito, não que foi bem sucedido. Talvez essas agências não possam imaginar
que seus programas possam fracassar ou ter baixo rendimento. Isto ainda é chamado de
responsabilidade.
O primeiro problema, então, é que você não pode confiar na avaliação do programa
pela agência. Você precisa saber além de que o programa foi feito; você também precisa
saber o que aconteceu como resultado. O ponto aqui pode ser que a agência tem um
diferente problema a resolver do que você: Você quer seu problema resolvido, e isto requer
um programa que seja bem sucedido; a agência quer sobreviver a política das agências, e
aquilo requer apenas que eles tenham programas para os problemas dos clientes, e que
esses programas sejam desempenhados. Isso não é idêntico a solver os problemas de
seus clientes.
Próximo, ver se os problemas que o programa quer resolver são mensuráveis.
Se os problemas podem ser medidos, podemos perguntarem que grau o programa
muda aquela medida. Mas imediatamente iremos descobrir duas visões profissionais de
qualquer medida de um problema:
Uma visão tradicional assume que a maioria dos problemas são muito grandes e
complexos para serem medidos diretamente. Nesse caso, os problemas só podem ser
representados por muitas e variadas medidas. Cada medida reflete o problema, mas não
é idêntica ao problema. Pessoas usando essa abordagem não têm um método objetivamente
confiável para escolher medidas que representem bem os problemas. Eles decidem se a
medida representa bem o problema, vendo se o programa melhora esta medida. Se
melhorar, então o programa e a medida são ambos bons. Se não melhorar, então a
medida é ruim e deve ser substituída por outra medida, até que uma seja encontrada que
mostre que o programa é bom. Pessoas que usam essa abordagem não estão realmente
avaliando programas; elas avaliam medidas de problemas. Eles assumem que o programa
deve ser bom. Portanto, medidas são boas se elas revelam que o programa é bom, e ruins
se elas deixam de mostrar que o programa é bom. Mas uma vez que essas pessoas
encontram as boas medidas, eles apresentam essas medidas como se elas fossem
avaliações do programa.
Uma outra forma, típica de analistas comportamentais, é assumir que medidas
não refletem nada a não ser elas mesmas. Em nossa lógica, uma medida não representa

72 Doridld M . ftier
um problema, bem ou mal; a medida é o problema, o problema ó sua medida. Qualquer
um que diz ter múltiplas medidas de um problema a resolver é na verdade uma pessoa
com múltiplos problemas a resolver. Cada problema— cada medida— podem muito bem
requerer seu próprio programa. Se o programa acontece de resolver mais que um problema
de cada vez, então isso será uma agradável surpresa.
Então, analistas comportamentais não selecionam medidas em nome de avaliação
de programas; eles selecionam programas em nome de melhorar medidas.
Autismo, eu sugiro, não ó um problema mas sim muitos, muitos. Programas de
autismo portanto requerem muitas, muitas medidas, e a avaliação desses programas
requerem as mesmas muitas, muitas medidas. Além disto, quando o nome do problema
ó autismo, isso confere um problemas especial adicional: diagnóstico acurado. São
necessárias muitas medidas especiais para convencer uma ampla audiência profissional
de que os clientes de um programa realmente têm autismo. Portanto um difícil e caro
curso de medidas é requerido só para garantir àquela audiência que o programa a ser
avaliado— por outras medidas— era de fato um programa de autismo.
Se um problema não pode ser medido, então um programa que vise solvê-lo não
pode ser avaliado. Cuidado com qualquer um que diga que os efeitos de seu programa
sobre a criança não pode ser medido, dizendo que a reaJ avaliação ó que eles ou outras
pessoas gostem do programa. Lembrem-se que muitas pessoas dizem que gostam de
um programa, não porque eles gostam dele, mas porque eles gostam mais dele do que de
não ter programa algum.
No caso de autismo, eu sugiro que os problemas importantes são mensuráveis.
Eu acredito que crianças com autismo precisam de habilidades de linguagem, habilidades
sociais, habilidades de solver problemas, e habilidades de auto cuidado. Elas também
precisam estar livres de auto agressão, agressão, e auto estimulação. Isso são sete
classes de comportamentos, quatro para serem feitas maiores e mais confiáveis, e três
para serem feitas menores e infreqüentes. Sete não é um número grande. Verdade, cada
das sete classes têm muitos membros. Mas cada daqueles membros é mensurável.
Então, se você quer avaliar os programas implementados com seus filhos, insista
que os programadores escolham alvos mensuráveis, e insista que os alvos sejam soluções
para seus problemas, em vez de soluções para sobrevivência política. As sete classes de
alvos que acabei de citar parecem importante para mim, e seus membros são
eminentemente mensuráveis. Pergunte se eles são o que você quer para seu filho. Se
eles são, não se conforme com uma transformação deles, ou uma diluição deles entre
outros alvos que talvez você queira para seu filho, mas talvez não tanto.
Minha lista tem uma vantagem considerável: Nós podemos saber com certeza
quão melhor cada estudante está desempenhando as quatro especificas habilidade de
linguagem, as duas particulares soluções de problemas, e uma habilidade social, e as
duas habilidades de auto cuidado que estamos ensinando este mês. Nós também podemos
saber com certeza, quão completamente nós temos eliminado aquela forma especifica de
auto agressão, dois tipos de agressão, e a nova versão de auto estimulação que emergiram
semana passada. Eu proponho que consistentemente meçamos todos esses, toda
semana, todo mês, enquanto nosso programa existir. Se nosso programa for bom, essa
medidas irão melhorar.

Sobre Comportd mento c Coflmçüo 73


Se o programador diz que o maior objetivo do programa é algo vago, digamos, o
auto conceito positivo da criança, observe quáo difícil ó medir uma abstração indefinida
como aquela. A possibilidade de uma avaliação objetiva do programa começa a desaparecer.
Além disso, acredito que crianças que estão aprendendo habilidades úteis como linguagem,
auto cuidado, solução de problemas, e habilidades sociais, enquanto perdem auto agressão,
agressão, e auto estimulação, automaticamente pensarão bem de se mesmos.
Próximo, considere o problema de provar que os resultados aparentes de um
programa foram de fato causados pelo programa.
Um problema pode melhorar por causa do programa implementado. Mas ó
tradicional assumir que problemas ás vezes melhoram sem a implementação de um
programa. Essa possibilidade requer que separemos melhoras feitas por nossos programas
de melhoras que nosso programa não fez.
Considere essa situação:
Aceite minha proposta de que nossa tarefa é ensinar crianças com autismo bem
o suficiente para que quando eles forem adultos, eles tenham uma chance de viver
independentemente em sua própria moradia, ou semi-independente em casas de grupos,
e ter uma chance de viver em sociedade bem o suficiente para ganhar a vida, ou parte
disto. Os dois melhores programas de autismo que conheço, o programa de Lovaas e o
programa de Princeton, alcançam esses objetivos com mais ou menos a metade de seus
alunos, mas só quando eles podem começar a programação cedo o suficiente. Acredito
que estes programas têm que resolver três problemas essenciais: (1) As crianças típicas
não tem muitas importantes habilidades sociais, de linguagem, de solução de problemas,
e auto cuidado; (2) é difícil ensinar essas habilidades a essas crianças por meios ordinários;
e (3) essas crianças mostram muitos comportamentos aberrantes tais como auto agressão,
agressão, e auto estimulação.
Se essas três suposições são corretas, então o programa necessário vai começar
a ensinar aquelas habilidades e reduzir aquelas aberrações o mais breve possível, e continuar
fazendo ambos o mais consistentemente possível, porque há tantas habilidades a ensinar,
e seu ensino é muito melhor quando as aberrações são raras. Nós devemos também usar
as melhores técnicas de ensino que a ciôncia comportamental sabe, porque somente
com essas técnicas essas crianças são fáceis de ensinar. Incidentemente, essas técnicas
não são fácpis de aprender, e certamente não em um workshop de dois dias. Próximo,
precisamos reconhecer que nosso programa deve funcionar por muitos anos. Finalmente,
precisamos inserir no meio social, as mudanças de comportamento alcançadas por nosso
programa, ou elas não sobreviverão muito tempo após o final do programa.
Isto é um programa. Suponha que nós o façamos. Suponha que as crianças
melhorem. Como avaliamos se eles melhoraram em função do programa?
Existem duas grande estratégias de avaliação:
Uma é bastante tradicional. Precisamos achar muitas crianças com autismo e
suas famílias e professoras que consintam com esta avaliação. Aí temos que designar
metade dessas crianças randômicamente ao programa, e a outra metade a algo diferente.
Então devemos implementar o programa ao grupo escolhido, deixando o outro grupo
encontrar algo diferente. Na jovem vida adulta de todas essas crianças, nós devemos

74 Donald M . R«*cr
medir a extensão de vida independente alcançada por cada um. A questão é se, em
módia, nosso programa produz mais independência adulta do que ocorre em sua ausência.
Lovaas (1993) mostrou exatamente isto.
Essa é claramente uma avaliação caríssima; requer achar muitas pessoas
dispostas a aceitarem designação randômica, e muitos anos esperando para ver o que
acontece na vida adulta das crianças.
Uma alternativa é confiar em delineamentos usando o sujeito como seu próprio
controle para mostrar o efeito de causa e efeito. Isto não é tradicional, mas pode funcionar
bem para este problema. Esta estratégia requer somente uma criança, família, e funcionário
de ensino para concordar com esta avaliação, mas pode e deve ser usada prontamente
com cada criança, família, funcionário de ensino que concordem. Nós pedimos a cada
criança, família e professoras em nosso programa que consintam com a avaliação
consistente e duradoura de cada das habilidades relevantes da criança que estão sendo
ensinadas e aberrações sendo reduzidas, e à consistente, duradoura medida de cada
procedimento prescrito para a professora implementar. Esta medida continua durante
todo o estudo. Assuma que em um ponto deste programa, estejamos ensinando três
habilidades específicas e reduzindo duas aberrações. Nós ensinamos a mais básica das
habilidades; poucos dias depois que ela tenha sido aprendida, reduzimos uma aberração,
se ela continua a ocorrer; alguns poucos dias depois disso, ensinamos a próxima habilidade
mais básica; depois que ela é aprendida, reduzimos a segunda aberração, se ela continua
a ocorrer; e alguns dias depois disso ensinamos a terceira habilidade. É basicamente o
que faríamos se nós não estivéssemos fazendo uma avaliação formal de causa e efeito.
Toma pouquíssimo tempo extra. E requer somente uma criança, família, e funcionário,
apesar de que pode e deve ser feito com o maior número que se torne disponível.
Se tivermos medida constante e continuada das habilidades e aberrações, e do
ensino das professoras, veremos a avaliação da fidelidade do programa, efetividade, e
causa e efeito emergirem frente a nossos olhos, especialmente se grafarmos e olharmos
nossas medidas todos os dias: Veremos quão perfeitamente a professora ensinou, e se
cada das habilidades da criança emergem e se tornam confiáveis prontamente após a
professora as ensina, mas não antes. Veremos se cada das aberrações da criança diminuem
prontamente quando a professora implementa o procedimento de redução, mas não antes.
Veremos o grau de mudança em cada habilidade e aberração, e veremos isso
repetidamente, de forma que possamos avaliar o tamanho e durabilidade dessas mudanças.
Se tamanho e dufabilidade estiverem faltando, podemos ensinar por mais tempo, e talvez
melhor, até que sejam satisfatórios. Cinco mudanças apropriadas durante essas poucas
semanas ou meses nos mostrarão que essas mudanças não podem ter sido coincidência;
elas combinam perfeitamente demais com os procedimentos e ensino. Qualquer um
deles poderia ser uma coincidência, mas não todos os cinco, especialmente não quando
os três que visam aumentar, aumentam, e os dois que visam diminuir, diminuem.
Essas cinco mudanças são apenas um pequeno episódio em um programa
comportamental apropriado visando aumentar as habilidades sociais, de linguagem, e
solução de problemas, enquanto reduz auto agressão, agressão, e auto estimulação.
Temos muitas mudanças comportamentais desse tipo a fazer, todos os meses da vida da
criança, em todos os lugares onde essas mudanças são mais valiosas e necessárias, até
que tenhamos alcançado a melhor possível base para algum grau de independência adulta.

Sobre Comportamento e CoRnlçJo 75


Cada uma dessas mudanças precisam ser medidas consistentemente, em cada momento
e em cada lugar necessário, e consistentemente colocadas em gráficos.
Se nosso conhecimento é bom— isso é, se essas s£q as mudanças que, feitas
de forma consistente, vão conferir um grau valioso de independência na vida adulta, então
esse programa vai avaliando a si mesmo à medida em que ele é implementado. Nos
valores profissionais da análise aplicada do comportamento, bom programa é idêntico a
avaliação de programa.
A estratégia tradicional, com um grande custo em pessoas e tempo, avalia quanta
independência adulta nosso programa tipicamente alcança, comparando com sua ausência.
O delineamento não tradicional de usar o sujeito como seu próprio controle avalia mais
economicamente quão bem nosso programa faz as mudanças comportamentais que
acreditamos ser cruciais para independência adulta. Mas esse delineamento do sujeito
como seu próprio controle é apenas tão bom quanto nosso conhecimento de que esses
são os comportamentos importantes para aumentar e diminuir, e que nós os aumentamos
e diminuímos suficientemente. Esse ponto merece repetição enfática: A avaliação do
sujeito como seu próprio controle é boa apenas se for bom o nosso conhecimento de que
essas sâfi as mudanças necessárias e suficientes. Portanto, a avaliação ideal de programa
é o uso de ambas estratégias— o delineamento do sujeito como seu próprio controle
desde o início, e a comparação dos resultados de grupos quando um número suficiente de
clientes tiverem passado pelo programa. Programas de autismo e sua avaliação, assim
como cirurgia cerebral e a exploração do espaço, são intrinsecamente caros.
Suponha que as mudanças medidas em nossos clientes pareçam boas, e ocorram
exatamente quando e onde deviam. Suponha que possamos confiavelmente atribuir essas
mudanças ao programa. Isso ainda não é uma avaliação do programa que prescrevemos,
a menos que também saibamos que o programa prescrito foi realmente o programa
implementado. Em termos modernos, nós precisamos avaliar a fidelidade do programa.
Para saber isso, precisamos de três classes de conhecimento. (1) Precisamos saber as
exatas especificações de nosso programa: exatamente o que deve ser feito, a quem, por
quem, e quando e onde, e quão freqüentemente. (2) Precisamos ter medido a extensão
em que essas especificações foram alcançadas. (3) Precisamos ter medido o que mais
foi feito que era novo e que não estava especificado em nosso programa.
Uma típica avaliação de fidelidade de programa descobre que apenas alguma
fração do prqgrama prescrito foi realmente implementado, e que um certo número de
coisas novas, não prescritas pelo programa, foram feitas também. Se o programa for bem
sucedido, será que isso significa que o programa é tão bom que mesmo uma fração dele
pode resolver nosso problema? Ou será que a solução do problema foi devida às coisas
não prescritas que aconteceram?
O ponto é que quando a fidelidade do programa é avaliada e considerada boa, nós
aprendemos muito sobre a efetividade ou inefetividade de nosso programa. Mas quando a
fidelidade do programa é considerada deficiente, nós aprendemos quase nada. Então, se
seu filho está indo bem, mas a fidelidade do programa é baixa, a melhora da criança pode
ter sido devida à fração do programa que foi feita, ou a algo que o programa sistematicamente
fez acontecer— crianças com autismo não melhoram espontaneamente. Mas "pode ter
sido" não é "é devido a." E se a fidelidade do programa é pobre, e seu filho não está indo
bem, nós não sabemos que parte do programa jogar fora, continuar, ou mudar. Então nós

76 Itondlil M . Bjcr
devemos sempre fazer um pequeno programa dentro do grande programa— um pequeno
programa para ensinar os professores a fazerem o grande programa o mais exato possível.
Idealmente, nós não deveríamos ter que avaliar programa fidelidade, porque estaríamos
programando a fidelidade do programa.
Portanto, não se preocupe em avaliar programas a não ser que eles tenham
subprogramas para fazer professores fazerem os programas, e exatamente, nada mais
que o programa.
Um típico último passo é avaliar os custos e benefícios. A questão ó se os
benefícios valem o custo. Mas no caso de autismo, essa questão é quase irrelevante, A
proporção custo-beneflcio para programas de autismo é bem parecida com a proporção
para qualquer programa lidando com qualquer tipo de deficiência: O custo de manter uma
pessoa portadora de deficiência de uma forma humana por toda a vida é muito, muito alto.
Em nossa economia atual, custa aproximadamente 3 milhões de dólares por pessoa. O
programa de autismo de Lovaas custa em torno de 60.000 dólares por criança por ano, e
dura aproximadamente 10 anos; em dólares o custo total é de aproximadamente US$
600.000 por criança. Claramente, é melhor gastar U$ 600.000 para dar a uma criança
uma chance de vida na comunidade do que gastar U$ 3 milhões de dólares porque nós
assumimos que o caso da criança não tinha esperança. Assim, quase todo programa
infantil que vai alcançar algum grau de independência adulta valerá seus custos, mesmo
que o único custo que calculemos seja a manutenção requerida se algum grau de
independência adulta não for alcançado. Quando lembramos que o adulto independente
que trabalha em conseqüência reduz os custos do programa e paga impostos, a troca fica
ainda melhor. E quando nós consideramos os benefícios do programa em termos de
felicidade humana, e os custos do nào-programa em termos de angústia humana, a troca
fica imensamente melhor, mesmo que seja incalculável.
Finalmente, programas efetivos precisam de validade social. As pessoas com o
poder de continuar ou de terminar qualquer programa devem querer continuar este. O
conselho habitual é educá-los sobre a efetividade do programa, o qual, como já vimos, é
um processo de seis passos. Uma avaliação de programa centrada em provar efetividade
confiavelmente atribuível ao programa é o primeiro ingrediente em tal educação. Isto
permite a apresentação das várias proporções de custo-benefício que podem ser
implementadas: estimativas do dinheiro economizado ou créditos políticos ganhos com
efetividade, comparados com as perdas associadas com o fracasso. Tudo isso estaria
bem com uma audiência totalmente racional. Com qualquer outra audiência, lembrem-se
de outra coisa: Em nossa sociedade, nós vemos mais e mais casos de programas
alcançando validade social devido aos processos que ocorrerão por sua ausência. Repetidas
avaliações do programa de Lovaas já demonstrou que alcança graus notáveis de
independência adulta para crianças com autismo cujos programas foram iniciados cedo o
suficiente. Porque esses programas e outros como eles existem, distritos escolares
podem em teoria ser processados por não proporcionarem cópias deles. Distritos escolares
geralmente não gostam desses programas bastante caros, e estressantemente não-
tradicionais; mas aparentemente eles gostam menos ainda de perder um daqueles
processos legais. Enquanto os pais estiverem dispostos a processar, e enquanto os
advogados das escolas aconselharem que as escolas quase certamente irão perder esses
processos legais, essa muito interessante forma de validade social pode ser mantida.

Nobrr Comportamento e CoflnlçJo 77


Resumindo: Para avaliar um programa que vise alcançar um grau de independência
adulta para crianças com autismo, nós precisamos de medidas objetivas das habilidades
relevantes e aberrações das crianças, e do ensino dos professores, e de quase tudo que
aconteça que possa ser relevante. Nós precisamos de uma demonstração convincente
de que as mudanças alcançadas são devido ao programa. Nós precisamos entender o
que pode fazer programas tão caros e não-tradicionais valerem seu custo para os distritos
escolares e outras pessoas com poder. Nós não precisamos estimar a proporção de
custo-beneflcio; isto pode ser tido como fato.
Eu sei que delineei um problema bem grande. Mas também sei que estou falando
com uma audiência que ingere problemas bem grandes como se fossem os lanches do
dia-a-dia.

78 Don.ild M . Racr
Capítulo 9
Família, enurcse e intervenção clínica
comportamental

Edwiges Ferreira de Mattos Silvares


Departamento de Psicologia Clinica do /Pi/SP

0 ponto central do lexto è discutir o papel da fumllla nu superaçAo da nniirese concebida como um distúrbio bio-comportamental
no qual dois tipos de variáveis (biológicas e psicológicas) aluam sobre o organismo na determinação e manutençAo dos
prohlemaa de controle doa eaflncteres veaicats O psicólogo clinico infantil dove let duras ati im p lica te s dossa amcepçAo,
a qual tom levado vários pesquisadores a considerar Imprescindível o uso do apnrelho de alarme de urina na lernpia da
onurese Tal reconhecimento, entretanto, nâo deve ser confundido com o uso Indiscriminado do aparelho sem compreensAo
funcional de cada caso, um ponto importanto que merece atenção cuidadosa no desenvolvimento do trabalho, visto ser ela
Imprescindível para que a Intervenção seja efetiva Quando se aborda a questAo das dificuldades com a ollmlnaçio da
criança, busca-se obler uma compreensão funcional desse problema infantil Para alcançar tal compreensAo, pelo menos
seis variáveis morecem atunçAo e sAo discutidas, a saber. 1)grau de tolerância com rolaçAo ao descontrole da criança;
2)grau de controle nobre a criança, especialmente no que diz respeito ao seguimento, por ela, das Instruçóes que ela mosma
fornece; 3) expectativas quanto A forma mais adequada de tratamento terapêutico para a criança e idéias próvias quanto às
possibilidades de superaçAo dos problemas pelos filhos bem como suas concepções na definição e superação dos
problemas das crianças; 4) disponibilidade para auxiliar o psicólogo na superaçAo do problema da criança; 5)capacidado de
compreensAo racional do tratamento e 6) grau de discórdia da dlade conjugal com relaçAo aos problemas da criança e a outros
aspectos CNPq

Tho role of the family to overcome child enuresis, conceived as a bio-behavioral disturbance , is the essenco of the text That
conception supposes two types of variables (biological and psychological) acting on the organism in the determination and
maintenance of the problems of control of the sphincters. It it also discussed in the text the subject that such recognition
should not be confused with the Indiscriminate use o1 the urine alarm device without two previous functional analyses (macro
and micro) that lead the functional understanding of the Infantile problem. Although for that understanding several variables
deserve attention, among them 1) degree of tolerance of the family with relationship to Ihe child's disability; 2) degree of
control of the family over the child; 3) expectations of the family to that form of therapeutic treatment for the child 4)
conceptions with relationship to the rolo of the family In the definition and maintenance of the children's problems and
readiness of the family to help tfie psychologist; 5) capacity of understanding the rational of the treatment and 6) discord
level of married couple with relationship to the child's problems and the other aspects. Those variables are discussed on the
light of Infantile case studies assisted In the Project Enurese in development at IPUSP. CNPq

Embora, dentre os diversos problemas comportamentais infantis, a prevalência


dos distúrbios de eliminação • enurese e encoprese - não seja das mais significativas
(com seus índices variando de 1,5%, segundo Walker, 1995, a 5,7 %, de acordo com
Levine, 1975), seu impacto no desenvolvimento da criança, especialmente considerando-
se os aspectos de socialização e de auto-estima, reveste o estudo desses distúrbios de
grande importância.

Nobre Comportamento e CoRniç.lo 79


Desses dois distúrbios, o mais citado na literatura ó a enurese, hoje concebido
como a ausência do controle de esfíncteres vesicais em uma idade em que a
maioria das crianças já tem esse dominio. Tanto o DSMIII-R quanto o DSMIV considera
enuróticas as crianças acima de cinco anos que ainda não urinam nos locais destinados
à eliminação e o vêm fazendo, nos últimos três meses (para o DSMIIV) ou nos últimos
seis meses (para DSMIIR), com uma freqüência mínima de dois episódios por semana.
A superação dessa dificuldade infantil de eliminação, cada vez mais se assenta
na visão de que ela se constitui em um problema de natureza bio-comportamental, o que
supõe que o problema infantil é função de dois tipos principais de variáveis: biológicas e
psicológicas. Em outras palavras, a singularidade do problema de eliminação na infância
- enurese - reside na atuação de dois tipos de fatores sobre o organismo para determinação
e manutenção do problema de controle dos esfíncteres vesicais.
Eríckson (1998) situou a enurese entre os distúrbios que afetam o funcionamento
físico infantil, da mesma forma que o fez com os distúrbios de ingestão (obesidade,
anorexia e bulimia) e os de sono (sonambulismo, terror noturno e outros). Para esse autor,
na cultura ocidental o controle noturno de bexiga é alcançado de forma natural por cerca
de 50 % das crianças de dois anos, por 70% das crianças de três anos e por cerca de
90% das de quatro. Como para outros comportamentos humanos que se estabelecem ao
longo do desenvolvimento, também a aquisição desse controle pela criança supõe que os
seus esfíncteres tenham atingido um nível de maturação ótimo de modo a tornar possível
o treino de controle vesical (Bragado 1998). No inicio da infância, o urinar e o defecar são,
além de muito freqüentes, irregularmente distribuídos no tempo. À medida que a criança
se desenvolvo, a alta freqüência e a irregularidade temporal desses comportamentos
diminui Assim, nada mais natural que o treino de toalete não seja iniciado pefos adultos
que circundam a criança até que esta atinja uma certa idade. Essa idade ideal para o
treino varia culturalmente, sendo que os palses escandinavos são os que mais tardiamente
o iniciam (Becker, 1994).Estudos brasileiros (e.g. Ingberman, 1996 e 2000) e estrangeiros
(e.g. Bellman, 1966 e Walker, 1995), entretanto, têm mostrado que grande parte da
população, especialmente a de nível sócio econômico menos favorecido, não tem
conhecimento da melhor forma de proceder durante o treino de toalete, uma condição que
predispõe o aparecimento da enurese. Não ó de se admirar, portanto, que haja maior
incidência dos distúrbios nessa faixa da população, entre as famílias superpopulosas e
entre filhos de mães de nível educacional mais baixo, como testemunham os estudos
epidemiológltos (Walker, 1995 e Ingberman, 2000).Tão grave quanto essa constatação é
a de que essa mesma faixa da população (a de menor poder aquisitivo e a de menor nível
educacional) é a que pior responde aos tratamentos terapêuticos voltados para o controle
da disfunção (Bragado 1998).
Antes de caminhar mais nessa discussão sobre enurese, cujo preâmbulo apenas
situou o tema, cumpre colocar os objetivos do presente trabalho. Eles residem
prioritariamente na discussão de algumas variáveis familiares que podem prejudicar a
evolução do tratamento cognitivo-comportamental da enurese quando este tem por adjunto
terapêutico o aparelho de alarme de urina. De maneira a alcançar essas metas,
primeiramente são discutidos sucintamente a etiologia e os mecanismos que subjazem a
esse tipo de tratamento da enurese, para em seguida abordar propriamente o tema do
trabalho.

80 h lw ifle s ferreira <lc M altos Silvares


A etiologia da enurese
Foge ao escopo do presente trabalho detalhar todas as razões que desfavorecem
cada uma das hipóteses; por isso esta seção será breve. O leitor interessado em maiores
detalhamentos pode se reportar a um dos trabalhos de um dos mais renomados
pesquisadores do assunto: Houts (1991).
Há evidências empíricas de que a criança não é enurética nem por negligência
dos pais, nem por vontade própria. Ainda não há consenso, entretanto, quanto à explicação
causal do fenômeno.
Houts (1991), a partir da concepção da enurese como um problema bio-
comportamental, levantou algumas hipóteses sobre suas possíveis causas: a)sono profundo
e dificuldades de despertar da criança; b) poliúria noturna; c) pequena capacidade da
bexiga em conter a urina e d) atividade detrussora disfuncional.
As duas primeiras servem como explicação apenas para uma dentre os vários
tipos de enurese - a enurese noturna primária - e não para a diurna (Silvares & Souza,
1996).
A primeira hipótese (a) tem forte apoio no senso comum e toma o “sono profundo"
da criança enurética como a razão para seu problema. Estudos empíricos, entretanto,
têm demonstrado que não há uma relação sistemática entre a profundidade do sono e os
episódios enuréticos (Broughton, 1968, Mikkelsen, 1980).
Segundo a hipótese da poliúria noturna (b), as crianças enuréticas molham a
cama porque seus rins não conseguem concentrar a urina na bexiga durante o sono. A
urina produzida á noite excederia a capacidade normal da bexiga, por não ocorrer um
aumento normal nos níveis do ADH (hormônio antidiurético) durante o sono. Alguns estudos
têm demonstrado que sujeitos enuréticos produzem maior volume de urina à noite do que
durante o dia e que seus níveis de ADH tendem a não diferir entre o dia e a noite (enquanto
sujeitos não enuréticos produzem um menor volume de urina a noite) (Norgaard, Pedersen
& Djurhuus, 1985). Desta forma, uma deficiência biológica no ritmo circadiano de liberação
de ADH parece estar presente em crianças enuréticas.
Alguns outros estudos têm analisado a terceira hipótese (c): a de que crianças
enuréticas seriam portadoras de uma bexiga com capacidade relativamente pequena de
armazenamento, se comparadas a crianças não enuréticas. Baseando-se numa
diferenciação ent*e capacidade funcional da bexiga (FBC) e capacidade física real da
bexiga, esses estudos relatam menores Fbcs em enuréticos do que em não enuréticos
(Starfield, 1967; Zaleski, Gerrard & Shokeir, 1973. Além da FBC não ser um parâmetro
confiável há uma série de controvérsias em relação ao dados obtidos por tais estudos. Por
exemplo, a FBC pode ser entendida como uma conseqüência dos hábitos da criança e
não determinantes desses mesmos hábitos, o que sugere que a FBC pode ser um efeito
colateral da enurese e não sua causa (Rutter, 1973).
Finalmente, a hipótese da atividade detrussora disfuncional (d) aponta como causa
da enurese a instabilidade (contrações involuntárias) do músculo detrussor. Segundo esta
hipótese, as crianças enuréticas sofrem de uma condição chamada bexiga neurogênica,
relacionada a atividades irregulares do músculo detrussor da bexiga, em função de uma
enervação anormal do músculo.

Sobrr ComporLimcnlo c L'o)?niçáo 81


As hipóteses etiológicas que têm recebido maior apoio, e que são favorecidas
pela autora são as que focalizam deficiências na secreção do hormônio ADH e deficiências
nas respostas musculares necessárias para inibir a micção. Nessa medida, a enurese ó
entendida como um problema físico com conseqüências comportamentais (portanto, um
fenômeno bio-comportamental).
O tratamento da enurese e o aparelho de alarme de urina
Essa última conclusão a respeito da etiologia não implica em uma estratégia de
intervenção de bases apenas farmacológicas, mas supõe mudanças de comportamento
através do uso dos princípios de aprendizagem e de condicionamento, que tanto podem
afetar os mecanismos fisiológicos que causam, como os que mantêm o problema (Houts,
1991).
É a partir dessa perspectiva que diversos pesquisadores têm concluído que o uso
do aparelho de alarme de urina é o tratamento por excelência para controle da enurese
(Houts, 1991; Houts, Berman & Abramson, 1994; Mellon & McGrath, 2000).
A única ressalva ao seu uso é a deque o simples acesso ao aparelho não
garante que a criança enurótica obtenha o controle desejado. Há uma distância entre ter o
aparelho em mãos e seguir os procedimentos necessários para com ele se obter o controle
vesical. Tal controle supõe, primeiro, que do comportamento enurético não decorram ganhos
secundários e segundo, que a criança aprenda uma série de procedimentos para usar o
aparelho de alarme. O domínio desses procedimentos exige, de um lado, empenho por
parte da criança e de seus pais e, de outro, o máximo apoio dos familiares à criança
durante o processo de aquisição do controle. Se não contar com estes dois ingredientes,
a criança não irá alcançar o devido controle vesical. Deve-se esclarecer também que
jamais se poderá recomendar o uso do aparelho sem antes excluir qualquer possibilidade
de etiologia orgânica (Silvares & Souza, 1996).
O tratamento com aparelho de alarme de urina, de eficiência empírica comprovada,
tem já mais de 50 anos de história de desenvolvimento. Em 1938, Mowrer e Mowrer
(Houts, 1991; Houts, Berman & Abramson, 1994; Azrin, Sneed & Foxx, 1974),
demonstraram a viabilidade de se empregar o paradigma do condicionamento respondente
para o entendimento e para a intervenção no problema da enurese.
Mowrer & Mowrer (1938), como posteriormente ficou demonstrado, não foram os
primeiros a ter essa idéia, mas continuam sendo identificados como os responsáveis por
esse tipo de Tratamento cujas bases, para eles, residiam na alteração do significado das
sensações da bexiga cheia: de um sinal para urinar a um sinal para inibir o urinar e
acordar. A partir do paradigma de condicionamento clássico, Mowrer & Mowrer (1938)
entendiam que a contração do esfíncter e o despertar tornavam-se respondentes
condicionados para a distensão da bexiga, por estarem contigüamente associados ao
alarme. Esse modelo tem sido questionado fruto da possibilidade de que a extinção pudesse
ocorrer com a remoção do alarme, o que não ocorre, conforme o demonstram diversos
estudos já realizados no LTC (e.g. Oliveira et ai, 2000). Em tais estudos, o aparelho de
alarme de urina tem sido utilizado como adjunto terapêutico no tratamento de crianças
enuréticas, as quais são acompanhadas após alta por obtenção do controle vesical, por
diversos follow-ups (de seis meses, um e dois anos), sem nunca encontrar demonstração
da criança levantar à noite para urinar e perder do controle vesical obtido.

82 h lw ig es Ferreira de M allos Silvares


Tais fatos sugerem ser a interpretação de Lovibond (1963; 1964), sobre o
mecanismo subjacente ao uso do aparelho com sucesso, melhor do que a de Mowrer &
Mowrer (1938). Este autor considerou o alarme como um estímulo negativo que a criança
aprendia a evitar pela contração esfincteriana e o despertar. Desta forma, esse autor explicou
o modo de ação do aparelho como esquiva condicionada.
O tratamento da enurese com o aparelho de alarme tem sido associado ainda a
um aumento da capacidade funcional da bexiga e isto pode ser um efeito do estabelecimento
da habilidade de conter a urina (Troup & Hodgson, 1971), Além disso, as conseqüências
típicas de uma cama molhada são o que Azrin et a i (1974) chamaram de variáveis
motivacionais e sociais. Eles propuseram que, como o despertar pelo som do alarme
assegura que conseqüências positivas ocorram próximas desse momento, a aprendizagem
do controle da bexiga é baseada também em princípios operantes.
Atualmente, embora ainda não haja consenso total a respeito da explicação teórica
mais adequada para o sucesso do uso do alarme, a explicação de Lovibond é a de preferência
entre os pesquisadores e os modelos de aparelhos de enurese são uma constante na
literatura sobre enurese. O seu uso, inclusive, vem cada vez mais se constituindo em
obrigatoriedade no tratamento da enurese por ser uma forma bastante confiável de
intervenção e se constituir num dos tratamentos empiricamente baseados mais estudados
na literatura psicológica e cuja eficiência já foi mais bem testada (Mellon & McGrath,
2000).
Há várias formas de aparelhos de alarme, variações essas que podem ser
concebidas basicamente como de dois tipos: o bedside alarmou pad and bell(alarme de
cabeceira, utilizado para a enurese noturna) e o body-worn alarm (alarme de corpo, utilizado
para enurese diurna). Nos dois tipos, há uma placa detectora contendo um par de eletrodos
conectados a uma unidade de controle do alarme. A urina une os dois pólos, causando o
soar do alarme. No bedside alarm, a "placa detectora" ó em forma de esteiras de gaze
dupla ou de uma simples esteira plástica na qual as tiras dos eletrodos são embutidas. No
body-worn alarm, a placa detectora é menor e pode ser usada dentro de um absorvente
removível ou, para meninos, entre dois pares de cuecas; a unidade de alarme, menor e
com formato mais anatômico para a manipulação, é fixada na parte superior do pijama ou
da calça.
O aparelho de alarme de urina no Brasil
No Brasil» no Laboratório de Terapia Comportamental da clínica-escola do IPUSP
(LTC), o aparelho utilizado em pesquisas sobre tratamento tem sido o do primeiro tipo e já
levou ao sucesso no controle vesical de várias crianças com enurese noturna. Nesses
tratamentos, entretanto, tem sido empregado um aparelho de alarme inglês, um bedside
alarm, importado (e.g. Oliveira, Tarragô Santos e Silvares, 2000, Rangé & Silvares, 2001).
Atualmente, existem dois projetos de mestrado em andamento com várias famílias
envolvendo o aparelho de alarme nacional (Prota da Silva & Silvares 2001,d e Costa &
Silvares, 2001).
Independente do tipo e nacionalidade do aparelho de alarme de urina utilizados no
LTC, os critérios para uso dele, entretanto, permanecem sempre os mesmos. O primeiro
critério para indicar o uso do aparelho, nos casos de enurese noturna atendidos, no LTC, tem
sido a informação dada pela família da disponibilidade em participar das pesquisas em

Sobre Comport.imcnlo e C‘o«niç.lo 83


desenvolvimento no laboratório sobre a eficiência do aparelho de alarme de urina. O segundo
critério, também é definido pelo LTC, depois de ter processado cuidadosa avaliação diagnóstica
do caso. Somente a partir de uma análise funcional dos antecedentes e conseqüentes do
comportamento enurético em que não foi encontrada nenhuma funcionalidade para o
comportamento de descontrole vesical, é que a criança é encaminhada para tratamento da
enurese com aparelho, no laboratório. Em outras palavras, a criança atendida no LTC em
terapia cognitivo-comportamental, associada ao uso do aparelho de alarme, tem seu distúrbio
concebido como um problema bio-comportamental, sem ganhos secundários.Muitas vezes
nos reportamos a esses casos como de enurese monossintomática.
Os diversos estudos de caso de enurese, levados a cabo no LTC, mostram que o
tratamento da enurese através do uso do aparelho de alarme se faz de uma forma satisfatória,
especialmente se a família tem um envolvimento saudável com o trabalho proposto pelo
psicólogo e uma compreensão funcional do problema è desenvolvida (Silvares, 1991).
Algumas das variáveis envolvidas na compreensão funcional da enurese
Para que essa compreensão possa ser alcançada, há também, por parte do
profissional que recebe sua formação no LTC, necessidade de um conhecimento especializado
relativo ao papel da família e de outras variáveis nesse tipo de distúrbio (Bueno & Silvares,
2000). E hoje, conforme o que até agora foi exposto, há um acumulo de conhecimento sobre
o assunto, especialmente sobre o papel que concerne á família na manutenção desse tipo
de distúrbio na infância.Este conhecimento ainda náo é completo, mas o que já se domina
no presente não pode ser ignorado pelo psicólogo quando aborda a questão das dificuldades
com a eliminação da criança.
Para o alcance dessa compreensão algumas variáveis já foram objeto de atenção
em outros estudos experimentais, com delineamento de sujeito único e mereceram
publicação científica (e.g. Bueno & Silvares, 2000, Prota da Silva & Silvares, 2001, b e c).
Isto posto, podemos passar á discussão de algumas de seis variáveis familiares
envolvidas nessa compreensão funcional - ponto fundamental do presente trabalho. De
modo a náo alongar demais o presente texto, elas serão a seguir destacadas de forma
concisa.
1) O grau de tolerância da família com relação ao descontrole da criança.
Uma vez que no tratamento com o uso do aparelho, famílias mais tolerantes com
relação à enurese de seus filhos tendem a ser mais bem sucedidas do que as menos
tolerantes, tem sido de bastante utilidade, no atendimento a crianças enuréticas, analisar
com os familiares suas concepções acerca da culpa da criança no descontrole presente.
Tais concepções se refletem de imediato nas respostas dadas pela família a um instrumento
de avaliação comportamental: A Escala de Intolerância a Enurese (Voung & Morgan, 1972).
Afirmar-se que um pai é intolerante com relação à disfunção de seu filho quer
dizer considerar que o pai julga ser a criança culpada por não ter obtido o controle, o que
sabidamente não é verdadeiro. Há evidências empíricas acerca deste fato e também do
fato de que tanto mais alta a intolerância dos pais ao problema infantil tanto menor a
adesão deles aos programas para obtenção do controle vesical.
Em vista dessas considerações, as primeiras atitudes do clínico envolvido com o
tratamento da criança enurética buscam o esclarecimento à família sobre a falta de culpa

84 h lw itfes fcrrctra ilc M attos Silvares


da criança com relação a seu descontrole vesical. Todo o empenho ó feito para desmistificar
idéias errôneas e pró-concebidas contra a criança enurética e da mesma forma tenta-se
reverter todos os estigmas pelos quais está submetida. Assim, combaterrvse os principais
comentários derrogatórios contra ela, sejam estes feitos pelos pais ou por outros familiares.
Deseja-se com tal atitude combater os comentários familiares que contribuem para a
auto-estima de uma criança enurética permanecer baixa. A criança que se valoriza, por
certo,terá melhores condições de colaborar com as etapas supostas pelo tratamento,
além de se tornar mais feliz por não ser discriminada dos demais de seu grupo.
2) O grau de controle da família sobre a criança, especialmente no que diz respeito
ao seguimento, pela criança, das instruções a ela fornecidas.
É perfeitamente inteligível que haja uma correspondência entre o grau de aceitação
de regras por uma criança e a possibilidade de seu sucesso em um programa visando a
obtenção do controle vesical, visto que, para obter o controle pelo aparelho de alarme, a
criança deverá passar por várias etapas nas quais está implícito o seguimento de instruções.
Tem sido de particular interesse nesse aspecto verificar o escore obtido pela criança na
escala de externaiízação do CBCL, um questionário de avaliação infantil de muita penetração
clinica. Quanto maior o escore nessa escala tanto menor o índice de aceitação de regras
pela criança e tanto menor a probabilidade de sucesso dela no programa de obtenção de
controle vesical.No LTC famílias de crianças altamente externalizantes são primeiramente
orientadas nos sentido de alcançarem maior seguimento pelas crianças às instruções,
para depois passarem-nas para o tratamento com o aparelho.
3) Expectativas da família quanto à forma mais adequada de tratamento terapêutico
para a criança;
O ideário dos pais acerca da melhor forma do psicólogo agir no sentido da superação
das dificuldades infantis é também um dos primeiros pontos a ser objeto de atenção do
psicólogo. É ele que irá inclusive determinar se o caso deverá ter continuidade nas mãos
do clínico ou se não seria melhor o seu encaminhamento para outro clínico.
É ilustrativa, nesse ideário, a reação de alguns pais que se escandalizaram nas
sessões de triagem de suas famílias para tratamento de seus filhos através do projeto
Enurese, ainda em desenvolvimento no IPUSP. Após terem se inscrito no projeto para
receberem atendimento visando o controle vesical de seus filhos, ao receberam a informação
de que, em nossas pesquisas, seus filhos deveriam aprender a reter a urina, usando o
aparelho de alarme nacional, alguns pais questionaram os procedimentos, considerando-
os desumanos. Para esses casos é contra-indicado o uso do aparelho de alarme de
imediato. Essas famílias podem, entretanto, ser atendidas ainda dentro da mesma
abordagem comportamental, levando-se em consideração essa restrição familiar.
Mesmo que seja sabido que o tratamento da enurese mais efetivo é o que emprega
o aparelho de alarme, podem-se tentar outras estratégias de atuação que poderão ser
vislumbradas pela análise do caso. Em função desses pontos, o psicólogo tentará mostrar
à família os “porquês” do aparelho não “desumanizar" a criança, mas só insistirá no seu
emprego quando houver mudanças nas atitudes da família e as outras formas
experimentadas tiverem sido insatisfatórias.

Sobtr t'omport<imcnto t Cotiniçdo 85


4) Concepções dos pais quanto ao papel da familia na definição e superação dos
problemas das crianças;
Da mesma forma que uns pais não acreditam que o aparelho possa ser um
instrumento adequado na superação dos problemas de seus filhos, alguns pais julgam
que o problema da criança deve ser resolvido entre o psicólogo e a criança.
Se o problema anterior poderia ser resolvido dentro da própria abordagem
comportamental, este não parece ser esse o caso quando os pais julgam que eles não
tém nenhum papel na definição e superação dos problemas da criança. Se o psicólogo
chegar à conclusão de que essa é a concepção da família, ele deverá primeiramente
tentar esclarecê-la sobre o papel desta instituição no tratamento da criança enurética e o
quanto o auxilio da família se impõe, especialmente quando se utiliza o aparelho como
adjunto terapêutico.
Caso o psicólogo não seja bem sucedido em seu intento de trazer a família em
seu auxilio para ajudar a criança enurética e esta ainda não dispuser de autonomia suficiente
para sozinha conseguir seguir as etapas implícitas no uso do aparelho, o clínico, entretanto,
terá que pensar em encaminhar a criança para atendimento psicológico em outra abordagem
teórica .
É muito difícil, sem o auxílio da família, dar seguimento ao tratamento cognitivo
comportamental da criança enurética, tendo o aparelho de alarme como adjunto terapêutico.
Antes optar por uma decisão radical como a do encaminhamento para outro profissional,
entretanto, o clínico, porém, deverá lançar mão de todos os argumentos para convencer
afamília do quanto sua participação é necessária e importante para a criança. Em caso de
insucesso, poderá ainda tentar outras formas de intervenção definidas como plausíveis na
literatura. Só no caso de falência dessas alternativas é que então não lhe restará outra
medida senão o encaminhamento.
Tais pontos são evidenciados na literatura através de relatos de caso nos quais o
tratamento da enurese da criança fracassa por falta de participação da família e este é
retomado pelo mesmo cliente, mais tarde, quando já um adolescente enurético que pode
dispensar a ajuda dos familiares para empreender seu tratamento com maior autonomia.
5) Capacidade de compreensão da racional do tratamento, ponto essencial para
participação da familia no processo terapêutico;
Pare que se possa dar andamento a todas etapas do tratamento há que se ter,
por parte dos pais, muita disciplina e empenho. As dificuldades em se conseguir manejar
esses dois fatores, inclusive, levaram Erickson (1998) a desaconselhar o tratamento com
alarme, o que em absoluto não corresponde a nossa opinião.
Pais que compreendem a racional do tratamento estarão naturalmente mais
predispostos a colaborar com o psicólogo até que o controle vesical desejável seja
alcançado. Nesse sentido, são compreensíveis os dados disponíveis na literatura de que
pais de nível socioeconômico mais baixo e, conseqüentemente com menor compreensão
da racional dos procedimentos, sejam mais prováveis de desistir do tratamento, o que já
foi também observado no Laboratório de Terapia Comportamental.
Tais considerações indicam, entretanto, a necessidade de um trabalho cuidadoso
relativo a explicação da racional do tratamento com tal adjunto por parte do psicólogo

80 N w i# e * Ferreira de M attos Silvares


clinico. Anteriormente ou paralelamente à introdução do aparelho de alarme no tratamento
da criança enurética deve ficar claro para os que vão participar do tratamento e de que
forma esse processo se dá.
6) Grau de discórdia da diade conjugal com relação aos problemas da criança e a
outros aspectos
Assim como a criança que não atende as instruções de seus pais não pode ser
bem sucedida na superação de seu problema de descontrole vesical, também pais que
estão muito infelizes com o casamento não têm condições de participar de maneira efetiva
de um trabalho conjugado com o psicólogo visando obtenção do controle vesical de seu
filho.
Embora ainda não estejam claros os mecanismos pelos quais famílias com
problemas entre os cônjuges atuam sobre o comportamento dos seus filhos, prejudicando-
os do ponto de vista comportamental, já está bem estabelecida a correlação entre o nível
de satisfação conjugal de uma família e a existência de distúrbio psicológico nas crianças
que dela fazem parte.
Essa asserção tem como implicação imediata que no tratamento da criança
encaminhada para atendimento psicológico deve-se primeiro avaliar o nível de satisfação
com o casamento dos pais dessa criança. Em casos nos quais a d fade está em discórdia,
primeiramente a atenção do psicólogo incide sobre o casal, visto que muitas vezes apenas
a solução encontrada para a problemática da díade faz com que o problema infantil
desapareça.
Esses pontos, inclusive, já foram antes comentados, de forma mais genérica, em
dois textos da autora, ao quais o leitor interessado deve se reportar (Silvares, 1995 e
Souza e Silvares, 1993). Possivelmente, as dificuldades de interação pelas quais a díade
passa no momento que trouxe a criança para a clínica psicológica a impeçam de cumprir
as várias etapas implícitas no processo de treino da criança enurética, ou de qualquer
outra forma de ajuda que por ventura o psicólogo solicite. Nesse caso, faz sentido que
primeiro se trabalhe com os pais para depois procurar auxiliar a criança, caso este auxílio
ainda se faça necessário.

Considerações finais
A discussão feita não deve veicular a idéia de que, na presença dessas variáveis
familiares, o uso do aparelho de alarme não se aplica, ou que ao clínico se apresenta uma
situação insolúvel. Ao contrário, quando este se depara com uma dessas variáveis, trazendo
obstáculos para evolução do tratamento, deve buscar soluções de contorno para dirimir a
ação negativa delas. Esse foi o principal sentido do presente trabalho.
O aparelho de alarme é um excelente instrumento auxiliar nas mãos do clínico,
mas a atuação deste, frente à enurese de seu cliente, vai muito além do uso do aparelho
de alarme. Baseado na compreensão funcional do caso e tendo a sua mão este instrumento
auxiliar, o clínico pode tornar a vida dos clientes infantis e adolescentes muito mais
satisfatória por ser capaz de auxiliar na obtenção do controle da enurese de forma rápida
e eficiente. O processo é árduo, mas breve, e por isso compensa.

Sobre Comportdmenlo e CojjmvJo 87


Os pontos aqui discutidos têm ainda o sentido de colocar em evidência que o
aparelho de alarme por si só não resolve a enurese porque ele nào irá dispensar o trabalho
do clínico cujo conhecimento e experiência são indispensáveis no processo de obtenção
do controle.
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90 hdwiRCt Ferreira tic M alto * Silvare*


Capítulo 10
Contribuições para o treinamento em
habilidades de interação

FHane de Oliveira fa/cone


um

A globalização e os avanços da informática têm gerado mudança» sociais que exlyem dos Indivíduo» maior competência em
suas relações interpessoais. A necessidade de desenvolver capacidades de comunicação tem motivado o desenvolvimento
de programas de treinamento em habilidades sociais Entretanto, tais programa» não devem se ater apenas aos desempe
nhos verbal e nflo verbal Processos cognitivos de atenção e de processamento de informação devem ser desenvolvido»
para facilitar a escolha do comportamento social adequado Além disso, o conceito atual do habilidades sociais inclui a busca
de Batisfação pessoal integrada a uma preocupação com a qualidade da relação, exigindo, em certos contextos, um maior
nlvel de desempenho social. 0 estudo da» habilidades assertiva, empática e de soluçAo de problemas Interpessoais, com
os seus componentes cognitivos (autoconsciência e consciência do outro) pode facilitar a roali/açAo dn programas do
treinamento em habilidades de interação. que atenda ao» ob(etivos acima descritos, para a manifestação de comportamen­
tos socialmente habilidosos. Pretende-se, nesse capitulo, fornecer subsidios paia o treinamento das habilidades de Iniciar,
manter e encerrar conversaçAo, ía /o r pedidos; respondor a pedidos; pedir a alguém para mudar um comportamento
indesejável; responder o critica» e fa/er e receber elogio

Palavras-chava. Habilidades sociais; asserlividade, empatia; solução de problemas

Globalization and high computer technology have brought about important social changes that demand more individual
competence In Interpersonal relations Many training programs In social skills have been devoloped due to the noed to
improve communication capabilities. Such programs must consider not only verbal and non-verbal performance, but also the
cognitive processes such as attention and information processing that make easier choosing the most adequate social
behavior In addition to that, the curront concept of social skills Including the pursuit of personal satisfaction allied to a
concern with the quality of the relationships, demands, within certain contexts, a higher level of social performance. The
study of assertive, empaUuc and interpersonal problem-solving skills, with their cognitive components (self awareness and
awareness of others) may facilitate the development of Interaction skills training programs, capable of attaining the above
mentioned objectives facilitating the manifestation of socially skilled behaviors The purpose of this chapter is to offer
subsidies for the training of tho following skills: starting, maintaining and ending a conversation, making requests, attending
requests, asking someone to change an undesirable behavior, responding to criticism and giving and receiving compliments

Kay word: Social skills; Assertlvenes»; Empathy; Problem-solving

O mundo globalizado e a rapidez com que a comunicação entre os seres humanos


se dá atualmente, como decorrência dos avanços da informática, têm gerado mudanças
na sociedade, que demandam mais habilidades no contato social.
O desenvolvimento tecnológico, marcante no século XX, impulsionou a busca do
domínio de habilidades técnicas. Assim, durante muito tempo, a aquisição de competência
técnica constituiu uma condição preponderante na obtenção de sucesso pessoal e profissional.

Nobre Comport.imrnto e C'oyjniç«lo 91


Como conseqüência, profissionais competentes nas mais variadas áreas de atuação,
fracassam em suas interações com colegas, clientes ou subordinados (Caballo, 1993).
Uma nova tendência parece emergir neste inicio de século, onde a capacidade
técnica precisa se aliar a um conjunto de habilidades, para que um indivíduo possa ser
bem sucedido nas suas relações profissionais e sociais (Leon Rubio e Medina Anzano,
1998). Essa nova tendência pode ser identificada em empresas que valorizam os funcionários
com um perfil menos competitivo e mais cooperativo. O ambiente de negócios mais
globalizado exige que os executivos se tornem mais internacionais em orientação,
demandando habilidades tais como empatia, equilíbrio emocional, curiosidade, flexibilidade
etc., para atingir sucesso no mercado internacional (Van Der Zee e Van Oudenhoven,
2000). A abordagem biopsicossocial à comunicação médico-paciente reconhece a
importância dos fatores psicológicos, sociais, organizacionais, culturais e ambientais no
sistema de saúde. Esse enfoque enfatiza a presença de habilidades interpessoais e de
intervenção do médico para a obtenção de adesão ao tratamento, assim como de maior
índice de cura (Amack, 1995). A empatia manifestada pelo psicoterapeuta e os seus
efeitos na mudança do cliente também têm sido objeto de pesquisas, que apontam ser
essa habilidade de interação necessária para a eficácia do tratamento (Barrett-Lennard,
1993; Carkhuff, 1969; Goldstein e Myers, 1991).
Uma variedade de estudos relaciona as habilidades sociais a interações mais
gratificantes, a maior realização pessoal e a sucesso profissional (Caballo, 1987, 1991;
Collins e Collins, 1992; Ickes, 1997). Por outro lado, deficiências em interagir socialmente
parecem também estar relacionadas a uma variedade de transtornos psicológicos (McFall,
1982; Trower, 0 ’Mahony & Dryden, 1982). Argyle (1984) aponta que as deficiências em
habilidades sociais atingem cerca de 25 a 30% dos pacientes com transtornos mentais.
Todas essas constatações têm motivado a construção de programas de treinamento
em habilidades sociais (ex., Bedell e Lennox, 1997; Bellack, Mueser, Gingerich e Agresta,
1997; Caballo, 1993; Collins e Collins, 1992; Del Prettee Del Prette, 2001; Falcone, 1989,
1999; Kelly, 2000) com o objetivo de tornar os indivíduos mais capacitados socialmente.
Entretanto, os programas atuais de treinamento devem considerar elementos cognitivos
de percepção e de processamento de informação, além dos desempenhos verbais e não
verbais nas situações de interação (Matos, 1997). Assim, as habilidades sociais incluem,
de acordo com Bedell e Lennox (1997): a) selecionar, de forma acurada, informações úteis
e relevantes de um contexto social e interpessoal; b) usar essas informações para determinar
comportamentos apropriados dirigidos à meta; c) desempenhar esses comportamentos
de forma a obter e manter a meta de boas relações com os outros.
O conceito atual de habilidades sociais propõe que o indivíduo socialmente habilidoso
seja capaz de obter ganhos com maior freqüência, desempenhando o mínimo possível de
tarefas indesejáveis, além de desenvolver e manter relacionamentos mutuamente benéficos
e sustentadores (Bedell e Lennox, 1997). Em outras palavras, indivíduos socialmente
habilidosos buscam constantemente satisfação pessoal, sem, contudo, descuidar da
qualidade de suas interações. Em publicações anteriores (ex„ Falcone, 2000; Falcone,
2001), foi demonstrado que as habilidades assertiva, empática e de solução de problemas
se complementam na obtenção de satisfação pessoal e na manutenção da qualidade da
interação. Além disso, a autoconsciência (consistindo na identificação dos próprios
sentimentos, expectativas e desejos) corresponde ao componente cognitivo da assertividade;

92 Flia tif de O liveira Falcone


a consciência do outro (que identifica os sentimentos, expectativas e desejos da outra
pessoa) corresponde ao componente cognitivo da empatia; a autoconsciência e a consciência
do outro constituem os componentes cognitivos da capacidade de solucionar problemas
interpessoais (para uma revisão mais detalhada desse assunto, ver Falcone, 2001 ).
Serão apresentados, nesse capitulo, alguns dados extraídos da literatura, que
podem ser úteis para o treinamento cognitivo e comportamental das habilidades de iniciar,
manter e encerrar conversação, fazer pedidos, responder a pedidos, pedir a alguém para
mudar um comportamento indesejável, responder a criticas e fazer e receber elogios.

Iniciar, manter e encerrar conversação


A habilidade em iniciar, manter e encerrar conversação de forma efetiva facilita o
desenvolvimento de relações duradouras, além de ser necessária em diversos contextos
interpessoais cotidianos (Kelly, 2000).
A decisão sobre o momento de iniciar uma conversação pode ser facilitada, quando
são considerados os seguintes dados (Maldonado e Garner, 1992): a) aproximar-se de
pessoas que pareçam acessíveis e dispostas a conversar (ex., alguém que esteja isolado
ou não tão intensamente envolvido em outra conversa, ou que manifeste sinais tais como
contato ocular, sorriso discreto etc.); b) não perder tempo escolhendo a frase perfeita,
uma vez que as primeiras frases de uma conversação inicial costumam ser relativamente
simples, segundo pesquisas na área de comunicação; c) evitar comentários negativos ou
queixosos, que não estimulam o interlocutor a prosseguir com a conversa.
Mesmo adotando uma maneira socialmente adequada de iniciar conversação, é
possível receber uma recusa. Nesse caso, algumas variáveis pessoais do interlocutor
(ex., mau humor, preocupações específicas etc.), que não foram inicialmente identificadas,
o tornam indisponível para conversar com quem quer que seja. Caballo (1993) propõe que
o importante é reconhecer a tentativa, uma vez que nem sempre a aceitação irá ocorrer.
Existem apenas três tópicos básicos para se escolher ao se iniciar uma
conversação: a situação (ex., "O que você achou dessa conferência?"), a outra pessoa
(ex., "Que vestido lindo. Onde você costuma comprar suas roupas?”) e o próprio indivíduo
que inicia o assunto (ex., “Não encontrei ninguém conhecido nessa festa. E você?"). Além
disso, o início da conversa pode ocorrer de três maneiras: fazendo uma pergunta, dando
uma opinião ou comentando um fato (Maldonado e Garner, 1992). Perguntas fechadas
costumam gerar respostas lacônicas. As perguntas que favorecem uma conversa são as
que buscam informações mais detalhadas ou explicações mais elaboradas. Assim, em
vez de perguntar: "Há quanto tempo você trabalha aqui?", uma pergunta aberta poderia
ser: “O que levou você a escolher esse trabalho?"
A continuação de uma conversa pode ser facilitada quando se faz um comentário,
perguntando, a seguir, a opinião da outra pessoa. Outra forma é revelar informações pessoais
tais como gostos, atitudes etc. (auto-revelação), desde que pertinentes ao assunto. Quando
o interlocutor faz uma pergunta, é recomendável explicar um pouco mais sobre o próprio
ponto de vista, de modo a facilitar a fala da outra pessoa, em vez de responder com um
simples ‘‘sim" ou “não". Uma pausa na conversação pode ser uma ocasião apropriada para
se mudar de assunto (Caballo, 1993).

Sobrr Comport.tmrnío c Coflmçào 93


Expressões não verbais tais como acenar com a cabeça, sorrir, manter contato
ocular, refletir a expressão facial do interlocutor, adotar uma postura atenta e evitar gestos
distraídos (ex., tamborilar, balançar a perna etc.) são componentes poderosos que motivam
a conversa (Caballo, 1993; Maldonado e Garner, 1992).
A escuta atenta constitui o componente central para uma conversa agradável.
Quando as pessoas se sentem ouvidas sem julgamentos e sem sugestões inoportunas,
estas se sentem à vontade para aumentar a auto-revelação. Ouvir atentamente e
sensivelmente faz com que a outra pessoa se sinta valorizada, validada, facilitando o
vínculo (ver Falcone, 1998).
Saber terminar uma conversa é tão importante quanto saber mantô-la. Algumas
vezes isso se torna difícil, especialmente quando o interlocutor fala demais e não dá
tempo para uma pausa. Maldonado e Gamer (1992) oferecem algumas sugestões para
encerrar uma conversação: a) manter o foco da conversa, trazendo a pessoa para o assunto
em pauta, sempre que ela se desviar demais; b) adotar posturas corporais de encerramento,
cruzando as pernas, fechando os braços, não fazendo acenos, mencionando levantar-se,
olhando o relógio, dando a entender que o limite do tempo está se esgotando; c) fazer uma
síntese do assunto em pauta para fechar a conversa. Combinar um contato, se for o caso.
Ao encerrar uma conversação em uma festa, Caballo (1993) sugere dizer algo como:
“Desculpe, mas estou vendo alguém com quem eu preciso falar". Se a conversa ocorre na
rua, uma maneira de encerrá-la seria: “Desculpe, mas tenho que ir embora. Foi muito
agradável falar com você", ou: "Gostei muito de nossa conversa. Adoraria repetir esse
encontro em outro dia" (Caballo, 1993, pág. 244).

Fazer pedidos
O pedido constitui uma das formas mais simples e diretas de satisfazer desejos.
Entretanto, se formulado de modo inadequado, o pedido pode ser prejudicial para o
relacionamento futuro. Bedell e Lennox (1997) propõem que, quando um pedido resulta
em várias formas de ameaça, suborno, exigência ou indução de culpa, este gera
sentimentos negativos de raiva ou de medo, resultando em desejos de romper a interação
por parte do receptor do pedido.
Algumas pessoas sentem dificuldade em fazer pedidos, mesmo que estes sejam
razoáveis. Quando o fazem, manifestam culpa e esperam uma recusa. Outras acreditam
que, fazendo um pedido, assumirão o compromisso de atender aos pedidos do Interlocutor,
mesmo que estes não sejam razoáveis. A expectativa de criar um constrangimento no
interlocutor, por achar que este não será capaz de dizer não, também pode inibir a decisão
de fazer um pedido (Cabaílo, 1993). Entretanto, um pedido adequadamente formulado
pode conduzir a satisfação pessoal e, ao mesmo tempo, a satisfação na interação.
Segundo Bedell e Lennox (1997), os pedidos geram conseqüências positivas
quando: a) o desejo é expresso de maneira clara e direta; b) o pedido expressa o que é
desejado em termos de comportamento; c) o pedido inclui uma declaração que comunica,
com sensibilidade, o desejo e os sentimentos da outra pessoa.
Um pedido claro e direto expressa exatamente o que se deseja da outra pessoa.
Assim, se uma pessoa deseja a ajuda de uma amiga para dar opinião sobre um vestido

94 I lianc dr O llvdra tfllconr


que ela pretende comprar para ir a uma festa de formatura, ela pode dizer algo como: "Eu
sei que você trabalha muito e tem pouco tempo disponível, mas se você for comigo ao
shopping esta semana para me ajudar a escolher um vestido para ir a formatura de meu
filho, eu ficaria muito grata". Declarar precisamente o que se deseja do outro ( ajuda para
escolher um vestido) é mais apropriado, segundo Bedell e Lennox (1997), do que uma
expressão indireta de desejos: "Gostaria de comprar um vestido para a formatura de meu
filho, mas não tenho idéia do que escolher".
Expressar o que se deseja em termos de comportamento ajuda a tornar o pedido
claro e direto. Algumas vezes os desejos refletem conceitos globais, que podem ser
interpretados de formas diferentes. Quando dizemos que desejamos a amizade, o afeto
ou o respeito de alguém, estamos citando conceitos muito amplos. Assim, uma maneira
de se conseguir expressar um desejo de forma mais clara e direta é perguntando a si
mesmo: "Como eu poderia reconhecer se essa pessoa é amiga, afetuosa ou respeitosa
comigo?".
Quando consideramos os desejos e os sentimentos da outra pessoa ao
formularmos um pedido, estamos demonstrando cuidado e sensibilidade, uma vez que
esta se sentirá reconhecida e irá receber melhor o pedido. Além disso, considerar os
desejos e sentimentos alheios antes de fazermos um pedido, também pode nos ajudar a
corrigir desejos e expectativas irrealistas ou exorbitantes em relação a outra pessoa (Bedell
e Lennox, 1997). Assim, a consideração e respeito pelos desejos e sentimentos dos
outros ao fazer pedidos pode acarretar em mudanças no pedido a ser feito, refletindo
sensibilidade interpessoal e adequação entre satisfação pessoal e valorização da qualidade
da interação.
A declaração apropriada de um pedido é determinada pela autoconsciência e pela
consciência do outro. Quando pensamos em fazer um pedido, devemos primeiro avaliar: a)
o que queremos e como nos sentiremos se tivermos o pedido aceito; b) o que a outra
pessoa deseja e como ela se sentirá ao receber o pedido. Se os nossos desejos e sentimentos
não entram em conflito com os desejos e sentimentos do interlocutor, podemos fazer uma
solicitação simples. Contudo, se existir um conflito entre as nossas necessidades e as do
receptor, torna-se necessária uma formulação mais elaborada (Bedell e Lennox, 1997).
Bedell e Lennox (1997) fornecem quatro componentes cognitivo-comportamentais
de formulação de pedidos que podem ser usados em programas de treinamento em
habilidades sociais. Segundo os autores, o primeiro passo para a formulação de um pedido
é responder a seguinte pergunta: “O que eu quero da outra pessoa nessa situação?".
Note-se que a resposta a essa pergunta deve ser específica. Assim, se vamos ao cinema
acompanhados, desejamos sentar próximos à nossa companhia (desejo geral). Se não
encontramos duas cadeiras adjacentes vazias, o que desejamos especificamente é que
alguém, desacompanhado, mude de lugar para sentarmos próximos ao nosso
acompanhante. Neste caso, a resposta à pergunta acima seria: “Eu quero que esse homem
mude de lugar".
O segundo passo para formular um pedido, sugerida por Bedell e Lennox, é
identificar as conseqüências positivas esperadas, caso o desejo seja realizado. No exemplo
acima, ao pedir que o homem mude de lugar no cinema, a declaração da conseqüência:
“Assim eu poderei sentar ao lado de meu amigo" demonstra consideração pelo indivíduo
que recebe o pedido.

Sobre Comportamento e Coflniçilo 95


A compreensão do desejo do outro constitui o terceiro passo na formulação do
pedido e pode ser obtida a partir da pergunta: “O que a outra pessoa deseja em relação ao
que eu quero dela?" Recursos para responder a essa pergunta incluem: a) características
da situação; b) conhecimento prévio do outro e c) colocar-se no lugar do outro. A identificação
do desejo do outro pode gerar modificação do próprio desejo ou da formulação do pedido.
Esse ó um resultado natural e inevitável de ser sensível às necessidades dos outros
(Bedell e Lennox, 1997).
Tomando como exemplo uma situação na quaí uma funcionária que trabalha há
poucos dias em uma empresa está com dúvidas na realização de uma tarefa. Ela precisa
da ajuda de um colega experiente no assunto, mas ele está muito ocupado. Se esperar
que o colega se desocupe, a funcionária correrá o risco de ficar grande parte do tempo
sem atividade, uma vez que não poderá continuar com a tarefa sem esclarecer suas
dúvidas. A funcionária decide pedir ajuda.
Segue abaixo um roteiro baseado no modelo cognitivo-comportamental de Beidell
e Lennox (1997), que pode orientar na obtenção da autoconsciência e da consciência do
outro, para facilitar a tomada de decisão e a formulação de um pedido com conflito de
interesses.
1. Obtenção da informação:
a. O que eu quero da outra pessoa?
Quero que ele esclareça as minhas dúvidas neste momento.
b. Quais as conseqüências de ter o meu desejo realizado?
Poderei fazer o meu trabalho sem atraso.
c. O que a outra pessoa quer?
Ele quer fazer o trabalho dele / ele provavelmente não quer atrasar o seu trabalho.
2. Processamento de informação e tomada de decisão:
a. Há conflito entre os desejos?
Sim. Se ele parar para me ajudar, irá se atrasar.
b. Desejo manter / modificar o que quero ou chegar a um acordo?
Posso propor um acordo, oferecendo-me para ajuda-lo, assim que terminar o meu
trabalho.
3. Formulação do pedido:
a. Declaração dos desejos do outro:
Eu sei que você...
b. Solicitação do desejo (especificação do comportamento do outro):
Mas se você...
c. Proposta de acordo:
Eu poderei...

9ô Llianf de O livrirn Falconr


d. Especificação da conseqüência de ter o pedido atendido:
Eu ficarei...
4. Envio de informação:
"Eu sei que vocô está bastante ocupado. Mas se vocô me esclarecer algumas
dúvidas sobre como fazer o meu trabalho, eu poderei ajudar você assim que acabar. Então,
eu ficarei muito grata e nós dois poderemos adiantar os nossos trabalhos. O que acha?".

Responder a pedidos
Responder a pedidos pode ser uma das habilidades de comunicação mais difíceis.
Como as pessoas devem responder a pedidos que entram em conflito com seus próprios
desejos? Elas devem passar por cima de seus desejos e conceder o pedido para evitar
conflito, fazendo algo que não querem? Elas devem recusar o pedido e arcar com as
conseqüências negativas da recusa?
Galassi e Galassi (1977, conforme citado por Caballo, 1993) afirmam que há
várias razões pelas quais toma-se importante recusar pedidos indesejáveis. Primeiro, porque
isso nos livra de envolvimento em situações desagradáveis; segundo, nos ajuda a evitar
que sejamos manipulados ou explorados e terceiro, nos dá um senso de controle sobre
nossas vidas, uma vez que podemos tomar as nossas próprias decisões. Realmente,
embora não seja razoável esperar fazer sempre somente o que se deseja, pode ser
autodestrutivo abrir mão dos próprios desejos com freqüência. Por outro lado, a recusa
freqüente de pedidos pode gerar, no solicitante, atitudes de retaliação (uso da força, coerção,
chantagem emocional).
Beidell e Lennox (1997) propõem que, quando um pedido implica em conflito
entre os desejos, o receptor do pedido deve recusar ou oferecer um acordo ou alternativa.
A alternativa é sugerida quando aquele que recebe o pedido não quer fazer o que foi
requerido, rnas entende o desejo do solicitante e propõe um modo diferente de satisfazer
esse desejo. Quando se oferece uma alternativa, o desejo do solicitante não precisa ser
modificado, mas apenas satisfeito de forma diferente. Considerando o exemplo do cinema
citado anteriormente, quando o homem foi solicitado a ceder o seu lugar para o casal, ele
poderia oferecer uma alternativa, tal como: "Eu entendo o seu desejo de sentar-se ao lado
de seu amigo, mas há duas cadeiras, duas fileiras atrás. Que tal vocês sentarem lá?".
O acordo ocorre quando o que recebe o pedido tenta encontrar uma saída na qual
cada uma das partes alcance parcialmente o seu desejo. Considerando o funcionário que
foi solicitado a interromper o que estava fazendo para explicar uma tarefa á colega, este
poderia propor que ela o ajudasse a terminar o seu trabalho primeiro e depois obtivesse a
orientação pedida.
Concluindo, quando os desejos das duas partes são compatíveis (sem conflito), o
receptor normalmente irá atender o pedido. Quando há conflito entre os desejos, o receptor
poderá: a) recusar o pedido ou b) oferecer um acordo ou alternativa.
O processo de responder a pedidos ó semelhante ao de fazer pedidos, envolvendo
autoconsciência e consciência do outro. Igualmente, a resposta a um pedido pode ser
entendida em termos de três fases de processamento de informação (Beidell e Lennox,

Sobre Comporldmenfo c Cognição 97


1997): obtenção de informações; processamento de informações e tomada de decisão;
envio de informações.
1. Obtenção da informação:
a. O que a outra pessoa quer de mim?
b. O que eu quero em relação ao desejo da outra pessoa?
c. Quais as conseqüências de atender ao pedido da outra pessoa? (Para ela e para
mim)
2. Existe conflito entre os desejos?
a. Pense no seu direito de considerar os próprios desejos;
b. Pense em uma alternativa ou acordo.
3. Envio de informações:
a. Pense em uma declaração que inicie:
"Eu ficaria feliz..." ou “Eu gostaria..." ou “Eu entendo que você..." ou "Eu sei que
você,.."
"Mas eu...” (segue-se a razão pela qual não será possível atender o pedido)
“Se você..." (alternativa ou acordo)
"Então..." (conseqüência para ambos)

Pedir a alguém para mudar um comportamento indesejável


Algumas vezes nos sentimos insatisfeitos em função do comportamento de outra
pessoa. Esperar que os outros percebam que estão incomodando ou chateando não
costuma resolver o problema. Por outro lado, expressar-se de maneira hostil, ofendendo a
outra pessoa, pode trazer efeitos desastrosos para o relacionamento. Maldonado e Garner
(1992) apontam certas atitudes inadequadas que algumas pessoas adotam quando se
sentem incomodadas pelas ações dos outros:
1) Despejar uma lista de queixas, o que provavelmente provocará no interlocutor resistência,
irritação e má vontade.
2) Usar expressões tais como sempre ou nunca (ex., "Você está sempre atrasado" ou
"Você nunca me deixa falar"). Tais expressões são globais, costumam ser injustas,
pouco precisas e difíceis de contestar. Além disso, elas geram reações defensivas no
interlocutor.
3) Deduzir os motivos/intenções do outro (ex., “Você está tentando me fazer sentir
culpada"). As deduções sobre as intenções dos outros prejudicam a comunicação
porque, mesmo que estejam corretas, jamais são admitidas pela outra pessoa.
4) Tendência a ver o lado negativo das coisas. Algumas pessoas costumam enxergar
defeitos e aspectos ruins em tudo e em todos, de tal modo que se tornam míopes para
o lado positivo das coisas. Isso acaba gerando um padrão de comportamento crítico,
tornando as relações pouco gratificantes.

98 lllane de Oliveira Falcone


Expressar a nossa insatisfação com o comportamento de alguém exige habilidade,
uma vez que a outra pessoa poderá não responder favoravelmente a nossas expressões.
Por outro lado, as reações do interlocutor podem se suavizar, se levamos em conta certas
diretrizes, tais como as propostas por Caballo (1993, p.261):
1. Decidir se vale a pena criticar um comportamento, quando este pode ser mínimo ou
não voltará a ocorrer.
2. Ser breve. Após expressar o que se quer dizer, não ficar dando voltas.
3. Evitar fazer acusações, dirigindo a crítica ao comportamento e não à pessoa.
4. Pedir uma mudança de comportamento específica.
5. Expressar os sentimentos negativos em termos de nossos próprios sentimentos, na
primeira pessoa, e não em termos absolutos.
6. Quando possível, começar e terminar a conversa em um tom positivo.
7. Estar disposto a escutar o ponto de vista da outra pessoa. Encerrar a conversação,
caso esta acabe em querela.

Bedell e Lennox (1997) descrevem alguns passos envolvidos no pedir a alguém


para mudar um comportamento inaceitável. Eles citam um exemplo no qual duas pessoas,
Janete e Ana, participam de uma psicoterapia de grupo. Janete está sempre interrompendo
quando Ana começa a falar. Ana já mencionou esse problema, mas Janete não mudou o
seu comportamento. Na sessão seguinte, mais uma vez Janete atravessa no meio da fala
de Ana. Esta decide responder com um pedido de mudança de comportamento, descrito
a seguir.
1. Coletando informação:
a. O que eu quero da outra pessoa?
Eu quero que Janete espere até que eu tenha terminado de falar.
b. Quais as conseqüências de conseguir o que quero?
Ser capaz de atingir o meu objetivo dentro do grupo e conseguir que Janete me trate
com consideração e respeito.
c . O que a outra pessoa quer?
Julgando a partir do comportamento dela (interrompendo a minha fala) e da situação
na qual o comportamento ocorre (na terapia de grupo, onde os problemas são
discutidos), eu suponho que Janete quer muito falar sobre as coisas que incomodam
a ela.
2. Processando a informação e tomando a decisão:
a. Há um conflito? Eu quero fazer um acordo? Eu quero mudar o comportamento do
outro?
Há um conflito porque ela e eu não podemos falar ao mesmo tempo. Não posso
pensar em um acordo que elimine o conflito. O que eu quero é que Janete pare com

Sobre C omportamento c l ognifAo 99


esse comportamento indesejável. Assim, eu farei um pedido de mudança de
comportamento.
b. Como eu penso, sinto ou me comporto em resposta ao comportamento do outro?
Eu penso que ela não me leva em consideração e sinto raiva. Eu também perco a
minha linha de pensamento.
c. Organizando os componentes dentro do pedido para mudar o comportamento:
c1.: Fazer uma declaração empática que considere os desejos da outra pessoa:
“Janete, eu sei que você quer que o grupo a ajude em seus problemas, mas..."
c2.: Descrever o comportamento indesejável da outra pessoa:
"...quando você me interrompe, no momento em que eu estou falando no grupo..."
c3.: Descrever os próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos em
decorrência desse comportamento indesejável:
"... eu fico com raiva porque isso me diz que você não está interessada no que eu
estou dizendo. Além disso, eu também perco a minha linha de pensamento..."
c4.: Fazer uma declaração positiva do que se deseja da outra pessoa:
“...se você esperasse até que eu terminasse antes de começar a falar..."
c5.: Declarar as conseqüências se o pedido for atendido:
"...então eu seria capaz de pensar mais claramente e me sentiria conseguindo
mais ganhos no grupo."
Bedell e Lennox (1997) propõem que esse guia deve ser flexível na decisão de
como fazer pedido de mudança de comportamento. Segundo os autores, as pessoas se
beneficiam da claridade, simplicidade e estrutura dessa abordagem, especialmente quando
elas se encontram em um processo inicial de aprendizagem. Com o desenvolvimento das
habilidades, elas se tornam elaboradas.

Responder a críticas
Me^jno mantendo boas relações sociais, nós não estamos livres das críticas dos
outros. As pessoas podem nos criticar porque estão incomodadas/magoadas com o nosso
comportamento, elas podem querer mudar o nosso comportamento por julgarem que será
melhor para nós ou elas podem estar competindo conosco.
Maldonado e Garner (1992) afirmam que as pessoas, quando criticadas, costumam
reagir de forma defensiva de várias maneiras. Elas podem evitar a crítica, ignorando-a ou
fingindo que não perceberam, recusando-se a discuti-la ou mudando de assunto. Outra
forma defensiva de reagir à crítica é rebatendo a afirmação do interlocutor com uma negação.
Dar uma desculpa, justificando-se e rebaixando a importância da crítica ou rebatendo a
crítica com outra crítica também constituem formas defensivas. Todas essas maneiras de
lidar com a crítica favorecem argumentos acalorados e prejudicam a relação.
Caballo (1993) propõe que, diante de uma crítica, devemos deixar que esta siga
seu curso, sem adicionar mais "gasolina" ao sistema. Somente após a crítica haver se

100 l'.liane dc Oliveira Falconr


esgotado, podemos expressar o que desejamos. Se, de fato, estamos equivocados, não
devemos nos defender. Se acharmos que temos razão, a defesa deve começar apenas
após a critica haver se esgotado.
Maldonado e Garner (1992) sugerem alguns passos para abordar a critica de
forma construtiva. O primeiro passo consiste em pedir detalhes, com a finalidade de obter
informações mais específicas e não como uma arma defensiva.
Concordar com o que há de verdadeiro na crítica constitui o segundo passo. Parte
das críticas dirigidas a nós costuma estar correta. Assim, o mais sensato é concordar
com a parcela de verdade. Mesmo pensando ou querendo agir diferente, vale a pena
buscar a verdade no que é dito, para concordar com o que o outro está afirmando. As
críticas costumam ser formuladas em termos gerais (sempre ou nunca) para se referir ao
nosso comportamento. Ao enfrentar as críticas globais, podemos concordar com a parcela
de verdade contidas nelas para, depois, citar fatos que as desconfirmem. Por exemplo, ao
responder a um comentário do chefe de que está sempre atrasada, uma secretária pode
responder; "Hoje estou realmente atrasada, mas é a primeira vez que chego tarde esse
mês”.
O terceiro passo para lidar adequadamente com uma crítica é estar de acordo
com o direito de opinião do crítico. Há pessoas que criticam fazendo previsões sobre as
conseqüências do nosso comportamento. Mesmo discordando, podemos aceitar que o
outro tem o direito de pensar desse jeito.
Caballo (1993) sugere formas chamadas de “processos defensivos” ou de proteção
para lidar com críticas agressivas. Tais estratégias devem ser utilizadas apenas depois
que a comunicação honesta tenha sido tentada e o interlocutor persiste em nos desrespeitar.
Uma das formas consiste em ignorar seletivamente, ou seja, não atender aspectos
específicos do conteúdo da fala da outra pessoa. Manifestações injustas ou ofensivas não
devem ser contestadas, mas sim aquelas que não são destrutivas, produtoras de culpa ou
injustas.
Quando o interlocutor se torna alterado ao nos fazer uma crítica, aumentando, por
exemplo, o volume da voz, devemos nos recusar gentilmente a continuar com o conteúdo
da conversa até que a outra pessoa se tenha acalmado.

Fazer e receber .elogios


Os elogios são definidos como “comportamentos verbais específicos que ressaltam
características positivas de uma pessoa" (Caballo, 1993, p. 254). Em nossa cultura, é
comum a ausência de reconhecimento quando alguém faz algo positivo ou que nos agrada.
Parece existir uma crença subjacente em nossa cultura de que os outros ficam convencidos
quando elogiados ou de que as pessoas só produzem bem quando criticadas. Caballo
(1993, pág. 256) cita algumas crenças desfavoráveis a manifestações de elogios, tais
como: "Se começo a elogiar as pessoas dizendo o quanto eu as aprecio, elas pensarão
que estou querendo alguma coisa delas e que sou um falso"; "Porque eu deveria elogiá-lo
se ele está sendo pago para fazer esse trabalho?". Assim, tendemos a prestar mais
atenção quando os outros atuam de modo considerado por nós como inadequado, ou
quando nos sentimos incomodados pelas ações dos outros. As críticas aos

Sobre Comportamento e Coflniçüo 101


comportamentos que nos incomodam parecem ser mais freqüentes do que o
reconhecimento dos comportamentos que nos agradam.
Entretanto, os elogios funcionam como reforçadores sociais, que aumentam a
freqüência dos comportamentos elogiados. Da mesma forma, quando ignoramos certos
comportamentos agradáveis, tendemos a extingui-los pela ausência do reforçamento
(Maldonado e Garner, 1992). Galassi e Galassi (1997, conforme citado por Caballo, 1993),
afirmam que existem muitas razões pelas quais torna-se importante fazer elogios e
expressar apreço justificados. Primeiro, os outros gostam de ouvir expressões positivas,
sinceras, sobre como nos sentimos com relação a eles. Além disso, fazer elogios ajuda a
fortalecer e aprofundar as relações entre duas pessoas. Uma outra razão que justifica o
elogio está relacionada ao fato de que as pessoas por nós elogiadas tornam-se menos
resistentes quando manifestamos alguma crítica. Finalmente, quando as pessoas recebem
elogios, tornam-se menos propensas a se sentirem esquecidas ou não apreciadas.
Algumas sugestões sobre como fazer elogios são especificadas a seguir (Caballo,
1993; Maldonado e Garner, 1992):
1) Os elogios podem ser feitos em relação ao comportamento, a aparência ou às posses
da outra pessoa.
2) Ao fazermos um elogio, devemos ser específicos, mencionando exatamente o que
apreciamos e dizendo o nome da outra pessoa. Ex.: "Gosto do seu jeito de Ilustrar
os pontos teóricos com casos práticos do dia-a-dia".
3) É preferível expressar o elogio em termos de nossos sentimentos do que em termos
absolutos. Ex.: "Me agrada muito a decoração da sua casa" em vez de "A decoração
da sua casa é muito bonita".
4) Não é raro que as pessoas, por modéstia ou inibição, recusem o elogio de várias
formas. Assim, para facilitar o aceite e evitar constrangimento, o elogio pode ser seguido
de uma pergunta. Ex.: "Beto, você está com um porte atlético incrível, com os dez
quilos a menos. Como conseguiu perder tanto peso em tâo pouco tempo?"
5) Se não costumamos fazer elogios e queremos iniciar com essa prática, devemos
começar fazendo elogios de vez em quando e aumentando a freqüência aos poucos.
6) Os elogios são indicados quando não queremos nada da outra pessoa, do contrário
este não será bem recebido.
7) Não é conveniente devolvermos o elogio que nos fazem com um outro igual. Isso
parece superficial, como uma obrigação adquirida.
Uma das conseqüências de se fazer muitos elogios é a de receber mais elogios.
Assim, é importante que saibamos manter esse intercâmbio positivo, reforçando nos outros
o comportamento de nos elogiar. Entretanto, parece também existir em nossa cultura
uma tendência a recusar o elogio. Crenças desfavoráveis à aceitação do elogio tais como:
"Se eu aceito e concordo com o elogio, as pessoas pensarão que sou um convencido" ou
"Se alguém me faz um elogio, tenho que responder com outro elogio" são descritas por
Caballo (1993, p. 256). Entretanto se ficamos calados e sem graça, ou respondemos
negando o elogio (ex., “Quem? Eu?" ou “Que nada!”); focalizando a atenção no outro (ex.,
"Eu também gostei da sua jaqueta") ou nos desculpando (Ex., "Você gostou mesmo do
frango? Na verdade eu fiz muito pouco. Minha empregada fez praticamente tudo”), é pouco

102 Lliane d r Oliveira Falcone


provável que voltemos a ser elogiados no futuro. Sorrir, olhar a pessoa nos olhos
e agradecer o elogio são respostas suficientes (Maldonado e Garner, 1992).
Seguem algumas sugestões sobre como responder a um elogio: "Fico contente
em ouvir isso. É bom saber que o meu empenho foi percebido"; “Fico feliz em saber que
vocô gostou do peixe. Eu o preparei com muito carinho, seguindo a risca uma receita de
minha mãe"; (Após um amigo elogiar o escritório, dizendo ser este bastante acolhedor):
"Obrigado. Foi exatamente o que pensei ao planejá-lo, porque acho importante a gente se
sentir bem num ambiente onde se passa a maior parte do dia".

Conclusões
Esse capítulo teve como objetivo fornecer alguns dados sobre os componentes
cognitivos e comportamentais das habilidades de iniciar, manter e encerrar conversação,
fazer pedidos, responder a pedidos, pedir a alguém para mudar um comportamento
indesejável, responder a criticas e fazer e receber elogios. As informações sobre como
identificar os próprios sentimentos e desejos, os sentimentos e desejos da outra pessoa,
as crenças que podem favorecer ou impedir o desempenho social e as formas apropriadas
e inadequadas de desempenho verbal são dadas, no intuito de facilitar exercícios de jogos
de papéis em programas de treinamento em habilidades sociais e de comunicação
interpessoal.

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104 Eliane dr Oliveira Falcone


Capítulo! 1
M odelos animais de psicopatologia:
Transtorno O bsessivo-Com pulsivo
trica Maria Machado Santarém'

0 transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de pensamentos obsessivos e comportamentos
compulsivos que sâo suficientemente incômodos para interferir na vida normal do indivíduo. As obsessões de contaminação
o agressão estão entre as mais comuns, assim como as compulsões de llmpe/a/lavngem, verificação c rituais dn repetição
Modelos animais sâo modelos das compulsões e refletem a diversidade do transtorno bem como hipóteses «obro os
mecanismos biológicos e neuroqulmicos envolvidos na fisiopatologia dos sintomas obsessivos compulsivos. Esses modelos
distinguem-se entre si, segundo a ênfase num determinado sintoma e segundo os critérios de validação teórico, d» face o
predltivo. Os modelos etolôgicos, na Bua maioria, apresentam validade de face e apólam as hipóteses sobre os mecanismos
neuroblolôglcos do TOC. Entre os modelos farmacológicos e experimentais, nem todos apresentam semelhança fenomenológlca
com os sintomas, porém apresentam valor teórico e predltivo.

Palavras chave: TOC, modelos animais, compulsão, obsessão.

The obsessive - compulsive disorders (OCD) are characterized by the presence of obsessive thoughts and compulsive
behaviors that are awkward enough to interfere with normal life of Individuals. The obsessions of contamination and
aggression are among the most common symptoms, as well as the compulsions of cleaning/washing, checking and repetitive
rituals Animal models are models of compulsion and reflect the diversity of the disorder, as well the hypotheses about the
biological and neurochemical mechanisms involved in the physiopathology of the compulsive and obsessive symptoms.
These models simulate different symptoms and differ as to the criteria of face, construct and predictive validity. Most
ethologlcal models have face validity and supporl the neurobiological hypothesis for the etiology of OCD. Among the
pharmacological and experimental models, not everyone present phenomenological similarity to the OCD symptoms, but
they are important because of their theoretical and predictive value

Key words: OCD, animal models, compulsion, obsession.

1. Introdução
Do ponto de vista clinico, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ó caracterizado
por obsessões, que causam ansiedade ou desconforto acentuados, e ou por compulsões,
que servem para neutralizar a ansiedade (DSM-IV),
Obsessões são idéias, pensamentos, imagens, impulsos que surgem,
repetidamente, e que o indivíduo as percebe como próprias, porém intrusivas e inoportunas.
Desencadeadas por eventos internos ou externos são acompanhadas por sentimentos

'Programa d« taludo* Pó« Graduado« *m Psicologia Univcrtldde Sâo Francfeco - IT

Sobre C om porljm cnltí c (.'oflnlçao 105


desagradáveis como repugnância, culpa, ansiedade e medo intenso. Diversos são os tipos
de sintomas: obsessões de contaminação (Aids, sujeira, radioatividade), somáticas
(preocupações com outras doenças e com a aparência física), agressão que aparece na
forma de medo de ferir, matar ou prejudicar alguôm sem querer, de se matar, fazer algo
proibido ou embaraçoso e as obsessões na forma de palavras, sons, músicas intrusivas ou
imagens que interferem na realização de pensamentos, raciocínios ou ações, como por
exemplo, uma palavra obscena durante uma reza ou confissão (Lotufo-Neto e cols, 1997;
Torres e Smaira, 2001)
Compuísões são comportamentos públicos ou encobertos que ocorrem como
resposta a uma obsessão ou a uma regra que deve ser rigidamente seguida. A relação entre
a obsessão e a compulsão ocorre de forma não realista. Precedidas por sensação de urgência
e resistência, que em geral é vencida, as compulsões são seguidas de alívio temporário da
ansiedade ou do desconforto gerado pelo pensamento obsessivo. São reconhecidas como
excessivas e irracionais pelo indivíduo. Podem variar, como os rituais de limpeza/lavagem
(porex., lavar repetidamente as mãos, roupas, objetos pessoais que tenham sido tocados
ou “contaminados" de alguma forma), verificação (por ex., voltar inúmeras vezes para verificar
se a porta está fechada), repetir ou tocar (acender e apagar a luz diversas vezes), repetição
(sempre virar para a direita ou pisar em determinada linha antes de entrar no elevador),
simetria e ordem (colocar objetos numa ordem pré-determinada ou seguindo um padrão
simôtrico), colecionismo (juntar objetos, não jogar nada fora) e lentidão (os atos são realizados
de maneira muito lenta, demorando horas para realizar uma ação, que normalmente demoraria
muito pouco) (Lotufo-Neto e cols, 1997; Torres e Smaira, 2001)
De acordo com o DSM-IV, obsessões de contaminação, dúvidas repetidas, simetria
e ordem, agressão e imagens sexuais estão entre as mais comuns, assim como as
compulsões de limpeza/lavagem, contar, verificação e rituais de repetição. No Brasil, num
estudo realizado por Del Porto, as obsessões mais comuns foram de agressividade,
contaminação e de preocupações com doenças, e as compulsões mais comuns, limpeza e
verificação (conforme citado por Torres e Smaira, 2001).
Do ponto de vista neuroquímico, os estudos sugerem alteração da atividade neural
de uma complexa rede de neurotransmissores que envolve os gânglios da base (caudado),
o tálamo e o córtex frontal (região orbitofrontal), onde a dopamina (DA), a serotonina (5-HT)
glutamato (Glu) e o acido gama amíno butíríco (GABA), estariam envolvidos (Valente e
Busatto Filho, 2001; Lacerda, Dalgalarrondo e Camargo, 2001). A hipótese seroíonérgica
deriva de estudos acerca do tratamento farmacológico do TOC mostrando forte correlação
positiva entre a melhora dos sintomas obsessivo-compulsivos em pacientes tratados com
inibidores da recaptação de serotonina (IRS), sejam eles seletivos (ISRS), tais como fluoxetina,
sertralina, paroxetina ou fluvoxamina, ou não seíetivos como a clomipramina (Marques, 2001
e Graeff, 2001). Por outro lado, muitos pacientes não respondem ao tratamento com IRS
usados em tempo e doses adequados e, entre aqueles que respondem, a melhora não
chega ser completa. Várias linhas de evidências sugerem que a dopamina (DA) também
esteja implicada na mediação de alguns comportamentos obsessivos- compulsivos ( Miguel
e Shavitt, 1996 e Szechtman, Culver, e Eilam, 1999)

2. Modelos animais
Modelos animais para o estudo dos comportamentos compulsivos refletem a
perspectiva evolucionista na psicologia, segundo a qual características comportamentais

106 trica M aria M aduido Sunlarcm


estão sujeitas a seleção natural da mesma forma que as características anatômicas e
fisiológicas. Rapoport (1989) foi quem sugeriu a hipótese de que compulsões, principalmente
as ligadas à autolimpeza e verificação, pudessem ser manifestações exageradas de rotinas
de autolimpeza e de conferir demarcações territoriais, respectivamente selecionadas ao
longo do processo de evolução de numerosas espécies animais. Essa convicção estava
sustentada também pelo fato de que crianças e adultos apresentam sintomas idênticos e
pelas evidências da associação entre o TOC e diversas doenças neurológicas ligadas aos
gânglios da base (Rapoport, 1989 e Graeff, 2001).

2.1. Estereotipias induzidas por agontes farmacológicos.


Estereotipias, assemelhando-se aos comportamentos compulsivos dos pacientes
com TOC, podem ser induzidas farmacologicamente através de altas doses de agentes
liberadores de dopamina, tais como a anfetamina, bromocriptina, apomorfina e L - DOPA.
Microinjeções de anfetamina no striatum ventrolateral induzem estereotipias orais intensas
e respostas perseverativas de limpar-se (grooming) e lamber as patas em ratos. O
colecionismo é outro comportamento estudado em animais que depende da integridade
da função dopaminérgica. Em humanos, o uso de estimulantes pode induzir a rituais de
lavagem, limpeza e colecionismo. A administração de altas doses de agentes serotonérgicos
específicos induzem a diferentes tipos de estereotipias. Por exemplo, o agonista 5-HTC1,
que pode exarcebar sintomas compulsivos em pacientes com TOC, pode também induzir
farejar excessivo em animais (Miguel e Shavitt, 1996).

2.2. Comportamentos de deslocamento.


Descritos pelos etólogos e presentes em todos os vertebrados, são atos motores
estereotipados que parecem excessivos ou inapropriados, lembrando assim rituais
compulsivos. São desencadeados por um conflito entre tendências opostas (p.ex. luta e
fuga) e, uma vez iniciados, continuam de maneira autônoma, terminando quando o conflito
é removido ou quando surge um conflito mais urgente. Rituais de limpeza como o
colecionismo e os rituais de cruzar a porta e outras áreas de fronteira dos obsessivos
compulsivos, lembram seqüências ritualizadas de comportamentos característicos de
algumas espécies como, por exemplo, a autolimpeza (que consiste em lamber e alisar os
pelos e lamber o corpo), o comportamento de fazer o ninho e a fiscalização dos limites
territoriais, respectivamente (Pitman, 1989).

2.3. Na mesma linha etológica acima, patologias observadas na clínica veterinária


sugerem analogias com determinados sintomas de TOC, como por exemplo, a dermatite
por lambedura das extremidades que acomete determinadas raças de cães e gatos
caracterizadas pelo excessivo lamber das patas ou do flanco, podendo causar traumatismo
local, e o bicar as penas em papagaios, arrancando-as do corpo. Essas patologias, além
de apresentarem semelhança fenomenológica com as compulsões humanas, como a
dermatite por lambedura com os rituais de limpeza e o bicar as penas com a tricotilomania
(uma variante do TOC que se define pela compulsão de arrancar cabelos ou pêlos das
sobrancelhas e ou corpo, Araújo, 1996) mostram que os sintomas melhoram

Sobrf C"omfK)rt«imcnlo c Cotfni(Ao 107


significativamente, quando tratados com inibidores da recaptação serotonérgica, como a
clomipraina e a fluoxetina. (Rapoport, 1990e Grindlinger, 1991). É curioso, também, que,
na cKnica veterinária, as patologias têm sido associadas a situações indutoras de estresse,
como por exemplo, a introdução de um novo animal de estimação no ambiente doméstico,
a morte de um animal de companhia, ataques ao território do gato, mudança para uma
nova casa, presença de um novo bebê, ruídos excessivos aos quais o animal não tinha
sido anteriormente exposto e, especialmente em cães, o enfado e o confinamento em um
canil. Mais recentemente, Nurnberg, Keith e Paxton, (1997) estenderam essa tinha de
investigação para um distúrbio de comportamento comparável que acomete cavalos.
Segundo os autores, esse distúrbio caracteriza-se pelo balançar da cabeça e da porção
dianteira do corpo em movimentos para frente e para trás de forma repetitiva, constante e
aparentemente sem propósito, resultando em fadiga dos músculos dianteiros e uma
tendência do cavalo a tropeçar quando em trabalho rápido. Num delineamento experimental
A-B-A-C-A-D, os autores manipularam drogas com ação em diferentes sistemas
neurotransmissores e observaram que a paroxetina (inibidor da recaptação serotonérgica)
reduziu o comportmento em 95%, a acepromazina (agonista dopaminérgico), em 40%, e
o naltrexone (antagonista opióide) reduziu em 30%. Esse delineamento mostrou-se útil,
segundo os autores, para investigar possíveis interações entre os sistemas de
neurotransmissão no TOC.

2.4.0 modelo animal do ritual de verificação foi recentemente proposto por Szechtman,
Sulis e Eilam (1999) num estudo experimental controlado e bastante detalhado, com ratos
de laboratório. De modo geral, o estudo mostrou que ratos tratados, cronicamente, com o
agonista dopaminérgico quinpirole, apresentaram comportamento de verificar, como uma
forma exagerada de um comportamento normal do rato em seu habitat. Especificamente,
ratos tratados com quinpirole e submetidos a um campo aberto equipado com pequenos
objetos verificaram os mesmos repetidamente, de forma excessiva, rápida e ritualizada,
muito semelhante às compulsões de verificação em humanos. Além da semelhança com
os sintomas de verificação compulsiva, os autores observaram que a clomipramina exerceu
efeitos atenuadores sobre as medidas do ritual de verificação do comportamento animal.
Os resultados permitiram que os autores apresentassem o comportamento induzido pelo
quinpirole como um modelo animal para a compulsão de verificar em humanos e, nesse
sentido, levantou-se a questão sobre a participação do sistema dopaminérgico nesse tipo
de sintoma.

2.5 - Um outro modelo animal foi sugerido para um dos sintomas, também relativamente
comum no TOC, que é a dúvida compulsiva e recorrente (Yadin, Friedman e Bridger, 1991).
Nesse modelo, o comportamento de alternação espontânea em rato privado de alimento,
quando introduzido num labirinto em T, foi selecionado e mostrou-se sensível a manipulações
com agonistas seletivos e não seletivos do sistema serotonérgico. Essas manipulações
resultaram em diminuição do comportamento de alternação ou no aumento do número de
escolhas repetidas de um dos braços do labirinto. Durante tratamento crônico dos animais
com fluoxetina, o número de escolhidas repetidas foi significativamente reduzido,
aumentando o número de alternações espontâneas em relação aos animais controles. A
característica perseverante da escolha induzida pelos agonistas serotonérgicos, a aparente

108 fricu Murt.i Machddo Sdnl.irem


indecisão dos animais no ponto de escolha dos braços e a suscetibilidade ao tratamento
com a fluoxetina sugeriram aos autores semelhança com o sintoma manifestado por
portadores de TOC.

2.6. Por último, um análogo experimental do comportamento de deslocamento, a polidipsia


induzida por esquema, tem sido proposta como um outro possível modelo animal de
comportamento compulsivo. A polidipsia induzida por esquema é o beber excessivo que
ocorre quando sujeitos privados, submetidos a um esquema intermitente de liberação de
alimento, tôm acesso a uma garrafa de água. O beber ocorre tipicamente após a liberação
do alimento e excede em muito a ingestão normal diária dos sujeitos sob as mesmas
condições de privação (Falk, 1961). Outros comportamentos induzidos por esquema foram
demonstrados, tais como correr, roer, ingerir lascas de madeira, lamber jatos de ar, etc.
(Falk, 1971; 1977; Staddon, 1977), mas a polidipsia no rato continua sendo o mais ampla
e consistentemente reproduzida e, por isso, é considerada como protótipo dos demais.
Desde muito cedo, a polidipsia induzida por esquema foi proposta como um modelo de
comportamentos “excessivos" ou “compulsivos" de seres humanos (Falk, 1977; Cantor e
Wilson, 1978; Cantor, Smith e Bryan, 1982). Exemplos desses comportamentos incluíam
os chamados “maus hábitos" como comer em excesso, o alcoolismo, o abuso de drogas,
ou comportamentos repetitivos e pouco adaptativos, como a "compulsão" de roer unhas
ou brincar com objetos. Como modelo animal do transtorno obsessivo compulsivo, a
polidipsia foi sugerida por Woods e cols (1993,1996) que mostraram a susceptibilidade da
polidipsia à ação de drogas serotonórgicas utilizadas no tratamento do TOC, e por Santarém
e Silva (1994), que também investigando o efeito da clomipramina sobre a polidipsia,
partiram do paralelo entre a explicacão de Timberlake e Lucas (1991) sobre a polidipsia e
a de Rapoport (1989) sobre o TOC. Para os primeiros autores, a polidipsia é um padrão
excessivo de um comportamento filogenóticamente programado e ligado à atividade
bíológícamente relevante de procurar e consumir alimento, que ó detonado pela liberação
de estímulo numa situação experimental específica. Para Judith Rapoport, rituais obsessivo-
compulsivos têm um significado evolutivo por serem comportamentos que tiveram funções
críticas para a sobrevivência da espécie. Tão críticas que formariam programas fixos
mobilizados pelos estímulos pertinentes e que, sob condições de stress, entrariam em
um círculo reverberatório ininterrupto.
Além da semelhança do ponto de vista do significado biológico, alguns estudos,
mesmo que controvertidos, apresentam a polidipsia com uma estratégia de redução de
estresse originado pela intermitêntica de um estímulo apetitivo, pequenas pelotas de alimento
para animais privados (Brett e Levine, 1979,1981; Tazi, Dantzer, Mormede, LeMoal, 1986
e Cole e Koob, 1994). Os estudos farmacológicos com agentes serotonérgicos
(clomipramina e fluoxetina), mesmo que ainda não conclusivos, apresentam resultados
favoráveis sobre o grau de participação do sistema serotonérgico na polidipsia (Santarém
e Silva, 1994 e Santarém, Toscano e Silva, 2000). É provável que outros sistemas
neuroquímicos também estejam envolvidos, como por exemplo, as projeções dopaminérgicas
no nucleo accumbens (Wallace e Singer, 1976).
A polidipsia induzida por esquema, enquanto possível modelo animal de TOC,
desperta interesse, tanto pela semelhança teórica com o TOC, quanto pela possibilidade

Sobre Comportamento c CoitnifAo 109


de envolvimento dos sistemas serotonérgico e dopaminérgico. Alguns estudos não des­
cartam a interação desses dois sistemas no TOC, tendo em vista a existência de casos
que são resistentes ao tratamento serotonérgico, bem como a remissão dos sintomas,
que dificilmente ó total nos casos clínicos tratados (Valente e Busatto Filho, 2001).

3. Conclusão:
Modelos animais do TOC são modelos das compulsões e refletem a
heterogeneidade do transtorno. Os modelos etológicos são úteis na medida que o
comportamento ocorre no ambiente natural, conferindo-lhes validade de face e teórica. Os
modelos experimentais, nem sempre reproduzindo o sintoma do ponto de vista da topografia
do comportamento, são úteis na medida que permitem a manipulação controlada de
variáveis do organismo e do ambiente, supostamente implicadas na origem e manutenção
dos sintomas obsessivos e compulsivos.

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112 fried M arid M d d w d o Sdnldrem


Capítulo 12
Suporte psicológico a gestantes portadoras
de fetos com diagnóstico de malformação
C//mo/ licn/dqucn'
UNESP

A larga dlfusâo do pré-natal e as inovações tecnológicas, especialm ente o ultra-som , perm itiram que, atualmente,
se possa diagnosticar grande núm ero de anom alia* Intra-utero. S io diagnóstico* de m alform ações letais ou que
resultarão em retardo fís ic o e mental, para os quais, hoje em dia, a capacidade de diagnosticar é m aior que a
chance de IntervençAo. Em um pais onde, aliado A falta de terapêutica, há uma legislação abortiva restritiva, o
diagnóstico pré-natal é um acontecim ento que tem levado a forte reações emocionais nas gestantes assim como
tem Interferido no v incu lo m âe-filho. Para investigar mais detalhadam ente esse fenóm eno, 42 grávidas do
Serviço de M edicina Fetal do H ospital das C linicas da UNESP - B otucatu foram entrevistadas. A pesar de
malformaçOes m ulto diversas • com vários nlvels de gravidade, a maioria das m ulheres apresentou tristeza
pro fu nd a, culpa, crise s de ansiedade e m edo, logo após o d ia g n ó s tic o . O bservaram -se tam bém reações
sem elhantes aos qua dro s de s tre ss pós traum ático, com o pensam entos In tru slvo s, evitações e queixas
psicossom áticas. Várias m ulheres romperam o vinculo com o filho após a noticia, mas a m aioria o refez antes
ou logo após o nascim ento. O acom panham ento clinico destas pacientes sugere que cria r um espaço onde
possam expor seus sentim entos e Instrum enta-las com técnicas cognltlva-com portam entals para que possam
enfrentar a nova situação, durante o resto da gravidez e nos prim eiros dias após o parto, pode ser fundam ental
para que possam ajustar-se em ocionalm ente e restabelecer o vinculo com a criança.

Palavras chave. M a lfo rm a çlo fetal, stress pós-traum átlco, coping, apego

As result o f recent developm ent in ultra-sound diagnosis, a large num ber of fetal anom alies can now be
determ ined. These m alform ations are lethal or w ill lead to severe physical and/or mental handicap w ith few
chances of intervention . As a consequence, in a country w ithout legal support fo r pregnancy term ination, the
prenatal diagnosis evoke strong em otional reactions and increasing problem s In maternal fetal bonding. To
determ inate the course*of parental em otional reaction* and the process of maternal attachm ent after they have
been inform al of the diagnosis o f m alform ation, 42 pregnants of the Fetal M edicine 8ervice - UNESP - Botucatu,
were Interviewed. Despite the wide variation of m alform ations, analysis of the Interviews dem onstrated that
sadness, guilt, anxiety cris is and fear were frequent after diagnosis. Other com m on em otional reactions follow ing
a traum atic event, such as In tru s io n , avoidance and psychosom atic com plaints were reported. A high percentage
of pregnants b ro k * the maternal-fetal bonding Just after the anomaly scan however the large m ajority of them
were able to relniclate attachm ent before or soon after delivery. Observations of these patients suggest that offer
to these wom en the o p p o rtu n ity to express th e irs feelings and provide a range o f co g n itiv e behavioral
techniques to cope w ith them d uring the pregnancy and in the first days after birth, may be particularly crucial
In parental attachm ent and em otional adjustm ent.

Key w ords fetal m alform ation, post-traum atic, stress, coping, attachm ent

Fflcukind« de Modtdnn de Roiucatu - UNFSP

Sobrr C omportamento e Cognição 113


A participação dos psicólogos nas equipes hospitalares é hoje um fato inconteste.
Os profissionais têm assumido várias funções, na maioria das vezes ajudar equipes e
pacientes a lidar com situações estressantes relacionadas a dor, perdas, sofrimento.
Especificamente na obstetrícia, além de conter e dar suporte em alguns processos naturais
como a dificuldade de concepção e a tensão do parto, eles tôm se transformado em
elemento essencial no atendimento às gestantes de risco ou com malformações fetais.
Os avanços tecnológicos tôm confrontado alguns pais com a anormalidade do filho antes
do nascimento, uma situação impensável até pouco tempo atrás, e que exige decisões e
adaptações críticas no decorrer da gravidez e no pós-parto imediato.
Neste trabalho, pretende-se abordar as reações psicológicas mais freqüentes
quando da notícia de malformação e algumas possibilidades de intervenção psicológica.

Gravidez: um período de tensão


A gravidez, mesmo quando encarada como um acontecimento desejado, é
também um período estressante da vida da muJher, tanto do ponto de vista físico quanto
mental (Hunfeld, Agterberg, Wladimiroff, Passchier, 1996). Segundo Souló (citado por
Roegiers, 1996), mulheres grávidas sempre foram assaltadas por fantasmas angustiantes
a respeito da integridade e normalidade do feto. Recentemente, as políticas públicas que
incentivam o pré-natal mensal da gestante, as novas técnicas diagnósticas, a espera
pelos resultados de exames, e especialmente a ambigüidade frente às imagens nem
sempre nítidas do ultra-som, ao lado da medicalização da gravidez, levaram a um aumento
desmesurado de casos de ansiedade e depressão (Roegiers, 1996). Apesar do objetivo
do acompanhamento ser o de garantir um bom desenvolvimento da mãe e do filho, e dos
exames pretenderem reassegurar os pais quanto à normalidade fetal, eles acabaram
criando, nas consultas mensais, uma ansiedade que antigamente só aparecia no momento
do parto.
Felizmente, na grande maioria das vezes, as consultas e os exames mostram
que não há intercorrêncías e tranqüilizam a grávida. No entanto, nem sempre os resultados
são favoráveis. Segundo Quayle (1993), quando há a constatação de problemas, eles
despertam reações e respostas emocionais semelhantes às observadas em situações
de grande stress.
À dor e incerteza, relacionados com a possibilidade de perda ou de filho
malformado, acrescem-se culpas, sentimentos auto-depreciativos, rancores etc... Não
se pode esquecer que, durante a realização do diagnóstico pré-natal, não se avaliam
apenas as condições de saúde e normalidade do feto, mas, indiretamente, se está
avaliando a capacidade do casal de gerar um filho saudável. O sentimento pode ser de
fracasso ("a árvore boa dá bons frutos; eu sou uma árvore podre"), a mulher pode ter a
sensação de que ela própria ou o casal são anormais, incompletos, um fato que ganha
um peso maior porque ocorre em uma sociedade onde gerar filhos, e filhos normais, é
uma das principais atribuições da mulher.
A essas emoções, alia-se uma sensação de impotência. Hoje em dia, a medicina
fetal faz diagnósticos precisos de inúmeras malformações, anomalias e patologias fetais
"intra-utero", mas para muito poucas há um tratamento efetivo e disponível. Como já
ocorreu em outras áreas do conhecimento, em medicina fetal a capacidade de diagnóstico

114 O imol B cn/jqurn Pcrow


é maior que a possibilidade de interferir no fenômeno investigado. Em um país como o
Brasil, onde associado à falta de terapêutica, ainda há uma legislação de aborto restritiva,
esse diagnóstico tem se transformado em um processo estressante que pode estar
interferindo na gravidez e no vínculo com o filho. Como conseqüência, algumas mães
ficam tão assustadas que evitam as atividades de preparação para o nascimento; outras,
são invadidas por fantasias monstruosas referentes à aparência do filho e outras evitam
pensar nele e inclusive dar-lhe nome (Quayle, 1993; Klaus e Kenmell, 1993). Roegiers
(1996) a partir de relatos clínicos, fala de reações de depressão, rejeição e rompimento
do apego com o filho.
Ató poucos anos atrás, o nascimento era considerado o marco inicial da vida
mental e especialmente o início da formação do vínculo mãe-filho. Possivelmente
influenciados pelos estudos com animais, como os de Lorenz com aves, atribuía-se a
esse primeiro encontro um caráter irreversível e instantâneo comparado por Klaus e
Kennell (1993) á ação de uma cola super-bonder, adesiva e rápida. O momento crítico, de
maior sensibilidade para a formação do vínculo, seria imediatamente após o parto.
Sabe-se hoje que o apego, entendido como o engajamento das mulheres em
comportamentos afiliativos e interativos com seus filhos não-nascidos, inicia-se antes do
nascimento (Cranley, 1981). A autora relata que, hipoteticamente, o momento mais provável
do início do apego ocorra no fim do primeiro trimestre quando se iniciam os movimentos
fetais. Esses movimentos são percebidos pela mãe e muitas vezes interpretados como
chutes, dança, ou mesmo sinais de apelo. No estudo de Tarelho e Perosa (2001), além
dos movimentos fetais, as grávidas associaram o início do apego com suas mudanças
corporais (inchou o peito, barriga cresceu...) e com o recebimento da notícia da gravidez.
Entretanto muitas não lembravam quando se havia iniciado o vínculo, talvez porque a
pesquisa foi realizada quando elas já estavam no fim da gestação. É interessante que
nenhuma das mães se referiu ao fato de ter iniciado o apego ao ouvir os batimentos
cardíacos ou ao ter visto o feto através do exame de ultrassom, que são exames rotineiros
nos pré-natais, inclusive em serviços da rede pública. Na França, em um estudo de
Courvoisier (1983), as mães relatavam que os ruídos cardíacos eram muito mais
impactantes que as imagens ultrassonográficas. O autor se pergunta se o impacto seria
determinado pela relação simbólica que as batidas do coração têm com a vida ou se pelo
fato das imagens visuais abalarem as fantasias que a mãe faz do filho idealizado.
Fica claro que a mulher, durante esse período, não parece estar passando apenas
por um período de espera. Ela está se adaptando ao desenvolvimento da criança,
preparando-se para passar pela experiência do parto e do nascimento e especialmente
para maternar o filho. Essa preparação ao novo papel não é específica dos humanos,
mas ocorre em várias espécies de aves (nidar), mamíferos superiores e inferiores, e é
chamado por alguns autores de apego materno.

As dificuldades para estudar o apego pró-natal


Houve dificuldades para investigar o apego em fase pré-natal. Um dos problemas
metodológicos foi a falta de indicadores confiáveis para avaliar a existência e o grau de
apego. Alguns estudos ativeram-se ao relato do sentimento das mães; outros acoplaram
a essas respostas diretas alguns indicadores indiretos, como o desejo de ter filho, de ser

Sobre Comportamento c Cognição 115


mãe e das expectativas depositadas no parto, na criança e no seu papel de cuidadora.
(Peterson e Mehl, 1978; Cranley, 1981; Fonagy, Steele e Steele, 1991)
Na fase pós-natal, a observação da interação tem sido a metodologia mais utilizada
nas pesquisas sobre apego. São, por exemplo, troca de olhares, busca de proximidade,
vocalizações, carícias, beijos, posturas, aconchegos... (Klaus e Kennell, 1993; Lebovici,
1987). São comportamentos impossíveis de observar com a criança intra-útero.
Klaus e Kennell (1993) sugerem, então, como indicadores observáveis,
determinados comportamentos das grávidas que seriam semelhantes ao comportamento
de construir um ninho: escolher o quarto, o berço, comprar e reformar o enxoval do bebê,
escolher o nome, pensar e conversar com o feto, tocar e afagar o feto através da parede
abdominal. Esses indicadores, utilizados nos estudos mais recentes, tem que ser tomados
com cautela, pois às vezes tem uma forte conotação cultural. LoBianco (1985), em estudo
realizado com dois grupos de grávidas de diferentes extratos sociais do Rio de Janeiro,
(um composto de mulheres da zona sul e universitárias e outro de mulheres da periferia,
com primário incompleto), demonstrou que o fato de conversar com o feto é considerado
fundamental para umas, e ridículo para outras. Apesar da pesquisa ter sido realizada nos
anos 60 e de lá para cá ter havido uma maior universalização (via meios de comunicação)
de valores positivos agregados a comunicar-se com o feto, é importante avaliar como
esses comportamentos são vistos na cultura e no imaginário das mães.

Alguns ciados de pesquisa


Com o objetivo de verificar quais os sentimentos das mães que recebem a noticia
de uma malformação fetal, 42 grávidas do serviço de Medicina Fetal da Faculdade de
Medicina de Botucatu foram entrevistadas de 3 a 5 dias após receber a notícia pelo
obstetra. Interessava, também, saber como explicavam a anomalia e que conseqüências
tinham essas informações sobre seus comportamentos, especialmente sobre o apego
mãe-filho. (Perosa, Tarelho, Consonni e Consonni, 1998).

Sentimentos N %

Tristeza profunda 11 25,6


Ansiedade/angústia 9 20,9
Raiva 7 16,3
Medo pela própria vida 11 25,6
Sentimento de fracasso 2 4,6
Sem informações 3 7,0
Total 43 100,0

Tabela I - Número e porcentagem de sentimentos relatados pelas mães, após a notlocia


de malformação fetal.

116 Qimol Ben/dquen Perosa


Os resultados mostram que, ao lado de uma tristeza profunda, várias temeram
pela própria vida (Tabela I). A maioria das mães se culpou pelo ocorrido mesmo
reconhecendo que essa auto-culpabilização era absurda e irracional. Elas tinham mais
convicção nessas explicações auto-culpabilizantes que na explicação médica, que, a
maioria das vezes, as isentava de culpa. Parece haver uma preferência em ter controle
sobre o fenômeno, mesmo que este traga dor, do que não ter nenhum controle. Elas
acreditavam que sendo elas culpadas poderiam prevenir problemas em uma próxima
gravidez. (Tabela II).

N %

Atribuir-se a culpa 24 57,2


a) maus pensamentos 5
b) ir contra a natureza 16
- não ter condições de engravidar (7)
- abusar quando grávida
- querer controlar a natureza
c) ser ruim 3

A tribuir a culpa a outros 8 19,0


a) ao conjugê (4)
b) ao módico (3)
c) ao destino (1)

Revolta indiferenciada 2 48
Sem resposta 8 19,0
Total 42 100,0

Tabela II - Número e porcentagem de causas atribuídas pelas mães, ao fato de ter


fetos com malfocmação.

Houve ainda alta incidência de pensamentos intrusivos e sinais de evitação de


estímulos associados não apenas à malformação, mas ao feto e à própria condição de
grávida (Perosa e cols, 1998) (Tabela III).
Com relação ao vínculo, todas as mães evidenciavam sinais de apego, mas,
após a notícia de malformação, 39% interromperam qualquer ligação com o bebê:
cessaram os preparativos, pararam de conversar, de pensar em suas características,
futuro nome... Aliás, várias mudaram o nome da criança reservando o primeiro nome
escolhido (geralmente por razões estéticas) para uma próxima gravidez normal, colocando
no feto portador da malformação o nome de um santo, como se se esperasse um milagre,

Nobrr Comporliimrnfo e Coflnlfào 117


ou dando o próprio nome de um dos pais, o que parecia estar associado à confirmação
da não rejeição. Quando a criança sobrevivia era comum chamá-la "Vitória”. (Tarelho e
Perosa, 2001)

N %

Revivdncias instrutivas 13 30,2


- pensam com as imagens incontroláveis (8)
- sonhos distorcidos (3)
- acessos de fortes sentimentos desagradáveis (6)
- comportamentos repetitivos (1)

Comportamentos de evitação 24 55,8


- negação do significado e conseqüência do evento (14)
- atividades contrafóbicas (2) 19,0
- inibição comportamental (6)
-entorpecimento emocional (6)

Sub-total - Sinais de PTSD 37 86,1


Sem informações 6 13,9
Total 43 100,0

Tabela III - Número e porcentagem de diferentes sintomas de PTSD identificados


em mães que portavam fetos malformados

Foi alta a porcentagem de mães que logo após a noticia negavam o diagnóstico,
suas conseqüências e a precisão dos exames. A negação decorrente do impacto com a
notícia já havia sido observada por Drotar, Baskiewicz, Irvin, Kennell e Klaus, (1975) com
mães que descobriam que seu recém-nascido tinha alguma deficiência. Entretanto, em
se tratando do feto, a invisibilidade das malformações físicas e a manutenção dos
movimentos fetais parecem ajudar e manter a negação por um período mais prolongado e
levar a sentimentos ambivalentes.
Mesmo recebendo informações de anomalias com gravidade muito diversa
(inclusive de baixa probabilidade de sobrevida), 61 % das grávidas mantiveram o apego.
Entre as mães que interromperam o apego, 43% nunca mais o retomaram. Na sua maioria
eram crianças com diagnósticos muito graves, cujas mães haviam recebido a informação
de que a criança não sobreviveria ou que nasceria extremamente seqüelada.
Entretanto, 57% das mães, após a primeira fase de negação, reiniciaram o
apego, metade antes do nascimento, metade depois. Nas crianças deste grupo algumas
tinham possibilidade cirúrgica, mas também havia outras com prognóstico de mal formação

118 C/imol Bcn/dqucn Pcrosd


grave ou alta possibilidade de óbito. É interessante registrar que as que refizeram o
apego após o nascimento, o contato com a criança, vê-la, poder segurá-la, embalá-la,
teve um papel decisivo para que a mãe refizesse o vinculo e procurasse contatos
posteriores, mesmo em casos de grande deformidade física. Algumas dessas mães, de
inicio, relutaram em ver o filho, e verbalizavam a falta de confiança em cuidar deles. Foi
preciso uma intervenção da equipe do berçário para que o contato fosse retomado e a
mãe se sentisse competente. (Tarelho e Perosa, 2001)
Não se encontraram relações significativas entre a formação e desenvolvimento
do apego e as variáveis citadas na literatura: planejamento da gravidez, época da descoberta
da malformação e tipo de malformação, mas a amostra era pequena. A única correlação
alta foi entre prognóstico de morte e interrupção do vínculo, como já havia sido constatado
por Roegiers (1996). Segundo Sellers, Barnes, Ross, Barby e Cowmeadow. (1993) é
como se os pais entrassem em um processo de luto antecipado que dificulta muito a
interação quando a previsão não se cumpre, o que ainda é freqüente na área de medicina
fetal.
A constatação de sofrimento psicológico e da falta de vínculo nas grávidas
portadoras de fetos com malformação criou a necessidade do psicólogo integrar a equipe
de atendimento dessas pacientes.

Suporte psicológico
O que faz o psicólogo em uma equipe de medicina fetal? Segundo Quayle (1996),
por sua singularidade e especificidade, a medicina fetal demanda a participação de várias
áreas do conhecimento e de profissionais com papéis específicos. Nessa equipe em que
os profissionais tem papéis bem definidos (o que colhe o sangue, o que faz o ulra-som, o
que programa a dieta), o que sobra para o psicólogo?
Segundo Roegiers (1996), cabe ao psicólogo esperar que o casal supere as
fases de revolta e depressão para ir introduzindo elementos de realidade (prognóstico a
curto e longo prazo; planos possíveis em função do tipo de deficiência e do estado gravldico)
e ajudar o casal a fazer uma escolha responsável. Feita a escolha, deve continuar
acompanhando o desenvolvimento (interrupção médica de gravidez e a culpa que a
acompanha) ou o investimento para elaborar uma nova representação dessa criança.
Como se pode verificar, o pano de fundo dessa atuação do psicólogo conta com a
possibilidade de interrupção da gravidez, que, apesar de hoje estar sendo concedida
judicialmente, para alguns casos de malformação, ainda é proibida pela legislação
brasileira. Nos palses em que a interrupção foi legalizada, ela é opção majoritária para
várias malformações (Wertz e Fletcher, 1993). Mas a ansiedade e a angústia ainda é
muito alta para pais que não tem essa opção legal, ou que, devido a crenças e valores, se
posicionam contra a interrupção gestacional.
A ansiedade decorrente de exames que oferecem resultados probabillsticos ("seu
filho pode ou não ter um atraso; pode vingar ou não...) e o desamparo decorrente da
impotência frente a diagnósticos precisos de doenças e sintomas que não podem ser
curados e nem contornados, levou aíguns autores a questionar a validade de diagnósticos
pré natais (Rigge e cols, 1993). Por outro lado há quem defenda que a constatação da
anormalidade ou inviabilidade permite que antes do nascimento se faça todo um trabalho

Sobre Comportamento e Cognição 119


de acompanhamento de gravidez, de suporte, preparo da família para adaptar a criança
idealizada à real e preparar-se para cuidar desta. Segundo Quayle, Nader, Mihaydaira e
Zugaib (1996), a experiência clinica mostra que saber antecipadamente a existência de
um problema para o qual ainda não se vislumbrou solução possibilita que o indivíduo
lance mão de defesas mais maduras para adaptar-se à situação.
Na realidade, o debate sobre os aspectos positivos ou negativos do diagnóstico
pré-natal foi atropelado pelas práticas sociais. Em vários palses há uma pressão para
que exame ultrassonográficos e diagnósticos fetais sejam obrigatórios; ainda, a divulgação
pela mldia do que ocorre no útero, tornou as gestantes ávidas por querer saber o que
ocorre na própria gravidez. Uma revisão de literatura mostra que os casais de diferentes
estudos foram, em sua grande maioria, favoráveis à realização do diagnóstico pré natal
por maior que fosse a carga de stress, ansiedade e conseqüências iatrogênicas decorrentes
dele (Quayle e cols, 1996). Em investigação realizada pelo serviço de Medicina Fetal da
Universidade de São Paulo, 95% dos casais optariam por conhecer os resultados do
diagnóstico, ainda que fossem desfavoráveis e nada pudesse ser feito pelo bebê (Quayle
e cols, 1996). Mesmo em serviços públicos freqüentados pela população mais pobre, são
freqüentes os pedidos de ultrasom para saber as condições de saúde do feto e pela
curiosidade em conhecer o sexo. Nas palavras de Green (1990 - citado por Quayle,
1993): "A existência do diagnóstico pré-natal abriu portas que jamais serão fechadas
novamente. A gravidez nunca mais será a mesma" (pág. 49).
O problema não parece estar, então, em fazer ou não os exames, mas em como
dar as más notícias e o suporte para poder adaptar-se a elas.
Passado o impacto inicial, o primeiro passo parece ser o de criar um espaço
onde a angustia, o sofrimento, os medos, a raiva, as dúvidas e a indecisão encontrem
formas de expressão e canalização. Esse contexto dificilmente é o familiar, já que a raiva
muitas vezes é dirigida a pessoas próximas: que a angústia envolve sua própria imperfeição
ou do parceiro; o sofrimento reside na ambivalência de querer e não querer o filho.
Como já foi dito, a literatura tem comparado o recebimento dessas noticias a um
trauma, entendido como uma experiência que é repentina e inesperada, não normativa,
que excede à capacidade que a pessoa tem de agüentar e rompe seu ponto de referência
e seu esquema conceituai (Mc Cann e Pearlman, 1990). Englobar esses fenômenos nos
quadros de trauma permite lançar mão de um rol de procedimentos de suporte e terapia
bem desenvolvido nos últimos anos.
Os primeiros dias após a noticia, constituiriam a fase aguda do trauma. Segundo
Turnbull e McFairlane (1987), nesse momento o paciente precisa mais de ajuda do que
de terapia. Independente da linha teórica, as intervenções nesta fase têm vários pontos
coincidentes:
a) A impotência por não ter terapêuticas para curar o filho leva a uma sensação de
impotência generalizada. É preciso lidar com a sensação de perda do poder e
restabelecer no paciente a percepção de controle sobre problemas do seu cotidiano.
Para isso, deixar a cargo da mãe a tomada de várias decisões que dizem (ou não)
respeito á gravidez: escolher o horário da consulta, a quem contar, procurar novos
exames, programar a rotina da casa, etc...

120 C/lmol Bcn/.ujufn PcroM


b) Evitar a tendência ao isolamento, maternando. De preferência, agregar nesta tarefa os
membros familiares mais próximos. Muitas vezes a grávida espera uma presença
silenciosa e ouvinte. As superproteções, as expectativas extremamente otimistas ou
as minimizações do problema pelo grupo de apoio, têm se mostrado de pouca valia.
Muitas vezes, é a grávida que tem que desempenhar o papel de forte, como a família
espera, aumentando com isso a carga de sofrimento por nâo poder expressar suas
reais percepções e expectativas.
c) Diminuir os sentimentos de desamparo e desesperança ajudando a construir planos
para lidar com o presente e o futuro. Numa perspectiva cognitivo-comportamental,
nesse momento, informações são parte essencial do tratamento, pois ajudam a gestante
(e a família) a desenvolver estruturas cognitivas que permitem dar significado aos
fatos, assim como ajudam a delinear metas. O papel do terapeuta está em auxiliar os
pais a compreender de forma realística seus problemas e os recursos que possuem
para fazer frente ao diagnóstico ou mesmo qual é sua capacidade em produzir soluções
ou pelo menos para minimizar o stress. Produzir respostas alivia o desamparo.
Se os tratamentos na crise aguda pretendem diminuir os sintomas, especialmente
as reações dissossiativas, não se pode esquecer que essas pacientes têm alto risco de
desenvolver os sintomas de stress pós-traumático: pensamentos intrusivos, evitações,
distúrbios psicossomáticos (Perosa e cols, 1998). Assim, nas consultas subseqüentes,
o objetivo está em melhorar a qualidade de vida durante essa gestação, ajudando a
grávida a lidar com esses sintomas. Como já foi dito, são várias as terapêuticas
desenvolvidas, hoje, para estes quadros. Para Horowitz (1973), há intervenções alternativas,
dependendo do tipo de controle:
- quando há excesso de controle defensivo no caso das evitações, lançar-se
mão das dessensibilizações sistemáticas, exercícios de imaginação, dramatização e
interpretação das defesas:
- quando há um baixo controle e aprecem os pensamentos intrusivos as terapias
de apoio aliviam a dor e ajudam a repressão.
Em ambos os casos, é preciso lembrar que a representação, no caso, a fantasia
de malformação, tem que ser ativada e que novas informações precisam ser oferecidas.
São informações que são incompatíveis com os elementos patológicos existentes (a
figura do monstro, a própria vida em risco, a eminência de morte) e que podem ajudar a
formar uma nova representação. Falar a respeito da malformação constitui uma
oportunidade para corrigir informações e modificar a estrutura cognitiva.
Na prática do referido sen/iço, inúmeras vezes, nas consultas subseqüentes, as
grávidas tentaram mudar de assunto justificando que ele trazia sofrimento. Insistiu-se
que esse era o tema do contexto terapêutico; os terapeutas se posicionam como figuras
de apoio e se percebia que no decorrer das consultas a habituação reduzia a ansiedade
associada ao falar no evento.
Entretanto, o suporte psicológico não pode deixar de lado o que ocorre com o
apego materno. Várias dessas crianças irão sobreviver e possivelmente precisarão de
cuidados redobrados das próprias mães (quando comparados com aqueles que necessitam
as crianças normais). Já que o apego mostrou-se um processo plástico e que algumas
mães só refizeram o vínculo após o nascimento faz-se necessário que a equipe hospitalar

Sobre C omportdmrnto c CoRnifüo 1 21


esteja atenta a estas situações e pronta para intervir na estimulação à interação mãe-
filho o quanto antes possível. E muitas vezes, nestes casos, são as próprias práticas
hospitalares que dificultam o contato. Dificilmente, essas crianças participarão dos
programas de alojamento conjunto. Para garantir sua sobrevida, são levadas a UTIs e
UCIs. O incentivo às visitas das mães às UTIs de berçário, engajá-las em alguns cuidados
(se possível na amamentação), o esclarecimento de suas dúvidas a respeito do
prognóstico, a continência de suas expectativas e medos seriam medidas que
amenizariam a ansiedade materna e facilitariam o estabelecimento ou reaparecimento
do vínculo.

Conclusão
O avanço tecnológico mudou a condição da gravidez: de um período de espera,
tornou-se uma fase de vivência real da maternidade. Ainda, o feto, agora denominado
bebê, não é mais um ser apenas fantasiado, mas é visualizado, alçado à condição de ser
complexo, cujo desenvolvimento pode ser acompanhado passo a passo.
Por outro lado, mudou também a relação da obstetrícia com a gravidez. O setting
ecográfico tornou-se lugar privilegiado da expressão de inquietações e angústias,
especialmente das gestantes de risco. São ansiedades que antes eclodiam apenas nos
momentos anteriores ao parto, e que hoje se renovam a cada ultra som e a cada novo
exame. A medicina fetal obrigou, também, aos profissionais dessa área a confrontar
algumas representações. Por exemplo, à associação de maternidade com nascimento /
vida / saúde / sucesso, eles tiveram que agregar as dimensões morte / doença / fracasso
/ defeito (Quayle, 1993). Frente a esse quadro, o psicólogo adentrou na equipe de pré-
natal para ajudar as famílias e os profissionais a lidar com a possibilidade de insucesso
gestacional, seja a possibilidade de perda ou de concepção de uma criança com vários
tipos de anomaíias.
A visão psicodinâmica propõe que a expressão e elaboração dos sentimentos
negativos que essa situação provoca, como a culpa e a rejeição, é fundamental para que
o paciente faça o luto, enterre os sonhos e possibilita que, em seu lugar, surjam outros
sentimentos em relação à criança, que favoreçam a aceitação da realidade e do filho.
Essa aceitação não é imediata, nem sempre é total e irrestrita e pode perdurar por toda
a gravidez e alongar-se após o parto (Quayle, 1996). Na visão cognitiva comportamental,
durante este período, além de dar continência aos sentimentos, o psicólogo pode
instrumentar a paciente com técnicas que ajudem a ajustar-se ao momento de crise e às
conseqüências psicológicas decorrentes: crises de angústia, depressão, pensamentos
invasivos etc. Na prática do psicólogo do serviço de medicina fetal - UNESP, considerar
o impacto da notícia de malformação fetal como um stress pós traumático e o uso de um
referencial baseado em princípios da teoria do desamparo adquirido, vem possibilitando o
tratamento efetivo destas pacientes.

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Capítulo13
Ética de Skinner e Metaética
fast Antônio Pamásio A bib *

Sklnner defende a sobrevivência da» culturas como o bem da cultura. Ê difícil elucidar esse bem se a Ética de Skinner for
compreendida como ciência do valor. A Filosofia Moral de Skinner ó entflo submetida a uma Investigação metaética. Os
resultados dessa sondagem sugerem que as afinidades dessa Ética com o naturalismo ético sAo meramente aparentei e que
nâo existem semelhanças capazes de aproximá-la do Intuiclonismo ético O nAo-cognitivismo ético é relevante para
esclarecer o principal valor da Filosofia Moral de Skinner, mas é limitado para elucidar essa Filosofia em sua totalidade. Os
bens da Ética de Sklnner podem ser elucidados com os conceitos de tacto e mando A Filosofia Moral de Skinnor 6 uma Ética
comportamental original apoiada no sentimento como fato cognosclvel que pode ser descrito com valor de verdade pelo
tacto. O bem da cultura é um mando que j* por si tem valor de verdade, no sentido em que pode ser bem ou mal sucedido.
Além disso, pode ser descrito com valor de verdade pelo tacto. A Ética comportamental de Sklnner amplia o espectro
cognitivo, ultrapassa os limites do cognltivlsmo e do nAo-cognitivismo, e pode contribuir para o discurso metaôtico

Palavras-chave: bem da cultura; nAo-cognitivismo, mando, tacto; Ética comportamental.

For Skinner, the survival of cultures Is a good of the culture. It is difficult to explain this good if Skinner’s Ethics is understood
as a science of value Then, Skinner's Moral Philosophy Is submitted to a mota-ethical investigation. This essay suggests
that the affinities between this Ethics and naturalism are merely apparent and that there are no similarities capable of
approximate it to ethical Intulclonlsm The non-cognitive Ethics is relevant for explaining the principal value of Skinner’s Moral
Philosophy, but is limited to explaining this Philosophy In Its totality. The goods of Skinner's Ethics can be explained by means
of the cof\cept of tact and mand. Skinner's Moral Philosophy It an behavioral and original Ethics founded on feeling as a
knowable fact that can be truly described by tact. The good of culture is a mand that alone has truth-value, In the sense that
it may or may not succeed. Besides. It can be truly described by tact Skinner’behavioral Ethics extends the cognitive
spectrum, beyond the limits of cognitivism and non-cogmtlvlsm, and may contribute to a meta-ethical discourse.

Key words: good of the culture; non-cognitivism; mand; tact; behavioral Ethics

Skinner (1971) elabora uma Ética fundamentada nos conceitos da ciência do


comportamento e considera legítimo denominá-la ciência do valor. Os valores básicos
dessa Ética são os bens pessoais, os bens dos outros e o bem da cultura. Skinner tenta
esclarecê-los recorrendo à ciência do valor e encontra dificuldades para elucidar o bem da
cultura. Esse bem refere-se à sobrevivência das culturas e é o principal valor dessa Ética.
Este ensaio tem como principal objetivo verificar se é possível elucidar o conceito
de sobrevivência das culturas. Duas investigações são realizadas, uma Ética e outra

‘ Univaraidad« Fadaral ómSâo Carlo«. Oapartamanlo d« Flkaofla • Maiodologw d«* Génda», Via Washington Luiz, Km 230,13M5400. SAo Cario«.
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Sobre Comportamento c Conmvüo 125


Metaética. A Ética é um discurso de primeira ordem sobre valores e sua fundamentação
teórica. A Metaética é um discurso de segunda ordem que toma a Ética como objeto de
investigação com o objetivo de esclarecer seus fundamentos teóricos de acordo com
teorias metaóticas, como o naturalismo, o intuicionismo e o não-cognitivismo.
Termos como metafísica, metaciôncia, metaética e todos aqueles que levam o
prefixo meta são sempre controversos. Referem-se a investigações que se valem de
discursos considerados elucidativos. Há um discurso que cronologicamente vem depois,
mas que logicamente vem antes, pois visa aos princípios, aos fundamentos. Para esclarecer
tome-se o caso da Metafísica. Literalmente, o termo metafísica (metá-physiká) significa
coisas depois do que é físico e na Filosofia refere-se originalmente aos livros de Aristóteles
que vieram depois da Física (Luce, 1992/1994; Blackburn, 1994/1997). Mas como a
Metafísica trata com noções como causa, substância e realidade * noções que se referem
ao que existe por detrás dos fenômenos -, logicamente vem antes da Física (e mais tarde,
na história do pensamento ocidental, vem antes também das disciplinas em que as noções
de causalidade, substância e realidade participam de sua fundamentação). Surge
naturalmente a questão da legitimidade dos discursos. Pois cabe sempre perguntar o que
justifica afirmar que determinado discurso pode elucidar outro. A questão ó pertinente.
Hume afirmou o seguinte sobre um texto de metafísica escolástica que não incluísse um
raciocínio abstrato referente a quantidades ou um raciocínio experimental concernente a
questões de fato: “Lançai-o ao fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões" (1748/
1972, p. 149). Transitando da Metafísica para a Metaética e respeitando-se as diferenças
disciplinares, pode-se e deve-se perguntar: O que justifica afirmar que um discurso metaético
tem condições de esclarecer um discurso ético? Na Metaética é possível apelar para o
valor retórico de determinadas teorias óticas decorrente do prestígio das tradições filosóficas
de onde surgiram. O naturalismo e o intuicionismo são, a seu modo, formas de cognitivismo
ótico, às quais se opõe o não-cognitivismo. As tradições filosóficas dessas Éticas estão
entre as mais importantes da Filosofia e a tensão cognição - nâo-cogniçào tem seu próprio
valor retórico não só na Filosofia Moral, mas, na verdade, na Filosofia, na Psicologia e em
outras áreas do conhecimento.
Visando ao objetivo desse ensaio e tendo presente a natureza da investigação
metaética, a Ética de Skinner será submetida em sua totalidade a esse tipo de investigação.
É como ciência do valor que defende a existência de três tipos de bens (pessoais, dos
outros, da cultura) que será tomada como objeto de investigação metaética. Esse tipo de
pesquisa nem.sempre alcança seus objetivos. Porque, para haver esclarecimento, é
necessário apontar afinidades, analogias, semelhanças, encontros; o que nem sempre é
possível. Por isso a investigação metaética realizada aqui começa com a sondagem
preliminar de eventuais analogias. Antes de dar início a essa pesquisa, descrevem-se as
características básicas da Ética de Skinner como ciência do valor e apontam-se as
dificuldades para esclarecer o bem da cultura com base nessa Fiíosofia Morai.

Ética de Skinner
Skinner (1971) realiza uma investigação comportamental do conceito de valor
ético e afirma que ele se refere ao sentimento de dever fazer o que é bom para o ser
humano. Afirma também que a ciência do comportamento é ciência do valor. São afirmações
polêmicas. A tese que fundamenta o dever no sentimento tem seu lugar privilegiado em

126 José A ntôn io iXim.Ulo A b ib


Hume (1751/1995) e ó criticada por Éticas de cunho racionalista, como a de Kant (1785/
1984). A tese de que a Ciôncia pode fundamentar a Ética defronta-se com duas objeções:
a Ciência trata com fatos e possibilidades e não com sentimentos e deveres. Fatos são
objetivos como sentimentos não são e poder fazer não significa dever fazer. Por exemplo,
não ó da alçada da Ciência oferecer razões que obriguem a fazer clones de pessoas (nem
mesmo para fins terapêuticos), embora ela tenha indicado como isso pode ser feito. Para
defender sua tese, Skinner reconhece estas duas oposições: fato-sentimento e poder
fazer-dever fazer. E procede à sua desconstrução, mostrando que tais antagonismos existem
no vácuo de uma ciência do comportamento.
No caso da dualidade fato-sentimento demonstra que o sentimento é um fato
relacionado com as contingências de reforço. As contingências de reforço podem fortalecer
o comportamento com a apresentação de reforçadores positivos ou com a remoção de
reforçadores negativos, ou enfraquecê-lo com a remoção de reforçadores positivos ou com
a apresentação de reforçadores negativos. Em qualquer um desses casos ocorrem dois
tipos de fatos, o fortalecimento ou enfraquecimento do comportamento e os sentimentos
que acompanham o comportamento (Skinner, 1969). Os sentimentos são fatos diferentes
daqueles que são estudados por, por exemplo, físicos, biólogos e médicos. A possibilidade
de clonar seres humanos é bem diferente dos sentimentos que as pessoas podem expressar
com respeito a tal possibilidade. No entanto, como um evento que acompanha o
comportamento, o sentimento é um fato que pode ser estudado por psicólogos. Skinner
(1971) argumenta que o sentimento é passível de ser conhecido como evento privado.
Como tal está sujeito a limitações maiores do que o conhecimento de eventos públicos, o
que não quer dizer que, dentro de limites, não possam ser conhecidos. Nesse contexto,
ele afirma que as coisas não são chamadas de boas ou más por possuírem propriedades
físicas boas ou más. As condições corporais são as mais importantes. Boa é a apresentação
de reforçador positivo e a remoção de reforçador negativo. Má é a apresentação de reforçador
negativo e a remoçáo de reforçador positivo. Os efeitos das contingências de reforço fornecem
os critérios para dizer isso é bom ou isso é mau e entre esses efeitos estão condições
corporais como os sentimentos que acompanham o fortalecimento ou enfraquecimento do
comportamento.
Skinner (1971) também esvazia o antagonismo poder fazer-dever fazer. Seu
argumento resume-se a identificar dever fazer com o funcionamento obrigatório de normas
sociais. Uma norma social governa um curso de ação com possibilidades mínimas de ser
violada se estiver §poiada em efetivas contingências sociais; caso contrário, tende a ser
substituída por uma norma oposta. Skinner argumenta que qualquer norma pode vigorar
como dever se as contingências sociais que a alicerçam funcionarem com uma efetividade
capaz de restringir ao máximo o surgimento de normas opostas. Esse é o caso em que,
para ele, sentenças normativas podem ser vertidas em sentenças descritivas. Por exemplo,
‘“você deveria dizer a verdade’ [em] 'se você é reforçado pela aprovação das pessoas, será
reforçado quando lhes disser a verdade'" (p. 112), ou ainda, '"você não devia roubar' [em]
'se você tende a evitar punição, evite roubar’" (p. 114). Sentenças prescritivas (sentenças
que são caracterizadas pelo termo dever e pela noção de obrigação) podem ser traduzidas
por sentenças descritivas (sentenças que são caracterizadas pelo termo é e pela ausência
da noção de obrigação). É de máxima importância deixar registrado, aqui, que Skinner só
aceita essa tradução se as contingências sociais não permitirem de forma alguma o
surgimento de normas contrárias às que estão em vigor. Em amparo a essa afirmação vale

Sobre Comportamento e C op n lçio 127


ressaltar que ele é capaz de aceitar a tese exatamente oposta, defendida por Popper
(1947/1974), de que ó impossível derivar normas de fatos. Em que condições? Precisamente
naquelas que sustentam sua interpretação do conceito de dever como norma social efetiva.
Referindo-se à tese de Popper, escreve que ela "ó válida somente se na verdade for ‘possível
adotar uma norma ou sua oposta"’ (pág. 114).
Com os recursos conceituais da ciência do comportamento, Skinner (1971) desfaz
as fronteiras rígidas entre os conceitos de fato e sentimento e os de poder e dever,
argumentando que sentimento ó um tipo de fato (é um fato psicológico) e que sentenças
normativas podem, sob contingências efetivas, ser traduzidas por sentenças descritivas.
Talvez sob uma denominação excessiva, mas não implauslvel, a ciência do comportamento
é vista por ele como ciência do valor. Na verdade, existem mais motivos que o levam a
adotar essa posição, como será visto a seguir.
Recorde-se que o sentimento de dever fazer refere-se ao que é bom para o ser humano.
Essa referência levanta esta questão na ordem da investigação: O que é bom para o ser
humano? Skinner (1971) dá início à sua interpretação fazendo duas indagações que, segundo
ele mesmo, se relacionam com o destino e não com a origem do ser humano. Primeira: Quem
decide o que é bom para ser humano? Segunda: Como decidir o que é bom para o ser
humano? De maneira aparentemente paradoxal busca a resposta na históna evolucionária da
espécie humana, na sua origem. Generalizando afirma que “algumas coisas tornaram-se
‘boas' durante a história evolucionária das espécies" (pág. 125). É o caso dos reforçadores
primários positivos e negativos, como alimento, água, sexo, abrigo, eliminação ou fuga de
predadores. Essas coisas derivaram seu poder reforçador da seleção evolucionária (ou do seu
valor de sobrevivência) e as pessoas desenvolveram uma suscetibilidade a elas que passou a
fazer parte da natureza humana. Qual é então a resposta á pergunta: Quem decide o que é
bom para o ser humano? Eis o que se pode dizer; A história filogenética da espécie humana.
E se a questão for: Como decidir o que é bom para o ser humano? A resposta é a mesma.
A Ética de Skinner ficaria efetivamente limitada se esses fossem os únicos tipos de
bens a servir de destino para o ser humano. Ele os amplia com a introdução do conceito de
reforço condicionado, como no exemplo citado anteriormente, onde aprovação reforça alguém
a dizer a verdade. Aprovação é um reforçador positivo condicionado que adquiriu essa função
por ter sido relacionado com reforçadores primários. É um reforçador condicionado como
tantos outros (como atenção, elogio, prestígio, dinheiro, ameaça, castigo, censura,
desaprovação). Sinaliza o advento iminente quer de reforçadores condicionados mais básicos
(como a desaprovação, que sinaliza ameaça ou castigo), ou de reforçadores primários (como
o dinheiro, que pode ser trocado por alimento)
As pessoas agem visando aos bens pessoais e dos outros. Os bens envolvidos são
os reforçadores primários e condicionados, os valores relacionados com a ordem vital, como
reprodução, defesa da vida e preservação da integridade física. Seria tolice negar a importância
desses valores e do esforço para reconhecê-los, preservá-los e distribuí-los com a maior
eqüidade possível para todos. O fracasso desse procedimento significa opressão e injustiça,
com as conseqüências indesejáveis do individualismo anômico e amoral (o desequilíbrio de
bens favorece o sistema que explora o indivíduo - exploitative system «, condição na qual
busca gratificações pessoais imediatas de todo o tipo, nas drogas e na marginalidade, por
exemplo) e do egoísmo desmedido (o desequilíbrio de bens favorece o indivíduo que explora o
sistema e obtém vantagens indevidas).

128 Jo*é A ntônio P am áíio A bib


Skinner (1971) defende a sobrevivência das culturas como o bem da cultura, um
tipo de bem que não é um reforçador primário ou condicionado, nem também uma fonte de
reforçadores condicionados. Aparentemente, a lógica utilizada até agora por ele para
explicar a gênese de valores éticos não se aplica ao caso do bem da cultura. Certamente
faz sentido afirmar que o indivíduo herda uma suscetibilidade a ser reforçado por alimento,
água, sexo, abrigo e fuga de predadores, mas não em estendê-la à sobrevivência das
culturas. Porque, pode-se afinal perguntar: Como a sobrevivência das culturas poderia ser
um valor herdado com base em um mecanismo genético-cromossômico? Na verdade, na
condição de um valor relacionado com práticas culturais, o mecanismo de transmissão do
bem da cultura dá-se por meio da propagação de práticas culturais adquiridas, excluindo-
se, portanto, o mecanismo genético-cromossômico. Em suma, a suscetibilidade que explica
porque se atribui valor a reforçadores primários não pode ser estendida ao caso da
sobrevivência das culturas. O bem da cultura não pode ser classificado como reforçador
primário.
Outra possibilidade seria interpretá-lo como reforçador condicionado ou como
fonte de reforçadores condicionados. Mas a sobrevivência das culturas mede-se por uma
escala temporal que ultrapassa o período de tempo de vida das pessoas, o que levanta
sérias objeções a ambas as alternativas. Desde logo é óbvio que não pode ser um reforçador
condicionado já que não é um acontecimento no tempo de vida útil de uma pessoa. Esse
caráter de evento longínquo e incerto (uma condição logicamente inultrapassável) não
impediu Skinner (1971) de examinar a possibilidade de que ele pudesse funcionar como
fonte de reforçadores condicionados. Por exemplo, as pessoas seriam estimuladas a agir
em prol da sobrevivência das culturas com bens pessoais mais imediatos, como honrarias,
condecorações, prêmios, e até mesmo com a promessa cristã de vida após a morte,
quem sabe no céu, repleto, bem ao contrário do inferno, de reforçadores positivos. Porém,
as pessoas podem morrer antes de alcançar grande parte desses bens (embora a promessa
cristã amenize parcialmente essa dificuldade), e isso, ao lado da incerteza da sobrevivência
das culturas, fortalece a objeção contra a possibilidade do bem da cultura atuar como
fonte de reforçadores condicionados. Em síntese, a sobrevivência das culturas está “além
do tempo de vida do indivíduo e não pode servir como uma fonte [source] de reforçadores
condicionados" (Skinner, pp. 143-144). Aparentemente, com o conceito de sobrevivência
das culturas, Skinner introduz em sua Ética um valor que não é um reforçador, condicionado
ou primário, e não pode, conseqüentemente, ser explicado em termos da história filogenética
da espécie humana.
Se fosse possível à sobrevivência das culturas atuar como fonte de reforçadores
condicionados, se fosse um evento com condições de ocorrer durante o tempo de vida das
pessoas, o faria como reforçador condicionado derivado de sua relação com reforçadores
condicionados escassos e difíceis de alcançar, acessíveis, portanto, a poucas pessoas.
O procedimento seria aproximadamente o seguinte: após se verificar que determinadas
práticas culturais promovem a sobrevivência das culturas em alguns de seus aspectos
(por exemplo, práticas que geram novos conhecimentos e novas tecnologias e que
contribuem para resolver uma epidemia letal para a população), programam-se
conseqüências como prêmios e condecorações para aqueles que se empenharem na
realização de práticas similares. O bem da cultura serviria como fonte de reforçadores
condicionados no mesmo sentido em que reconhecimentos, acordos e dinheiro tornaram-
se um dia fonte de reforçadores condicionados. Porém, o caráter de não evento desse

Sobre Comporlumcnlo e Cognlçdo 129


bem é um obstáculo logicamente intransponível que nega não só a viabilidade de tal
procedimento, mas já mesmo sua possibilidade. Essas dificuldades lógicas e estratégicas
sugerem que é necessário buscar a defesa do bem da cultura longe da história filogenética
do ser humano.
Em síntese, a Ética de Skinner explica os bens pessoais e dos outros com a
história filogenética da espécie humana mas encontra seus limites ao estender essa
elucidação ao bem da cultura. Parece uma teoria em apuros. Examina-se a seguir se é
possível explicar o bem da cultura no nível metaético e se a Ética de Skinner tomada em
sua totalidade tem afinidades com as teorias desse nível de investigação.

Investigação Metaética da Ética de Skinner


A investigação metaétic é polêmica. Porque, de um lado, existem várias teorias
em conflito - como o naturalismo, intuicionismo e o não-cognitivismo -, e, de outro lado,
existe o relativismo, que nega a possibilidade, ela mesma, da tarefa metaética (Frankena,
1963). Essas duas polêmicas constituem o coração da Metaética e são indispensáveis
para esclarecer em que teoria ética um pensamento ético se apoia, ou se, ao contrário,
reza na cartilha do relativismo.
O naturalismo pode ser brevemente descrito por três características, o
definicionismo, o empirismo e o objetivismo. O definicionismo, que afirma que sentenças
prescritivas podem ser traduzidas por sentenças descritivas. O empirismo e o objetivismo
que afirmam, respectivamente, que os fatos são empíricos (de algum modo os sentidos
participam de sua constituição) e impessoais.
A Ética de Skinner é aparentemente compatível com o definicionismo. Pois,
como já foi visto, ele admite que, sob contingências efetivas, prescrições podem ser
traduzidas por descrições. É difícil, porém, compatibilizar a Ética de Skinner com o
definicionismo. Existem dois obstáculos, ao menos. Primeiro, palavras em uma sentença
descritiva referem-se a fatos e coisas, ou a propriedades de fatos e coisas, objetivas,
impessoais, que existem aí fora, no mundo externo, na realidade. Portanto, sentenças
que se referem a fatos objetivos são cognitivas, têm valor proposicional, podem ser
verdadeiras ou falsas: é com elas que se conhece a realidade. Skinner (1957) não aceita
esse tipo de discurso. Uma análise funcional do comportamento verbal mostra que respostas
verbais, como no comportamento verbal textual, podem ocorrer sob controle de estímulos
onde a noção de referência não se aplica. Pois nesse caso as respostas verbais não se
referem a quaisquer objetos ou propriedades de objetos do mundo externo. Mais significativo
ainda, respostas á realidade estão sob o controle das práticas de reforço de comunidades
verbais, de estímulos discriminativos, de histórias pessoais e de contextos (Skinner, 1953,
1974). O que significa dizer que é impossível ao comportamento se referir a uma realidade
supostamente objetiva, impessoal. É por isso que o tacto (tact). o tipo de comportamento
verbal apropriado, em princípio, para examinar o conceito de referência, não refere
(MacCorquodale, 1969; Skinner, 1985; Abib, 1994).
O segundo obstáculo encontra-se na definição de valor como sentimento e de
sentimento como fato (Skinner, 1971). Ambas as definições são estranhas ao naturalismo
ético (Frankena, 1963; Vargas, 1982). Frankena classifica como teorias metaéticas não-
cognitivas as teorias éticas emotivistas de positivistas lógicos como Ayer, Carnap e

130 Joíé A n fô n io Dam áíio A b jb


Stevenson. Vargas escreve que '‘Hume ó classificado como não-naturalista em sua
abordagem da Ética porque localiza os valores éticos nos sentimentos que as pessoas
têm em relação às coisas" (pág. 11). Uma característica do naturalismo ótico ó que
sentenças sobre sentimentos não tôm valor proposicional e, sendo assim, são não-
cognitivas. Como também já foi visto, Skinner não concorda com isso. O sentimento pode
ser investigado como fato psicológico relacionado com as contingências de reforço. Por
exemplo, as medidas de controle adotadas por uma autoridade podem não só aumentar a
probabilidade de ocorrência de comportamentos agressivos e de fuga, mas também gerar
sentimentos de medo e de raiva que podem ser conhecidos com a descrição dessas
contingências e das condições corporais que acompanham esses comportamentos. Se
alguém diz “Saulo está agressivo, com raiva", uma interpretação cuidadosa das
contingências que controlam o comportamento agressivo de Saulo, bem como descrições
de suas condições corporais, pode levar à conclusão de que ele está de fato agressivo,
mas o que sente é medo e não raiva, isto significa dizer que o tacto “Saulo está agressivo,
com raiva" é falso. Em suma, sentimentos são fatos cognoscfveis que podem ser descritos
com verdade ou falsidade. Com mais exatidão: são fatos cujas descrições são provavelmente
verdadeiras ou falsas. Por isso descrições de sentimentos têm valor proposicional - embora
o valor de verdade de tais descrições não tenha qualquer pretensão de dizer como alguém
realmente se sente (Skinner, 1957, 1974). Em suma, Skinner alarga a noção de fato,
ampliando desse modo o espectro da cognição e da verdade; e se, para ele, sentenças
normativas podem ser traduzidas por sentenças descritivas, ao fim e ao cabo isso não
tem nada a ver com o definicionismo do naturalismo ótico.
A Ética de Skinner ó aparentemente compatível com o objetivismo do naturalismo
porque os bens pessoais e dos outros podem ser alicerçados na história filogenética. No
entanto, uma observação mais atenta do conceito de bom nessa Ética lança dúvidas
sobre essa aparente afinidade. Segundo Skinner (1971 ), não há propriedades físicas comuns
às coisas, nem mesmo propriedades comuns às coisas sentidas como vermelhas, ásperas
ou doces. Propriedades sentidas dependem do que acontece no corpo das pessoas.
Passando-lhe a palavra: “O que atribuímos a um objeto quando o chamamos de vermelho,
áspero ou doce é em parte uma condição de nosso próprio corpo, resultante (...) da
estimulação recente. Condições do corpo são muito mais importantes (...) quando
chamamos uma coisa de boa" (pág. 103).
Hocutt ( 1977) julga ter encontrado em comentários desse tipo motivos suficientes
para afirmar que existe um relativismo na Ética de Skinner. Ele argumenta que ao relacionar
o conceito de bom a condições corporais, a busca do equilíbrio entre os bens públicos e
os bens privados passa a ser fonte de conflitos morais que não podem ser resolvidos com
base em critérios objetivos ou impessoais. Sendo assim, na Ética de Skinner, conflitos
morais devem ser encaminhados como uma questão política. Essa interpretação de Hocutt
abriu um debate sobre a Filosofia Moral de Skinner cujas conclusões variaram desde a
defesa de critérios impessoais até a negação de qualquer critério objetivo com condições
de encaminhar a solução de conflitos morais (Graham, 1977, 1983; Garrett, 1979;
Rottschaefer, 1980; Waller, 1982).
Esse conflito de interpretação se pauta pelo pressuposto da oposição subjetivismo-
objetivismo, cuja característica principal consiste em identificar subjetivo com privado e
pessoal e objetivo com público e impessoal. Uma leitura que é incompatível com as
afirmações de Skinner ( 1945/1999,1953,1974) sobre a relação entre eventos públicos e

Sobre Comportdmcnlo c LopniyJo 131


privados. Para Skinner, eventos privados existem em continuidade com, e na dependência
de, eventos públicos. Logo, nào é pertinente isolar eventos privados, de um lado, e eventos
públicos, de outro. Ou ainda, criar um abismo entre a pessoa e o mundo, um estilo de
pensamento que se vê às voltas com o problema aparentemente intratável de como
estabelecer princípios de conexão entre subjetivo e objetivo, no fundo uma herança do
problema mente-corpo. Em síntese, a Ética de Skinner não ó compatível nem com o
objetivismo do naturalismo nem com o relativismo, porque a dicotomia objetivismo-relativismo
ou objetivismo-subjetivismo ou ainda impessoal-pessoal ó estranha ao estilo de pensamento
do autor norte-americano.
Com relação ao naturalismo, resta ainda verificar se a Ética de Skinner apresenta
alguma afinidade com o empirismo desse naturalismo. Para inquirir esse ponto nada parece
mais lógico do que sondar sua eventual compatibilidade com o intuicionismo (o não-
naturalismo). A tese básica dessa teoria afirma que as sentenças éticas se referem a
propriedades auto-evidentes apreendidas por intuição, propriedades simples, irredutíveis e
indefiníveis (Frankena, 1963; Warnock, 1978). Sentenças éticas auto-evidentes têm valor
proposicional, pois é possível dizer com verdade ou falsidade, isto è moralmente bom ou
esta ação é justa\ porém não podem ser traduzidas por sentenças descritivas. O valor
proposicional dessas sentenças não se refere a fatos empíricos ou a propriedades
empíricas, nem também a conceitos que possam encontrar seu fundamento nas sensações,
como vermelhidão e aprazibilidade, por exemplo. As sentenças éticas auto-evidentes
referem-se a idéias e conceitos como bem moral e justiça. É no sentido de auto-evidência
dessas idéias e conceitos - o senso imediato do que é moral e justo - que se diz que o
valor proposicional de sentenças auto-evidentes concerne às propriedades apreendidas
por intuição. E é esse também o sentido em que o intuicionismo é uma versão não-
naturalista de cognitivismo ético.
Não se vê como a Ética de Skinner possa ter afinidades com uma teoria cujo valor
de verdade de suas sentenças refere-se a propriedades não-empfricas. Na verdade, essa
sondagem serve para demonstrar que essa Ética tem um aspecto efetivamente empírico.
Porém, o fato de não ter afinidades com o intuicionismo e de ser uma Ética empírica, não
significa que compactua com o empirismo do naturalismo. Com efeito, a Ética de Skinner
inclui sentimentos como fatos empíricos cognosclveis, o que é estranho ao conceito de
fato empírico do naturalismo.
A Ética de Skinner tem afinidades com o não-cognitivismo, o que termina por
afastá-la ainda mais do naturalismo. Para esclarecer esse encontro é necessário aprofundar
ainda mais a crítica a esse naturalismo bem como apresentar brevemente a idéia basilar
da metaética não-cognitiva. O naturalismo pode ser acusado de cometer uma falácia
declarativa, o erro de interpretar todas as sentenças como declarativas. Sentenças
declarativas são as que dizem, descrevem, relatam ou constatam algo. Por exemplo,
dizer: ‘Isto é azul' (Austin, 1962/1975). Há, contudo, sentençasperformativas, sentenças
que fazem algo. Por exemplo, ordenar: ‘Dane-se’ (Austin). Nas palavras de Austin,
"poderíamos justificar a distinção ‘performativa-constatativa’ [constative] - como uma
distinção entre fazendo e dizendo” (p. 47, grifos meus). Austin sugere que as sentenças
éticas são performativas, "[as]’proposições éticas’ talvez pretendam, somente ou
parcialmente, manifestar emoção, prescrever conduta ou influenciá-la de modos especiais"
(págs. 2-3).

132 los* A ntôn io IXimásio A b ib


A metaética não-cognitiva afirma que sentenças óticas são expressivas e
prescritivas e se referem a sentimentos, ordens, atitudes, apreciações, aprovações,
instruções, conselhos e recomendações com o objetivo de persuadir e convencer (Frankena,
1963). Um bom exemplo de teorias não-cognitivas expressivas são as teorias éticas de
positivistas lógicos que interpretam sentenças óticas como expressões de sentimento
(Ayer, 1936/1971). Com efeito, a sentença “’você fez mal ao roubar esse dinheiro’ [significa
somente afirmar:] ‘você roubou esse dinheiro’ (...) com um tom especial de horror" (Ayer,
p. 124). As sentenças óticas são expressivas com função persuasiva (o horror visa
desencorajar o ato de roubar). São sentenças sem valor proposicional no sentido em que
se diz que as sentenças descritivas (declarativas) podem ser verdadeiras ou falsas.
Sentenças descritivas são verdadeiras se as descrições que fazem de estados de coisas
do mundo correspondem aos estados de coisas que descrevem e são falsas se nâo
correspondem. Sentenças expressivas e prescritivas são performativas. E sentenças
performativas têm valor proposicional no sentido em que podem ser realizadas com felicidade
ou nâo, com sucesso ou nâo (Austin, 1962/1975). Por exemplo, se uma pessoa sente que
é bom ser justo e se prescreve que suas ações devem ser justas, o valor de verdade de
sua prescrição precisa ser aferido com base na felicidade ou infelicidade (no sucesso ou
insucesso) com que realiza suas prescrições.
Em síntese, sentenças éticas são não-cognitivas no exato sentido em que nâo
dizem. Sâo ações. São, enfim, performativas, nâo são descritivas. E podem ser verdadeiras
ou falsas no sentido de serem realizadas ou não com felicidade A metaética não-cognitiva
alarga o conceito de verdade e contribui de modo aparentemente paradoxal para ampliar o
espectro da cognição na Ética.
A Ética de Skinner pode ser aproximada da metaética não-cognitiva. É possível
recorrer ao conceito de mando para interpretar sentenças metaéticas não-cognitivas. O
mando é um tipo de comportamento verbal que assume a forma de ordens, pedidos,
conselhos, súplicas, perguntas, avisos, permissões, ofertas e chamadas (Skinner, 1957).
Um mando que aconselha ou recomenda visa a persuadir e convencer, e pode ou não ser
bem sucedido. Sendo assim, tem, como no performativo, valor proposicional. O mando
refere-se também à operações de privação e de estimulação aversiva que controlam a
topografia da resposta (formas de mando, como ordens, conselhos, súplicas, pedidos).
Nesse sentido, apresenta mais vantagens do que o performativo para interpretar sentenças
metaéticas não-cognitivas. Porque transcende os limites formais das sentenças
performativas ao traçar o roteiro de uma análise funcional de ordens, recomendações,
conselhos, súplicas, pedidos e assim por diante.
Essa discussão possibilita apresentar as bases em que o valor de sobrevivência
das culturas pode ser explicado. O esclarecimento do bem da cultura pode ser feito
recorrendo-se à feição não-cognitiva da Ética de Skinner. Pode-se dizer que se trata de
uma prescrição, de uma ordem, pedido, recomendação ou conselho. Ou ainda (por que
não?) de uma súplica. Um comentário de Skinner (1971) é decisivo para apoiar essa
conclusão. Ele indaga que tipo de resposta se pode dar a uma pessoa que pergunta
porque deveria se preocupar com a sobrevivência do governo de seu país, ou de sua
própria religião, após sua morte. Sua resposta é: "Não há nenhuma boa razão (...) mas se
sua cultura não o convenceu de que há, tanto pior para ela" (p. 137, grifo meu). É conveniente
observar que, como um mando, o bem da cultura tem valor proposicional nos dois sentidos
tratados aqui. No de ser realizado com felicidade ou não e no de ser descrito por tactos,

Sobre C'omport«imenlo c CognlçAo 133


onde tais descrições podem ou não corresponder à topografia e aos controles funcionais
do mando. Por exemplo, Skinner foi bem sucedido em suas tentativas de nos convencer a
salvar as culturas? (ele admite que há dificuldades, como a de que esse valor provavelmente
será rejeitado porque sugere o darwinismo social). Como Skinner descreve esse mando,
qual é a forma ou topografia da resposta salvaras culturas (ele argumenta que não significa
darwinismo social, que cooperação e apoio fazem parte da forma da resposta). Por que
Skinner insiste tanto em persuadir-nos a agir para salvar as culturas, quais são as variáveis
que controlam esse pedido, conselho ou recomendação? (diante da real possibilidade de
extinção das culturas, ele argumenta que o que está em jogo é o futuro das culturas).
Finalmente, essa descrição corresponde ou não à topografia e controle funcional das
recomendações de Skinner em defesa do bem da cultura?
Em resumo, o exame metaético da Ética de Skinner sugere que ela é uma Ética
de talhe não-cognitivo. Essa Filosofia Moral nada tem de trivial e pode até mesmo ser vista
como paradoxal na medida em que é não-cognitiva precisamente porque alarga o espectro
cognitivo.
Conclusão
Das teorias metaéticas examinadas aqui, o naturalismo e o intuicionismo são
formas de cognitivismo: um cognitivismo naturalista e um cognitivismo não-naturalista. O
naturalismo afirma que as sentenças óticas são sentenças declarativas: descrevem fatos
empíricos com verdade ou não. O intuicionismo afirma que as sentenças óticas são
sentenças auto-evidentes: referem-se a propriedades simples com verdade ou não. O não-
cognitivismo afirma que as sentenças éticas são sentenças performativas. Essas sentenças
subdividem-se em sentenças prescritivas e sentenças expressivas. Na versão do
prescritivismo ótico, as sentenças prescritivas têm valor proposicional no sentido em que
as performances podem ser realizadas com felicidade ou infelicidade. Na versão do
emotivismo ótico, as sentenças expressivas servem apenas para manifestar emoções e
não têm valor proposicional no sentido das sentenças descritivas. Contudo, as expressões
emocionais podem ter função prescritiva e, nesse caso, as sentenças expressivas têm
valor proposicional no sentido das sentenças prescritivas. Em suma, a metaética não-
cognitiva amplia o espectro cognitivo porque trata com um tipo de valor proposicional
desconhecido do cognitivismo ótico.
A investigação metaética da Ética de Skinner sugere que ela não pode ser elucidada
pelo naturalismo, pois inclui sentimentos como fatos empíricos cognoscíveis, o que não é
aceito por essa versão de cognitivismo ótico. Isso não deve ser tomado como motivo para
lançá-la nos braços do relativismo. Nesse contexto, a dicotomia objetivismo-relativismo aparece
na versão objetivismo-subjetivismo, impessoal-pessoal, e é estranha ao pensamento de Skinner.
Pois para ele eventos privados existem em continuidade com eventos públicos, o que significa
dizer que o que ó pessoal só pode ser compreendido em relação com o que ó impessoal, e
vice-versa.
Pode-se acreditar que por escapar do naturalismo, a Ética de Skinner tenha afinidades
com o intuicionismo. Mas também aqui nenhum entendimento ó possível. As sentenças éticas
admitidas pelo intuicionismo não se referem a fatos empíricos e as semtenças óticas aceitas
pela Ética de Skinner se referem a fatos empíricos. Alóm disso, a Ética de Skinner ó não-
naturalista no sentido exato em que exclui as três características básicas do naturalismo
ético. Nem o naturalismo nem o intuicionismo podem explicar a Ética de Skinner.

134 loié A ntôn io Danitiíio A b ib


Aparentemente a Ética de Skinner tem afinidades com o não-cognitivismo. As
prescrições e expressões óticas são mandos que podem ser realizados com sucesso ou
insucesso, com valor proposicional, portanto. Porém, mandos podem ser descritos e
conhecidos por tactos e essas descrições também têm valor proposicional. Mais
especificamente, sentimentos podem ser descritos por tactos e tais descrições têm valor
proposicional no sentido descritivo. Sendo assim, em última análise, a Ética de Skinner
não pode também ser esclarecida pelo não-cognitivismo. Pois o que caracteriza essa
metaética é a afirmação de que as sentenças éticas não têm valor proposicional no sentido
descritivo (Ayer, 1936/1971). Em última análise é limitada a afinidade dessa Ética com o
não-cognitivismo.
São frágeis as tentativas de esclarecer a Ética de Skinner aproximando-a do
naturalismo (Zuriff, 1980; Abib, 1987) e até mesmo do intuicionismo (Vargas, 1982). A
presente investigação sugere que a Ética de Skinner não pode ser esclarecida por essas
teorias metaéticas. Diante disso, seria tentador afirmar que ela é um relativismo ético.
(Hocutt, 1977). Mas isso também é inaceitável.
A Ética de Skinner tem como fundamento básico o conceito de sentimento. Esse
conceito tem amplas repercussões nessa Ética. De um lado, contribui para ampliar o
universo de fatos empíricos (fatos empíricos não são apenas aqueles estudados por físicos,
químicos, biólogos, etc.). De outro lado, serve para alargar o espectro cognitivo (a cognição
não se limita às sentenças declarativas e auto-evidentes do cognitivismo) e abrir o leque
do valor proposicional das sentenças éticas (o valor de verdade ou falsidade de sentenças
éticas passa a abranger sentimentos). Na verdade, com respeito ao cognitivismo ético, o
horizonte da verdade é ainda mais alargado na Filosofia Moral de Skinner, por causa de
sua afinidade com a noção de valor proposicional de sentenças prescritivas do não-
cognitivismo ético.
A Filosofia Moral de Skinner pode ser esclarecida em sua totalidade com os
conceitos de mando e tacto. Os bens pessoais e dos outros são tactos, são descrições
verbais de reforço positivo e negativo, públicos ou privados. O valor de sobrevivência das
culturas é um mando. É um pedido, um conselho, uma recomendação, uma súplica de
Skinner, com valor proposicional nas duas acepções examinadas aqui.
A Ética ou a Filosofia Moral de Skinner é uma interpretação do valor moral com
base nos conceitos da ciência do comportamento. Na verdade, consiste de uma dupla
inflexão interpretava porque os conceitos de mando e tacto são tipos de comportamento
verbal e o comportamento verbal é também uma interpretação que se faz com base nos
conceitos da ciência do comportamento (Skinner, 1957). Com mais rigor pode-se então
afirmar que a Ética de Skinner é uma interpretação do valor moral baseada na interpretação
do comportamento verbal (essa discussão poderia ser ampliada para dizer que se trata de
uma interpretação de terceiro grau porque a ciência do comportamento é também uma
interpretação. Ciência é teoria científica e teoria científica tem fundamentos na filosofia da
ciência. Filosofia da ciência envolve compromissos ontológicos, metafísicos e
epistemológicos. Multiplicam-se desse modo as filosofias da ciência, as teorias e as
ciências dedicadas a uma mesma área de conhecimento na medida exata em que se
pluralizam as ontologias, as metafísicas e as epistemologias (Abib, 1993,1997)).
A Filosofia Moral de Skinner não é nem cognitiva (naturalista, intuicionista) nem
não-cognitiva. A Filosofia Moral de Skinner é uma Ética comportamental. E é original.

Sobro Comportamento e CotfnlçSo 135


Porque a interpretação do comportamento verbal, a nomenclatura e os conceitos que se
encontram no livro Verbal Behavioróe Skinner são originais. Essa Ética é parte integrante
da Filosofia do Behaviorismo Radical. O Behaviorismo Radical é uma Filosofia e usualmente
uma Filosofia produz discursos sobre questões ontológicas, metafísicas, epístemofógícas,
óticas, estéticas, etc. A construção e desenvolvimento dessa Filosofia exige, portanto, o
exame das respostas que pode fornecer para essas questões. A Ética comportamentai
do Behaviorismo Radical ó uma interpretação do valor moral orientada pela disciplina básica
com a qual essa Filosofia erige seus discursos: a ciência do comportamento. Se o discurso
filosófico do Behaviorismo Radical conquistar seu lugar de tradição inovadora (sem
paradoxos) e se a retórica do comportamento deslocara retórica cognitiva, ó possível que
a Ética comportamentai de Skinner venha a ocupar posição seminal e revolucionária no
discurso metaético. Note-se porém que, visando à essa posição, a Filosofia Moral de
Skinner é estratégica para conduzir o Behaviorismo Radical ao seu lugar de tradição
filosófica inovadora.

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Sobre Comportamento t CotfniçJo 137


Capítulol 4
O ensino da Análise do
Comportamento:
da prática à teoria
loselma lavares frutuoso UfSC

O papel do professor na sociedade 6 ensinar novos comportamentos. Pessoas responsáveis pelo prucossu de onslno-
aprendizagem de quaisquer conteúdos deveriam prestar atenção ao repertório de entrada do aluno Bom como deveriam
conhecer e saber usar a técnica de modelagem, tendo a preocupaçAo constante com a aprendizagem dos alunos Quando a
tarefa è ensinar conceitos básicos da análise do comportamento sobre aprendi/agem por condicionamento operante, um
caminho frutífero seria ensinar aplicando a própria teoria como uma ferramenta para ensiná-la, ou seja, 'da Prática a Teoria',
Usar a própria teoria para planejar, executar e avaliar o ensino bem como a aprendizagem de novos comportamentos Utilizar
situações práticas do cotidiano é o alicerce que pode facilitar a compreensão do aluno evitando os comportamentos de fuga
e esquiva em relaçio aos conteúdos e leituras da disciplina. A sala de aula pode ser considerada um pseudo laboratório de
ensino e aprendizagem, onde hipóteses s lo criadas e tostadas, manipulaçóes realizadas sobre os procedimentos de ensino.
Ficar sensível ao comportamento dos alunos á uma boa regra a ser seguida, bem como criar e manter contingôncias do
reforçamento positivo (natural ou artificial)

Palavras-chave: Ensino; Aprendizagem; Behavlorismo Radical, Sala de aula

The teacher's role In this society is to teach news behaviours. The people who was responsible for the process to teach and
learn (teach-learn) of any contents must pay attention in the repertory for the students' entrance. The teacher have must to
knowledge and to know how to use the technician of modelling, with the preoccupation of students' learning When task is to
teach some basics consents of behaviour's analyse about learn of operat conditional, of this task is good to applicator the
own theory like a way to teach itself Planning, executing and evaluating the teach-learn of news behaviours. To use some
dally practical situations can be the theory's base to be make easy the student's comprehend and avoid escape and
avoidance's behaviours with relationship the conceits and read of the discipline. Classroom can be considerate one pseudo­
laboratory of teaching and learning, where you created and tested some hypothesis, manipulation roallsed about proceedings
of teach To be sensitive for students' behaviour is a good role to be falling and so created and maintain contingence of
positive reinforcement (natural and artificial).

Key words: Teach; Learning, Radical Behaviourism; Classrom

O professor tem um papel muito claro na sociedade que è o de ensinar (ensinar


novos comportamentos). Para simplificar, neste texto irei usar a palavra conteúdos como
sinônimo de novos comportamentos a serem ensinados. Assim, basicamente, quem ensina
ensina algo para alguém que ó o aprendiz (em ambientes acadêmicos o aluno ô o aprendiz).
Conteúdos precisam ser aprendidos em idade muito tenra e durante toda a vida do indivíduo.

Aflrad*dmantoa à dlraçâo do CFH • a pró-nMorM da UfSC pato apon flnancato, ao amyo prof Dr Sérgio Dim Crtno ■ UF MG paio moanllvo na realização
daala trabalho a a ABPMC paio convtta.

138 loíflma r«iVcirf* Frutuoio


se o indivíduo for para os estabelecimentos de ensino, irá aprender conteúdos do ensino
fundamental, médio e superior. Porém, a aprendizagem ocoire o tempo todo, em vários ambientes
nos quais o indivíduo interage, tais como: ambiente familiar, de trabalho, escolar, dentre outros.
Diversos tipos de aulas sào ministradas e seus respectivos conteúdos aprendidos,.
Exemplos: aulas de dança, música, teatro, culinária, natação, física quântica, matemática,
psicologia experimental, psicologia da aprendizagem etc. Em cada um destes exemplos, o
professor ou pessoa diretamente responsável pelo processo de ensino-aprendizagem deveria
prestar atenção ao repertório operante de entrada do aprendiz. Em outras palavras, prestar
atenção ao repertório de entrada seria prestar arençáo no que seu aluno sabe sobre o que vai
ser ensinado e o que ele sabia fazer antes de passar pelo ensino formal. O professor deve
verificar qual o repertório de entrada e, a partir deste programar, executar passos que levem à
aprendizagem do aluno (sem atropelá-lo, respeitando seus limites e ritmos, nem encurtando e
nem prolongando etapas do ensino). Professores deviam conhecer e saber usar a técnica de
modelagem (v. capítulo VI, Skinner2000). Esta técnica não deve ser reduzida a uma interpretação
simples e errônea que perpetua nos ambientes de ensino, a saber: modelar os alunos é
considerá-los seres passivos no processo de ensino-aprendizagem. Ou ainda pensar que a
modelagem é uma técnica ultrapassada da teoria Estímulo-Resposta, E-R. Um dos principais
representantes da teoria E-R foi J. B. Watson e, neste modelo, a modelagem é usada para
aprendizagens do tipo condicionamento clássico. Simplificando, este modelo E-R considera-
se que um dado estímulo tem o poder de eliciar uma dada resposta, sendo o sujeito um
organismo passivo à espera do um estímulo eliciador para se comportar. Os comportamentos
aprendidos através de condicionamentos clássicos abrangem uma faixa reduzida do espectro
de comportamentos de organismos vivos. O nosso repertório comportamental é melhor
representado pelas aprendizagens adquiridas e mantidas através de condicionamento operante
(filosofia do behaviorismo radical, principal representante B. F Skinner). A filosofia do
Behaviorismo metodológico de Watson trouxe sua contribuição para a história da Psicologia
enquanto uma ciência natural. Entretanto, a ciência avançou principalmente com o Behaviorismo
Radical, o qual advoga que as pessoas são ativas e que elas estão de forma muito dinâmica
modificando e sendo modificadas, estão em constante processo de mudanças: “Os homens
agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas conseqüências de
sua ação" (Skinner, 1957/1978, pág. 15). O Behaviorismo Radical, por abranger uma maior
faixa do nosso espectro comportamental, deveria ser melhor compreendido e divulgado nos
ambientes acadêmicos sem ser confundido com a teoria E-R, dadas as peculiaridades que
cada um dos modelos de condicionamento têm (v. Micheletto ,1995; Micheletto e Sério,
1993; Sidnam, 1995; Skinner, 2000; Skinner, 1991 e Skinner, 1982).
No processo de ensino é necessário ter clareza de qual resposta operante o professor
quer modelar, digo, ensinar, principalmente quando a resposta operante é ensinar o aluno
a pensar e a ser autônomo (v. Skinner, 2000; Skinner, 1991 e Skinner, 1982, Skinner 1957/
1978). Pensar é uma resposta operante e como toda resposta operante pode ser modelada,
mantida e alterada.

Preocupações ou questionamentos sobre o ensino, sobre o processo de ensino-


aprendizagem.
O professor deveria ter a preocupação constante e salutar de que seus alunos
aprendessem aquilo que ele se propõe a ensinar. Para tentar garantir a aprendizagem,

Sobrr Comportamento c Co^nlçâo 139


alguns questionamentos por parte do educador/professor podem ajudar neste processo
de ensino e aprendizagem. Questionamentos do tipo: 1- Qual é a função do conteúdo a
ser ensinado, que utilidade tem na vida dos alunos? 2- Os alunos poderão ser beneficiados
por conseqüências de curto, médio ou longo prazo? 3- Como transformar a aula em uma
atividade gostosa e prazerosa para todos os envolvidos nela, inclusive para o próprio
professor, com garantia da aprendizagem dos conteúdos a serem ensinados? 4- Qual a
melhor forma de ensinar um dado conteúdo? 5- Existe elaboração e teste de hipóteses a
partir de uma reflexão crítica sobre a própria teoria e sobre o que está acontecendo em
sala de aula com relação à aprendizagem? 6- A forma de ensinar está respaldada em um
modelo teórico sólido? 7- O professor usa contingências que garantem o reforço positivo;
evita utilizar o controle coercitivo; os alunos se mantêm estudando por esquiva, etc.? 8-
Avalia se houve aprendizagem de novos comportamentos ou apenas seleciona alunos que
possuem em seu repertório os 'novos' comportamentos? Quais os critérios utilizados
para avaliar se houve ou não aprendizagem etc.?.

O Desafio
Como ensinar os conceitos básicos da análise do comportamento, partindo da
prática até chegar a teoria? Atarefa de ensinar o que é aprendizagem, ensino, processo
de ensino-aprendizagem em disciplinas da grade curricular do curso de Psicologia e em
outros cursos de Licenciatura (cursos que preparam o aluno para ser um futuro professor
em sua área de conhecimento) constitui um verdadeiro desafio. Como programar o ensino
destes conceitos: modelagem, reforço positivo e negativo, punição, esquiva, fuga,
contingência de três termos, discriminação e generalização, controle de estímulos,
comportamento governado por regras e por contingência, dentre outros? A Primeira
constatação é a de que não há receitas, porém, os questionamentos supracitados poderiam
ser comportamentos preliminares para que contingências de ensino pudessem ser
pensadas, criadas, mantidas, modificadas e até mesmo extintas (a extinção é indicada
para as contingências mantidas por reforço negativo ou punições). Os questionamentos
citados podem ser aplicados em situações de sala de aula, ou fora do ambiente escolar
e são úteis para qualquer ambiente formal ou informal de ensino, onde novos
comportamentos precisam ser ensinados e aprendidos.
O manual do professor não existe, isto é ótimo, pois ensinar não pode ser um
comportamento só governado por regras, instruções. Um caminho frutífero para ser seguido
na modelagem cíe novos comportamentos é começar aplicando/usando a própria teoria na
sala de aula, usando a teoria como uma ferramenta para ensiná-la, ou seja, "da Prática a
Teoria". A própria teoria é usada para planejar como ensinar os conteúdos, os conceitos
teóricos e técnicos sobre aprendizagem humana, então, utilizar exemplos da vida cotidiana
é um bom caminho. O material prático consistiria em tipos de interações que ocorrem
dentro da sala de aula (entre professor e aluno, os alunos entre si), reportagens de jornais,
dramas de novelas, enredos de filmes, além das "brincadeiras em estilo de experimento".
As "brincadeiras em estilo de experimento" seriam experimentos realizados em sala sem
o rigor científico, sem o controle rigorosos das variáveis envolvidas, sem registro e análise
???????apurada dos dados. Seria uma replicação ou simulação em sala de aula de um
experimento que facilitasse a aprendizagem do raciocínio lógico e científico por parte do
aluno (se a disciplina tiver aulas de laboratório é condição ideal, mas nem sempre o

140 lotelmd Idvure* frutuoso


professor pode trabalhar na condição ideal: é preciso saber improvisar para adaptar a
condição real de ensino).
Enfim estas situações PRÁTICAS podem ser o alicerce sobre o qual a teoria
será construída, lembrando sempre que "reforço positivo, não, coerção é a marca da
análise do comportamento" (Sidman, 1995, pág. 25).

Ensinar e selecionar.
Existe uma diferença muito grande entre ensinar comportamentos para alguém e
selecionar quem já os possui. As vezes, no ensino superior, é mais fácil para o professor
selecionar os alunos que sabem ler, interpretar e escrever de acordo com os padrões e
exigências acadêmicas do que ensinar estas respostas operantes tão necessárias para
a sobrevivência do aluno nesse ambiente acadêmico. Os que sabem se dão bem, vão bem
nos estudos, os que não sabem, têm apenas dois caminhos: 1-continuar sem saber e
sofrendo as conseqüências aversivas do não saber, ou 2- aprender sozinhos sem ajuda do
professor. Seria conveniente criar um terceiro caminho que seria programar contingências
de ensino que garantam a aprendizagem: o professor programar e executar contingências
de ensino que garantam a aprendizagem de novos comportamentos (i.e., ensinar, aplicando
a técnica de modelagem de condicionamento operante junto com reforço positivo). Skinner,
desde 1968, faz sérias críticas pertinentes à falta de métodos para um ensino com eficiência
e às práticas educacionais baseadas na seleção e não no ensino “ As escolas e colégios
estão cada vez mais confiando na seleção de estudantes que não precisam ser ensinados,
e ao fazê-lo prestam cada vez menos atenção ao ensino ...” (Skinner, 1978/1975,pág.
112).
Zanotto (2000) aponta a necessidade de habilitar os futuros professores a serem
profissionais capazes de planejar, executar e avaliar procedimentos de ensino" Sua formação
será tão melhor quanto mais possibilitar a aquisição de um amplo e eficiente repertório de
comportamentos que o torne independente de um outro indivíduo para definir e controlar o
que lhe compete fazer, e que lhe garanta a autonomia necessária para se comportar de
forma nova e original, em situações futuras, quando não mais estiver sendo formado"
(Zanotto, 2000, pág. 173).

Sala de aula é um “ pseudo-laboratório” .


A sala de aula poderia ser considerada um pseudo laboratório de ensino e de
aprendizagem. Pseudo, porque na situação de sala de aula não há preocupação rigorosa com
o controle de variáveis dependentes e independestes que estão presentes no ensino e na
aprendizagem (o professor ‘apenas’ está ministrando aula). Cada situação de ensino é ou
poderia ser uma situação de pesquisa, porém, o professor não está registrando freqüência de
comportamento, duração, atraso de uma dada resposta, topografia de um conjunto de respostas
com uma mesma função ou não etc. O professor assim como os alunos estão se comportando,
todos estão sob o controle de contingências vigentes, sejam elas aversivas ou não, previamente
programadas ou não. Este ambiente de sala de aula representa maravilhosamente bem a
complexidade e variabilidade de controle de estímulos sob o comportamento humano bem
como a dinâmica presente na causação múltipla dos comportamentos humanos.

Sobrr Comportamento e CoflniçJo 141


Na sala de aula, as hipóteses deveriam ser criadas e testadas e as manipulações
realizadas sobre a forma de ensinar de um dado conteúdo, sempre observando as respostas
dos alunos. Ficar sensível ao comportamento dos alunos é uma boa regra a ser seguida
pelo professor. Poróm, não basta ficar sensível: é preciso criar e gerenciar as condições
para manter o que está dando certo e eliminar ou modificar o que está dando errado. Por
exemplo, às vezes é sensato eliminar um texto, que previamente foi planejado, ou substituir
a leitura de artigo científico por uma reportagem de uma revista não científica. Estas
alterações devem estar sob o controle do objetivo inicial do professor que é a aprendizagem
do aluno. Dependendo dos objetivos do professor, os textos devem ser específicos e
escritos com uma linguagem técnica. Ou o contrário, os textos não devem ser tão
específicos, pois podem afastar o interesse dos alunos, principalmente se eles não têm
repertório verbal para tal leitura. Também pode-se iniciar com leituras não científicas e
gradualmente passar e manter leituras específicas de periódicos e de capítulos de livros.
É preciso o professor saber modelar até o comportamento de leitura de seus alunos,
senão corre o risco de mais uma vez selecionar quem sabe ler textos técnicos. O texto
técnico deveria aparecer depois que o professor criou condições preliminares para que o
aluno possa desfrutar da leitura, compreendendo e entendendo o que ler. Pois corre-se o
risco de que, na tentativa de ensinar, por exemplo, conceitos básicos da análise
comportamental, o professor esteja ensinando ao aluno comportamentos de fuga e esquiva
em relação aos conteúdos e às leituras solicitadas na sua disciplina. Assim, conforme
recomendação do Behaviorismo Radical, para ensinar, deve-se manter a atenção e interesse
do aluno por meio de reforços positivos naturais e/ou arbitrários (é ideal que apareçam em
esquemas intermitentes de reforçamento conforme prescrição teórica devidamente
comprovada).

O Caos
Imagine o caos quando um professor entra em sala de aula para ensinar "conteúdos"
que nem ele mesmo tem clareza da utilidade, da funcionalidade que é aprender "esses
conteúdos". Disciplinas cujo conceitos básicos da análise do comportamento são
ministrados por pessoas não simpatizante do Behaviorismo Radical; seja por completa
ignorância sobre o tema; seja por um repertório de leitura pobre sobre tema; seja porque
leu interpretações distorcidas do que vem a ser o Behaviorismo Radical; seja ainda porque
leu críticas à teoria de E-R e ao Behaviorismo Metodológico e generalizou estas críticas
para o Behaviorismo Radical; seja por não conhecer os avanços teóricos da Análise do
Comportamento sobre, por exemplo, cognição humana etc., tudo isto gera e mantém as
críticas injustas que são tecidas às idéias de Skinner e/ou ao Behaviorismo Radical.
Na educação é preciso que o professor tenha como prática uma reflexão crítica e
atualizada da teoria, do conteúdo que pretende ensinar (não importa qual a teoria, ou qual
o conteúdo), caso contrário o resultado do ensino será no mínimo um desastre.
Referências
Micheletto, N. E. (1995). Uma questão de conseqüências: A elaboracfio da proposta
metodológica de Skinner. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia
social. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de Sâo Paulo.

142 loselma Tavares fruluoso


Micheletto, N„ & Sério, T. M. A. P. (1993). Homem: Objeto ou Sujeito para Skinner. lemasjem
Psicologia. 2. 11-22.
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Zanotto, M. L. B. (2000). Fo/maçâo de professores; a contribuição da análise do comporta­
mento. Sâo Paulo: EDUC.

Sobrr Comportamento e Coflniç<lo 143


Capítulo 15
A nálise comportamental do transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade:
implicações para avaliação e tratamento
Laétvia Abreu Vasconcelos
Universidade de Brasília

O termo Attention-Deficit Hypemctivity Disordertraduzido para Transtomo de Déficit


de Atenção/Hiperatividade (TDAH) tem sido um dos problemas psiquiátricos de maior
prevalência e mais investigados na infância e a análise da sua prevalência até a idade
adulta é relativamente nova no cenário clinico. Até os anos 80, TDAH era considerado um
transtorno da infância, sua prevalência entre adultos passou a ser mais amplamente
considerada a partir dos anos 90. Murphy & Gordon (1998, citado em Barkley, 1998)
citam inúmeros estudos que demonstram que crianças diagnosticadas seguiram entre
50% a 80% com o transtorno até a idade adulta. A literatura da área sugere que o TDAH
é um fenômeno mundial encontrado e estudado em diversos palses, os quais mostram
diferentes taxas de ocorrência, com variação na faixa etária. Segundo Wilens, Spencer &
Biederman (1998), o transtorno ocorre em 2% a 9% das crianças em idade escolar e em
mais de 5% da população adulta. A presente análise será voltada para a apresentação de
alguns pontos para reflexão voltados para a definição do transtorno, o diagnóstico/avaliação,
os tipos de tratamento mais utilizados e será concluído com a visão analítico-
comportamental do problema. Esta apresentação estará analisando o trabalho de Russell
A. Barkley (1^97; 1998), o qual tem dedicado mais de 20 anos à prática clínica de
treinamento de pais de crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

A definição e denominação do transtorno ao longo de cinco décadas de estudo


Os anos 60 representam um marco nos estudos de hiperatividade. O termo
disfunção cerebral mínima foi substituído por rótulos mais específicos baseados em
descrições dos comportamentos observáveis das crianças e não em mecanismos cerebrais.
Entre estes rótulos estão a hiperatividade que é vista como uma slndrome comportamental
que pode estar associada a causas biológicas, patologias orgânicas e ambientais. A
popularização da hiperatividade é observada a partir dos anos 70 com mais de 2000
publicações e um crescente interesse pelo déficit de atenção como parte do problema.

144 l-dércid A b rru Vdsconcclo*


Em 1980, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-III
(American psychiatrie Association, 1980) apresentou as características de impulsividade
e desatenção, como parte do problema de hiperatividade, apresentando também uma lista
de sintomas, o começo e duração destes e a faixa etária crítica para o transtorno. Em
1987, surge o rótulo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade no DSM-III-R com
uma revisão de critérios de diagnóstico (American psychiatrie Association, 1987).
Ainda na década de 80 observa-se também a preocupação com a validade da
síndrome de TDAH, com esforços voltados para a diferenciação de transtornos de ansiedade,
de aprendizagem e de conduta. O comprometimento cerebral e a base hereditária foram
sugeridos em inúmeros estudos, a predisposição biológica ou hereditária era consenso
entre os profissionais. Ao final dos anos 80, uma crescente manifestação pública nos
Estados Unidos resultou na formulação de leis, em 1991, que garantiram os direitos das
crianças e a inclusão destas em serviços de educação especial, com reavaliação a cada
três anos (Pfiffner & Barkley, 1998). Portanto, ao considerar como condição debilitadora a
existência do Transtorno, o Departamento de Educação dos Estados Unidos aumentou
as opções de educação para estes estudantes.
TDAH em crianças e adultos é definido como uma condição crônica (e.g., Wells,
Pelham Jr., Kotkin & Hoza, 2000) com três principais sintomas - desatenção, impulsividade
ou desinibiçáo comportamentai e hiperatividade. Estes sintomas surgem de maneira
mapropriada para a idade ou desenvolvimento da criança e ocorrem em diferentes contextos.
Quanto à atenção ó possível que a maior dificuldade das crianças seja voltada para a
manutenção de atenção, especialmente quando atividades concorrentes mais reforçadoras,
ou com reforçadores mais imediatos, estão presentes em uma determinada situação. Um
aspecto central para o TDAH é a deficiência no comportamento de inibição. Em geral, as
crianças respondem a situações rapidamente, cometendo assim muitos erros, não esperam
por todas as instruções e não são capazes de considerar as conseqüências negativas
envolvidas em uma situação ou em um comportamento. Observa-se problemas no
autocontrole emocional, com maior reatividade emocional por parte dessas crianças.
Impulsividade também pode estar relacionada a dificuldades na exposição a atrasos na
gratificação. Finalmente, níveis de atividade motora ou vocal excessivos, a hiperatividade,
irrelevantes para uma determinada tarefa, definem o Transtorno. As crianças apresentam
pobre coordenação motora.
Os critérios de diagnóstico apresentados pelo DSM-IV (American Psychiatrie
Association, 1994) são utilizados, isto é, os sintomas devem ocorrer por mais de seis
meses e devem surgir por volta dos sete anos de idade. Seis dos nove itens do tópico
atenção, assim como do tópico hiperatividade-impulsividade devem ser observados. E
ainda, o diagnóstico pode ser de TDAH do Tipo Desatenção, com predomínio de sintomas
de desatenção, TDAH do Tipo Hiperativo-lmpulsivo ou ainda, TDAH do Tipo Combinado.
Sugere-se que a utilização dos critérios do DSM-IV deve ser acompanhada de entrevistas
a pais e professores, e não pela mera aplicação de escalas. Alguns critérios do DSM-IV
devem ser ajustados a cada avaliação clinica tais como a faixa etária sugerida para a
ocorrência do Transtorno, a duração dos sintomas, assim como a existência de diferentes
tipos do TDAH.
As crianças diagnosticadas com TDAH também apresentam outras dificuldades,
porém, são estas dificuldades desencadeadas pelo TDAH, isto é, a hiperatividade,

Sobrr Compottcimcnlo e Cotfniv.lo 145


impulsividade e desatenção estão levando a um baixo índice do Quociente de Inteligência,
especialmente o verbal? Estão levando a um rebaixamento no rendimento acadêmico,
detectado principalmente na leitura, compreensão da leitura, escrita e matemática? Uma
relação causal entre dificuldades de aprendizagem e o TDAH ainda não pode ser
consistentemente estabelecida.
Um pobre controle de regras também tem sido atribuído às crianças diagnosticadas
com o Transtorno. O comportamento governado por regras ó vantajoso, por exemplo,
quando existem riscos envolvidos na exposição direta a contingências. Assim, é vantajoso
para o indivíduo respondera regras que especificam a relação entre estímulos em situações
de risco, ou de alta complexidade. A literatura específica do TDAH ó constituída por estudos
que atribuem o pobre controle de regras, em parte, à memória operacional, à working
memory, à incapacidade de reter a regra e inibir respostas irrelevantes que competem com
a regra. Outra explicação ó o atraso na internalização da linguagem. A fala privada ou a
auto-fala, a qual, segundo Vygotsky (1978; 1987, citados em Barkley, 1998), aumenta
com a dificuldade da tarefa e auxilia na resolução de problemas. Cerutti (1989) destaca
que o nâo seguimento de instruções ou de regras pode ter uma relação direta com pobres
resultados na resolução de problemas. Ademais, crianças hiperativas, em geral, transferem
menos uma regra aprendida em uma tarefa para uma nova tarefa.
Além da enorme diversidade de riscos cognitivos, acadêmicos e de
desenvolvimento, as crianças têm alta probabilidade de apresentar comorbidade com
transtornos psiquiátricos e com outros problemas de saúde. As crianças com o Transtorno
de Déficit de Atenção/Hiperatividade apresentam queixas somáticas e outros transtornos
psiquiátricos; entre os mais freqüentes estão transtorno de conduta, de humor e de
ansiedade. Parentes em primeiro grau têm maior probabilidade de apresentarem o TDAH
e outros transtornos psiquiátricos tais como problemas de conduta, comportamento anti­
social, alcoolismo, histeria e desordens afetivas. Em geral, as crianças apresentam
problemas de comunicação em suas interações sociais com os pares. Elas falam muito,
resultando em baixas trocas na interação social, o que leva à rejeição dos pares por
problemas de comunicação. As mães são, em geral, mais diretivas, negativas, menos
reforçadoras e menos responsivas às crianças com TDAH. Dificuldades no manejo da
criança, com interação mais freqüente entre mãe-filho comparado às interações pai-filho,
em geral, são responsáveis pela maior ocorrência de comportamentos disruptivos da criança
na presença da mãe. Portanto, as crianças com TDAH sofrem o impacto em sua vida em
família, na escola e no grupo com seus pares.
Pesquisas que relacionam os sintomas associados à idade ainda são necessárias
para o estabelecimento da prevalência consistente do Transtorno em determinadas idades,
assim como estudos que relacionam o nível social. Os dados indicam uma tendência
maior de ocorrência entre indivíduos de um grupo socioeconômico mais baixo e entre
crianças do sexo masculino.
Algumas características da tarefa ou do contexto podem facilitar a ocorrência dos
comportamentos disruptivos emitidos por crianças diagnosticadas com TDAH. Entre as
características importantes estão tarefas mais restritivas, isto é, a demanda e a complexidade
da tarefa; a familiaridade da tarefa também produz mais problemas comportamentais do que
ambientes novos, um pobre nível de estimulação também é um outro facilitador da desatenção
destas crianças. Por outro lado, a imediaticidade do reforço ou da punição,

146 Líércíd A b rru Vaiconcflo*


assim como uma alta magnitude do reforço favorecem a redução de dóficits de atenção.
Atendimento individualizado versus atendimento em grupo leva a resultados positivos no
desempenho das crianças.
A variável motivação passa a ser alvo de análise. O TDAH poderia ser resultado
de déficit na resposta a conseqüências comportamentais e não de atenção, isto ó, uma
insensibilidade a contingências de reforçamento e/ou punição com bases neurológicas.
Entretanto, muitos autores são contrários à visão funcional, skinneriana dos déficits do
TDAH, enfatizando modelos cognitivos de atenção (Quay, 1987; 1988, citado em Barkley,
1998). Alguns modelos teóricos apresentam que indivíduos com TDAH são menos sensíveis
aos sinais advindos de contingências aversivas, num suposto sistema de ativação
comportamental receptor de tais sinais. Quay (1987,1988, citado em Barkley, 1998) também
sugere que indivíduos com TDAH apresentam maior resistência à extinção após a exposição
a esquemas de reforçamento contínuo e aumentadas taxas de respostas sob esquemas
de intervalo fixo e razão fixa.
Em muitos estudos, até o início dos anos 70, observa-se falta de consenso quanto
aos critérios de diagnóstico da hiperatividade. Muitos estudos não contaram com critérios
clínicos de diagnóstico e, sim, com encaminhamentos feitos por pais e professores com
queixas de hiperatividade. Entretanto, mesmo após a publicação dos critérios de diagnóstico
do DSM-IV o Transtorno não pode ser estritamente e objetivamente medido, assim sua
ocorrência não pode ser precisamente determinada. O TDAH situa-se ao longo de um
continuum o que envolve algum grau de subjetividade e arbitrariedade na decisão de corte
na curva normal. O risco de falso positivo ou falso negativo no diagnóstico é relativamente
grande. Segundo o DSM-IV trata-se de um transtorno heterogêneo de etiologia desconhecida
que pode resultar de inúmeros fatores de risco biopsicossocial. Sintomas isolados do
TDAH são encontrados em crianças normais, o nível de ocorrência e a inapropriação para
a idade ou desenvolvimento é que devem ser considerados. Além disso, é uma lista de
sintomas, pelo menos seis ou mais, ocorrendo freqüentemente que deveriam ser
considerados no diagnóstico do Transtorno. As crianças diagnosticadas fazem parte de
um grupo heterogêneo, com uma diversidade de sintomas psiquiátricos, características
familiares, curso de desenvolvimento e respostas ao tratamento. A complexidade do
diagnóstico tem levado à utilização de subtipos de TDAH, o que ainda merece maior
investigação científica.

A etiologia e o fratamento do transtorno de déficit de atençâo/hiperatividade


Uma variada etiologia tem sido apresentada. Fatores neurológicos e genéticos
contribuem significativamente para a explicação dos sintomas e a ocorrência do Transtorno.
Por outro lado, fatores puramente ambientais e sociais não são considerados fatores
causais, eles podem contribuir para a persistência dos sintomas. TDAH pode ser explicado
por danos no desenvolvimento, estrutura e função do córtex pré-frontal e suas redes com
outras regiões cerebrais, especialmente o corpo estriado. Tais danos levam a déficits na
manutenção de atenção, inibição, regulação da emoção, motivação e capacidade de
organização e planejamento do comportamento no futuro. A evidência da contribuição
genética é consistente. A natureza hereditária do transtorno é mostrada nos estudos de
pais adotivos, pais biológicos e de gêmeos. Ressalta-se que no estudo de gêmeos os
fatores ambientais ou sociais têm pequena contribuição na explicação das diferenças

Sobre Com portjmenlo e CotfmvJo 147


individuais relacionadas ao Transtorno. Assim, poucos esforços têm sido dedicados ao
estudo desses fatores como causas do TDAH. A exposição à toxinas com elevados níveis
de contaminação por chumbo ou outros metais ou a exposição pré-natal ao álcool e ao
fumo também podem estar relacionadas à hiperatividade e desatenção.
Uma maior compreensão do Transtorno necessita de uma teoria que faça um
intercâmbio entre teorias do desenvolvimento psicológico e o desenvolvimento
neuropsicológico. Barkley (1998) apresenta a premissa de que o Transtorno representa
um atraso no desenvolvimento da resposta de inibição, essencial para o funcionamento de
quatro funções executivas, que são internalizadas e que controlam o sistema motor -
working memory não-verbal (a internalização do self), working memory verbal (a
internalização da fala), a auto-regulação do afeto/motivação e a reconstituição (atividades
de análise e síntese). As funções executivas transferem o controle externo do ambiente
para o controle interno, possibilitando controle de emoções, o autocontrole, isto é, o aumento
da preferência por reforçadores atrasados sobre os reforçadores imediatos. Elas possibilitam
a antecipação e planejamento de comportamentos com maior sentido de tempo.
Um ponto central no tratamento é que não há cura para o Transtorno, os tratamentos
não alteram os déficits neuropsicológicos subjacentes do comportamento de inibição, o
que ocorre é a redução de sintomas e a minimização dos efeitos negativos do Transtorno,
melhorando a qualidade de vida do indivíduo. Os tratamentos devem ser desenvolvidos em
settings naturais onde os comportamentos alvo são emitidos. Por outro lado, não observa-
se generalização do efeitos do tratamento para outros settings não envolvidos no processo
de intervenção. Sugere-se que um pacote de procedimentos de intervenção seja mantido
a longo prazo, o que pode amenizar a expressão dos sintomas. Um tratamento predominante
tem sido a utilização de estimulantes ou outros agentes psicofarmacológicos, os quais
podem normalizar o substrato neural nas regiões pró-frontais. Associada à medicação,
sugere-se também a utilização, a longo prazo, do tratamento comportamentai.
A prática clínica de Barkley (1997,1998) ó orientada pelos seguintes procedimentos
de avaliação e intervenção. O diagnóstico é feito por meio de uma entrevista clínica, exame
módico e a utilização de algumas escalas. Os testes cognitivos, de atenção, testes
neuropsicológicos e observação direta do comportamento da criança são instrumentos
importantes no processo de diagnóstico. A validade preditiva de testes projetivos não tem
sido demonstrada na rotina de avaliação clínica. Inicialmente, os pais que solicitam
atendimento recebem um pacote de questionários a serem preenchidos para a entrevista
clínica, um pacote similar é também enviado aos professores. Na fase inicial, a entrevista
clínica com os pais e a criança, individualmente, utiliza alguns testes psicológicos indicados
para o caso a ser atendido. A entrevista semi-estruturada oferece uma oportunidade para
obtenção de dados fenomenológicos, não obtidos por meio de escalas de avaliação. A
própria entrevista pode proporcionar aos pais mudança de atenção para estímulos
antecedentes e conseqüentes mais imediatos da criança. O clínico obtém informações
sobre questões situacionais, temporais dos comportamentos e suas conseqüências Na
família e na escola os problemas investigados referem-se às áreas motora, emocional, da
linguagem, assim como acadêmica e social, o que exige do clínico o conhecimento das
características diagnósticas de outras desordens na infância que podem estar ocorrendo
junto com o TDAH. É importante ressaltar que o clínico não deve utilizar a palavra atenção
durante a entrevista e precisa fazer alguns ajustes nos critérios do DSM-IV. A entrevista
com os pais é concluída com a discussão das características positivas da criança e os

148 Ijiércid Abreu VdKoncelos


estímulos potencialmente reforçadores que poderão ser utilizados. Os dados obtidos de
entrevistas com crianças de 9 a 12 anos mostram-se nào confiáveis, uma vez que elas
tendem a não considerar a seriedade de seus comportamentos, entretanto, elas relatam
com mais precisão os sintomas de ansiedade e depressão, o que pode auxiliar na
investigação de comorbidade com transtornos psiquiátricos como de ansiedade e de humor.
Um dos problemas mais comuns é a produtividade académica, entretanto, mesmo que
não exista comprometimento académico, a entrevista com o professor pode auxiliar na
análise de comportamentos tais como de cooperação, comunicação, habilidades motoras
e organização. Finalmente, em uma sessão anterior à discussão dos procedimentos de
tratamento, os pais recebem a avaliação diagnóstica, ocasião em que podem apresentar
qualquer questão sobre o processo diagnóstico e as conclusões apresentadas. Portanto,
múltiplos métodos de avaliação, múltiplos informantes devem ser utilizados no processo
de avaliação.
Barkley (1997) e Anastopoulos, Smith & Wien (1998) apresentam um flexível
programa de treinamento de pais de crianças de 2 a 12 anos, cujo objetivo é proporcionar
aos pais treinamento e supervisão na aplicação de técnicas de manejo de contingências.
Os pais são considerados co-terapeutas. Inicialmente, as possíveis causas de
comportamentos disruptivos de não cumprimento de comandos verbais da criança são
cuidadosamente analisadas. A revisão de alguns conceitos tais como a contingência de
três termos, com a possibilidade de manipulação de estímulos antecedentes e
conseqüentes, reforçamento positivo, contingências aversivas são discutidas com os pais.
A falha da criança em seguir uma instrução ou atender a um comando, a falha em manter-
se em uma atividade até que as exigências envolvidas em um comando sejam cumpridas
e a falha em seguir regras previamente ensinadas são categorias comportamentais a
serem consideradas na intervenção. A ênfase do programa é no cumprimento de comandos
verbais e regras.
O padrão de interação familiar dessas crianças é caracterizado, em geral, por
contingências aversivas, portanto, urn dos primeiros passos é aumentar a freqüência de
reforçamento positivo para as crianças em substituição ao reforçamento negativo, enfatizando
a importância da imediaticidade do reforço sobre o controle do comportamento, assim como
da consistência entre ambientes e no tempo. A reciprocidade e a complexidade das interações
familiares deve substituir a visão unilateral de causas do comportamento. A utilização de
vídeos com modelos de habilidades de manejo das crianças é importante para a discussão
no grupo de pais. Passos são estabelecidos e o terapeuta somente avança caso os critérios
tenham sido cumpridos pelos pais, os quais recebem tarefas a serem feitas em casa. Cada
sessão começa com uma revisão das tarefas previamente designadas. Os pais são orientados
a dedicar algum tempo a suas crianças sem criticá-las, direcioná-las, apenas observando e
elogiando a criança. Os pais devem ser claros ao apresentarem regras simples em substituição
a múltiplos comandos. Os pais devem ter um tempo para brincar com a criança e o terapeuta
pode se tornar um modelo, na interação com a criança. As crianças devem ser reforçadas
quando estão brincando independentemente, o comportamento apropriado deve ser
positivamente conseqüenciado. O sistema Token pode ser utilizado para incentivar o
cumprimento de tarefas em casa. Por outro lado, a punição, caso necessária, tem sido
aplicada, como, por exemplo, o custo de resposta contingente a comportamento inadequado
pode ser utilizado, isto é, pontos são retirados da criança, contingente ao não cumprimento
de tarefas ou de um comando, ou o emprego do time out.

Sobre Oomportiimcnto c Cojjniçáo 149


Alóm das intervenções junto aos pais e às crianças, a escola ó outro alvo importante
a ser considerado, O estudante com TDAH precisa de um ambiente mais estruturado e de
alta freqüôcia de reforçamento. Freqüentes feedbacks devem também ser oferecidos para
o cumprimento de regras. Os comportamentos alvo são a organização de materiais e
tarefas, o comportamento acadêmico, a quantidade e a precisão. O sistema Token pode
ser adaptado para facilitar a aplicação do professor. O emprego do auto-monitoramento,
por parte do estudante, e o emprego dos pares como monitores têm se mostrado produtivo.
A mediação feita pelos pares resulta na resolução de aproximadamente 90% dos conflitos,
em geral comportamentos anti-sociais tais como comportamentos agressivos, detectados
no contexto escolar, e estes resultados positivos são mantidos em um ano de seguimento.
Entre as técnicas utilizadas no treino estão a modelação, com a utilização de videos, a
modelagem e exercícios de role play (Cunningham & Cunningham, 1998).
Somado às intervenções nos ambientes familiar e escolar, o tratamento
farmacológico tem resultado em dados empíricos que indicam sua eficácia. O diagnóstico
de TDAH não deve ser, necessariamente, acompanhado pela prescrição de medicações
estimulantes do sistema nervoso central. A utilização dessas medicações constitui-se
em um dos tratamentos predominantes, entretanto, não tem sido indicado como a única
forma de tratamento. Uma revisão dos efeitos clínicos dos estimulantes, apresentada por
DuPaul, Barkley & Connor (1998) mostra que 70% a 80% das crianças mostraram melhora
em seus comportamentos disruptivos, isto é, aumento na atenção e redução de atividade
motora irrelevante para a tarefa. A qualidade da interação social das crianças também é
um outro resultado da utilização de estimulantes, com significativa diminuição de
comportamentos agressivos. A medicação atua no substrato neural, nas regiões pré-
frontais, as quais podem ser a base do Transtorno. Entretanto, poucos estudos avaliam a
eficácia a longo prazo de medicações estimulantes. Sugere-se que os efeitos positivos
não são mantidos após a suspensão do tratamento. Em raros casos, é indicada a
combinação de estimulantes com outros medicamentes, tais como antidepressivos
tricíclicos (Barkley & Connor, 1998).

A terapia analítico-comportamental infantil e o transtorno de déficit de atenção/


hiperatividade

A Terapia Analítico-Comportamental tem sido assim denominada para representar


a prática clínica orientada pelos pressupostos do behaviorismo radical, pelos princípios da
ciência da Análise do Comportamento. Considerando a clínica infantil, em linhas gerais, o
clínico procura obter um quadro o mais completo da criança, em seu processo de avaliação
comportamental inicial, recuperando informações sobre a história da criança, da família, a
história de intervenções na área de saúde, potenciais reforçadores e busca, junto aos
responsáveis, definir a queixa que irá orientar a seleção de procedimentos de tratamento.
A visão é idiográfica, em oposição à nomotética, tradiconalmente empregada em diferentes
áreas da psicologia. Compara-se o indivíduo com ele mesmo, não interessando o indivíduo
médio; medidas repetidas de um mesmo sujeito são obtidas em condições de linha de
base e de tratamento. A variabilidade, eventualmente encontrada não é descartada, é
identificada e analisada em termos funcionais e controlada (e.g., Watson & Gresham,
1997). Portanto, um instrumento central é a análise funcional, isto é, interessa a função de

150 Liércid Abreu V aicon tclos


um comportamento em um determinado contexto e não apenas a topografia. Identificam-
se relações sistemáticas da relação do comportamento e alterações no ambiente. Portanto,
o comportamento é definido por meio de suas relações. Considerando a contingência de
três termos, cada termo é definido relacionando-se um ao outro, o comportamento não é
definido isoladamente, ele depende dos outros termos envolvidos, isto ê, do estímulo
antecedente e do estímulo conseqüente (e.g., Todorov, 1991 ).
Cavalcante & Tourinho (1998) enfatizam a visão analítico-comportamental na
discussão de um sistema de classificação de categorias diagnósticas. O Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM é um sistema de classificação
pela síndrome, isto é, pelas queixas baseadas por exemplo em disposições, sentimentos,
lembranças e, sinais, os dados observados. Entretanto, a falta de apoio empírico para a
metodologia empregada na revisão do Manual, quando sintomas e rótulos foram
reagrupados, tem levado a questionamentos da validade do instrumento (Beutler,1998;
Cavalcante & Tourinho, 1998). A circularidade presente na classificação do DSM é um
outro problema, uma vez que as síndromes originaram do comportamento que pretendem
explicar (Cavalcante & Tourinho, 1998). A ênfase do DSM na topografia comportamental
contrasta com o interesse analítico-comportamental na identificação de relações de
contingência, na relação do organismo com variáveis externas, não havendo possibilidade
de utilização de procedimentos de avaliação e intervenção padronizados.
Um dos principais objetivos da utilização de categorias diagnósticas é facilitar a
tarefa do diagnóstico clínico. Entretanto, este objetivo não tem sido facilmente alcançado,
especialmente ao considerar o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. A
arbitrariedade empregada no corte entre crianças portadoras do transtorno e crianças
normais tem resultado em inúmeros problemas de diagnóstico. O zeitgeistda época, na
clínica infantil, é hiperatividade. Vários pais são encaminhados para a clínica psicológica
com o diagnóstico de hiperatividade para seus filhos. Os critérios, em geral, são intuitivos,
do senso comum ou, por outro lado, são produto de critérios clínicos inadequadamente
utilizados. O rótulo tem assustado pais que procuram tratamento para suas crianças.
Porém, a frustração não tarda a chegar quando eles recebem a informação de que não há
cura. Em muitos casos, as crianças rotuladas mostram que seus comportamentos de
agitação, inquietação, comportamentos agressivos, padrões de comportamento de
desorganização e o não seguimento de regras observados em casa e na escola são
produto das contingências a que é exposta em sua história de vida.
Para citar apenas uma variável importante a ser considerada - o excesso de
utilização de contingências aversivas na educação das crianças tem resultado em padrões
de comportamento agressivos. Uma alta freqüêcia de emissão do operante verbal mando
do tipo ordem também produz contra-controle, comportamentos agressivos que podem
resultar no não seguimento de nenhuma instrução por parte da criança. Um significativo
banco de dados sobre os efeitos imediatos e a longo prazo da utilização de punição pode
ser analisado a partir dos estudos de Sidman, o que resultou também na publicação de
seu livro Coerção e Suas Implicações (Sidman, 1995). Parece ser uma característica
mundial: educadores questionam a utilização de reforçadores positivos e temem seus
potenciais efeitos colaterais negativos. O reforço enfraquecerá a criança diante do mundo?
Objetos e vantagens não levarão a criança a valorizar somente isto? Por que reforçar a
criança por algo que ela deveria estar fazendo espontaneamente? O uso do reforço nâo se
constitui em uma chantagem emocional? Entretanto, não questionam os efeitos adversos

Sobre Comportamento e Cojjniçào 151


da punição empregada em larga escala em todo o mundo. Tais práticas educativas
desrespeitam os direitos da criança reconhecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente,
o que tem levado alguns palses da Europa, entre eles Suécia, Finlândia, Dinamarca e
Noruega à proibição legal de todos os tipos de punição corporal. Outros países europeus
e da América Central estão em processo de introdução destas reformas legais. Bater nos
filhos ó apoiado pela tradição e pela convicção de sua eficácia pedagógica (Azevedo &
Guerra, 2001). A pedagogia tradicional, com sua visão adultocêntrica, diz que crianças
devem ser vistas mas não ouvidas, e, autoritária, justifica a prática educativa de bater, a
eficácia de castigos corporais. No Brasil, 80% dos pais batem nos filhos quando eles são
pequenos (Zagury, 1996). O uso da punição rima com dor, com sentimentos colaterais
negativos e com um índice crescente de violência (Azevedo & Guerra, 2001).
Por outro lado, o modelo teórico do Transtorno de Déficit de Atenção-Hiperatividade
descarta como variável causal fatores ambientais. Estes fatores, no máximo, podem alterar
a intensidade dos sintomas apresentados. Entretanto, as variáveis ambientais passam a
ser o centro das intervenções, características da tarefa (e.g., restritiva, complexa), do
ambiente (e.g. não estimulante), da família (e.g., a alta freqüência de contingências aversivas
associadas à baixa freqüência de reforçamento positivo; a alta freqüência de mandos do
tipo ordem) e características das contingências de reforçamento (e.g., baixa densidade do
reforço). O treinamento de pais e professores envolve um processo voltado para a análise
funcional dos comportamentos emitidos pela criança e por outros membros da família.
A justificativa para o tratamento farmacológico tem partido de estruturas neurais
que seriam responsáveis pela desatenção ou hiperatividade/impulsividade da criança. Uma
outra justificativa, não internalista, pode ser retirada de uma área multidisciplinar, a
farmacologia comportamentai que beneficia-se dos princípios da Análise do Comportamento.
Inúmeros estudos mostram que os efeitos de uma droga sobre o comportamento podem
ser modificados por fatores não-farmacológicos. Por exemplo, os efeitos do etanol e da
anfetamina sobre o comportamento reforçado e punido são opostos. Observa-se, então, a
significativa contribuição de variáveis comportamentais e ambientais na ação das drogas
tais como a taxa de respostas, a história comportamentai anterior à aplicação de uma
droga e o contexto (Blackman & Pellon, 1993). Uma mesma droga pode ter efeitos opostos
em diferentes contingências. Os efeitos da droga mostram uma clara dependência da
taxa de respostas (Barrett, 1984). O princípio da dependência da taxa explica o paradoxal
efeito de redução do comportamento hiperativo provocado pela administração de agentes
psicofarmacológicos tais como estimulantes do sistema nervoso central.
Assim, a Terapia Analltico-Comportamental não utiliza um sistema de classificação
de categorias diagnósticas em suas intervenções. Para estes terapeutas, o caso do
Transtorno de Déficit de Atenção-Hiperatividade ilustra os riscos da utilização desses
instrumentos. Algumas perguntas podem ser formuladas a partir dessa abordagem: A
utilização da classificação por slndromes não estaria dificultando a análise de algumas
contingências presentes, em um determinado contexto, com variáveis que têm se repetido
entre famílias, escolas e culturas? A falta de limites na educação dos filhos, ou ainda, o
que é mais grave, a falta de participação das famílias na educação de seus filhos não seria
responsável por muitos problemas que têm se repetido na clinica comportamentai infantil?
A atribuição de um rótulo anunciado sem cura não seria um significativo determinante de
problemas na interação entre pais e filhos? A arbitrariedade envolvida no processo
diagnóstico do TDAH não seria suficiente para questionarmos a utilização do rótulo? A

152 Laércld A breu Vdíconcclo*


crítica, ainda presente, porém ultrapassada, de que a terapia comportamental trata apenas
os sintomas e não as causas e se presta ao tratamento de problemas mentais, não seria
um fator que estaria dificultando uma adequada comunicação entre profissionais de
diferentes áreas da saúde?
A Análise do Comportamento Aplicada pode ser utilizada no estudo dos níveis de
impulsividade e atividade geral envolvidos no diagnóstico de TDAH, segundo o modelo
internalista de Barkley (1998). O comportamento das crianças com TDAH, em termos
funcionais, relaciona-se a eventos ambientais mensuráveis tais como o tempo e a magnitude
do reforço, sugerindo a existência de um tipo de miopia temporal nestas crianças, na qual
o comportamento é mais controlado pelo momento presente. Tarefas operantes que
possibilitam a análise do autocontrole e da sensibilidade ao reforçamento poderiam se
tornar instrumentos valiosos na avaliação dos comportamentos destas crianças. Assim, o
TDAH poderia ser visto como um problema de desconto temporal, isto é, o enfraquecimento
dos efeitos das conseqüências devido ao seu atraso de apresentação (Critchfield & Kollíns,
2001).

Finalizando esta discussão, um paralelo pode ser traçado entre o TDAH e a


esquizofrenia, na qual alguns questionamentos também sâo feitos. Bellack (1986) apresenta
em um excelente artigo alguns pontos para reflexão. A esquizofrenia é o problema de
saúde número 1 dos Estados Unidos: pela severidade do transtorno e pela extensão da
população afetada, estima-se estar em torno de 2.000.000. É difícil apoiar o argumento de
que a esquizofrenia seja exclusivamente uma doença com bases biológicas. 90% das
crianças de pais esquizofrênicos não desenvolveram o transtorno, o que sugere a presença
de fatores ambientais a serem considerados. Trata-se de um transtorno crônico, sem
cura, no qual os indivíduos herdam a predisposição para desenvolver a doença, que se
desencadeia em contextos de alto nível de estresse. Os medicamentos não ensinam
novas habilidades aos indivíduos, essenciais para sua independência no dia-a-dia e para
diminuir o alto risco de reincidência entre esta população. Como resultado, o isolamento
social e a dependência do sistema de saúde com repetidas internações têm mantido as
dificuldades desses indivíduos em um sistema de saúde mental inefetivo. Como no caso
da esquizofrenia, o TDAH também não tem utilizado instrumentos oferecidos pela terapia
analítico-comportamental. O mais comum, especialmente no caso do TDAH, é a utilização
de modelos cognitivo-comportamentais como parte da terapia a ser implementada. Mais
uma vez nos perguntamos: o que está acontecendo para levar a essa falta de interação
com os profissionais da abordagem analítico-comportamental? Se os procedimentos de
atuação clínica têm se mostrado produtivos para a inserção dos clientes na sociedade,
favorecendo a emissão de comportamentos adaptativos que garantem sua produtividade e
felicidade, por que não têm sido empregados?

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154 Liérvid Abreu Vdiconeclo*


Capítulo 16
A buso Sexual Infantil

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


Universidade f ederal de São Carlos

0 abuso sexual de crianças ó um problema internacional A d#finiçào de abuso sexual infantil prevista em nosso código penal
é examinada e contrastada com a definição da legislação norte-americana. Em seguida, sâo analisados os ‘ efeitos* do abuso
sexual infantil - tanto imediatos quanto a longo pra/o. Variáveis descritas por pesquisadores como amenl/ante» do impacto
do abuso sexual Infantil sflo avaliadas, como, por exempio: um agressor versus múltiplos, a frequência e duração do abuso,
o relacionamento com o agressor, a intensidade da violência empregada, o grau do apoio recebido pela família, dentre outros
Um caso atendido no “Programa de Intervenção a Vitimas de Violência" desenvolvido pela autora na Delegacia de Defesa
da Mulher e no Conselho Tutelar ê apresentado Dentre as sugestões de auxilio à intervenção com tal população, sâo
mencionadas: a Importância da denúncia, cuidados éticos na avaliação, a Importância do apoio á família, necessidade de
assessoria à escola da criança, importância do trabalho interdisciplinar com especial atenção ao médico perito e ao advogado
da criança, o acompanhamento da criança ao tribunal e seu preparo para o depoimento, e técnicas terapêuticas como as
descritas por Foa, dentre outros pesquisadores

Palavras-chave abuso sexual, violência, intervenção clinica

Child soxual abuse is an international problem The definition of child sexual abuse from our criminal code Is examined and
contrasted to the North-Amerlcan legislation An analysis of the "effects’of child sexual abuse follows, in terms of short and
long term effects Variables described by researchers as atenuatmg the impact of child sexual abuse are evaluated, such as;
ono abuser versus several, the frequency and duration of the abusive act, relationship with the aggressor, the Intensity of
the violent act, the degree of support received by the family, among others. A study case seen by the author at the “Victims
of Violence Intervention Program" at the Women's Police Station and the Child Protection Service Agency Is presented.
Among suggested intervention variables that are helpful with this population are: the importance of reporting cases of abuse,
ethical issues In assessment, the importance of family support, the need to consult with the child's school, the Importance
of a multidisciplinary approach (especially in regards to physicians and lawyers), Court and witnessing preparation, and
therapeutic techniques, such as the ones suggested by Foa, among other researchers.

Key-worda sexual abuse, violence, clinical intervention

Dos tipos de violência praticada contra o ser humano, a violência sexual é o delito
menos denunciado em nossa sociedade. Dentre as várias razões para isto, basta citar as
principais: a sexualidade humana ainda é considerada um tabu em pleno sóculo XXI, e
quando a integridade física e sexual da pessoa ó ferida de modo violento, a vítima é
freqüentemente estigmatizada, passando a apresentar sentimentos de culpa ou vergonha,
que são mais compatíveis com o isolamento social. Soma-se a isto, o medo que a vítima
sente por temer represálias do agressor que freqüentemente faz ameaças, dificultando a
denúncia. Finalmente, quando o agressor faz parte da família há, por vezes, o temor pela

Sobre L'omportdmrnto c Cognição 155


vitima de que ele seja afastado da mesma quando denunciado, fato que acarreta em várias
implicações de ordem emocional e econômica.
Sas e Cunningham (1995), dois pesquisadores canadenses, apresentam um
modelo hipotético para o universo de casos de abuso sexual que não ó denunciado. Segundo
os autores, de 100% dos casos de crianças sexualmente abusadas (número desconhecido),
uma porcentagem menor (número também desconhecido) contaria o fato para um membro
da família, que por sua vez náo denuncia á polícia. Os autores hipotetizam que 50% dos
casos seriam denunciados à polícia, alegando, entretanto, que esta estimativa ó baseada
na taxa de denúncia relatada por vitimas em surveys, chamando a atenção que tal dado
pode estar superestimado. Dos casos denunciados, 30 % são arquivados por ausência de
provas, 15% recebem uma condenação, 10% entram em recurso e, finalmente, apenas
6% recebem uma condenação que leva ao encarceramento. Dada a morosidade de nosso
sistema judiciário, a desigualdade de nossa sociedade, que dificulta o acesso a bons
advogados para nossa população excluída, e a história recente de democratização do
Brasil com reflexos tardios na luta por direitos humanos ó de se esperar que a porcentagem
final de agressores condenados seja menor do que a do Canadá, talvez entre 3-1 %.

Alguns dados epidemiológícos


Meichenbaum (1994) alerta para o fato de que há que se ter cautela ao se analisar
dados epidemiológícos de qualquer área, mas em especial quanto ao abuso sexual infantil,
pois muitas vezes a informação foi coletada em condições metodológicas diversas. Mesmo
levando isto em conta, o autor enfatiza a enorme prevalência do fenômeno no mundo.
Quanto a este respeito, Finkelhom (1994) reviu dados epidemiológícos relativos à prevalência
de abuso sexual infantil em vinte países, encontrando resultados comparáveis aos dos
Estados Unidos, afetando:
"7% a 36% das mulheres e 3% a 29% dos homens. A maioria dos ostudos
constatou que as mulheres sofmram abuso em uma taxa de 1,5 a 3 vezes supe­
rior ao homem... Os resultados claramente confirmam o abuso sexual infantil
como sendo um problema internacional(p.409)
Ainda não há dados epidemiológícos globais sobre a prevalência do abuso sexual
infantil para a realidade brasileira (Saffioti, 1996), No caso específico do incesto, Azevedo
e Guerra (1988), em sua análise de 309.313 Boletins de Ocorrência, laudos do Instituto
Médico Legal,*processos da Vara do Menor e prontuários da Febem na cidade de São
Paulo, entre os anos de 1982 a 1984, encontraram 168 casos de crianças e adolescentes
vítimas de agressão sexual intrafamiliar (0,05 %), sendo que apenas 6% dos casos eram
relativos a meninos. Em contraste, Cohen (1997) aplicou um questionário em 1104 vítimas
de violência sexual que apareceram no Instituto Médico-Legal da cidade de São Paulo,
encontrando 249 pessoas (22,55%) que foram vítimas de agressão sexual por parte de
algum parente. O autor explica a discrepância de dados com o trabalho de Azevedo e
Guerra (1987) devido a razões metodológicas, já que a análise de prontuários gera dados
mais restritos do que o questionário á vítima.
Um dado curioso é que enquanto nos Estados Unidos o padrasto é mais
freqüentemente identificado como agressor das meninas (Meichenbaum, 1994), no Brasil,
o pai biológico é o grande vilão (Saffioti, 1997).

156 I úcl .1 CdVdkdnti «Ir A lb u iju rrg u c W illiam s


0 que diz a legislação
No Brasil, tanto a Constituição Federal, quanto o Código Penal e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) dispõem sobre a proteção da criança e do adolescente
contra qualquer forma de abuso sexual e determinam as penalidades para os que praticam
a agressão e para aqueles que se omitem de denunciar (ABRAPIA, 1997).
O ART. 27 par 4o. da Constituição diz que: “a lei punirá severamente o abuso, a
violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (Leal e César, 1998, pág.
68). É interessante notar que o Código Penal restringe o estupro apenas à mulher (ou à
menina), definindo-o por: "constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça" (ABRAPIA, 1997, pág. 18). Quando não há “conjunção carnal" (ou trata-se
de criança do sexo masculino), o delito ó denominado atentado violento ao pudor que
significa:
"constranger alguém, mediante violência ou gravo ameaça, a praticar ou permitir
que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnaí'’ (pág. 18).
Cabe mencionar, ainda, que, em se tratando de crianças menores de 14 anos ou
indivíduos portadores de deficiência mental, não é preciso haver violência para o ato ser
considerado criminoso, considerando-se a violência como sendo presumida. Sendo assim,
a lei protege o caso, infelizmente freqüente, em que o agressor culpa a criança pelo o
ocorrido, dizendo que “foi ela quem me provocou".
Entre os 14 e os 18 anos, a questão ó complicada e, por vezes, nebulosa, devido
ao que os advogados chamam de "liberalização dos costumes" ou a "velha" revolução
sexual que faz com que o jovem pratique sexo cada vez mais cedo. Neste sentido, a lei
canadense é mais precisa e operacionaliza a questão da faixa etária: qualquer ato de
natureza sexual com uma criança menor do que 12 anos é considerado um delito, mas
não é considerado um delito se a criança tiver mais do que 12 anos, houver consentimento
e o "agressor" tiver apenas três anos a mais do que a "vitima" (Wells, 1990). Ou seja, sexo
entre adolescentes é permitido, desde que haja consentimento e não houver uma diferença
de idade grande entre o casal. Sexo entre o adolescente e um adulto é permitido se
ambos forem casados.
A questão da idade é de suma importância - já ouvi psicólogos no Brasil tentando
minimizar a questão em debates públicos, afirmando que “minha avó casou-se com 12
anos e isto não era um problema na época". Não se trata de puritanismo, ou tampouco de
se defender os costumes do século passado, e sim uma questão de desequilíbrio de
relações de poder (adulto x criança), que é inerente à própria definição de violência. (Ver
Chaul, 1984, Sinclair, 1985, Sidman, 1989).
Finalmente, a legislação brasileira (ECA) prevê multa de três a vinte salários (aplicando-
se o dobro em casos de reincidência) nos casos em que o médico, professor ou responsável
por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, é
omisso de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo
suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente (ABRAPIA, 1997).
Como muito na realidade brasileira, tal lei não é cumprida, sendo que o professor dificilmente
a conhece em profundidade suficiente (Brino, 2002) e o psicólogo, muitas vezes, interpreta
que precisa manter sigilo profissional a qualquer custo (Psi, Jomalde Psicologia, 2002).

e
Sobre t omporldmrnlo Co»jmçilo 157
O impacto do abuso sexual infantil a curto e a longo prazo
Antes de examinarmos os sintomas listados pela literatura como estando
associados ao abuso sexual, cabe relembrar o alerta de Follette (1994) de que a
"natureza correlacionai de quase toda a literatura até hoje não permite a inferência
de uma relação direta causal entre abuso sexual e problemas psicológicos a
longo prazo" (pág. 256).
Em decorrência, a autora prefere a expressão fator de risco em vez de efeito.
Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor, 1993, fizeram uma revisão de 45 estudos,
concluindo que as crianças vítimas de abuso sexual apresentavam mais sintomas problemáticos
do que as crianças não abusadas sexualmente. Dentre os sintomas imediatos (a curto prazo)
apresentados, encontra-se o comportamento sexualizado, que ó o mais estudado e, embora
ele não seja exclusivo de crianças vítimas de abuso sexual infantil, continua sendo o que
melhor discrimina entre crianças que tenham sofrido abuso ou não. Nesta categoria encontram-
se as brincadeiras sexualizadas com bonecos, a colocação de objetos no ânus ou na vagina,
a masturbação excessiva em público, o comportamento sedutor, a solicitação de estimulação
sexual e o conhecimento sobre sexo inapropriado à idade.
Demais sintomas encontrados na literatura são: ansiedade (manifestando-se em
medos e pesadelos), depressão, comportamento de isolar-se, queixas somáticas,
agressão, problemas escolares, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, comportamentos
regressivos (enurese, encoprese, birras, choros), fuga de casa, comportamento autolesivos
e ideação suicida.
Convém lembrar, entretanto, como menciona Meichenbaum (1994), que uma
porcentagem considerável (20 a 50%) de vítimas não apresenta sintomas após o abuso
sexual, sendo que o mesmo autor menciona Harvey e Herman (1992), que enfatizam que
não há um perfil sintomático para as vitimas de incesto.

O impacto a longo prazo


Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor (1993) afirmam que a existência de estudos
longitudinais têm contribuído para o desenvolvimento da área. Os revisores afirmam que, no
geral, observa-se a tendência de os sintomas desaparecerem com o passar do tempo (12 a
18 meses após o incidente abusivo). Entretanto, há uma parcela considerável de casos
(entre 10 a 24% destes) de crianças cuja sintomatologia piora. Os sintomas mais mencionados
foram, segundo 0 ’Donahue, Fanetti e Elliott, (1998): depressão (mais freqüentemente citado),
ansiedade, perturbação no sono, re-vitimização, problemas com relacionamento sexual,
prostituição, promiscuidade, abuso de substâncias, tentativas de suicídio, ideação suicida e
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (o último caracterizando-se, principalmente, por
flashbacks ou sonhos freqüentes e obsessivos com a situação do abuso).
Follette (1994) discorre sobre a questão da re-vitimização, analisando que o
fenômeno ocorre em virtude da alteração traumática do repertório comportamental na infância
que aumenta a vulnerabilidade do cliente para outras experiências punitivas, além de impedir
o acesso a novos reforçadores.

158 l.úcid Cavalcanti dc Albuquerque W illiam s


Além dos sintomas mencionados, Meichenbaum (1994), em sua revisão,
acrescenta os dados de Herman, 1993, afirmando que o abuso sexual infantil ó um fator
de risco para distúrbios psiquiátricos, sendo que há uma desproporção de pacientes
psiquiátricos (cerca de 40 a 70%) que sofreram abuso sexual infantil.
Meichenbaum menciona, ainda, os estudos indicativos de que o abuso sexual
infantil ó um fator de risco para o desenvolvimento de personalidade borderina, que o DSM-
IV define como sendo uma "disrupção nas funções geralmente integradas de consciência,
memória, identidade, ou percepção do ambiente” (Associação de Psiquiatria Americana,
1994, pág. 477). Para Follette (1994), o paradigma comportamental explicaria tal fenômeno
como tendo sido motivado pela fuga e esquiva de pensamentos, memórias e sensações
associadas com a experiência altamente aversiva do abuso.
Meichenbaum (1994) refere-se, adicionalm ente, ao fenôm eno da
multigeracionalidade (o fato de a criança abusada ontem se tomar o pai abusivo de amanhã),
mencionando os dados de Kaufman e Zigler (1987) que estimam ser a taxa de transmissão
intergerações de comportamento incestuoso de 30%.
Finalmente, Meichenbaum cita o estudo de Cameron (1994), comparando mulheres
que haviam sido vítimas de abuso sexual infantil e veteranos da Guerra do Vietnam, ambos
com Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A autora do estudo comenta que as mulheres
eram mais jovens na época do trauma do que os veteranos, o abuso demorou mais e,
portanto, teve mais chance de ser "reprimido", a terapia teve início mais tardiamente,
exigindo, conseqüentemente, mais tempo de intervenção.

Variáveis que amenizam ou agravam o impacto do abuso


Segue-se uma tentativa de resumir o que a literatura (Meichenbaum, 1994,
Deblinger e Heflin, 1994, Follette, 1994, 0 ’Donohue, Fanetti e Elliott, 1998) aponta em
termos de variáveis que influenciam o prognóstico dos casos de abuso sexual infantil.
Em primeiro lugar, deve-se relevar a proximidade do agressor em relação á vítima,
sendo que casos incestuosos são mais graves do que os casos em que o agressor é
alheio à família. Em seguida, deve-se avaliar o número de agressores, a intensidade da
violência empregada (quanto maior, pior o prognóstico), a topografia do ato sexual em si
(havendo penetração oral, vaginal ou anal os resultados são mais graves do que sem
penetração), a duração do abuso (quanto mais longo, maiores as dificuldades), a freqüência
do mesmo e, finalmente, o apoio familiar dado á vítima pelo membro não agressor (mais
comumente, a mãe da criança).
Quanto à reação materna, Deblinger e Heflin, 1994 mencionam que a literatura
clínica está repleta de exemplos de mães (não agressoras) que se isentam da
responsabilidade (ver por exemplo, relato de Peres, 1999). Entretanto, os autores afirmam
que investigações empíricas recentes do papel e impacto do incesto em mães refutam
tais noções. Na verdade, os dados sugerem que ao invés de compactuar com o agressor,
a maioria das mães parece acreditar e apoiar seus filhos vitimizados. De qualquer maneira,
este parece ser um assunto polêmico e não suficientemente estudado.
De modo geral, pode-se pensar no abuso sexual infantil como um estressor
generalizado e, sendo assim, a criança desenvolve problemas em áreas em que tenha

Sobrr Comportamento c Cognição 159


maior vulnerabilidade. Os casos assintomáticos descritos pela literatura parecem se referir
a indivíduos com capacidade de resiliôncia exemplar, que apresentam técnicas de
enfrentamento adequadas, por exemplo, interpretando o abuso como um problema provocado
pelo agressor e não por si próprio. Seria o caso de um abuso que tenha ocorrido em um
período de tempo menor, sem o emprego de violência grave, e tampouco sem penetração,
onde o agressor não era uma figura paterna, sendo que a criança revelou prontamente o
ocorrido e recebeu apoio de uma mãe positiva e encorajadora.

Aspectos importantes na intervenção com vitimas de abuso sexual infantil


Os estudos clínicos sistemáticos com crianças abusadas sexualmente são
recentes. Farrell, Hains e Davies (1998) conseguiram bons resultados com crianças que
apresentavam sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, utilizando técnicas
de treino de relaxamento, autoverbalizações positivas e reestruturação cognitiva. O material
existente com mulheres que foram vítimas de estupro é bem mais farto. Cabe mencionar
o trabalho de Foa e Rothbaum (1998) que utiliza exposição in vivo, exposição imaginária,
reestruturação cognitiva, parada de pensamento, treino de relaxamento, role píay e
modelagem encoberta, e o de Mary Harvey, na Universidade de Harvard, desenvolvendo
instrumentos para medir a resiliôncia da vitima (Harvey, 1996). A técnica de exposição é
considerada uma técnica chave para se lidar com a esquiva emocional, caracterizada pela
resistência em experienciar eventos encobertos desagradáveis, tais como os pensamentos
e sensações associados ao abuso.
Estudos sobre a avaliação da criança sexualmente abusada são mais freqüentes
(0 ’Donohue e Elliott, 1991, White e Edelstein, 1991, Vogeltanz e Drabman, 1995). A
grande preocupação é com o cuidado que precisa ser tomado para se evitar contaminação
dos dados fornecidos pela criança, de forma a não influenciá-la. Neste sentido, em vezde
se fazer perguntas específicas que acabariam sendo tendenciosas (por exemplo, perguntas
como “o seu padrasto entrou no banheiro enquanto você tomava banho?" deverão ser
substituídas por questões genéricas, como "explica isto melhor para que eu possa entender"
ou "o que aconteceu em seguida?"). A questão que se coloca não é mais se a criança é
capaz de mentir ou não (sabemos que sim), mas de como minimizar o fato de que ela seja
influenciada pelo entrevistador.
Uma nova área de pesquisa que desponta diz respeito ao preparo da criança para
dar seu depoimento no Fórum Criminal, no decorrer do processo. Em nosso trabalho de
intervenção (supervisão de estágio) com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual,
atendidos na Delegacia da Mulher de São Carlos ou no Conselho Tutelar (Williams, 2001),
o acompanhamento do estagiário ao Fórum para dar apoio ao cliente é um dos
procedimentos empregados, sempre que o cliente o quiser. Além disto, há o próprio preparo
para o depoimento da criança ou do adolescente, envolvendo técnicas de relaxamento e
role play. (Ver Goodman, 1984 para uma visão histórica do emprego de crianças como
testemunhas em tribunais).
Como em qualquer esforço de intervenção na área da violência, o trabalho é
enriquecido se os esforços forem de natureza multidisciplinar. Assim sendo, o ideal consiste
em contar com advogados, professores e médicos instruídos e capacitados sobre a
problemática do abuso sexual infantil. (Ver Mian, Rouget, Crisci e Hatton, 1992 para um
detalhamento do papel do pediatra na identificação de abuso sexual infantil).

160 l.úcld Cavalcanti d f Albuquerque W illiam s


Quanto ao professor, percebemos em nossa experiência uma falta de sintonia da
escola para enfrentar a questão do abuso sexual infantil. O tema é ainda considerado um
tabu por vários professores-que por despreparo - ora fazem vista grossa, minimizando-
o ou pior, acabam fazendo comentários preconceituosos que culpam a vitima. Foram
estas dificuldades enfrentadas pela escola ao lidar com o abuso sexual que levaram Rachel
Brino a desenvolver um programa de capacitação de professores nesta área, em sua
dissertação de mestrado (Brino, 2002, Brino e Williams, 2001).
Em nossa atuação clínica com crianças vitimas de abuso sexual, percebemos
que às vezes as mães (e o pai quando este não ó o agressor) precisam de mais ajuda
terapêutica para enfrentar o sofrimento acarretado pelo abuso, do que a própria criança. O
apoio à família, precisa, portanto, ser parte integral da intervenção.
Não há como minimizar a importância da denúncia como mola propulsora para
diminuir a incidência deste tipo de delito. Courtois e Sprei (1988) informam que metade
das vítimas de incesto fez uma tentativa de auto-revelação que foi mal recebida, gerando
comentários como “você está imaginando coisas" ou “ele jamais faria isto". Os cuidados
éticos do profissional que recebe uma denúncia de abuso sexual infantil devem priorizar o
bem-estar e a segurança da criança, o que via de regra significa praticar o que reza o
Estatuto da Criança e do Adolescente, denunciando o abuso ao Conselho Tutelar Municipal.
Por fim, como o trabalho com vítimas de violência ó árduo, é preciso manter o
moral da equipe de forma que cada membro conheça o seu próprio limite. A equipe tem
que dar e receber supervisão, de forma a ser um grupo de apoio mútuo para facilitar seu
bem estar enquanto terapeutas.

Um breve estudo de caso

Desde 1998, quando nosso projeto de intervenção a vítimas de violência teve


início, atendemos cerca de 400 pessoas. O caso a seguir ó relativamente simples mas
nos marcou por ser o primeiro atendimento de abuso sexual infantil. O trabalho foi
desenvolvido na sala de psicologia da Delegacia da Mulher, equipada com móveis para
atendimento de adultos e crianças.
Sueli, 26 anos, empregada doméstica, mãe de Lucas (nomes fictícios), procurou
o serviço de psicòterapia, após prestar queixa na Delegacia de que seu filho de 6 anos
havia sofrido atentado violento ao pudor. Lucas passou a evacuar na calça e quando sua
avó materna resolveu examiná-lo, notou feridas na região anal. Ao ser questionado, Lucas
que havia ficado em silêncio até então, informou que dois meninos da vizinhança (14 e 10
anos) haviam tido relação sexual anal de modo forçado com ele. A avó levou Lucas ao
módico que constatou violência sexual e chamou a polícia. Lucas passou a ficar calado e
triste após o incidente. Tinha medo de brincar fora de casa e pensava, com freqüência, no
episódio violento.
A intervenção com Lucas envolveu 11 sessões, sendo que a primeira sessão foi
compreendida por uma avaliação inicial em que dois instrumentos de uso interno foram
utilizados (Entrevista com Crianças Vítimas de Violência, Teste de Completar Sentenças).

Sobre Comportamento e Cogniçdt) 161


O trabalho foi voltado para ajudar Lucas a compreender o que tinha acontecido,
ajudando-o a expressar seus sentimentos e pensamentos de forma a melhorar seu estado
emocional. A intervenção envolveu a utilização de desenhos, leituras de livros infantis,
montagem de quebra-cabeça, brinquedos, pintura, jogos (dominó) e massa de modelagem.
As atividades eram intercaladas por conversas sobre o episódio de abuso (Lucas nunca
teve dificuldades de falar a respeito), sobre seu relacionamento com a família, e resolução
de problemas sobre questões de sua rotina diária.
Com o passar das sessões, Lucas passou a se apresentar de modo alegre e
brincalhão, verbalizando que pensava cada vez menos no abuso sexual. Notou-se que ele
parecia motivado a comparecer à terapia, estabelecendo um forte vínculo com a estagiária.
Para que o término da psicoterapia não se tornasse aversivo, planejou-se substituí-la por
uma atividade prazerosa. A atividade escolhida por Lucas foi um curso de capoeira.
Paralelamente, Sueli recebeu atendimento individual com outro estagiário, no
decorrer da intervenção com Lucas. Mostrava-se muito deprimida no início: desde o incidente
não mais se alimentava de modo apropriado, chorava muito, havia deixado de freqüentar o
curso Supletivo noturno, não mais saía de casa (tirara uns dias de folga no serviço), temia
pelo futuro do filho e verbalizava que o abuso de Lucas era o fato mais triste que havia
acontecido em sua vida. Sueli havia se separado do pai de Lucas, mas este visitava o filho
com regularidade, e ela e o ex-marido tinham um relacionamento cordial. Após o episódio,
Sueli passou a culpar-se pelo acontecido: se eu não tivesse me separado, talvez não
precisaria trabalhar tanto, ficaria em casa, poderia supervisionar meu filho melhor e ele
não teria sofrido o abuso.
A intervenção com Sueli envolveu, inicialmente, análise de verbalizações que
desencadeavam culpa, solução de problemas, técnicas de relaxamento e enfrentamento
da depressão por meio de saídas de casa e passeios. (Em decorrência, Sueli foi ao
cinema pela primeira vez, indo assistir ao filme Titanic). À medida que Sueli melhorava,
Lucas passou a apresentar comportamentos de birra em casa, e Sueli passou a ser
orientada.em relação a técnicas disciplinares e atenção e manejo de comportamento.
Sueli morava em uma edícula no fundo do quintal da casa de seus pais e relatava muitos
conflitos na família. Em decorrência, foram conduzidas, também, duas sessões com
membros de sua família: uma sessão com a avó de Lucas e outra com o tio. Sueli voltou
a estudar e trabalhar, sendo que no final da intervenção, foi avaliada favoravelmente.

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Editores Associados.

164 Lúcia Cavalcanti dc Albuquerque W illid im


Capítulo 17
Transtorno O bsessivo-Com pulsivo (TOC):
principais características, histórico,
prevalência, comorbidade e tratamento
Miikihm Nunes fíaptista*
Rosana Righetto Pias **
Sandra lea l Calais***

0 presHnta artigo abordo as principais características, bem como descreve um brave histórico, prevalência, comortoldadas
mais freqüentes e os principais tratamentos do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. O TOC pode ser considerado como
sendo um transtorno quo envolve grande sofrimento e possui características particulares comparado aos outros transtornos
de ansiedade, como por oxemplo, a natureza bizarra e mAglca dos pensamentos. Historicamente, o TOC vem tendo melhor
o8tudado nas ultimas décadas e j(k foi considerado um problema relacionado a influências demoníacas nos seus portadores.
A prevalência de portadores de TOC, através dos principais estudos epidemiológicos, varia entre 1 e 3% da populaçAo
mundial, provavelmente pelo maior conhecimento que se tem do problema nos dias atuais, alêm da maior especificidade dos
instrumentos de diagnóstico. As principais comorbidades observadas em pacientes com TOC sAo a sintomatologia de
depressão, outros transtornos de ansiedade, transtornos de personalidade evltativo e fôblco, síndroma do Tourrete, dentre
outroH Os principais e mais eficazes tratamentos do TOC foram desenvolvidos na abordagem comportamental, no entanto,
modelos e tócnlcas relacionadas A abordagem Cognitivas e Cognitivn-Comportamental vêm sendo estudados e desenvol­
vidos no Intuito de ampliar a gama de tratamentos psicoterápicos nos pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Palavras-chava: Transtorno Obsessivo-Compulsivo; Tratamento, Psicotorapia Cognitlva-Comportamental

This paper Is about some characteristic, history, prevalence, frequent comorbiditiy arid principal treatment in Obsessivo-
Compulsive Disorders (OCD) Patients with OCD foaling great suffer and this disorder has soma differences comparing with
the others anxious disorders , like bizarre and magic thoughts. In last decades OCD have been studied better, but In the past
OCD patients weru considered like had demoniac influences. Principals epidemiological studies shows that OCD prevalence
vary since 1% until 3% of population probably because new methods of diagnostic and the researchers and clinics has more
information about this problem. Principals OCD comorbidity are depression, other anxiety disturbs, personality disturbs like
avoid and fobic and Tourret. Behavior therapy is the most efficacy treatment in OCD patients, but Cognitive and Cognitive-
Behavlor Therapies are1)oon studying to give more treatment options to this problem.

Key word«: Obssesive-Compulslve Disorders; Treatment; Cogmtlve-Behavior Psychotherapy

Transtorno Obsessivo-Compulsivo: algumas características


O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) pode ser caracterizado pela presença
de obsessões (pensamentos, imagens intrusivos) e compulsões (comportamentos ou atos

* Doutor em Ciências pelo Departamento da Pncotogw Médica • Psiquiatria da Univcwsidade Federal de SAo Paulo -UNIFP8P (Esoola Paulista de
Medicina), Docente das Universidade* Bra/ Cuba/ e Cenlro UniversitArlo Hermlnio Ometlo de Araras
"Doutoranda pela Universidade de Campinas (UNICAMP), Docente do Centro Universitário Hermlnio Ometto de Araras
*** Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CampInas) e docente da Universidade f.stadual Paulista MúUo d*
Mesquita Filho" UNESP Bauru

Sobrr Comportdmrnlo c Co^nicAo 165


mentais encobertos), sendo que estas últimas possuem o objetivo de neutralizar as
obsessões ou diminuir a ansiedade ou desconforto gerado por elas. Geralmente as
compulsões sáo realizadas de maneira estereotipada ou baseada em regras idiossincráticas
(Salkovskis e Kirk, 1989).
Yaryura-Tobias (1992) define o TOC como: "a presença, forçada e inoportuna, em
uma mente dominada pela dúvida, de pensamentos parasitas que não podem ser repelidos,
e de fortes urgências ideatórias ou motoras que, contra a vontade do paciente, precisam
ser satisfeitas através de gestos ou atos repetitivos que preenchem o componente emocional
e intelectual daquelas urgências" (pag. 28 S ).
Uma outra característica importante do TOC se refere ao comportamento de
evitaçáo ou esquiva de lugares ou situações que possam aumentar a probabilidade de
ocorrência de ansiedade ou desconforto.
Dentre os transtornos de ansiedade, como é classificado no DSM-IV (APA, 1995),
o TOC apresenta algumas características que revelam uma posição diferenciada,
principalmente devido à natureza bizarra e mágica dos pensamentos, em que o pensar e
a possibilidade de acontecer são considerados semelhantes pelos sujeitos com este
transtorno. Uma segunda característica do TOC é o prejuízo do limite entre o mundo real
e a realização dos pensamentos (Tallis, 1994), em que o indivíduo acredita que seus
pensamentos são sinônimos dos acontecimentos provenientes destes, chamado também
de fusão entre o pensamento e a ação.
Outros sintomas secundários também podem ser observados em pacientes com
TOC, principalmente em relação a sintomas de ansiedade e depressão, fobias associadas,
disfunção sexual e distúrbios de percepção. Além destes sintomas, outras características
devem ser averiguadas, quando no possível diagnóstico de TOC, principalmente mania,
distúrbio do apetite, automutilação, hipercinesia, hipocondria, raiva, hiperexcitabilidade,
convulsões, distúrbios motores e distonia vegetativa (Yaryura-Tobias, 1992).
Pelo menos cinco pontos principais podem ser considerados como importantes
na psicopatologia do TOC, sendo eles:
• imposição das idéias ou atos;
• questionamento dos atos (o paciente se cobra se realmente se comportou ou não);
• falta de sentido da obsessão (o que geralmente ocorre com a maioria dos pacientes);
• persistência da idéia ou ato;
• o fato do indivíduo reconhecer que as obsessões são provenientes dele próprio,
também na maioria dos casos (Goas, 1966 apud Cunha e Caetano, 1996b).

Um breve histórico do Transtorno Obsessivo-Compulsivo


O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) já foi qualificado como uma forma de
possessão demoníaca, um distúrbio de origem psicogênica e, mais recentemente, um
distúrbio de natureza orgânica (Cunha e Caetano, 1996a).
A Síndrome Obessiva-Compulsiva foi descrita por Esquirol em 1838, e considerada
na época uma doença intratável. Como a maioria dos problemas psiquiátricos de nossos

166 M d k ilim Nunes Kaptisla, Rosana Ritfliclto Dias e Sandra Leal Calais
tempos, o TOC já foi considerado, anteriormente ao século XIX, como obra do demônio ou
bruxaria, sendo que a partir do mesmo século os sintomas do TOC já começaram a
despertar um interesse científico e foram considerados como parte da depressão.
Posteriormente, o TOC passou a ser descrito como um transtorno com suas características
particulares (Salkovskis e Kirk, 1989).
Lady McBeth ô um exemplo de ficção de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, em
que havia a predominância da compulsão de lavagem. Dentre outros nomes na história,
que podem ser citados como exemplos de TOC, está também Charles Darwin, o pai da
Teoria da Evolução das Espécies (Rachman, 1994).
Anteriormente à década de 60, o tratamento e prognóstico para o TOC não eram
favoráveis, já que os medicamentos psiquiátricos da época não conseguiam resultados
concretos. Da mesma forma que os medicamentos, as técnicas psicoterápicas,
principalmente as baseadas em condicionamento, estavam em pleno desenvolvimento e
as primeiras tentativas de psicoterapia começavam a surgir timidamente, também sem
resultados generalizáveis. Um outro fator importante, que talvez resultasse em um mal
prognóstico e falta de tratamento adequado para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, diz
respeito à própria definição e compreensão do problema no passado, pois não havia estudos
suficientes para caracterizar de maneira adequada o distúrbio.
As duas primeiras versões do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM), nos anos de 1952 e 1968, continham definições breves e inespecíficas da então
conceituada Síndrome Obsessiva-Compulsiva. Somente a partir da terceira edição do DSM,
em 1980, é que o TOC foi melhor definido e especificado enquanto um Transtorno
Psiquiátrico (Riggs e Foa, 1993).
No entanto, o TOC pode ser considerado como um transtorno crônico e incapacitante,
nas suas formas mais sérias, além de ser considerado o quarto maior problema psiquiátrico
nos Estados Unidos, sendo precedido pelas fobias, depressões e abuso de substâncias
químicas (Hollander, 1997; Karno, Golding, Sorenson e Beuman e 1988).

Epidemiologia do TOC
Como citado anteriormente, a dificuldade em se diagnosticar o TOC possivelmente
proporcionou uma variação na prevalência deste transtorno ao longo dos tempos. Stoll,
Tohen e Baldesarini (1992) teorizam que o aumento nos diagnósticos de TOC se deu, não
pelo aumento real da prevalência, mas sim pela sensibilidade em diagnosticar o problema
e no interesse da comunidade científica sobre ele, através de publicações freqüentes nos
últimos anos.
Hoje em dia, sabe-se que a prevalência do Transtorno Obsessivo-Compulsivo
pode variar de 1 a 3% da população, além de proporcionar ao seu portador um acentuado
e progressivo sofrimento clínico, perturbação de tarefas cognitivas (concentração, leitura,
pensamento etc.) e diversos problemas nas áreas social, pessoal, afetiva, familiar e
profissional do indivíduo (APA, 1995; Karno e cols., 1988). Pode-se hipotetizar que mais
de 50 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem com este transtorno, fazendo do TOC
um problema de saúde global bastante sério (Sasson e cols., 1997). Hollander (1997),
citando alguns dados sobre os Estados Unidos, relata o quanto o TOC é dispendioso do
ponto de vista da saúde pública, sugerindo que aproximadamente 8.4 bilhões de dólares
são gastos por ano no tratamento de TOC.

Sobrr Comportamenlo c C'o#niç<lo 167


No Epidemiologic Catchment Area Program- ECA (Karno e cols., 1988), uma
avaliação epidemiológica de grandes proporções, entrevistou-se mais de 18000 pessoas
em cinco estados dos Estados Unidos e encontrou-se uma prevalência de TOC 40 a 60
vezes maior do que a subestimada por estudos anteriores, ou seja, os dados apontaram
de 2 a 3% da população. No entanto, Nelson e Rice (1997) atentam ao fato de que a
estabilidade temporal do instrumento utilizado nesta pesquisa (National Institute of Mental
Health Diagnostic Interview Schedule - DIS), apôs um ano, foi baixa, indicando que o
diagnóstico de TOC possuía validade limitada. Os autores ainda relatam que a prevalência
de TOC encontrada por este estudo epidemiológico pode ter apresentado um número
grande de casos falsos positivos.
Em um estudo denominado Cross National EpidemiologyofObsessive Compulsive
Disorder (Weissman e cols., 1994), utilizando as prevalências de pesquisas realizadas
em sete palses, encontraram-se prevalências diferenciadas para cada pais, também sendo
utilizado o DIS. Na Nova Zelândia e Coréia foram encontradas prevalências de 1.1/100,
enquanto que esta taxa foi de 1.8/100 em Porto Rico e 0.4/100 em Taiwan.
No Brasil, um estudo multicêntrico realizado com uma amostra de 6.476 sujeitos,
encontrou uma prevalência de 0,7% na cidade de Brasília; nenhum caso em São Paulo e
2,1 % em Porto Alegre (Almeida-Filho e cols., 1997). Diversos motivos podem ter enviesado
a prevalência baixa nas duas primeiras cidades, dentre eles: conhecimento escasso ou
treino inespeclfico dos pesquisadores em relação ao TOC, na primeira fase do estudo e
falta de sensibilidade do instrumento para detecção de sintomatologia de TOC. De qualquer
forma, os dados de Porto Alegre vêm corroborar as prevalências encontradas em estudos
internacionais.
Um estudo multicêntrico de morbidade neurológica e psiquiátrica em áreas urbanas
brasileiras, realizado no Sul do pais, demonstrou uma prevalência muito próxima aos
estudos internacionais, ou seja, 2,5% da amostra preencheu critérios para diagnóstico de
TOC (Busnelloecols., 1993).

Comorbidades
O termo comorbidade pode ser definido pela junção de duas palavras em latim,
sendo elas cum e morbus, em que a primeira significa correlação, e a segunda, estado
patológico ou doença. Assim sendo, segundo Petribú e Bastos (1997), a palavra
comorbidade deve ser expressa somente para descrever a coexistência de transtornos e
doenças, e nãô de sintomas. Para isto, os transtornos comórbidos devem compartilhar
prováveis etiologias, sintomatologias, ambos considerados transtornos mentais.
Porém, para Van Praag (1996), o termo comorbidade pode possuir diversos
significados, como por exemplo o sofrimento simultâneo por diversos transtornos discretos
ou um transtorno primário derivando transtornos secundários, ou ainda a combinação de
sintomatologias dos eixos 1 e 2 que podem ocorrer simultaneamente, dentre outras
explicações. Sendo assim, para a autora, o termo pode conter falta de clareza e acaba
sendo utilizado de maneira incorreta ou indefinida. É importante observar que os dois
problemas devem ocorrer imediatamente anterior, posterior ou seqüencial para serem
considerados comórbidos (Petribú e Bastos, 1997).
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo também está associado a diversos outros
transtornos, tais como: Transtorno Depressivo Maior, Transtorno Bipolar, outros Transtornos

168 M a k illm N u n r* Hdptistd, Rosana Righdto l>ia* r Sandra l.tal Calai»


de Ansiedade, Transtornos Alimentares e Transtornos da Personalidade, síndrome de
Tourette (APA, 1995; Perugi e cols., 1997; Bejerot, Ekseliuse Von Knorring, 1998), podendo
ser desencadeado ou agudizado por eventos da vida ou mudanças psicossociais, como:
casamento, desemprego, crises de meia idade, gravidez, divórcio, menopausa e outros
(Yaryura-Tobias, 1992). Outros problemas que podem estar diretamente relacionados com
o TOC são: tricotilomania, hipocondria, dismorfofobia, Tourette e jogo compulsivo (Jenike,
1994).
Diversos são os pesquisadores que estudaram mais especificamente as
comorbidades entre TOC e outros transtornos, como por exemplo Bejerot e cols. (1998),
que encontraram em uma amostra de 36 pacientes diagnosticados com TOC, 75% com
critérios para desordens de personalidade, sendo que mais de 50% deste total preencheram
critérios para mais que um transtorno. Dentre as desordens encontradas, predominaram
os transtornos de personalidade obsessivo-compulsivo; evitativo; dependente; paranóide e
narcisista. Provavelmente, a falta de certeza nas decisões, um dos sintomas do TOC,
pode explicar a alta prevalência dos transtornos evitativo e dependente. Os autores também
sugerem que o Transtorno Obsessivo-Compulsivo não relacionado a transtornos de
personalidade é um subgrupo muito pequeno, e que os transtornos de personalidade
coexistem na maioria dos casos clínicos.
Karno e cols. (1988) encontraram aproximadamente 30% dos indivíduos com
TOC que preenchiam os critérios para episódio depressivo maior. A depressão em
comorbidade com o TOC pode ser considerada importante, já que se pode supor que o
tratamento psicoterapêutico, bem como o medicamentoso, necessitam sofrer algumas
alterações. Karno e cols. (1988) citam que a maioria dos indivíduos diagnosticados com
TOC e Episódio Depressivo Maior desenvolviam, primeiramente, a sintomatologia do TOC
para depois experimentam a sintomatologia de depressão.
A presença da depressão severa com TOC dificulta o tratamento psicoterápico
comportamentai, interfere nas estratégias de enfrentamento, impedindo que o paciente
responda de forma adequada ao processo de habituação, além de aumentar a duração da
doença, de hospitalizações e tentativas de suicídio (Foa, 1979; Perugi e cols., 1997;
Freeston e Ladouceur, 1993). Além disso, é comum observar ruminações obsessivas nos
casos de depressão severa, principalmente em relação a situações desagradáveis, além
de esquiva. (Cunha e Caetano, 1996c).
Rachman (1997) propõe uma relação estreita entre depressão e obsessões, em
que as disforias poderiam funcionar como um disparador de pensamentos intrusivos. No
entanto, o mesmò autor é cuidadoso com esta colocação, já que este elo necessita de
maiores estudos e sua explicação não está bem concatenada. A premissa desta relação
é baseada no desencadeamento de um evento estressor que levaria a obsessões e
interpretações destas como significantes: daí a conseqüência seria a depressão, que
levaria a mais obsessões.
O mesmo autor propõe que a relação entre as obsessões e a depressão deve ser
melhor estudada, já que provavelmente esta relação seja mais complexa do que se possa
imaginar.
Até mesmo as avaliações e estratégias utilizadas pelo sujeito, quando este detecta
pensamentos intrusivos, podem ser modificadas pelo estado de humor, bem como por
outras variáveis também fundamentais, tais como o estresse provocado pelo pensamento
ou o fator situacional (Freeston e Ladouceur, 1993; Salkovskis, 1989).

Sobre Comportamento e Co^niçAo 169


Diversos são os estudos que relacionam sintomatologia depressiva com Transtomo
Obsessivo-Compulsivo. Dentre eles, Okasha, Rafaat, Mahallawy, Nahas e Dawla (1994)
pesquisaram 90 pacientes com TOC, em um Instituto de Psiquiatria do Cairo, e encontraram
35,5% dos pacientes com depressão, além de distúrbios de personalidade e outros
transtornos de ansiedade. Os mesmos autores atentam para a fenomenologia do TOC,
que pode ser diferente de acordo com a cultura e costumes sociais.
Van Oppen e Arntz (1994), citando um manuscrito de Arntz em 1992, no Segundo
Congresso Mundial de Terapia Cognitiva, em Toronto, mencionam algumas relações
existentes entre o TOC, a ansiedade e a depressão, relacionando com aspectos da
responsabilidade um dos principais pontos no TOC, sendo:
• “baixa auto-estima, culpa e depressão sâo definidas pela combinação da percepção
inflada da responsabilidade por um evento que pode ter ocorrido no passado e
agora ó catastrofizado;
- ressentimento ou rancor pode ser definido como uma baixa percepção de
responsabilidade pessoal (a responsabilidade é atribuída aos outros) sobre uma
catástrofe que tenha ocorrido com o sujeito;
- desordens de ansiedade e fobias são definidas pela expectativa de uma catástrofe
futura, mas o sujeito percebe pouca responsabilidade pelo evento, e
- TOC ó definido pela percepção de alta responsabilidade por uma catástrofe futura."
(pag. 81).

Porém, a relação entre os sintomas do TOC e os depressivos deve ser melhor


elucidada, principalmente porque os dois transtornos podem ter marcadores biológicos
semelhantes (Sasson e cols., 1997), além de que se podem observar casos de depressão
em que o paciente experiencia imagens intrusivas que, para o paciente, possuem um
aspecto obsessional (Bebbington, 1998).

Principais tipos de Tratamento para TOC


Não há dúvidas de que, atualmente, o tratamento do TOC deve seguir critérios
integrativos entre a farmacoterapia, a psicoterapia individual, o suporte à família e até
mesmo o acompanhamento terapêutico. É inegável a contribuição medicamentosa para
os pacientes com TOC, principalmente os bloqueadores da recaptação de serotonina, o
que significa, em média, 50% do sucesso terapêutico. O emprego da psicoterapia também
tem demonstrado um importante fator na recuperação deste transtorno, favorecendo a
utilização de menores doses de medicamento (e conseqüentemente menores efeitos
secundários ou colaterais) e a redução do risco de recaída (Yaryura-Tobias, 1992; Jenike,
1994; Hohagen e Berger, 1998).
Meyer (1966) relata que, no início da década de 60, pouco ou nenhum resultado
era alcançado pelos tratamentos da época. Foi quando a psicoterapia comportamental
começou a ganhar espaço na Psicologia, principalmente com os trabalhos de Wolpe.
Mais tarde, este trabalho daria fruto a uma das técnicas mais utilizadas nos casos de
fobias, ou seja, a dessensibilização sistemática, que também foi empregada nos casos
de compulsão (Wolpe, 1973).

170 M d k ilim Nunes Baplistd, Rosana Kighctto Dms e Stimird l.cal Calais
Já naquela ópoca, Meyer descreve dois casos tratados e relata o seguinte: “Não
pode ser fortemente sustentável, contudo, que a mera estadia em um hospital e o
relacionamento com um terapeuta possam trazer melhoras... parece improvável que a
remissão espontânea ocorra durante este período" (pg. 279).
As técnicas baseadas na terapia comportamental, até então mais estudadas e
aceitas no uso do TOC, podem ser consideradas como eficazes e bem documentadas; no
entanto, observa-se que, atualmente, os princípios e técnicas utilizados pelas abordagens
Cognitivo-comportamentais e/ou Cognitiva vem ganhando espaço e respeito no meio módico
e psicoterápico.
Problemas como falta de incidência de recaída bem documentada; desistência
ao aderir às técnicas comportamentais e procedimentos que envolvem algum sofrimento
são pontos importantes de serem compreendidos para o investimento em outras técnicas
e ou linhas teóricas que possam possibilitar uma maior gama de tratamentos para o
paciente com TOC (Salkovisks, 1992). O mesmo autor indica o desenvolvimento de técnicas
da Terapia Cognitiva como coadjuvante nos tratamentos comportamentais e também para
pacientes que não foram beneficiados pelas técnicas comportamentais.
Van Oppen e Arntz (1994) expõem algumas situações em que as técnicas
cognitivas podem ter valor, ou seja, pacientes que não melhoram com exposição e prevenção
de resposta; pacientes que desistem ou não conseguem se engajar em técnicas
comportamentais que envolvam estímulos aversivos e, por último, a Terapia Cognitiva pode
ser efetiva com pacientes que somente sejam obsessivos ou que apresentem depressão
em comorbidade.
Freston, Rhéaume e Ladouceur (1996) enfatizam a importância da abordagem
cognitiva no tratamento de TOC, principalmente em relação às formas que os pacientes
utilizam para avaliar os pensamentos intrusivos, pois desta maneira novas estratégias
podem ser sugeridas para cada tipo de esquema de avaliação.
Algumas técnicas cognitivas utilizadas em pacientes com TOC, além das técnicas-
padrão utilizadas na Terapia Cognitiva (Beck, Rush; Shaw e Emery, 1979; Ellis e Dryden,
1987; Dryden e Rentoul, 1991; Zarb, 1992) são relatadas nos artigos de Van Oppen e
Arntz (1994) e Freeston e cols. (1996), sendo que a maioria delas se baseia na forma
como o sujeito avalia seus pensamentos intrusivos e deriva suas conseqüências, além de
muita informação, biblioterapia e guidelines para o cliente.
RachmaPi (1997) defende que as técnicas comportamentais (como parada de
pensamento; controle de obsessões pelo uso de punição por elástico e outras) não são
eficazes, ou só são por algum tempo, pois a reincidência é alta nestes casos. Uma das
bases conceituais para tal afirmação focaliza que estas técnicas não abordam diretamente
o cerne do problema, ou seja, os erros de interpretação: no entanto, este tipo de argumento
é passível de diversas controvérsias entre clínicos e pesquisadores que utilizam a
abordagem comportamental, cognitivo-comportamental e cognitiva.
Em um artigo de revisão realizado por James e Blackburn (1995), os autores
citam que as técnicas cognitivas ainda não possuem estudos suficientes para serem
julgadas como de alta eficácia no auxílio do tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo,
principalmente porque ainda não foi observado um número suficiente de pesquisas
controladas (experimentais), as quais poderiam favorecer uma conclusão suportiva. No

Sobre Comportamento c Conniç3o 171


entanto, os mesmos autores relatam que diversos estudos estão contribuindo para a
maior aceitação e eficácia de algumas técnicas cognitivas no estudo deste transtorno.
O’Connor e Robillard (1995) levantam uma crítica à Terapia Cognitiva no tratamento
de TOC, referindo-se ao reforço que o terapeuta fornece às crenças disfuncionais ao trabalhar
diretamente com a cognição, e que a Terapia Cognitiva não seria adequada a determinados
tipos de TOC, porém os autores não especificam quais seriam estes tipos.
A Psicoterapia Cognitiva possui alguns objetivos importantes de serem descritos
em relação ao TOC, sendo que o objetivo principal seria o auxilio ao paciente para que
este possa considerar outras alternativas interpretativas (mais racionais) e, com isto,
minimizar as interpretações negativas sobre os pensamentos intrusivos, diminuindo ou
extingüindo também o processo de neutralização (Salkovskis, 1989). O foco da Psicoterapia
Cognitiva também deve estar na modificação das conseqüências dos pensamentos
intrusivos, ou seja, nos pensamentos automáticos negativos, bem como nas crenças que
possam decorrer deles (Salkovskis, 1985).
Da mesma forma, Van Oppen e Arntz (1994) relatam que os objetivos da Terapia
Cognitiva no TOC é, primeiramente, considerar os pensamentos intrusivos como um estímulo
e, a partir deles, identificar os pensamentos negativos resultantes. Após esta fase, o
psicoterapeuta deve trabalhar na mudança destes pensamentos automáticos negativos
para pensamentos mais racionais (adequados), através do diálogo Socrático (Beck, 1995).
É importante salientar, como afirmam Riggs e Foa (1993), que diversas técnicas
e estratégias, das abordagens comportamentais e cognitivas podem ser associadas, a.fim
de possibilitar uma gama de tratamentos eficazes para os diferentes tipos e variações no
Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

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174 Mtikilim Nunc* Bdplistd, Rown.i ki^hrtto l>iat t Sandr.i l.r.il C\il<iis
Capítulo 18
Psicologia do esporte no contexto escolar

Jotlo Vicente de Sousa Aiarça/


Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
UniCtUli

A psicologia do esporte está normalmente associada ao esporte de alto rendimento. No entanto, sua aplicaçAo pode se estender
a outros setores, entre os quais o educacional, presente em escolas e clubes Nestes ambientes, a performance esportiva
deixa de ser prioritária e os aspectos educativos tomam-se os mais importantes. Os objetivos relacionados ao desenvolvimen­
to motor, anatômicos e fisiológicos devem ter a mesma importância dos cliamados benefícios psicológicos. A motivação
presente nas aulas deve proporcionar ganho« para a auto estima, auto confiança, habilidades sociais, comportamento criativo
e outros termos usados em desenvolvimento humano. Dentro de uma abordagem behavlorlsta radical estes fenômenos
dependem de variáveis ambientais com as quais estejam funcionalmente envolvidos. Este trabalho apresenta uma interpreta­
ção analítico comportamentai dos processos comportamentais que se referem a estes ganhos psicológicos e oferece
estratégias para atingi-los A intervenção neste ambiente á direcionada ao profissional de educaçAo física, para que este possa
ter uma atuaçAo efica/ no arranjo das contingências promotoras do bem estar psicológico.

Palavra* chava. psicologia do esporle. análise do comportamento, «ducaçAo física

Sport psychology is normaly associated to high performance. Nevertheless, its apllcatlon can be brought to other areas,
between them the educational, present In school and clubs. Inside them, the high performance Is deferred to educational
aspects. The alms of motor, anatomic and physiology development, must have the same importance than the psychological
The motivation in the practice must be able to develop the self esteem, self confidence, social skills, creative behavior and
other terms used In human development In a radical behaviorism approach this phenomena are environment variables
dependent with wich been funcionally involved This work, presentes rta analytical behavior Interpretation of behavioral
process referred to psychological profits and offers estrategics ways to get It. The Intervention is toward the physical
education teacher whose can plan the contingencies necessarys to psychological healthy.

Key worda: sport psychology, behavior analysis, physical education

A psicologia do esporte está freqüentemente relacionada a intervenções nos fatores


que levam a um bom desempenho esportivo de atletas e equipes (Martin, 2001). No entanto,
pode abranger outips setores da prática esportiva como o contexto educacional, comunitário,
ocupacional, fisioterápico, de condicionamento físico e saúde etc (Buriti, 1997). Nestas outras
condições, outros objetivos, que não a performance, tendem a ser prioritários. A atividade
física na escola se insere numa das especialidades contemporâneas em psicologia dos esportes
que é a área educacional (Weinberg e Gould, 2001). Seus interesses estariam diretamente
voltados para o desenvolvimento integral dos alunos em idade escolar.
O presente artigo se baseia em experiência profissional do autor como psicólogo e
profissional de educação física e tem como objetivo apresentar uma interpretação analítico
comportamentai de algumas variáveis ambientais que controlam o comportamento dos alunos
neste contexto. Também sugere estratégias de atuação do psicólogo no alcance de objetivos
compatíveis com um bom desenvolvimento infantil. Para isto, os ganhos relacionados à saúde,
formação corporal e desenvolvimento motor, devem vir acompanhados do desenvolvimento de
habilidades sociais, maturidade emocional, auto confiança, auto estima, habilidades na resolução

Sobre Comportamento e Co^nlçAo 175


de problemas, entre outros. Todos estes benefícios estão relacionados diretamente à motivação
para a prática esportiva. Esta análise também se aplica a todos os locais (clubes, comunidades)
que utilizem o esporte num contexto educativo.
A atuação do psicólogo aplicada às áreas de educação física e desporto escolar tem
como foco principal de intervenção o professor de educação física ou o técnico em desporto.
São eles que organizam e conduzem a prática desportiva. Segundo o modelo behaviorista
radical, as variáveis que determinam o comportamento estão fora do organismo, ou seja, em
seu ambiente imediato e sua história ambiental (Skinner, 1993). Para atuar no comportamento
dos alunos, deve-se trabalhar no ambiente ao qual está inserido. A estratégia é semelhante à
terapia com crianças em que è primordial o trabalho junto aos pais (Rocha, M.M. e Brandão,
M.Z.S., 1997). A atuação junto ao professor pode ocorrer diretamente ou participando, em
conjunto, no planejamento e definições de objetivos psicológicos nas reuniões pedagógicas.
A partir desta análise, podem ser traçados objetivos tanto em relação aos comportamentos
do professor como em relação aos dos alunos. Os objetivos em relação ao professor são:
a) Incluir os benefícios psicológicos (comportamentais) dentre os objetivos almejados.
b) Avaliar regras a respeito da sua atuação profissional.
c) Compreender alguns processos comportamentais básicos.
d) Entender como o próprio comportamento pode interferir no comportamento do aluno
e) Estabelecer estratégias adequadas de ação e planejamento.
Objetivos voltados para o desenvolvimento motor e aspectos anátomo-fisiológicos
predominam num planejamento esportivo. A inserção de objetivos psicológicos neste campo
pode controlar de maneira mais eficaz as atuações dos professores. A determinação dos
objetivos deve ser feita ou supervisionada por um psicólogo.
As regras a serem avaliadas dizem respeito ao que é necessário para ser considerado
um bom professor, por exemplo, "aquele que leva os alunos a um bom rendimento esportivo"
ou “aquele que não permite indisciplina", e a partir desta análise verificar se há ausência de
aspectos psicológicos entre as metas almejadas.
A compreensão de processos comportamentais básicos permitirá ao professor
identificar de que maneiras ele pode interferir no comportamento de seus alunos, seja através
da relação direta com eles ou através da preparação de ambientes apropriados. Princípios
básicos de análise do comportamento podem ser facilmente assimilados e bem empregados,
favorecendo o desenvolvimento da auto observação. Metodologias mais adequadas aos fins
psicológicos decorrerão deste processo.
Para atingir seus objetivos em relação ao professor, o psicólogo poderá usar recursos
tais como a entrevista e a observação in loco, para avaliação e diagnóstico; cursos, palestras,
vídeos e atendimento individualizado, para orientação.
A intervenção junto ao professor tem como objetivo final atingir os alunos ou
atletas nos seguintes aspectos;
Motivação para a prática desportiva.
Contribuir para a auto est/ma e auto-conflança
Estimular a formação de boas regras a respeito de si, dos outros e da vida em geral.
Desenvolver habilidades sociais.
Maturidade emocional.

176 0117.1
)oJo Vtccnte d r S Març.il
Disciplina (contingências a longo prazo) e resistência à frustração (desporto).
wm+ Habilidades para solução de problemas e criatividade
Pesquisas realizadas nos Estados Unidos (Weinberg e Gould, 2001) indicam que,
entre as principais razões para a prática na escola, indicada pelos próprios alunos, estão a
diversão, a percepção de competência, a afiliação a grupos, as emoções e excitações envolvidas.
A avaliação do interesse dos alunos pela prática esportiva pode ser feita de várias
maneiras. Através do relato do professor (e.g., “qual a reação dos alunos às atividades propostas
por você"), de observações in loco (e.g., qual a prontidão para iniciar as aulas, qual a reação dos
alunos quando a aula acaba), de entrevista com os alunos (e.g., "o que você gosta e o que não
gosta nas aulas de educação física ou nos treinos?"), questionários (e.g., “você já quis faltar à
aula de educação física? Por qual razão?"), vídeos (e.g., fisionomia dos alunos etc.) e outros.
A seguir, serão analisados cada um dos objetivos em relação aos alunos e
apresentadas estratégias para alcançá-los.

Motivação
A motivação para a prática é o principal aspecto a ser considerado e está diretamente
associada aos chamados ganhos psicológicos. Normalmente, o termo motivação está
relacionado a variáveis internas como determinantes do comportamento. Segundo da Cunha
(2000), na análise do comportamento, o papel de tais processos internos inferidos tem sido
minimizados em favor de causas ambientais do comportamento. Martin (2001), em sua
interpretação analítico comportamental dada à psicologia do esporte, também afirma que as
estratégias motivacionais são encontradas basicamente em contingências ambientais relativas
ao comportamento, e não dentro do indivíduo. Martin complementa da seguinte maneira:
Uma vantagem da abordagem comportamental é que ela fornece ao treinador uma varieda­
de de estratégias para motivar para os treinos e para a persistência no treinamento. Em
vez de tentar selecionar atletas que parecem yá estar altamente motivados, o técnico pode
aumentar a probabilidade de comportamentos altamente motivados em todos os atletas,
através da reestruturação das contingôncias ambientais.(p, 147)

Esta análise feita ao esporte de alto rendimento também se aplica o desporto escolar,
à aula de educação física. Assim, em vez de afirmar que um aluno não faz aula porque não quer,
não sente vontade ou está desanimado, busca-se saber por que a aula não lhe é reforçadora (ou
lhe é punitiva), não lhe faz falta. Estar sem aula não afeta o efeito reforçador da mesma, justamente
porque esta nada tem de reforçador. Portanto, a tarefa do professor seria a de como contribuir
para tomar a atividade, por ele proposta, reforçadora para o maior número possível de alunos. É
necessária uma atenção especial para aqueles alunos que apresentam um baixo desenvolvimento
motor, sendo assim os menos reforçados e os que desistem mais facilmente da prática esportiva.
São apresentadas a seguir algumas estratégias que buscam aumentar o valor
reforçador da aula:
Quando a aula é reforçadora
<2> Apresentar atividades com boas perspectivas de ôxito e adequadas ao
nlvel de desempenho dos alunos.
<5> Apresentar atividades lúdicas.
<2> Variar atividades.
<£> Reforçar participação e progressos.
<2> Reforçar cooperação e apoio entre os alunos.

Sobrt Comportamento e CoflnlÇilo 177


Deve-se estar atento para saber o que ó (e quando o ó) reforçador tanto para o grupo
como para os alunos individualmente (em grupos maiores pode-se priorizar os naturalmente
menos reforçados). Alguns reforçadores naturais são facilmente encontrados no esporte
como a atividade e a novidade (Millenson, 1967). A tarefa consiste em favorecer a ocorrência
de contextos em que os comportamentos de participação sejam conseqüenciados por
reforçadores eficazes. Esta operação, o reforçamento, é um principio básico na análise do
comportamento (Catãnia, 1998) e tem como resultado um aumento na probabilidade de
ocorrência do comportamento na condição ambiental em que foi reforçado (Skinner, 1993).
Esta condição é a aula de educação física: quanto mais esta for associada a situações
reforçadoras, mais se estabelece como um reforçador condicionado.
Boas perspectivas de êxito estão relacionadas a uma boa probabilidade de reforço.
As atividade lúdicas se referem ao jogo. Este contém elementos naturalmente reforçadores
como a novidade e a atividade e tem na imprevisibilidade do reforço uma operação de
privação (Millenson, 1967). A variação das tarefas inclui a novidade como reforçador e
também estabelece condições de privação em relação às tarefas. Reforçar a participação
evita a dependência do êxito como reforçador. Reforçar a cooperação entre os alunos
significa criar um ambiente agradável em que o reforço social possa prevalecer em relação
à punição social. Críticas e deboches são punidores sociais muito freqüentes em ambientes
infanto juvenis, tornando-os facilmente aversivos e contribuindo para os comportamentos
de fuga e esquiva da prática esportiva. Quanto mais cooperativo for o grupo, mais reforços
sociais estarão presentes.
Redução de controle aversivo
Não enfatizar a vitória como objetivo prlndpal.
Evitar excessos de atividades competitivas.
Não criticar ou ironizar o aluno.
Evitar cobranças por desempenho.
Remover condições de fracassos repetitivos.
A punição, enquanto processo, enfraquece o comportamento (Catania, 1998). Se os
comportamentos do aluno durante a atividade física são freqüentemente conseqüenciados
com punidores, os seus comportamentos de participação são enfraquecidos. A aula, a ocasião
(Sd) em que isto acontece, tomar-se-á um punidor condicionado, de forma que reforce
negativamente o comportamento de esquiva no aluno. Como isto já ocorre naturalmente em
algumas situações da aula, o professor deve estar atento para que não seja de forma acentuada.
O esporte escolar tem como objetivo principal o desenvolvimento humano; formar
campeões não é o objetivo principal. Assim as contingências de reforço devem também
selecionar a participação e não meramente a performance. De que maneira isto poderia
ser feito? Seguem-se alguns exemplos: a) apresentando atividades em que não haja
pontuação ou vencedores; b) não enaltecendo ou dando prêmios adicionais aos vencedores
que, por sua vez, já foram reforçados com a vitória; c) reforçando diferencialmente o empenho
dos alunos; d) ressaltando a participação destes ao final da aula; etc.
Embora a competição seja um aspecto considerado motivante pelos praticantes de
uma modalidade esportiva escolar (Weinberg e Gould, 2001), esta tende a estabelecer
contingências de reforço que selecionam apenas os mais aptos ou de melhor desempenho.
Se o caráter competitivo for constante, os alunos de baixo desempenho serão pouco
reforçados e desistirão com maior facilidade. O fraco desempenho pode estar relacionado à
inexperiência, a um fraco desenvolvimento motor, a comportamentos de esquiva (timidez,

178 lo.li> Vlccnte dc Sou/d Murçal


insegurança) etc. Exercícios que envolvam a aquisição ou aperfeiçoamento de habilidades
individuais, de cooperação, de domínio corporal, relacionados a metas pessoais, entre outros,
são algumas alternativas para o problema. Dar atenção aos menos desenvolvidos não significa
esquecer os mais aptos, que devem continuar a serem reforçados naturalmente. Estes,
assim como os superdotados em sala de aula, também precisam receber atividades
compatíveis com o seu nível de desenvolvimento.
O professor também deve estar atento para não criticar, ironizar ou rotular o aluno
com mau desempenho. Apelidos depreciativos são desaconselhados. Xingamentos, jamais. Isto
ocorre com mais freqüência no desporto escolar devido ao caráter competitivo. Rótulos como
“lesma", para alguém que corre lentamente, "Idiota ou imbecil", para aquele de pouca ooordenação
motora, "burro", "baleia", “nanico" e muitos outros, podem prejudicar na formação de regras que
uma criança ou adolescente farão a respeito de si (também chamada de auto- imagem). É muito
importante também que se esteja atento ao caráter punitivo que crianças e adolescentes
freqüentemente têm em relação aos próprios colegas. Ser rejeitado ou criticado constantemente
pelo grupo ao qual se pertence afeta negativamente a auto-estima como será visto a seguir.
É importante estar atento aos comportamentos dos alunos. O empenho ou
intensidade com que realizam uma tarefa sinalizam o quanto a mesma está sendo reforçadora.
Muito tempo em uma condição não reforçadora irá potencializá-la de forma aversiva.
Deve-se tomar cuidado com a motivação com base na exigência, controle aversivo,
para o desempenho. O modelo do professor bom, como aquele que grita com os alunos para
aumentar o rendimento dos mesmos, é algo arriscado. É como se o aluno realizasse a
tarefa para não ser criticado pelo professor. Sidman (1995) afirma que o reforçamento negativo
é uma forma de coerção tal qual a punição, e completa dizendo que:
“Se a escola é um reforçador negativo, fortalecendo nosso comportamento do deixá-la,
ela provavelmente ó tambôm um punidor, reduzindo nossa Inclinação para nos aproxi­
marmos e entrarmos." (1995, p. 112)

É muito importante também observar se existem alunos experimentando fracassos


freqüentemente na realização das atividades. Isto permitirá ao professor modificá-las de forma
que favoreça uma obtenção mínima de reforços que sejam suficientes para a manutenção do
aluno na atividade. Isto poderá ser feito oom um processo gradativo, como na modelagem (Skinner,
1993) de novas habilidades ou em qualquer outra condição de prática. Devem ser considerados
parâmetros individualizados, sempre que possível.
A seguir serão analisados separadamente alguns objetivos comportamentais.
Presentes no senso comum, estes termos se referem a padrões comportamentais produtos
de contingências específicas, que também podem estar na aquisição e manutenção de
outros padrões. Esta divisão é apenas didática já que as contingências de uns tópicos
também estão presentes em outros e todos, de certo modo, associados à motivação.
Auto Estima
Demonstrar satisfação com a presença do aluno na aula.
w ) Utilizar atividades que favoreçam o entrosamento entre os alunos.
Não superestimar os alunos de maior habilidade motora.
Skinner (1974) afirma que o conhecimento de si próprio tem origem social. A referência
a si é uma característica da espécie humana e formada na relação do indivíduo com a comunidade
verbal a qual pertence. A auto estima não está dentro da pessoa e nem é a causa da sua
motivação ou de seus atos, ela é decorrente de contingências que especificam a freqüência de

Solw (.'omporlumcnto c Conniv<lo 179


reforço social. A freqüência de aprovaçáo social afeta o valor que o indivíduo atribui a si. O
reforço social contingente apenas a desempenhos específicos pode levar pessoas a se sentirem
valorizadas somente com base nos seus desempenhos. O ambiente escolar, como um dos
contextos mais significativos na vida de uma pessoa, pode ser bem planejado de forma que
contribua positivamente para a auto estima. As sugestões apresentadas exemplificam situações
em que o este tipo de reforço pode ocorrer mais facilmente. É necessário que o aluno sinta-se
aprovado e aceito independente do seu desempenho. Participações, entusiasmo, cooperação,
simpatia, dedicação, esforço, etc, podem ser diferencialmente reforçados e o professor tem
um papel relevante para que isto ocorra. A atenção deve ser direcionada, sempre que possível,
a todos, e principalmente àqueles menos valorizados no grupo.
Auto Confiança
v t Atividades com boas probabilidades de êxito.
Reforçar diferencialmente o desempenho, principalmente com quem é pouco
reforçado.
Martin (2001) interpreta a auto confiança no meio esportivo como relacionada ao
desempenho esportivo bem sucedido. Weinberg e Gould (2001) definem esta confiança
como "a crença de poder executar, com sucesso, determinado comportamento”. Em nossa
análise, tanto a crença (i.e. regra) como o desempenho são decorrentes de uma história
de reforço produzido (contingência) pelo próprio indivíduo. O esporte pode tanto aumentar
como diminuir a confiança que uma pessoa tem em si mesma. Os mais reforçados sentem-
se naturalmente mais seguros que os demais. Pode uma atividade esportiva beneficiar a
todos, no que diz respeito á auto confiança? A resposta é sim. E o recurso náo é transferir
reforços de quem tem muito para quem tem pouco. Do acordo com a criatividade do
professor, todos podem ter boas doses de êxito Alguns sugestões são aqui apresentadas:
a) favorecer o confronto, em atividades lúdicas ou competitivas, de atletas ou alunos com
níveis semelhantes de desempenho onde ambos tenham chances de produzir reforço; b)
oferecer tarefas com graus de dificuldade compatíveis ao estágio em que o aluno se encontra
(isto serve tanto para os habilidosos como os que não possuem boas habilidades); c)
oferecer oportunidades constantes de desenvolvimento como nas atividades em pequenos
grupos onde as chances de participação aumentam. Ressalta-se que o êxito não precisa
(e nem deve) ser de acordo com um esquema em reforçamento contínuo (Catania, 1998).
Habilidades Sociais
Atividades em pequenos e grandes grupos
Atividades que requeiram comunicação e cooperação
Reforçar boas atitudes sociais (compreensão, apoio, etc)
Interação com grupos variados
Atividades que reforcem habilidades e cumprimento de regras sociais.
O contato social teve valor de sobrevivência para a nossa espécie de forma que a
suscetibilidade a reforçadores sociais sejam fortes nos seres humanos (Lõhr, 2001; Baum,
1999). O comportamento social é entendido quando reforçadores são mediados por outra
pessoa. Poucas são as situações que favorecem a interação social como o esporte.
Normalmente os adolescentes que praticam algum esporte (principalmente os coletivos)
conhecem muitas pessoas. Weinberg e Gould (2001) citam a afiliação (pertencer a grupos)
como uma das principais razões que levam a prática esportiva na escola. Comportamentos

180 loJo V iccn tc de Soufd M<irç«il


tais como a comunicação verbal, expressão de interesses, cooperação, assortividade, manejo
de conflitos, cumprimento de normas estabelecidas pelo grupo, etc são normalmente requeridos
nestes ambientes. As sugestões apresentadas anteriormente buscam atingir estes objetivos.
MATURIDADE EMOCIONAL

Atividades lúdicas

Não reforçar reações agressivas

Experimentar frustrações de forma gradativa

Você consegue imaginar um contexto que leve a condições emocionais da forma


como ocorre no contexto esportivo? Num espaço de uma hora, como num jogo decisivo,
uma pessoa (atleta, técnico ou torcedor) pode passar por situações de intensa ansiedade,
raiva, alegria, tristeza, elação etc. A exposição constante a estas condições geralmente
promove dessensibilizações. O atleta experiente normalmente não apresenta condições
emocionais intensas a todo momento, o que favorece a concentração, o desempenho. Não
é qualquer derrota que lhe abala, nem qualquer jogo que lhe deixa ansioso, não sente raiva
a todo momento, não se altera em qualquer condição, se adapta mais facilmente à frustração,
etc. A situação lúdica representa o jogo, que sempre significa conseqüências, reforçadoras
ou não. Os padrões operantes presentes no comportamento emocional (respostas agressivas,
inibição, desconcentração) podem ser modelados de forma satisfatória pela constante
exposição a estas contingências Respostas agressivas normalmente são punidas; a falta
de atitude não muda a situação; o controle da atenção por estímulos relevantes à tarefa
tende a aumentar devido às contingências;. O indivíduo se acostuma a agir diante de condições
conflitantes, com forte teor emocional. O fato de ser reforçado normalmente em esquemas
em razão, ajuda no desenvolvimento da persistência em condições desfavoráveis
Solução de problemas e criatividade

Exercícios com requisição de variabilidade


^ Atividades que envolvam situações problema
A adaptação de um organismo ao meio ambiente depende de processos de variação
e seleção (Skinner, 1974). Sem variação nào há seleção. O modelagem, por exemplo, depende
de um substrato variável para ocorrer. A solução de problemas e a criatividade também dependem
da variação do comportamento. Estudos indicam que a variabilidade comportamental pode
surgir tanto como um produto indireto dos esquemas de reforçamento (Schwartz, 1980) quanto
como um produto direto destes (Page e Neuringer, 1985). Neste último caso, a variabilidade
comportamental adquire uma dimensão operante. Skinner (1974) define a solução de problemas
como os passos dados até a emissão de uma resposta capaz de produzir reforço.
Um professor pode estabelecer critérios de vanabilidade numa determinada atividade,
por exemplo, “a cada vez que você fizer o exercício, deverá fazê-lo de forma diferente".
O lúdico normalmente envolve situações problemas de forma dinâmica e variada.
A imprevisibilidade do resultado leva os praticantes a estarem em escolha constante,
perante Sds alternativos que são fornecidos no momento do jogo. Isto oportuniza uma
busca por respostas que levem ao reforço. Ações variadas podem ser freqüentemente
requeridas. O aluno necessariamente tem que ampliar seu repertório comportamental.

Sobre Comportamento e CognlçJo 181


Conclusão
Este trabalho ó uma simples análise funcional do contexto esportivo na escola.
Decorre da experiência do autor em ambas as áreas. Esta interpretação está longe de
abranger os inúmeros processos comportamentais envolvidos neste ambiente tão rico que
é o esportivo. Algumas das interpretações podem se tomar questões empíricas. Vale ressaltar
que esta visão diferenciada na psicologia do esporte não visa contra indicar o esporte
competição e nem a sua seleção natural por desempenho. Apenas chama a atenção para
um tema muitas vezes negligenciado que ó o esporte como um meio e não como um fim.

Referências

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dução de Maria T. Silva, Maria A. Matos, Gerson Tomanari, Emmanuel Tourinho. Porto Alegre,
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Fontes, tradução de João Cláudio Todorov e Rodolpho Azzi do original em
inglês de 1953.
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Exercício. São Paulo: Artmed.

182 JoJo V iccn tc dc Souza Mdrçdl


Capítulol 9
Correspondência: Q uando o objetivo
terapêutico é o "digo o que faço e
faço o que digo"
Marcelo fíeckert
MAC*

Buscou-se analisar oa dois objetivos terapêuticos mais comuns na prática clinica, autoconhecimento n autocontrole, á
luz da teoria sobre correspondência entre comportamento verbal (dizer) e nâo-verbal (fazer) Autoconhecimonto foi
relacionado á seqüência fa/er dizer e autocontrole è seqüência dizer fazer. Discutiu-se a pertinência destas análises do
acordo com a literatura analltico-comporlamontal O objetivo nâo foi o de dividir a complexidade da terapia nesses dois
momentos isolados, já que se trata apenas de uma divisão didática, servindo de norte para o terapeuta orientar sua
atuação. Análise da literatura mostra que a mudança no dizer poderá facilitar a mudança no fazer correspondente e quo
o treino de correspondência (TC) é uma estratégia eficaz no aumento da freqüência de comportamentos nflo-verbais.
Assim, a correspondência entre verbal e nâo-verbal, mais do que instrumento terapêutico, poderá ser considerada como
objetivo terapêutico. Considerando resultados empíricos, sugnre-se que o treino dlzer-fa/er-dlzer poderá ser estratégia
valiosa em um momento Intermediário da terapia, quando a ênfase deixa de ser autoconhecimento e passa a ser
autocontrole. Essa sistemática já demonstrou ser uma seqüência potencialmente poderosa na aquisição e manutenção de
comportamentos nôo verbais, além de ser bem adaptável ao getting da terapia A presente análise nâo pretende oferecer
a abordagem definitiva á terapia, mas uma possivel. A implementação desses treinos será discutida em maiores
detalhes.
Palavras-chave: autoconhecimento, autocontrole, correspondência verbal - nflo-verbal

Two Important goals of therapy are self-awareness and self-control. Their Importance arises from the relationship of each
to verbal and nonverbal behavior sequences. In relation to self-awareness, nonverbal behaviors precede verbal behaviors.
With self-control, verbal behaviors precede nonverbal These relationships (correspondences) are discussed In tho
context of behavioral analytical literature, which indicates that changes in verbal behavior facilitate nonverbal changes.
Correspondence training (CT) therefore provides a sound basis for supporting nonverbal behaviors. The CT including
"verbal - nonverbal - verbal" behaviors (say-do-say) is an effective tool during the Intermediate stages of therapy, as
focus shifts from self-«wareness to self-control. Well-suited to a clinical therapy setting, CT can assist nonverbal
acquisition and maintenance. This analysis emphasizes CT not as the definitive approach to therapy, but as one tool
employed during the course of therapy. The Implementation of CT will be discussed in detail
Key Words: self-awareness, self-control, verbal - nonverbal correspondence.

"Felicidade è a harmonia entre o pensar, o dizer e o fazer"


Mahatma Gandhi

A frase titulo deste capitulo é uma referência direta aos dois objetivos terapêuticos
mais importantes, por serem os mais comuns: autoconhecimento e autocontrole. Talvez
seja essa a grande contribuição da Psicologia à sociedade. O próprio Skinner, mesmo

'Inatituto Brasileiro de AnAlM do Comportamento

Sobre Comportamento e C ofliilçJo 183


sem nunca ter sido terapeuta, vislumbrava um mundo em que a “psicologia fosse a ciência
proeminente e cuja principal tarefa fosse ensinar autoconhecimento e autocontrole" (Segai,
1987, pág. 150).
A despeito da grande complexidade e heterogeneidade de demandas apresentadas
em consultório, a maioria dos casos poderiam ser apresentados em uma linha de atuação
que incluiria o investimento em auto-observaçâo, oferecendo melhores condições para
o autoconhecimento, que por sua vez facilitaria a aquisição de autocontrole para
determinados comportamentos desejados.
Apesar de muitas vezes a demanda do cliente estar mais voltada para seu
comportamento verbal, com inadequações que possam trazer conseqüências não-
desejadas, as verbalizações que expressam o desejo ou necessidade de mudanças no
repertório de comportamentos não-verbais são muito mais observadas. Ou seja, o cliente
deseja mais freqüentemente que seu fazer (externo ao consultório) seja diferente e, por
isso, procura terapia.
No entanto, os procedimentos terapêuticos lidam quase que exclusivamente
com a fala (dizer) sobre essas atividades externas. Além disso, em muitos casos, a
conseqüência da terapia poderá ser medida apenas pela mudança de freqüência e conteúdo
de tais comportamentos verbais. Daí a importância de o terapeuta estar atento a aspectos
ligados à correspondência entre comportamento verbaí e não-verbal do cliente.
Assim, ora o cliente relata comportamentos passados, ora descreve novas
respostas que deseja implementar. Se esses relatos e descrições forem fidedignos,
estaremos tratando da correspondência fazer-dizer e dizer-fazer, respectivamente. Diante
desse contexto, a correspondência é mais do que estratégia terapêutica; é objetivo
terapêutico, sobretudo porque os repertórios de autoconhecimento e autocontrole poderão
ser fortalecidos com o reforçamento dessas cadeias entre verbal e não-verbal.
O objetivo deste trabalho é discutir a atuação do terapeuta analítíco-
comportamental ao focalizar estes dois importantes repertórios comportamentais em
seu cliente, autoconhecimento e autocontrole, â luz da literatura do treino de
correspondência verbal / não-verbal.

1) Autoconhecimento e correspondência
No início do atendimento terapêutico há uma expectativa de que o cliente generalize
seus comportamentos inadequados para o ambiente intra-sessão, mais especificamente
para a relação terapêutica. Dessa forma, o fóbico social poderá ter dificuldades de se
expressar, o ansioso talvez apresente estilo verborrágico ou a depressiva faça uma análise
negativa do final de semana. Na Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP), esses
comportamentos recebem a denominação de comportamentos clinicamente relevantes do
tipo 1 (CRB1) (Kohlenberg e Tsai, 19911). Nesse momento o terapeuta incentiva seu cliente
a descrever suas queixas, contextualizando-as em sua história de vida e descrição de
mundo atual. A ênfase recai sobre a modelagem de descrições fidedignas, ampliando
comportamentos de auto-observação, discriminação e descrição do cliente.

1 ?001
hm Mte livro foi lançado *m portuguê* p<tla «dilora EStTac, oom Iraduçfto organizada por R R Karbauy

184 M iircclo Rcckcrt


A correspondência entre a fala do cliente e os eventos que busca descrever é
objeto de análise comportamentai. Apesar da complexidade, incerteza e distorções, essa
correspondência é um dos aspectos fundamentais da terapia. Assim, um dos mais
importantes objetivos de um terapeuta em inicio de trabalho é modelar tatos e intraverbais
que correspondam ao repertório de descrição do ‘mundo’ interno e externo do cliente,
ampliando-os e, assim, aumentando seu poder de observação (Ferster, 1979).
A medida que o cliente torna-se mais hábil em dizer o que fez, estará
demonstrando melhor autoconhecimento. Em linguagem analltico-comportamental, se o
cliente é capaz de dizer o que faz ou fez, discriminando e descrevendo verbalmente as
variáveis das quais esse comportamento não-verbal ó função, estará apresentando
autoconhecimento (Tourinho, 1995) - "fiz X e sei por que fiz X".
O paradigma de causalidade. Um dos principais cuidados do terapeuta é quanto
à avaliação do paradigma de causalidade prevalecente. É bastante comum o cliente
apresentar uma noção de causalidade interna para seus comportamentos: "tenho
dificuldades sociais porque tenho uma personalidade muito tímida", “sou ansioso desde
pequeno... puxei meu pai" ou "sou fraca de espírito, daí a depressão". Esse paradigma de
causalidade interna reflete discriminações distorcidas e servirá de obstáculo à terapia.
Afinal, nenhuma terapia poderá mudar essas 'causas internas' simplesmente porque,
após análise, elas não serão mais caracterizadas como as causas desses comportamentos,
mas, sim, como também efeitos das contingências. A substituição desse paradigma de
causalidade por outro implicará uma postura mais ativa do cliente diante da própria
problemática. É a troca de uma visão de mundo que muda por capricho por outra visão,
de um mundo ordenado e previsível (Beck, 1967).
O papel da terapia. O terapeuta deverá, então, investir em um tipo diferente (e
talvez inédito para o cliente) de análise dos comportamentos. O comportamento de auto-
observação do cliente será modelado para que ele fique mais sensível aos eventos relevantes
de sua vida e consiga, assim, discriminar (identificar) e descrever as variáveis que mantêm
seus comportamentos. O locus para essa análise são a própria história de vida do cliente
e as interações que ele tem com o seu mundo externo. Modelando respostas verbais
mais fidedignas, seu comportamento de análise vai-se tornando mais preciso, sendo a
causalidade interna substituída por outra, externa e histórica: “acho que minha ‘fobia
social’ tem a ver com as ridicularizações que sofri na minha infância", "minha ansiedade
tem a ver com minha constante busca por aprovação... acho que nunca soube o que é
isso" ou "depois que me divorciei não consigo mais ver prazer em fazer algo sozinha". Na
leitura proposta pela FAP, essa classe é denominada de comportamentos clinicamente
relevantes do tipo 3 (CRB 3) e deverá ser reforçada pelo terapeuta.
Em alguns momentos torna-se extremamente difícil modeíar respostas verbais
discriminativas do cliente, simplesmente porque elas não são emitidas, ficando a dúvida
se esse repertório de tatear existe. Talvez, então, seja necessário investir primeiro na
descrição de outros comportamentos, e o terapeuta poderá lançar mão de algumas
estratégias, utilizando de correlatos públicos que ocorram na sessão. Seguindo a
recomendação da FAP, a relação terapêutica é o veículo de mudança, baseando-se no
pressuposto de que problemas da vida diária do cliente ocorrem na sessão. Nesse sentido,
é importante que o terapeuta atente para a fidedignidade do relato verbal durante a sessão.
Focalizando a linguagem não-verbal (correlato público e que também é comportamento

Sobre Comportamento e CoHMvJo 185


verbal), ele poderá inferir discrepãncias, como quando o cliente verbaliza uma coisa ("estou
calmo"), mas sua linguagem corpórea diz outra (esfrega as mãos, gagueja, troca de
posição constantemente, sua ou chora). Um exemplo interessante é oferecido por Shapiro
(conforme citado por Rosenfarb, 1992): uma dona de casa diz que seu problema é ter
pensamentos sexuais inadequados e ser incompetente como esposa. O tom de voz
("parecendo uma criança entediada recitando um poema") mostrava falta de convicção e,
após alguma discussão, ficou claro que ela estava muito mais representando as descrições
do marido a respeito dela. O terapeuta não trabalhou sua incompetência ou pensamentos
inadequados e, sim, assertividade.
Outras estratégias (i.e., interpretação de filmes ou leituras) também poderão
servir como instrumentos para que o tatear fidedigno seja modelado. O terapeuta também
poderá oferecer modelos para o cliente, bem como sistematizar as informações, fazer
previsões ou levantar hipóteses (Guilhardi, 1999). Poderá também questionar o cliente
sobre as auto-regras que predominavam enquanto se comportava, guiando o ‘fazer’. Então,
o terapeuta deverá reforçar a congruência entre o fazer passado e os relatos posteriores
sobre as regras que seguiu (Guilhardi, 1999).
Ressalte-se que um repertório verbal do cliente mais fidedigno com o que ocorre
em sua vida fora do consultório também terá efeito positivo sobre seu comportamento de
observação em outros ambientes (Ferster, 1972; Glenn, 1983). Prova disso é ser comum
clientes verbalizarem que, após terapia, seus comportamentos de compreender o outro
foram também aprimorados.
Em síntese, o treino de correspondência fazer-dizer é a busca de um
comportamento de auto-análise mais preciso, de forma que o cliente tenha melhores
condições para dizer por que se comportou de determinada forma e não de outra. A
psicoterapia poderá, assim, ser conceitualizada como uma metodologia para refinar o
autoconhecimento, particularmente no que diz respeito ao controle discriminativo exercido
pelo mundo privado do indivíduo (de Rose, 1997). Como colocou Skinner,
“a psicoterapia ô, freqüentemente, um espaço para aumentar a auto-
observaçâo, para 'trazer à consciência' uma parcela maior daquilo que é
feito e das razões pelas quais as coisas são feitas” {1995, pág. 46).
Há de se ter o cuidado de considerar o autoconhecimento condição necessária,
mas não suficiente, para obtenção de autocontrole. Entretanto, prevalece a noção básica
de que somente posso controlar aquilo que conheço. Uma vez conhecidas as variáveis
que controlam determinado comportamento (autoconhecimento), poderemos ter melhores
condições para mudar essas contingências de controle, adotando estratégias que propiciem
a aprendizagem de novos comportamentos, o que nos levará a obter autocontrole (Ferster,
1979; Guedes, 1997).

2) Autocontrole e correspondência

“Enquanto homens conversarem entre si sempre haverá uma


hipótese implícita de que alguma correspondência exista
entre conversar e fazer" (Lloyd, 1994, pág. 143).

1 8 ô Marcelo Beckert
Definindo o autocontrole. Para Skinner (1994), controle ocorre quando
contingôncias são estabelecidas a fim de alterar a probabilidade de dado comportamento.
Controle externo ocorre quando esse arranjo de contingôncias é feito por outras pessoas,
e autocontrole quando feito pela própria pessoa. Skinner ressalta que o autocontrole
envolve, na realidade, duas respostas - a resposta controladora e a resposta controlada.
A resposta controladora ó emitida pelo próprio sujeito e consiste em uma manipulação
de variáveis ambientais (programar despertador) das quais a resposta controlada ó função
(acordar tarde), alterando sua probabilidade de ocorrência.
O autocontrole não é uma propriedade do indivíduo, nem uma propriedade do
ambiente, mas o produto da relação entre os dois. Assim, autocontrole ô produto de
contingôncias de reforço e punição e, enquanto tal, um comportamento aprendido (Abreu-
Rodrigues e Beckert, no prelo). Nesse sentido, o terapeuta assume a importante função
de auxiliar o cliente nessa aprendizagem, assistindo-o na identificação de formas
alternativas de comportamentos não-verbais e suas possiveis conseqüências reforçadoras
e incentivando-o na implementação de novos repertórios comportamentais.
O papel da terapia. A proposição do autocontrole como repertório a ser
implementado é corroborada pelo modelo construcional de intervenção, uma das mais
importantes contribuições para a terapia analítico-comportamental, proposto por Israel
Goldiamond (1973,1974). Conforme esse modelo, a terapia deve sempre estar voltada
para a construção de repertórios mais adaptativos e, não, à eliminação de comportamentos
indesejáveis.
Uma vez definidos pelo cliente os comportamentos que deseja fortalecer em
intensidade, magnitude e/ou freqüência, a terapia passa a focalizar a aquisição desses
repertórios. Quando o repertório desejado é o de autocontrole, várias estratégias são
utilizadas na terapia analítico-comportamental (i.e., uso de instruções e auto-instruções,
modelagem, modelação, treino de assertividade, de habilidades sociais ou de solução de
problemas).
Outra estratégia possível é o treino da correspondência dizer-fazer, que poderá
ser implementado com a expectativa de que o dizer anterior possa exercer controle
discriminativo sobre o fazer, facilitando a emissáo deste. Importante perceber que á medida
que o cliente consegue fazer aquilo que disse que iria fazer, colocando o fazer como
função do dizer que o antecede, estará apresentado autocontrole, já que o próprio sujeito
estará criando cqntingências que tornarão seu comportamento futuro mais provável de
acontecer. Um homem que faz o que prometeu fazer será provavelmente visto, pela
comunidade verbal de que faz parte, como tendo controle sobre a própria vida. A proposta
também é convergente com a definição skinneriana, já que dizer e fazer são respostas
emitidas pelo próprio cliente - a que controla e a que é controlada -, sendo que a primeira
(dizer) poderá afetar variáveis ambientais de forma a alterar a probabilidade da segunda
(fazer). Ou seja, quando o próprio cliente diz o que vai fazer, ele estará ‘auto-gerenciando’
as contingências que mantêm o comportamento.
O que a pesquisa básica tem a dizer? Catania e colaboradores perseguiram a
hipótese de que a mudança no comportamento verbal de um indivíduo pode facilitar a
mudança no comportamento não-verbal correspondente. Esses autores indicam também
ser mais fácil mudar o comportamento humano modelando aquilo que alguém diz do que
modelando diretamente aquilo que alguém faz. O grupo conduziu alguns experimentos e

Sobre Compori.imenlo c Coflm çJo 187


demonstrou que um treino nas descrições do desempenho e das contingências tendem
a ser acompanhadas por alterações no comportamento nâo-verbal correspondente,
sobretudo quando a aprendizagem dessas descrições foram obtidas por meio de
modelagem, em vez de instruções (Catania, Matthews, e Shimoff, 1982; Catania, Matthews,
e Shimoff, 1990; Matthews, Catania, e Shimoff, 1985). Paniagua (1990) oferece boa revisão
quanto a aspectos metodológicos e resultados dessa linha de pesquisa.
O dizer Influencia o fazer. Mas como? Uma hipótese é de que o estímulo
verbal adquira sua função por equivalência de classes (Hayes e Hayes, 1992; Sidman,
Wynne, Maguire e Barnes, 1989). Trabalhos empíricos têm demonstrado que novos
estímulos, entrando em uma classe de equivalência, automaticamente adquirem as funções
dos outros membros da classe (Gatch e Osborne, 1989; Hayes, Kohlenberg e Hayes,
1991; Kohlenberg, Hayes e Hayes, 1991). Dessa forma, estímulos verbais se tornam
equivalentes aos estímulos ou eventos com os quais eles se relacionam e, assim,
influenciam o comportamento posterior (Kohlenberg, Tsai e Dougher, 1993), facilitando a
ocorrência de correspondência dízer-fazer.
O dizer influencia o fazer. O que o terapeuta deverá considerar? Consistente
com a análise skinneriana, Kohlenberg e Tsai (1991) propuseram que pensamentos podem
ser vistos como regras (tais como tatos ou mandos) para o próprio indivíduo e que
inicialmente ocorrem devido a variáveis similarmente responsáveis por suas formas públicas
(abertas). De acordo com esse modelo, nossos comportamentos verbais privados exercem
influência, de maior ou menor efeito, na emissão de comportamento posterior (Kohlenberg,
Tsai e Dougher, 1993). No caso em que o problema clínico é influenciado pelo próprio
comportamento verbal anterior, quando faiamos algo sobre o mundo e agimos de acordo,
estamo-nos referindo ao controle por auto-regras. Não significa dizer que as auto-regras
controlam comportamentos posteriores. Esses comportamentos são controlados: 1) pelas
contingências estabelecidas para que as auto-regras surjam, e/ou 2) pelas contingências
programadas para estabelecer a correspondência entre auto-regras (dizer) e ação (lazer)
(Guilhardi, 1999).
Guílhardí (1999) nota que esse paradigma não excluí o papel do terapeuta, já que
ele assume, entre outras funções, o manejo de contingências verbais na sessão. Por
exemplo: ele poderá reforçar o comportamento de seguir auto-regras solicitando ao cliente
para que trace planos que usará no futuro, norteando o comportamento não-verbal. Assim,
o terapeuta planeja contingências que levem a uma correspondência entre pensar
(comportamento verbal encoberto, que poderá ser auto-regra), dizer (comportamento verbal
aberto) e fazer (comportamento não-verbal). "Quando o indivíduo segue as próprias
descrições verbais das contingências (auto-regras), está melhor preparado para responder
às exigências da seqüência pensamento-ação" (Guilhardi, 1999, pág. 325),
Correspondência dizer-fazer. treino de correspondência e autocontrole.
Analisando a literatura sobre correspondência e controle verbal, também se encontra
uma divisão sistemática do treino de correspondência, de acordo com a seqüência treinada
-dizer-fazer ou fazer-dizer. Vários trabalhos compararam esses dois treinos e encontraram
resultados que indicam uma maior efetividade da seqüência dizer-fazer na produção de
mudança no fazer correspondente (e.g., Israel, 1973; Israel e 0'Leary, 1973; Karoly e
Dirks, 1977; Paniagua e Baer, 1982). Entretanto, a superioridade do treino dizer-fazer
depende de características metodológicas utilizadas ou, mais especificamente, da

188 M artelo Reckcrt


contingência de reforço estabelecida para cada seqüência, conforme apontado por
Paniagua e Baer (1982). Beckert (2000) ressalta que um aspecto é aquisição e outro,
manutenção. Essa investigação demonstrou que os treinos da correspondência dizer-
fazer, fazer-dizere dizer-fazer-dizer foram similarmente efetivos no que se refere à aquisição
de autocontrole. Entretanto, o treino da seqüência dizer-fazer foi mais efetivo do que os
demais na manutenção desse comportamento.
Em suma, a literatura ressalta a independência funcional entre dizer e fazer,
sendo necessárias contingências especificas para que ocorra correspondência entre os
dois repertórios. A seqüência verbal - não-verbal (dizer-fazer) parece servir como "modelo"
de autocontrole, sendo considerada mais efetiva na promoção do fazer correspondente e/
ou na manutenção deste. Esses dados justificam uma atenção especial do terapeuta
para essa literatura, já que 'mudanças no comportamento não-verbal’ são a demanda
mais comum nos consultórios.
No contexto limitado do consultório, o terapeuta deverá ficar sensível às
verbalizações do tipo “disse que faria X e fiz X" ou "faço o que digo", indicativas de possível
ocorrência de correspondência dizer-fazer e autocontrole.

3) Dizer-fazer-dizer: uma etapa intermediária?


Há inúmeras possibilidades de arranjo para a avaliação das relações entre
comportamento verbal e não-verbal, apesar de a pesquisa básica nessa área apenas ter
avaliado as seqüências fazer-dizer e dizer-fazer. Entretanto, Paniagua e Baer (1982)
sugerem que a correspondência seria mais adequadamente caracterizada por uma
seqüência com os seguintes elos: 1) promessa, 2) comportamento intermediário, 3)
cumprimento da promessa, 4) relato subseqüente sobre o cumprimento da promessa.
Ou seja, a seqüência dizer - comportamento intermediário - fazer - dizer. Pelo menos
em termos, teóricos a suposição faz sentido, considerando que, se o estímulo verbal
ajuda a controlar comportamentos não-verbais, então, um estimulo anterior e outro
posterior irão fortalecer essa situação de controle. Entretanto, esses autores ressaltaram
que, ató aquela data, não havia, na literatura pertinente, estudo algum incluindo o relato
pós-promessa cumprida como elemento da cadeia investigada.
Interessante notar que essa seqüência muito se assemelha à rotina típica de
atendimento psicoterápico. O cliente, no final da sessão, verbaliza desejos de
comportamentos futuros, mais especificamente para aquela semana, age e descreve o
comportamento emitido na sessão seguinte. Ou seja, ele se propõe a ‘fazer', ‘faz’ e
depois relata o que ‘fez’, em uma seqüência comportamental similar àquela sugerida por
Paniagua e Baer (1982), isto é, dizer-fazer-dizer. Apesar de essa seqüência servir como
possível paradigma para entender o que ocorre na rotina do consultório, apenas
recentemente foram conduzidos uma avaliação empírica (Beckert, 2000) e dois estudos
de casos clínicos (Abreu-Rodrigues e Beckert, no prelo; Beckert, 2001) incluindo a
seqüência dizer-fazer-dizer.
Na comparação entre as seqüências fazer-dizer, dizer-fazer e dizer-fazer-dizer,
Beckert (2000) observou o desempenho dos três grupos na aquisição e manutenção de
resposta de autocontrole, definida segundo o paradigma experimental de Rachlin (1970)
como aquela alternativa cujo reforço contingente é mais atrasado, porém de maior

Sobre Comportumcnto e Cotfnlç.lo 189


magnitude. Os sujeitos que receberam treino dizer-fazer-dizer apresentaram desempenho
mais semelhante aos sujeitos do grupo fazer-dizer do que do grupo dizer-fazer.
A análise desses dados, e possíveis desdobramentos, torna-se interessante se
considerarmos que: 1) dados anedóticos do presente autor, observando sua própria prática
ou a de supervisionandos, apontam para uma concentração dos casos de abandono ou
desistência da terapia por clientes, quando ocorrem, no período entre a sétima e décima
segunda sessão, e 2) uma seqüência dizer-fazer-dizer poderia servir de etapa intermediária
entre um momento de maior ênfase em autoconhecimento (fazer-dizer) e outro com ênfase
no autocontrole (dizer-fazer), tornando a mudança do foco da terapia mais gradual (talvez
menos aversiva), com um processo de introdução gradual (fading in) da verbalização anterior
ao fazer e posterior remoção gradual (fading ou) de ambas verbalizações (Figura 1).

Figura 1: Principais objetivos terapêuticos e relações com


treino de correspondência verbal - nâo-verbal

A Figura 2 ilustra esse procedimento de cinco etapas. Em uma fase inicial (etapa
1), há maior ênfase na seqüência fazer-dizer, conforme já descrito. O reforço social do
terapeuta é contingente à ocorrência de correspondência entre eventos relevantes do
passado do cliente e o relato desses acontecimentos - algo semelhante aos CRBs do
tipo 3, descritos pela FAP. Posteriormente, há o acréscimo do relato daquilo que gostaria
de fazer, o dizer anterior ao fazer (etapa 2). O terapeuta oferece dicas (prompts) para que
o cliente verbalize essas intenções de ações futuras, geralmente ao final de uma sessão
e, para a verbalização do fazer passado, geralmente no início da sessão posterior. O
reforçamento é contingente à ocorrência da seqüência com os três comportamentos.
Nessa etapa ó importante que o terapeuta auxilie o cliente a especificar o primeiro dizer.
Comportamentos não verbais de difícil execução deverão ser evitados a princípio.
Estando a cadeia dizer-fazer-dizer estável, o terapeuta oferecerá prompts apenas
para a verbalização anterior ao fazer, e o reforçamento estará contingente à emissão da
seqüência dizer-fazer, com retirada gradual do dizer posterior - fading out (etapa 3).
Observa-se que, mesmo não fazendo mais parte da contingência de reforçamento, ó
comum que clientes continuem emitindo a verbalização e descrevendo eventos ocorridos.
Isso quase sempre ocorre na função de 'relato de conquistas obtidas' (“eu disse que faria
tal coisa e realmente fiz").

190 Mdrcrlo Bcckrrl


Ressalte-se que o dizer posterior é necessário, sendo uma das únicas formas de saber
o que o cliente fez, mas o reforço liberado pelo terapeuta não é contingente à emissão
deste. Outras estratégias podem ser utilizadas, como uso de registros (Abreu-Rodrigues
e Beckert, no prelo), exames fisiológicos - como no caso de tratamento de drogadição
(Beckert, 2001), ou outros correlatos públicos.

Etapa Seqüência Características


(reforço contingente =
sublinhado)

1 fazer-dizer Fase inicial, investimento em


autoconhecimento. Cliente descreve
acontecimentos relevantes de sua vida;
terapeuta modela tatos fidedignos

2 Dizer-fazer-dizer Acréscimo do dizer anterior (na sessão).


Terapeuta oferece prompt apenas para dizer
anterior e posterior. Cliente diz o que fará, faz
e relata o feito.

3 Dizer-fazer-dizer Terapeuta oferece prompt apenas para dizer


anterior; normalmente observa-se que dizer
posterior ocorre sem haver contingência
explicita para ele (relato de conquista)

4 fazer-dizer Terapeuta observa ocorrência de


correspondência fazer-dizer (relato de
conquistas) sem contingências programadas

5 Fazer Foco na manutenção do comportamento não-


verbal por reforçamento natural

Figura 2: Descrição do procedimento de treino de correspondência dizer-fazer-dizer como


etapa intermediária entre treino fazer-dizer e dizer-fazer. A seqüência sublinhada será aquela
reforçada pelo terapeuta.

A partir do momento em que é observada estabilidade na emissão da seqüência


dizer-fazer, com ou sem dizer posterior, o terapeuta retira qualquer contingência de
reforçamento arbitrário (etapa 4). O relato do fazer anterior poderá continuar acontecendo,
mas será mantido por reforçamento natural.
Em um último momento (etapa 5), o objetivo de aquisição de comportamento(s)
não-verbal(ais) alvo ó observado. O terapeuta focaliza agora estratégias que poderão
assegurar a manutenção deste(s) comportamento(s) não-verbal(ais) por reforçamento
natural. A intervenção terapêutica terá sido efetiva.

Stíbrr Comportamento c CojjnlçJo 191


Algumas considerações importantes. Em primeiro lugar, como reforçar? Mais do
que liberar reforços sociais arbitrários (i.e., elogios), o terapeuta deverá levar o cliente à
reflexão de como ele, cliente, sente-se ao complementar determinada seqüência-alvo.
Por exemplo, na etapa 2, o terapeuta poderá falar; “sr. cliente, você disse na semana
passada que iria passar o final de semana com seu filho e agora está me apresentando
uma longa lista de coisas que vocês fizeram juntos, dizendo ter feito o que disse que iria
fazer. Como você se sente com relação a isso?”. Respostas emocionais são comuns
nesse momento (lágrimas, gestos, expressões e gírias enfáticas), tornando mais
fácil a conclusão de que a emissão do comportamento não-verbal (i.e., estar com o filho)
tenha sido naturalm ente reforçada. Na quase totalidade dos casos, os clientes
respondem que foi mais fácil executar a tarefa pré-definida do que eles imaginavam antes.
Uma segunda questão é quanto aos critérios de estabilidade que servem de pré-
requisito para passar de uma etapa a outra. Em outras palavras, o problema da avaliação
de fidedignidade do comportamento verbal do cliente, sobretudo o posterior ao fazer.
Nesse ponto, a experiência do terapeuta poderá estar associada ao uso de técnicas
alternativas (como exames clínicos, auto-registros ou registros de terceiros), possibilidade
de um familiar funcionar como co-terapeuta ou observação de respostas públicos
correlacionadas, que darão maior segurança de o dizer ser fidedigno.

4) Conclusões

O presente trabalho buscou analisar os principais objetivos terapêuticos à


luz da teoria do treino de correspondência verbal - não-verbal. Autoconhecimento foi
relacionado à seqüência fazer-dizer e autocontrole à seqüência dizer-fazer. Discutiu-se a
pertinência dessas análises de acordo com a teoria do Behaviorismo Radical de Skinner
e a literatura analítico-comportamental. O objetivo nào foi dividir toda a complexidade da
atuação terapêutica nesses dois momentos isolados. Atentando-se para os riscos da
super-simplificação, trata-se apenas de uma divisão didática, mas que serve de norte
para o terapeuta orientar sua atuação. A sistemática que inclui o treino verbal - não-
verbal - verbal já demonstrou ser potencialmente poderosa na implementação e manutenção
de comportamentos não verbais, além de bem adaptável ao setting da terapia.
Por fim, cumpre ressaltar que a terapia analítico-comportamental está sempre
vinculada a uma meta maior e mais abrangente, a de acreditar e investir na possibilidade
de o homem controlar suas próprias ações, estando mais ‘livre’ das formas de controle
mais coercitivas. Afinal, a liberdade de um indivíduo aumenta à medida que também
aumenta sua chance de exercer contracontrole, substituindo-se o “você deve fazer X". do
outro, por "vou fazer X”, do próprio sujeito.

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192 Marcrlo Heikrri


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194 M a n d o Rfckfrt
Capítulo 20
Notas sobre a atualidade de Ciência e
Comportamento H um ano

Maria Amalia Andery'


n/csr
Nil/a Micheletto
PUCSP
Tere/a Maria de Azevedo Pires Sério
PUCSP

O livro Ciência e Comportamento Humano è fruto de um conjunto de aulas que Skinner ministrou em Harvard, no final dos anos
40 O material das aulas foi aditado e enviado para publicação, em 1951 Tal como foi publicado, o livro está dividido em seis
seções, com um total de 29 capitulo«. Estes capítulos foram classificados por nós om quatro conjuntos: os fundamentos
de uma ciência do comportamento, os conceitos que constituem o sistema explicativo, a análiso do comportamento humano
individual n a superação dos limites estabelecidos entre as diferentes áreas do saber Partindo de alguns comentários sobro
a história do livro e do como ele foi organizado, sâo destacados aspectos sobre cada uma das dimensões do empreendimonto
cientifico abordados no livro a) alguns fundamentos da ciência do comportamento, b) aspectos conceituais polêmicos, c)
implicações da extensAo destes conceitos para a análise do comportamento humano individual e d) a cultura como
determinante do comportamento e as implicações desta determinação.

Palavras chave: B F,Skinner, Ciênciá e Comportamento Humano, análise do comportamento

The book Science and Human Behavior is the product of Skinner’s courses at Harvard University during the late 40 s.
Skinner's clHssroom notes were edited and sent to publication in 1951. The book is divided in six sections and 29 chapters.
The present authors classified these chapters Into four groups: the pnnciples that Inform a science of behavior, the concepts
that constitute Skinner's explanatory system, the analysis of individual human behavior, and the surpassing of thn
established limits among distinct sciences Beginning with a lew comments on the history ol tho book and its organization,
the authors discuss specific aspects about each one of the dimensions of the scientific endeavor: (a) somo of the
philosophical principles of the science of behavior, (b) polemic behavior analysis' concepts, (c) consequences of the
extension of these concepts to the analysis of individual human behavior, and (d) culture as a determiner of behavior and
the implications of this assumption.

Key words: ,B F. Skinnêr, Science and Human Behavior, behavior analysis

"Talvez a maior contribuição que uma ciência do comportamento


possa fazer para avaliação de práticas culturais è uma insistência na experimentação."
(Skinner, 1953)

I. Um pouco sobre a história do livro


A história de Ciência e Comportamento Humano pode ser iniciada com uma
promessa. Para contornar as dificuldades para publicar seu livro Walden II (escrito já em
1945), Skinner propôs, em 1947, á editora McMillan, o direito de primeira escolha da

' A ord«m dos autora* A m«rnm«nta «Ifnbétlca

Sobrr Comportamento c (.ojjnlçío 195


publicação de um livro introdutório de psicologia que ele escreveria. No entanto, a promessa
só se concretizou quando outras contingências se estabeleceram.
Em 1948, Skinner foi contratado como professor em Harvard e ofereceu, então,
um curso de graduação chamado de Psicologia 7, ou Comportamento Humano, com a
seguinte descrição no catálogo da Universidade:
[O curso pretende fazer uma] "revisão critica de teorias do comportamento huma­
no subjacentes às filosofias atuais de governo, educação, religião, arte e terapia
e um levantamento geral do conhecimento cientifico relevante, com ênfase na
predição e controle práticos do comportamento. " (conforme citado por Skinner,
1984, pág. 15)
No ano seguinte, o curso passou a ser oferecido pelo Programa de Educação
Geral, porque, segundo Skinner, o curso - Psicologia I - que Boring oferecia perdeu alunos,
o que dificultava a manutenção de dois cursos introdutórios de psicologia no mesmo
departamento. O curso de Skinner passou então a ser chamado de Ciências Naturais 114.
Segundo Skinner (1984), este
*era um titulo muito mais apropriado. Eu não havia dado a meus alunos uma
visão geral da psicologia; eu havia ensinado um tema (matter) muito diferente. ”
(pág. 23)
As necessidades criadas por estes dois cursos finalmente conduziram Skinner a
Ciência e Comportamento Humano. O número grande de alunos inscritos e sem um texto
a sua disposição (o levou Skinner distribuir sumários mimeografados de suas aulas
expositivas), segundo Skinner (1984) tornaram evidente a necessidade de
"(...) um livro, para o leigo culto, sobre as implicações de uma ciência do compor­
tamento - com suficiente conteúdo sobre o andamento da ciência de modo a
servir como texto introdutório. (...) Em Psicologia 7, frente a mais de 400 homens
(e mulheres) cultos eu percebi mais claramente o que este texto significaria e
comecei a escrevê-lo. Nas primeiras duas horas do dia eu me trancava em meu
escritório (...) Em março de 1951 eu enviei a Fred [Keller] 300 páginas
mimeografadas de Ciência e Comportamento Humano. Em alguma medida elas
cobriam o mesmo material que o texto de Keller e Schoenfeld [Princípios de
Psicologia, de 1950], mas, como eu expfiquei, ‘eu não vejo como eu possa escre­
ver a última parte do livro sem, pelo menos, este tanto de construção factual'. Em
1952, eu mimeografei um manuscrito completo para meus alunos e enviei uma
cópia pofa Anderson" [o editor da McMillan que tinha direito de primeira
escolha).(pÀg. 44)
O livro recebeu, desde antes de sua publicação, criticas: um dos pareceristas
contratados pelo editor para avaliá-lo afirmava que o livro era ótimo, mas que apresentava
um conjunto de problemas: não tinha figuras, relatos de experimentos, sumários etc.. Ao
relatar esta crítica em sua autobiografia, Skinner afirma que muito mais coisas estavam
ausentes do livro:
"(...) não há fotografia ... nenhum labirinto, nem sequer uma figura do cachorro de
Pavlov, não há curva de aprendizagem .... não há discussão sobre ... genes...
nada sobre maturação ou desenvolvimento, nada sobre teste de inteligência e
nenhuma estatística." (1984, págs.44, 45)

196 M a n a A m a i la Andery, N llz a M ich clcfto e Tereza M a ria de Azevedo Pire* Sítio
Os comentários de Skinner indicam que ele se dava conta de que Ciência e
Comportamento Humano representava uma perspectiva singular diante das perspectivas
difundidas na psicologia, naquele momento. Singular porque representava a abordagem
de um "objeto" distinto do que tradicionalmente vinha sendo abordado pela psicologia
(como ele mesmo diz, referindo-se ao curso que originou o livro, “eu havia ensinado um
tema (matter) muito diferente") e porque este objeto era tratado de formas inéditas na
psicologia (ao falar de seu livro, Skinner ressalta, com humor, estas diferenças: ausência
de labirintos, de curvas de aprendizagem, de recurso a estatísticas, de referências aos
genes...).
O reconhecimento de tais singularidades, entretanto, não impediu Skinner de
identificar problemas que dificultavam a vida do leitor e de planejar mudanças no livro para
aproximá-lo de um texto introdutório.
"Em 1958, eu planejei rever Ciência e Comportamento Humano para torná-lo
mais semelhante a um texto introdutório. Eu omitiria as seções mais difíceis,
adicionaria algumas figuras, tabelas, gráficos e fotografias, descreveria algumas
demonstrações e daria mais exemplos do cotidiano. Em um movimento
ecumênico, adicionaria algo sobre traços e atitudes e gastaria mais tempo com
Freud. Um segundo livro, uma análise avançada, conteria o material removido
do primeiro, com mais atenção para questões técnicas tais como percepção,
tomada de decisõo e julgamentos de valor. “(pág. 228)
No entanto, esta revisão jamais foi feita2e ainda hoje contamos com Ciência e
Comportamento Humano no formato em que foi originalmente publicado em 1953\
Essa breve história sobre o que poderia ser visto como a origem de Ciência e
Comportamento Humano já dá pistas sobre as dificuldades envolvidas nas tarefas de
caracterizar, compreender ou avaliar o livro. Não podemos, sem certa dúvida, afirmar sua
idade: qual a data que melhor representaria o momento de produção do livro ? Poder-se-ia
tomar 1948 (quando os primeiros manuscritos foram distribuídos), poder-se-ia tomar 1951
(quando a primeira versão foi enviada), poder-se-ia tomar 1952 (quando o manuscrito foi
enviado para o editor), ou poder-se-ia tomar 1953 como datas possíveis do momento de
produção primeira do livro. Ciência e Comportamento Humano passou dos cinqüenta, está
nos cinqüenta, ou está quase nos cinqüenta? Seja qual for nossa opção, o livro permanece
até hoje com suas características originais; assim, pode ser tomado com documento do
desenvolvimento do sistema explicativo skinneriano, nos anos 40-50; o que, quase de
imediato, sugere^a pergunta: o livro vale apenas como registro desse momento?

2. Sobre a estrutura do livro


De um modo geral, a maneira como um autor organiza seu texto ó parte, por
assim dizer, do próprio texto, e no caso de Ciência e Comportamento Humano não poderia
ser diferente. Qualquer análise do livro deveria passar pela análise de sua estrutura e,
eventualmente (como escolhemos fazer aqui) poderia partir dal..

'Skmnar ralata qua praaaionado eipednlmwUe por quMttoa fmarwara«, chagou * propor aMcM*an um novo laxto. ani conjunto com W HermatMn Raima
também giw o projato jamak chagou a mt axacutado porqua tava dúvidM quanto * tua poaaMHdada da colaboração harmônica com Harmslatn (Sklnnar,
1963. péga 226.229).
'No Rraail. o livro foi tradurldo por Jofto Cláudio Todorov a Rodotfo A?zl a pubHcado pala prtmatra vw am 1067 pala Editora da Unlvaraldada da Braallln
Hoje é publicado pala Fditora Martin» Fontaa.

Sobre Comportamento e Cognlçdo 197


Skinner organizou as mais de 400 páginas do livro em seis seções e 29 capítulos.
O Quadro 1, apresentado a seguir, ilustra a relaçáo entre estas seções e os capítulos
correspondentes. Além disso, como leitores do livro, agrupamos os capítulos em quatro
grandes partes, segundo a dimensão do empreendimento científico envolvida na construção
de uma ciência do comportamento humano, considerada por nós como central: os
fundamentos filosóficos da ciência do comportamento (F), os conceitos que constituem o
sistema explicativo (C), o impacto destes conceitos no tratamento do comportamento humano
individual (H) e a superação das fronteiras pré-estabelecidas das diferentes áreas do saber
(Sc). Neste agrupamento, um mesmo capítulo pode ser incluído em mais de uma dimensão,
como foi o caso dos capítulos 13, 14 e 17. Este agrupamento também é apresentado no
Quadro 1 e as Notas 3,4, 5 e 6, respectivamente, cada uma dessas partes.

A possibilidade de A anAlise do O indivíduo O comportamento Agências O controle do


uma ciência do comportamento como um todo de pessoa* em controladoras comportamento
comportamento grupos
humano

Quadro 1. A estrutura do livro Ciência e Comportamento Humano


3. Os fundamentos e pressupostos da ciência do comportamento
Segundo nosso entendimento, nos três capítulos iniciais, nos capítulos 13,14,17
e em trechos do capítulo 29, Skinner trata dos fundamentos e pressupostos da ciência do
comportamento. O título da Seção I bem como o título do primeiro capítulo sugerem o que
poderia ser visto como uma íntima relação entre conhecimento e atuação no mundo e,
talvez, não seja ir longe demais afirmar que essa suposição ó oferecida como critério para a
construção dos capítulos seguintes. O trecho a seguir parece refletir claramente esta posição:

198 M .irid A m alld Andrry, N llfd M lcb clctto c Tcre/d M arid dc A /c v fd o Pires S írio
“Se esta /oposição entre uma filosofia tradicional sobre a natureza humana e a
concepção proposta no livro] fosse apenas uma questão teórica não teríamos
razão para alarde; mas teorias afetam práticas. Uma concepção científica do
comportamento humano dita uma prática, uma filosofia da liberdade pessoal
dita uma outra. Confusão na teoria significa confusão na prática. ...As principais
questões em discussão entre as nações, em uma assembléia pacífica ou no
campo de batalha, estão intimamente relacionadas com o problema da liberda­
de e controle humano. ... Quase certamente continuaremos sendo inefetivos na
solução desses problemas até que adotemos um ponto de vista consistente. "
(pág. 9)
Além disso, a relação entre a produção de conhecimento e a atuação no mundo
não ó abordada por Skinner de uma maneira simples, unidirecional. Para perceber isto
talvez seja preciso ler com bastante atenção também as linhas finais do primeiro capítulo
de Ciência e Comportamento Humano:
Uma formulação científica [sobre o comportamento humano]... é nova e estranha.
"Pouquíssimas pessoas têm qualquer noção da extensão na qual uma ciência do
comportamento é realmente possível. De que maneira o comportamento de um
indivíduo ou de grupos de indivíduos pode ser predito ou controlado? Como são
as leis do comportamento? Que concepção geral do organismo humano como
um sistema que se comporta emerge? Apenas quando tivermos respondido
estas questões, pelo menos de uma maneira preliminar, poderemos considerar
as implicações de uma ciência do comportamento humano com respeito á teoria
da natureza humana ou á condução dos assuntos humanos." (pág. 10)
Entretanto, tais interpretações do texto de Skinner poderiam ser contestadas
com base no seu próprio texto. Há trechos de Ciência e Comportamento Humano que
sugerem uma dicotomia entre a produção de conhecimento e sua aplicação, que levam a
supor, inclusive, que o conhecimento científico ó neutro e que apenas podemos discutir a
direção de sua aplicação. A afirmação Talvez não seja a ciência que esteja errada, mas
só sua aplicação.” (pág. 5) sugere fortemente essa interpretação que parece ser confirmada
na apresentação do caráter cumulativo do conhecimento científico:
"Os resultados tangíveis imediatos da ciência tornam-na mais fácil de avaliar do
que a filosofia, poesia, arte, ou teologia... a ciência é única em mostrar um pro­
gresso cumulativo... Todos os cientistas ... permitem a aqueles que o$ seguem
começar um pouco adiante." (pág. 11)
Essa caracterização pode sugerir uma concepção linear de acumulação de
conhecimento, segundo a qual a produção de conhecimento ocorre de forma desvinculada
do contexto sócio-econômico, tal com se a ciência fosse um empreendimento a-histórico.
O conflito entre as duas diferentes posições aparentemente defendidas por Skinner
só se acentua quando lemos seu livro até o último capítulo. Lá, de forma absolutamente
clara e contundente Skinner afirma a não neutralidade da ciência e sua necessária
historicidade:
"A ciência não é livre ... Ela não pode interferir no curso de eventos; ô simples­
mente parte deste curso. Seria bastante inconsistente se eximíssemos o cientista
da descrição que a ciência faz do comportamento humano em geral.” (pág. 446)

Sobre C om poriim cnlo c Cogni(3o 199


Essa mesma posição está presente quando Skinner aborda um tema que não é
costumeiramente relacionado à questão da neutralidade/nâo neutralidade da ciência; ao
falar da atividade de analisar ele afirma:
"Dividimos o comportamento em unidades rígidas e, então, nos surpreendemos
ao descobrir que o organismo desrespeita as fronteiras que estabelecemos."
(pág. 94)
Neste trecho, Skinner deixa claro o pape) ativo do produtor de conhecimento (é
ele quem ‘divide’seu objeto de estudo em partes), que transforma seu objeto no processo
de conhecô-lo. Esta perspectiva implica necessariamente em uma recusa da possibilidade
de a ciôncia ser neutra.
Além destes aspectos bastante polémicos relativos aos fundamentos de uma
ciôncia do comportamento, são também abordados no livro outros que ainda hoje
permanecem como temas de discussão. São exemplos disso: a noção de causalidade
envolvida na discussão sobre o recurso a traços ou a características de um indivíduo
tomadas como constantes, como estruturais para explicar seu comportamento (capítulo
13), a noção de eventos privados e as bases materialistas que sustentam essa noção
(capítulo 17). A noção de eventos privados, bem como sua sustentação filosófica, tal
como proposta em Ciência e Comportamento Humano, talvez mereça destaque dado à
atratividade que parece ter entre os analistas do comportamento.
Apesar de relativamente inicial (se considerarmos o artigo de 1945 como primeira
apresentação desta perspectiva), a abordagem proposta para os eventos privados esclarece
um dos aspectos que parecem ser até hoje ponto de debate ou, pelo menos, de
esclarecimento: o que distingue os eventos classificados como privados é sua
acessibilidade e nada mais. Ao apresentar uma possível classificação sobre os estímulos,
o texto de Skinner é bastante claro com relação a este aspecto:
... o ponto importante aq ui... Não é o tocus de estimulação mas o grau de
acessibilidade para a comunidade, (pág. 262)
Com tal caracterização dos eventos privados, Skinner parece se afastar
definitivamente de uma concepção dualista; se o que distingue eventos privados de eventos
públicos é apenas a acessibilidade, parece mesmo não haver razão para suposição de
eventos com naturezas distintas. Mais uma vez, encontramos uma claro compromisso de
Skinner com tal afirmação:
A ciônçia moderna tem tentado apresentar uma concepção do natureza ordena­
da e integrada. Alguns de seus expoentes preocuparam-se com as amplas impli­
cações da ciência com relação à estrutura do universo. O quadro que emerge
quase sempre é dualista. O cientista humildemente admite que está descreven­
do apenas metade do universo e abandona um outro mundo - o mundo da
mente ou consciência - para o qual um outro modo de investigação é necessário.
Esse ponto de vista de maneira alguma ó inevitável, mas é parte da herança
cultural da qual a ciência emergiu. Ele obviamente se interpõe a uma descrição
unificada da natureza. A contribuição que uma ciência do comportamento pode
fazer ao sugerir um ponto de vista alternativa talvez seja uma de suas realiza­
ções mais importantes, (pág. 258)

200 M a ria A m alia Andcry, N il/a M ic h e ld to e Trrc/a M a ria ilc A /evcd o Pirrs Sério
4. Os conceitos que constituem o sistema explicativo
A parte que consideramos como tratando dos conceitos que constituem o sistema
explicativo proposto por Skinner envolve quase todos os capítulos da seçâo 2 (9 capítulos
dos 11 que compõem esta seção). Talvez sejam estes os capítulos que, segundo Skinner
(1984), trataram de temas já desenvolvidos no livro de Kellere Schoenfeld (1950). Nesta
parte, são abordados conceitos básicos para a análise do comportamento de qualquer
organismo. Skinner analisa conceitos que vão desde o reflexo e reflexo condicionado ató
o que pode ser chamado de controle aversivo, passando pelo conceito de drive e emoção.
Ainda segundo Skinner (1984), estes conceitos precisavam ser abordados já que eram
necessários para apresentar os demais capítulos do livro.
Esta maneira de organizar o livro (isto é, separar como uma seção os conceitos
básicos e seus fundamentos experimentais) deve ter trazido conseqüências para a sua
recepção. Ao referir-se ao curso durante o qual o livro foi redigido, Skinner (1984) diz:
"Embora meu curso fosso chamado 'Comportamento Humano’, os estudantes
logo passaram a chamá-lo 'pombos', e por uma boa razão. Eu falava sobre as
pessoas com princípios derivados de pombos. Obviamente as pessoas eram
mais complexas, mas a ciência começava com fatos simples e prosseguia assim
que tivesse tratado deles com sucesso." (págs. 26, 27)
Ao lado disso, seria bastante interessante, para entender o desenvolvimento
conceituai do sistema explicativo skinneriano, comparar os conceitos e a forma como são
abordados aqui com os conceitos e a forma com que foram tratados no Comportamento
dos Organismos (Skinner, 1966/1953/1966). Esta comparação poderia ser heurística, já
que o Comportamento dos Organismos pode ser considerado como uma primeira
sistematização dos conceitos elaborados por Skinner e, como o próprio título do livro
indica, uma sistematização que não buscava ainda a especificidade e o compromisso
com o comportamento humano. Da mesma forma, seria bastante interessante comparar
os conceitos abordados e seu tratamento com livros introdutórios de análise do
comportamento mais contemporâneos (tais como, Catania, 1998; Piercee Epling, 1995).
A título de provocar algumas reflexões, alguns comentários sobre estas
comparações são apresentados a seguir.
a) o conceito de reserva de reflexos ou de respostas
Este conceito foi elaborado por Skinner durante a década de 30 e é formalmente
apresentado no livro O Comportamento dos Organismos (1966/1953):
“Uma operação que afeta a força de um único reflexo sempre envolve eliciação.
(...) E esta relação entre força e eliciação prévia, anterior, ô tal que podomos falar
de uma certa quantidade de atividade disponível, que ô exaurida durante o
processo de eliciação repetida e da qual a força do reflexo ô, em um dado mo­
mento, uma função.
Eu chamarei a atividade total disponível de reserva do reflexo" (...). (pág. 26)
Esse mesmo conceito que envolve a criação de um certo número potencial de
resposta - a atividade total disponível - para cada resposta reforçada vale também para a
análise do comportamento operante:

Sobrr Comportamento c CoflniçJo 201


Lei da reserva operante. O reforçamento de um operante cria uma única reserva,
cujo tamanho é independente do campo estimulador mas que diferencialmente acessível
sob campos diferentes campos. (...) No entanto, deveria ficar claro que a reserva operante
é uma reserva de respostas, não de unidades estlmulo-resposta. (págs. 229-230)
Apesar dele ter sido explicitamente abandonado em 19504, é possfvel encontrar
vestígios seus em Ciôncia e Comportamento Humano:
"Os resultados experimentais são bastante precisos para sugerir que em geral o
organismo devolve um certo número de respostas para cada resposta reforçada.
Nós veremos, entretanto, que os resultados dos esquemas de reforçamento não
são sempre redutíveis a uma equação simples de input com output." (pág. 100)
O conceito de reserva não aparece com o peso que tem em 1938, quando, inclusive,
parece ter um papel explicativo; entretanto, é quase impossível não identificar o conceito na
afirmação “o organismo desenvolve um certo número de respostas para cada resposta reforçada''.
b) os dois efeitos do reforçamento
Um exemplo que vai na direção oposta a do conceito de reserva ó a proposição da
existência de dois efeitos do reforçamento. É bastante difundida entre nós a identificação
dos dois efeitos a partir do artigo de O que está errado com a vida cotidiana no mundo
ocidental? (Skinner, 1986); neste artigo Skinner afirma:
Com o risco de ser mal compreendido pelos críticos do behaviorismo, distinguirei
o efeito de prazer [pleasing] e o de fortalecimento [strengthening] [do reforçamento]. Eles
ocorrem em diferentes momentos e são sentidos como coisas diferentes. Quando nos
sentimos com prazer [pleased], não necessariamente sentimos uma maior inclinação
para nos comportarmos da mesma maneira. (...) Por outro lado, quando repetimos o
comportamento que foi reforçado não sentimos o efeito de prazer que sentimos no momento
que o reforçamento ocorreu, (pág. 17)
Se bem que não tão explicita e claramente, estes dois efeitos parecem já
reconhecidos em 1965/1953:
"Uma abordagem alternativa (a afirmar que um estimulo ó reforçador porque ele
é prazeroso] ô definir prazer e desprazer (...) perguntando ao sujeito como ele se
sente sobre certos eventos. Ao fazer isto, se assume que o reforçamento tem dois
efeitos - ele fortalece comportamento e gera 'sentimentos' - e que um é função do
outro. Mas a relação funcional pode ser na outra direção. ” (pág. 82)
Trecho bastante interessante já que o que é negado por Skinner ó a direção
do que ele chama de relação funcional e não a existência dos dois efeitos do reforçamento:
o fortalecimento da resposta que produziu o reforço e o prazer sentido no momento em
que o reforçamento ocorre.
c) controle de estímulos
O tratamento dado em Ciência e Comportamento Humano ao que podemos
chamar de controle de estímulos no comportamento operante ó outro aspecto que merece
destaque. Ao tratar deste tema, principalmente nos capítulos 7 e 8, Skinner estende sua

é
4Na*ta artigo, Skinrwr afirma gua a raaarva ‘ ( ) nto um concarto particularmente útil. nem a vteâo d« gue a axtinçêo é um proceno (1«exmisMo adiciona
multo ao fato ob*ervado qua m curva« da axtlnçâo Uto inclinada* d* um certo modo ” (p 203)

202 M.iri.i Amaltd Andcry, N i Im 'Micheletlo c Tcrc/a Maria dc A/cvcdo Pires Sério
análise desde casos simples de discriminação até comportamento verbal. Deve ser
ressaltada a presença, ainda que incipiente, das relações que mais tarde (1957) serão
chamadas de operantes verbais3:
"O comportamento verbal ajusta-se ao padrão da contingência de três termos
(...) uma cadeira ó a ocasião na qual a resposta “cadeira" ó provável de ser
reforçada (...) quando lemos alto, respondemos a uma série de estímulos visuais,
com uma série de respostas vocais correspondentes. (...) Muitas respostas ver­
bais estão sob controle de estímulos discriminativos verbais. Ao memorizar a
tabuada, por exemplo, o estímulo "9 X 9" é a ocasião na qual a resposta “81“ ô
apropriadamente reforçada (...) "Fatos" históricos e muitos outros tipos de Infor­
mação cabem na mesma fórmula." (pág. 109)
Talvez seja possível, inclusive, falar de indícios da noção de comportamento
governado por regras4, neste mesmo capítulo (pág. 109) e nos capítulos aqui classificados
como tratando de fenômenos sociais e culturais (por exemplo, pág. 339); nestes capítulos
encontramos também exemplos do que futuramente poderia ser chamado de operante
verbal mando (págs. 307,308).
Um aspecto que não pode passar desapercebido é a presença da expressão
“contingência de três termos" (pág. 108), exatamente quando a noção de controle do
comportamento operante de estímulos é apresentada.
d) a noção de estímulo reforçador condicionado generalizado
Finalmente, deve ser notado que Skinner não se furta a indicar possíveis lacunas
ou desafios teóricos presentes em alguns dos conceitos por ele apresentados. Podemos
citar como exemplo disso as afirmações que ele faz sobre estímulos reforçador condicionado
generalizado
“(...) os reforçadores generalizados são efetivos ainda que os reforçadores primá­
rios sobre os quais se baseiam não mais os acompanhem. Jogamos um jogo do
habilidades pelo próprio jogo. Obtemos atenção ou aprovação por elas mesmas
(...) A submissão de outros ô reforçadora ainda que não façamos uso dela. Um
avaro pode ser tão reforçado por dinheiro que passará fome em vez de desfazer-
se dele. Estes fatos observáveis devem ter seu lugar em qualquer consideração
teórica ou prática. ” (pág. 81)
Sem abrir mão da origem ontológica de estímulos reforçadores condicionados
generalizados (afinal, eles dependem, para adquirir função reforçadora, de uma relação
específica com estímulos reforçadores primários), Skinner não deixa de indicar o que
pode ser até hoje uma lacuna, ou um desafio para os analistas do comportamento: tendo
adquirido esta função, tais estímulos parecem independer da continuidade de tais relações
e, mesmo assim, não são, segundo Skinner, sujeitos a operações especificas de privação.
Isto nos faz perguntar sobre as variáveis que podem ser responsáveis pela modulação do
valor reforçador de tais estímulos, já que as conhecidas e que atuam sobre outros tipos de
estímulos reforçadores (primários e condicionados) parecem não valer aqui.

* Isto Inlvoz nflo deva aer vwto com »urpreea. po« datam da meema época oe curaoe »oOre comportamento vertoal (1047) • o eoòre comportam* ito humano
(1048). durante oa qunto, reepectivamente, um Mboço do que aeria o livro Comportamento Verbal foi apreeentado e o livro CAncla a Comf>orlamento
Humano foi ascrito

•Skinner (1084) reconhece lato a. mala, indk» mu artigo da 1903. «obra comportamento oparanla. oomo aquele no qual 'uma anAHea razoavelmente
completa" de comportamento governedo por regrai rcx apreeentada e o artigo de 1000. *obre eokiçAo de problema», oomo aquele no qual aata anállaa foi
eatendlda (prtg 283)

Sobre Comportamento e Cognição 203


5. O tratamento do comportamento humano individual
Um aluno do curso sobre comportamento humano ministrado por Skinner em
1948 que tivesse ido à biblioteca antes de iniciar o curso e tivesse lido a obra de Skinner
(talvez com a exceção de dois títulos - Walden //, de 1948, e A análise operacional de
termos psicológicos, de 1945), certamente se surpreenderia com o nome do curso e não
teria como, sozinho, “extrapolar" e antecipar as afirmações de Skinner que passaram a
compor os capítulos de Ciência e Comportamento Humano que tratam exclusivamente de
comportamento humano.
A promessa contida no título do livro - analisar o comportamento humano - começa
a ser cumprida a partir do que foi considerado, aqui, como sua terceira parte: o impacto
dos conceitos que constituem o sistema explicativo sobre o tratamento do comportamento
humano individual. Nos capítulos de 13 a 18, Skinner trata do comportamento humano
individual com os conceitos baseados em uma análise experimental do comportamento.
Esta tarefa, além das dificuldades óbvias envolvidas, explicitava todo o enfrentamento com
as concepções mais tradicionais difundidas na psicologia.
“Apenas por pura teimosia os behavioristas continuam a buscar uma alternativa
[ao mentalismo] ...No Comportamento dos Organismos eu evitei o problema:
“Que extrapole quem quiser". Mas em Ciência e Comportamento Humano, e no
curso para o qual ele foi escrito eu voltei a parafrasear, traduzir e reinterpretar
expressões mentalistas.'' (Skinner, 1984, págs. 239-240)
Desta forma, o recurso aos conceitos derivados de pesquisas de laboratório com
sujeitos infra-humanos para analtsar o comportamento humano parece implicar,
inevitavelmente, um diálogo aberto com o mentalismo, o que, acreditamos, Skinner (1965/
1953) fez ao tratar dos fenômenos tradicionalmente chamados de autocontrole, pensamento
e eu (self).
As dificuldades e as conseqüências desse diálogo podem ser bem ilustradas
com o capítulo 16, que recebe o título de pensamento. Partindo da expectativa criada por
esse título, a leitura do capitulo, quase que com certeza, gerará surpresas. O leitor
encontrará, analisados e destacados com subtítulos, fenômenos tais como: comportamento
de tomar decisões, o comportamento de lembrar, solução de problemas, a produção e
originalidade das ‘idéias’; com exceção dos últimos tópicos, a simples palavra pensamento
aparece muito esporadicamente no texto, dando a impressão de que a análise do
pensamento começa a ocorrer apenas quando o fenômeno abordado é a produção de
idéias. Neste subtítulo, Skinner recorre a expressões do tipo “processo de pensamento",
"pensamento e raciocínio" (pág. 252), "esclarecer nosso pensamento", “ato de pensar"
(pág. 253). Talvez o leitor precise de mais de uma leitura para reconhecer o que podemos
chamar de processo de desconstrução da categoria ‘pensamento’; ao dialogar com o
mentalismo, o que Skinner parece fazer é descrever as múltiplas contingências envolvidas
na suposta categoria ‘pensamento’, destruindo, assim, sua aparente unidade. Em outras
palavras, com sua análise, Skinner revela a reificação ou a coisificação dos múltiplos e
diversos fenômenos promovidas pelo rótulo ‘pensamento’.
Do nosso ponto de vista, ao recorrer á análise de fenômenos tradicionalmente
tratados pelo mentalismo, Skinner também ousou metodologicamente; mais uma vez
referindo-se ao curso que originou o livro, ele afirma:

204 M a ria A n id lid Andery, N il/a M Ich tlcH o c fereza M a ria de A /cve d o Pires Sério
“Se [recorrendo aos conceitos derivados de laboratório infra-humano para anali­
sar o comportamento humano] finalmente ficasse claro que alguns tipos de com­
portamento humano continuavam inexplicados, teríamos que estudá-los por si
mesmos. Meu tratamento do comportamento humano era em grande parte uma
interpretação, não um relato de dados experimentais. Interpretação era uma
prática científica comum, mas especialistas em metodologia científica haviam
dado pouca atenção a ela. ” (pág. 27)
Talvez pudéssemos falar em uma dupla ousadia metodológica. Uma claramente
explicitada no texto - o recurso à interpretação como uma prática metodologicamente
aceitável. A outra, talvez ainda difícil para nós hoje, pode até passar desapercebida: o
reconhecimento de que alguns comportamentos humanos, devido à sua especificidade ou
peculiaridade, se apresentassem como objetos de estudos enquanto tais.

6. A superação das fronteiras pró-estabelecidas nas diferentes áreas do saber


Finalmente, o que foi considerado aqui como a quarta parte - a superação das
fronteiras pró-estabelecidas das diferentes áreas do saber - ó composta por 11 dos 29
capítulos de Ciôncia e Comportamento Humano (capítulos 19 a 29); nestes capítulos,
Skinner aborda aspectos envolvidos no comportamento humano em grupo, desde a interação
não estruturada entre dois sujeitos até a interação presente na produção, organização e
difusão de práticas culturais.
Considerando que o livro ó de psicologia, além do significativo número de capítulos
dedicados a esta parte, uma característica destes capítulos não pode deixar de ser apontada:
sem abandonar o compromisso de analisar o comportamento de indivíduos, Skinner trata
das interações sociais, distinguindo o que poderíamos chamar de diferentes níveis de controle
exercido nestas interações (o controle pessoal, o controle pelo grupo e o controle pela
agência organizada) e atribuindo a cada nivel de controle uma amplitude e uma especificidade
próprias. É possível afirmar que, desde então, a compreensão do comportamento do indivíduo
implica a consideração desses diferentes níveis de ‘variáveis’ sociais.
Se considerarmos o curso do desenvolvimento da psicologia (com suas divisões
tradicionais, sendo uma delas a 'psicologia social’) e da própria análise do comportamento,
não há como não reconhecer o caráter inovador da abordagem que a presença de tais
capítulos sugere. Mais surpreendente ainda se voltarmos a apresentação que Skinner
(1984) faz da parte do curso na qual tratava dos temas desses capítulos:
“A última metade do curso tratou de comportamento social e das agências orga­
nizadas governo, religião, educação, economia e psicoterapia. Em cada caso eu
identifiquei: (1) aqueles que controlam, (2) aqueles que são controlados, (3) o
poder que torna o controle possível, (4) os processos e técnicas por meio dos
quais ele é usado, (5) os efeitos resultantes sobre o controlado, (6) medidas
tomadas como contracontrole e (7) as entidades e os princípios maximizados
que se supõe “justificam’' a agência." (pág. 18)
Novamente recorreremos a exemplos para indicar alguns dos aspectos que
caracterizam a análise apresentada no livro.
Um primeiro aspecto refere-se à concepção de cultura:

Sobre Comportamento e CotfniçJo 205


"No sentido mais amplo possível a cultura na qual um indivíduo vive é composta
por todas as variáveis arranjadas por todas as outras pessoas que o afetam. ...
Entretanto, ela não ó unitária, Em qualquer grande grupo, não há contingências
de controle universalmente observadas. Usos e costumes diferentes
freqüentemente entram em conflito ... Instituições ou agências de controle distin­
tas podem operar de maneiras diferentes ... Um dado ambiente social pode
mudar extensamente durante a vida de um indivíduo particular, que então ó
submetido a culturas conflitantes(pág. 419-420)
Fica clara a noção de uma cultura não estática e não harmônica; mais do que
isso, cultura parece ser sinônimo de diversidade. Tal diversidade aplica-se, inclusive, não
apenas à suposição de diferentes tipos de agências de controle (governo, religião, educação,
economia e psicoterapia) mas principalmente às possibilidades de controle de cada agência.
Os trechos apresentados a seguir ilustram este aspecto:
“Embora haja uma oposição fundamental nos processos comportamentais em­
pregados [pelo governo, religião e psicoterapia], não há necessariamente qual­
quer diferença no comportamento que estas três agências tentam estabelecer.
(...) As técnicas disponíveis às agências religiosa e governamental são extrema­
mente poderosas e freqüentemente são mal utilizadas com resultados desvanta­
josos para o indivíduo e para o grupo. Algum grau de contracontrole por parte da
psicoterapia ou alguma agência semelhante é, portanto, freqüentemente neces­
sário. Uma vez que variáveis sob controle do terapeuta são relativamente fracas
e uma vez que e/e tem que operar dentro do certos limites éticos, religiosos o
legais, ele dificilmente pode ser visto como uma ameaça séria. ’’ (pág. 372)
“Se há uma agência econômica como tal, ela ô composta daqueles que possu­
em riqueza e usam-na de maneira a preservar ou aumentar sua fonte de poder.
(...) Aqueles que possuem riqueza podem agir conjuntamente para proteger a
riqueza e controlar o comportamento daqueles que a ameaçam. Nessa medida
podemos falar da ampla agência econômica chamada 'capitar."(pág. 400)
Mais do que claros, os trechos transcritos mostram a peculiaridade do controle
precário exercido pela psicoterapia e o controle poderoso exercido pela agência econômica.
No primeiro caso, vale ressaltar que a psicoterapia parece existir apenas para 'corrigir’os
problemas criados pelas demais agências; como ressalta Skinner, seu poder não ameaça
a continuidade das agências criadoras dos problemas, isto poderia sugerir que ela tem um
papel 'mantenedor': permite que o controle continue tal como está, ao impedir que seus
efeitos se tornem insuportáveis para a cultura como um todo. A psicoterapia parece ter um
papel remediativo. No segundo caso, as razões que sustentam a agência econômica
(preservar ou aumentar a fonte de poder da própria agência, proteger a riqueza e controlar
a ameaça) indicam que ela promove sua própria reprodução, talvez submetendo as demais.
É importante notar que, nestes capítulos que tratam do poder da cultura na
determinação do comportamento do indivíduo, aparece de forma mais clara o que, bem
mais tarde (aproximadamente, trinta anos depois), será chamado de modo causal de
seleção por conseqüências.
“Vimos que, em certos aspectos, o reforçamento operante se assemelha á sele­
ção natural da teoria evolucionária. Assim como características genéticas que se
originam como mutações são selecionadas ou descartadas por suas conseqü­
ências, assim também novas formas de comportamento são selecionadas ou

206 M a ria A m a lia Andcry, N ll/a M ic lic lrlto c Icre/a M a ria de A /c vc d o Pire* Sério
descartadas por meio de reforçamento. Há ainda um terceiro tipo de seleção que
se aplica a práticas culturais." (pág. 430)
“O próprio substrato biológico é determinado por eventos anteriores em um pro­
cesso genético. Outros eventos importantes sâo encontrados no ambiente nâo
social e na cultura do indivíduo, em seu sentido mais amplo possível. Estas sSo
as coisas que fazem o indivíduo se comportar como o faz." (pág.448)
Encontramos nestes trechos quase que um esboço do modelo de seleção por
conseqüências; os três níveis de determinação estão presentes e em todos eles o processo
de seleção pelas conseqüências é o processo produtor, sendo que o comportamento
individual é produto dos três níveis em conjunto.
Embora a presença deste modelo causal possa ser identificada em outros
momentos do livros, sua apresentação tão clara aqui é responsável pela inclusão do
capitulo 28 também na parte de fundamentos e isto só está sendo abordado aqui por uma
questão estratégica: em nossa opinião, a análise da cultura parece ter sido um fator
catalisador no processo de elaboração desse modelo causal.
Com este modo causal, talvez Skinner tenha levado às últimas conseqüências
toda a alteração na maneira de entender o ser humano possibilitada pelo conceito de
comportamento operante; é possível, finalmente, superar modelos mecanicistas e teleológicos,
mantendo-se estritamente dentro de uma concepção monista e materialista de mundo:
Não importa que o indivíduo possa tomar para si o controle das variáveis das
quais seu próprio comportamento é função, ou, em um sentido mais amplo, possa engajar-
se no planejamento da sua própria cultura. Ele faz isto somente porque ó produto de uma
cultura que gera autocontrole ou planejamento cultural como um modo de comportamento.O
ambiente determina o indivíduo mesmo quando o indivíduo altera o ambiente, (pág. 448)
Com certeza é importante destacar que, para Skinner, toda a determinação, e
principalmente a determinação cultural, em momento algum se opõe à individualização,
ou mais precisamente, à singularidade de cada indivíduo. Talvez, nenhuma outra perspectiva
coloque-se em antagonismo frontal com a padronização, com a homogeneização e com a
massificação como esta:
Freqüentemente se diz que
"a natureza humana é a mesma em todo o mundo". Isto pode significar que os
processos comportamentais sâo os mesmos onde quer que sejam encontrados
(...). A afirmação também pode significar que as variáveis independentes que
determinam o comportamento são as mesmas em todo o mundo e este ô um
outro problema. Dotações genéticas diferem muito e os ambientes possivel­
mente mostram mais diferenças que similaridades, grande número das quais
pode ser atribuído a variáveis culturais. Obviamente, o resultado é um alto grau
de individualidade." (págs. 421-422)

’Podemo« citar como exemplo» a identificaçAo da origem dos estimulo* relorçadorea priménoa e a sugeatAo de expticaçAo da contiguidade qua parncn
caracterizar a relaçflo reaposta eatlmulo retorçador ‘ No comportamento operante superaticioao, como noa reflexoa condicionado» auperalicioaoa o
proceaso de condicionamento falhou" (pAg 86)

Sobre Comportamento c C og n itfo 207


7. Finalmente
Iniciamos a preparação deste artigo sob controle de desafios colocados pela
própria comunidade de analistas do comportamento: mais de uma vez participamos de
discussões sobre a atualidade ou não de Ciôncia e Comportamento Humano. Comentários
sobre o quão ultrapassado seria o livro hoje instigaram uma re-análise dele.
Ao preparar a apresentação deste artigo para o Encontro da ABPMC e sua redação
final, o controle sobre nosso comportamento foi se alterando. Hoje gostaríamos que estas
notas tivessem sobre o leitor o mesmo efeito que os comentários sobre o livro tiveram
sobre nós: que fossem um convite a uma reíeitura do texto de Skinner.
Este convite só pode ser feito graças à inestimável contribuição de João Cláudio
Todorov e Rodolpho Azzi. A tradução que fizeram para o português de Ciência e
Comportamento Humanoè até hoje condição concreta para estudantes e estudiosos da
análise do comportamento tenham acesso ao livro.

Referências
Catania, A. C. (1998). Learning. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.
Keller, F. S.; Schoenfeld, W. N. (1950). principias QÍ Psychology. New York: Appleton-Century-
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Pierce, W. D.; Epling, W. F. (1995). Behavior Analysis and Learning. Upper Saddle River, NJ:
Prentice Hall.
Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Thft Psychological Review,
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208 M .irid A m alia Andcry, N ll/a M lc h f ld lo r Trrwa M a rla d f A /e vcd o Pirrs Sério
Capítulo 21
A buso sexual contra crianças e adolescentes:
considerações sobre os fatores antecedentes
e sua importância na prevenção *
Maria da C/raçaSaldanha Padilha
Universidade Tuiutido Paraná

O abuso sexual ê o uso da criança por parte do adulto para a própria estimulaçAo sexual, numa relaçAo de poder exercido pelo
adulto em dlreçAo á Intimidade corporal da criança O abuso soxual nflo é um transtorno, mas um evento multidetermlnado.
Modelos explicativos que considerem uma única "causa" do fenômer w poderio m revelar incompletos A avahaçSa deve ser
ampla: multi-mrttodo, multi-smtoma, multi-informantes Dentro deste enfoque, as estratégias de prevonçAo ou tratamento
devem considerar as Inúmeras variáveis que podem estar envolvidas, evitando simplificar o fenômeno. 0 objetivo deste
trabalho á explorar um modelo explicativo para o abuso sexual, considerando o conjunto de variáveis sociais, familiares e
Individuals quo podem estar Implicadas na sua ocorrência. SAo explicados os perfis da mAe, do pai ou padrasto e da criança
que participam do abuso, principalmente quando é Intra-familiar. É discutida a noçêo de risco de abuso, juntamente com o
modelo de Fllkelhor (1984) Ao final è feita uma síntese, numa tentativa de demonstrar a multldetermlnaçâo do fenflmeno do
ubuso sexual e apontar caminhos para sua prevenção

Palavras-chave; abuso sexual, antecedentes; nsco, prevençAo.

Sexual abuse happens when an adult uses a child as object of sexual stimulation, using power toward the corporal intimacy
of the child. Sexual abuse is not a disturb, but a multi-determlned event Explanation models that consider tho phenomenon
with a unique cause can be incomplete. The evaluation of the case must be wide: multi-methods, multi-symptoms, multi-
informer This model focuses that prevention or treatment strategies must consider all variables Involved on the process,
avoiding simplification of (he phenomenon The objective of this work is to explore an explanation model tor the sexual abuse,
considering all social, familiar and individual variables implicated on the process. The model explains profiles of mother,
father or stepfather, and child that participated on the process of sexual abuse, mainly inside the familiar context. The notion
of sexual abuse risk is discussed, including the model of Finkelhor (1984), trying to demonstrate that the event Is multi-
determined, and to Indicate the possibility of prevention.

Key words: sexual abuse; antecedents; risk; prevention.

Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus-tratos. Segundo Gabel
(1997 - p.10), significa “afastamento do uso normal, uso errado, uso excessivo". Pode ser
físico, sexual ou psicológico, e envolve a intencionalidade do abusador, que é em grande
parte das vezes uma pessoa da família da criança ou adolescente contra quem é praticado
o abuso. O abuso sexual é o uso da criança por parte do adulto para a própria estimulação
sexual, numa relação de poder exercido pelo adulto em direção à intimidade corporal da
criança, sem possibilidade de escolha por parte desta (Born, Delville, Mercier, Sand e
Beeckmans, 1996).
"VerMo modificada do trabalho apresentado no X Encontro da AseooeçAo Brauietra de Pticotenipia e Medicina Comportamental. baeeado na
diaeertaçáo de mestrado da autora 'Adoleecentee InetKudonaluadat vitime» de ab utt sexual anállee de um proceeeo terapêutico em grupo' (2001),
onentada pela Prof Dra Paula Qomide do Programa de PtX grriuaçto da Univenidada Kederal do Paraná

Sobrt Comportamento e C ojjnlçio 209


A peculiaridade do abuso sexual reside no fato de que muitas vezes não existem
provas físicas de que ele aconteceu e de que o abusador argumenta que não forçou a
criança a nada. Considerar esta característica do fenômeno parece ser fundamental no
planejamento de intervenções para prevenção ou tratamento de situações de abuso sexual,
intra-familiar ou extra-familiar.
O abuso sexual não é um transtorno, mas um evento multideterminado. Modelos
explicativos que considerem uma única “causa" do fenômeno poderão se revelar
incompletos. Furniss (1993) argumenta que a decisão sobre que tipo de intervenções
aplicam-se a cada caso, depende de avaliação, que deve ser completa: multi-método,
multi-sintoma, multi-informantes. Dentro deste enfoque, as estratégias de prevenção ou
tratamento devem considerar as inúmeras variáveis que podem estar envolvidas, evitando
simplificar o fenômeno. Afirmações do tipo “ele abusou da filha porque estava bêbado" ou
“a adolescente usava roupas que estimularam sexualmente o agressor e por isso ele a
atacou” podem reduzir as causas do abuso sexual a uma única dimensão.
O propósito deste artigo é explorar um modelo explicativo para o abuso sexual,
considerando o conjunto de variáveis sociais, familiares e individuais que podem estar
implicadas na sua ocorrência e apontar alguns caminhos para sua prevenção.

Dados epídemiológicos
Segundo dados de 1997 daABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção à Infância e Adolescência), em cada cem denúncias de maus-tratos contra
crianças e adolescentes, nove são de abuso sexual (Abreu, 1999).
Em recente reportagem, Klenk (2002) expõe os dados das denúncias feitas à
Delegacia da Mulher da cidade de Curitiba, de janeiro a maio de 2002: dos 55 casos de
violência contra crianças e adolescentes registrados neste período, 42 envolveram alguma
forma de abuso sexual, sendo o agressor na maioria dos casos o padrasto. O pai foi
apontado como o segundo agressor mais freqüente.
Os estudos epídemiológicos feitos em outros países apontam uma prevalência
do abuso sexual numa faixa bastante ampla, que é função das diferentes definições que
incluem ou não ofensas, com ou sem contato físico. Citando estudos retrospectivos, Wolfe
(1998) conclui que 27% das mulheres e 16% dos homens experimentam ao menos um
episódio de abuso sexual durante sua infância ou adolescência. Friedrich (1998) afirma
que a estimativa é de que uma em cada cinco mulheres teve experiências sexuais não
desejadas antes da idade de 18 anos.

Características do fenômeno
A duração do abuso na vida da criança pode ir de um único episódio isolado até
episódios recorrentes e rotineiros durante vários anos, sem que haja a revelação do fato
perante outros. Pode se iniciar em qualquer faixa de idade, desde quando a criança ô
muito pequena (2 ou 3 anos ou mesmo bebê), ou mais tardiamente, ou na adolescência.
O abuso sexual dentro da família pode ocorrer por vários anos, sem que haja
revelação por parte da criança, ou sem que nenhum dos membros da família fale

210 M u rilrü Mestre e Neu/d Cordssa


explicitamente sobre o abuso ou o denuncie. Azevedo, Guerra e Vaicunas (1997 - p. 196)
esclarecem que "a definição do adulto incestuoso vai depender do sistema de parentesco
vigente: pai, mãe, irmão, tio, tia são alguns protagonistas possíveis. Quando os laços são
de afinidade ou responsabilidade (moral, legal), vemos aparecer as figuras do padrasto/
madrasta,..." Segundo estas autoras, há duas formas de incesto: o ordinário, ou mais
freqüente, que acontece entre pai e filha (padrasto/enteada) e o extraordinário, que
compreende ocorrências raras ou pouco difundidas, como o incesto mãe-filho.
As hipóteses sobre o comportamento familiar conivente com o abuso giram em
torno dos padrões de comportamento da mãe, do pai ou padrasto e da própria criança,
adquiridos durante suas histórias de vida, que muitas vezes repetem padrões de gerações
passadas. A hipótese da transmissão intergeracional da violência e do abuso (Widom,
1989) afirma que é possível que pais, padrastos e mães que tenham passado por situações
de abuso sexual quando crianças, tomem-se abusadores ou permitam situações de abuso.
A impossibilidade da aquisição de um repertório de comportamentos de auto-proteção
pode decorrer dos modelos inadequados fornecidos pelos pais, que por sua vez também
não teriam tido modelos adequados de seus pais e assim por diante. Este mecanismo de
repetição intergeracional de comportamentos de exposição a riscos explicaria por que mães,
pais ou padrastos tornam-se “cegos" com relação ao abuso sexual, ou seja, não conseguem
discriminar os fatores que iniciam as cadeias de comportamento que levam ao abuso.
No caso da mãe, este fator ó particularmente dramático. É ela que vai ou não
impedir que o abuso continue ocorrendo dentro de casa. Perrone e Nannini (1998) afirmam
que há a mãe que reage com firmeza tão logo suspeita ou constata o abuso, e a que
apresenta uma atitude ambivalente, que pode confundir a possibilidade de discriminação por
parte da criança. De acordo com Friedrich (1998), mães que tenham sofrido elas próprias
situações de abuso quando crianças têm dificuldade em discriminar os sinais de abuso
contra seus filhos e impedir a cadeia de comportamentos do abusador, por uma interferência
de efeitos a longo prazo do incesto, como a depressão e os sentimentos de impotência que
podem prejudicar sua percepção e comportamentos enquanto mãe. Conforme Kreklewetz e
Piotrowski (1998), a estas mães tem sido atribuída a culpa do abuso sexual de suas crianças,
por não conseguirem protegê-las e permitirem que o abuso continue.
No caso do pai ou padrasto, ter sido vitima de abuso sexual na infância pode ser
um fator de risco para o comportamento de abusador na vida adulta, caso não tenha
recebido assistência (Widom,1989). Em relação aos pais, Tyler (1986) cita seu estudo
sobre relações de apego na infância, segundo o qual pais sexualmente abusadores relataram
não ter tido uma figura de apego, e, quando tiveram, esta pessoa era uma criança ou um
amigo mais velho. Alguns relataram um extremo isolamento emocional.
De acordo com Tyler (1986), a razão para que a figura do padrasto seja freqüentemente
ligada ao abuso sexual é que os padrastos têm menos probabilidade de conviverem
familiarmente com a criança durante o período de socialização precoce. Quando o padrasto
está presente na casa durante os três primeiros anos de vida da criança, seu envolvimento
com ela e o risco de abuso não diferem do envolvimento e do risco de abuso de pais biológicos.
Perrone e Nannini (1998) descrevem o perfil do pai ou padrasto ou terceiro abusador.
Podem ocorrer duas categorias de perfis: uma ó a do indivíduo reservado, inócuo, suave,
pouco viril, aparentemente pudico e moralista. Pode ser solitário, com aversão à sexualidade

‘»obre Comportamento t Cognifâo 211


adulta. Quando casado, mostra submissão à parceira, numa vida sexual pouco ativa. Se
há uma psicopatologia associada, o perfil corresponde ao do pedófilo, cujo desvio se dá
no sentido da eleição de uma criança como fonte exclusiva de prazer e suscetível de
provocar orgasmo. A segunda categoria é a do indivíduo agressivo e violento. Sua atitude
tende à conquista e ao desprezo pelo melo social. A violência verbal, ffslca e psicológica
aparece em forma de injúrias e humilhações, com desdóm e desprezo pelas mulheres e
pelos fracos. Neste caso, o abuso é quase uma violação. A estes dois perfis correspondem
formas de sexualidade diferentes: no primeiro, ó reprimida, mas seletiva; no segundo, é
normal ou intensa, mas indiscriminada.
De acordo com Perrone e Nannini (1998), "uma união conjugal sólida constitui
um obstáculo natural ao incesto, e pode-se deduzir que tal união é incompatível com uma
interação incestuosa" (p.96). Uma suposição é a de que a problemática incestuosa é
correlativa a uma problemática de casal, cuja relação é de má qualidade afetiva ou sexual.
A família á qual pertence uma criança que sofreu abuso pode ser de qualquer nível
sócio-econômico-cultural. Segundo Runyan (1998), não há uma relação entre classe social
e abuso sexual de crianças, ou se há, a relação é muito fraca. Não se pode afirmar neste
caso que a pobreza seja um fator causador do abuso sexual, mas que as condições
sociais possam contribuir para que a criança seja afastada da família, em função do baixo
apoio das redes sociais à mãe financeiramente dependente do pai ou padrasto abusador.
Este fator pode impedi-la de dar suporte à criança abusada, facilitando comportamentos
da criança como fugir de casa para pedir ajuda ou para agregar-se a grupos desviantes.
Como já foi dito, o inicio das relações de abuso sexual pode se darem qualquer
idade, mas a realização completa do ato sexual quase sempre tem lugar no momento da
puberdade. As relações incestuosas acontecem mais freqüentemente com crianças do
sexo feminino e a pedofilia fora da família é mais freqüente com crianças de sexo masculino.
Segundo Furniss (1993), a criança abusada é envolvida na "slndrome de
acomodação": "a interação abusiva , que continuamente ameaça a vida e a integridade
física e psicológica da criança, se torna, no processo de acomodação, um evento
aparentemente normal." (p.34-35). A sobrevivência emocional se desenvolve ao custo de
uma percepção gravemente distorcida da realidade.
Este mesmo autor mostra como o vínculo entre a criança abusada e o abusador
torna-se sexualizado e contém ao mesmo tempo elementos positivos e gratificantes para
a criança e elementos danosos. "A excitação fisiológica, a gratificação secundária e o
vínculo sexualizado contêm elementos de experiência positiva no abuso sexual. Eles
contribuem para o comportamento extremamente leal de algumas crianças e adolescentes
que sofreram abuso sexual." (p.36) Além disso, Furniss (1993) afirma que há um forte
apego da vítima em relação ao abusador, em função da atenção e do cuidado parental que
a criança recebe do abusador e que muitas vezes ó o único de que dispõe.
Duas variáveis podem estar presentes na infância da criança sexualmente abusada
e podem ser incluídas no contexto dos antecedentes do abuso: a agressão física por
membros da família, que freqüentemente está associada ao abuso, e os sentimentos de
menos-valia dentro da família. Krahé, Scheinberger-OIwig, Waizenhõfer e Kolpin (1999)
apontam achados de que há uma associação do sentimentos de menos-valia e uma
tendência aumentada para a vitimizaçâo sexual na adolescência.

212 M arid dd lyrdvd Sdldanhd l\idlllni


Egan e Perry (1998) realizaram uma pesquisa com pró-adolescentes, cuja hipótese
principal diz que o baixo auto-conceito convida à vitimização. Os autores afirmam que a
baixa auto-competência social percebida pode levar à vitimização entre os pares por estar
associada com incompetências sociais exibidas durante conflitos e com uma posição
social no grupo que assinala aos agressores um tendência à impunidade, se houver ataque.
É um estudo que mostra que a análise do repertório de enfrentamento social ó importante
na determinação dos antecedentes da vitimização.
Tanto Furniss (1993) quanto Perrone e Nannini (1998), descrevem os rituais de
entrada e salda no momento do abuso. O abusador parece transformar-se em alguém
desconhecido para a criança; não é mais o pai, o cuidador. Passa a ser percebido como
abusador. Este ó o momento em que, segundo os autores, a criança entra numa espécie de
"transe", com estreitamento da consciência e privação de sentidos. O pai não é mais pai, e
a criança obriga-se também a transformar-se numa coadjuvante, o que a ajuda a suportar o
absurdo da situação e as ameaças, veladas ou diretas, feitas pelo abusador. Da mesma
forma, ocorre o ritual de saída, só que no sentido inverso. Assim que acaba o episódio, o
abusador transforma-se novamente em pai e as coisas parecem voltar ao normal.
Do ponto de vista de uma descrição operante do fenômeno, algum comportamento
do abusador funciona como estimulo discriminativo que inicia uma cadeia de
comportamentos de cooperação da criança, que são comportamentos de esquiva de uma
punição maior - perda de afeto ou agressão. A privação de sentidos pode funcionar como
esquiva da ansiedade ligada à antecipação da punição. O retorno do "transe" ocorre com
o final da cadeia de comportamentos, com o reforçamento dos comportamentos de esquiva
da situação de perigo (perda do afeto ou punição física por parte do abusador).
O fenômeno do abuso sexual acontece por uma espécie de “pacto de silêncio" entre
abusador, vítima e família. Segundo Amazarraye Koller(1998), é necessário denunciar esse
tipo de violência, uma vez que o silêncio perdoa o agressor e reforça seu poder sobre a vítima.

A noção de risco
De acordo com Runyan (1998), risco é a tendência para que um evento ocorra. O uso
do termo “avaliação de risco" implica que alguns instrumentos podem ter uma utilidade em
determinar se as crianças têm maior tendência a se tomarem vítimas de abuso. Os determinantes
do risco são ainda imprecisos, mas Runyan afirma ser possível desenvolver estratégias de
identificação de crianças de risco através de instrumentos e através do estudo epidemiológico.
Brown, Cohen, Johnson e Salzinger (1998) fizeram uma análise longitudinal ao
longo de 17 anos de fatores de risco para os maus-tratos contra a criança (abuso físico,
negligência, abuso sexual). Foram definidas quatro grandes classes de variáveis associadas
com risco de abuso sexual:
1) variáveis demográficas - juventude da mãe, morte do pai.
2) relações familiares - sociopatia materna, eventos de vida negativos, presença
de padrasto, punições severas.
3) características dos pais - gravidez indesejada.
4) características da criança - sexo feminino, portadora de deficiência.

Sobrf Com portjm rnfo e (,'oflnlçáo 213


Brown et al. (1998) afirmam que as pesquisas indicam que nem o status socioeconômico
nem a etnia estão associados ao abuso sexual, e, para a população do seu estudo, a associação
entre status socioeconômico e maus-tratos de crianças permanece obscura.
As taxas de prevalência para maus-tratos quando não há fatores de risco presentes,
é de 0% para abuso físico, 2% para negligência e 1% para abuso sexual. Por outro lado,
os autores constataram que quando há quatro ou mais fatores de risco específicos, a taxa
de prevalência é de 16% para abuso físico, e de 15% para negligência, enquanto que para
o abuso sexual ê de 33%. Fica claro então que os fatores de risco específicos para abuso
sexual aumentam dramaticamente em relação aos demais, mostrando uma tendência
para a ocorrência do abuso fortemente ligada aos fatores de risco.
A publicação da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência (1997) expõe mitos e realidades em relação ao abuso sexual de crianças.
Alguns mitos: “o abusador sexual é um psicopata, um tarado que todos reconhecem na rua";
"o estranho representa o perigo maior às crianças e adolescentes"; "o abuso sexual , na
maioria dos casos, ocorre longe da casa da criança ou do adolescente"; "a maioria dos casos
é denunciada"; “as vítimas do abuso sexual são oriundas de famílias de nível sócio-econômico
baixo". Estes mitos impedem uma avaliação objetiva das situações de risco. As realidades
correspondentes a estes mitos funcionam como um alerta aos menos avisados que podem
ser os pais das crianças ou pessoas responsáveis por elas, pessoas essas que, por ignorância
ou negligência, acabam fechando os olhos aos riscos a que as crianças estão expostas.
Os indivíduos mais expostos ao risco de abuso são aqueles cujas famílias ou
membros destas famílias não discriminam situações instáveis ou potencialmente perigosas,
seja dentro ou fora de casa. Além disto, esses indivíduos podem ter características pessoais
que favorecem a auto-exposição ao risco, como um sentimento de menos-valia, por exemplo.
Os benefícios da identificação dos riscos, seja numa dimensão social, familiar ou
pessoal, são óbvios: a prevenção e a diminuição do impacto do abuso, caso ele ocorra.

Um modelo de pró-condições para o abuso sexual de crianças


O abuso sexual de crianças é um fenômeno multi-determinado, não podendo ser
atribuído a uma única causa. Os fatores a serem considerados são individuais, relacionais,
sociais e culturais. Estão implicados no fenômeno do abuso os padrões de comportamento
e as histórias individuais de cada membro da família, assim como da criança abusada e do
próprio abusador. A maneira como se estruturam os vínculos afetivos e de cuidado entre as
pessoas envolvidas será determinante para o início e a continuidade do abuso, bem como a
interação dos fatores culturais e sociais na família da criança. “O abuso sexual é heterogêneo,
mas muita pesquisa nesta área trata-o como um fenômeno isolado". (Friedrich, 1998)
Finkelhor (1984) propôs um modelo de pré-condições para que o abuso sexual da
criança ocorra, levando em consideração os níveis individual e social/cultural. As pré-
condições são de quatro tipos:
I) Fatores relacionados à motivação (do abusador) para abusar sexualmente: a) ligados
á congruência emocional (Ex.: desenvolvimento emocional bloqueado, necessidade de sentir-se
poderoso e controlador, reativação de um trauma de infância, exigência masculina para ser
dominante e poderoso nos relacionamentos sexuais); b) ligados à ativação ou excitação sexual

214 M .iril/ii Mestre e Ncu/<i Cordtsa


(Ex.: experiência sexual na infância que foi traumática ou fortemente condicionante, modelação
de interesse sexual em crianças por um adulto na infância, atribuição errada de insinuações de
excitação, retratação erótica de crianças em publicidade) e c) ligados ao bloqueio emocional
(Ex.: medo de mulheres adultas, experiência sexual traumática com adultos, habilidades sociais
inadequadas, problemas maritais, normas repressivas sobre masturbação e sexo extra-marital).
II - Fatores pré-disponentes a dominar as inibições internas (do abusador) - exemplos:
abuso de álcool, transtorno do impulso, senilidade, falha nos mecanismos de inibição do
incesto na dinâmica familiar, tolerância social de interesse sexual em crianças, sanções
criminais fracas contra ofensores, ideologia de prerrogativas patriarcais para pais, tolerância
social por comportamento desviante cometido quando intoxicado, pornografia infantil.
III - Fatores pré-disponentes a dominar as inibições externas (em relação ao
comportamento do abusador) - exemplos: mãe que está ausente ou doente, mãe que não
está perto para proteger a criança, mãe que é dominada ou abusada pelo pai, isolamento
social da família, oportunidades inusuais para estar a sós com a criança, falta de supervisão
da criança, falta de suporte social para a mãe, barreiras para a igualdade das mulheres,
erosão das redes sociais.
IV - Fatores pré-disponentes a dominar a resistência da criança - exemplos: criança
que está emocionalmente insegura ou em privação, criança com falta de conhecimento
sobre o abuso sexual., situação de confiança inusual entre a criança e o ofensor, coerção,
indisponibilidade de educação sexual para crianças, impotência social da criança.
O modelo mostra os possíveis fatores ligados à etiologia e manutenção do
comportamento do abusador (condições I e II) e fatores ligados à etiologia e manutenção do
comportamento da mãe da criança abusada (condição III) e da própria criança (condição IV).
Finkelhor (1984) afirma que o abuso sexual acontecerá se todas as pré-condições
estiverem presentes, na forma de um ou mais dos fenômenos descritos nos níveis de
explanação individual e social/cultural. Assim, se forem acionados os fatores relacionados
com a motivação do abusador, os fatores pré-disponentes a dominar as inibições internas,
os fatores pré-disponentes a dominar as inibições externas e os fatores pré-disponentes a
dominar a resistência da criança, haverá o abuso. Por outro lado, se for acionada a motivação
do abusador, mas as inibições internas e externas não forem dominadas, o processo será
interrompido, e assim sucessivamente, com as outras condições.
Por exemplo: o abusador pode estar motivado para o abuso e ter dificuldades
sobre o controle de seus impulsos. Suponhamos que a mãe esteja ausente ou doente e
que o abusador tenha a oportunidade de estar a sós com a criança. Se a própria criança
tem falhas no repertório de auto-proteção (por não ter sido instruída sobre abuso) ou é
coagida pelo abusador (pré-condição IV), então o abuso terá lugar. Se a criança, ao contrário,
souber discriminar a situação e fugir dela, não haverá abuso.
A importância do modelo de Finkelhor (1984) reside no fato de que ele revela a
complexa rede de fatores implicados na determinação do abuso sexual da criança.

Uma proposta de síntese


Dentro do modelo de Finkelhor (1984) os antecedentes do abuso sexual referentes
a alguns fatores sócio-culturais, podem funcionar como facilitadores para o início da cadeia

Sobrr Comporf.imrnto r t\>#niç<lo 215


de comportamentos do abusador no sentido de procurar a criança para iniciar o abuso
(como exemplos: exigência masculina para ser poderoso nos relacionamentos, pornografia
infantil, retratação erótica de crianças na publicidade, tolerância social do interesse sexual
em crianças, sanções criminais fracas, falta de suporte social para mãe e criança, erosão
das redes sociais).
Numa tentativa de sintetizar os conceitos expostos até aqui, será apresentado a
seguir um modelo unificador (não exaustivo) dos antecedentes do abuso. No modelo, a
cada quadro são apresentados dois caminhos diferentes, dentro de um fluxo que pode ou
não levar ao abuso (Padilha.2001).
A Figura 01 mostra os antecedentes referentes aos comportamentos do abusador,
dos pais não ofensores, da mãe e da própria criança. Os quadros à esquerda da figura mostram
os antecedentes que levam ao abuso, a partir da avaliação incorreta do risco por parte dos pais
não ofensores (no caso do abuso extra-familiar), passando pela falha da mãe em protegera
criança e chegando à própria criança sem repertório para se proteger. Os quadros à direita
mostram as possibilidades de avaliação correta do risco, que impediria o abuso.
Quando se inicia a cadeia de comportamentos do abusador na procura pela criança
para iniciar o abuso, pode ou não haver a interferência de pais não ofensores (no caso de
abuso extra-familiar). O comportamento da mãe parece ser determinante na ocorrência do
abuso sexual da criança. É ela que poderá discriminar sinais de perigo de abuso, seja fora
da família ou dentro de casa, por algum membro da família. Seu papel é dar proteção à
criança, impedindo o inicio da cadeia de comportamentos do abusador. Se isto não ocorre,
a própria criança terá que discriminar os sinais de perigo e se proteger.

Níveis de prevenção
O terreno da prevenção da abuso sexual de crianças é ainda pouco percorrido e
apresenta caminhos desconhecidos aos profissionais que se defrontam com casos de
crianças abusadas.
Segundo Wolfe (1998), há necessidade de prevenção em três níveis: primário,
secundário e terciário.
A prevenção primária tem como objetivo a eliminação ou redução dos fatores sociais,
culturais e ambientais que favorecem a violência, atuando nas suas causas. É o nlvel da
informação âos pais, professores, adolescentes e crianças. Enfoca escolas e populações
de risco (como meninos e meninas de rua) para educar crianças sobre riscos de abuso
sexual e sobre maneiras de enfrentar abordagens de indivíduos sexualmente oportunistas.
Wolfe (1998) aborda questões básicas sobre prevenção primária do abuso sexual,
como treinamento de habilidades pessoais de segurança, tanto ensinadas pelos pais,
quanto pela escola. Segundo esta autora, os programas variam, mas todos têm um tema
central: o abuso sexual pode ser prevenido se a criança reconhece o comportamento
inapropriado do adulto, resiste a induções, reage rapidamente para deixar a situação e
conta para alguém sobre o incidente.
Para Rangel (1998), tomar as crianças cientes de seus direitos, e dar-lhes mais segurança
para que possam dizer não às propostas abusivas dos adultos ó uma estratégia importante.

216 M urlti dd CyrdÇd Sdlddnbd Padillid


F ig.OI Antecedentes do nbuso sexual referentes mo« comportamentos do nhusador, do.s
paia, da m ie e da criança.

A prevenção secundária tem como objetivo a detecção precoce de crianças ou


adolescentes em gituação de risco, impedindo os atos de violência ou sua repetição. Atua
em situações já existentes. Inclui a capacitação de profissionais que lidam diretamente
com crianças e adolescentes abusados sexualmente, para promover a redução de stress
induzido pelo sistema legal que a criança enfrenta. O manejo inadequado por profissionais
de saúde ou de intervenção legal, pode produzir um dano psicológico adicional à vitima.
(Amazarray e Koller, 1998)
No nível da prevenção terciária, o objetivo é o acompanhamento integral da vitima
e do agressor por equipe multidisciplinar, incluindo atendimento médico, psicológico, social
e jurídico. Visa melhorar seqüelas de abuso e a probabilidade de efeitos a longo prazo.
Para que possam ser planejadas estratégias de prevenção, especialmente a
primária, é necessária atenção para avaliações precisas sobre as condições de risco em
que as crianças se encontram. As avaliações de risco podem então ser encaradas como

Sobrr Comportamento e C'oflnlç«1o 217


poderosos instrumentos a favor da prevenção. Podem ser identificados alguns benefícios
da determinação do risco:
1) evitar que a criança - ou adolescente - sofra o abuso uma primeira vez ou que
se repita uma situação de abuso outras vezes (prevenção primária) - basicamente através
de programas educacionais para crianças e famílias.
2) facilitar para a criança - ou adolescente - que faça uma revelação sobre um
abuso que tenha sofrido, assim como facilitar o acesso a instituições e profissionais de
apoio no sentido de minimizar o stress próprio da situação (prevenção secundária) -
basicamente através de programas de treinamento para profissionais que trabalhem com
estas crianças ou adolescentes,
3) minimizar o impacto sobre o desenvolvimento da criança - ou adolescente -
que tenha sofrido uma ou mais situações de abuso (prevenção terciária) - basicamente
através de tratamento para estas crianças e adolescentes e suas famílias.

Conclusão
O estudo dos antecedentes do abuso sexual de crianças e adolescentes pode
determinar importantes fatores de risco para a ocorrência do abuso e indicar caminhos
para a prevenção. Algumas questões para pesquisa podem ser apontadas:
1) estudo de variáveis familiares em famílias onde ocorreu o abuso sexual, para
determinação de fatores de vulnerabilidade para a situação de abuso;
2) estudo do repertório de auto-proteção de crianças que não estejam em
situação de risco, e do repertório dos pais para cuidar destas crianças, a fim de determinar
suas percepções sobre a avaliação do risco;
3) avaliação de programas educacionais para prevenção primária do abuso
sexual, com a criação e testagem de instrumentos tais como vídeos educacionais;
4) desenvolvimento de estratégias para capacitação de profissionais que
trabalhem com crianças para a avaliação de risco de abuso e o encaminhamento para
intervenções através de redes de apoio, logo após a revelação do abuso;
5) avaliação de estratégias de tratamento das seqüelas do abuso sexual, tanto
para a criança quanto para a família;
6) avaliação de estratégias que evitem a revitimização de crianças e
adolescentes;
7) estudo dos comportamentos de aproximação do abusador e de estratégias
de tratamento que promovam o autocontrole destes comportamentos.
O abuso sexual de crianças e adolescentes é um campo de estudos bastante
amplo. As questões para pesquisa sugeridas acima são apenas algumas entre tantas que
podem emergir com base no estudo dos antecedentes do fenômeno, no aperfeiçoamento
dos modelos de avaliação de risco e no desenvolvimento de estratégias de prevenção, nos
níveis primário, secundário e terciário.

218 Marti/«« Mestre e Neu/a l'orassd


Referências

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Sobre Comportamento c Coflniçüo 219


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M urld dd Q u id Sdlddnhd Pddllhd


Capítulo 22
M ediadores no sucesso da psicoterapia
comportamental

Mdril/d Mestre'
Neurd Cim ssj"

Este trabalho visa esclarecer o que è a mediação no processo terapêutico e qual a importância desta no trabalho em
Psicologia Mediadores são pessoas disponíveis no habitat natural do cliente, com características de empatia,
motivação e habilidades especificas Sua função A a de propiciar contingências em que ocorram mudanças
comportamentais no repertório do cliente. A participação do mediador no processo terapêutico possibilita o alcance
e manutenção dos objetivos terapêuticos.Trata-se, portanto, de um Instrumento de grande auxilio teràpico e que permite
a generall/açâo dos efeitos da terapia, do ambiente clinico para o cotidiano do cliente. O procedimento escolhido foi o
relato de caso, onde mediadores e clientes fóbicos relatam sua experiência na parceria com as psicólogas. Constam 110
trabalho 0 relato de um farmacêutico bioquímico e de dois Instrutores de direção, alôm de excertos de fala de clientes
do CPEM

Palavras - c h a v r Mediadores, Fobias, Psicoterapia

This work wishes to clarify what is mediation in thetherapy process and wich is its importance. Mediators where persons
wlch are be In the clients’ habitat, with caracteristics of emphaty, motivation and speclfcs skills. Its functions are
to propiciate contmgences in what transformations occures in the clients' behaviors. The mediators' participations In the
toraphy's process, gives the possibilitie of hungs and maintenes the terapeutics objectivs. So, it is an Instrument
of therapy helps and wich permits a generalization of the therapy's gains, from the clinic to cllents'day-to-day. The
chose procedlment was the case's descriptions where mediators and phobics clients described theirs experiences In
the partners with tho CPEM's psychologists

Key words: mediators , phobias. Psycotherapy

Um instrumento de grande auxilio terápico e que permite a generalização do


ambiente de terapia para o habitat natural da pessoa em ajuda terapêutica é a figura do
co-terapeuta, cuja função é o de ser MEDIADOR nesse processo de mudança
comportamental.
Mediadores são pessoas próximas ao cliente (ou profissionais contratados) que
podem prontamente registrar e reforçar comportamentos apropriados. Sua disponibilidade
de estar no ambiente natural do cliente, sua motivação em cooperar no programa

'£ pticáloga dlntca (Uf-PR), «tpac.ialltta«m Mado» (CPEM) e M««tra em P«icoIoqi» (USPSP) Fm Doutorado em Hiatòoa (UFPR). Professora a
•uporvlaora da graduaçAo e pôa graduaçAo no curso de Psicologia da UTP
"É paicAloga clinica (T UIUTI). eepeclateta am Trânsito pala PUC PR a am Medoa (CPEM) Autora do livro "Vença 0 Medo da Dirigir -oomoauperflr
1 # a conduzir 0 volante da própria vida’.

Sobre Comportamento e (ogniçjo 221


terapêutico, suas habilidades específicas (dentro de cada caso) sâo os maiores fatores
em determinar sua presença em muitos esquemas operantes. Ter um agente de mudança
onde os comportamentos ocorrem, ajudando com sinalização discriminativa ou reforçando,
ó de vital importância. (Sheldon, 1995, pág. 127)
O diagnóstico diferencial obtido por meio da Análise Funcional com os clientes
do CPEM, que se queixam de comportamentos evitativos caracterizados como Medos ou
Fobias, permitiu a percepção de que esses constituem dois grandes grupos: um grupo
pequeno, dos que sofreram "traumas" que justificariam seus medos e conseqüentes
comportamentos evitativos, e um grupo bem maior, daqueles para os quais aparentemente
não se encontram causas razoáveis para um medo tão intenso e impeditivo de levar uma
vida como a maioria das pessoas comuns.
O segundo grupo é o que constitui a grande maioria dos clientes do CPEM.
De acordo com o proposto por Lazarus (1979, pág. 105),... Essas pessoas possuem em
comum uma consciência altamente desenvolvida que as pressiona fortemente.
O comportamento fóbico é desenvolvido, via de regra, em momentos de estresse
e tensão quando essas pessoas se vêm (ou se julgam) “sem saída” ou, o que é freqüente,
a saída para elas significaria lesar alguém, o que para elas seria impraticável. Uma pesquisa
realizada com 124 clientes (Corassa e Mestre, 2000) confirma um padrão perfeccionista
no comportamento evitativo, compulsivo, nos clientes fóbicos e um padrão comportamental
entre esses.
Perfil psicológico do fóbico1

SCG (Medo de dirigir) Outras Fobias


• Muito competentes • Competentes
• Excesso de responsabilidade • Responsáveis
• Detalhistas • Tendem a ser detalhistas
• Necessidade de controlar • Necessidade de controlar
• “Olhar" do outro • “Olhar do outro"
• Dificuldade de receber críticas • Dificuldade de receber críticas
• Organizadas
• Críticos • Críticos
• Sensíveis aos sentimentos • Sensíveis aos sentimentos
• Inteligentes • Inteligentes
• Elevada consciência social • Consciência social

E os clientes fóbicos apresentam, entre suas características, uma necessidade


enorme de estar no controle de sua própria vida e também uma preocupação exacerbada
com a opinião alheia.
Essas pessoas requerem planos terapêuticos especiais para cada caso, ó claro,
mas quase sempre podem se beneficiar da técnica da dessensibilização, a par de técnicas
de habilidades sociais por meio das quais aprendem que podem, sim, exercer contra-
controle na sua própria vida.
' Coraaaa. N Vença o mado da dirigir como tuparar i a a conduzir o volante da própria vida S to Paulo Genta.?000

222 M u ril/d M c s lrc c N c u a i C'ord*M


A função do mediador nesses casos é o de proporcionar ao cliente um certo grau
de controle sobre a situação aversiva.

Para que tal controle seja possível, cabe ao psicólogo treinar seu parceiro
terapêutico, seja esse o farmacêutico bioquímico, seja o dentista, seja qualquer outra
pessoa de acordo com o caso em questão: instrutor de direção, professores, pais, outros
familiares e/ou amigos.
O psicólogo deve pesquisar entre os profissionais da área em questão aqueles
que sejam considerados entre seus pares como pessoa SENSlVEL e com capacidade
EMPÁTICA. Que seja simultaneamente competente na sua PRÁTICA PROFISSIONAL.
Após um primeiro contato, quando o psicólogo estará explicando seu objetivo, é
feita a proposta de parceria de trabalho. Caso essa seja aceita, é dado ao mediador
escolhido algum tipo de leitura sobre fobia, comportamentos evitativos e princípios de
comportamento. Discute-se o (s) texto (s) e se explica a necessidade de o trabalho ser
feito em MODELAGEM, passo a passo, com exposição gradual à situação fóbica e,
acima de tudo, com o CONTROLE total dado ao cliente que conduzirá o processo.

Medo de agulhas: na coleta de sangue, em dentistas e/ou medicamentos injetáveis


Procedimentos de coleta de sangue, tomada de medicação injetável e/ou
tratamento dentísticos, na sua quase totalidade, exigem que o cliente permaneça imóvel
e se entregue "confiantemente’’ à competência do profissional que o trata. Isso pode resultar
em sentimento de medo, que nada mais poderia ser do que uma forma de relato dessa
situação de descontrole que o cliente vivência e que estaria associada a outras contingências
igualmente aversivase de incontrolabilidade. (Parra y Roales-Nieto, 1994 e Banaco, 1999)
Os primeiros contatos são feitos na sala de psicoterapia, numa parceria a três:
cliente, farmacêutico e psicólogo (que estará auxiliando o cliente a manter seu estado de
relaxamento e a orientando o farmacêutico nos passos da hierarquia fóbica do cliente).
Após ter-se conseguido o primeiro objetivo (tranferência de vínculo, do terapeuta para o
mediador) aí, então, passa-se ao laboratório, onde ainda é necessária a presença do
psicólogo. Quando também aí é atingido o objetivo, o psicólogo se retira. Numa terceira
etapa, o cliente é atendido num segundo laboratório (cujos técnicos também são treinados
pelo psicólogo). Enfim ocorre a alta. Recomenda-se ter de dois a três laboratórios com
profissionais treinados à disposição do psicólogo para esse tipo de trabalho.
No caso de medo de dentistas, o problema ó um pouco mais complicado. Via de
regra, o cliente já tem um profissional de escolha. Há todo um trabalho extra do psicólogo
caso o cliente insista em conservar sua escolha. Então será necessário treinar e motivar
esse profissional a aderir ao tratamento. Caso o cliente concorde, a primeira etapa é feita
com os dentistas de confiança do psicólogo e que já sabem dar o controle ao cliente.
O relato de um caso clínico de um farmacêutico ilustra o procedimento da coleta
de sangue com fóbicos.

'iobrr (.'omportdmento e CogniçAo 223


Coleta em pacientes com fobia de agulha: a visão do laboratório de análises
clínicas2- relato de um caso
Sempre que se faz uma coleta sangüínea no Laboratório de Análise Clinicas, o
coletador é quem está no comando das ações. Cabe a ele verificar qual a melhor veia a ser
puncionada, que sistema de coleta será utilizado, seringa e agulha ou coleta a vácuo, e
ele define o tempo de garroteamento e espera a colaboração total do paciente, porque o
paciente necessita realizar aquele(s) exames(s), em benefício da sua saúde.
Na coleta do paciente fóbico, antes da necessidade da realização do exame em
prol de sua saúde, está sua fobia. O que muda neste tipo de coleta é que o coletador não
estará mais na função de comando, e deverá se submeter à vontade do paciente
fóbico em coletar o sangue; esta vontade está vinculada à terapia à qual o paciente
está se submentendo. O profissional do laboratório de Análises Clínicas deve respeitar
esta vontade e, além disso, executar todos os passos pelo qual o paciente deve passar,
desde a preparação do material de coleta até a aproximação da agulha ao braço
- encostar a agulha no braço para que o paciente possa senti-la e até penetrar a pele sem
penetrar a veia. Este processo pode demorar várias sessões até que se chegue a
coletar o sangue. O profissional do Laboratório de Análises Clinicas durante este
procedimento deverá mostrar ao paciente fóbico que ele, paciente, está no comando
das ações, e que o profissional em hipótese alguma tomará qualquer atitude, no sentido
de coletar o sangue sem que haja a conivência do paciente. Este aspecto ó de fundamental
importância para que o paciente fóbico adquira confiança no profissional responsável
pela coleta seja realizada. O psicólogo responsável pela terapia do paciente fóbico
deverá estar presente em todas as sessões e deverá haver uma interação entre os
dois profissionais em relação à decisão que deve ser tomada, tanto para interromper a
sessão como para dar continuidade ao procedimento de coleta.
Para que todo este processo possa chegar a êxito, o profissional do Laboratório
de Análise Clínicas deve ser um Farmacôutico-Bioquímico, porque ele, como profissional
da saúde, deve saber respeitar e entender a fobia em questão.
Em todo este procedimento não se pode esquecer o aspecto tócnico da coleta
a ser realizada. O primeiro cuidado a ser tomado ó que o sistema de coleta deve ser
seringa e agulha, e não o sistema a vácuo. Com a seringa e agulha tem - se uma
condição melhor de aproximação à veia e visualização do sangue na parte superior da
agulha. A punção deve ser sempre venosa e nunca arterial. Antes de iniciar o
procedimento, deve-se estudar os braços do paciente, para que a melhor veia seja
selecionada, para que sejam evitadas coletas traumáticas ou punções que não conseguem
"pegar” a veia. Deve ser feita assepsia do local a ser puncionado, e esta deve ser repetida
a cada início de procedimento; do mesmo modo, a agulha deve ser trocada a cada inicio
de procedimento.
Uma outra questão técnica de fundamental importância é o tem po de
garroteamento. Nesse tipo de procedimento muitas vezes o paciente fica com o garrote
durante 3, 4, 5 ou mais minutos. Este tempo de garrotamento prolongado gera
hemoconcentração, que vai Interferir nas dosagens a serem realizadas. Essa questão

•Dr Paulo Hemque da Silva, proí»*aof da UFPR* dlralor do laboratório Champagnat.Curitiba - PK. fona 30^3423

m M.tril7d M c s lrc e N ru /d C o rd tu
técnica deve ser muito bem explicada ao paciente, porque, após este tempo prolongado
de garroteamento, não se pode coletar o sangue. O garrote deve ser retirado, após o
uso prolongado, a circulação do paciente deverá retornar ao normal e o procedimento
retomado. Quando, durante o procedimento de coleta, mesmo com o uso prolongado do
garrote, o paciente permitir a punção venosa, deve-se imediatamente liberar o garrote e,
com a veia puncionada, aguardar alguns instantes para posteriormente fazer com que o
sangue flua dentro da seringa. O paciente deverá estar bem instruído quanto aos riscos
que ele corre, se no momento da punção da veia ele movimentar o braço.
Essas considerações do farmacêutico vém ao encontro da fala de alguns clientes,
durante e após o processo. M. (51 anos) disse após a 1■ coleta: Graças a Deus, doutora,
e a senhora e o Dr. Paulo, agora eu posso trabalhar. Aos poucos eu fui tendo certeza de
que ele não ia me forçar e que vocês dois não achavam eu um fraco. Sua fala após a alta
ó: Fui respeitado e aprendi a aceitar meu medo e hoje eu escuto o medo e me permito
fazer de um jeito a não sofrer perdas. A.(39 anos), durante o processo: Que paciência a
sua, Dr.Paulo!.... Sua mâo é bem firme, não treme e só faz o que eu digo. Ê sempre
assim? Após a alta: foi importante sentir que eu podia confiar que não ia ser tirado o
sangue sem minha autorização! Agora não tenho mais medo.
Em relação ao medo de dentistas, a história ó semelhante. Quando o dentista, já
no começo do tratamento, mostra o maquinário e seu funcionamento, deixa o cliente
operar a cadeira, é feito um contrato especial de código entre os três: cliente, psicólogo e
dentista. A presença do psicólogo garante que o desejo e o comando do cliente serão
aceitos e "obedecidos" pelo dentista. Isso deve ocorrer apenas no início do processo, pois
após essa primeira etapa o cliente aprendeu a crer no dentista e gradualmente a presença
do psicólogo ó dispensada.
Nesse caso específico, por razões óbvias, pula-se da etapa imaginária para a ida
ao consultório do dentista. Nesses casos, o psicólogo pode inserir na sessão terapêutica
alguém da convivência do cliente ou um mediador contratado, para ir ao consultório do
dentista junto com o cliente e assumir a função de co-terapeuta, até que a confiança dele
no dentista seja adquirida.

Fobia de dirigir: escolha adequada do instrutor que acompanha o cliente na


dessensibilização ao vivo
No CPEM, as pessoas com fobia de dirigir são atendidas em quatro etapas bem
definidas: a) "volante da vida", suas exigências, preocupações, ansiedades; b) relaxamento
muscular profundo, para a produção e liberação das endorfinas que irão neutralizar a
noradrenalina que provoca tremedeiras, levando a dificuldades para controlar pedais; c)
hierarquia - foco fóbico; d) “reciclagem*, termo utilizado porque a maioria já tem carro e
carta de habilitação. Nesta última etapa, é de fundamental importância o trabalho do (a)
instrutor (a) do CFC - Centro de Formação de Condutores -, que irá acompanhar a pessoa
na dessensibilização ao vivo. Características necessárias deste profissional: ser capaz,
atencioso, sensível e entender a dificuldade da pessoa com fobia, dando-lhe o tempo
necessário para que ela possa executar, de maneira gradual, a atividade de dirigir. A partir
daí, a confiança naquilo que ela faz vai aumentando. Mediante palestras e dinâmicas nos
CFCs, consegue-se identificar perfis adequados para este trabalho. Após ter concluído
as duas primeiras etapas e estar trabalhando a terceira, já é possível repassar ao cliente

Sobrr Comporttimrnio e Coflmçüo 225


a lista de profissionais selecionados pelas psicólogas do CPEM. Denomina-se transferência
de vinculo, porque a cliente fica confiante ao saber que estes instrutores compreendem
seu medo. Algo que até então ela não havia experienciado.
A escolha ocorrerá pela (o) cliente, quanto ao gênero do instrutor (a); horários
disponíveis, valores cobrados. Feita a escolha, o próprio cliente comunica à secretária que
agendará para que a (o) instrutora (o) compareça à sessão por mais ou menos vinte
minutos, para serem efetuados os "combinados", referentes aos trechos e à freqüência
dessas saldas. Não se denomina a esse trabalho porque, de cada dez pessoas que
procuram o CPEM, oito delas já têm carteira de habilitação e o carro. A partir de então,
ocorre um trabalho a três. O (a) instrutor (a) faz relatos de como foi a saída no carro na
casa da pessoa, e na sessão, terapeuta e cliente trabalham para "corrigir" no imaginário o
que ocorreu na prática. Novamente aqui é importante que o (a) instrutor (a) e co-terapeuta
respeitem e cumpram tais combinados, podendo, é claro, ajustar o programa juntamente
com a motivação da pessoa. Mas sempre é feito um alerta, a prática demonstrou mais
eficácia quando se escolhe um ou dois trechos, onde a pessoa utilizará o carro, e se
trabalha primeiramente com o instrutor acompanhando-o no seu carro, preferencialmente
a partir da sua residência. Posteriormente, passa-se para o procedimento que se chama
de "meia independência", cada qual em seu automóvel, no mesmo trecho, onde o instrutor
(com seu carro) segue o (a) cliente. Isto vai dando garantias de que é ele (a) mesmo(a)
quem está dirigindo. Evita dependências. Num terceiro momento, ele(a) repete sozinho(a).
Dirige algum tempo por esses locais e o instrutor fica ausente, até que novos percursos
sejam incluídos. Vale lembrar que, após a pessoa ter dirigido sozinha, fica com domínio
da máquina e se familiariza com o trânsito, necessitando bem menos da presença do
instrutor nos trechos seguintes. Salienta-se que ó de fundamental importância, para o
sucesso da terapia, a escolha adequada do instrutor. Outro dado importante é a atenção
constante do terapeuta, pois embora o instrutor preencha todos os requisitos, às vezes
ele deixa de fazer a meia independência no momento adequado, por não saber lidar com
o receio do cliente em ficar sozinho no carro.
Quando todas essas etapas são cumpridas, cliente e mediador se dão "alta"
temporária. Quer dizer, o (a) cliente poderá solicitar ao mediador que, um tempo depois,
o ajude a atingir novos objetivos, como, por exemplo, agora querer dirigir em estrada.
O relato de dois instrutores, que fazem parceria com o CPEM (Curitiba PR),
ilustra o procedimento sob esse ângulo de visão.

Relato da instrutora Inôs3


"Eu me considero uma pessoa privilegiada, pois trabalho com prazer e faço o que
mais gosto: ajudar pessoas. No meu caso, dirigir, tirar o medo e dar segurança neste
nosso trânsito que ó cada vez mais doído. Ser amável, sensível, agradável, ter senso de
humor são ferramentas que tornam este serviço mais prazeroso.
Começamos fazendo reconhecimento do objeto carro, daí seguimos alguns
passos como ter segurança nas rampas, entrar e sair das garagens, para depois progredir
com o trânsito propriamente dito. Gosto de ser prática, passar dicas de segurança e achar
caminhos alternativo?-
>Ivon* Inéa Amorim, Inatrulora foo* 2S7-M22

226 M u ril/d M « !r e e N cu/a Coidsw


Todo esse processo é feito em parceria com a psicóloga, seguindo suas
orientações, fazendo uma parceria a três. Comunico o progreso, retrocesso e acato suas
orientações. Enquanto isso, o trabalho no consultório não pára.
É muito bom trabalhar quando se tem alguém para orientar, incentivar e se alegrar
comigo, quando a motorista recebe ou se dá o alvará para seguir o seu rumo sozinha.

Relato do instrutor Juliano4


"O primeiro passo nesse trabalho, de acompanhar uma pessoa que tenha medo
de dirigir, é de compreender as suas reais necessidades e dificuldades perante o carro e
o trânsito e com isso procurar alternativas para tarefas consideradas simples pela maioria
dos motoristas, mas não tão simples para pessoas que estão passando por esta situação
do medo. Essas situações, como passar entre dois carros, manobras na garagem do
prédio ou ainda ter um outro veiculo atrás, e tomam-se para essa pessoa um desencadeador
de outras reações como deixar o carro “morrer”(descontrole no pedal da embreagem),
acelerar o carro de forma que provoque o descontrole de tal em locais estreitos (garagem)
ou ainda descontrole da direção (volante) do veiculo. O instrutor de prática veicular entrará
em cena para o auxilio na parte prática (no carro) da terapia e daí por diante o trabalho será
feito a três: psicóloga, cliente e instrutor. Tudo que for desenvolvido durante as instruções
práticas no veiculo a psicóloga terá conhecimento, tanto no ponto de vista técnico (instrutor
de prática veicular), quanto no ponto de vista do cliente, para que numa próxima sessão de
terapia possa-se trabalhar com a psicóloga os pontos que precisarão de mais atenção na
instrução prática seguinte.
Concluindo, os depoimentos do farmacêutico, dos instrutores e dos clientes,
relatam a visão do mediador em sua parceria no trabalho terapêutico, além da do cliente e
a importância por ele atribuída ao papel da mediação. Em qualquer dos casos, vale a pena
relembrar que essa pessoa, o mediador, deve ser escolhida dentro da comunidade social
do (a) cliente e conjugar características pessoais como capacidade empática, com
compreeensão do sofrimento pelo qual passa a pessoa que vivência uma fobia. Além
disso, obviamente, deve ser profissional competente, com domínio de sua área de
conhecimento.
A ajuda terapêutica que a presença de mediadores presta ao processo terapêutico
é, inegavelmente, importantíssima para o sucesso da terapia.

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4JuhftnoItnhort - C«nVod# f ofmsçfto ôeCmidiric**»SíttoS/C Ufl» For» 282-29M

Sobre Comportamento e Cognição 227


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n s Mctril/.i M rntrf e Neu/d Cordtw


Capítulo 23
Depressão no paciente acometido
por outras doenças

Ncury/osé fíotcga'
Letícia fur/anctto*
Renérío FráguasJr.

Na prática clinic« pode ser muito difícil pera o profissional reconhecer a depressAo como algo 'a mais’ , além de uma doença
física quo o paciente apresenta Dois extremos podem condu/ir a erros no raciocínio diagnóstico, por um lado, pacientes
deprimidos nâo sâo diagnosticados devido á crença de quo sintomas depressivos sfto uma resposta normal n doenças
físicas que ameaçam ou alteram drasticamente a vida de alguóm, no extremo oposto, faz-se o diagnóstico do depressão em
pacientes com tristeza ou com sintomas físicos causados unicamente pela doença de base. 0 diagnóstico de depressAo em
pacientes com doenças físicas deve levar em conta os seguintes aspectos: nlvel de consciência, sintomas cognitivos da
depressa» {tdétaa de culpa, prejuízo da auto-imagem, sensaçA» de desamparo, petiumlsmo, tdétas de sulcldlo), anedonla,
antecedentes pessoais e familiares de depressAo e as características da patologia orgânica concomitante.
Palavras-chave depressAo, transtornos do humor, comorbldade

Depression and somatic comorbidity


It can bn difficult for the health professional to detect depressive disorders as something distinctive from the somatic
disease. Two extreme viewpoints may lead do misdiagnoses the depressive symptoms are conceaved as a natural
response to severe and life-threatening physical disorders, the patient is given a diagnosis of depression because he is sad
or presents depressive symptoms due to the organic disease. The diagnosis of depression in conditions of somatic
comorbidity should be based on arousal disturbances, cognitive symptoms of depression (guilt, self-image, helplessness,
hopelessness, suicide ideas), anhedonia. personal and familial history of depreesive disorders and the characteristics os the
somatic disease
Key-words: depression, mood disorders, comorbidity

Ao longo da vida, uma em cada vinte pessoas é acometida por episódio depressivo
moderado ou graVfe. De cada cinquenta casos de depressão, um necessita de internação,
e 15% dos deprimidos graves suicidam-se. Um levantamento realizado em amostras
estratificadas de três capitais brasileiras revelou que 3% dos entrevistados sofriam de
depressão grave (Almeida Filho e cols., 1992). A depressão tem caráter recorrente: o
risco de apresentar um segundo episódio é de 50%, aumentando para 70-80% para o
terceiro episódio (AHCPR, 1993).
A depressão pode comprometer a qualidade de vida tanto ou mais do que outras
condições médicas, como artrite reumatóide ou diabetes (Wells e cols., 1989). É o principal
fator de risco para complicações cardíacas em cardiopatas (Carney e cols., 1988). A

'Pr ofe t »or Livra Docente. Departamento de Pticologla Médica • Psiquiatria - f-CM UNICAMP
jProfeesora Adjunta da Palqulatrla - Univeriidede Fadaral de Santa Catarina
' Coordenador do Serviço de Interconaultaa - Instituto de Ptiquial/ie FMUSP

Sobre C omportamento c Cognição 229


depressão pode aumentar o tempo de internação (Verbosky e cols., 1993), a morbidade
no pós-operatório (Tufo e cols,. 1970), a mortalidade após o infarto agudo do miocárdio
(Frasure-Smith e cols., 1994). O impacto da depressão torna-se ainda mais significativo
considerando-se que seu diagnóstico e adequado tratamento não são realizados na maioria
dos casos (Fráguas, 1995).
Na prática clinica pode ser muito difícil para o profissional reconhecer a depressão
como algo “a mais", além de uma doença clínica que o paciente apresenta. A depressão
no paciente clínico, como um todo, difere da depressão descrita em pacientes de serviços
psiquiátricos. Dentre suas principais características podem-se salientar:
• Maior importância do estresse no desencadeamento e gravidade da depressão.
• Menor incidência de transtorno do humor em familiares, quando comparada com
pacientes que apresentam transtornos do humor exclusivamente.
• Maior dificuldade diagnóstica, devido ao fato de os sintomas depressivos se confundirem
com os da doença clínica.
• Particularidades do tratamento, como, por exemplo, maior risco de interações
medicamentosas.
A associação de transtornos depressivos com outras condições clínicas pode
ocorrer sob diversas modalidades:
Reação de ajustamento com humor depressivo. As reações de ajustamento podem
ser tomadas como uma síndrome parcial de um transtorno específico do humor, a meio caminho
entre o normal e um transtorno depressivo maior. A exemplo do observado em atenção primária,
o padrão mais comum de sintomas é de natureza indiferenciada, compreendendo uma combinação
de preocupações excessivas, ansiedade, depressão e insônia. Esses quadros melhoram com o
apoio psicológico e boa comunicação, esta última compatível com o nível intelectual e condição
emocional do paciente. Psicotrópicos raramente são necessários. Em alguns casos, os sintomas
persistem por mais tempo, atingindo níveis de gravidade compatíveis com critérios diagnósticos
para episódio depressivo. O capítulo 3 ocupa-se especificamente das reações à doença e à
hospitalização.
Depressão secundária. É a que ocorre devido a alterações fisiopatológicas de uma
condição médica. O transtorno depressivo apresenta-se independente do significado do adoecer
ou do impacto das transformações físicas decorrentes do adoecer. Tomando como exemplo o
Acidente Vascuter Cerebral (AVC), considera-se secundária a depressão provocada pela lesão
em circuitos neuronais envolvidos no controle do humor. As doenças que mais frequentemente
causam depressão encontram-se no Quadro 1.
Transtorno depressivo induzido por medicamentos. Reserpina, esteróides
anabolizantes e corticóides são os medicamentos mais freqüentemente associados a
manifestações depressivas. Essas drogas interferem direta ou indiretamente na neurotransmissão
e fisiologia neuronal, produzindo os sintomas depressivos (quadro 1).
Episódio depressivo. Tomou-se comum entre nós a adjetivação, derivada
do Inglês, dos transtornos depressivos em umaior" (major) ou "menor" (minor). Um
episódio depressivo, "maior” ou "menor", pode ser desencadeado ou agravado pela
condição módica. Nessa situação não se tem, unicamente, uma reação de

230 N cury losí Hotctfd e Lcllcld I urnalclo c Rcn^rio I r.^u«is Ir.


ajustamento à doença, nem a sintomatologia depressiva é decorrente diretamente
das alterações fisiopatológicas da condição médica. Essa última apenas
desencadeou ou agravou um transtorno depressivo do paciente. O estresse, de
modo inespeclfico, contribui para a manifestação do transtorno depressivo pró-
existente ou latente. Um paciente com depressão recorrente pode, por exemplo,
ter uma fase depressiva desencadeada pelo pós-operatório de uma cirurgia de
revascularizaçâo do miocárdio (Fráguas, 1995).
C ondição módica desencadeada ou agravada por tra n s to rn o
depressivo. O transtorno depressivo, ao lado de outros fatores de risco (colesterol,
hipertensão, fumo), pode determinar a ocorrência do infarto agudo do miocárdio e
uma subseqüente insuficiência cardíaca. O aumento do tônus simpático e a
diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca são fatores associados à
depressão que podem aumentar o risco para o infarto.
É preciso reconhecer a difícil delimitação das categorias acima. Pode haver
associação de mais de uma dessas possibilidades. A depressão e a condição módica
também podem ocorrer concomitantemente, sem que exista, de acordo com o julgamento
clínico, uma associação entre as duas.

Quadro 1
Doenças neurológicas: Doença cerebrovascular, Tumores frontais, Epilepsia
(principalmente de lobo temporal), Doença de Huntington, Doença de Parkinson, Doença
de Alzheimer, Esclerose múltipla, Paralisia supranuclear progressiva, Hemorragia
subaracnòide.

Endocrinopatias: Hiper e hipotireoidismo, Slndrome de Cushing, Diabetes mellitus,


Doença de Addison, Hiperparatireoidismo, Hipopituitarismo.

Neoplasias: Carcinoma de pâncreas, Carcinoma de pulmão, Tumores do SNC.

Doenças Infecciosas: AIDS, Encefalite, Gripe, Hepatite, Mononucleose, Pneumonia


virai, Sífilis terciária.

Outras doenças: Alcoolismo, Anemia, Deficiências: folato, B2, B12, Doença de Wilson,
Dor crônica, Infárto agudo do miocárdio, Insuficiência hepática, Insuficiência renal
crônica, Intoxicação por metais pesados, Lupus eritematoso sistêmico.

M e dicam en tos: Ácido nalidlxico, A nfetam ínicos, cocaína (abstinência),


Antihipertensivos(reserpina, metildopa, clonidina, nifedipina, hidralazina, prazosin,
diuréticos), Anti-inflamatórios não-esteróides, A ntipsicóticos, Benzodiazepinas,
Betabloqueadores (especialmente propranolol), Cimetidina.Cinarizina, Contraceptivos
orais, Corticosteróides, Desequilíbrio eletrolítico, Digitálicos, Flunarizina, Isoniazida,
Levodopa, Metoclopramida, Metronidazol, Abstinência (anfetamínicos, cocaína),

Sobre Comportamento c CogniçAo 231


Dois extremos podem conduzir a erros no raciocínio diagnóstico: por um lado,
pacientes deprimidos não sâo diagnosticados devido à crença de que sintomas depressivos
sâo uma resposta normal a doenças físicas que ameaçam ou alteram drasticamente a
vida de alguém; no extremo oposto, faz-se o diagnóstico de depressão em pacientes com
tristeza ou com sintomas físicos causados unicamente pela doença de base.
O paciente pode trazer à consulta uma combinação de sintomas (depressão,
ansiedade, preocupações, fadiga, insônia) frequentemente acompanhados de várias queixas
corporais (dores, tontura, zumbido, fraqueza) que podem dificultar o raciocínio clínico. O
módico também pode estar movido por preconceitos em relação à depressão e a transtornos
mentais em geral (Quadro 2) e, assim, deixar de detectar o problema e de oferecer
tratamento especifico (Botega e Silveira, 1996).

Quadro 2

Atitudes que podem conduzir a erros no diagnóstico e tratamento do paciente deprimido,

"No lugar dele eu também estaria deprimido"


“Esta depressão é compreensível; não vou tratar"
"Depressão só dá em quem tem fraqueza de caráter"
“Ele só está estressado, pois não apresenta tristeza ou melancolia"
"Depressão é uma consequência natural do envelhecimento"
"Só depende de você": força de vontade cura a depressão!"
“Antidepressivos são perigosos; só vou passar 1 cp por dia"
"Quem quer se matar mesmo, não ameaça"
"Primeiro vamos tentar algumas vitaminas para stress..."
"Retorne daqui a um ou dois meses, e então conversaremos mais longamente..."

Como avaliar os sintomas que confundem?


Os critérios atualmente utilizados para o diagnóstico de transtornos depressivos
são oriundos de estudos realizados em centros de atenção psiquiátrica, onde grupos
mais homogêneos de pacientes com quadros mais graves e típicos são encontrados.
Além disso, para evitar fatores de confusão, no estudo de campo para a elaboração dos
critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtomos Mentais (DSM-IV), os pacientes
com doenças físicas crônicas, doenças graves ou doenças que se associavam á depressão
foram excluídos (APA1994, Kellerecols.,1996).
No hospital geral, o sofrimento gerado pela dor, ameaça de morte (real ou percebida),
incapacidade funcional, ou simplesmente pela internação já são suficientes para "gerarem"
reações que se assemelham aos quadros depressivos. Sintomas tais como insônia, fadiga,

232 Nfury José Rotrfld c l.ctlcid fumaielo t Rrnério hr<tguas Jr.


perda de peso, perda da libido são freqüentes mesmo em pacientes que não se encontram
deprimidos (Tabela 1), melhorando espontaneamente à medida que o indivíduo se adapta
a sua condição física, ou vê esta última melhorar (Brasil e Furlanetto, 1997; Kathol e
Wenzel.1992).

Tabela 1 - Freqüência de sintomas,em porcentagem, segundo itens da Escala de


Beck, em "casos’' e “ não-casos” de depressão internados em um hospital geral.

Sintoma “Não Caso” “Caso ” (N=31)


(N=124) %
%
Tristeza 11 68
Pessimismo 10 81
Sensação 7 61
Insatisfação consigo 8 77
Culpa 9 29
Punição 13 61
Desgosto consigo 14 87
Auto-acusação 15 48
Idéias suicidas 0 32
Choro 6 52
Irritabilidade 7 65
Perda do interesse nas pessoas 2 74
Indecisão 9 74
Mudança de imagem do corpo 10 61
Dificuldade no trabalho 32 65
Insônia 29 65
Fadiga 35 81
Perda de apetite 14 61
Perda de Peso 42 58
Preocupação sintomática 31 71
Perda da libido 35 87

Adaptado de Furlanetto (1996)

Existe, ainda, a "desmoralização" que é um conceito elaborado para se referir aos


sentimentos de desalento e baixa auto-estima, vivenciados por indivíduos sem depressão,
em decorrência da condição de vida adversa (Dohrenwend e cols., 1980).
Várias abordagens foram propostas para minimizar o problema de sintomas físicos
que se confundem com os depressivos. A melhor abordagem dependerá dos objetivos da
realização do diagnóstico (rastreamento, pesquisa ou tratamento). Uma estratégia útil

Sobre Comportamento e CotfniçJo 233


para ser utilizada no dia-a-dia parece ser a proposta por Cavanaugh (1995): sintomas tais
como fadiga e alterações do sono, do apetite, do peso e da psicomotricidade ajudam a
corroborar o diagnóstico quando: a) em excesso ao esperado para a condição fisica e seu
tratamento e b) surgem associados temporalmente aos sintomas cognitivos e afetivos da
depressão (humor depressivo, anedonia).
Quais sintomas depressivos tdm significado clínico?
Pesquisas foram realizadas oom amostras brasileiras para avaliar sintomas de pacientes
deprimidos internados devido a doenças físicas: perda do interesse nas pessoas, pessimismo
(desânimo), indecisão, irritabilidade, anedonia (perda do interesse e prazer) melhor discriminaram
os pacientes com slndromes depressivas moderadas e graves. Mais recentemente, obsetvou-
se que pacientes admitidos em enfermarias de clínica médica que apresentavam indecisão,
insônia, baixa auto-estima, desesperança ou anedonia tiveram maior mortalidade durante a
internação, independente da gravidade física inicial (Furlanetto, 1996; 2000).
A anedonia ó muito difícil de ser avaliada no hospital geral, já que os pacientes têm
múltiplas incapacitações que impedem atividades antes prazerosas decorrentes unicamente da
doença física e da internação. Assim, a anedonia pode ser mais facilmente avaliada neste
contexto através da observação e de perguntas que auxiliem a detectar perda de interesse e
prazer nas conversas com oompanheinos de quarto, nas visitas de familiares e do médico assistente
(momento em que os pacientes ainda podem obter alguma gratificação, quando internados).
Além disso, os pacientes internados sem depressão, embora não possam fazer atividades que
antes lhes agradavam, conseguem manifestar algum interesse, planos para o futuro, bem como
imaginar que, se pudessem, teriam prazerem trabalhar, comer, ter vida sexual.
Na avaliação dos sintomas depressivos também é muito importante o conhecimento
da doença física de base, já que algumas condições podem apresentar mais frequentemente
sintomas que se assemelham aos da depressão. Um paciente com delirium, ou com retardo
mental, que se mantém calmo pode ser tomado erroneamente como um “deprimido", isso
também pode ocorrer quando há perda de espontaneidade (demência, slndrome do lobo
frontal), ou quando, reagindo à doença e à hospitalização, um paciente se fecha, procurando,
assim, não externalizar seus sentimentos.

Acidente vascular cerebral (M C) afetando o giro pré-frontal ou os gânglios da base


do hemisfério esquerdo causa depressão em aproximadamente dois terços dos pacientes.
O tratamento precoce da depressão, com antidepressivos, ECT ou psicoestimulantes, é
fundamental para minimizar o grau de incapacitação. Lesões do hemisfério direito costumam
causar mais apatia, disprosodia e uma "animação inadequada” (Robinson 2000).

Muitos estudos mostram importante relação entre depressão e cardiopatia: pacientes


deprimidos têm pior prognóstico, menor recuperação após infarto e menor adesão ao programa
de reabilitação (Fráguas, 1995; Hays e col. 1995; Appels, 1997). Alguns medicamentos
usados em cardiologia também podem causar depressão, como digoxina, inibidores da
enzima de conversão da angiotensina, betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio,
alfametildopa

Alterações da tireóide também encontram-se relacionados à depressão, mais


frequentemente o hipotireoidismo. O hipotireodismo, se não tratado adequadamente, pode

234 Neury lo*é Botcfld t Lelicúi f urnalr lo t Rfrrtrio f ráguds Ir.


impedir a melhora da depressão. Por outro lado, a associação de triiodotironina (T3) a
medicações antidepressivas leva a uma potencialização do efeito antidepressivo (Fava, 1995).

Pacientes HIV positivos podem apresentar esquecimento e dificuldade de


concentração decorrentes da ação direta do vírus no SNC, e não, necessariamente, da
depressão (Maj, 1996). Nesses pacientes, a alteração da concentração ou da memória ó
menos específica para o diagnóstico, mas o sintoma "indecisão" consegue discriminar
depressões mais graves (Cavanaugh, 1983). Sintomas tais como baixa energia, alteração
do sono e preocupações são frequentes em pacientes com dor e sem depressão, mas
culpa e isolamento, não (Von Korff, 1996). Fadiga é um sintoma extremamente freqüente
em pacientes com câncer, diabete, doença renal terminal, artrite reumatóide e esclerose
múltipla. Já o retardo psicomotor (lentificação dos movimentos observada pelo examinador)
ó incomum no paciente clínico, exceto nos pacientes com hipotireoidismo e doença de
Parkinson.
Escalas podem ajudar?
Sintomas corporais ou “vegetativos" da depressão encontram-se presentes na
maioria das escalas de ansiedade e depressão (veja, por exemplo, na tabela 1, os itens da
escala de Beck). Em pesquisas epidemiológicas, tal fato pode superestimar a frequência
dos transtornos afetivos às custas de pacientes que, sem se encontrarem mentalmente
enfermos, apresentam sintomas ocasionados pela patologia física. Com essa preocupação,
foi desenvolvida a Escala Hospitalar para Ansiedade e Depressão - HAD, uma escala de
auto-preenchimento com 7 itens para ansiedade e 7 para depressão (Zigmond e Snaith,
1983). Não figuram itens como insônia, fadiga, taquicardia, anorexia, perda de peso etc,
que podem, também, ser sintomas de doenças físicas. A sub-escala de depressão centra-
se na anedonia. A HAD, já validada em nosso meio, tem sido utilizada tanto para
rastreamento diagnóstico, quanto para medir a gravidade de ansiedade e de depressão
(Botega e cols., 1995; 1998).
A seguir, são descritos casos de interconsulta psiquiátrica, com comentários que
ajudam a entender o processo diagnóstico.

"Paciente de 65 anos internado por broncopneumonia há 15 dias. Apresenta


choro e insônia. Em uso de diazepam 10mg à noite, há 2 dias. Depressão?
Solicito avaliação e condutaNo momento da avaliação psiquiátrica, pela manhã,
o paciente estava sonolento. A esposa informou que ele nunca tivera qualquer
transtorno mental e que trabalhava normalmente até a sua internação. Há 3
dias, tinha começado a ficar mais irritado, desorientado e a ter insônia. Contou,
também, que na noite anterior "ficou pior ainda" (agitado, estranho e "vendo
coisas"). Foi feito o diagnóstico de delirium. Foi sugerida a investigação de causas
orgânicas, retirou-se o benzodiazepínico e introduziu-se haloperidol em baixa
dose, 5 gotas (0,5mg) à noite. Além disso, foi tranqüilizada a esposa do paciente
quanto à transitoriedade do quadro. Essas medidas foram suficientes para levar
a uma melhora parcial. No dia seguinte, foi iniciado o tratamento da infecção
urinária que aparecera durante a internação, o que levou gradualmente à melhora
do paciente.

Solnc Comportamento c CoflmçAo 235


Este caso ilustra como a confusão no diagnóstico pode retardar o tratamento
adequado. Muitas vezes, o distúrbio de consciência não é detectado e são prescritas
medicações para "acalmar” o paciente (benzodiazeplnicos, fenotiazinas ou tricíclicos) cujo
efeito anticolinérgico pode piorar a confusão mentaI. O choro pode ser um sinal importante
para a detecção de depressão. Contudo, no paciente clínico existem várias outras causas.
Um estudo no qual foram avaliados pedidos de parecer devido a "choro excessivo" e suspeita
de depressão reveíou que somente 20% apresentava a causa psiquiátrica isolada para o
choro (Green e cols., 1987). A maioria dos pacientes tinha causas neurológicas (33%) ou
associação de causas psiquiátricas e neurológicas (43%), sendo que 4% não tinham
doença alguma que justificasse o choro. Das causas neurológicas descritas, o delirium
(estado confusional agudo) foi a causa mais freqüente.
“Paciente de 79 anos internado por diabete mefito do tipo tl descompensado.
Está depressivo, chorando com freqüência. Iniciada amitriptilina 25 mg.
Solicito avaliação e conduta."Durante a entrevista psiquiátrica, o paciente
não mostrava sinais de alteração do nível de consciência. Chorava facilmente
ao falar dos filhos e em poucos instantes estava rindo ao lembrar de como
era querido em seu antigo emprego, Voltava a chorar diante de pequenos
estímulos para voltar a rir logo a seguir. Não apresentava humor depressivo
nem anedonia (continuava gostando de namorar e de passear). Dizia que
"adorava" seu médico e que acreditava que logo ficaria bom. Seu neto informou
que o avô passou a “ficar esquecido” e a "chorar à toa" após um “derrame" há
um ano. Foi feito o diagnóstico de demência vascular e sugerida a suspensão
da amitriptilina, devido à ausência de humor depressivo ou anedonia e risco
de precipitar delirium e hipotensão postural.
Esta interconsulta ilustra outra alteração psicopatológica que também ó confundida
com humor depressivo devido à presença de choro: a labilidade emocional. Na labilidade
emocional ocorre uma alteração na regulação do afeto (expressão do sentimento) e não
no humor (tonalidade dos sentimentos mantida, global e constante). Um estudo de revisão
da literatura evidenciou que a labilidade emocional encontrada em pacientes com história
de acidente vascular cerebral (AVC) não se associou de maneira significativa à depressão,
mas que outra alteração psicopatológica freqüente neste grupo, a "reação catastrófica"
(explosões de curta duração relacionadas a uma demanda para a realização de uma
tarefa) foi mais freqüente de forma significativa em pacientes deprimidos (Ramasubbu,
1994) Em oulra revisão mais recente, foi sugerido que estas alterações do afeto teriam um
possível benefício com o uso de antidepressivos, independentemente da existência de
depressão (Chemerínskí, 2000).
"Paciente de 49 anos, internada há 15 dias por dor torácica atípica. Todos os
exames foram normais (ecocardiograma, eíetrocardiograma, teste
ergomótrico). Hemograma: série vermelha normal e série branca com
eosinofília. Endoscopia mostrou esotagite. Tratada para estrongiloidiase, com
melhora da eosinofília e da dor torácica, mas continua queixando-se de dores
pelo corpo todo. História de mudanças recentes e importantes no estilo de
vida. Paciente poliqueixosa. Solicito avaliação e conduta."
A residente que solicitou o parecer informou que a paciente estava "estressada"
porque mudou de cidade. Na avaliação psiquiátrica, a paciente contou que foi a dois

236 Neury losé Kolc^i f Lrtkui Furnalclo c R f nório f ráguis Jr.


perda de peso, perda da libido são freqüentes mesmo em pacientes que não se encontram
deprimidos (Tabela 1), melhorando espontaneamente à medida que o indivíduo se adapta
a sua condição física, ou vô esta última melhorar (Brasil e Furlanetto, 1997; Kathol e
Wenzel.1992).

Tabela 1 - Freqüência de sintomas,em porcentagem, segundo itens da Escala de


Beck, em “ casos" e "não-casos” de depressão internados em um hospital geral.

Sintoma “Não Caso” tlCaso” {N=31)


(N=124) %
%

Tristeza 11 68
Pessimismo 10 81
Sensação 7 61
Insatisfação consigo 8 77
Culpa 9 29
Punição 13 61
Desgosto consigo 14 87
Auto-acusação 15 48
Idéias suicidas 0 32
Choro 6 52
Irritabilidade 7 65
Perda do interesse nas pessoas 2 74
Indecisão 9 74
Mudança de imagem do corpo 10 61
Dificuldade no trabalho 32 65
Insônia 29 65
Fadiga 35 81
Perda de apetite 14 61
Perda de Peso 42 58
Preocupação sintomática 31 71
Perda da libido 35 87

Adaptado de Furlanetto (1996)

Existe, ainda, a "desmoralização" que é um conceito elaborado para se referir aos


sentimentos de desalento e baixa auto-estima, vivenciados por indivíduos sem depressão,
em decorrência da condição de vida adversa (Dohrenwend e cols., 1980).
Várias abordagens foram propostas para minimizar o problema de sintomas físicos
que se confundem com os depressivos. A melhor abordagem dependerá dos objetivos da
realização do diagnóstico (rastreamento, pesquisa ou tratamento). Uma estratégia útil

Sobre (.'omportdmcnlo c CognifJo 233


para ser utilizada nodia-a-dia parece ser a proposta por Cavanaugh (1995): sintomas tais
como fadiga e alterações do sono, do apetite, do peso e da psicomotricidade ajudam a
corroborar o diagnóstico quando: a) em excesso ao esperado para a condição fisica e seu
tratamento e b) surgem associados temporalmente aos sintomas cognitivos e afetivos da
depressão (humor depressivo, anedonia).
Quais sintomas depressivos têm significado clinico?
Pesquisas foram realizadas com amostras brasileiras para avaliar sintomas de pacientes
deprimidos internados devido a doenças físicas: perda do interesse nas pessoas, pessimismo
(desânimo), indecisão, irritabilidade, anedonia (perda do interesse e prazer) melhor discriminaram
os pacientes com síndromes depressivas moderadas e graves. Mais recentemente, observou-
se que pacientes admitidos em enfermarias de clínica médica que apresentavam indecisão,
insônia, baixa auto-estima, desesperança ou anedonia tiveram maior mortalidade durante a
internação, independente da gravidade física inicial (Furlanetto, 1996; 2000).
A anedonia é muito difícil de ser avaliada no hospital geral, já que os pacientes têm
múltiplas incapacitações que impedem atividades antes prazerosas decorrentes unicamente da
doença física e da internação. Assim, a anedonia pode ser mais facilmente avaliada neste
contexto através da observação e de perguntas que auxiliem a detectar perda de interesse e
prazer nas conversas com companheiros de quarto, nas visitas de familiares e do médico assistente
(momento em que os pacientes ainda podem obter alguma gratificação, quando internados).
Além disso, os pacientes internados sem depressão, embora não possam fazer atividades que
antes lhes agradavam, conseguem manifestar algum interesse, planos para o futuro, bem como
imaginar que, se pudessem, teriam prazerem trabalhar, comer, ter vida sexual.
Na avaliação dos sintomas depressivos também é muito importante o conhecimento
da doença física de base, já que algumas condições podem apresentar mais frequentemente
sintomas que se assemelham aos da depressão. Um paciente com delirium, ou com retardo
mental, que se mantém calmo pode ser tomado erroneamente como um “deprimido". Isso
também pode ocorrer quando há perda de espontaneidade (demência, síndrome do lobo
frontal), ou quando, reagindo à doença e à hospitalização, um paciente se fecha, procurando,
assim, não externalizar seus sentimentos.

Acidente vascular cerebral (AVC) afetando o giro pré-frontal ou os gânglios da base


do hemisfério esquerdo causa depressão em aproximadamente dois terços dos pacientes.
O tratamento grecoce da depressão, com antidepressivos, ECT ou psicoestimulantes, é
fundamental para minimizar o grau de incapacitação. Lesões do hemisfério direito costumam
causar mais apatia, disprosodia e uma “animação inadequada" (Robinson 2000).

Muitos estudos mostram importante relação entre depressão e cardiopatia: pacientes


deprimidos têm pior prognóstico, menor recuperação após infarto e menor adesão ao programa
de reabilitação (Fráguas, 1995; Hays e col. 1995; Appels, 1997). Alguns medicamentos
usados em cardiologia também podem causar depressão, como digoxina, inibidores da
enzima de conversão da angiotensina, betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio,
affametiídopa

Alterações da tireóide também encontram-se relacionados à depressão, mais


frequentemente o hipotireoidismo. O hipotireodismo, se não tratado adequadamente, pode

234 N cury loié Bote#«! e l.eticia Furnalelo c Rcnèrio I rá#ud* Ir.


impedir a melhora da depressão. Por outro lado, a associação de triiodotironina (T3) a
medicações antidepressivas leva a uma potencialização do efeito antidepressivo (Fava, 1995).

Pacientes HIV positivos podem apresentar esquecimento e dificuldade de


concentração decorrentes da ação direta do vírus no SNC, e não, necessariamente, da
depressão (Maj, 1996). Nesses pacientes, a alteração da concentração ou da memória é
menos específica para o diagnóstico, mas o sintoma "indecisão" consegue discriminar
depressões mais graves (Cavanaugh, 1983). Sintomas tais como baixa energia, alteração
do sono e preocupações são frequentes em pacientes com dor e sem depressão, mas
culpa e isolamento, não (Von Korff, 1996). Fadiga é um sintoma extremamente freqüente
em pacientes com câncer, diabete, doença renal terminal, artrite reumatóide e esclerose
múltipla. Já o retardo psicomotor (lentificação dos movimentos observada pelo examinador)
é incomum no paciente clínico, exceto nos pacientes com hipotireoidismo e doença de
Parkinson.
Escalas podem ajudar?
Sintomas corporais ou "vegetativos" da depressão encontram-se presentes na
maioria das escalas de ansiedade e depressão (veja, por exemplo, na tabela 1, os itens da
escala de Beck). Em pesquisas epidemiológicas, tal fato pode superestimar a frequência
dos transtornos afetivos às custas de pacientes que, sem se encontrarem mentalmente
enfermos, apresentam sintomas ocasionados pela patologia física. Com essa preocupação,
foi desenvolvida a Escala Hospitalar para Ansiedade e Depressão - HAD, uma escala de
auto-preenchimento com 7 itens para ansiedade e 7 para depressão (Zigmond e Snaith,
1983). Não figuram itens como insônia, fadiga, taquicardia, anorexia, perda de peso etc,
que podem, também, ser sintomas de doenças físicas. A sub-escala de depressão centra-
se na anedonia. A HAD, já validada em nosso meio, tem sido utilizada tanto para
rastreamento diagnóstico, quanto para medir a gravidade de ansiedade e de depressão
(Botegaecols., 1995; 1998).
A seguir, são descritos casos de interconsulta psiquiátrica, com comentários que
ajudam a entender o processo diagnóstico.

‘Paciente de 65 anos internado por broncopneumonia há 15 dias. Apresenta


choro e insônia. Em uso de diazepam 10mg à noite, há 2 dias. Depressão?
Solicito avaliação e conduta”. No momento da avaliação psiquiátrica, pela manhã,
o paciente estava sonolento. A esposa informou que ele nunca tivera qualquer
transtorno mental e que trabalhava normalmente até a sua internação. Há 3
dias, tinha começado a ficar mais irritado, desorientado e a ter insônia. Contou,
também, que na noite anterior 'ficou pior ainda" (agitado, estranho e “vendo
coisas"). Foi feito o diagnóstico de delirium. Foi sugerida a investigação de causas
orgânicas, retirou-se o benzodiazeplnico e introduziu-se haloperidol em baixa
dose, 5 gotas (0,5mg) à noite. Além disso, foi tranqüilizada a esposa do paciente
quanto à transitoriedade do quadro. Essas medidas foram suficientes para levar
a uma melhora parcial. No dia seguinte, foi iniciado o tratamento da infecção
urinária que aparecera durante a internação, o que levou gradualmente à melhora
do paciente.

Sobrf Comport.imrnto c C og n ifJo 235


Este caso ilustra como a confusão no diagnóstico pode retardar o tratamento
adequado. Muitas vezes, o distúrbio de consciôncia não é detectado e são prescritas
medicações para “acalmar” o paciente (benzodiazepínicos, fenotiazinas ou triclclicos) cujo
efeito anticolinérgico pode piorar a confusão mental. O choro pode ser um sinal importante
para a detecção de depressão. Contudo, no paciente clinico existem várias outras causas.
Um estudo no qual foram avaliados pedidos de parecer devido a "choro excessivo" e suspeita
de depressão revelou que somente 20% apresentava a causa psiquiátrica isolada para o
choro (Green e cols., 1987). A maioria dos pacientes tinha causas neurológicas (33%) ou
associação de causas psiquiátricas e neurológicas (43%), sendo que 4% não tinham
doença alguma que justificasse o choro. Das causas neurológicas descritas, o delirium
(estado confusional agudo) foi a causa mais freqüente.
"Paciente de 79 anos internado por diabete melito do tipo II descompensado.
Está depressivo, chorando com freqüência. Iniciada amitriptilina 25 mg.
Solicito avaliação e conduta."Durante a entrevista psiquiátrica, o paciente
não mostrava sinais de alteração do nível de consciência. Chorava facilmente
ao falar dos filhos e em poucos instantes estava rindo ao lembrar de como
era querido em seu antigo emprego. Voltava a chorar diante de pequenos
estímulos para voltar a rir logo a seguir. Não apresentava humor depressivo
nem anedonia (continuava gostando de namorar e de passear). Dizia que
“adorava” seu médico e que acreditava que logo ficaria bom. Seu neto informou
que o avô passou a “ficar esquecido" e a "chorar à toa" após um “derrame" há
um ano. Foi feito o diagnóstico de demência vascular e sugerida a suspensão
da amitriptilina, devido à ausência de humor depressivo ou anedonia e risco
de precipitar delirium e hipotensão postural.
Esta interconsulta ilustra outra alteração psicopatológica que também é confundida
com humor depressivo devido à presença de choro: a labilidade emocional. Na labilidade
emocional ocorre uma alteração na regulação do afeto (expressão do sentimento) e não
no humor (tonalidade dos sentimentos mantida, global e constante). Um estudo de revisão
da literatura evidenciou que a labilidade emocional encontrada em pacientes com história
de acidente vascular cerebral (AVC) não se associou de maneira significativa à depressão,
mas que outra alteração psicopatológica freqüente neste grupo, a “reação catastrófica"
(explosões de curta duração relacionadas a uma demanda para a realização de uma
tarefa) foi mais freqüente de forma significativa em pacientes deprimidos (Ramasubbu,
1994) Em outrg revisão mais recente, foi sugerido que estas alterações do afeto teriam um
possível benefício com o uso de antidepressivos, independentemente da existência de
depressão (Chemerinski, 2000).
"Paciente de 49 anos, internada há 15 dias por dor torácica atípica. Todos os
exames foram normais (ecocardiograma, eletrocardiograma, teste
ergométrico). Hemograma: série vermelha normal e série branca com
eosinofília. Endoscopia mostrou esofagite. Tratada para estrongiloidíase, com
melhora da eosinofília e da dor torácica, mas continua queixando-se de dores
pelo corpo todo. História de mudanças recentes e importantes no estilo de
vida. Paciente poliqueixosa. Solicito avaliação e conduta."
A residente que solicitou o parecer informou que a paciente estava "estressada"
porque mudou de cidade. Na avaliação psiquiátrica, a paciente contou que foi a dois

236 Ncury losé Bolc^ii c LcllcM Furnalclo c Rcnério fivlHuas |r.


médicos em sua cidade natal que não resolveram seu problema de “cansaço” e “dor no
peito”. Por isso, resolveu mudar-se para a capital, na casa de sua filha, para buscar
tratamento. Ao questionarmos sobre história pessoal ou familiar de depressão, informou
que a mãe era deprimida e havia se suicidado há um ano. Contou que há quatro meses
passou a ficar só deitada, pois sentia que tudo (arrumar a casa, fazer compras) era “mais
difícil e arrastado". Vinha acordando mais cedo, sentia-se muito mal pela manhã, pois o
tempo não passava e sentia como se tivesse "cem quilos sobre o peito". Referia
incapacidade para tomar decisões, perda de peso porque “não ligava mais para comer” e
perda do interesse em tudo. Explicou que seu marido trouxe "as empadas que tanto
gostava antes” mas que ela não ligava mais. Foi feito o diagnóstico de episódio depressivo
maior. O uso de amitriptilina associado a psicoterapia para auxiliar na elaboração do luto
e culpa pela morte da mãe levaram gradualmente à melhora do humor e diminuição das
queixas.
No paciente clínico é importante a diferenciação entre a tristeza que é esperada
diante da notícia de uma doença física e o humor deprimido No humor depressivo os
pacientes apresentam um “pesadume" e um “sentimento de insuficiência", o que esta
paciente expressou dizendo que parecia ter "cem quilos sobre o peito" e que tudo ficou
mais difícil, arrastado. Quando perguntados por que choram, os deprimidos muitas vezes
não sabem explicar o motivo. Queixam-se de uma dor, até por não conseguirem reagir
diante das notícias boas ou más. Nas depressões mais graves, podem inclusive não
conseguir chorar ou entristecer-se como habitualmente o fariam. Já na tristeza, o indivíduo
sabe explicar claramente o motivo de seu choro e consegue imaginar que se sentiria bem
caso sua condição física melhorasse. O indivíduo que está triste sente-se mal em relação
à situação e o deprimido sente-se mal em relação a si mesmo (percepção do sentimento
de insuficiência).

Linhas gerais para o diagnóstico


Concluindo, o diagnóstico de depressão em pacientes com doenças físicas deve
levar em conta os seguintes aspectos:
1. Avaliar o nível de consciência. Um erro freqüente decorre da confusão entre a disforia
e irritabilidade dos quadros iniciais de delirium e o humor depressivo.
2. Verificar a presença de sintomas cognitivos da depressão (idéias de culpa, prejuízo
da auto-imagerTi, sensação de desamparo, pessimismo, idéias de suicídio).
3. Verificar a presença de anedonia, caracterizada pela incapacidade de o paciente
sentir prazer, ainda que com pequenas coisas (uma conversa, uma visita esperada,
uma leitura ou programa na televisão). Se a principal alteração de humor for apatia, em
vez de depressão, a existência de transtorno orgânico do humor é mais provável.
4. Os sintomas somáticos não devem ser computados,

se facilmente e totalmente explicados pela doença física e hospitalização. No entanto, se


estiverem temporalmente relacionados a humor depressivo e/ou anedonia e em
intensidade desproporcional ao esperado em dada condição física, ajudam no

Sobrr (.omportjm cnlo c Co#niÇtlo 237


diagnóstico.
5. Antecedentes pessoais e familiares de depressão são frequentes no transtorno de
humor unipolar; mais frequentes, ainda, no bipolar.
6. A presença de patologia orgânica precisa ser cuidadosamente investigada. A
determinação etiológica tem importantes implicações no tratamento.

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240 Ncury Jo*f Botcjjac Lctfcld furnalclo cRcrrtrio fr«tyua*Jr.


Capítulo 24
Passados 30 anos: "O s princípios
comportamentais servirão para os
revolucionários?"
N il/â M icheletto
Tere/à Maria de Azevedo Pires Sério
PUCSP

Em 1972, Holland fez a pergunta: 'Servirtocmpnt)dp$cxi nompotíamenlwsfmra os rmvoktckxwtoos? Holland rwipoori« 'sim', «firmando
que Skinnar fomece um "poderoso Iratrumefrtal para a análise do contrate exercido dentro do sistema" e indicando que para que a
ctAncia do comportamento esteja a serviço de uma sociedade igualitária devemos. interromper traballx» que estejam"a serviços da
rlque/a e poder', desenvolver trabalhos voltados "<m necessidade diretas das pessoas que lutam por libertar-se do controle e da
exploração1* da elite dominante, e expenmentar formas de controle 'compatíveis com sistemas igualitários". Holland identifica
aspectos que fundamentam sua conclusão: o behavlortsmo “nega as causa internas usadas para justificar a estratiflcaçAo" e
reconhece que "as bases dos problemas humanos estâo nas variáveis controladoras no sistema de gerenciamento da sociedade".
E«Wtanto, o aiwltsta do comportamento Vem skki também uma vlttnw do wstema, ou p t contingèma* o levam a considerar con»
cliente os agente» do sistema social que produzem os problemas para manter seu poder. Endossando a resposta de Holland,
procuramos ilustrar as dificuldades enfrentadas pelo anaksta do comportamento analisando seu papel diante do probloma violência

Palavras chave: princípios comportamentais, análise do comportamento e sociedade, analista do comportamento e prática
social, controle social.

A pergunta Os princípios comportamentais servirão para os revolucionários? foi o


título de um trabalho que Holland apresentou, no México, em janeiro de 1972, como parte de
um simpósio sobre modificação do comportamento. Segundo Keller e Iftesta (1973), o simpósio
foi dedicado a Fred Keller e foi realizado com os objetivos de “colocar e examinar uma série de
problemas relacionátios com a aplicação da análise comportamental na educação" (p.5). Ainda
segundo esses autores, foram apresentados, nesta ocasião, trabalhos que abordaram "desde
assuntos ligados estritamente a variáveis relacionadas ao desenvolvimento infantil, em sujeitos
pré-escolares (...), até as implicações últimas da análise comportamental na mudança
revolucionária das estruturas e sistemas de controle social (...)" (Keller e Iftesta, 1973, pág. 5).
Os princípios comportamentais servirão para os revolucionários? é a pergunta
que abordava tais implicações.
Para podermos entender e discutir estas implicações últimas, iniciamos
destacando posições e análises de Holland que originaram a pergunta proposta por ele.
1. a posição de Holland com relação ás transformações sociais e ao papel da
análise do comportamento. Fica bastante claro, no texto de Holland, que, para ele: a) o

Sobrr Comportamento e CoflnlçJo 241


atual sistema social deveria ser transformado na direção de um sistema social igualitário,
colaborador; b) uma mudança de comportamento planejada poderia ter um papel
fundamental na transiçõo da sociedade atual para esta nova sociedade; e c) nesta nova
sociedade, o papel da análise comportamental aplicada seria diferente do papel atual, no
que se refere “à natureza dos reforçadores e à forma de estabelecimento e avaliação das
contingências" (Holland, 1973, pág. 267).
2. avaliação que Holland fazia da prática dos analistas do comportamento: a) para
Holland, analistas do comportamento e não analistas do comportamento tinham posições
diferentes sobre tal prática. Para não analistas do comportamento, os resultados produzidos
rio laboratório e nos trabalhos aplicados eram motivos de crítica e geravam objeções cada
vez maiores; os críticos enfrentavam a possibilidade de controle do comportamento
recorrendo à defesa do livre arbítrio e negando a possibilidade de se formularem leis sobre
o comportamento. Já, para os analistas do comportamento, estes mesmos resultados
eram motivo de orgulho e, diante das críticas, eles apenas reafirmavam sua crença de que
o comportamento era sujeito a leis. b) com uma fundamentação completamente diferente
destes críticos, Holland (1973) considerava que existiam "bases reais" para o alarme e a
resistência em relação à aplicação da análise do comportamento, pois a atuação, orientada
pelos princípios da análise do comportamento, vinha produzindo resultados efetivos, efetivos
para a manutenção de um sistema social desigual e estratificado. Holland exemplifica
este tipo de aplicação; apresentamos aqui dois destes exemplos.
(1) uso de economia de fichas em vários aspectos do treinamento militar, desde a
inspeção em quartéis até o treinamento de tiro, envolvendo, em alguns casos, atividades
tais como treino para aumentar a freqüência e a eficácia de tiros durante uma batalha;
(2) o recurso à privação socialmente imposta para o estabelecimento de reforçadores,
ilustrado com clareza no pequeno trecho apresentado a seguir, retirado de um documento
que deveria orientar o trabalho de cientistas sociais no controle de insurreição na Tailândia.
A oferla de comida em troca de certos serviços proporciona um bom exemplo. Se
no passado este foi um estimulo poderoso, provavelmente ele pode ser enfra­
quecido mediante um aumonto da produção agricola local. Se a comida for um
estímulo fraco ou neutro, provavelmente ele pode ser fortalecido com a queima
da colheita. (American Institute for Research, 1967, pág. 7, conforme citado por
Holland, 1973, pág. 272)
Para Holland, estas intervenções são problemáticas, uma vez que elas estão
diretamente voltadas para os interesses de um pequeno grupo de pessoas que detêm o
poder. Tal grupo é o cliente real destas intervenções, intervenções que, estranhamente,
têm como sujeito (ou objeto) aqueles que nada lucram com ela. Mesmo a substituição de
controle aversivo por reforçamento positivo, que pode dar uma aparência mais humanitária
para as intervenções previstas, não elimina o compromisso das intervenções com a
manutenção e o fortalecimento das estruturas de poder em vigor. O fato de não ser a
própria elite que implementa as intervenções e o uso de reforçamento positivo acabam por
mascarar esta estrutura de poder. Holland (1975) é bastante claro em relação a isto:
O sistema de modificação típico serve ao poder. Contratado pela corporação,
pela prisão, pela escola, ou pelo hospital, o analista do comportamento planeja
esquemas para dirigir subordinados. As elites que contratam seus serviços defi­
nem os problemas e estabelecem os objetivos. A modificação do comportamen­
to na indústria é usada para aumentar lucros, aumentando os resultados do
trabalho, sem um aumento correspondente de renda para os trabalhadores. As

242 Nilza M ichclctlo c Trc/a M iiriii dc A /cvcd o l’ irw V r io


administrações de instituições, prisões, hospitais mentais, escolas e o exército
tentam manter as instituições funcionando harmoniosamente, contratando sujei­
tos quietos, dóceis e obedientes, (pág. 2)
Trocando em miúdos, podemos supor que conclusões aparentemente conflitantes
é que levaram Holland a formular a pergunta; afinal, diante do reconhecimento da existência
de práticas que, aparentemente fundamentadas em princípios da análise do comportamento,
não só dificultavam a mudança por ele almejada, mas também colaboravam com a
manutenção das características básicas do sistema atual, seria possível defender que os
princípios da análise do comportamento poderiam contribuir de forma significativa para a
transição do atual sistema para um sistema social igualitário ?
Feita a pergunta, Holland afirma que sim. O que será que dava tanta certeza a
Holland para afirmar, em 1972, e para reafirmar, seis anos depois, que os princípios
comportamentais servem aos revolucionários ?
Do nosso ponto de vista, três marcas destes princípios davam tal confiança a
Holland.
Uma marca fundamental está na maneira skinneriana de explicar. Para
Holland, todo este sistema de poder elitista, por ele criticado, apóia-se em explicações do
comportamento que recorrem a traços ou estados internos, reservando alguns destes
estados para as elites - vontade, determinação, motivação, inteligência - e outros para os
subordinados - preguiça, falta de ambição, ausência de talento e, em alguns casos,
violência natural, delinqüência. Opondo-se frontalmente a esta forma de explicar, o
behaviorismo busca os determinantes do comportamento nas contingências de
reforçamento, principalmente, no sistema de contingências sociais. Desta forma, a origem
de qualquer problema humano está em tais contingências.
Uma segunda marca é que a análise do comportamento dá suporte a uma crítica dos
aspectos característicos de um sistema social estratificado e competitivo, uma vez que deixa
claro o controle envolvido nas relações que constituem tal sistema e revela suas contradições.
Segundo Holland: a) em situações nas quais os interesses entre controladores e controlados
são diferentes, é muito difícil evitar que o controlado encontre rotas alternativas de reforçamento
que subvertam o sistema de contingências planejado pelo controlador; b) um sistema estratificado
de poder "é a base de reforçamento para a luta e resistência por parte do controlado” (1975,
pág. 5); c) quando o poder ó estratificado, "é quase impossível planejar um sistema de
reforçamento positivo” (1975, pág. 6; 1978a, pág. 171); d) a quase inexistência de reforçadores
intrínsecos na situação de trabalho é a base da alienação do trabalhador (1975, pág. 9).
E, finalmente, a terceira marca ó que a análise do comportamento é compatível com o
desenvolvimento de um sistema social igualitário. A análise do comportamento revela a
possibilidade de relações baseadas na cooperação, de maximizar reforçamento para ajudar as
pessoas. Segundo Holland (1978a), a comunidade comportamental descrita em Walden //dá as
bases para o estabelecimento de uma comunidade “igualitária e socialmente radical" (pág. 172).
É a aplicação desses princípios na análise dos comportamentos do analista do
comportamento que permite a Holland compreender as dificuldades enfrentadas pelos
analistas para agir de forma coerente com tais princípios.
Segundo Holland (1978a), as práticas atuais são limitadas pelo próprio sistema social.
O analista do comportamento tem sido também uma vítima do sistema social, isto ó, tem sido

Sobre Comporíiimcnlo t Cojjnivilo 243


controlado pelas contingências de reforçamento estratificadas e competitivas presentes neste
sistema. Estas contingências levam o analista do comportamento a considerar como clientes
aqueles que estão no topo da hierarquia do poder. Desta forma, os problemas a serem resolvidos
com sua atuação são formulados segundo a ótica dos grupos que detêm o poder e as soluções
(as intervenções propostas) inevitavelmente só favorecerão tais grupos. Tudo isto é possível
porque as contingências dominantes no sistema sodal limitam a tal ponto a atuação do estudioso
do comportamento que chegam a dificultar ou impedir a própria compreensão dos princípios. E
com isso, o sistema sai ganhando mais uma vez, “a má compreensão e a rejeição popular do
behaviorismo servem às necessidades sociais do sistema”. (1978b, pág. 185)
Entretanto, as soluções que envolvem a colocação do problema marcada pela
ótica do poder, as intervenções que referendam e fortalecem o sistema vigente, a difusão
da má compreensão dos princípios da análise do comportamento e de princípios análogos
e a alienação dos analistas do comportamento são soluções aparentes, provisórias,
temporárias. Lenta e gradualmente, tais "soluções" acirram as contradições do sistema
social que as originou. O sistema não irá se manter indefinidamente; ele acabará mudando.
Porém, não sabemos em que direção a mudança ocorrerá. Alguns, que acreditavam
que tal mudança ocorreria, já disseram que a história tem mostrado que ela pode terminar
em "uma transformação revoíucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas
classes em luta." (Marx,.Manifesto, 1848/1977, pág. 22) E é aqui que a análise do
comportamento pode fazer diferença. Ela poderia colaborar com a avaliação das possíveis
direções da mudança e com o processo de transição de forma que ele conduzisse
efetivamente à mudança esperada.
Mas, segundo Holland (1978a), para que a análise do comportamento possa fazer esta
diferença, os analistas do comportamento devem estarfora do sistema. E, eles só estarão fora
do sistema se forem expulsos, pois de outra forma, dificilmente eles escapariam do controle das
contingências que têm limitado sua atuação. "E então, com nossa liberdade, nada mais tendo a
perder, a análise pode caminhar para soluções [reais]" (Holland, 1978a, pág. 172).
Como vimos, diante da pergunta "servirão os princípios comportamentais para os
revolucionários?", Holland responde: “sim, servirão". Uma resposta que, num primeiro
momento, parece otimista e plena de esperanças para alguns de nós. Entretanto, se
acompanharmos sua resposta até o fim - de 1972 a 1978, pelo menos - ela na verdade
nos empurra contra a parede, E quase inevitavelmente nos perguntamos: precisamos
estar à margem do sistema ou ser parte dos excluídos para que os princípios da análise
do comportamento possam servir como instrumentos de transformação?
Responder esta pergunta não é fácil. Por isto vamos recorrer a um caso como
qualquer bom psicólogo, e, mais uma vez, ao ‘caso do analista do comportamento’; mais
especificamente, o papel do analista do comportamento diante da violência que parece
ser característica do mundo contemporâneo. Analisaremos este caso recorrendo a análise
que Sidman faz de uma das formas de violência presentes no nosso cotidiano - o terrorismo.
Iniciamos nossa análise com uma longa, porém necessária citação.
Hoje, a rápida difusão de informações permite a todos, em todo lugar, ver toda a
variedade da existência humana, em todas as partes do mundo. Pessoas extremamente
pobres, vítimas das mais severas coações sociais, políticas e religiosas recebem imagens
televisionadas de lazer, conforto e riqueza inimaginados. Elas vêem terras onde a simples
sobrevivência raramente está em questão. Elas vêem culturas nas quais a coerção consiste,
mais comumente, na ameaça da privação da propriedade, segurança, conveniência ou

244 N il/d Mlchelefto e Trrcza M.irld dc A /rv rd o Pires Sério


liberdade - qualidades da vida que elas jamais conheceram, Elas vêem a vida humana
valorizada por si mesma, não simplesmente pelo que contribui para a sobrevivência física
e econômica do grupo. Com as maravilhas do transporte moderno, trazendo exemplos
vivos deste ilimitado luxo ao alcance das mãos, aquelas pessoas, sujeitas à continuada
repressão que ameaça a vida, tôm descoberto e explorado uma forma nova de coerção -
o terrorismo. Elas tém forçado os privilegiados do mundo a pressionar uma barra de esquiva
não familiar: "Dê-nos o que vocês têm ou destruiremos tudo que vocês valorizam."
Porque terroristas têm pouco a perder e, freqüentemente, acreditam que têm
muito a ganhar depois da morte, eles estão prontos para destruir mesmo a si próprios no
processo de executar suas ameaças. Dirigidos por pressões naturais e sociais intensas
para praticar esta forma extrema de coerção social, eles possuem o mais estreitamente
restringido de todos os repertórios comportamentais. Suas opções foram reduzidas à
simples represália, dispensando um único choque coercitivo - matança indiscriminada
Não podemos fazer com que abandonem essa opção cedendo às suas deman­
das; tal reforçamento apenas garantiria mais atos de terrorismo. Não podemos
fazê-los abandonar sua única opção; sem ela, não lhes restaria qualquer espe­
rança, nenhuma maneira de extorquir alguma parle dos recursos do mundo para
si mesmo. Al está por que ó tão difícil lidar com terroristas. Inevitavelmente,
contramedidas tomarão deles essa opção. Eles, então, nada terão em que se
apoiar a não ser desespero. A guerra contra o terrorismo indiscutivelmente será
vencedora, mas deixar um grande seguimento do mundo sem qualquer outro
método para melhorar sua sorte não é humano e não ô uma perspectiva
confortadora. (Sidman, 1989/1995, págs. 151-152)
Qual o caso que está sendo analisado? São muitos, qualquer um e todos eles: o
‘11 de setembro’, o Afeganistão, a Colômbia, a Palestina, o Rio de Janeiro, para citar apenas
um exemplo brasileiro. Estamos diante dos últimos resultados (no sentido de mais recentes,
porém, esperamos, não de finais) do acirramento das contradições do sistema.
Diante destes muitos e único caso, Sidman (1989/1995), mais do que descrever,
analisa algumas das reações e soluções mais freqüentemente apresentadas diante destes
problemas.
A título de exemplo, podemos citar duas destas possíveis reações/soluções
analisadas por Sidman. Uma delas pode ser nomeada como ‘auto-indulgência': esta reação
é característica daqueles que diante de uma ação violenta (do terrorista, do traficante, do
criminoso...) não compreendem o que está acontecendo, ficam perplexos com a escolha
da qual tal ação párece ser fruto; esta perplexidade traz implícita a suposição de que a
violência foi uma opção e uma opção aparentemente gratuita:
‘por que nâo copiar nossa prosperidade, em vez de tentar destruir-nos? Esta
justificativa auto-indulgente ignora as realidades de ambientes duros e de falta de
treinamento que negam a incontáveis pessoas o acesso a recursos e a ganho
potencial. A contínua postulação moral- ’a oportunidade está disponível para to­
dos’- apenas produzirá mais amargura e contracontrole violento. Sorte que não é
compartilhada nâo continuará. Se a explosão nâo acontecer em nossa vida, nos­
sos filhos e seus filhos terão que enfrentá-la. (Sidman 1989/1995, pág. 236)
Um outro exemplo de reação/solução pode ser nomeado "reação à altura". A grande
difusão e o sem número de platéias cativas dos resultados aparentemente tão bem sucedido
de políticas do tipo “tolerância zero" são indícios de quão difundido ó este tipo de reação.
Diante das mais diversas formas de violência contemporânea, nossas discussões, cada vez

Sobrr Comportamento e Coyjmçdo 245


mais, têm se restringido aos também diferentes tipos possíveis de repressão. E isso vai
desde a defesa de confrontos entre nações gerenciados por outras tantas nações ató o
desenvolvimento de uma ampla gama de estratégias de defesa pessoal, passando pelas
diversas formas de bloqueios e sanções econômicas. Em nosso país, a cada eleição, somos
partícipes dessa restrição de alternativas: a questão da segurança pública vem se
transformando no tópico central dos programas políticos e no critério básico de avaliação
dos candidatos, levando vantagem na disputa aqueles que, recorrentemente, defendem a
reclusão e/ou extermínio daquele que é visto como o agente da violência como as medidas
de ‘combate’ à violência, simplificando o problema a tal ponto que se pode dizer que o lema
central, nem sempre claramente explicitado, é ‘violência se combate com violência’.
Sidman (1989/1995) é absolutamente claro ao analisar as soluções contidas na
‘reação à altura’:
Também não adiantará manter o problema controlado e manejável criando sistemas
policiais e militares poderosos. Dentro de uma comunidade, fortalecer a força policial
apenas intensifica o conflito. Internacionalmente, a represália militar ao terrorismo, embora
provavelmente inevitável agora que se permitiu ao terrorismo ser freqüentemente tão bem
sucedido, apenas garante a continuidade do ciclo de atrocidade e contra-atrocidade.
Ainda pior, comprar proteção militar e policial nos coloca finalmente sob o controle
coercitivo dos protetores; a longo prazo, os executores dominam seus empregado­
res. Buscando estreitamente mais e mais poder para cumprir a lei e manter a
ordem, a policia perde de vista dos direitos sociais e pessoais que a lei e a ordem
devem proteger, acaba por tomar a lei em suas próprias mãos, não apenas prote­
gendo-a, mas fazendo-a. E não importa quão bem-sucedidas possam ser as ope­
rações militares globais, a necessidade de mantê-las e intensificá-las nos torna
perdedores; necessidades de 'defesa' finalmente tornam impossível manter o modo
de vida para cuja proteção estabelecemos o sistema de defesa. O sistema militar
se apropria de todos os recursos para seu próprio uso, buscando também controle
político a fim do proteger o que st? tornou seu próprio interesse. Dependência
exclusiva da proteção policial e militar mais cedo ou mais tarde cria um estado
policial. Acabamos subservientes aos nossos defensores, (págs. 236-237)
Algumas páginas adiante, analisando especialmente as reações/soluções diante
do terrorismo, Sidman (1989/1995) não deixa nenhuma dúvida sobre as possibilidades de
sucesso do que estamos chamando aqui de ‘reação à altura'.
Ninguém deveria ter a ilusão, entretanto, de que qualquer coisa permanentemente
construtiva possa ser obtida desse modo. A coerção colocou um grande segui­
mento do mundo em um estado de privação econômica, humilhação social e
repressão política. O resto do mundo terá que rever sua confiança na diplomacia
coercitiva se quiser eliminar a ameaça de contracoerção desesperada, (pág. 288)
Estes dois exemplos (‘auto-indulgência’ e ‘reação à altura’) parecem suficientes
para evidenciar a complexidade do problema, a inadequação de medidas mais difundidas
para solucioná-lo e, conseqüentemente, toda a dificuldade envolvida na sua compreensão.
Diante destas constatações, tem sentido perguntar sobre o papel do analista do
comportamento, será que há algo que ele possa fazer diante da violência que parece ser
característica do mundo contemporâneo? Acreditamos que a complexidade do problema,
a ineficiência e inabilidade para solucioná-lo, o grau de dificuldade e os limites encontrados
para a sua compreensão não são razões para que o analista do comportamento se isente

246 N il/d M ichelello e fre/d M ir id tle A /rv ed o Tires Sírio


da responsabilidade e do compromisso de buscar/propor soluções. Tal impossibilidade de
isenção decorre exatamente do fato de que qualquer alternativa de solução depende da
adequação/correção da colocação do problema; em outras palavras, a possibilidade de
solução bem como o início da solução do problema está na sua formulação, pois é ao
formular o problema que revelamos o problema real.
A questão não é lógica ou moral; o problema é comportamental. Enquanto outros
nos virem como uma fonte de choques, eles reagirão a nós como ao próprio choque -
lógica, precisão e justiça não importando. Competição ó inevitavelmente coercitiva; coerção
produz afastamento, esquiva e, finalmente, contracoerçào. Os vencedores de hoje se
tornam os perdedores de amanhã; a leis do comportamento prevalecerão.
Somente alterando as contingências, as interações entre conduta e ambiente por
meio das quais as leis comportamentais operam, começaremos a ver coopera­
ção substituir contracontrole. Poderíamos realmente construir uma sociedade
que desvaloriza a competitividade, reconhecendo-a como contraprodutiva em
última instância? Ninguém sabe a resposta a esta questão, mas a análise do
comportamento torna clara a dificuldade. (Sidman, 1989/1995, pág. 237)
Como é conhecido pela maioria de nós, Sidman (1989/1995) escreveu o livro
Coerção e suas implicações tendo como base extensos resultados de laboratório. Apesar
do livro não estar escrito em linguagem que lembre relatórios científicos, as análises
propostas encontram fundamentos sólidos em pesquisas cuidadosas realizadas em
situações controladas de laboratório. Pesquisas que estão à disposição de qualquer analista
do comportamento e que, possivelmente, muitos analistas leram, discutiram e replicaram.
Quantos dos pesquisadores envolvidos na área de controle aversivo, quantos dos
consumidores destas pesquisas, quantos dos leitores destas pesquisas chegaram a derivar
dos resultados por elas produzidos análises semelhantes às de Sidman? Pelo menos um
dos analistas fez isto, o próprio Sidman, e talvez um seja suficiente.
A análise de Sidman é pública, está divulgada e todos nós podemos ter acesso a
ela. Mas, de imediato, surge uma outra pergunta. Quantos de nós lemos seu livro? Aqui,
um alívio. É sabido que o livro Coerção e suas implicações tem sido muito lido, discutido,
utilizado em cursos, enfim, parece estar sendo um bom instrumento de divulgação da
análise do comportamento.
Para nosso azar, o alívio é breve. Mais uma pergunta parece inevitável: que mudanças
o dizer de Sidman produziu em nós, seus leitores? Nós acreditamos na análise que ele
apresenta? Essa crença nos preparou de alguma forma para enfrentar os fatos previstos?
Se estávamos preparados para os fatos previstos, vislumbramos alguma forma de controle?
É verdade que a realidade vivida é sempre mais dura do que a realidade descrita.
Mas, além do choque, do pavor, da perplexidade que todos nós sentimos vendo, e muitas
vezes, em tempo real (basta lembrar d o ' 11 de setembro’, de alguns jornais televisivos que
cotidianamente estão a nossa disposição ...), destruição gerando morte e sofrimento
indiscriminados, o que mais conseguimos fazer, além de sentir, enquanto analistas do
comportamento? Qual nossa posição diante das propostas de retaliação, nos diversos níveis
já indicados, tão apregoadas e assumidas com tanta rapidez e facilidade? Nós não
acreditamos no “ciclo'’ de atrocidade e contra-atrocidades previsto por Sidman? Se
acreditamos, o que pretendemos fazer para romper com este ciclo?
Estas não são perguntas de retórica. São perguntas difíceis de responder.
Principalmente para os analistas do comportamento, já que, como afirma Sidman, o que a

Sobrf Comporl.imenlo c CoftMfüo 247


análise do comportamento faz é precisamente tomar clara a dificuldade da resposta: e nossa
dificuldade hoje ó imensa.
Nesse momento podemos voltar à Holland. Diante da violência que parece caracterizar
o mundo contemporâneo, nós, analistas do comportamento temos colocado o problema sob
a ótica dos grupos que detôm o poder (como um problema lógico ou moral) ou temos colocado
o problema sob a ótica da análise do comportamento (como um problema comportamental)?
Digamos que a maioria de nós responda que sim, temos colocado o problema
orientados pelos princípios da análise do comportamento: ao formular o problema, não
recorremos a traços ou estados internos para explicar ações violentas e, sim, buscamos
identificar nas condições concretas que constituem a vida das pessoas os determinantes de
tais ações, revelando assim as contradições presentes nessas condições de vida. Quantos
de nós nos empenhamos na divulgação e defesa desta formulação do problema? E quantos
de nós, tendo reconhecido as dificuldades envolvidas, nos empenhamos na elaboração, difusão
e defesa das alternativas de solução decorrentes do problema assim formulado?
Queiramos ou não, nossa ausência é parte das condições que permitiram que ‘o
problema da violência’ se apresentasse hoje como insolúvel, insuperável, cujo enfretamento
está além de nossas possibilidades. E, com esta ausência, talvez possamos resumir 'o caso
do analista do comportamento' em algumas perguntas: nossos dados de laboratório dizem
mais do que podemos ouvir? Ou, Sidman foi longe demais na interpretação e extensão desses
dados? Ou, Holland tinha razão: só ouviremos os dados se estivermos fora do sistema, se
formos expulsos pelo sistema? Pergunta que, diante das dimensões do problema, quase
inevitavelmente conduz a mais uma pergunta: seremos expulsos a tempo?

Referências
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Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy. (Trabalho origi­
nal publicado em 1989)

UH N il/a M ichclctto c Icrv/a M a n a dc A /cvw lo Pire* Sírio


Capítulo 25
Redução da agressividade e hiperatividade
de um menino pelo manejo direto das
contingências de reforçamento: um estudo
de caso conduzido de acordo com a Terapia
por Contingências*
Pâtríciâ Pia/ion Queiroz'
/ Mio /osé QuiUumU'
0 objetivo do presente estudo foi reduzir excessos comportamentais hiperatividade em casa e na escola a agressividade
em relaçAo a colega» de classe em um menino adotado de 10 anos, que freqüentava a 3* série A queixa da psicóloga da
escola e da mâo era de que o cliente se mantinha o tempo todo andando, pulando, falando, solicitando atençAo, mesmo sendo
capa? de realizar as atividades solicitadas Ele era muito competitivo nos jogos e brincadeiras provocando multas vezos
brigas na escola A análise que a terapeuta fez das contingencies provavelmente em operaçAo foi que o cliente emitia
comportamentos em alta freqüência para ovitrnr ti perda c/e reforços ganerMzadas A agressividade seria uma classe de
comportamentos induzida por um esquema de perda de reforçadores generalizados. As duas classes de comportamentos da
queixa - competição (e agressividade) e hiperatividade - foram observadas pela terapeuta nas sessões O procedimento
para lidar com a competiçAo-agressividade consistiu em levá-lo a observar seus comportamentos e sentimentos; observar
os comportamentos e inferir os sentimentos dos outros (terapeuta) e obsorvar os seus comportamentos e sentimentos após
o comportamento do outro A terapeuta consequenciava os tactos adequados com reforçamento social generalizado e dava
SDs ou modelos verbais quando os tactos eram distorcidos A terapeuta ainda dava modelos verbais e comportamentai»
para desenvolver repertórios nAo competitivos no cliente e também conseqüénciava os repertórios adequados e inadequa­
dos já existentes. A generalIzaçAo desses novos padrões de comportamento foi programada para os ambientes naturals do
cliente (escola e família). Os procedimento» para lidar com a hiperatividade consistiram em usar reforçamento diferencial do
outro comportamento com tempo limitado para disponibilidade de reforço que se iniciou com cinco segundos e se reduziu até
zero (drolhS segundos até 0 segundo) nas sessões sucessivas. Os resultados mostraram que passou a ser cooporativo nos
jogos, chegando Inclusive a elogiar desempenhos da terapeuta, conforme modelos dados por ela A professora revelou que
tal padrão comportamentai se generalizou para a escola no relacionamento com os colegas e sua agressividade se reduziu
significativamente A mAe também relatou melhoras do comportamento competitivo e agrewtvo em casa A hiperatividade
diminuiu nas sessões e tyuve a generalização deste padrAo para a escola e família.

Palavras-chave: terapia infantil, competiçAo, agressividade hiperatividade.

The purpose of this study was decreasing behavioral excesses hyperactivity at home and at school, and aggressiveness
towards classmates, in a 3rd grade 10-year»old adopted boy The complaint presented by the boy’s school psychologist and
by his mother was that the client was constantly walking, jumping, talking, and trying to attract attention, even though he was
capable of doing the requested activities He was very competitive at games and playtime, often stirring up fights at school.
The therapist's analysis about the contingencies likely to be In operation was that the client emitted a high frequency of
behaviors In order to prevent the loss of generalized reinforcement The aggressiveness could be a class of behaviors
induced by a schedule of loss of gerterallzed relnforcers The therapist observed both classes of behaviors In the complaint
competitiveness (and aggressiveness) and hyperactivity— during the sessions. The procedure to deal with competitiveness-
aggressiveness consisted of making the client: observe his behaviors and feelings; observe the behaviors emitted by othor
people (therapist) and infer their feelings; and observe his own behaviors and feelings after the other person's behavior.
Appropriate tacts received generalized social reinforcement from the therapist, who also presented SDs or verbal models
when the tacts were Incorrect. The therapist also presented verbal and behavioral models in order to develop non-competitive

'Agradacamoa * Lilian de Medeiro* a Noraan Aguirra pato» comanlâDoa faitoa duranta • praparaçâo daata trabalho
'(n«tttuto da Análwa Aplicada da Comportamanlo - Camptnaa
'Inatltulo da AnAliaa da Comportamento - Campina»

Sobre C omportamento e Cotfniç.lo 249


repertoires In the ckerrt and, at the same time, presented consequence* for appropriate and inappropriate repertoires that
already existed. Generalization of these new patterns of behavior to the cHent's natural environment (school and family) was
programmed Procedures to deal with (he hyperactivity conaiated ol the use of differential reinforcement of other bohavior
with a limited hold that started at 5 seconds and was reduced to zero (dm lh-5 to 0 seconds) at the following sessions. The
results showed that the client started being co-operative at games, to the point of praiBing the therapist's performance, in
according with the models ahe presented The boy's teacher reported that this behavioral pattern was generalized to M*
relationship with classmate» and that his aggressiveness was significantly reduced. His mother reported the reduction of
competitive and aggressive behavior» at home. Hyperactivity decreased during the sessions and thorn whh a generalisation
of this pattern to the school and family aettlnga

Key words: child thorapy, competition, aggressiveness, hiparactivlty

A terapia com crianças apresenta algumas peculiaridades que a diferenciam da


terapia com adultos. Enquanto o cliente adulto geralmente procura a terapia porque seus
comportamentos lhe produzem conseqüências aversivas e os produtos colaterais das
contingências em que ele está inserido também lhe são aversivos, raramente, na terapia
infantil, a queixa é apresentada pela criança. Essa diferença é fundamental nas primeiras
sessões para determinar o poder do terapeuta sobre o cliente. Segundo Skinner (1994,
pág. 349), "O poder inicial do terapeuta como agente controlador se origina do fato de que
a condição do paciente é avers iva e de que, portanto, qualquer promessa de alívio é
positivamente reforçadora." Essa frase se aplica para o adulto que procura ajuda,mas
não, necessariamente, para a criança que é levada pelos pais. No entanto, com a
continuidade do tratamento, o terapeuta passa a ter condições de progredir e fazer avançar
suas condições de controle da situação terapêutica, sendo capaz de igualar na prática
suas competências para lidar com ambos os tipos de clientes, adultos e crianças:
" Contudo, à medida que o tratamento progride seu (do terapeuta) poder aumen­
ta. Assim como um sistema social organizado se desenvolvo, o terapeuta se
torna uma importante fonte de reforço. Se tem sucesso em fornecer alivio, o
comportamento do paciente de voltar a ele em busca de auxilio será reforçado. A
aprovação do terapeuta podo vir a ser especialmente eficiente. A medida que o
seu conhecimento do paciente se desenvolve, ele tambóm pode sugerir esque­
mas ou rotinas que afetem níveis de privação e saciação, que disponham do
apresentação de estímulos que levem ao condicionamento ou à extinção do
reflexos emocionais, que eliminem situações estimuladoras que tinham conse­
qüências desastrosas etc. Esses esquemas, adotados primeiro por causa do
controle verbal do terapeuta, finalmente adquirem outras fontes de força, se o seu
efeito sobre a condição do paciente for reforçador.” (Skinner, 1994, pág. 349).
Em geral, algumas classes de comportamentos da criança são aversivas para
membros relevantes da comunidade social dela, como por exemplo pais, professores,
orientadores, e são estas pessoas que definem que a criança está com algum problema
psicológico e especificam a queixa inicial. A queixa apresentada não deveria se referir de
maneira direta à criança, mas aos comportamentos que ela apresenta. Assim, "meu filho
me preocupa" deveria ser substituído por "alguns comportamentos do meu filho me
preocupam". Uma vez que os comportamentos das crianças são instalados e mantidos
amplamente pelo contexto social que as cerca, foram os pais, familiares, professores etc.
que originaram os comportamentos dos quais eles próprios se queixam. Em outros termos,
queixar-se dos comportamentos do filho é se denunciar: reclamar do produto é reprovar o
produtor. Assim, “meu filho precisa deixar de ser agressivo lá em casa", deveria ser
substituído por "em que eu preciso mudar minhas ações para com meu filho, para que ele
deixe de ser agressivo lá em casa?" No entanto, poucas vezes os pais têm conhecimento
da função que seus comportamentos têm exatamente na produção daqueles

250 1’dtrlci.i h<i//on Queiroz c l lélio lo*é Cyuilh.irdi


comportamentos dos filhos que os perturbam. Não fosse assim, eles vinam ao terapeuta
pedir ajuda para modificar seus comportamento e não os de seus filhos. Descortina-se,
dessa maneira, um problema bastante sério para a prática da terapia infantil, já que o
terapeuta lida (ou deveria lidar) com vários participantes ao mesmo tempo: os membros da
família, os co-autores da funcionalidade dos problemas que precisam ser alterados. E,
passa a ter a tarefa de dar conta do comportamento de todos os participantes. Deveria
identificar os indivíduos que compõem a família funciona! (aquela composta pelos membros
cujos comportamentos contribuem em algum nível para instalação e manutenção dos
comportamentos de interesse da criança) e explicar por que eles têm o poder de manipular
as variáveis que a família emprega. Deveria também analisar o efeito geral que os
comportamentos dos familiares têm sobre o controlado e que possibilidades este tem de
reagir (ou não) ao controle, de modo a manter o sistema intacto ou alterá-lo.
Prevalece na Psicologia o modelo médico e a ideologia a ele associada. Assim,
de acordo com tal modelo, os pais devem relatar quais são as ações do filho que apresentam
algo de errado, de “patológico" e levam-no a um profissional habilitado para resolver o
problema da criança. A rotina com o psicólogo é análoga á rotina com o médico: a criança
com febre é levada ao pediatra e este profissional trata aquilo que está errado com o
organismo da criança. Simultaneamente, a criança é levada ao terapeuta para ser exorcizada
de seus males psíquicos ou mentais.
Os comportamentos dos pais revelam uma importante distorção de percepção,
pois eles deveriam relatar para o terapeuta quais ações do filho desencadeiam sentimentos
aversivos neles, porque há a possibilidade de não existir nada de errado com a criança.
Depois deveriam perguntar por que tais comportamentos do filho são aversivos para eles,
por que há pais para quem os mesmos padrões comportamentais não são aversivos.
Deviam, finalmente, perguntar de quais variáveis os comportamentos da criança que lhes
são aversivos são função: como foram instalados e são mantidos? O papel do terapeuta
seria aquele de responder a tais questões ou de modelar nos pais o padrão de observação
e questionamento em relação aos comportamentos do filho descritos acima. Um terapeuta
habilitado para assumir tal papel estaria afinado com um modelo comportamental de
descrição e intervenção nos problemas de comportamento. Mais propriamente falando,
quando uma criança é levada para o terapeuta, é sua família, sua escola, que deveriam
estar sendo levadas junto. Seguindo este raciocínio, então, a terapia infantil não teria
sentido? A questão não é ingênua como pode parecer à primeira vista. A resposta é
complexa. Não £ ingênua porque, se os pais forem devidamente orientados, serão capazes
de alterar os comportamentos aversivos de seus filhos; se os instalaram e os mantêm,
podem minimizá-los e instalar outros, que lhes sejam reforçadores, incompatíveis com os
aversivos. A resposta é complexa porque há situações em que a criança precisa interagir
diretamente com o terapeuta e não basta a orientação ou terapia dos pais.
Há pelo menos três situações em que é recomendável a terapia infantil num
sentido específico, ou seja, aquela em que o processo terapêutico, necessariamente,
ocorre com interações diretas da terapeuta com a criança, podendo ocorrer ou não, ao
mesmo tempo, orientação dos pais pela terapeuta (há terapeutas que lidam apenas com
orientação para os pais, sem o atendimento da criança, por isso os autores destacaram a
presente distinção). Assim, às vezes, o comportamento da criança gera para si mesma
mais conseqüências aversivas do que conseqüências reforçadoras positivas e, como
resultado da interação entre as contingências em que ela se envolve, brotam sentimentos

Sobrr Comportamento c Cognição 251


desagradáveis, que produzem sofrimento. Assim, a criança experimenta sentimentos
aversivos e, se estiver ciente de que tais sentimentos podem ser amenizados através do
processo terapêutico, pode até desejar mudar sua vida com a ajuda do terapeuta, a fim de
sofrer menos. Se lhe for oferecida a oportunidade e a esperança de reduzir seu sofrimento,
ela aceitará. Neste caso, a relação da criança com o terapeuta se assemelha à relação
com o adulto que, em função do seu sofrimento, procura o terapeuta. Há, no entanto,
situações em que os comportamentos da criança produzem mais conseqüências
reforçadoras positivas para ela do que aversivas. Os comportamentos dela são aversivos
para os pais; para ela, nem tanto. Cabem al, então, as questões: há razão para ela ir à
terapia para mudar seus comportamentos? O terapeuta deveria aceitá-la na terapia?
Uma segunda situação em que cabe a terapia infantil acontece quando as
conseqüências que mantêm o comportamento, que é aversivo para os pais, provêm de
outra fonte que não aquela que instalou tais comportamentos e são, presentemente,
reforçadoras. Por exemplo, comportamentos competitivos e arrogantes do filho podem ter
sido instalados pelos pais, que atualmente os consideram aversivos para eles e prejudiciais
para o desenvolvimento social e afetivo do filho, mas esses mesmos comportamentos são
mantidos positivamente pelo grupo social com o qual o filho convive. Os pais pouco podem
fazer diretamente com o filho. Não se dispensa uma orientação para eles, mas há
necessidade de terapia individual em que o terapeuta terá como meta mostrar para o
cliente que seu comportamento tem conseqüências reforçadoras positivas a curto prazo,
mas produzirá conseqüências aversivas a médio ou a longo prazo. O terapeuta deve mostrar
ao cliente que é pouco provável que consiga ficar sob controle da descrição das
conseqüências a longo prazo e, por essa razão, há necessidade de desenvolver um repertório
de auto-controle. O auto-controle pode ter que ser desenvolvido, inicialmente, a partir do
manejo direto das conseqüências do comportamento e do controle por regras para ação
eficaz por parte do terapeuta até o estágio de passar a ser governado por auto-regras
advindas do cliente e pelas conseqüências naturais que o comportamento produz no
contexto social. Cabe ao terapeuta demonstrar-lhe essa possibilidade e desenvolvê-la:
auto-controle não é produzido por uma força interior que é liberada a partir de um ato de
vontade. De acordo com Skinner (1994, pág. 222):
"Quando o homem se controla, escolhe um curso de ação, pensa na solução de
um problema, ou se esforça em aumentar o autoconhecimento, está se compor­
tando. Controla-se precisamente como controlaria o comportamento de qual­
quer outro através de manipulação de variáveis das quais o comportamento é
função. AcTfazer isso, seu comportamento ô o próprio objeto de análise, e final­
mente deve ser explicado por variáveis que se situam fora do próprio indivíduo."
É pouco provável que, numa condição como a descrita, a criança deseje iniciar e
se manter em terapia espontaneamente ou por simples sugestão. Provavelmente, os pais
terão que usar alguma forma de coerção. É raro conseguir a adesão de um cliente, adulto
ou criança, para um programa terapêutico de auto-controle. Com crianças, o procedimento
mais indicado é o manejo direto por parte do terapeuta de conseqüências do comportamento.
Quaisquer atividades em que a criança esteja engajada durante a sessão podem servir
para essa finalidade.
Assim, o terapeuta ao escolher uma atividade para realizar com a criança, ou ao
propor que o próprio cliente escolha com o que quer brincar, deve ser capaz de justificar
com qual comportamento da criança está lidando e quais contingências de reforçamento

252 Pdtricid Píd//on Q u riro/ r H é lio José Quillitirdi


está manejando. A atividade lúdica e os objetos de brincadeiras são eventos antecedentes
que aumentam a probabilidade de emissão de classes de respostas ou de elos de cadeias
comportamentais próximos dos comportamentos de interesse terapêutico. O terapeuta
conseqüenciará, apropriadamente, as respostas e os elos de encadeamentos com o objetivo
de modelar comportamentos adequados para o desenvolvimento da criança e que tenham
função reforçadora para o ambiente social em que a criança está inserida. Somente após
o terapeuta ter demonstrado sua competência para modelar e manter comportamentos
funcionalmente adequados e minimizar comportamentos funcionalmente inadequados, na
sua relação direta com a criança, é que ele estará habilitado a orientar os pais sobre como
lidar com o filho. Orientações genéricas (aquelas que náo estão apoiadas nas interações
diretas do terapeuta com a criança, ou seja, nas quais o comportamento do terapeuta nâo
foi modelado pelas reações do cliente) correm o risco de não serem apropriadas para a
criança com a qual se está lidando e resultarem em fracasso.
Uma terceira condição é aquela em que os pais consideram o filho aversivo, não
aceitam orientação e usam contingências aversivas excessivas nas relações com ele.
Skinner (1994, pág. 340) assim se referiu aos subprodutos do controle:
“O controle exercido pelo grupo, bem como o exercido pelos pais, empregado­
res, sócios etc., restringe o comportamento egoísta primariamente reforçado no
indivíduo. E é exercido exatamente por essa razão. Entretanto, certos subprodutos
nâo resultam em vantagem para o controlador e muitas vezes sâo prejudiciais
tanto para o indivíduo quanto para o grupo. Sâo especialmente encontrados
onde o controle for excessivo ou inconsistente."
Neste caso, independente de o filho discriminar ou não que vive sob contingências
coercitivas, há necessidade de desenvolver nele um repertório de fuga-esquiva adequado
na sua relação com os pais. A meta fundamental do terapeuta ó manter o equilíbrio entre
as relações pais-filhos, que não pode se romper abruptamente, nem de forma radical (não
se estão considerando aqui contingências aversivas extremas), e impedir que os
comportamentos de fuga-esquiva engessem o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social
do filho (por exemplo, submeter-se excessivamente aos controles dos pais impede o
desenvolvimento pleno da criança).
Exige-se do terapeuta que trabalha com crianças a capacidade de discriminações
extremamente sutis para detectar as contingências que estão funcionando nas interações
de todas as pessoas entre si, que compõem a família (pai « mãe; pai « filho; mãe « filho;
irmão « irmão etc.-), uma vez que, raramente, as funções dos comportamentos de cada
pessoa no grupo são explicitadas. As funções têm que ser captadas pelo terapeuta.
Skinner (1994, pág. 317) escreveu:
"O grupo exerce um controle ótico sobre cada um de seus membros através,
principalmente, de seu poder de reforçar e punir. O poder deriva do número e da
importância de outras pessoas na vida de cada membro. Geralmente o grupo
nâo ô bem organizado, nem seus procedimentos sâo consistentemente manti­
dos."
Exige-se ainda do terapeuta comportamentos de interação extremamente
diferenciados, com cada membro da familia, comportamentos esses aptos para produzir
mudanças em cada uma das pessoas, na direção desejada, gerando, ao mesmo tempo,
o menor grau possível de contra-controle.

Sobrr Compoitamcnto c (.'ogriifào 253


“Os passos que devem ser dados para corrigir uma determinada condição de
comportamento seguem-se diretamente de uma análise dessa condição. Se
podem ser efetivados depende, é claro, de se saber se o terapeuta tem controle
sobre as variáveis relevantes." (Skinner, 1994, pág. 349, grifo dos autores).
Um repertório de comportamento com discriminações sutis e respostas
diferenciadas, como o que se espera de um terapeuta, ó muito complexo. Mas, nào ô
análogo ao que faz o maestro quando tira de cada intérprete da orquestra diferentes sons
que se harmonizam numa obra arrebatadora? Quando se observa o produto final, pode-se
chamô-lo de a grande arte e atribuí-lo ao talento artístico do maestro. Quando se observa
o processo através do qual o maestro chegou ao estágio de supremo desempenho, conclui-
se que se trata de um sofisticado universo de discriminações sutis e comportamentos
diferenciados, desenvolvidos através de contingências complexas durante a vida pessoal
e profissional do artista. Os processos comportamentais básicos que produzem o maestro
e o terapeuta são os mesmos, com as respectivas particularidades. Se no desempenho
de ambos há mais que isso, então, não é objeto de estudo da Psicologia.
As reflexões acima começaram a se delinear quando a primeira autora foi procurada
pela psicóloga de uma escola com a seguinte solicitação:
“Preciso muito que você atenda um aluno nosso, que está dando muito trabalho
em sala. Falei com a mãe. Ela não se mostrou muito motivada em começar um
tratamento. Já tentou vários, sem sucesso, me disse. E, no fundo, acha que o filho
não tem jeito mesmo. Não sei o que ela vai decidir, mas deixei clara a posição da
escola: como está não pode continuar. Ele está muito agressivo e não pára em
aula. A professora não consegue controlá-lo."
Aos poucos foi se delineando para a terapeuta o contexto com o qual teria que
lidar: os comportamentos do aluno eram aversivos para a escola, que não dispunha de
recursos para minimizá-los. A escola criou uma condição aversiva para a mãe, da qual
esta poderia fugir buscando a terapia. Ou seja, levar o filho para o tratamento seria um
comportamento de fuga-esquiva da mãe em relação à escola e não em relação aos
comportamentos aversivos do filho. Pelo comentário que a mãe fez com a psicóloga da
escola, o comportamento dela de procurar ajuda terapêutica entrou em extinção, pois
nunca funcionou. Assim, procurar terapia não é um comportamento de fuga-esquiva para
eliminar os comportamentos aversivos do filho, uma vez que a mãe não acredita nessa
função da terapia. Aliás, nem se sabe se o filho apresenta comportamentos aversivos para
a mãe, uma vez que ela não se pronunciou a esse respeito com a psicóloga da escola.
Em relação ao garoto, se seus comportamentos são tão fortes e se mantêm na escola,
então estão sendo, de algum modo, conseqüénciados de maneira reforçadora no ambiente
escolar. Por que ele haveria de querer fazer terapia para eliminar comportamentos que
produzem reforços sociais positivos a curto prazo? Que procedimentos de auto-controle
poderiam ser usados com ele? Parafraseando Skinner, já citado, o terapeuta não pode
oferecer alivio ao cliente, pois quem disse que ele está sofrendo? Ele faz os outros sofrerem,
isso sim. E, para as mudanças acontecerem, é necessário que o terapeuta tenha controle
sobre as variáveis relevantes. Como ter controle, se nem o menino nem a mãe desejam o
tratamento?
Em meio a esses pensamentos da terapeuta, a mãe ligou: "Queria marcar um
horário para o meu filho. A psicóloga da escola dele já deve ter falado com você..." Só
uma coisa estava clara até esse momento: o controle aversivo da escola sobre a mãe

254 Pdlrfciu l’ id//on Oueiroz c I lélto Joté C/uilli.mli


funcionou. O que não era claro: em que isso pode ajudar o papel do terapeuta? Talvez, em
nada.
O telefonema da mâe criou, no entanto, uma nova condição. Era chegado o
momento de o comportamento da terapeuta deixar de ser governado por regras e auto-
regras e passar a ser modelado pelas conseqüências provindas da interação real e concreta
com o garoto. Assim, foi marcada a primeira sessão.
Luiz1’ tem 10 anos e está na 3a série de uma escola particular. Foi adotado aos
trés anos e mora com seus pais e uma irmã mais velha (12 anos), filha legitima do casal.
Sua mãe legitima era alcoólatra, drogada e o espancava. Por essa razão, foi recolhido
numa Casa Transitória até que a mãe perdeu a sua guarda. A partir de então, pôde ser
adotado, após ter passado alguns fins de semana com a nova família numa fase de
adaptação.
O encaminhamento de Luiz para a clínica foi feito pela escola. A queixa apresentada
pela psicóloga escolar foi a de que o aluno apresentava hiperatividade na sala de aula: não
permanecia sentado por muito tempo no seu lugar, iniciava “bagunça" em sala, provocava
verbalmente colegas e eram freqüentes as brigas nos intervalos. Seu desempenho
académico era excelente; terminava rapidamente as tarefas e imediatamente começava a
andar pela sala instigando um e outro. A professora procurava envolvê-lo em alguma atividade
dentro da sala com o objetivo de reduzir as inadequações, porém sem essas atividades se
mantinha agitado pela classe. A queixa da escola poderia ser sintetizada em três palavras:
hiperatividade, competição e agressividade.
O cliente já havia sido submetido a alguns tratamentos psicológicos, sem sucesso.
Na entrevista inicial, a mãe confirmou o relato da escola e acrescentou outras dificuldades
suas com o filho. Relatou que ele não parava quieto em casa:
"Ê muito agitado e fala o tempo todo. Está sempre me questionando, nem espera
a resposta e imediatamente pergunta de novo, num ciclo que parece interminável.
"Não aceita regras, nem limites, e fica insistentemente questionando qualquer
coisa que vá contra os seus desejos. Em tudo, a palavra final tem que ser dele. Não sabe
perder quando está jogando: emburra, estraga a brincadeira, bagunça tudo e agride (com
palavrões ou até fisicamente se for um colega) quando começa a perder.
"Sempre que faz alguma coisa errada nega, não admite de jeito nenhum, mesmo
que eu tenha visto o que aconteceu. Sempre dá uma desculpa. Procuro, toda vez, conversar
e explicar para ele que não é aestm que se faz, mas não resolve. Fica mais bravo e
irritado.
"Em casa não sai de perto de mim; onde eu vou, ele está atrás, falando, pedindo,
reclamando, contando..."
A mãe continuou:
“E/e não mede as conseqüências do que faz. Se acha o 'máximo'. Eu o tirei das
aulas particulares porque brigava muito. Quando o coloco de castigo ou tento dar limites,
ele chora, berra, fala que o maltrato. Faz tamanho escândalo, grita tanto, até pela janela,
que me preocupa o que os vizinhos vão pensar... Tenho medo que alguém me denuncie e
eu possa perder a guarda dele.
3 Nome flctlclo

Sobrr Comportamento r C og n ltfo 255


" Certa vez me disse que eu nào sabia como era duro ter sido largado pela mãe.
Numa outra ocasião disse: “ Você não é minha mãe. Você nâo gosta de mim por isso você
faz isso comigo." Ele acha que o trato diferente da irmã. Eu me dou muito bem com ela:
só de olhar, ela sabe como eu estou. Além de ser o oposto dele: tranqüila, educada..."
A mãe descreveu o pai como ausente por trabalhar demais. Quando está presente,
fica alheio ao que acontece e, eventualmente, explode, dá broncas, põe Luiz de castigo,
mas depende do dia. Em geral, não dá limites para o menino, trata-o como tadinho. A mãe
disse ao marido que, enquanto tratasse o Luiz como o tadinho, ele não iria melhorar.
Segundo a mãe, o cliente não gosta de falar sobre a adoção e, às vezes, ela usa
essa situação para agredi-lo:
“ Falo que ele ô adotado, tem que aceitar de onde veio, que desse jeito vou devolvê-
lo. Sei que não devo dizer essas coisas, mas não agüento. Ele me tira do sério. As vezes,
atô minha filha me diz que estou exagerando. Tento corrigir dizendo que não é que eu não
goste dele, mas das coisas que ele faz. Sei que não adianta, mas...
“A relação dele com a irmã é tranqüila, apesar de algumas pequenas discussões,
mas com isso nâo me preocupo.
"Ele é muito baixinho para a idade. Acho que ô resultado da subnutrição antes
da adoção. Isso o incomoda demais. Já houve muita briga porque o chamaram de 'baixinho'.
Na aula de futebol (particular), colocam-no no time dos menores e isso o deixa mais
bravo. Ele joga muito bem, mas sempre acaba em briga."
"Mesmo quando estamos bem... qualquer coisa... às vezes, nem percebo o que
aconteceu... ele já extrapola e começa a confusão."
O relato minucioso e claro da mãe pode ter sido instalado pelos terapeutas,
módicos e professores com os quais ela teve contato previamente. Chamou a atenção sua
fluência e clareza, exigindo pouca intervenção por parte da terapeuta. Restava detectar se
as verbalizações da mãe eram tactos, tactos distorcidos, intraverbais (ela o descrevia a
partir de relatos da escola e de outras pessoas que interagiam com ele) ou descrições
modeladas pelas conseqüências sociais liberadas pelos ouvintes profissionais (psicólogos,
médicos, orientadora educacional e professora).
Na interação direta com Luiz nas sessões, a terapeuta pôde constatar a ocorrência
das classes comportamentais relatadas pela escola e pela mãe. Fundamentalmente,
andava de um lado para o outro na sala de atendimento, mexia nos objetos, falava o tempo
todo. Mas, mesmo agindo assim, era capaz de manter-se realizando uma atividade. Desta
maneira, durante um jogo mantinha-se atento aos movimentos da terapeuta, era preciso
no que tinha que fazer, nunca perdia sua vez de jogar etc. Era agressivo com a terapeuta.
Quando começava a perder algum jogo, dizia irritado frases como: "Eu nâo estou jogando
para valer, por isso você está melhor hoje." (desmerecendo o bom desempenho da
terapeuta); "Você deve ter roubado."] “Nâo valeu esse jogo, vamos começar outra vez."]
“ Você só quer fazer do seu jeito (no caso, seguiras regras do jogo)." Luiz também tentava
trapacear a terapeuta: mexendo peças antes da sua vez, roubando cartas, tentando
bagunçar o jogo a fim de forçar um novo início. Por exemplo:"Agora a gente pode jogar
desse jeito também.” (querendo mudar as regras do jogo); “Ah! Vamos parar. Eu nâo
quero mais.” (querendo interromper a partida antes de perder). Nas situações de derrota
iminente, Luiz ficava muito agitado e irritado. Dava várias demonstrações de raiva, batendo
o pé ou a mão no chão ou no sofá, gritando ou faiando alto.

256 Pdlrlcfd l*M7/on O u firo / t I lélto )o*f C/uillwrdl


Modelo com portam entai das contingências responsáveis pelos padrões de
comportamentos de Luiz
Luiz apresentava um padrão de freqüência exageradamente alta de respostas
motoras e verbais, que eram conseqüenciadas por reforços positivos generalizados sociais
do tipo atenção, contato físico, verbalizações etc. provindos da mãe, da professora e dos
colegas de classe. A relação de Luiz com a mãe permite ilustrar com melhor clareza a
operação de outras contingências, além de reforçamento positivo, atuando sobre os mesmos
padrões de comportamentos. Assim, a mãe relatou:"Fico esgotada com os comportamentos
de Luiz: não sai do meu pó, me chama, repete, fala, pergunta, responde às próprias
perguntas, me chama, repete meu nome... E não pára quieto um minuto, mexe em tudo,
agita o ambiente. Vou respondendo, vou falando com ele, mando ele parar, digo que estou
ficando maluca... até que desligo e não falo mais nada. Vou para meu quarto... não
consigo ficar desligada muito tempo, de tanto que ele apronta e fala..." A descrição acima
feita pela mãe permite notar que a retirada de atenção não era eficiente para enfraquecer
tais comportamentos de Luiz. A retirada de atenção criava uma condição aversiva para
ele, durante a qual Luiz emitia comportamentos de fuga-esquiva para removê-la, no caso a
reapresentação da atenção. Os comportamentos motores e verbais em alta freqüência
estariam sendo mantidos pela conseqüência que produziam, qual seja, apresentação de
atenção (mesmo quando a atenção é dada na forma de crítica, repreensão etc., ela pode
ter função reforçadora positiva), ou estariam sendo mantidos pela remoção da condição
aversiva, qual seja, a ausência de atenção por parte da mãe (ou estariam sendo mantidos
por ambas)?
Na primeira alternativa, o procedimento seria o de reforçamento positivo e na
Segunda, de reforçamento negativo. A resposta a tal questão tem extrema importância
prática: se o que mantém os padrões de alta freqüência de respostas motoras e verbais ó
a apresentação contingente de atenção, então, procedimentos de extinção ou punição
negativa seriam indicados para enfraquecer os comportamentos excessivos. Se, no entanto,
o paradigma que está funcionando é de reforçamento negativo e os padrões de excessos
comportamentais motores e verbais são comportamentos de fuga-esquiva, então a extinção
e punição negativa tenderão a produzir um aumento ainda maior nas freqüências dos
comportamentos motores e verbais. O procedimento a ser adotado seria, então, dar atenção
contingente a qualquer outro comportamento que não os comportamentos motores e verbais
excessivos (dro: reforçamento diferencial de outro comportamento). Assim, por exemplo,
poderia ser dada atenção ao Luiz quando estivesse em silêncio, quando estivesse parado,
ou quando falassenum ritmo pausado, ou se movimentasse de maneira lenta (um esquema
de reforçamento semelhante ao reforçamento diferencial de comportamento de baixa
freqüência: drl). Quando a mãe usava a atenção dela como SD, na forma de instruções
para ações específicas ("Tente ficar mais relaxado?'; "Você não quer ficar quieto um
pouquinho?'\ "Porque você não vai ver televisão e descansa no sofá?'), suas verbalizações
não controlavam os comportamentos de Luiz; ele as ignorava. Quando a mãe usava a
atenção dela com topografia de reforçamento positivo social contingente a comportamentos
“adequados" ("Puxa, você esíá tranqüilo. É bom ver você assim calmo."-," Você esfá falando
de um jeito que até dá para a gente conversar"), suas verbalizações não tinham a função
de fortalecer os comportamentos aos quais elas foram contingentes, mas funcionavam
como SD para intensificar os comportamentos motores e verbais excessivos. Por outro
lado, sempre que a mãe procurava ignorar os comportamentos excessivos de Luiz, ele os

Sobre Comporldmento c Cojjm çio 257


intensificava em freqüência e aumentava a variabilidade das duas classes de
comportamentos. Veja o relato da mãe: "Se mando ficar quieto não adianta. Se me afasto,
piora ainda mais: fala mais alto, me segura pelo braço, diz que não ligo para ele porque
gosto mais da irmã, fala que quer morrer... é um fuzuê sem fim. A í explico que não é nada
disso, que nós o amamos, que ele ô quem faz coisas difíceis."
De qualquer forma, a única maneira de demonstrar se os comportamentos motores
e verbais excessivos de Luiz estavam sendo mantidos por reforçamento positivo ou negativo
é através de procedimentos empíricos. Os autores optaram por testar primeiramente um
procedimento de dro, mais compatível com a hipótese de que os padrões motores e
verbais excessivos eram comportamentos de fuga-esquiva.
Uma análise mais minuciosa dos padrões de comportamento (não apenas
freqüência) evidencia que classes operantes de agressividade predominam em oposição a
classes de cooperação. Os paradigmas que induzem à agressividade são os aversivos,
conforme demonstraram os estudos de Azrin (1964) e Ulrich & Azrin (1962). Os sentimentos
associados a contingências reforçadoras positivas são de bem-estar, satisfação, enquanto
os associados a contingências reforçadoras negativas são de alívio, ansiedade,
agressividade. A observação de Luiz evidencia comportamentos e sentimentos, tipicamente,
produzidos por contingências aversivas.
Consistente com a análise exposta, o procedimento terapêutico planejado visou
em linhas gerais:
a. Manter a freqüência dos reforçadores generalizados sociais (não reduzi-los). A
justificativa é que a remoção de reforços generalizados para Luiz é um evento aversivo
funcionalmente equivalente à apresentação de choque num paradigma de esquiva
não sinalizada de Sidman (1953). Nos estudos de Sidman, quando o sujeito
experimental se comporta de acordo com as contingências do procedimento de
esquiva não sinalizada, ele não recebe choque (ou só raramente), pois desenvolve
comportamento adequado de esquiva que vai adiando a apresentação do choque
até o encerramento da sessão. Se, no entanto, for introduzida uma alteração no
procedimento experimental e, independente da ocorrência dos comportamentos de
esquiva do sujeito experimental, for apresentado um choque não contingente
(inescapável), a freqüência dos comportamentos de esquiva aumenta (Sidman,
Herrnstein e Conrad, 1957). A redução dos reforçadores generalizados de Luiz,
portanto, deveria produzir um aumento na freqüência já elevada dos comportamentos
motores e verbais excessivos (não pelo efeito observado no início da extinção, que
é transitório; mas pelo aumento dos padrões comportamentais de esquiva, que não
é transitório).
b. Tornar os reforçadores generalizados contingentes a padrões adequados de
comportamento. Se estes novos padrões adequados estarão sendo modelados por
reforçamento positivo (apresentação contingente de reforçadores generalizados
sociais) ou por reforçamento negativo (evitar a perda de reforçadores generalizados)
é uma questão empírica que o presente estudo não se qualifica para responder
definitivamente.
c. Punir, manejando conseqüências sociais, tais como fazendo críticas (punição
positiva) ou removendo atenção (punição negativa), comportamentos definidos como
inadequados, a partir da queixa e das observações feitas nas sessões.

258 Pdtricui Pid/jon Quciror c Hélio José Quilh<mii


d. Desenvolver o conhecimento (“consciência”) das contingências em operação, dos
comportamentos conseqüenciados diferencialmente e dos sentimentos que surgem
com as contingências, através de questões e comentários da terapeuta que levassem
Luiz a descrever seus comportamentos, as conseqüências contingentes a eles e
os sentimentos associados. Skinner (1993, pág. 31) escreveu:
"O autoconhecimento tem um valor especial para o próprio indivíduo. Uma pes­
soa que se 'tornou consciente de si mesma', por meio de perguntas que lhe
foram feitas, está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comporta­
mento."
O papel do terapeuta é essencial para desenvolver um tipo de conhecimento
fundamental para o desenvolvimento harmônico e construtivo do cliente nas suas relações
sociais. Trata-se de um conhecimento muito especial, auto-conhecimento ou "consciência",
conhecer-se a si mesmo, em última análise: como a pessoa se comporta, o que sente
quando se comporta, como seus comportamentos conseqüenciam os outros, como os
outros conseqüenciam seus comportamentos e assim por diante. Não se deve esperar
que o auto-conhecimento surja espontaneamente; ele é um comportamento que segue as
mesmas leis de quaisquer outros comportamentos: precisa ser modelado, mantido etc. e
o terapeuta está habilitado para exercer essa funçào.
“Somente quando somos indagados sobre o que fizemos, ou estamos fazendo,
ou estamos prestes a fazor ou por que, é que temos motivos para observar ou
registrar nosso comportamento ou suas variáveis controladoras...Todo compor­
tamento, seja ele humano ou nâo humano, ê inconsciente; ele so torna 'consci­
ente' quando os ambientes verbais fornecem as contingências necessárias à
auto-obsen/açâo. (Por certo é a pessoa, nâo o comportamento que é "conscien­
te" ou “inconsciente")". (Skinner, 1991b, pág. 88).

P rocedim entos terapê uticos adotados segundo o m odelo de Terapia por


Contingências
As dificuldades de Luiz foram divididas, para fins de manejo de procedimentos
terapêuticos, em duas classes abrangentes: a. hiperatividade e b. competiçáo-agressividade
em situações de jogos.

Hiperatividade .
Em relação à hiperatividade, foi dito a Luiz que ele deveria permanecer sentado
durante as atividades propostas na sessão, exceto quando a própria situação determinasse
o contrário, bem como manter-se envolvido com o que estava sendo solicitado pela terapeuta
ou pela própria atividade. O procedimento adotado foi o seguinte:
1. Linha de base: numa fita, foi gravado um sinal que soava a cada 3 minutos em média
(VT 3 minutos). Quando a terapeuta ouvia o sinal, marcava numa folha de registro o
sinal +, se Luiz estivesse adequado, isto é, se estivesse envolvido numa atividade
escolhida de comum acordo com a terapeuta, emitindo os comportamentos exigidos
pela atividade sem interrompê-la, mantendo-se no local em que ela estava sendo
executada, cooperando com a terapeuta, falando sobre a atividade ou temas pertinentes
e numa freqüência compatível com a execução da tarefa. Marcava o sinal 0, se Luiz
estivesse engajado em comportamentos da classe hiperativa: estivesse fora do local

Sobrt* Comport.imcnlo c Co#mv\lo «5 9


da atividade, mexendo em outros objetos não pertinentes à tarefa sendo executada,
falando sobre temas que dificultavam a concentração, ou numa freqüência incompatível
com a realização natural da atividade. Nenhuma explicação foi dada a Luiz sobre este
procedimento. Após três sessões consecutivas em que os comportamentos adequados
de Luiz não indicassem tendência ascendente (a porcentagem de intervalos observados
em que ocorreram comportamento$ adequados em uma sessão não fosse maior que a
obtida na sessão anterior), a fase de linha de base estava encerrada. Durante a linha
de base, nenhuma conseqüência social diferencial foi apresentada de forma sistemática
contingente a qualquer comportamento: nem elogio, nem critica.
2. Antes de começar a fase experimental, foi feita com Luiz uma lista de itens (reforçadores
positivos materiais) que seriam trocados pelos pontos que ele obtivesse durante as
sessões. Os pontos eram transformados em centavos e Luiz poderia trocá-los com a
sua mãe por objetos da sua escolha, segundo critérios previamente combinados entre
eles.
3. Os pontos eram dados contingentes a comportamentos categorizados como adequados
ou quaisquer outros comportamentos que não os da categoria hiperatividade, 0
procedimento, assim descrito, é dro (diferencial reinforcement of other behavior),
reforçamento diferencial de outro comportamento (qualquer um) diferente daquele que
se deseja enfraquecer.
4. Fase experimental: Luiz foi informado de que, a cada três minutos em média, ouvir-se-
ia a gravação da frase: "Observe seu comportamento." Ele teria, então, 5 segundos
para emitir outro comportamento que não o de hiperatividade (acima definido) e deveria
permanecer adequado por pelo menos 10 segundos. Se o fizesse, ganharia um ponto;
se apresentasse comportamentos hiperativos, não ganharia esse ponto. O procedimento
era, então, dro 3 minutos (em média) com disponibilidade limitada (limited hold - lh) de
5 segundos.
5. Numa folha de registro, Luiz anotava + ("ganhei um ponto") se seu comportamento
estivesse adequado ou 0 ("não ganhei") se seu comportamento se mantivesse inadequado
até os 5 segundos de disponibilidade limitada. Enquanto permanecia adequado durante
os 10 segundos, a terapeuta conversava com ele. Se estivesse inadequado, ela o
ignorava.
6. O valor do dro 3 minutos (em média) foi alterado para dro 6 minutos quando Luiz
conseguiu atingir os dois critérios para a mudança de fase experimental:
a. Obteve todos os 20 pontos possíveis durante a sessão (de 60 minutos),
b. Durante três sessões consecutivas.
7. Luiz foi informado de que, a partir dessa sessão, um sinal do gravador: "Observe seu
comportamento" teria a função de lembrá»lo de observar como estava se comportando,
mas ele não ganharia ponto algum (SD para observar seu próprio comportamento); o
sinal seguinte teria a mesma função que teve na fase anterior. Para poder obter o
mesmo crédito final de pontos, cada ponto obtido a partir de desta fase valeria o dobro
do que valia na fase anterior. Assim, agora só podia obter até 10 pontos no máximo (na
fase anterior poderia obter 20 pontos), mas o crédito final poderia ser o mesmo. O
objetivo deste procedimento era aumentar a intermitência da conseqüência arbitrária,
ou seja, fazer um esvanecimento da freqüência de liberação dos pontos.

260 Pdlrlcid l’ÍJ7/on Q ueiroz e \ lélio Jo*é t)uilb«irdi


8. Quando Luiz atingiu, nesta fase, os mesmos critérios adotados no item 6 (obteve
todos os pontos possíveis em três sessões consecutivas), houve nova mudança: o lh
foi reduzido de 5 segundos para 0 segundos. Ou seja, ouvida a frase do gravador, ele
deveria estar se comportando adequadamente e permanecer como tal durante 10
segundos.
9. Durante as sessões, a terapeuta, a seu critério, poderia liberar até três pontos adicionais,
sem esperar pela frase do gravador, contingente a comportamentos adequados.

Resultados
A Fig.1 mostra a porcentagem de intervalos de observação dos comportamentos
de Luiz em que ele estava adequado, em todas as fases do procedimento Durante a linha
de base, não esteve adequado em nenhuma observação. Tais dados confirmam as queixas
da escola e da mãe. Com a introdução do procedimento experimental, houve uma mudança
drástica no seu desempenho: esteve adequado em todos os intervalos de observação.
Obteve, desta forma, o máximo de pontos disponíveis. O mesmo nível de desempenho se
manteve nas mudanças experimentais subseqüentes, tendo Luiz atingido os critérios de
desempenho para a mudança das fases no número mínimo de sessões possíveis. Dessa
forma, cabem os seguintes comentários:
a. O desempenho de Luiz revelado pela Figura 1 (que detectou uma amostra do que
ocorreu na sessão, uma vez que foram feitas sempre 20 observações de
comportamento) foi representativo do que ocorreu na sessão inteira: ele permaneceu
adequado o tempo todo.
b. A mudança drástica de desempenho revelou também que as contingências
manejadas na fase experimental (pontos trocáveis por itens materiais escolhidos
pelo cliente) foram poderosas, isto é, os itens foram reforçadores positivos.
c. Luiz já possuía o repertório de se comportar adequadamente (se não fosse assim,
seu desempenho teria que ser modelado e se alteraria gradualmente). Neste sentido,
o procedimento colocou sob controle de contingências adequadas e poderosas um
repertório comportamental pré-existente, que não se expressava porque as
contingências naturais em operação mantinham um repertório comportamental
incompatível com o desejado, qual seja, a hiperatividade. Mudadas as contingências,
mudaram 06 comportamentos. Skinner (1991a, pág. 102) escreveu:
“Comportamentos perturbados sâo causados por contingências de reforçamento
perturbadoras, nâo por sentimentos ou estados da mente perturbadores, e nós
podemos corrigir a perturbação corrigindo as contingências."
d. A mudança do dro 3 para o dro 6 foi o primeiro passo na direção do esvanecimento
dos controles arbitrários (pontos). O procedimento permitiu, ao dissociar dos pontos
(em 50% das vezes) a frase: "Observe seu comportamento", fazer dela um evento
com dupla função:
d1 .SD para Luiz observar seu próprio comportamento, um repertório de observação,
instalado pela comunidade, que é pré-requisito para instalar um padrão
comportamental de auto-observação e auto-controle;

Sobrr Comportdmrnto t Cotfniç<1o «61


d2. reforço condicionado para o comportamento de se manter adequado.
e. Há necessidade de prosseguir o processo de esvanecimento dos pontos e dos
SDs-Srs durante as sessões, a fim de observar a manutenção do repertório adequado
sob contingências naturais sem eventos arbitrários. Durante a primeira fase do
procedimento, a terapeuta tomou o cuidado de manter o valor absoluto dos critérios
produzidos pelos pontos, conforme descrito. Foi interessante observar a reação de
Luiz quando a terapeuta explicou a nova fase do procedimento:
L: Por que essa frescura? Vai dar na mesma, não ó? Então, faz como tava.

ORO 6 min
DRO 3 min LH 3 Mg
Linha d« base LH S aeg 8D 3 min
100
90
80
% de ocorrência

70
60
50
40
30
20
10
■ ■ ■
0 1 2 1 5 6
Seaaoea

Flg 1 Porcentagem d * observações em que ocorreram os com portam entos de Interesse

T: Não dá na mesma. Agora você terá um lembrete para observar seu


comportamento e só no segundo ganhará seu ponto. Assim, você deverá
permanecer mais tempo bem comportado e ganhará o ponto.
L: lh!

f. Há também necessidade de fazer uma orientação para as agências sociais naturais


da vida de Luiz, família e escola, para que procedam de maneiras equivalentes e
mudem, desta forma, as contingências até agora em vigor, que mantêm os padrões
comportamentais inadequados.
Numa sessão, em que a terapeuta discutia com Luiz sua hiperatividade em sala
de aula, seguiu-se o diálogo:
T: Por que você é considerado "terrível" na sua escola?
L: Eu não paro quieto um minuto.
T: Porquê?
L: Eu não consigo.

262 Prflrldd Pld//on Queiró/ t l Mio José Qullhiirtli


T: Interessante. Toda vez que eu vou à sala de espera me encontrar com vocé, você
está quieto, lendo esportes no jornal ou na revista, mesmo que a sua mãe não
esteja junto. Aqui você consegue ficar quieto.
L: É que aqui ó uma clínica.
A terapeuta e o cliente prosseguiram discutindo as variáveis que controlavam o
comportamento hiperativo de L na escola e o que poderia ser mudado.
O procedimento de dro aplicado a partir da observação de amostras de
comportamento, conforme descrito neste estudo, é particularmente útil em situação típica
de clínica pelas seguintes razões:
a. É um procedimento possível de ser realizado diretamente pela terapeuta, uma vez
que exige observação e registro de padrões relativamente simples de
comportamentos, o que não interfere com o desenvolvimento normal da sessão.
b. O cliente é envolvido no processo de observação e registro do seu próprio
comportamento. Isso permite um mínimo de fidedignidade entre observadores
(embora os registros não sejam feitos independentemente, o procedimento permite
a discussão entre ambos sobre a detecção dos comportamentos de interesse).
c. Permite ainda introduzir o cliente no processo de auto-observação e de intervenção -
através do seu desempenho - nas conseqüências dos comportamentos, de forma ativa
e discriminada. Este procedimento acrescenta um item além dos propostos por Skinner
(1991b, p.88 citados anteriormente), uma vez que, além de perguntar ao cliente o que
ele fez ou está fazendo ou por que (como instrumento para levá-lo a observar seu
comportamento ou suas variáveis controladoras), a terapeuta cria condições para o
cliente interferir ativamente nas contingências, produzindo através de seu comportamento
conseqüências reforçadoras (ganhando pontos no caso) ou deixando de produzí-las.
Para o processo de auto-conhecimento ser completo, não basta a pessoa observar e
descrever os comportamentos que emitiu ou que emite e as conseqüências que produziu
ou que produz, uma vez que existe o risco dessas relações observadas serem
supersticiosas ou acidentais. É necessário que a pessoa maneje as contingências,
conforme descrito acima, produzindo (ou não) as conseqüências a partir de seus
comportamentos. Só então, o auto-conhecimento é fidedigno.
d. Permite obter, a partir de uma amostra do desempenho do cliente na sessão,
informações sobre seu desempenho como um todo. Basta alterar o número de
observações (aumentar ou diminuir o tamanho da amostra de observação) para ter
dados representativos, mudança experimental fácil de ser manejada pela terapeuta,
a partir de sua observação direta do cliente.

Competição-agressívidade em situações de jogos

A terapeuta dizia a Luiz para escolher um jogo com que quisesse brincar com
ela. Invariavelmente, ele escolhia jogos competitivos. Durante a atividade, se estivesse
ganhando, mostrava satisfação: ria, elogiava as próprias jogadas, ironizava a terapeuta
(por exemplo, "Olha que jogadaf'\ "Eu sou demais mesmo."', "Vocô tá comendo poeira.
Olha a diferença. Estou disparado na frente.”). Se estivesse perdendo, tentava mudar as
regras do jogo, interrompia a partida, alegando que não queria mais jogar, dava desculpas

Sobrv Comportamento e Cognif 3o 263


pelo seu "mau" desempenho (por exemplo, " Vale jogar duas vezes também."-, " Vamos pôr
mais esse jogador para ajudar."’, "Chega desse jogo hoje. Vamos tentar outro."', "Eu não
estou jogando pra valer dessa vez") ou para "bom" desempenho da terapeuta (por exemplo,
"Hoje você está com sorte."', " Você sempre joga esse jogo, já está mais acostumada.").
O procedimento, propriamente dito, incluiu os passos abaixo. Durante uma
atividade qualquer, geralmente um jogo, em que ambos estavam envolvidos durante a
sessão, a terapeuta ia fazendo perguntas a Luiz. Elas não ocorriam, necessariamente, na
ordem que se segue, mas sim de acordo com as deixas que o desenrolar da atividade
propiciava. As perguntas levavam Luiz a:
1. Descrever seus comportamentos. Assim: "O que você está fazendo agora?'] " Você
notou o que você me disse?’] "Quais sâo as regras do jogo? O que você fez está de
acordo com elas?' etc.
2. Nomear seus sentimentos. Assim: "O que você está sentindo agora?'] "Parece-me
que você está com raiva, ou estou enganada?'] “ Você está alegre, não?' etc.
3. Descrever os comportamentos do outro (da terapeuta). Assim: “O que eu acabei
de fazer?'] “O que foi exatamente que lhe disse?’] “O que eu fiz para você nesta
jogada?' etc.
4. Inferir e nomear os sentimentos que seus comportamentos produziam no outro
(na terapeuta) a partir de comportamentos que emitiu e que têm, tipicamente,
função aversiva ou reforçadora positiva na comunidade verbal. Assim: "Quando
você ri da minha jogada (comportamento com função aversiva), como você acha que
eu me sinto?'] "Quando você diz que acertei por sorte (comportamento com função
aversiva), como você acha que eu me sinto?'] "Quando você diz que fiz uma boa
jogada (comportamento com função reforçadora positiva), como você acha que eu me
sinto?'] "O que você sentiria se eu lhe dissesse exatamente o que você está me
dizendo: que você...?'. O objetivo desse item do procedimento foi levar Luiz a observar
a função aversiva ou reforçadora dos seus comportamentos para os outros. A nomeação
inferida dos sentimentos produzidos nos outros tinha como função punir ou reforçar os
comportamentos de Luiz. Assim, por exemplo, se ele nomeasse os sentimentos do
outro como tristeza, produzido no outro por seus comportamentos, o que se esperava
é que essa nomeação lhe fosse aversiva e reduzisse a probabilidade de vir a se comportar
com o companheiro da mesma maneira no futuro. O mesmo raciocínio as aplica se
nomeasse o seotimento de alegria, só que neste caso o que se esperava ó que seus
comportamentos, associados a tal sentimento do companheiro, aumentassem a
probabilidade de ocorrência no futuro. Ou seja, o interesse do terapeuta não era instalar
o repertório de inferir sentimentos dos outros.
5. Nomear os comportamentos que emitiu após os comportamentos do outro (da
terapeuta). Assim: "Quando eu elogiei você, o que você me respondeu mesmo?';
"Quando eu concordei em mudara regra do jogo, você viu o que você fez?'
6. Nomear os sentimentos após os comportamentos do outro (da terapeuta). Assim:
"O que você está sentindo agora? Você sabe que esse sentimento foi produzido pelo
que eu fiz?'] "Eu ganhei de você, e agora o que você está sentindo?’

264 l’.iIrUid Pid/zon Q u ciro / c I iélio José C/uillnirdi


Após propor tais questões para Luiz, a terapeuta:
7. Conseqüenciava as respostas verbais dele com comentários tais como:
a. Tactos corretos do cliente: “ Isso mesmo: você descreveu corretamente o que você
fez."; "Boa: você descreveu exatamente o que eu fiz " ;"Acho que os nomes que
você deu para seus sentimentos coincidem com os que eu daria."; "Gostei. Você
falou de um sentimento que usualmente surge nessas situações." etc.. Quando os
sentimentos eram agradáveis, a terapeuta completava: "Ê importante que sejamos
capazes de fazer coisas que produzam sentimentos bons nas pessoas e em nós
mesmos." Quando os sentimentos eram desagradáveis, a terapeuta comentava:
"Não é agradável para você sentir-se assim. Não deve ser agradável para as outras
pessoas também. Agindo assim, as pessoas vão se afastar ou brigar com você.
Se você mudar o seu jeito de agir, também mudará os sentimentos que produz nas
pessoas. Como você poderia agir para não produzir sentimentos desagradáveis?'
Se necessário, a terapeuta dava modelos e, quando o cliente a imitava, era
conseqüenciado com elogio e carinho. A conseqüência social tinha por objetivo
reforçar positivamente as verbalizações que descreviam o que estava ocorrendo
(tactos adequados); ou
b. Tactos distorcidos do cliente: "Não concordo: você agiu da seguinte
maneira..."(terapeuta fazia a descrição do que havia acontecido). "Eu daria um nome
diferente do que você deu ao seu sentimento: para mim, você teve ‘raiva’ e não
‘alegria’; você estava ‘irritado’ por estar perdendo o jogo", por exemplo. A
conseqüência social tinha por objetivo dar um SD ou modelo verbal de qual era a
resposta esperada, compatível com o comportamento observado ou sentimento
mais provável (de acordo com a discriminação da terapeuta) diante das contingências
em operação.
Além disso, a terapeuta:
8. Dava modelos de descrição de comportamentos e nomeação de sentimentos se o
cliente não emitisse nenhuma verbalização ou dissesse que não sabia responder à questão;
9. Dava deixas verbais para auxiliar o cliente a discrim inar outros possíveis
reforçadores positivos na situaçfio de jogo, além de ganhar a partida. Assim:
"Apesar de não ganhar, nesta partida você fez mais pontos que na anterior.”', "Você
conseguiu fazer uma jogada que antes lhe era difícil”; "Nossa conversa durante o jogo
foi muito interessan te"V ocê reparou como nós nos divertimos, como a nossa
interação foi agradável?' etc..
10. Dava modelos de interação não competitiva e fazia questões que levavam o
cliente a descrevê-las e a nomear os sentimentos produzidos por ela. Assim:
“ Vou deixar você jogar o dado outra vez..”; "A bolinha de gude escapou de sua mão,
pode jogar outra vez!'\ "Eu não vou separar as bolinhas que eu ganho, não estou
competindo com você. O que me importa é este momento gostoso que nós estamos
tendo." etc. E questões: “ Você sabe o que ô cooperar? Dê um exemplo de cooperação
no nosso jogo."\ "Você em algum momento cooperou comigo?', "Você em algum
momento me elogiou?\ "Quando foi que eu elogiei você?; "Como você se sentiu quando
eu o elogiei, quando cooperei com você, quando o ajudei?'; "Como você acha que eu
me sentiria se você me elogiasse por uma boa jogada, quando cooperasse comigo,
quando me ajudasse?' etc..

Sobre Comportamento e Coflniç«lo 265


11. Conseqüenciava de maneira contingente as respostas inadequadas de Luiz ao
burlar regras do jogo. Assim: “ Vocêjogou duas vezes seguidas, voujogar agora três
vezes."\ "Você ‘ajudou' o dado com a mão, seus pontos não vão valer, passa a sua
vez."\ " Vamos interromper o jogo agora: eu ganhei porque você está querendo me
enganar." etc..
12. Conseqüenciava com elogios, sorrisos, toque físico etc. comportamentos de cooperação
durante os jogos, elogios que ele fazia ao desempenho da terapeuta etc..
13.D eu-lhe uma regra com o o b je tiv o de a u m entar a p ro b a b ilid a d e de
generalização do repertório, em processo de desenvolvimento na situação de
consultório, para a situação natural e, também, com o objetivo de colocar os
comportamentos recém modelados sob controle de estímulos e conseqüências
naturais do ambiente cotidiano do cliente. Assim: "O que ocorreu hoje na sessão
também deve acontecer na sua vida fora daqui: em casa, na escola, com seus pais,
com seus colegas e assim por diante. O que você está aprendendo a observar e a
fazer aqui comigo só terá real valor se for praticado fora daqui, onde você vive. Traga-
me exemplos semelhantes a estes que temos discutido e feito aqui, que tenham ocorrido
com seus amigos e familiares. "Baer, Wolf e Risley (1968) escreveram que não se deve
esperar a generalização e sim programá-la. Na sessão seguinte, a terapeuta o
questionava e o conseqüenciava com comentários: "Que legal que você trouxe um
exemplo; que bom que você lembrou." Etc.. Procurava contextualizar a ocorrência do
comportamento: "O que você estavajogando?') "Com quem?'', "Como seu amigo reagiu
ao seu comportamento?’’, "Quando você cooperou com a sua mãe, o que ela falou?',
“ Como ela ficou com você?' etc.. Não havia preocupação em questionar com ele se o
relato era verdadeiro ou não. A adequacidade do cliente era avaliada periodicamente
com a psicóloga escolar que, em reunião com a terapeuta, relatava as observações
feitas por ela e pela professora sobre o relacionamento do cliente com elas e com os
colegas. O mesmo era feito com a mãe.
As situações de jogos na clínica foram organizadas de maneira tal que as
condições naturais da própria atividade evocassem as respostas inadequadas do cliente,
que poderiam, então, ser conseqüenciadas diferencialmente e novos padrões poderiam
ser modelados. Assim, nem sempre a terapeuta concordava com a escolha dos jogos
feita por ele, não facilitava a partida e, se possível, ganhava dele. No entanto, os modelos
dados pela terapeuta eram sempre adequados (ela nunca o ridicularizava por uma má
jogada, nem pcfr perder, por exemplo).
14.0peracionalizou as classes de respostas que o cliente deveria observar nas
suas relações com as pessoas. Após algumas sessões com a aplicação dos
procedimentos acima descritos, a terapeuta dispunha de dados, obtidos a partir de
sua interação com Luiz, que permitiram a ela operacionalizar mais objetivamente o que
ele deveria observar na sua relação com as pessoas. O procedimento começou na
situação terapêutica, e se generalizou primeiramente para os colegas de escola, em
diferentes situações de sua rotina escolar. Assim:
a. Cooperar, dar deixas para o outro de comportamentos que produzem reforços
generalizados para esse outro, mesmo que tais comportamentos gerem para ele
próprio perda de reforços generalizados. Ex: “Se você jogar a sua bolinha nessa
direção, terá mais chances de acertar a minha bolinha."

266 P.itrlci.i Pia/7on Queiroz e I léllo losé C/ulllnmli


b. Elogiar, aprovar (“Muito bem."', “Foi uma bela jo g a d a .“Nem eu consigo fazer
isso.“ etc.) comportamentos do outro.
c. Criticar, verbalizar comentários depreciativos ou ridicularizar (“ Você nâo consegue
mesmo"’, “Nossa como você é ruim" etc.) ou ironizar ("Quando você começar a
jogar me avisé'\ “Com você vou jogar com os olhos fechados." etc.).
d. Jogar simplesmente, se comportar de acordo com as regras do jogo, sem emitir
comentários.
e. Agredir, dizer palavrões e, eventualmente, atacar fisicamente o outro com tapas,
empurrões etc.
As definições das classes comportamentais acima e exemplos de cada uma
delas foram amplamente discutidos com Luiz. A partir daí, durante um jogo com a terapeuta,
a qualquer momento, ele era solicitado a responder a seguinte pergunta:"Diga-me que
comportamentos você tem emitido até este momento?'
Se o cliente citasse as categorias comportamentais corretas, era elogiado pela
terapeuta; “Muito bem. Concordo com sua o b s e rv a ç ã o " Você está sabendo descrever
seus comportamentos." Se tivesse emitido um comportamento das classes 3 (criticar) ou
5 (agredir), a terapeuta continuava o questionamento: “ Que outro comportamento, mais
apropriado você poderia emitirão invés de criticar (ou agredir)?' Se necessário, ela dava-
lhe modelos de como poderia proceder alternativamente. Comportamentos adequados
eram conseqüenciados com elogios emitidos pela terapeuta.
Os diálogos abaixo ilustram os procedimentos:
T: Você percebe o que está acontecendo com vocô? (SD da terapeuta para L
observar o próprio comportamento).
L: O quê? (L não discriminou ou fingiu não discriminar o próprio comportamento).
T: A jogada anterior você ganhou e estava tudo bem. (terapeuta descreveu a
contingência anterior); Agora que eu estou ganhando, você está diferente. Você
percebe que você está mais agitado, irritado? (terapeuta descreveu a nova
contingência e deu um SD para L observar o próprio comportamento); E o que
você está sentindo? (terapeuta deu um SD para a observação de sentimentos);
L: Raiva. Eu estou perdendo. (L descreveu o sentimento e a contingência que
produiiu esse sentimento);
T: Realmente, você está perdendo. E perder não é a coisa mais gostosa. Mas, veja
bem, na rodada anterior você ganhou, (terapeuta descreveu outra contingência à
qual ele já foi exposto); Não dá para ganhar todas. E como você se sentiu
quando ganhou? (SD para discriminar o sentimento na outra situação);
L: Bem. (discriminou um estado corporal produzido pela outra contingência).
T: Você observou o que aconteceu comigo quando você ganhou? (terapeuta deu
SD para L observar o comportamento dela)', Eu perdi de você e nem por isso
fiquei inquieta ou agitada; eu continuei me comportando como antes (terapeuta
descreveu o próprio comportamento); Você achou que eu estava brava, irritada
ou com raiva? (terapeuta deu SD para L inferir os possíveis sentimentos produzidos
naquela situação)', Aliás, até elogiei aquela sua jogada. Existem outras coisas

Sobre Comport.imcnto c l"o#niç<lo 267


além de ganhar ou perder. A nossa interação, por exemplo, é mais importante
do que ganhar. (terapeuta deu modelo alternativo para o comportamento de L);
Quando vocô fica bravo assim, como fica a nossa relação? (terapeuta deu SD
para L observar outras contingências e possibilitar a discriminação);
L: Ruim. (L discriminou a diferença);
T: É. Vocé fica uma fera e torna a nossa conversa e interação desagradáveis.
(terapeuta enfatizou o comportamento dele e o que ele produziu na relação)’, Eu
me sinto mal nessas horas, acho ruim. (terapeuta deu modelo de descrição de
sentimentos); Fico imaginando como seus amigos se sentem quando vocô age
assim. (terapeuta deu SD para L observar que sentimentos ele produziu em
outras relações)', E como estava a nossa relação na rodada anterior? (terapeuta
deu SD para L observar outra contingência e possibilitara discriminação);
L: Estava mais gostosa (L discriminou a diferença).
Em uma outra sessão, Luiz passou o tempo todo jogando bolinha de gude com a
terapeuta. Ele estava cooperativo, ajudando a terapeuta a realizar melhores jogadas,
ensinando truques e posições. Luiz não estava agitado, ria bastante, descontraído, sem
pressa para jogar.

Segue um dos diálogos da sessão:


T: Então, desse jeito ó melhor? (terapeuta deu SD para L emitir comportamento
cooperativo);
L: É, joga com cuidado agora que vocé me mata. (L emitiu uma resposta desejável
de cooperação);
T: Nossa! Vocô está me ajudando desse jeito... (terapeuta deu SD para L discriminar
a resposta emitida por ele)\ Vamos ver... Ah! Consegui. Puxa, que dica boa. Eu
fui bem melhor. O que vocô achou? (terapeuta deu SD possibilitando L emitir um
elogio)',
L: É, melhorou mesmo. (L emitiu um comportamento da classe de elogiar);
T: Vocô já me ensinou várias dicas importantes hoje. (terapeuta descreveu o
comportamento d e L e o que produziu no comportamento dela); Você acha que
eu estou melhorando? (terapeuta deu novo SD para L emitir uma resposta da
classe de elogiar)',
L: Tá sim. Olha como vocé já acertou. (L deu SD para a terapeuta observar o
comportamento de/a, ou seja, ele está imitando o comportamento da terapeuta).

O diálogo seguinte ocorreu no final da sessão:


T: Nossa! Como foi agradável o nosso jogo hoje. Eu me senti muito bem. (terapeuta
descreveu os sentimentos produzidos na interação com L);
L: É, foi mesmo. (L também discriminou esses sentimentos);

26 8 1’dlrlcid PidMon Queiroz e f Hélio José tyullhardi


T: Você percebeu o que aconteceu? (terapeuta deu SD para L observar as
contingências que produziram tais sentimentos);
L: É, eu estava mais calmo, sem pular. (L discriminou seu comportamento);
T: E o que mais? ( terapeuta deu novo SD);
L: Eu estava cooperativo. (L discriminou outro repertório seu adequado);
T: Realmente, vocô me ajudou bastante e não estava irritado. Vocô sentiu raiva?
(terapeuta descreveu o comportamento e os sentimentos de L e deu SD para
que observasse seus sentimentos);
L: Não. (L observa seu senf/menfo);
T: Mudou alguma coisa saber quem ganhou ou perdeu? (terapeuta deu SD para L
observar novas contingências e suas conseqüências);
L: É, nâo. (L discriminou a outra contingência);
T: Então. Veja como foi mais gostoso (pelo menos para mim, não sei para você...)
o jeito como a gente estava, o quanto rimos e nos divertimos sem nos
preocuparmos com quem ganhou (terapeuta descreveu os comportamentos de
ambos); Será que isso também não pode ocorrer com outras pessoas? (terapeuta
deu SD para possível generalização);
L: Eu tenho jogado com a minha mãe e ela comentou que eu não ando mais
brigando porque eu perdi. Ela falou que desse jeito ó bem melhor... (L generalizou
o comportamento para outro ambiente).
A mãe de Luiz confirmou a generalização do comportamento menos competitivo
nos jogos e o descreveu como mais agradável nas interações.
A terapeuta também entrou em contato com a psicóloga escolar que relatou
melhoras no comportamento de Luiz durante o recreio, já que ele não estava arrumando
brigas com os colegas.

Conclusões
O estudo relatado demonstrou os procedimentos usados pela terapeuta para
instalar em Luiz comportamentos de auto-observação, de observação do comportamento
do outro e das inter-relações entre os comportamentos de Luiz e as conseqüências sociais
que produziam. A terapeuta manejou diretamente durante as sessões conseqüências
sociais reforçadoras positivas para modelar os comportamentos de observação, para atender
instruções e para imitar modelos fornecidos por ela. A terapeuta utilizou regras e instruções
para Luiz generalizar os comportamentos emitidos nas sessões de terapia para seu
ambiente social natural. Esperava-se que a emissão de comportamentos adequados nos
contextos sociais (incompatíveis com os padrões comportamentais inadequados que se
desejava minimizar) se tornassem mais prováveis se evocados por SDs verbais (instruções
e regras dadas pela terapeuta) e que, uma vez emitidos, as conseqüências sociais positivas
naturais mantivessem tais comportamentos. A generalização dos comportamentos
adequados modelados ou evocados nas sessões ocorreu para o ambiente escolar e familiar.

Sobrt Comportamento c Conmç.10 269


Não foram dadas orientações especificas nem para a professora, nem para a mãe sobre
como proceder com Luiz. Somente lhes foi solicitado que observassem a ocorrência (ou
não) dos comportamentos inadequados apresentados na queixa, a fim de se obter um
relato que permitisse comparar as freqüências de tais comportamentos nas sessões e no
ambiente social natural. Faz*se necessário orientar as pessoas socialmente relevantes
na vida de Luiz para conseqüenciarem positivamente os comportamentos adequados e
ignorarem os inadequados, a fim de maximizar a generalização dos ganhos obtidos nas
sessões e transferir o controle arbitrário dos comportamentos feito pela terapeuta para
contingências sociais naturais.

Referências
Azrín, N. H. (1964). Agressíve responses of paired animals. Paper read at symposium on
medical aspects of stress. Walter Reed Institute of Research, Washington, April.
Azrin, N. H., Hutchinson, R. R., and Sallery, R. D. (1964). Pain-agression toward inanimate
objects. Journal of the Experimental Analysis of the Behavior. 7. 223-228.
Baer, D. M.; Wolf, M. M.; & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis. 1. pp. 91-97.
Sidman, M. (1953). Avoidance conditioning with brief shock and no exteroceptive warning
signal. Science. 118, 157-158.
Sidman, M., Herrnstein, R. J. e Conrad, D. G. (1957). Maintenance of avoidance behavior by
unavoidable shocks. J. comp. Physiol. Psychol« 50. 553-557.
Skinner, B. F. (1991a). O lado operante da terapia comportamental. Em B. F. Skinner, Ques-.
tOes Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus. Publicação original de 1989.
Skinner, B. F. (1991b). O que terá acontecido com a psicologia como ciência do comporta­
mento? Em B. F. Skinner, Questões RfiCfintfiS na Análise Comportamental. Campinas: Papirus.
Publicação original de 1989.
Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorismo. Sâo Paulo: Cultrix. Publicação original 1974.
Skinner, B. F. (1994). CÍÔDCia 6 Comportamento Humano, São Paulo: Martins Fontes. Publi­
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Ulrich, R. E., and Azrin, N. H. (1962). Reflexive fighting in response to aversive stimulation.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior. J 2, 14-15.

270 Pdtrleid Pid/zon Ouciro/ c Hélio lost lyullhdrtli


Capítulo 26
Pode o paradigma de equivalência
fundamentar uma compreensão
comportamental do conceito de número?

Paulo Sérgio Teixeira do Prado


UNFSP - Marília.

Três estudos comportamentais sobra haMidades numérica* em pré-«scolarM normais e adolescentes com deficiência
mental »Ao anabsados e comparados Num. aplica-se aos conceitos d * quantidades a dafiniçAo d« conceito proposta por
Keller e Schoenfeld (1950) O comportamento alvo foi o emparelhamento do conjunto» de acordo com sua equivalência
numérica No outro, assume-se que a comprnansAo numérica Implica a equivalência entre determinados estímulos e
trabalha-se com a hipótese de que a contagem nAo seria um pré-requisito necassArlo para a aprendizagem daquelas
oquivalênclas. Foram ensinadas aos sujeitos relações entre nomes de números falados, numerais n conjuntos Numa otapa
final, foram testadas a emergência de diversas relações e a generalização com estimulos diferontes dos usados no treino
Nos dois estudos referidos, os sujeitos n io apresentavam habilidades de contagem em seu repertório e elas não foram
ensinadas O segundo foi mais bem sucedido do que o primeiro no sentido de Instalar os comportamentos alvos. Num
terceiro estudo, o ensino de três relações foi suficiente para produzir a emergência de uma série de outras relações estlmulo-
estlmulo o estlmulo-resposta Porém, os sujeitos apresentaram habilidades de contagem Já no pré-teste, tornando desneces­
sário seu ensino üma discusslo sobre o papel da contagem entre as habilidades que compõem o conceito de número é
conduzida.

Palavras-chava: conceito de número, habilidades numéneas, contagem, equivalência de estímulos

Three behavioral studies on numerical abilities with normal preschool children and adolescents with mental deficiency are
analyzed and compared. In one of them, the definition of concept such as proposed by Keller & Schoenfeld (1950) is applied
to concepts of quantities. Target behavior was matching sets in accordance with their numerical oqulvalonce In the other,
numerical comprehension is assumed as Implying equwaleiK« between some stimuli and the hypothesis Is that counting I»
not a prerequisite to learn those equivalences. Relations among spoken number names, pnnted numbers and sets were taught
to subjects. In a final phase, the emergence of various relations and generalization to new stimuli were tested In both referred
studies, counting skills *e re absent in subjects' repertoire and they did not were taught to them The second one was more
successful than the first to install the target behaviors. In a third study, teaching three relations was sufficient to make the
emergence of a series of other stimulus-stimulus and stimulus-response relations. Nevertheless, the subjects showed
counting skills yet in pretest, making unnecessary to teach them. A discussion about the role of counting among abilities that
constitute the number concept Is conducted.

Key words: Number concept, numerical abilities, counting, stimuli equivalence

Este capítulo versa sobre habilidades numéricas, com ênfase sobre a contagem.
Analisarei dois estudos comportamentais sobre o assunto, os quais prescindiram do ensino
dessa habilidade em particular, apontando semelhanças e diferenças entre eles tanto em
termos de procedimento quanto de resultados. Depois, apresentarei resumidamente um
estudo que conduzi recentemente e discutirei alguns pontos que considero importantes.

Sobrr Comportamento e Coflniçáo 271


A contagem tem sido tema de intenso debate entre autores de diversas abordagens.
Infelizmente, essa discussão não poderá ser tratada de maneira extensiva aqui. Mas
considerando-se que a contagem ó uma habilidade que envolve elementos lingüísticos, que
o papel da linguagem ó tema de discussões no campo da equivalência de estímulos e que
este é o paradigma que fundamenta dois dos estudos que serão apresentados a seguir, farei
algumas considerações sobre ela no final, limitando-a à Análise Comportamental.
Quando se fala em conceito numa perspectiva comportamental, não se pode
deixar de mencionar a definição de Keller e Schoenfeld (1950), segundo a qual conceito é
a discriminação interclasses e a generalização intraclasse. Baseada nessa definição,
Drachenberg (1973,1990) conduziu alguns estudos sobre o que ela chamou de conceito
de quantidade. Trata-se de estudos pioneiros no Brasil, pioneirismo este que reside tanto
no tema como na abordagem escolhida para estudá-lo. Num dos textos da autora, lê-se:
O conceito "cinco" ó algo além do objeto, é a propriedade abstrata deste conjun­
to. Tomando assim séries diferentes de objetos, mantendo como único elemento
constante a quantidade, esta se generaliza entre os diferentes grupos sendo
possível, assim, abstrair-se dos mesmos o concei-to “cinco”. (Drachenberg, 1973:
p. 45).
Devemos observar que o termo “numerosidade" seria mais preciso do que
"quantidade”, levando-se em conta a generalidade deste último e que o trabalho lidou com
um tipo especifico de quantidade. Prosseguindo, a autora elabora, então, um procedimento
de fading, aplicado numa situação de escolha conforme o modelo (matching to sample)
para ensinar os conceitos das quantidades um a dez a crianças de dois a seis anos de
idade. A tarefa da criança era emparelhar um conjunto (estimulo modelo) a outro conjunto
com a mesma quantidade de elementos (estimulo de comparação correto), o qual era
apresentado junto com outros dois, estes com números de elementos diferentes do modelo
(estímulos de comparação incorretos).
A um treino preparatório seguia-se um conjunto de dez passos, cada um deles
destinado ao ensino de um conceito (quantidade) e composto por várias etapas.
Basicamente, o procedimento consistia da introdução gradual dos estímulos. No primeiro
passo, por exemplo, o estímulo modelo era a figura de um objeto (diferente em cada
tentativa), ao passo que, entre as alternativas de escolha, a correta reproduzia exatamente
o estimulo modelo e as incorretas, além de diferirem quanto à forma, também traziam uma
ou mais figuras em tamanho reduzido. Nas etapas subseqüentes do mesmo passo, o
tamanho dessas figuras menores era aumentado gradualmente, de modo que as alternativas
incorretas passavam a ter quantidades diferentes do modelo. Nos passos destinados ao
ensino das outras quantidades, um procedimento semelhante foi usado para aumentar o
número de figuras no estímulo modelo. Nos passos finais, passou-se a usar figuras
abstratas, diferentemente dos passos anteriores, nos quais foram usadas figuras
reconhecíveis. Um ponto importante é que a distribuição espacial das figuras variava sempre,
nunca se repetindo.
Grande parte dos sujeitos precisou de um elevado número de sessões, repetindo-
se a aplicação de passos até que conseguissem alcançar o critério que permitia o avanço
para o passo posterior. Foram poucos os sujeitos que chegaram aos passos finais do
programa.

272 Paulo Sérgio T. ilo Prado


Entre os fatores responsáveis por esses resultados, parece-me o mais importante
a não inclusão da contagem. Sem essa habilidade, as numerosidades discrimináveis por
crianças daquela idade vão até quatro ou cinco, no máximo. Ensinar a contagem a partir
de uma cuidadosa análise operacional, po-deria ter sido produtivo.
Green (1993) assume que a compreensão numérica implica em tratar como
equivalentes nomes de números falados, numerais impressos e quantidades correspondentes
de itens. A autora aponta que freqüentemente assume-se que a contagem ó uma habilidade
pré-requisito para a aprendizagem de equivalências numéricas e vê no paradigma de
equivalência de estímulos a possibilidade de que aquelas equivalências possam ser ensinadas
prescindindo-se da contagem.
Os sujeitos de Green (1993) foram dois adolescentes, um autista e outro
classificado como portador de retardo mental moderado, ambos com déficit de linguagem.
Um pré-teste revelou que um dos sujeitos emparelhava estímulos por identidade e também
numerais a seus respectivos nomes ditados. O outro, além dessas mesmas habilidades
fazia os pareamentos número ditado-conjunto e numerai-conjunto, nos valores de um a
três; e nomeava todos os numerais (sic).
Um procedimento de treino instalou as relações número ditado-numeral e número
ditado-conjunto. Foram usados os numerais 1 a 6 e conjuntos nos valores correspondentes.
Os elementos que compunham os conjuntos eram pontos (pequenos círculos pretos
sólidos). Um detalhe importante que diz respeito à disposição espacial dos pontos deve
ser notado: para cada um dos valores de um a seis foram usados três padrões diferentes,
porém fixos, de configuração (ver Figura 1).

2 3

4 5 6
NUMERAIS IMPRESSOS
Fluuru I. Kcde de rcIncAcs cnlre os nomes de números ditados, numerais e
conjuntos usrnlos por (irecn ( t W ) ) As setas apontam dos estim ulo* modelo
l» ru o» dc coniparavAo Linhas sólidas uulicum relações treinadas e linhns
tracejadas, relavftcs emergentes

Sobre Comportamento e CojjnivJo 273


Ao final do treino, um pós-teste revelou que além das relações ensinadas, os
sujeitos haviam aprendido também a produzir oralmente nomes de números tanto em
resposta a numerais impressos como a conjuntos (relação não representada no diagrama),
a relacionar numerais a conjuntos e vice-versa e ainda demonstraram generalização dessa
habilidade quando foram usados conjuntos com figuras de cavalos, casas e moedas.
Essas figuras, que nào fizeram parte do treino, foram apresentadas de acordo com um
dos padrões de disposição espacial usado com os pontos durante o treino.
G. Green ó cautelosa ao concluir seu estudo. Ela afirma que para os dois sujeitos
do experimento que de inicio não apresentavam a habilidade de contagem, esta não pareceu
necessária para a aprendizagem das equivalôncias numeral-quantidade. É uma conclusão
que decorre naturalmente dos resultados. Os sujeitos não contavam e não foram ensinados
a contar. Mesmo assim, exibiram desempenho que atestou a emergência de relações de
equivalência entre numerais e conjuntos.
Vários autores afirmam que quantidades até três ou quatro são passíveis de
subitização (tradução de Ottoni, 1993 para o neologismo: subitization, que refere-se a
uma capacidade de reconhecer pequenas numerosidades sem o recurso da contagem ou
qualquer outro fator lingüístico). Bebês com poucos meses de idade discriminam conjuntos
com esses números de itens (ver, por exemplo, Starkey e Cooper, 1980; Starkey, Spelke
eGelman, 1983; Strauss e Curtis, 1981). Green (1993) usou valores superiores. Porém,
parece possível que eventuais dificuldades envolvidas na discriminação de conjuntos com
cinco e seis elementos tivessem sido superadas por um treino eficiente, tal como o
elaborado pela autora.
Contudo, há que se considerar um pouco mais detidamente o tratamento
experimental dispensado a uma importante variável. Os elementos de cada um dos conjuntos
foram dispostos de acordo com padrões fixos. Mesmo no teste de generalização, quando
foram usadas figuras em lugar de pontos, elas foram dispostas de acordo com um dos
padrões de disposição usado no treino.
Conjuntos são estímulos complexos com uma propriedade especial. Eles possuem
dimensões ou atributos que podern variar quase infinitamente. A natureza dos elementos,
seu tamanho, cor, textura, cheiro, etc., são todas dimensões irrelevantes. A única dimensão
relevante de um conjunto é o número de elementos que ele contém. Respostas adequadas
só serão produzidas sob controle dessa dimensão. Por isso, Drachenberg (1973) tinha
toda razão quando fez a afirmação citada textualmente acima.
Uma das diversas dimensões irrelevantes de um conjunto é a maneira como seus
elementos se distribuem no espaço. Trata-se de uma dimensão particularmente importante,
pois em determinadas situações pode, assumir um controle inadequado de respostas.
Jogos de dados e dominós apresentam conjuntos de um a seis pontos, sendo estes
dispostos de acordo com padrões fixos, o que faz com que cada conjunto assuma uma
configuração peculiar. Nesses jogos (principalmente no de dados) os conjuntos são, em
alta freqüência, emparelhados a nomes de números. A configuração de cada conjunto
acaba facilitando o reconhecimento do seu valor ou, pelo menos, a associação com a
palavra-número correspondente, o que empresta agilidade ao jogo. Dependendo do repertório
do indivíduo, no entanto, isso pode tornar-se um problema. Diante de um conjunto de seis
elementos quaisquer dispostos de maneira não familiar, alguém que sabe contar descobrirá

274 l\iulo SfrHlo T. do Pr.ulo


quantos são os itens, mas quem nào possui essa habilidade, como uma criança em idade
pré-escolar, por exemplo, terá dificuldades para determinar o valor.
No experimento de Green (1993), o fato de haver trôs padrões de acordo com os
quais os pontos eram dispostos pode ter dificultado um pouco as coisas para os sujeitos.
No entanto, a possibilidade de que as respostas tenham ficado sob controle da dimensão
irrelevante disposição espacial dos elementos só poderia ser definitivamente descartada
se ao longo do experimento, de tentativa a tentativa, os itens dos conjuntos fossem
arranjados de maneira imprevisível para o sujeito.
Procurei tomar esse cuidado em estudo conduzido recentemente (Prado, 2001),
cujas linhas gerais passo a descrever. Foram consideradas as relações entre os estímulos
representados pelos retângulos A, B, C e C’ na Figura 2; e entre eles e as respostas
representadas pelos retângulos D, E e F naquela mesma figura. As setas, que vão sempre
do estímulo modelo para o de comparação ou resposta, simbolizam relações. O diagrama
deve ser lido como segue.
AB- dados o nome de um número falado como estímulo modelo e diversos numerais
como estímulos de comparação escolher, entre estes, o que corresponde ao modelo
ditado. AC- dados um número ditado e vários conjuntos, cada um com um número diferente
de itens, selecionar o conjunto cuja quantidade de elementos corresponda ao nome do
número falado. AF- dados um número falado e um conjunto, separar deste um subconjunto
com número de itens correspondente ao especificado. BC- dados um numeral e conjuntos,
selecionar destes aquele com a quantidade expressa pelo numeral. BD- dado um numeral,
dizer o seu nome em voz alta. BE- dados diversos numerais, colocá-los em ordem crescente.
BF- dados um numeral e um conjunto, separar deste a quantidade de itens especificada
pelo numeral. CB- dados um conjunto e vários numerais, selecionar destes o equivalente
ao valor do conjunto. CC- dados um conjunto como estímulo modelo e outros conjuntos
como estímulos de comparação, todos com os respectivos elementos dispostos de acordo
com um mesmo padrão, escolher dentre os últimos aquele numericamente equivalente ao
primeiro. CC’- dados um conjunto como estímulo modelo e outros conjuntos como estímulos
de comparação, não havendo
coincidência na disposição dos
à elem entos, selecionar o

ITt
Número
süladfi.. comparação correspondente ao
modelo. CD- dado um conjunto,
í NumeraK»)
B contar seus elementos e dizer
Imcreasoí») quantos são, isto é, nomear a
num erosidade. CE- dados
diversos conjuntos com
cardinalidades diferentes,
ordená-los do menos para o mais
numeroso. CF- dados dois
conjuntos, um deles com maior
número de elementos, separar
lvl)etirM 2. Diiigramn o«k|iicmrtlico representando a rede de rcInçAcs deste um subconjunto com
que cwnptVm o conceito de número cardinal equivalente ao do
conjunto menor.

Sobre Comportamento e Co«niç.lo 275


Um programa de computador especialmente desenvolvido para o estudo e o uso
de um monitor de vídeo com tela sensível ao toque possibilitaram que o teste daquelas
relações (e o posterior treino de algumas delas) fosse completamente informatizado. 0
procedimento básico adotado foi o de discriminação condicional. Tarefas que requeriam a
contagem de subconjuntos ou a produção de seqüências, foram realizadas através do que
na literatura tem sido chamado de respostas construídas. Toda resposta correta levava a
uma conseqüência produzida pelo próprio computador: animação, efeito sonoro ou
mensagem de elogio. Porém, cada tentativa de cada tarefa era apresentada somente uma
vez, exceto tarefas envolvendo conjuntos, cujas tentativas foram apresentadas duas vezes
- uma em que os elementos eram dispostos ordenadamente, e outra em que os elementos
ocupavam posições selecionadas aleatoriamente pelo computador. O delineamento da
pesquisa compôs-se de três fases: pré-teste, treino e pós-teste, antecedidas por um
treino preparatório para familiarizar os sujeitos com o uso do equipamento, o qual não será
descrito.
Na Figura 3 encontram-se os dados do desempenho de um sujeito do sexo
masculino, com idade de cinco anos e sete meses. Com ele foram usados estímulos nos
valores de um a nove. As colunas do lado esquerdo de cada par de colunas representam
a porcentagem de respostas corretas no pré-teste. Note que, em linhas gerais, o sujeito
apresentou um desempenho pobre nas tarefas envolvendo numerais (estes representados
pela letra B). Algumas tarefas não constam no gráfico. São elas, a relação AB, em que os
acertos desse sujeito foram de 55,6%; BD e BE, em que os escores ficaram abaixo de
50%.

100

Ihltilif
80
60
8
S 40
* 20
0
AC AF BC BF CB CC CD CE CF

AC- Número ditado conjunto A l- N" ditado contagem de subconjunto


HC- Numeral - conjunto Hl-’- Numerul contagem do subconjunto
CU- Conjunto numeral CC- Conjunto conjunto
CD- Nomcagâo de niunerosidades C l - l^iiduçào de seqüências de a «íjunUw
CF- Conjunto cuitagcm de subconjunto

Figura 3. Desempenho de uni menino de 5 anos e 7 inescs no pró-


teste (colunas da esquerda cm cada par) e no pós-teste das relates
(colunas da direita em cada par), excluídas as diretamente
ensinadas no treino (AR, BD e BH).
Um treino prevendo reforço a respostas corretas e procedimentos de correção de
respostas incorretas, instalou as relações AB, BD e BE, consideradas estratégicas para
produzirem a emergência de todas as outras relações. A relação AB (número ditado-
numeral) foi ensinada pelo procedimento de exclusão (DeRose, Souza e Hanna, 1996;
DeRose, Souza, Rossito e DeRose, 1992; Ferrari, DeRose e Mcllvane, 1993). A expectativa
era que desse treino emergisse a nomeação dos numerais (BD), o que não aconteceu.

276 Paulo Sérgio I, do Prado


Por isso, essa relação foi ensinada explicitamente. A relação BE é a produção de seqüência,
ou ordenação dos numerais. Reconhecer e nomear esses estímulos são respostas
indispensáveis, porém inúteis sem que se saiba ordená-los. Por isso, a ordenação também
foi ensinada.
Estando o sujeito produzindo seqüências com os numerais 1 a 9 sem erros, e
após ter ele alcançado o critério de 95% de acertos na nomeação daqueles numerais em
extinção num bloco em que cada numeral foi apresentado cinco vezes, conduziu-se um
pós-teste das relações. Este foi idêntico ao pré-teste, exceto pela ordem das tarefas e
pela não apresentação das tentativas que testariam as relações treinadas (AB, BD e BE).
O desempenho do sujeito nessa fase é expresso nas colunas da direita de cada par de
colunas no gráfico da Figura 3. Exceto na relação CE, em todas as outras a porcentagem
de acertos foi de 89% ou superior.
Outro sujeito do estudo foi um menino de 4 anos e 10 meses, com quem o
procedimento adotado foi idêntico ao que se acaba de descrever, exceto pelos valores dos
estímulos usados, que foram de um a cinco. Observe a Figura 4. As relações AC, AF, CD
e CF não constam no gráfico porque nelas houve 100% de acertos já no pré-teste. Também
nessa fase, os escores foram de 60% na relação AB e inferiores a 50% nas relações BD
e BE, que também não constam no gráfico. À semelhança do que se descreveu
anteriormente, essas três últimas relações foram explicitamente ensinadas. Tendo o sujeito
apresentado 100% de acertos em todas elas, procedeu-se a um pós-teste de todas as
relações menos as ensinadas e aquelas em que ele já desempenhava com perfeição. As
colunas da direita de cada par na Figura 4, representam os desempenhos emergentes.
Não houve grandes diferenças do pró para o pós-teste nas relações BC, CC e CE sendo,
contudo, marcantes as diferenças nas relações BF e CB.

IK '- Numeral conjunto


Hl - Numeral contagem tk- subconjunto
CB- Conjunto numeral
CC- Conjunto conjunto
CH- PruduyÕo dc seqüências de conjuntos
BC BF CB CC CE
F ig u rii 4. Desempenho dc um m enino dc 4 anos c 10 meses no pre-teste (colunas da esquerda cm
cada par) c no pós-teste das rclaçòcs (colunas da direita cm cada par), excluídas as relações
diretam ente ensinadas no trem o (A li, H l) c M i) c aquelas cm que houve 100% dc acertos no pré-
teste ( AC', AF, C l) c C’F).

Em ambos os casos descritos acima, os sujeitos não se saiam bem em tarefas


que implicavam o uso de numerais, mas após o treino estes foram integrados á rede de
relações, isto é, passaram a fazer parte das classes de equivalência. Quanto a contagem,
os sujeitos já apresentavam habilidades razoavelmente bem desenvolvidas, o que poderia
explicar seu desempenho em algumas tarefas do pré-teste envolvendo conjuntos. Contudo,
na tarefa de produção de seqüências de conjuntos (CE), nota-se que não houve grande
alteração do pré para o pós-teste, o que merece algumas considerações.

Sobre Comportamento e Cotfm çJo 277


As dificuldades inerentes á tarefa podem ter desencorajado os sujeitos a contar.
Ao início de cada tentativa, apresentam-se vários conjuntos espalhados na parte inferior
da tela. A ordenação era feita tocando-se cada conjunto com o dedo, o que provoca seu
deslocamento para a parte superior da tela e seu posicionamento da esquerda para a
direita. Conjuntos de até trôs ou quatro pontos não oferecem grandes dificuldades para
serem ordenados. Porém, quantidades superiores requerem contagem. Não somente isso.
O sujeito deve contar os pontos de vários conjuntos ainda não colocados em seqüência,
comparando o valor de cada um com o do último conjunto da série dos que já foram
ordenados. Os pontos são relativamente pequenos e ocupam uma área também pequena.
Além disso, a contagem deve ser feita com um bastão, pois a tela é sensível ao toque e o
dedo só deve ser usado para produzir o deslocamento dos conjuntos e indicar a finalização
da resposta. O controle de estímulos e a cadeia de respostas são muito complexos.
Produzir as seqüências sem contar pode ser um comportamento de esquiva.
Para finalizar, faremos uma breve comparação ente o estudo aqui apresentado e
o de Green (1993). Ambos possuem semelhanças importantes, chegando mesmo a se
complementarem. Algumas conclusões da autora serão discutidas.
Green (1993) empregou procedimentos surgidos há algumas décadas para fins
exclusivos de análise do desenvolvimento de habilidades numéricas (por exemplo, Spradlin,
Cotter, Stevens e Friedman, 1974; Wang, Resnick e Boozer, 1971 e Wholwill, 1960),
usando-os para fazer um pró-teste de relações com seus sujeitos. Estes não tinham
habilidades de contagem, não nomeavam quantidades (ou numerosidades), mas
emparelhavam numerais a nomes de números ditados.
Os dados obtidos no pré-teste auxiliaram G. Green a tomar decisões concernentes
ao treino, em que nomes de números serviram como estímulos modelo tanto para a escolha
de conjuntos como de numerais correspondentes. Posteriormente, verificou-se a
emergência das relações numeral-conjunto e vice-versa e também a generalização da
relação entre nomes de números ditados e conjuntos com figuras diferentes das de treino.
Os sujeitos apresentaram desempenho satisfatório em todas essas relações mesmo sem
terem aprendido a contar.
Também em Prado (2001) procedimentos semelhantes aos anteriormente
empregados em estudos do desenvolvimento de habilidades numéricas foram adotados
para pré-testar as habilidades dos sujeitos. Verifiquei que as crianças já eram hábeis
contadoras desde seu ingresso na pesquisa, mas não se saíam tão bem com os numerais.
Elas foram ensinadas a nomear e a ordenar os numerais. Posteriormente, exibiram relações
entre numerais e conjuntos (entre outros desempenhos). Elas não usaram a contagem
para produzir seqüências de conjuntos e, provavelmente por isso, não apresentaram bom
desempenho nessa tarefa.
Green (1993) não ensinou a contagem aos seus sujeitos, mas conseguiu que
eíes fossem mais longe do que os de Drachenberg (1973,1990), que também não ensinou
aquela habilidade. Mas até onde eles iriam? Quais seriam as vantagens de uma
aprendizagem de relações condicionais das quais fizessem parte conjuntos, sem a
aprendizagem de habilidades de contagem?
O paradigma de equivalência surgiu como modelo de relações estímulo-estímulo
e trouxe consigo uma reação contrária à idéia da linguagem como elemento mediador do
comportamento simbólico. Em Sidman (1994, 2000), contudo, a noção de classes de

278 Pdulo StrRlo T. do Prado


equivalência não se limita mais a estímulos, passando a incluir respostas. Estas podem
ser as mais diversas, inclusive verbais. A contagem inclui, entre outras, respostas verbais.
Estas devem entrar na classe de equivaléncias que constitui o conceito de número. Nos
resultados do estudo descrito acima, isso é sugerido pelo desempenho dos sujeitos na
contagem de subconjuntos sob controle de diversos estímulos.
A contagem ó uma habilidade tão presente e útil no dia-a-dia, que as vantagens
que ela oferece parecem óbvias. Privar dessa habilidade crianças e jovens normais ou
com qualquer tipo de comprometimento, significa impor-lhes dificuldades à sua
aprendizagem de repertórios acadêmicos e à sua integração social. Como se sairia, por
exemplo, um jovem que aprendeu uma série de discriminações incluindo conjuntos, mas
sem ter aprendido a contar quando, no seu trabalho, recebesse de seu chefe uma ordem
(oral ou por escrito) para fazer 50 pilhas de 25 caixas?
Para finalizar, é possível que a resposta à questão que deu o título a este texto
seja positiva. Mas elementos importantes, tal como a contagem, por exemplo, não devem
ser deixados de fora. Discriminação (simples e condicional), generalização e equivalência
de estímulos são necessárias, mas parecem não ser suficientes. Mais estudos são
necessários.

Referências
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stimulus equivalence and exclusion. Journal of Applied Behavior Analysis. 29(4), 450-469.
DeRose, J. C. C., Souza, D. G., Rossito, A. L. e de Rose, T. M. S. (1992). Stimulus
equivalence and generalization in reading after matching to sample by exclusion. Em S. C.
Hayes e L. J. Hayes (Orgs.), Understanding Verbal Relations, (pp. 69-82). Reno, EUA:
Context Press.
Drachenberg, H. B. (1973). Programação das etapas que levam à modificação gradual
no controle de certos aspectos de um estímulo para outro (fading) na situação de "escolha
de acordo com o modelo". Ciência e Cultura. 25.44-53.
Drachenberg, H. B (1990)., “ ' í.um
j. Assis: FCLA-HUCITEC.
Ferrari, C., de-Rose, J. C. C. e Mcllvane, W. J. (1993). Exclusion vs. selection training
of auditory-visual conditional relations. Journal of Experimental Child Psychology. 56.49-
63.
Green, G. (1992). Stimulus control technology for teaching number/quantity equivalences.
Proceedings of the 1992 National Autism Conference (Australia). Melbourne, Australia:
Victorian Autistic Children’s & Adults' Association, Inc.
Keller, F.S. e Schoenfeld, W.N. (1950). Principles of Psychology. New York: Appleton-
Century-Crofts.
Ottoni, E. B. (1993). Dos limites do contar ao contar sem limites: Um esludo SObie 0
de-senvolvimento da competência numérica e da noção de infinitude na criqnça. Tese de
doutorado. Universidade de São Paulo.

Sobre Comportamento c Cognifilo 279


Prado, P.S.T. (2001). Ensinando o conceito de número; contribuições do paradigma
. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo
Sidman, M. (1994). I. Boston: Authors
Cooperative.
Sid man, M. (2000). Equivalence relations and the reinforcement contingency. Journal
r.Z4, 127-146.
Spradlin, J. E.t Cotter, V. W.t Stevens, C. e Friedman, M. (1974). Performance of
men-tally retarded children on pre-arithmetic tasks. American Journal of Mental Deficiency.
ZÔ, 397-403.
Starkey, P. e Cooper. R. G., Jr. (1980). Perception of number by human infants. Sciense.
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Starkey, P., Spelke, E. S. e Gelman, R. (1983). Detection of intermodal numerical
cor-re-spondences by human infants. Science. 222.179-181.
Strauss, M. S. e Curtis, L. E. (1981). Infant perception of numerosity. Child Develop-ment.
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Wang, M. C., Resnick, L. B. e Boozer, R. F. (1971). The sequence of development of
some early mathematical behaviors. Child Development. 42.1767-1778.
Wohlwill, J. F. (1960). A study of the development of the number concept by scalogram
analysis. J£Z, 345-377.

280 Pdulo Séryjio I, do l’ r«ido


Capítulo 28
Contribuição da FAP c pontos a esclarecer
RachelRodrigues Kerbauy ‘
L#r

Escrito por terapeutas, supervisores e também pesquisadores, a FAP foi um primeiro pensar e escrever, em forma de livro,
sobre o quo se fa/ia em uma sesslo clinica, sendo um behaviorista radical. Com o aumento de pesquisas para compreender
os comportamentos complexos, ser* necessário longo percurso para incorporar ao trabalho clinico diuturno esse novo
conhecimento. Os pontos que considero de vanguarda nesse livro t i o a) a importância atribuída à relaçáo terapeuta-cliente
durante a terapia, anteriormente defendida por Ferster, e a incorporação dessa relaçáo no processo de mudança; b) a análise
cuidadosa dos comportamentos clínicos relevantes (CRBs) e a observação de sua ocorrência na sessáo, a Identificação dos
progressos do cliente na sessáo e o cuidado com as falas do cliente sobre seu próprio comportamento No entanto nflo há
instigantes pesquisas ou exercícios de interpretação dos dados clínicos.

Palavras-chave- FAP, comportamentos clínicos relevantes, reforçamento natural.

Researchers, therapists and supervisors, the writers of this book, were the first ones to think about a book on clinical work
with a radical behaviorlst point of view. As the research for understanding the complex human behavior still Is under
development, far is the time when It will be incorporated in everyday work. The points In this book I consider Important are;
a) the importance of the client-therapist relationship during the therapy, prior emphasized by Ferster, and the Incorporation of
this relation In the changing process; b) the carefull analysis of clinically relevant behaviors (CRBs) and the observation of
problems that occur in session, the Identification of client improvements that occur in session and the verbalizations of the
client about his own behavior, Although» Instigate we need research or an “exercise of interpretation" of the clinical date.

Key words: FAP, clinically relevant behaviors, nature reinforcement.

A FAP é uma forma de tratamento comportamental que se fundamenta nas


descobertas de laboratório e na abordagem do behaviorismo radical. Embora seja compatível
com a terapia comportamental cognitiva, preconiza uma intervenção baseada na análise
do comportamento verbal, enfocando a relação terapeuta-cliente. Tem como hipótese que
as modificações ocorridas com o cliente são o resultado de evocar, fornecer dicas, modelar
e reforçar as mudanças do comportamento-problema, mudanças essas que ocorrem também
durante a sessão, bem como o fato do terapeuta interpretar o comportamento do cliente.
Os CRB (clinically relevant behavior), comportamentos clinicamente relevantes, incluem
tanto problemas como objetivos comportamentais. São trés os CRB que podem ocorrer

'D«pftrtflmento d« Piicologm Experimental - Inatrtuto d* Psicologia • USP

Sobre Comportamento e Cognição 281


na sessão: a) comportamentos do cliente que ocorrem na sessão e que estão sob contro­
le de estímulos aversivos e são observados e são de esquiva, mas podem ser pensamen­
tos, percepções, sentimentos, lembranças. Ocorrem na sessão e tendem a decrescer
durante a terapia; b) melhora do cliente, que ocorre na sessão, e que, no inicio do trata­
mento, quase não são observados, provavelmente haverá mudança para comportamentos
assertivos; c) a interpretação que o cliente dá aos seus comportamentos.
Para exercer a psicoterapia nesse processo interacional e complexo, Kohlenberg
e Tsai (1991) propõem cinco regras para orientar o terapeuta: 1) observar os comporta­
mentos clinicamente relevantes, o que propiciará fortes reações emocionais entre terapeuta
e cliente, existindo portanto uma conseqüência para o comportamento; 2) evocar os com­
portamentos clinicamente relevantes, claro que dependendo dos problemas da vida diária
do cliente; 3) reforçar as evocações de comportamentos clinicamente relevantes. Esse
ponto é considerado pelos autores o mais difícil de ser praticado, especialmente pela
dificuldade de reforçamento natural; 4) observar os efeitos dos reforçadores decorrentes
do comportamento do terapeuta em relação aos comportamentos clínicos relevantes do
cliente; 5) interpretar as variáveis que afetam o comportamento do cliente, pois a hipótese
é de que auxiliam a produzir regras mais eficazes.
A teoria que fundamenta a FAP é simples: todas as pessoas agem (fazem, pensam,
sentem, vêem, conhecem, seguem instruções, etc.) devido às contingências de
reforçamento que existiram em suas experiências anteriores. Esse ponto de vista conduz
a ênfase terapêutica nos conceitos que relacionam princípios básicos do comportamento
sobre as contingências dentro da sessão, contexto, semelhança funcional, reforçamento
natural e modelagem.
No trabalho de Kohlenberg e Tsai (1991), observa-se continuamente a preocupa­
ção com as relações funcionais e, portanto, a ênfase no processo comportamental. Os
resultados que descrevem são promissores e, nesse sentido, promessa de intervenções
clínicas eficazes, e um caminho para pesquisa que está ainda incipiente.
Portanto, o contexto em que o comportamento ocorre e as contingências
responsáveis pela sua manutenção, são pontos centrais da FAP. Para um terapeuta FAP,
o mesmo comportamento em dois contextos diferentes têm significado diferente. De fato,
para a FAP a aprendizagem de novos comportamentos na sessão não tem sentido, a
menos que o contexto da sessão seja relevante para a vida diária. Por exemplo, do ponto
de vista da FAP, ym cliente com problemas se assertividade tem possibilidade de apren­
der a ser assertivo, quando na sessão ele se recusa a fazer os exercícios de assertividade.
A presença desse CRB ó uma indicação clara do contexto de vida e permitirá a análise do
comportamento e também fornecer conseqüências.
Geralmente, os CRB acontecem na medida em que as variáveis de controle do
comportamento ocorrem durante a sessão. O contato com as variáveis controladoras
pode evocar comportamentos, tanto operantes como respondentes, ou ambos simultanea­
mente. Os comportamentos emocionais, CRB de amor, ódio, medo, desapontamento,
podem ser evocados por um terapeuta que apresente uma gama de estímulos interpessoais,
que geralmente acontecem em relacionamentos significativos. Assim, uma reação natural
ou às vezes ampliada do terapeuta pode ser um primeiro agente de mudança. Nesse
sentido, a transferência (tão citada na literatura de psicologia) é um comportamento operante

282 Kiichd Rodritfucs Kcrbauy


que ocorre pela semelhança entre a situação (terapeuta e relação terapêutica) e outras
que o cliente experienciou.
Falta considerar o que temos de pesquisa para fundamentar a FAP. Muito pouco.
Existe ainda o fato de que Kohlenberg (2002) preconiza a terapia cognitiva, pela utilidade
empírica, como bastante apropriada para alguns clientes com depressão. Propõe, no
entanto, modificações consistentes com o referencial de análise funcional para aumentar
a eficácia das intervenções cognitivas e salientar a modificação do comportamento operante
do cliente em situação real. Bom dizer, faltam pesquisas. Como fazê-las é o desafio, uma
vez que as pesquisas em clínica não são experimentais, mas "exercício de interpretação"
de casos clínicos como destaca Skinner (1957).
Concluindo, reafirmamos o mérito de Kohlenberg em mostrar como pensar em
terapia do ponto de vista de um behaviorista radical e a ênfase na relação terapeuta-
cliente.

Referências
Kolenberg, R. j., & Tsai, M. (1991/2001). P_slcQterapia Analítica Funcional. Criando RelaçOes
Terapêuticas Intensas, fi-Curativas (Trad, grupo coordenado por Rachel R. Kerbauy). Santo
André: ESETec Editores Associados.
Kohlenberg, R. J. (2002). FECT: a behavioral treatment for depression. 28° Annual Conven­
tion - Association for Behavior Analysis. ABA Program, 23-24.
Skinner, B. F. (1957/1972). Comportamento verbal (Trad. M. P. Villalobos). SSo Paulo: Cultrix.

Sobre C'omport.imenlo e Cotfniçáo 283


Capítulo 29
A presença da pesquisa em Farmacologia no
JE A B - 1957-2000
Renata h fía//o'
UNêSr/Haum
Amauri Qouveia'
UNESP/Hauru

Grand» parta do* trabalhos identificado» com as neurociéocla» e que preocupam-se com aspectos comporlamer>tal$
concentram-se noa estudos entre as relações entre variáveis farmacológica# e fisiológicas relativas a aquisição, manutençflo
e modificação do comportamento O presente trabalho se propõe a investigar a freqüência e a qualidade dos trabalhos
apresentados no Journal of Experimental Analyau of Behaylor (JEAB). (ia «ua formação aWi o ano de 2000. A escolha do
JEAB se deu pelo fato deste ter sido o principal veiculo de divulgação dos estudos feitos por bahavlorlstas radicais. Os dados
indicaram: 1) uma produçAo percentualmente constante de material sobre farmacologia e esporádica sobre aspectos
fisiológicos do comportamento; 2) a produção percentual sobre fisiologia mantém-se numericamente constante, mHS diminui
sua Importância porcentual entre o fim da década de 00 e o Inicio dos 90; 3) a produção sobre farmacologia cresce a partir
do fim dos anos 70; 4) As drogas mais utilizadas sfio as anfetaminas e a cocaína, que respondem por cerca de 30% de todaH
as drogas utilizadas, seguidas dos barbitúricos (carca de 15 %) e dos opiôldes (cerca de 7%). Os dados obtidos indicam que
as drogas mais utilizadas s*o aquelas que alteram a função motora, levantando a hipótese de que parte dos resultados
obtidos nos artigos consultados se deva nâo a alteração dos mecanismos de aprendizagem, mas a alterações motoras
concorrentes com a resposta utilizada.

Palavras-chave. farmacologia fisiologia, históna da psicologia

The first aim of the jobs In behavioral naurosciences is the relationship between pharmacological and physiological variables
In the behavioral modulation and modification. The aim of this job is the Investigation of the frequency and quality of papers
in the Journal of Experimental Analysis of Behavior (JEAB) around its history, into 2000. The JEAB was chousing because
is the principal divulgator of studies of radical behaviorists. Ours data indicted; 1) a perceptually constancy in works In
pharmacology and a rare production in behavioral physiology; 2) The behavioral physiology production maintained constant
In numbers but dimlnuend its percentage between the end of 60's and the starling of 90’»; 3) The pharmacological production
grow up in the end of 70's, 4) The most utilized drugs was amphetamines and cocaine, (+30% of the total), barbiturates (>15
% of total) and opioids ( +7% of total). The data indicted with the more utilized drugs altering the motor function and was and
a possible alteration of this function and no of the behavior is measured in the articles.

Kay words, pharmacology; physiology; history of psychology

Tradicionalmente, as inovações tecnológicas tôm sido o grande mote do


desenvolvimento das ciências. Basta pensar na invenção do microscópio ou da luneta
astronômica e ver como as ciências a ela relacionadas se estruturaram e desenvolveram.
As Neurociências não diferem neste particular.

'GradoaçAo am psicologia - hC/UNCSP/Bauru


’ l «toratórto da patootogw • patoopatotogla «xparimaniaf - Dapartamarto dt pnootogla - UNESP/ Campu» Bauru
aoradadmanlo* a ari Famando Maia a Lourcnço Barba, pato auxilio no portuguéa a aatlo

284 Rcndtd f. Bd/zo c A m auri Qouveld )r


A difusão do largo uso da eletroencefalografia, da pneumografia e angiografia no
pós-guerra levaram à emergência, na década de 60, de uma nova visão de cérebro, que
culminou em visões como a de Luria (1966), que propunham uma substituição da visão
equipotencial do cérebro (isto é, que o que importa é a quantidade de matéria que se tem
e o cérebro seria similar a um fígado, gerando funções) e da visão localizacionista (aquela
em que o cérebro teria um sítio específico para cada função) por outra, em que sistemas
funcionais seriam responsáveis pelas diversas funções corticais e mais, que estes siste­
mas funcionais responderiam a um processo de plasticidade, ou seja, seriam modelados
pelos fatores ambientais e/ou históricos aos quais o sujeito estará submetido ao longo da
vida.
Em paralelo a isto, surgiu a biologia molecular, fruto da nova leitura da genética.
Segundo esta leitura, genes deixaram de ser unidades fixas que serviam para determinar
algum caractere e passaram a ser encarados como estruturas plásticas, que responderiam
a pressões ambientais e de outros genes, tornando o corpo um agrupamento plástico de
funções, em parte modeladas pelo ambiente.
Tal descoberta gerou uma onda de técnicas de estudo do DNA que enfraqueceram
as fronteiras entre as três disciplinas que vão formar o "núcleo duro" das neurociências: a
farmacologia, a anatomia e a fisiologia. Desta forma, a farmacologia passou a discutir
fatores fisiológicos e relativos à expressão gônica das células, enquanto a fisiologia falava
de modificações estruturais de suas funções e a anatomia tornou-se anatomia funcional.
Por outro lado, as ciências cognitivas, incluindo a inteligência artificial fraca e
forte, a neurociência cognitiva, a neuropsicologia, o conexionismo, entre outras, chegaram
à maturidade na mesma época.
Enquanto as matrizes tradicionais da psicologia, representadas por linhas como
o cognitivismo tradicional, o existencialismo, a psicanálise e o behaviorismo, tentavam
buscar o caminho de se tornarem ciências independentes, alguns poucos grupos nestes
movimentos faziam o caminho inverso, como mostra o famoso estudo de McCornnell
(1962), que culminou em uma linha de pesquisa que indicou a possibilidade, posteriormente
aceita, de que o DNA mediasse a transmissão de memória (Ungar, 1970).
O entrechoque e a colaboração entre estes grupos de fisiologia, anatomia,
farmacologia e ciências cognitivas geraram o que hoje é chamado de neurociências, com
uma distribuição esquemática conforme a figura 1.

Sobre Comportamento e CojjnlvJo 285


Estas áreas diversas articularam-se, gerando divisões no estudo das neurociências
(NeC). Um compêndio recente (Zigmond et al., 1999) assim divide as áreas: Desenvolvi­
mento do sistema nervoso; Molecular e celular; Sistemas sensoriais e motores; Sistemas
regulatórios; Ciência neural comportamental e cognitiva. Gazzaniga (2000) acrescenta a
estas as seguintes: plasticidade, atenção, linguagem, memória, funções corticais superi­
ores (imaginação, cálculo, percepção visual, representação dos objetos e processo exe­
cutivos), emoções, evolução e consciência. É curioso notar que nenhuma das classifica­
ções citadas destaca as ciências da informação, que têm tido mais impacto filosófico que
prático nas NeC,
As neurociências têm sido constantemente questionadas por autores ligados ao
behaviorismo, desde Skinner (Por exemplo, 1994,1985), especialmente no "Origens do
pensamento cognitivo" (1989), no qual fala que as ciências do cérebro são reedição do
mentalismo do século 19, com discussões mais recentes no exterior (Strumwasser, 1994)
e no Brasil (Tourinho, Teixeira e Maciel, 2000). Normalmente, as criticas feitas às NeC
pelos behavioristas nestes artigos podem ser resumidas em dois grandes argumentos:
Não precisamos das NeC para fazer uma ciência do comportamento, ou, ainda, as Nec
não são uma ciência do comportamento. Este último argumento não é de todo falso, pois
grande parte da produção atual em NeC refere-se a aspectos bioquímicos, fisiológicos ou
anatômicos.
No entanto, para criticar as NeC, ó necessário considerar qual a produção apre­
sentada pela comunidade de behavioristas radicais. Para tanto, decidimos investigara
produção relativa ás áreas de contacto entre comportamento e as neurociências, mais
especificamente aquela que relaciona efeitos de drogas e aspectos fisiológicos ao
comportamento no Journal of experimental aoalysis of behavior (JEAB).
Este jornal foi escolhido por algumas razões: 1) O JEAB é o principal periódico da
Análise Experimental do Comportamento, e 2) Destina-se à publicação de experimentos
relevantes para o estudo do comportamento, incluindo aqueles relativos a fisiologia e
farmacologia comportamental.
A importância histórica do JEAB ó imensa para a comunidade behaviorista. Cria­
do no inicio dos anos 50, o JEAB veio atender uma população de psicólogos interessados
em estudar o condicionamento operante e que não contavam com um jornal especializado
sobre o assunto e encontravam problemas na publicação de seus trabalhos experimentais
em outros jornais. Uma proposta de Charles B. Ferster ("Proposta para o estabelecimento
de um novo jornal", 1957) leva à criação, durante o encontro da EPA (Eastern Psychological
Association), de um jornal voltado para pesquisa do comportamento operante. É criada,
então, a SEAB (Society for the Experimental Analysis of Behavior) para organizar a
publicação do jornal. Um outro documento intitulado “Um plano para estabelecimento de
um novo jornal" é publicado com os procedimentos editoriais do jornal e, em 1958, o JEAB
começa a ser publicado (JEAB. 2001).
Diante da proposta skinneriana de investigação do comportamento e suas criti­
cas à realização de pesquisas fisiológicas pela psicologia, tornou-se necessário investi­
gar a presença das pesquisas de fisiologia e farmacologia associadas ao comportamento
na produção cientifica realizada pela Análise Experimental do Comportamento, tendo como
referência o JJEAB. Tornou-se necessário também verificar a freqüência com que são rea­

286 f. Bü/ / o c A m auri Qouvcla Ir


lizadas tais pesquisas, quais drogas estáo envolvidas e como estes resultados interferem
nas principais críticas feitas.

Mótodo
Foi realizado levantamento bibliográfico tendo como fonte o JEAB. Foram mapeadas
todas as pesquisas ligadas à farmacologia e fisiologia publicadas no JEAB de 1958 a
2000.
Foram selecionadas as pesquisas de interesse. Em seguida, estas foram
classificadas por tipos, ou seja, pesquisas de fisiologia ou farmacologia e foram organizadas
cronologicamente.

Resultados
Entre os anos de 1958 e 2000, foram encontrados 50 artigos de fisiologia e 199
artigos de farmacologia no JEAB. sendo inconstante a porcentagem de artigos ao longo
dos anos, principalmente na área de fisiologia.
A maior porcentagem de artigos de Fisiologia encontra-se nos anos 1960 (três
artigos, 5,56%), 1967 (cinco artigos, seis, 41%) e 1994 (oito artigos, 11, 59%). Ao longo
dos anos, as publicações de artigos não ultrapassam a porcentagem média de 2%, exceto
em 1958 (três, 33%), 1968 (3,81%), 1977 (dois, 53%) e 1991 (dois, 86%). Existe um
período, que se estende do ano 1969 ao ano 1993, em que apenas 15 artigos foram
publicados. Nos anos 1974, 1976, 1978, 1979, 1981-1986, nenhum artigo da área foi
publicado nesse jornal. A década de 1960 ó a que apresenta maior número de publicações
de artigos de fisiologia, num total de 23 artigos. Durante a década de 90, foram publicados
13 artigos; na década de 70 foram publicados oito artigos e nas décadas de 50 e 80 foram
publicados três artigos. Após 1994, ano em que ocorreu uma ampliação da porcentagem
de publicações na área (número temático), existe outro período (1995-2000) em que as
publicações estão ausentes, exceto por um artigo em 1998 e outro em 2000.

curva «cumulada • valora* brutos

ano

Sobnr Comporldmcnlo e C'oRniç<lo 287


Em média, a porcentagem de artigos de farmacologia é maior que a de fisiologia
ao longo dos anos. No que se refere aos artigos de Farmacologia, as maiores porcenta­
gens de publicação encontram-se nos anos 1959 (oito artigos, 11,59%), 1991 (20 artigos,
28,57%) e 1994 (10 artigos, 14,49%). A taxa de publicações ao longo do período estudado
permanece relativamente constante, havendo apenas um período, que se estende de 1964
a 1968, no qual somente oito artigos foram publicados. O maior número de publicações de
artigos de Farmacologia concentra-se na década de 90, na qual ó possível encontrar 69
artigos. Durante a década de 80, foram publicados 48 artigos; na década de 70 foram
publicados 38 artigos; na década de 60 e 50, foram publicados, respectivamente, 31 e 12
artigos e, na década de 80, foram publicados três artigos.
Analisando as publicações de Farmacologia, constata-se que o tipo de fármaco
mais utilizado nas pesquisas do JEAB foram os Psicoestimulantes, que estão presentes
em 125 artigos. Dentro desta categoria, o psicoestimulantes que mais aparece é a
anfetamina, utilizada em 68 pesquisas. O segundo tipo de fármaco mais utilizado são os
Ansiolíticos não BZD, presentes em 86 pesquisas, sendo o pentobarbital o mais utilizado,
aparecendo em 38 pesquisas.
Os Antipsicóticos e os Anestésicos aparecem em 32 pesquisas, seguidos pelos
Benzodiazepínicos que aparecem em 27 pesquisas. Os Antidepressivos triciclícos
foramutilizados somente em 10 pesquisas.
Todas as drogas apresentaram longos períodos de baixa utilização (silêncios).

acum ulada* • catcg o ria * farm acológica*

• - outro« - antidopressivos — - alucmôgnnoa - ■—


• • ansioliticoa n-B2D ........ antipaicotlco* - . o- • ben/odla/epintcoa — • —

140

ano

288 Rcn.ilü f. Bci/ro c A n w u il C/ouvcid Ir


Os psicoestimulantes apresentaram uma taxa quase constante ao longo de todo o perío­
do estudado, com um pequeno silêncio entre os anos de 70 a 73. Já os antidepressivos
apresentaram um pico em 59, seguido de um longo silêncio entre 62 e 82, com uma
explosiva taxa de publicações após estes anos. Os benzodiazepínicos têm uma produção
de artigos entre 66 e 74, seguido de um silêncio ató 82, com retomada de estudos a partir
desta data. Os anestésicos só têm presença a partir de 92, e os demais grupos aparecem
em taxas constantes ao longo do período. A área inteira de pesquisa envolvendo fisiologia
apresenta um longo silêncio em quase toda a década de 70 e parte da de 80.

grupamento Drogas Total Porcentagem Comentário


bruto relativa

Anestésicos Alfetanll; Apomorfina; CKK8.


2 0.65 Pesquisas desde 1992
codeína; Codeína;
décamétonium, Feciclldina,
Kntamina; Metaqualone,
Metoexital; Nalbufina, Nalorfin;
Naloxona; Opio, Pentazocina.
Procaine;

Ansioliticos nâo Amobarbital; ; Buspirona, Etanol;


16 5.22 Pequena e constante
BZD Heroina, Morfina. Pentobarbital, desde 1976
Fenobarbttal; PFenergan;
Meprobato, Secobarbital,
Gflspirona, Meínnesina,
Metlprilona, Nattrexona;

psicoes timulantes Anfatamina (Format d, dl, 1, o


122 39.87 Pequeno silêncio de 70-
meta), cafeína; COS 8216, 73, mas com taxa
Cocaína; hidromorfona; L- praticamente constante
cationa, metilfemdato; Nicotina,
ao longo dos anos

benzodiazepínicos Aprazolam; Clordiazepoxldo,


27 8.86
Produçôo de 1966 a 74,
Om/epam, Oxwepam, Triaxotero retomada a partir de
1982

antlpslcoticos Clorpromazlna, Maloperidol,


28 9.15 Taxa pequena, mas
metilfenildllacetato; constante ao longo dos
Proclorperazlna; Promazina, anos
Reserpina,

Antidepressivos Deslpramina; Imipramina;


76 24.84 Um pico em 59, um
triciclicos Scopolarruna; longo período quase
sem trabalho de 62-82
e explosão a partir
desta data

Outros Atropina; Bemegrlde; CGS


35 11.43 Súbito aumento a partir
21680; feniletilamina; de 1982
Ipromoazlda; JB 329; JB 340;
Lithium, LSD; Marijuana;
Mescaline. NECA, Nialamida,
Primozida;

Total de 306
ocorrências

Sobre Comportamrnto c Cognição 289


Discussão
A presença do estudo de fisiologia no JEAB é desprezível. Assim, parte do inter­
câmbio com outros grupos das chamadas neurociôncias ficou prejudicada. Embora cons­
tante, a presença da fisiologia representa uma parcela pequena do total de artigos. O largo
uso de drogas que alteram a função motora (anestésicos, antipsicóticos, psicoestimulantes
e tranqüilizantes, além dos benzodiazepínicos) pode pôr sob suspeição parte destes re­
sultados. A variação dos tipos de fármacos ao longo do tempo provavelmente reflete inte­
resses outros, como as ondas da política americana com relação ao financiamento da
pesquisa, que explicariam, por exemplo, as variações sobre estudos com antidepressivos.
Tal fato (o financiamento) poderia também explicar parte das reações iradas de determina­
dos grupos do behaviorismo, por vezes lideradas pelo próprio Skinner com relação as
NeC: estava em jogo a sobrevivência financeira dos programas de pesquisa. Alimentara
polêmica das relações do behaviorismo com as demais neurociôncias é possivelmente
importar uma briga que não é relevante no Brasil. A integração do behaviorismo dentro das
demais Neurociôncias pode dar a estas métodos e rigores de análise do comportamento,
que nem sempre estão presentes, além de contribuir para o entendimento pleno do com­
portamento, em suas bases fisiológicas, farmacológicas, bioquímicas e suas rela­
ções com o ambiente. Assim, em vez de dizer que um organismo mudou quando apren­
deu, poderemos dizer o quê, aonde, de que forma isto aconteceu. É uma dicotomia (que,
embora não autorizada pela teoria, existe) entre comportamento e organismo poderia ser
superada.

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Anexos - artigos consultados no JEAB por categoria (Farmacologia ou Fisiologia) em ordem


cronológica de publicação.

290 R cnal.i I. B.1//0 c Am .iuri C/ouvcm Ir


Farmacologia

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304 Rerwtd h H«u/o c A m auri C/ouvcw Ir


Capítulo 29
Esquizofrenia: a A n álise do
Comportamento tem o que dizer?

Ricardo Corrêa M artone'


Penis Roberto Zamignanit

Ente capitulo tem como objetivo apresentar um breve histórico das explicações analltlco-comportamentais sobre a esquizofrenia
e comportamentos classificados como psicóticos e analisar as propoBtas do tratamento decorrentes dessas explicações.
Artigos recentes que apresentam análises tendo como referencial os operantes verbais skinnerianos sAo discutidos e. a partli
dolos, novas possibilidades de interpretação e de maneio dos padrões comporlamenUils relacionados ao diagnõstlco de
esquizofrenia são sugeridas

Palavras Chava: Comportamento psicótico; esquizofrenia, terapia analltico-comportamental, anAliso do comportamento.

This chapter aims to present a brief historie of the behavior analysts' explanations about schizophrenia and bohaviors
classified as psychotic Also It alms to discuss the treatments decurrent of them Recent papers that present analysis based
on Skinner's verbal operants are discussed. From this point, new possibilities of Interpretation and management of the
behavioral patterns related to the schizophrenia diagnosis are suggested

Key words psychotic Behavior; schizophrenia, analytical-behavioral therapy, analysis of the behavior

Os padrões comportamentais denominados psicóticos, em especial aqueles


associados ao diagnóstico de esquizofrenia, são fonte de intenso sofrimento para o indivíduo
que o apresenta e para a familia que com ele convive. O ônus de tal problema para a
sociedade, tanto no que se refere ao tratamento, quanto à indisponibilidade do paciente
para a vida produtiva, é bastante elevado. Segundo Mari (1989), a incidência de pessoas
com o diagnóstico de esquizofrenia no Brasil está entre 1 e 7 novos casos a cada 10.000
habitantes por ano, semelhantemente à encontrada em outros palses.
Embora o problema venha sendo estudado há muito tempo por diferentes
abordagens teóricas na psicologia, ele continua sendo fonte de especulação, mais que de
achados significativos, seja no que se refere a seus determinantes, seja a procedimentos
de tratamento. A análise do comportamento, embora tenha se destacado por apresentar
modelos e achados experimentais consistentes sobre comportamentos psicóticos,
principalmente até o final da década de 70 (Kazdin, 1978), parece ter priorizado a partir de

' Paicólogo clinico


-An«l»l«doComport*m*nto MMtrmxto P»i00l0Qm Fxp*rim*nim Anál** do Comport«m«nlo P»l» PUC SP Email: rtc*rdonu»rtone©holmflilcom
1Ptloólogo clinico
- Annlltt* do Comport*m#nto t mail d/*migQi*rr« com br

Sobrr C omportamento e Co#mç<lo 305


então outras áreas de investigação, abandonando paulatinamente este tipo de problema
(Álvarez, 1996).
Para o analista do comportamento, algumas perguntas que seriam importantes
para o entendimento da esquizofrenia permanecem sem resposta ou com respostas
parciais: sob controle de que variáveis ocorrem esses padrões comportamentais? Quando
estes padrões merecem “tratamento"? Existem “tratamentos’' eficientes? E nós, analistas
do comportamento, temos o que dizer/fazer?

Como se caracteriza a esquizofrenia?


De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1994)3, a esquizofrenia
é classificada como um transtorno psicótico e apresenta como aspecto definidor a presença
de sintomas psicóticos. O termo psicótico tem sido definido de diversas maneiras, embora
nenhuma delas tenha conquistado ampla aceitação. No DSM-IV (APA, 1994), o termo
'psicótico' refere-se a delírios, alucinações, discurso desorganizado e comportamento
desorganizado ou catatônico. Nos pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, encontra-
se um misto de manifestações classificadas em duas grandes categorias - positivas e
negativas - que estiveram presentes durante um mês e com alguns dos sinais persistindo
por pelo menos seis meses. Os sintomas estão necessariamente associados a um grande
comprometimento social ou ocupacional.
Os sintomas positivos (APA, 1994) caracterizam-se por distorções ou exageros
do pensamento inferencial (delírios), da percepção (alucinações), da linguagem e
comunicação (discurso desorganizado), e do monitoramento comportamental
(comportamento amplamente desorganizado ou catatônico).
Por sua vez, os sintomas negativos (APA, 1994) compreendem restrições quanto
à amplitude e intensidade da expressão emocional (embotamento afetivo), na fluência e
produtividade do pensamento (alogia), e na iniciação de comportamentos dirigidos a um
objetivo (avolição).
Conforme o DSM IV (APA, 1994), o diagnóstico de esquizofrenia ó organizado em
cinco subtipos, de acordo com as características do quadro apresentado à ópoca da
avaliação. São eles: (1) paranóide - com prevalência de delírios ou alucinações auditivas
e relativa preservação do funcionamento cognitivo e do afeto; (2) desorganizado - com
prevalência de djscurso e comportamento desorganizados e afeto embotado ou inadequado;
essa desorganização pode implicar em uma grande dificuldade na execução de tarefas
(preparar refeições, tomar banho, vestir-se, etc.); (3) catatônico - com maior evidência de
perturbações psicomotoras, tais como atividade motora excessiva ou imobilidade,
mutismo, ecolalia ou ecopraxia.; (4) indiferenciado - não preenche os critérios para nenhum
outro subtipo; (5) residual - apresenta resíduos de um episódio esquizofrênico anterior,
com presença de sintomas negativos ou sintomas positivos em menor grau.
De acordo com estudos epidemiológicos, o início do transtorno é mais precoce
nos homens do que nas mulheres, e nestas o curso do transtorno ó mais brando, levando
a um melhor prognóstico e maior possibilidade de adaptação (Mari, 1989).

1Fxi»l*m inúmero« critério« diagnú«tiooa pura * Mqulzofranl«. raflatindo «Mim. difaranta* conoapçO#« acarca do trarwtomo Nmla trabalho optamoa pai«
de«aiçAo da Mquliofranui d« ncordo com 0« crHéflo« diagnártico« Mlab*l«cido« no DSM IV, Já qua alilaralura vem demonstrando uma lendAncln maior
para a utilUaçio d*Ma manual em trabalho« dlnlco« (Shrakawa, 1W2)

306 Ricurdo Corrcd M drtonc c Pcn is Robrrto 7<imitindm


Explicações da Esquizofrenia baseadas na análise do comportamento.
As descrições apresentadas nos manuais de psiquiatria sobre os problemas
comportamentais forneçam subsídios úteis e relevantes para o inicio de uma avaliação,
além de permitirem a padronização e a troca de informações entre profissionais, e guiarem
a pesquisa. A predição de alguns padrões comportamentais também é possível a partir das
descrições apresentadas pelos manuais psiquiátricos, bem como o delineamento de algumas
estratégias iniciais de tratamento (Cavalcante e Tourinho, 1998). Entretanto, devemos ressaltar
os limites destas descrições, devido ao seu caráter estritamente topográfico e construído
sob critérios estatísticos de 'normalidade' (Banaco, 1999a). Além disso, as categorias
diagnósticas apresentadas nestes manuais apresentam os padrões comportamentais como
sintomas de mecanismos (biológicos ou psicodinâmicos) subjacentes, o que, do ponto de
vista da análise do comportamento, não é suficiente como explicação4.
Do ponto de vista da análise do comportamento, aquilo que é chamado de sintoma
pela literatura psiquiátrica é compreendido como comportamento, e como tal deve ser
analisado. Nesse sentido, qualquer padrão de comportamento deve ser considerado tendo
em vista a interação de três níveis de seleção do comportamento: o nivel filoqenético - que
se refere a características herdadas no processo evolutivo da espécie e a características
genéticas individuais; o nível ontoqenético - que diz respeito ao repertório de
comportamentos adquirido pelo indivíduo ao longo de sua história de aprendizagem; e o
nível cultural - que envolve as práticas culturais de determinado grupo social e sua relação
com o comportamento de cada integrante deste grupo. Assim, o que vai determinar se um
dado padrão de comportamento será considerado patológico ou não é a interação do
indivíduo com variáveis ambientais disponíveis num determinado grupo social, numa
determinada cultura, num determinado tempo.
Pessoas diagnosticadas com esquizofrenia diferem enormemente entre si em
seus problemas comportamentais e capacidades adaptativas (mesmo entre pacientes
que são diagnosticados com o mesmo subtipo do transtorno), sendo o diagnóstico apenas
um aspecto a ser considerado no planejamento do tratamento. Devemos levar em
consideração as condições ambientais (condições de privação - social ou material,
estimulação aversiva, reforçamento, etc.) que podem participar, em conjunto com variáveis
biológicas e culturais, da instalação, manutenção, e mesmo do agravamento dos
comportamentos psicóticos.
Diversos autores, partindo desses pressupostos, tentaram desenvolver uma análise
do comportamento esquizofrênico. Segundo Skinner (1959/1961), o comportamento
psicótico é somente uma parcela do comportamento do indivíduo diagnosticado como
esquizofrênico, que é regida pelos mesmos princípios que governam qualquer outro tipo
de comportamento. Não se pode dizer simplesmente que o comportamento problemático
seja anormal ou não adaptativo, mas sim investigaras circunstâncias que o mantêm. De
acordo com esse autor, quando se deseja explicar o comportamento dentro dos parâmetros
de uma ciência natural, o ambiente deve desempenhar, necessariamente, um papel
primordial (enquanto ambiente selecionador de padrões comportamentais em cada nível
de seleção). Sendo assim, para se entender a doença mental, deve-se descrever o
comportamento individual como um todo e ser capaz de explicá-lo em termos de condições

4Sdbamoa qua. no datanvofv imanto d« c m m d* aaquttofranla. a datarmlnaçío Motógnu daaampanhn um papal Importanla Noaaa experiência oom «ujertos
qua GomportomanK» pwoàUuot t«m («vatatJo • importância do iratamanto (annaoOtògtoo adequado para qua o t prooedtmenU» larapftuUoot
poeaam apraaant* algum auoaaao Eaaa lato. lodavia, nâo anuta a naoaaatdada da uma anAUao cuidadoaa daa oonUngêodaa nmttaotatt raaponeéve» paln
manutenção a por parta da inatalaçAo do problema

Sobre Comporlcimcnlo c t'o#niç<1o 307


e fatores ambientais (operações de reforçamento, extinção, punição, discriminação e
generalização; controle de estímulos, etc.).
Para Lundin (1961/1974), as principais expressões comportamentais ligadas à
esquizofrenia seriam o retraimento excessivo (fuga/esquiva), e marcadas desorganizações
do comportamento (incluindo alucinações e ilusões). Ele evidenciou o caráter cultural
destas manifestações comportamentais, afirmando que o comportamento fabulatório dos
psicóticos reflete os acontecimentos da época, salientando as influências dos estímulos
discriminativos do ambiente... "Atualmente, os psicóticos fabulatórios acreditam estar
sendo afetados por poeira atômica, ondas de televisão ou raios-X"( pág. 590), eventos em
destaque no contexto cultural dos Estados-Unidos no momento em que o livro foi escrito.
Ao defender os pressupostos da teoria da aprendizagem, em oposição ao modelo
médico5, Ullmann & Krasner (1965) apontaram que o comportamento não é patológico em
si, mas é considerado inapropriado por pessoas-chave na vida do sujeito (colegas, família,
empregadores, vizinhos), que controlariam a maioria dos reforçadores a ele dispensados.
O indivíduo cujo comportamento foge aos padrões do grupo com o qual convive está sujeito
à retirada de reforçadores importantes ou à apresentação de estímulos aversivos, e ó este
mesmo grupo social que será responsável pela classificação do seu comportamento como
normal ou anormal. Partindo destes princípios, os autores defendiam a adoção de programas
de modificação do comportamento, que seguiam basicamente os seguintes passos:
"... o trabalho do terapeuta comportamental deve necessariamente responder a
três questões: (a) qual comportamento è mal-adaptado, ou seja, quais comporta­
mentos do sujeito deveriam ter sua freqüência aumentada ou diminuída; (b)
quais contingências ambientais atuais mantêm o comportamento do sujeito (ou
mantêm seu comportamento indesejável ou reduzem a probabilidade do de­
sempenho de uma resposta mais adaptativa); (c) quais mudanças ambientais,
usualmente estímulos reforçadores, devem ser manipulados para alterar o com­
portamento do sujeito" (Ullmann & Krasner, 1965, págs, 1-2).
Podemos observar o caráter incipiente das propostas behavioristas desta época.
Embora os modificadores de comportamento defendessem uma análise de contingências,
esta análise era restrita a respostas isoladas, que eram então caracterizadas como
adaptativas ou não adaptativas - algo muito semelhante a 'normal' ou 'anormal'. Decorria
disso um modelo de intervenção ainda bastante restrito, visando apenas mudar ou eliminar
estas respostas não-adaptativas. A disseminação deste modelo de aplicação nos anos
60 e 70, nas mais diversas áreas, acabou por desencadear uma série de críticas à análise
do comportamento, que passou a ser vista pela cultura como uma abordagem simplista,
incapaz de explicar o comportamento de uma forma ampla.

As primeiras extensões da Análise do Comportamento ao comportamento humano.


A extensão dos princípios operantes ao comportamento humano, ocorrida durante os
anos 50, afirmou a abordagem comportamental como uma alternativa e uma reação ao modelo
médico e ao modelo intrapsíquíco (Ullmann & Krasner 1965; Kazdin, 1978). Sustentados

' Segundo Skmner (1953/1094), as explicações tradicionais do comportamento humano, de bete médica ou intrapslquica, teriam se pautado em ficçôe*
explicativa*
*0 próprio comportamento nâo tem «do aoeUo por si só como otyeto de eetudo. mas apenas conx> uma mdtceçèo de que hé alguma coita errada em algum
outro lugar Dií-se que a tarefa da terapia é remediar uma doença interna da qual ae manrfestaçóes oomportamenta» U o meroe tinloma» < ) {o quej tem
encorajado o petcotarapeuta a evHar a eepecfflceçto do comportamento a aer oorrioWo ou a demonatreçAo do porquê i desvantajoso ou perigoso * (pAgs
352 153, grifos do autor)

308 Ricdrdo Corrêd M.ir1onr c P fn i* Roberto Zdmlgn<tni


pelos princípios da teoria da aprendizagem e enfatizando o comportamento como objeto de
estudo, os trabalhos a partir deste período permitiram um debate em tomo da determinação do
comportamento psicótico, apontando suas possíveis variáveis ambientais mantenedoras.
O estudo realizado por Skinner, Solomon e Lindsley nos anos 50, com pacientes
psicóticos, marcou o início da extensão dos princípios operantes, observados inicialmente
em animais, para os sujeitos humanos (Kazdin, 1978). Essas pesquisas ainda não tinham
sido planejadas para tratar desses pacientes, demonstrando apenas um caráter
metodológico; seu objetivo era verificar em que medida os conceitos e o método experimental
poderiam ser aplicados ao comportamento humano.
Skinner (1959/1961) descreveu um experimento realizado por ele, H. Solomon, e
O.R. Lindsley, em 1954, por meio do qual os autores pretendiam demonstrar que, mesmo com
a suposta ‘‘não-consciência” do comportamento do psicótico, ele seria sensível às operações
de reforçamento. Nesse trabalho, indivíduos que apresentavam comportamentos psicóticos
eram colocados em uma sala, com um aparato que dispensava balas, cigarros, comida, fotos,
contingentemente à resposta de puxar uma alavanca. A resposta do paciente de operar o
dispositivo era reforçada em vários esquemas em relação a estes estímulos. O comportamento
era registrado numa curva de frequência acumulada. Skinner afirmou que, embora no experimento
a história de vida do paciente não tenha sido investigada, pôde-se observar que suas respostas
mudavam em função das condições de reforçamento e motivação.
Lundin (1961/1974) apontou algumas características das respostas dos pacientes
psicóticos colocados sob controle experimental neste estudo. Entre elas: 1) o registro
das respostas mostrava irregularidade em esquemas de reforçamento intermitente (que
tipicamente produzem freqüência de responder regular, com uma pausa típica em seguida
ao reforçamento) - os indivíduos apresentavam longas pausas entre as respostas operantes,
durante as quais era maior a freqüência de comportamentos psicóticos”; 2) os pacientes
apresentavam freqüência baixa ou irregular no responder, sugerindo diminuição ou ausência
de função reforçadora dos estímulos utilizados para este fim7; 3) havia grande resistência
á extinção, quando o reforçadorera retirado. Muitos pacientes continuavam a responder,
às vezes, por dias seguidos, após a retirada do reforçador.
Desde este primeiro experimento, o que surge como diferencial no comportamento
do paciente caracterizado como psicótico é uma alteração importante no padrão do
responder com relação ao responder típico de humanos. As explicações sobre as variáveis
(ambientais e orgânicas) responsáveis por esta diferença, entretanto, permanecem até os
dias de hoje pouco conclusivas.
A partir das pesquisas de Skinner, Solomon e Lindsley, uma série de trabalhos
começou a ser desenvolvida descrevendo a utilização de técnicas operantes que visavam
à modificação de comportamentos específicos de pacientes psicóticos.
No final dos anos 50 e início dos anos 60, as pesquisas sobre condicionamento
verbal foram alcançando maior relevância. Nesta linha de pesquisa, foram realizados estudos
nos quais as verbalizações bizarras de pacientes psiquiátricos eram conseqüenciadas de
apontar qu»m u Irrwgularidad*ara intarpwüKHi como uma medida do gnu do dmtúrho, Mo», oomo » quanfJdadada dMoryanlzaçAoou d#larior»ç*o
do cofnportamanio (Lundin. 1001/1074. p SM) Sando «Mim, fica avktonta qua, ambora o* auloraa aftrmaaaam qua o objetivo do axparlmanto aarla
damonatrar a aplicabiMdada doa prlncfptoa oparantaa ao comportamanto palcódco, quando m m comportamanto n*o oorraapondia a aata objallvo - apra-
•entando padrôaa n*o compallvata com oa dadoa da outroa axpartmantoa - ata era rBlwaonado t gravidada da doança, uma axpkcaçAo qua implica, am certa
madlda, numa parapactlva aalrulurahata
' f-oram utiluadoa dooaa, fotograflaa da mulbaraa a homana nua. moadaa a acaaao à poawtxMada d« alimantar um gato oom leita (aata último oona»idarado
um raforçador aocial) Novamanta, a Irragularidada no raapondar kx atribuída i gravidada do quadro

Sobre Comportamento e Cogniçdo 309


diferentes formas, de modo a levar à extinção deste tipo de verbalização e aumento de
freqüência de verbalizações socialmente aceitas (Kazdin, 1978). Estes estudos
demonstraram que alterações nas falas psicóticas eram conseguidas por meio de técnicas
derivadas do condicionamento operante (por exemplo, Ayllon & Haughton, 1964; Ullmann,
Krasner& Edinger, 1964).
Nos anos 60 e 70, destacaram-se também os procedimentos que utilizavam punição
ou time-out (Kazdin, 1978) na tentativa de suprimir comportamentos bizarros ou
verbalizações delirantes (por exemplo, Haynes e Geddy, 1973; Bucher e King, 1977).
Em 1968, Ayllon e Azrin publicaram um livro intitulado: The Token Economv: A
Motivational System for Therapy and Rehabilitation. no qual descreveram um sistema
motivacional que visava a um tratamento em larga escala, utilizando um programa operante
de reforçamento em settings de tratamento. As fichas eram utilizadas como reforçadores
generalizados condicionados. Os pacientes hospitalizados as ganhavam quando se engajavam
em atividades dentro do hospital - como, por exemplo, o autocuidado, interações sociais
mais adequadas e engajamento em trabalhos manuais - e poderiam trocá-las por uma gama
imensa de eventos reforçadores. Kazdin (1978) caracterizou o trabalho de Ayllon e Azrin
como um marco no desenvolvimento da análise aplicada do comportamento, estendendo-se
a outras populações como crianças em idade escolar, presidiários e pessoas ‘mentalmente’
comprometidas. O autor ainda afirmou que a economia de fichas era empregada na maioria
das aplicações que lidavam com pacientes psiquiátricos institucionalizados. A economia de
fichas parece ter sido a grande contribuição da análise do comportamento á abordagem dos
chamados transtornos psiquiátricos, principalmente durante os anos 60 e 70 (ver Fig. 1).
Uma importante característica de todas as aplicações desse período era o setting
utilizado. As técnicas operantes eram aplicadas dentro de enfermarias de hospitais
psiquiátricos, possibilitando ao aplicador o controle das variáveis ambientais em operação
(Ayllon & Michael, 1959).
Na mesma medida em que crescia a difusão dos tratamentos comportamentais
de psicóticos até a década de 70, foram crescendo as criticas - dentro e fora da abordagem
comportamental - aos procedimentos utilizados. As críticas mais contundentes recaíam
sobre os procedimentos aversivos utilizados, a limitação do alcance das técnicas - todas
elas visavam á alteração de respostas discretas -, limitações do setting no qual elas eram
aplicadas - contingências artificialmente construídas em ambientes institucionais - o que
dificultaria a generalização para além da instituição (Guedes, 1993; Holland ,1978).
Holland (1978) desenvolveu algumas críticas referentes à prática de arranjar
contingências artificiais como forma de modificar comportamentos específicos de pessoas
institucionalizadas. A principal delas referiu-se ao uso indiscriminado de técnicas de
modificação do comportamento sobre uma resposta específica, não (evando em
consideração as contingências naturais dos comportamentos dos sujeitos.
Álvarez (1996) enumerou algumas razões para o declínio da economia de fichas,
questionando-se sobre a possibilidade de ter havido uma supervalorizaçào de sua efetividade.
Haveria, segundo o autor, uma discrepância entre os reforçadores artificiais dispensados
aos pacientes psiquiátricos e as contingências naturais de seus comportamentos, sendo
a ocorrência da generalização fruto de um mero acaso.
Esse argumento também foi utilizado por Schock, Clay & Cipani (1998) ao
enfatizarem que contingências de reforçamento dispensadas arbitrariamente não levariam

310 KlCtinio Corréd M drtonc t P rn i* Roberto Zdmign<ini


a resultados desejáveis. Estes autores defenderam uma análise funcional do comportamento
individual na tentativa de identificar variáveis mantenedoras dos comportamentos problema,
e entâo, a prescrição de um tratamento efetivo.
As criticas enfrentadas pelos procedimentos utilizados levaram, a partir dos anos
80, a uma diminuição acentuada no seu uso e a uma retirada de programas comportamentais
de instituições psiquiátricas públicas e privadas (Álvarez, 1996; Wong, 1996). No que se
refere ao tratamento de pacientes psicóticos, as criticas não geraram a busca por métodos
mais eficientes; pelo contrário, a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias para lidar
com este tipo de transtorno foram sendo, paulatinamente, abandonados por analistas do
comportamento (Álvarez, 1996).
Um levantando parcial da literatura behaviorista radical sobre esquizofrenia, nos
periódicos Journal of Applied Behavior Analysis. Journal of the Experimental Analvsis of
Behavior e Behavior Research and Therapy demonstra a diminuição de publicações ocorrida
nos últimos 20 anos, como mostra a Figura 1.

Figura 1: Total de publicações sobre psicose/esquizofrenia

De acordo com a Figura 1, houve uma queda brusca no número de artigos


publicados nos periódicos analisados nas décadas de 80 e 90, se comparado ao número
de artigos publicados nas décadas precedentes.
Uma análise de artigos mais recentes sugere que, a despeito dos avanços no
estudo do comportamento verbal e do comportamento humano complexo, a maioria dos
procedimentos atuais propostos pouco difere daqueles aplicados pelos modificadores de
comportamento e pela análise do comportamento aplicada. Ou seja, não se caminhou no
sentido do desenvolvimento de estratégias de tratamento mais abrangentes, permanecendo
a ônfase sobre a mudança de respostas discretas e, talvez, não tão relevantes. Alguns
trabalhos ainda demonstram a preocupação com a redução de respostas isoladas, tais
como verbalizações estereotipadas (por exemplo, Wong, Terranova, Bowen, Zarate, Massel
& Liberman, 1987).
Álvarez (1996) chamou a atenção para o fato de que as soluções comportamentais
para os transtornos psiquiátricos estão muito mais voltadas para uma modificação de
certos comportamentos do que para uma terapia. Esse autor enfatizou que as modificações
conseguidas são, na maioria das vezes, em respostas discretas e não definidoras do
transtorno - em suas palavras, “um êxito mais local do que global"(pág. 45). Não haveria
também, segundo esse autor, modelos comportamentais específicos para estes transtornos
psiquiátricos que pudessem fornecer novas soluções, frente às concepções de outras

Sobre Comporfdtncnlo e Cofjniçüo 311


abordagens para os transtornos. Álvarez ressaltou ainda a incapacidade da análise do
comportamento em abordar o paciente externo (náo internado), permanecendo limitada ao
paciente interno (sobre o qual pode se exercer um controle considerável). Talvez seria esta
uma das razões para a redução da demanda por tratamento da esquizofrenia por analistas
do comportamento e, conseqüentemente, para o abandono das pesquisas sobre o tema.

O comportamento verbal: uma possibilidade de avanço no entendim ento do


problema
Em defesa de uma análise de contingências mais abrangente, alguns autores
buscaram compreender os padrões comportamentais característicos da esquizofrenia, tendo
como referência a análise do comportamento verbal proposta por Skinner (Burns, Heiby &
Tharp, 1983; Layng & Andronis, 1984). Todas as características apontadas pelos autores na
caracterização dos comportamentos psicóticos reforçam a posiçáo extemalista e funcionalista
para a compreensão desses padrões comportamentais.
Layng & Andronis (1984) apresentaram uma análise das possíveis contingências
envolvidas na instalação e manutenção de comportamentos alucinatórios e falas delirantes,
enfatizando a necessidade de compreendê-los a partir dos operantes verbais skinnerianos.
Para estes autores, o comportamento alucinatório é operante e sua freqüência ou taxa é uma
função de suas conseqüências - mudanças no comportamento verbal da comunidade do
indivíduo - razão pela qual seria mais adequado classificá-lo como comportamento verbal. 0
que faz com que tais comportamentos sejam classificados como "anormais" e “paradoxais"
não são seus atributos estruturais específicos, mas sim estas relações funcionais, da mesma
forma com que ocorre com outros comportamentos verbais. Esses autores apresentaram
algumas discussões sobre as contingências mantenedoras do comportamento psicótico que,
levadas a efeito, podem sugerir novos rumos no manejo deste tipo de problema.
O primeiro aspecto apontado diz respeito às conseqüências responsáveis pela
manutenção do comportamento delirante/alucinatório. Segundo os autores, as conseqüências
obtidas por meio desse padrão de responder são múltiplas e suas relações com o
comportamento-problema são altamente complexas e confusas, incluindo eventos reforçadores
positivos e negativos e estímulos aversivosfl. Além disso, os reforçadores que mantêm a resposta
podem ser atrasados, não estando disponíveis no momento em que a resposta é emitida.
Layng & Andronis (1984) afirmaram que, em alguns casos, pode ser ‘vantajoso’ para o indivíduo
que ele esteja submetido a contingências aversivas durante boa parte do tempo, de forma a
‘legitimar’ a sua condição de ‘doente’ e evitar assim a punição social; os reforçadores (positivos
ou negativos) obtidos nesse tipo de esquema de reforçamento seriam necessariamente ocultos
ao observador, de forma que a relação observada seria aparentemente ‘insensata’.
Os estímulos discriminativos sob controle dos quais estas respostas verbais seriam
emitidas podem também não ser diretamente acessíveis ao ouvinte. As contingências que
controlam verbalizações delirantes e comportamentos alucinatórios envolveriam configurações
de estímulos e condições de privação e estimulação aversiva, dificilmente acessíveis ao
observador, dando a este a noção de uma fala desconexa e bizarra. Já que tais verbalizações
ocorreriam sob controle de propriedades específicas dos eventos antecedentes, por meio de
relações bastante idiossincráticas entre eles, a resposta verbal e o reforçamento, elas são
analisadas pelos autores como operantes verbais do tipo tato estendido - extensão metafórica,
conforme definido por Skinner em 1957.

312 Ricdrdo Corrtd M drtone e Peni* Robírto Zdmiflndni


Também ó possível considerar, a partir da análise dos operantes verbais formulada
por Skinner (1978/1957), a possibilidade deste tipo de resposta caracterizar-se como um tato
distorcido. Segundo esse autor, um tato pode ser distorcido de formas particulares por uma
enorme variedade de eventos, tais como condições antecedentes de privação ou estimulação
aversiva e conseqüências diversas que podem controlar a resposta verbal, enfraquecendo a
sua relação com os estímulos presentes anteriormente à sua emissão. Dessa forma, pode
ocorrer o que Skinner (1978/1957) denominou ‘mando disfarçado de tato’, uma resposta que,
em sua topografia, sugere estar sob controle de eventos antecedentes, mas que, de fato, tem
a função de ocasionar o engajamento do ouvinte em respostas que proporcionariam ao falante
reforçadores específicos.
A emissão do comportamento ‘bizarro’ pode também caracterizar-se como um retorno
a um padrão comportamental eficaz no passado, quando o indivíduo está frente a uma condição
para a qual não há repertório de manejo ou o seu repertório atual não produz reforçamento.
Podemos encontrar boa parte dos aspectos levantados acima por Layng & Andronis
(1984), em um caso descrito pelos próprios autores. Uma jovem de 19 anos foi admitida em
uma unidade fechada de tratamento. Nas áreas comuns da unidade observou-se que ela se
comportava de forma curiosa, chamando muito a atenção-dançava em círculos, dava risadas
estereotipadas e cantava incessantemente uma pequena canção: “Rei dos corações, Rainha
dos corações, há um 'cubba' no quarto"9. Segundo os autores, os comportamentos
aparentemente irracionais permaneceram até o momento em que se pudesse abordar seu
conteúdo metafórico. Descobriu-se que uma das amigas da cliente tinha, recentemente, ganhado
um concurso de beleza, recebendo o título de ‘Rainha da beleza’. Descobriu-se também que
o namorado dessa amiga tinha como apelido “Cubba". Os profissionais da unidade observaram
que as situações nas quais ocorriam as danças e a canção envolviam a presença de homens
jovens que também estavam internados. Layng & Andronis (1984) interpretaram os
comportamentos da jovem da seguinte forma: a canção "Rei dos corações, Rainha dos Corações"
parecia referir-se à sua amiga, a ‘Rainha da Beleza’ e ao seu namorado. A verbalização "Há
um ‘cubba’no quarto"estaria tateando a presença de um homem jovem pelo qual a cliente se
sentia atraída. Na verdade, a cliente estaria dizendo o seguinte: “Eu quero ter um relacionamento
como o da minha amiga e seu namorado e há alguém nesse quarto que me atrai", evidenciando
assim, uma contingência de mando. Os autores argumentaram que a distorção da verbalização
da jovem poderia indicar o efeito de contingências sociais aversivas por falar livremente sobre
relacionamentos íntimos.
Um exemplo que envolve características semelhantes foi observado por nossa equipe
no atendimento de am paciente, em ambiente natural. O paciente em questão era diagnosticado
como esquizofrênico, e apresentava períodos de alucinações e delírios intensos, seguidos por
períodos de remissão parcial destes padrões de comportamento. Em um dado período, um
dos autores observou que o paciente passou a apresentar aumento da freqüência de
verbalizações delirantes e manifestar hostilidade com relação ao profissional. Esse padrão se
repetiu por algumas sessões, nas quais aumentou o número de recados do paciente solicitando
a atenção do profissional. Este, incomodado com o excesso de ligações, passou a não
responder a todos os recados, aumentando, por sua vez, a hostilidade do paciente. Em uma
sessão de supervisão na qual foram discutidos e analisados os eventos recentes da relação
terapêutica, pôde-se identificar que, na última sessão anterior ao início deste padrão de
* Ua formu a caradanzar as múltipla» poastoMadat d« aallmulaçâo antaoadama a da contlngèncíae manianadoraa doa comportamantoa patoódooa, Layng
& Andronla (1084) utilizam oa larmo«'matrtt d« eallmulo*' a matriz da oonaaqütncJasraapactivamanta. rafertndoM à laorla da daiaoçAo da «Jnam (Graan
ASwels, 1973)
’‘"KingofHetrtt, Qim»n olhbãrU, thtrm'■ a cubba In lha room!"

Sobrr Comportamento t t ‘o#niçao 313


comportamento, o terapeuta havia comentado com o cliente que havia prestado a seleção
para o ingresso em um curso de mestrado. Este mesmo paciente havia sido atendido
anteriormente por um profissional que, quando ingressou no mestrado, interrompeu o trabalho
terapêutico com o cliente e o encaminhou para o atual terapeuta, alegando que esta atividade
tomaria muito tempo, impedindo o seu deslocamento até o local no qual o cliente era atendido.
A hipótese levantada foi de que a mudança de comportamento do cliente era uma resposta à
possibilidade de abandono por parte do terapeuta, sinalizada pelo seu relato de haver prestado
o mestrado. Tanto o comportamento hostil quanto o aumento das ligações do cliente para o
terapeuta, solicitando maior atenção, poderiam estar sendo emitidos como efeito da
contingência de (sinalização da) retirada de reforçamento. O padrão delirante poderia caracterizar
também um retomo a um padrão comportamental anteriormente reforçado (por meio de atenção
do grupo social). O terapeuta, por sua vez, mostrava-se frustrado com a ocorrência de uma
nova ‘recaída’ aparentemente sem sentido e apresentava alguns sinais de insatisfação na
relação com o cliente devido à sua hostilidade. Essa insatisfação era observada na diminuição
da disponibilidade do terapeuta para o atendimento, o que só reforçava, para o cliente, a
sinalização de abandono.
A análise das contingências permitiu que o terapeuta identificasse as variáveis
possivelmente responsáveis pelo comportamento do cliente, diminuindo as suas respostas
emocionais de frustração e ressentimento. Também foi possível, a partir de então, planejar
contingências da relação terapêutica que proporcionassem ao paciente maior segurança
de que o abandono não ocorreria. Por último, a análise permitiu identificar déficits de
repertório social do paciente, que impediam o manejo desta possível situação de abandono
de forma mais adequada e, decorrente disso, planejar o desenvolvimento destas habilidades.

Pela retomada de uma linha de investigação.


A prática do analista do comportamento esteve, pelo menos no seu início, atrelada à
tentativa de modificar comportamentos de populações marginalizadas, colocando-se como
uma alternativa às práticas psicodinâmicas tradicionais. A possibilidade de desenvolver
procedimentos efetivos para o atendimento a populações psiquiátricas, crianças com problemas
de desenvolvimento, pessoas encarceradas, diferenciava a análise do comportamento das
abordagens psicológicas presentes até então.
Nessa trajetória inicial, foram produzidos dados extremamente relevantes, que
apontavam uma nova direção no tratamento de problemas até então entendidos como ‘refratários’
para a psicologia. No que se refere aos comportamentos psicóticos, foram muitos os avanços,
em se considerando a gravidade e a cronicidade dos quadros.
É fato reconhecido que nessa história foram cometidos equívocos e excessos, contra
os quais as agências de controle dentro e fora da comunidade trataram de se impor. Passado
esse período de ascensão e queda, entretanto, nota-se que não houve um novo investimento
em alternativas aos procedimentos da modificação do comportamento. Desde esse período,
foram poucos os avanços, salvo alguns poucos trabalhos, na proposição de um modelo
comportamental para lidar com essa população. No entanto ainda há a possibilidade de
desenvolvimento de estratégias bastante promissoras para o manejo do problema. A retomada
das pesquisas e publicações por analistas do comportamento é necessária, visto que se trata
de um problema socialmente relevante e para o qual as soluções até então encontradas são,
no mínimo, insatisfatórias.

314 Ricardo Corrt.i M urtonc c [>rnis Robcrlo Zami^nuni


As palavras de Skinner (1974/2000) sintetizam aquela que deveria ser a postura de
uma ciôncia do comportamento frente a fenômenos de difícil acesso e manejo:
"Numa análise behaviorista, conhecer outra pessoa 6 simplesmente conhecer o que
ela faz, fez ou fará, bem como a dotação genética e os ambientes passados e
presentes que explicam porque ela o faz. Nâo se trata de uma tarefa fácil porque
muitos fatores relevantes estão fora de alcance e cada pessoa 6 indubitavelmente
única. Mas nosso conhecimento de outrem è limitado pela acessibilidade, não pela
natureza dos fatos. Não podemos conhecer tudo o quanto existe para ser conhecido,
assim como não podemos saber tudo aquito que gostaríamos de saber acerca do
mundo da física e da biologia; isso nâo significa, poróm, que aquilo que permanece
desconhecido seja de natureza diferente. Como ocorre em outras ciências,
freqüentemente carecemos das informações necessárias para previsão e controle e
devemos satisfazer-nos com a interpretação, mas nossa interpretação terá o apoio
da previsão e do controle que foram possíveis em outras condições" (pág. 152).
O desenvolvimento das pesquisas sobre comportamento verbal e sobre comportamento
humano complexo nutre a abordagem com informações cada vez mais aprofundadas sobre
relações comportamentais e sociais. Estas áreas de pesquisas têm subsidiado a construção
de estratégias terapêuticas clínicas de grande complexidade e efetividade para uma enorme
variedade de problemas comportamentais. Paralelamente a isso, os avanços na psiquiatria
biológica permitem o auxílio na busca de uma melhor qualidade de vida para aquele paciente
que se nos apresenta em busca de um alívio de seu sofrimento, proporcionando uma parceria
sem precedentes na história da psicologia.
Ba naco (1999b), ao retomara pergunta de Skinner (1978) "Podemos nos beneficiar
das descobertas da Ciência do Comportamento?", afirmou que temos uma história de achados
experimentais confiáveis e gritantes, mas que, em certa medida, vai contra as contingências
e metacontingências mais tradicionais de nossa cultura. Tal divergência, entretanto, passa a
ser menos importante quando apresentamos práticas efetivas, sustentadas por dados confiáveis,
meta que necessita ser retomada, de modo a sermos coerentes com a origem da análise do
comportamento enquanto ciência aplicada.

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316 Ricdrdo Corrêa M artone t f)r n ii Roberto Zdmigndnj


Capítulo 30
Estresse e Doença Crônica

Rosana Righetto Dias'


Makilim Nunes Baptista”
Sandra Leal Calais

Eftle trabalho Inm por objetivo discutir a relação antre o estresse, fl» crenças irracionais e inassertividade com o desencadeamento
e manutenção de doenças crônicas, especificamente a Psoriase (doença dermatológica, caracterizada como quadro crôni­
co). As fontes de estresse podem ser externas e/ou internas, podendo-se citar, dentre as últimas, a ansiedade, cognlções,
nlvel de assertivldade, crenças, padrão de comportamento e capacidade de enfrentamento As respostas emocionam e os
eventos sociais conseqüentes da psoriase funcionam como variáveis que influenciam o seu curso e a gravidade, sendo que
as crenças irracionais (regras Inadequadas para a açâo) podem favorecer conseqüências emocionais o comportamentos
inadequados (estresse) na vida do paciente com doença crônica.

Palavras-chave1 Estresse. Psoriase, Assertivldade e Crenças Irracionais.

The goal of this paper is to approach the relation about stress, irrational boliefs and assertiveness with chronic diseases
trigger and maintenance, specifically psoriasis (dermatological disease) relation Stress sources could be internal (assertiveness,
cognition, beliefs, behavior patterns, coping) and external (accidents, deaths, births). The emotional answers and social
events from psoriasis could be result of Irrational beliefs (wrong cognitive rules to action) and and trigger stress and
Inappropriate behaviors in chronic disease patients life

Key Worda: Stress, psoriasis, assertiveness, irrational beliefs

Tipos e definição de psoriase


Psoriase^ uma doença não-contagiosa de pele, de evolução crônica, que mais
comumente se apresenta como lesões inflamatórias na pele cobertas por escamas
esbranquiçadas. Essa descamação da pele é caracterizada por uma aceleração da
multiplicação celular (Panconesi e Hautmann, 1996).
De acordo com Gupta, Gupta, Kirkby, Schork e Ellis (1989), a doença pode ocorrer
em crianças, adolescentes e idosos, sendo mais comumente desenvolvida em adultos
acima de 30 anos. Prevalece em ambos os sexos e atinge por volta de 1% a 2% da
população.

' Doulorunda pala Universidade d« Campinas (UNICAMP), Docente do Canlro UntvnnuWrio I larmlnlo Omatto d* Arara*
"Doutor em Ciência« pala Universidade Federal da SSo Paulo - UNIFFSP (Esoot* Paulista da Madlcina); Dooanta das l Jmversidadee Braz Cubaz a Centro
l Jnivarsitârlo Harmlnio Ometto da Araras
"Doutora em Psicologia pala Pontifícia Univarsidada Catóhca da Campinas (PUC Campinas) a dooania da Umvarsldada Fstadual Paulista "Júlio da
Mesquita Filho* UNfcSP-Bauru

Sobre Comportamento e Coflnivâo 317


Os graus de severidade da psoríase podem ser divididos em leve, moderado e
grave e ocorrem em muitas variantes. Segundo Fonseca e Souza (1984), os diferentes
tipos de psoríase apresentam características como escamo-crostas amareladas e aderentes
(pustular); intensa descamação da pele, geralmente por conseqüência de tratamento local
inadequado (eritrodérmica), pequenas lesões em botão, disseminadas ou atingindo áreas
extensas como couro cabeludo, joelhos, cotovelos, regiões sacras e palmoplantares (vulgar);
lesões planas inflamadas compreendendo áreas interginosas, inguinais, interglúteas,
axilares, além de lesões nos canais auditivos externos, dedos dos pés e umbigo (inversa)
e comprometimento das articulações (artropáticaj.
Apesar da falta de medicamentos para a cura, pode-se ressaltar que os recursos
terapêuticos possibilitam um certo controle da doença, tais como: exposição ao sol,
pomadas, aplicações de ultravioleta, formado de corticóides (medicamentos tópicos e
atópicos), entre outros.
Com o tratamento medicamentoso, na maioria dos casos, podem-se obter melhoras
parciais, sendo raros os casos de regressão total. Essas melhoras são temporárias, com
duração variada de semanas a anos. Mostra-se fundamental o acompanhamento psicológico
destes pacientes, pois a maioria deles assinala que seu problema mais grave e
constrangedor refere-se à aparência de sua pele, levando a quadros de vergonha, ansiedade
e depressão com relativa freqüência (Lyoko, 1995).

Psoriase e estresse
Para Farber e Nall (1984), a causa da psoríase é desconhecida, mas existem
fatores que aumentam sua morbidade São os chamados “fatores de gatilho". Dentre estes
diversos fatores, encontram-se, além da herança genética (50% dos pacientes tem uma
história familiar positiva), que contribue para a expressão da doença, fatores ambientais,
drogas, traumas, estresse.
Estudos como os de Farber, Nickolof, Rechet e Franki (1986); Farber e Nall (1993);
Lippe Pupo(1987); Lipp, NeryeCurcio(1991); Gupta, Guptae Wattel (1996); Diasecols.
(1996) e Dias (1998) relacionam os surtos (desencadeamento e/ou exacerbação) de psoríase
e o estresse.
Para Lipp e Malagris (1995), o conceito de estresse é descrito como uma reação
do organismo, decorrente de alterações psicofisiológicas, que acontecem quando uma
pessoa enfrenta situações que podem de certo modo irritá-la, amedrontá-la, excitá-la,
confundi-la, ou mesmo fazê-la imensamente feliz. Qualquer situação que desperte uma
emoção boa ou má, que exija mudança, pode ser caracterizada como uma fonte de
estresse, favorecendo uma quebra do equilíbrio do organismo e exigindo uma adaptação.
Para as autoras anteriormente citadas, os estressores podem ser classificados
em externos e internos. Os externos são aqueles constituídos por aquilo que ocorre na
vida da pessoa (acidentes, morte, brigas, nascimento de um filho), ou seja, tudo o que de
bom ou mal possa acontecer no mundo externo da pessoa. Os estressores internos são
compreendido como tudo aquilo que faz parte do mundo interno do indivíduo: suas
cognições, modo de ver o mundo, nível de assertividade (capacidade de expressar
sentimentos e pensamentos), crenças, características pessoais, padrão de comportamento
e capacidade de enfrentamento das situações (coping). O termo crenças, neste momento

318 R otina R iglicllo Pidt, M ü k ilin N u n rs Bdptisld c Sandr.i I cal Calai*


empregado, refere-se ao modo de pensar do indivíduo frente à vida, em que idéias irracionais
ou ilógicas podem provocar perturbações emocionais.
Num estudo sobre as convicções e atitudes dos pacientes psoriáticos, com quadro
de severidade da doença, Nevitt e Hutchinson (1996) observaram que o estresse apresentou-
se como o segundo fator mais apontado pelos psoriáticos na exacerbação da doença.
Diversos estudos como os de JoweteRyan(1985), Farberecols. (1986), Polenghi
e cols. (1989), Coles e Finlay (1995), Gupta e Gupta (1995) demonstram quão variadas
são as expressões dos psoriáticos frente à doença e como o estresse emocional pode
favorecer o aparecimento das placas, caracterizando, assim, as diversas e
comprometedoras reações que o indivíduo possa apresentar nestes contextos.
Para Dias, Baptista e Baptista (2000), um indivíduo com psoriase pode avaliar as
possíveis situações de convivência social como ameaçadoras, devido a sua aparência
dermatológica e esquivar-se dessas situações. A falta de reforçamento social pode levar a um
aumento de sintomatologia depressiva e/ou ansiosa, com conseqüências emocionais, sociais
e psicológicas como: tristeza, desesperança, desmoralização, rebaixamento da auto-estima,
isolamento social, comprometimentos nos relacionamentos afetivos, dificuldades no trabalho
(quanto á função que exercem e à limitação de oportunidades), além de comprometimentos
em atividades de vida diária (modificação no uso de vestimentas e no lazer).
A psoriase, portanto, pode propiciar algumas conseqüências psicológicas e sociais
negativas aos seus pacientes, sendo de grande importância o acompanhamento psicológico
dos mesmos. Desse modo, o impacto psicossocial da psoriase pode resultar em um
significativo estresse diário para o paciente (Gupta e Gupta, 1995), assim como o estresse
pode favorecer a cronificação da psoriase.

Psoriase, treino de assertividade e terapia cognitiva


Com o comprometimento psicossocial dos pacientes psoriáticos, deve-se oferecer
tratamentos psicológicos que priorizem a expressão dos sentimentos frente a psoriase; o
auxílio no enfrentamento dos sintomas; a compreensão de como o estresse acaba por
comprometer o curso da doença e a possibilidade de desenvolver melhores estratégias de
enfrentamento na redução da ansiedade, na mudança de crenças inadequadas e no
aumento da assertividade.
Kantor (1990) apresenta como sugestão em seu trabalho a assistência psicológica
adicional ao tratamento médico da psoriase e recomenda, entre outras, as seguintes
intervenções: redução do estresse, treino de assertividade e terapia cognitiva.
Lipp (1984) apresenta, através de uma proposta de tratamento comportamental, o
Treino de Controle de Stress (TCS), como uma forma de manejo do estresse. Este plano
de procedimentos tem como objetivo realizar uma análise funcional dos estressores, através
da atuação objetiva de quatro pilares de controle do estresse: relaxamento, alimentação,
exercício físico e restruturação na área cognitiva.
O TCS requer uma avaliação minuciosa do nível de estresse da pessoa e das
condições geradoras de estresse, antes do tratamento, tornando-o breve e objetivo. De
acordo com Lipp e Malagris (1995), o TCS não se constitui em terapia voltada à mudança
de aspectos que não sejam relacionados com o estresse e restringe-se a treinar o paciente
a manejar e controlar seu próprio estresse.

Sobre Comportamento f CognivSo 319


A inassertividade é apontada no trabalho de Lipp, Nery e Curcio (1991), como uma
fonte interna de estresse. Estes autores afirmam terem as fontes internas de estresse grande
importância nas ocorrências sofridas peto paciente psonátíco nos quadros de recidiva da doença.
A resposta assertiva corresponde aos seguintes conceitos: a) o comportamento
assertivo é o comportamento interpessoal envolvendo a expressão honesta e relativamente
direta dos sentimentos e pensamentos: b) o comportamento assertivo é socialmente
apropriado: c) quando uma pessoa está se comportando assertivamente, os sentimentos
de bem estar dos outros são levados em consideração (Rimm e Masters, 1983).
Diversos autores como Liberman (1972): Goldstein e cols. (1973): Lazarus (1973);
Galassi, Delo, Galassi e Bastien (1974) e Arrindel, Sanderman, VanDermolen, Vander
Ende e Mersh (1988) apontam respectivamente a assertividade como a capacidade de
auto-expressão; dar respostas auto-afirmativas; ter habilidade para expressar respostas
negativas, pedir favores, expressar sentimentos positivos e negativos: iniciar, manter e
finalizar conversas: além de respeitar o outro; expressar e enfrentar as limitações pessoais.
Martinez (1997, pág. 142) concluiu em seu trabalho, após uma análise de conceitos
operacionais, oferecidos por terapeutas, que "a assertividade pode ser definida como um
padrão comportamental que, emitido em uma contingência aversiva para o sujeito, impeça
a continuidade desta situação, aumentando a probabilidade de reforçamento seja ele positivo
(pelo recebimento de reforçamento explícito) ou negativo (pela retirada de uma punição)".
A autora classifica ainda a inassertividade como padrões comportamentais passivos
e agressivos. Segundo sua compreensão, existem duas formas de asserção falha: a sub-
asserção e a agressividade. Ser sub-assertivo implica em não expressar os próprios
sentimentos, necessidades e opiniões para os outros. A agressividade em algumas
interações faz com que as pessoas geralmente sintam-se envergonhadas e culpadas por
seu comportamento. A sub-assertividade ó o problema mais comum, na fobia social e
estilos de personalidade evitativa.
As duas razões mais comuns para estas reações comportamentais parecem ser
o medo de avaliação negativa do outro e as crenças irracionais (Galvin, 1995). Assim
sendo, deduz-se que a inassertividade e as crenças irracionais possam estar relacionadas
com diversos transtornos e problemas de saúde.
Os estudos de Rizo, Perez, Roldan e Ferree (1988) apontam que a interpretação
teórica dos déficits de habilidades sociais e a conduta assertiva tem sido abordada de
diversas maneiras. Um dos modelos propostos refere-se à premissa básica de que a
inibição do comportamento social deve-se a estilos disfuncionais do processamento da
informação e avaliações cognitivas distorcidas. Outros modelos relacionam a inassertividade
a um déficit de aprendizagem, à inibição da resposta, por ansiedade condicionada. E por
último, a assertividade ó definida como uma característica de personalidade, modelo este
descartado pela grande maioria dos autores. Atualmente são mais enfatizados os modelos
que contemplam enfoques multicausais na investigação do comportamento assertivo, em
relação à ansiedade social e às crenças irracionais dos sujeitos.
De acordo com os trabalhos de Azais e Granger (1995) e Mason e Mas (1995), o
impacto das distorções cognitivas deve ser considerado frente ao treino de assertividade.
Para os primeiros autores acima citados, a assertividade corresponde a um conceito
multidimensional para descrever o funcionamento social e a ineficácia desse funcionamento
está relacionada à ansiedade social, que por sua vez abarca as distorções cognitivas.

320 Rosana Rifllictto Piiit, M .ik ilin N u n t t Kaptista e Sandra l_c.il Calais
A pesquisa de Dias e cols. (1996) objetivou o tratamento psicológico de pacientes
psoriáticos, utilizando o TCS aplicado por Lipp, Nery e Curcio (1991), para controlar
separadamente a condição psicológica “inassertividade". Os resultados indicaram que,
para o melhor aproveitamento do tratamento proposto, seria necessário também submeter
os pacientes ao tratamento de restruturação de crenças irracionais, por parecerem estar
estas duas variáveis (inassertividade e crenças irracionais) relacionadas, segundo
observações clínicas realizadas. É importante citar que são poucas as referências que
relacionam assertividade e crenças irracionais, merecendo maiores investigações.
As teorias cognitivas propõem que as crenças (regras para a ação) e os
pensamentos têm fundamental papel nas emoções e comportamentos. Para os
cognitivistas, os fatores psicológicos relevantes são os pensamentos, crenças, julgamentos
e atitudes. Estes modelos propõem que as pessoas podem apresentar vulnerabilidades
relacionadas a suposições, visões do mundo e de si mesmas, além do que, as crenças
irracionais podem levar o indivíduo a ver e perceber o mundo de forma negativa e distorcida.
Estas percepções negativas e distorcidas favoreceriam o desenvolvimento e manutenção
das perturbações emocionais (Calais, 1997).
Rimm e Masters (1983), discutindo os métodos de aprendizagem cognitiva,
apontam como fundador deste movimento Albert Ellis. Para Ellis e Becker (1982), a vida é
considerada como resolução de problemas, sendo que os mesmos são causados por
crenças irracionais básicas. Estas crenças devem ser ativamente combatidas, até que se
altere a situação e se conquiste o bem estar. Para este teórico, todos os distúrbios
emocionais estão estritamente ligados às idéias irracionais.
Para trabalhar e experimentar o conceito acima mencionado, foi desenvolvida, por
volta dos anos 60, o Sistema de Terapia Racional - Emotiva (RET) ou Terapia de
Comportamento Cognitivo (TCC). Esta psicoterapia, segundo Ellis (1973), baseia-se na
afirmação que “as desordens emocionais constituem-se, em grande parte, em problemas
de pensamento tortuoso, e que modificando o próprio pensar, é possível superar sérios
estados neuróticos.”
Um dos princípios fundamentais da RET determina que as pessoas criam suas
próprias dificuldades emocionais básicas, e não são simplesmente condicionadas, ou
agem desta forma devido a influências externas. Isto se deve ao fato de criarem idéias e
comportamentos derrotistas e por submeterem-se a um interminável processo de
autocondicionamento, com o poder de modificar a si próprias. Os demais princípios
focalizam, de certomodo, eventos externos que afetam as vidas das pessoas, por terem
elas vulnerabilidades adquiridas para avaliações inadequadas das situações. Estes eventos,
por sua vez, provocam reações emocionais, comportamentais, porém são a base das
convicções das pessoas, o que implicará sobre o que elas respondem quanto ao que
ocorre no mundo externo.
É proposto por Ellis que mesmo uma pessoa estando perturbada, nâo é o evento
ou a ocorrência de algo em si que causa ou origina os seus sentimentos ou as suas
reações, mas sim a base de suas convicções racionais, ou seja, suas idéias, pensamentos
e avaliação do que está acontecendo, proporcionando as conseqüências emocionais e
comportamentais. Estas convicções, por sua vez, podem ser divididas em: crenças
racionais que auxiliam o indivíduo a experimentar conseqüências satisfatórias e crenças
irracionais que levam a pessoa a experimentar conseqüências indesejáveis.

S olw Comportamento t Cognif<lo 321


Ellis (1978) relata que a maioria das situações sociais não são estressantes em
si mesmas mas que a intensidade do estresse destas situações depende das interpretações
que delas são feitas.
O que geralmente favorece o desgaste do organismo, segundo Campos e Baptista
(1998) e Baptista e Baptista (2000), são, freqüentemente, as interpretações ameaçadoras
diante das situações diversas que o indivíduo enfrenta em seu cotidiano. Desse modo,
podem tomar-se estreitas as relações entre as crenças (avaliação das situações), a emoção
e o comportamento de estresse.
Várias pesquisas têm mostrado uma positiva correlação entre propensão das
pessoas para doenças e certas variáveis psicossociais. Por exemplo, Lichtenerg, Johnson
e Arachtingi (1992) concluem em suas investigações que as crenças irracionais possuem
uma relação estreita com algumas doenças físicas. Em seus achados, encontraram
significância estatística da relação entre o sexo, idade e a contribuição das crenças
irracionais na freqüência e no tipo de doença física.
Em estudos de pacientes com artrite reumatóide (Klages, 1991), mudanças nos
sintomas pré-menstruais (Kirkby, 1994), pacientes asmáticos (Silverglade, Tosi, Wise e
D,Costa, 1994) e pacientes com doença de Alzheimer ( Mcnaughton, Patterson, Smith e
Grant, 1995) foram apontados resultados da influência de crenças irracionais no
comprometimento destas doenças. Estes resultados estão relacionados a eventos de
vida e atitudes irracionais frente a doença (como apontam os dois primeiros trabalhos); ao
controle de emoções e da relação entre o estresse e o controle da doença, como apresentam
todos os demais, respectivamente.
Dias (1998) objetivou comparar a eficácia do uso da combinação de dois
componentes (treino de assertividade mais a restruturação de crenças irracionais) do
TCS, em pacientes psoriáticos. Os dados revelaram que o tratamento integrado dos
aspectos psicológicos assertividade e crenças irracionais, no plano de tratamento do
TCS, reduziu significativamente o estresse e a psoriase, quando comparados ao tratamento
composto somente por treino de assertividade.
Considerando-se o grande valor da restruturação cognitiva para o tratamento da
psoriase, sugere-se que novas pesquisas sejam feitas relacionando crenças irracionais e
assertividade no tratamento de outras patologias.
Os teóricos e clínicos da Psicologia da Saúde vem desenvolvendo técnicas e
estratégias psicoterápicas mais eficazes para o tratamento de doenças consideradas
crônicas. Nesté sentido, a maneira como o indivíduo interpreta os eventos de saúde parece
ter uma relação estreita com os comportamentos e emoções inadequadas, relacionando-
se diretamente com os estressores internos. Sendo assim, a investigação do relacionamento
destes fatores se faz necessário para a avaliação das condutas dos psicoterapeutas que
atendem em ambientes médicos, favorecendo assim a melhora do estado de saúde dos
pacientes que são acometidos por doenças crônicas.

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324 R o m nu Rltflu'lto Plat, M u k llm N unes Baptist«) t Sundrj Leal Calais


Capítulo 31
A manipulação coercitiva nas relações

SvkingcL. M j c h d d o
L/TP

Este artigo la / * revisão a reflexão pela Análise do Comportamento da caracterização dos padrões de manipulação na«
relaçôM interpessoais proposto por I. Nazare-Aga. O conceito de manipulação è examinado em relação a sua natureza
coercitiva ou nAo-coercitiva. Propõe-se uma definição para a expressão ‘ manipuladores relacionais” utilizada pela autora:
indivíduos que se utilizam da manipulação como modo habitual de funcionamento, com o objetivo de obter benefícios para
si, a despeito das necessidades, pensamentos e sentimentos do outro e freqüentemente causando-lhe danos. Sflo apresen­
tados seis padrOes comportamentais de manipulação (simpático, tlmldo, sedutor, altruísta, culto e ditador) e um check-list
de 30 itens para a caracterização do comportamento de manipulação coercitiva A co-responsabilidade da vitima na
manipulação A questionada. Conclui-se sugerindo alguns tópicos para o exame dos psicólogos e pesquisas futuras.

Palavras-chave manipulaçAo, coerção, controle

This article makes a revision and reflection through the Behavioral Analysis of the manipulation pattern characterization In the
inter-personal relationship proposed by I Nazare-Aga The manipulation concept Is examined In relation to Its coercive or
non-coerclve nature. A definition for the expression ‘ relational manipulators', which is applied by the author, is proposed,
individuals who apply the manipulation as an usual functioning way, targeting benefits for the Self, in spite of the needs,
thoughts and footings of the other person, frequently causing damage to the other Thero are six behavioral manipulation
patterns: (friendly, shy, seducer, altruist, educated and dictator) and a check-list of 30 Items for the characterization of the
coercive behavioral manipulation. The co-responsibility of the victim is questioned It is concluded proposing some topics for
the psychologists exams and future researches.

Key words manipulation, coercion, control.

O problema da manipulação em diferentes esferas da comunicação tem


tradicionalmente recebido atenção da sociologia e lingüística. No campo da psicologia, a
análise dos conteúdos manipulativos da comunicação é mais freqüente na psicologia
social. Analistas do comportamento tôm virtualmente ignorado o tema (Laitinen e Rakos,
1997, pág. 237). No domínio da comunicação social, marketing e publicidade, bem como
nas áreas de negócios, vendas, política e diplomacia, entre outras, as pessoas envolvidas
assumem claramente os objetivos da manipulação comportamental que operam: divulgação
de conceitos e valores, venda de produtos e serviços, condução de processos políticos e
outros. Este é o tipo de manipulação que poderíamos chamar de profissional. Breton
(1999, pág. 17) afirma que muitos empreendimentos que visam convencer são efetivamente
marcados pelo "selo da manipulação", mas argumenta que se tratam de práticas “suaves”,
consideradas com humor pelos interessados - como no caso da publicidade - e que, no
fim das contas, toda a comunicação é influência e manipulação.

Sobre Comportamento c Cognição 325


No campo das relações interpessoais, Buss, Gomes, Higgins e Lauterbach (1987,
pág. 1219), pesquisadores em psicologia social, observam que a seleção natural favorece
pessoas que obtóm sucesso em manipular objetos em seu meio ambiente, sejam eles
animados ou inanimados. As pessoas às quais faltam habilidades para manipular outros
falham em eliciar cuidado parental, adquirir recursos, estabelecer alianças de reciprocidade,
elevar-se em hierarquias ou atrair companheiros.
Pode-se afirmar que a manipulação ó inerente ao processo de interação. Skinner
(1953/1998, pág. 342) descreve o exercício do controle pessoal:
"'A' comporta-se de uma maneira que altera o comportamento de ‘B' por causa
das conseqüências que o comportamento de 'B' tem para 'A\ Dizemos, em lin­
guagem comum, que 'A' está dellberadamento controlando 'B'. Isto não significa
que ‘A ’ necessariamente pode identificar a causa ou efeito de sua ação."
Dito mais livremente, 'A'maneja as contingências a fim de produzir reforçadores que
podem advir de sua relação com ‘B \ mesmo se ele não está plenamente consciente do
processo.1
Esta descrição parece ser igualmente apropriada para a qualificação da manipulação,
pois ao tomarmos a etimologia e definição do termo, o sentido de engendramento de uma
contingência está implícito: 1. Manipular, do francês manipuler, "preparar com a mão, engendrar'1
’ (Cunha, 1982, pág. 498); 2. “Engendrar, forjar, organizaf (Weiszflog, 1998, pág. 1315). A
definição de manipulação de Lé Sénéchal-Machado (1999, pág. 88) aponta na mesma direção:
“Conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação com outro, no sentido
de imprimir neste, de modo planejado, outras formas de agir, que facilitem a realização funcional
de um objetivo." É necessário apenas fazer a ressalva de que a manipulação inclui também o
uso da linguagem não verbal, embora seja exercida mais comumente pela via verbal. Ló Sónóchal-
Machado considera a manipulação como um dos componentes de uma “relação persuasiva"-
os demais são autocracia, desembaraço, solicitação e suplicação (págs. 87-88). A relação
persuasiva ó caracterizada como "uma interação social na qual os comportamentos emitidos
por uma das pessoas envolvidas estabelecem, mantêm, suprimem ou mudam, efetivamente,
0 comportamento de outra (s) pessoas (s) (pág. 87)". E a persuasão em si ó descrita como a
indução ou tentativa de induzir uma idéia, crença, decisão ou ação por meio de estímulos,
verbais ou não, mas sem discussão (pág. 86) Buss (1987, págs. 1217-1218) enfatiza o
caráter descritivo do termo manipulação e a não necessária implicação de malícia, maldade e
intenção perniciosa no mecanismo de manipulação, embora tais intentos possam estar
presentes neste. A manipulação é definida como a maneira pela qual indivíduos, intencional e
propositadamente (embora não necessariamente conscientemente), alteram, mudam e
influenciam ou exploram outros e constitui uma importante classe no processo pessoa-
ambiente. Como assinalam Kligman e Culver (1992, pág. 174), o termo manipulação é
empregado algumas vezes simplesmente como um sinônimo para exploração, significando
“usar o outro para um propósito de específico auto-interesse”. Outro sentido comum é o de
“um estratagema que objetiva extrair uma dada resposta". Os autores consideram que tais
definições diminuem a utilidade do conceito.
Com base no exposto, todo comportamento operante é manipulação, o que equivale
a dizer que todo comportamento operante é controle. Sob esta perspectiva, não há sentido
em tingir "manipulação" com uma coloração coercitiva por definição. Este caráter só se
1 'Concdéncm" Aoompraandid« no MnUdo axplicitado por SkJnrwr (196(¥ 1960, p 289) ‘A comunidada vartal gara contaénda quando analna um IndivkJuo
a daacraver m u comportamento paaaado • praaanta • o comportamanto qua ala irá provavalmanta axWr no futuro a a Idantfflcar aa varlávam das qual» o»
tréa »*o provávelmanta função *

326 Solanflc L Machado


agregará à manipulação quando houver (emprestando uma noção da jurisprudência) um
constrangimento exercido sobre a pessoa, direta ou indiretamente, impedindo-lhe a
manifestação da vontade.
Manipulação comportamental, no contexto das relações interpessoais, adquire
nuances muito sutis, pois se trata de responder a contingências tão variadas quanto
específicas. Um indivíduo atento às contingências da empresa onde trabalha, por exemplo,
pode rapidamente discriminar e passar a responder aos estímulos indicadores do caminho
que deve trilhar para alcançar os reforçadores desejados, como reconhecimento e
promoções. Neste caso, ele estará sob o controle das variáveis que o levarão à promoção
e não sob o controle de suas respostas emocionais eliciadas pelas pessoas envolvidas;
ele poderá demonstrar simpatia e afeto por alguém que acaba de conhecer e que ainda
não lhe inspira nada em particular, se isso lhe facilitar o estabelecimento de relações
profissionais proveitosas.
“Quase todos controlamos algumas variáveis relevantes, (...) que podem ser em­
pregadas em beneficio próprio, A isto se pode chamar controle pessoal. O tipo e
a extensão dependem dos dons e/da habilidade pessoal do controlador" (Skinner,
1953/1998, pàg. 343).
É interessante observar que é parte implícita da regra social sobre como ser
flexível a habilidade de "ter jogo de cintura", cuja definição operacional talvez possa ser
expressa como habilidade de adaptar-se às contingências com rapidez e eficácia para
produzir reforços imediatos. Cotidianamente, isso ás vezes significa responder às
contingências do ambiente público, ainda que estas sejam divergentes daquelas do ambiente
privado. Por contingências do ambiente privado, entendem-se as relações entre eventos e
reforçamento advindas da história pessoa) de aprendizagem e nem sempre expressas
abertamente, mas controlando igualmente o comportamento do indivíduo (valores, vieses
de percepção, etc.). Os limites extremos do comportamento no exercício desta regra
parecem ser claros: indivíduos que respondem diuturnamente ao ambiente privado,
justificando-se pela manutenção do que nomeiam como "um padrão autêntico de ser",
podem em certas circunstâncias receber a pecha de "rígidos e inflexíveis" e serem evitados
em alguns ambientes sociais. Em contrapartida, aqueles que privilegiam responder às
contingências públicas podem ser vistos como “dissimulados e escorregadios" demais,
causando igualmente desconforto entre os circundantes. Entre estes dois pólos, distribui-
se a gama de comportamento manipulativo aceito socialmente e visto mesmo como
necessário para azeitar as engrenagens da convivência humana. Como já mencionava
Chamfort no Séc. XVIII (citado em Rónai, 1985, pág. 190), "ó preciso convir que ó impossível
viver na sociedade sem representar a comédia de vez em quando".
Neste contexto, cabe a cada indivíduo discriminar as situações e com que
freqüência deseja comportar-se manipulativamente ou responder com ausência absoluta
desta manipulação intencional e dirigida - comportamento sempre preferível em relações
íntimas e de amizade em que a qualidade de autenticidade da relação deseje ser preservada.
Estas relações, geralmente raras, merecem atenção e tratamento especial. Finalmente, ó
preciso lembrar que as escolhas do indivíduo estarão em última análise sujeitas à sua
história de aprendizagem: como ele aprendeu a discriminar e exercer a manipulação e a
avaliar seus efeitos.
Após estas considerações, fica mais evidente o caráter inerente da manipulação
(controle) ás relações humanas em geral, e a não obrigatoriedade da concernência entre

Sohrr (.'omporldmcnio e C««n/v<lo 327


coerção e manipulação. Tendo estabelecido estas bases, é possível passar então ao
estudo da outra face da manipulação: justamente aquela da coerção. Deste ponto em
diante, quando utilizado o termo manipulação, este assumirá e fará referência à
manipulação coercitiva. Hirigoyen (2000, pág. 16) sugere os termos "agressor" e “agredido"
para designar as personagens do jogo da manipulação, enfatizando o caráter de violência
declarada, mesmo quando oculta, que se dirige à identidade do outro. No presente trabalho
adotar-se-á a terminologia de ,,manipulador,, para designar o agressor e "manipulado ou
vítima" para designar o agredido - indivíduo-alvo da manipulação.

Manipulação e coerião
Ainda que após este arrazoado a manipulação comportamental nas interações
humanas possa ser vista com relativa naturalidade, é fato também que esta pode gerar
conseqüências nefastas quando utilizada com propósitos de coerção, isto é, quando alguém
faz uso da punição ou ameaça de punição para conseguir que os outros ajam como gostaria
(Sidman, 1995, pág. 17).
Se aquele que exerce a manipulação mantém esse comportamento de maneira
persistente em seu repertório, podemos desconfiar de um padrão manipulador coercitivo de
interação comportamental. O manipulador gera um sofrimento intenso naqueles que com
ele se relacionam em todos os ambientes (familiar, profissional e social). Entretanto, seu
padrão comportamental não ó normalmente identificado como manipulador coercitivo. Mas
se descrevemos as características do padrão em questão (que serão explicitadas mais
adiante) para um sujeito vítima da manipulação, ele imediatamente reconhece o(s) indivíduo(s)
em sua vida que corresponde(m)-lhe consistentemente. Porém, não tendo percebido o
indivíduo através deste prisma anteriormente, suas estratégias de convivência com o mesmo
são geralmente ineficazes e seu grau de stress na situação é importante.
Isabelle Nazare-Aga (1997, pág. 11), psicóloga francesa, cunhou o termo manipulador
relacionale elaborou uma descrição do comportamento do manipulador. Com base em seu
trabalho, apresenta-se uma definição operacional para o termo, uma vez que ela não se
preocupa em fazê-lo diretamente, aludindo simplesmente ao caráter coercitivo da manipulação
nas relações. Seu trabalho é voltado para o público em geral e para as vítimas da manipulação
em particuíar, utilizando via de regra uma linguagem generalista. Tomando contato com seu
trabalho, percebe-se sua relevância e a contribuição que poderia trazer para o estudo da
coerção. Em razão disso, propõe-se presentemente uma leitura de sua obra pela Análise do
Comportamento, empenhando esforços na operacionalização da linguagem e na descrição
dos comportamentos que apresenta, procurando ampliá-las quando possível.
Doravante o termo manipulador relacional designará o indivíduo que se utiliza da
manipulação como modo de funcionamento habitual, com o objetivo de obter benefícios para
si, a despeito das necessidades, pensamentos e sentimentos do outro e freqüentemente
causando-lhe danos. O manipulador relacional aprendeu desde a infância a obter o que
desejava não expressando claramente seus pensamentos e emoções e utilizando-se de
estratégias comportamentais (principalmente verbais) para levar outros a emitirem os
comportamentos de seu interesse particular. A manipulação estabeleceu-se como principal
recurso comportamental para obtenção de reforços, e inibiu a possibilidade de
comportamentos mais adaptados serem concorrentes. Esta passou a ser estratégia de
sobrevivência mais importante para o indivíduo.

328 Solanflc L Machado


Nazare-Aga (1997) observou este padrão comportamental em ação durante anos,
tanto indiretamente (pelos seus clientes de clinica, em função dos transtornos e sofrimentos
que o manipulador causava a estes), quanto diretamente (nos trabalhos com grupos realizados
em empresas). A observação e registro atentos levaram-na a descrever e categorizar seis
diferentes padrões de manipulação relacional e a listar um conjunto de características
comportamentais a serem investigadas quando se procura identificar o manipulador relacional.
O conjunto de seu trabalho põe em evidência de maneira contundente a extensão do dano
que a manipulação pode causar. O presente artigo faz uma referência parcial ao seu trabalho,
em articulação com as observações de Machado (2000) sobre o tema, com o objetivo de
sinalizar a necessidade de se dirigir a atenção para esta dimensão nociva do controle
comportamental e, em particular, do comportamento verbal. Nazare-Aga analisa também a
manipulação não-verbal, mas esta não será abordada presentemente.
Sendo restrita, esta apresentação corre o risco de em alguns momentos parecer
superficial e estereotipada. Além disso, as implicações e desdobramentos são complexos
e exigem paciência, dedicação e observação pessoal para uma compreensão adequada. É
absolutamente primordial para o bom entendimento do que será exposto a seguir salientar
que não se trata de estabelecer “tipos de personalidade"ou qualquer outra coisa semelhante.
Trata-se antes da observação de respostas emitidas por alguns indivíduos em determinadas
circunstâncias, cuja freqüência e manutenção ao longo do tempo apontam para padrões
funcionais particulares, dignos de serem estudados e avaliados como tal. Mesmo sob risco,
o que se pode fazer para trazer o tema à discussão é simplesmente começar a fazê-lo,
assegurando que há muito mais a ser explorado.

Os padrões funcionais do manipulador relacional


Os padrões são (Nazare-Aga, 1997, pág. 17-35): simpatia, sedução, altruísmo,
cultura, ditadura e timidez. A breve descrição a seguir apresenta as linhas principais que
os caracterizam. Muitas outras nuances do comportamento estão envolvidas em função
do grau de refinamento das habilidades particulares do manipulador e a natural variabilidade
comportamental dos indivíduos. Embora cada_ manipulador sejajjnico em seu repertório, a
constância de certos comportamentos observados é suficientemente importante para
caracterizar um padrão comportamentaL Poder-se-ia chamar isso de padrfÍQ funcional
generalizado de manipulação. Uma relação de comportamentos que o compõem é
apresentada na seção “ÃTdèntificação do manipulador relacional".
Cabe ainda ressaltar que um manipulador experiente adquire a habilidade de
combinar diferentes padrões de manipulação, conforme seus objetivos e as contingências
nas quais se encontra.
Várias considerações feitas na descrição do padrão manipulativo “simpático" valem
igualmente para os próximos padrões analisados, razão pela qual as descrições dos
seguintes serão muito mais sucintas.

• O Manipulador “ Simpático”
Este parece ser, de longe, o padrão mais disseminado e perigoso de manipulação
relacional. Provavelmente porque os objetivos do manipulador ficam bem escondidos atrás

Sobrr Comportamento t Cofjniçào 329


de sua face muito cordial, de suas maneiras atenciosas, de sua aparente generosidade e
disponibilidade para prestar pequenos serviços e favores, da fluência de sua conversa e
do sorriso freqüente. “O sorriso se opõe à face carrancuda. Ele significa a aceitação do
outro. Ele institui o outro como um ser agradável. (...) Aquele que sorri vê-se etiquetado
como alguém amigável, cujos propósitos serão amigáveis - então, dignos de interesse"
(Mucchielli, 2000, pág. 76).
A exuberância de seu comportamento cativa a atenção e o afeto. Ele parece "de
bem com a vida" - alguém de quem se gostaria de estar sempre próximo, ou mesmo, ser
como ele. Seu aguçado repertório verbal, rapidez de raciocínio, inteligência e humor são
admirados. Embora algumas destas características façam realmente parte do repertório
do manipulador (não sejam comportamentos construídos e postos em ação apenas quando
deseja obter benefícios circunstanciais), a habilidade do manipulador consiste em utilizá-
las para tecer sua teia ou montar seu cenário sem que ninguém se dê conta disso e possa
discriminar os sinais sutis da operação. Em um exame banal, tudo o que se percebe são
comportamentos socialmente aceitos e bem vistos para o desenvolvimento de relações
cordiais, amigáveis e afetuosas.
A criaçào deste tipo de relação é “eficaz", pois reenvia a situações típicas e, por
este intermédio, a normas culturais aceitas por todos, do gênero: “se se tem um
amigo ou um companheiro, tudo o que ele nos diz è para o nosso bem e digno de
interesse" (Mucchielli, 2000, pág. 76).
Quanto ao indivíduo manipulado, para além da questão da adesão à regra social,
os elogios (na verdade lisonjas e adulação), a atenção constante e o aparente afeto que o
manipulador lhe dedica são reforçadores e conduzem o indivíduo a manter o comportamento
de atender às demandas do manipulador. Outros aspectos estão envolvidos na manutenção
deste comportamento e serão desenvolvidos mais adiante.
O objetivo do manipulador “simpático" é estabelecer relações de amizade,
cumplicidade, confiança e alegria o mais rápido possível com cada novo conhecido que
possa servir, no presente ou no futuro, aos seus propósitos. “(...) as variáveis à disposição
são primeiro manipuladas no sentido do estabelecimento e manutenção de contato entre
controlador e controlado. Se esta aproximação for bem sucedida, outras possibilidades de
controle podem então se desenvolver" (Skinner, 1953/1998, pág. 343). Gradualmente, ele
abrirá espaço ás suas próprias demandas, arranjando-se para que a vítima esteja a serviço
dele, favoreça-o em detrimento de outros, cumpra pequenos e grandes favores e faça até
sacrifícios pessoais para atendê-lo. A idéia de “vítima" em psicologia aparece às vezes
ligada à de ganhos secundários e à de uma relação de complementariedade entre a origem
do dano (pessoa, doença, etc.) e a vítima - e por isso às vezes ganha um tom pejorativo.
Provavelmente esta é uma herança das teorias freudianas, que difundiram a noção de
ganhos secundários aos sintomas. Porém, este não é o sentido que se deseja imprimir ao
termo neste artigo. A referência é ao indivíduo-alvo da manipulação como vítima desta.
Neste contexto, é útil a definição de vitima dada por Selosse (em Doron e Parot, 1991,
pág. 711): “qualquer pessoa que sofre um prejuízo material, físico ou moral, devido a
procedimentos malévolos de outrem ou acontecimentos exteriores prejudiciais". A co-
responsabilidade da vitima na manipulação será discutida no tópico "Manipulador ou
manipulado?".

330 Soídnflc L Machado


O processo manipulatório tem início mas não tem fim - por mais que a vítima
faça, nunca é suficiente. A noção de que existem limites para a manutenção de certos
comportamentos e estes limites são determinados pelas contingências em que o
comportamento se dá não ó bem aceita pelo manipulador. Quando ele recebe de volta um
claro limite do ambiente como conseqüência de seu comportamento (na forma de um
"não", p.ex.), ao invés de aceitá-lo como um feedback útil para a reavaliação de suas
ações, ele movimenta-se para contornar o limite e subverter as regras que não lhe
favorecerem e no fim alcançar seu intento. E isso a despeito dos pensamentos, sentimentos,
desejos e necessidades que suas vítimas tenham. Este modo de funcionamento faz com
que os manipuladores sejam às vezes descritos na linguagem comum como "pessoas
sem limites". Muchielli (2000, pág. 76) assinala o caráter assimétrico de uma relação
com um manipulador:
Trata-se então de uma relação assimétrica (...) e opositiva (os interesses nSo são
os mesmos). (...) Toda a arte do manipulador está om fazer esquecer a natureza
desta relação que apelaria a priori aos mecanismos de reflexão crítica e defesa
e substitul-la por uma relação mais favorável.
Favorável a ele, evidentemente, pois prevalecem os seus interesses.
Qualquer um já experimentou a dificuldade de se recusar algo a alguém que se
estima. O manipulador almeja colocar-se na posição de "pessoa estimada" pela vítima,
para que esta não consiga lhe recusar nada. Para isso, ele dispensa os reforçadores
necessários que criam e mantêm a relação com base em uma disposição emocional
positiva da vítima para com o manipulador (lisonjas, atenção, presentes, aparente afeto e
aprovação). Em termos de manipulação profissional, uma conhecida lei de persuasão é
chamada “lei dos amigos" (Hogan, 1998, p. 48). Reza esta que "quando alguém lhe pede
para fazer alguma coisa e você nota que esta pessoa tem em mente atender aos seus
maiores interesses e/ou gostaria que ela tivesse os seus maiores interesses em mente,
então você estará fortemente motivado a satisfazer a solicitação". O manipulador esforça-
se para que o manipulado creia no "interesse sincero" que demonstra ter por ele; como o
manipulado deseja manter este interesse e os reforçadores que ele lhe dispensa, empenha-
se em atender às demandas do manipulador. Este também pode utilizar outras formas de
controle como criar contingências de dependência financeira (emprestar dinheiro, acenar
com possibilidades de ganhos e gratificações), política (grupos de interesse com "troca de
favores"), social (aceitação em grupos sob determinadas condições) e profissional
(manutenção de qargos e favorecimentos).
É importante observar que no início e durante muito tempo no desenvolvimento
da relação, nada será evidente das intenções e objetivos do manipulador. Ele é hábil em
esconder seus verdadeiros pensamentos (como o de que ele é superior às outras pessoas),
e emoções (principalmente o desprezo para com os outros). Com o passar do tempo, o
desconforto e sofrimento gerados pela convivência com o manipulador podem impelir
saudavelmente o manipulado a tentativas de rechaço da manipulação: dizer não, fugir dele
ou evitá-lo. Estas tentativas são implacavelmente punidas com a desqualificação e a
culpabilização do manipulado. "Culpabilização" indica o ato de culpar o outro e a ação que
procura eliciar neste o sentimento de culpa.
Culpa segundo Viscott (1982, pág. 89) “é o sentimento de ser indigno, mau, ruim,
cheio de remorsos, autocensurável, detestando a si mesmo". Para Harris (cfe. citado em

Sobrr Comportamento r CognifAo 331


Loos, 1999, pág, 53), sentimos vergonha ou culpa quando acreditamos que fizemos ou
permitimos que acontecesse algo que não atinge um padrão ou que fere uma regra geral.
Tangney (1995, pág. 1142) recorda que sentir-se mal é uma resposta apropriada e funcional
em situações em que pessoas cometem erros, transgridem ou causam danos a outros.
Em tais situações ó importante parar e dar-se conta do acontecido, sentir-se motivado
para corrigir seus erros e dispor-se a mudar seu comportamento no futuro. Entretanto,
embora possa ter uma função adaptativa em nlvel social, a culpa é um aríete poderoso nas
mãos de um manipulador. Com insinuações ou apelando diretamente para antigas culpas,
fáceis de serem pesquisadas na história do indivíduo, ele controla seu comportamento. A
culpa é o eco de aprendizagens muito antigas. Quase todo mundo tem uma lembrança
deste gênero: no dia em que não arrumou seu quarto, não fez os deveres de casa, não
agradeceu o presente da tia, não deu um beijo de boa noite nos pais, etc., ouviu algo
como: "Que tipo de menino (a) você é? Só um(a) menino(a) mau(má) faz isso!". A criança
aprende que "mau" (mesmo desconhecendo o significado da palavra) se refere a ela. Sempre
que a mãe (pai, tia, professora ou qualquer pessoa de referência) usa "mau" na sua
comunicação com a criança, a linguagem não-verbal que a acompanha (tom de voz,
expressão facial, gestos) sinaliza à criança que algo ruim pode acontecer. Estas e outras
comunicações “ensinam" à criança como ela "deve” se sentir: com medo, ignorante, ruim,
vulnerável e culpada.
Isso funciona muito bem para controlar o comportamento das pessoas que nunca
passaram por processo terapêutico ou questionaram sua aprendizagem de culpa por outros
meios. Para Skinner(1953/1998, pág. 205),
“(...) uma condição de culpa ou vergonha não ó gerada apenas por comporta­
mento previamente punido, mas por qualquer ocasião externa consistente com
esse comportamento. O indivíduo pode sentir-se culpado em uma situação na
qual foi punido. Podemos controlá-lo pela introdução de estímulos que causem
esse efeito,"
Assim, quando o manipulador diz ao seu interlocutor "que está sendo injusto
pois afinal ele sempre o ajudou", estará deliberadamente introduzindo os estímulos que
remetem o indivíduo ao sentimento de culpa que se seguiu a uma situação em que foi
severamente punido com a desaprovação social por não querer fazer algo para alguém.
O uso de palavras-chave como "egoísmo, individualismo, injustiça, agressividade,
insensibilidade e ingratidão", entre outras, podem eliciar igualmente emoções negativas
como culpa, Keller e Schoenfeld (1950/1973, pág. 239), analisando o uso que Car) Jung
fazia de palavras-estímulo como "indicadores de complexos e culpas reveladoras", observam
que "seu trabalho foi um reconhecimento do fato de que determinadas palavras,
ordinariamente neutras, podem ter-se tomado emocionaímente 'carregadas' para o índivíduo
devido à sua conexão com experiências anteriores, geralmente incluindo reforçamento
negativo". Utilizar-se de palavras-estímulo e regras para fazer o manipulado agir poderia
talvez ser caracterizado pelo que Skinner( 1971/1983, pág. 72) chama de incitação:
Incitar significa pressionar ou induzir; é tomar uma situação aversiva mais urgen­
te. Incitamos a alguóm a agir do mesmo modo que poderíamos empurrá-lo com
o braço para a ação. Tais estímulos são, em geral, sutis, mas são eficazes se
estiverem associados a conseqüências aversivas passadas mas poderosas.
No contexto de manipulação, a ação reforçada negativamente diante de tais
estímulos aversivos é aquela de atender às demandas do manipulador. O mesmo acontece

332 Sotanflc I . M.ichudo


com a culpa. A aversividade do sentimento de culpa para o indivíduo torna-o suscetível de
engajar-se em qualquer comportamento que o livre desta condição. Tudo isso está, é
claro, sujeito à história particular do manipulado-as palavras-estlmulo e regras que incitarão
um sujeito não necessariamente incitarão outros.
O manipulador é mestre em tomar regras sociais comumente aceitas, do gônero
"devemos ajudar-nos uns aos outros", e distorcé-las a serviço de seus próprios fins. Sua
argumentação soará perfeitamente lógica, embora não passe de um sofisma, pois sua
base é falsa. Breton (1999, pág. 86) chama de enquadramento abusivo a operação de
ordenar os fatos de tal maneira que a nova imagem da realidade assim composta suscite
a convicção sobre bases falsas. "Ele supõe que se se apresentasse o real de maneira
não-deformada, seria impossível convencer o público".
Mesmo sofrendo, muitas pessoas não discriminam o fato de estarem sendo alvos
de um comportamento manipulativo altamente sofisticado, confundidas que estão pela
encenação de lisonjas e atenções. Elas acreditam nas mentiras do manipulador e passam
a vida buscando nelas mesmas as causas de seu sofrimento. Apenas a observação atenta
da persistência de algumas características ao longo do tempo poderá revelar a máscara
de um manipulador.
Mas, antes de recuar diante de todo indivíduo simpático, deve-se considerar o
seguinte: o indivíduo verdadeiramente simpático não esconde sistematicamente quem ele
é, não faz o outro se sentir culpado para controlá-lo melhor e não necessita desqualificá-
lo e fazer demonstrações constantes de sua "superioridade" para "se valorizar". Talvez
isso ajude como indicação preliminar. O restante das características contemplar-se-á
adiante.

• O Manipulador “ Sedutor”
A influência deste manipulador ó sutil e envolvente. O manipulador "sedutor" cultiva
o charme pessoal e todas as armas de sedução conhecidas, verbais e não-verbais. Segundo
Buss (1992, pág. 479), a tática do charme é a mais freqüentemente utilizada para a
eliciação de comportamentos. Táticas coercitivas como o “tratamento silencioso" (ignorar
o outro, não dirigir-lhe a palavra ou não responder às suas demandas) são mais utilizadas
para obter o término de um comportamento. O manipulador "sedutor" olha nos olhos,
modula a voz cuidadosamente - de preferência em um tom baixo -, explora tanto quanto
possível seus atrativos físicos, move-se de maneira leve, furtiva e insinuante, faz perguntas
íntimas ou embaraçantes para criar um clima de delicado constrangimento e cumplicidade;
todavia, ele se esquiva daquelas que lhe são apresentadas pois não respondendo
diretamente permanece em torno dele o ar de mistério que lhe é vantajoso manter.
Freqüentemente é descrito como charmoso. Ele é hábil e muito gentil, sendo difícil recusar-
lhe alguma coisa. "Ora, nenhum homem é mais perigoso do que aquele que (...) subjuga
o coração mais rebelde só com o mover lento dos ombros ou ao murmurar 'que linda
tarde!’’’ (Eça de Queirós, citado em Rónai, 1985, pág. 883).
Na infância, uma obediência quase servil juntamente com um sorriso sempre
pronto eram provavelmente reforçados mais freqüentemente em seu meio do que
comportamentos de enfrentamento, contestação e birra que se pode esperar no

Sobre Comportamento c Cognição 333


desenvolvimento da criança. Era funcional, e como continuou sendo ao longo de sua vida,
por que ele deveria mudar? O manipulador "sedutor" conduz sua vitima sutilmente a pensar
como ele deseja, a ver seus desejos e necessidades como mais importantes do que os
dela própria e leva-a a dar muito e sempre mais, recebendo em troca apenas lisonjas - e
talvez mais um sorriso.
O “sedutor" causa sofrimento para os seduzidos sob o seu jugo. As vitimas da
manipulação caíram na armadilha e estão se debatendo, não para sair (pois não sabem
como), mas para não sofrer as sanções (como reprimendas verbais e os sentimentos de
culpa que o manipulador sabe tão bem induzir suas vítimas a sentir). Quando o indivlduo-
alvo da manipulação se encontra neste ponto, ele age cedendo ao manipulador quase que
exclusivamente por reforçamento negativo. Trata-se de reforçamento porque tende a manter
o comportamento de ceder às demandas [do manipulador], e negativo porque ceder torna
as sanções (o punidor) menos provável (Baum, 1999, pág. 77). A experiência constante
deste estado gera efeitos danosos para o indivíduo. Sidman (1995, pág. 109), examina
este ponto:
A contingência de reforçamento negativo, que coage o animal a pressionar a
barra para desligar choques, torna-o incapaz de relaxar sua vigilância. Em posi­
ção de não fazer e de não aprender qualquer coisa, ele leva o que podemos
chamar de uma "vida de quieto desespero", seu único critério de sucesso sendo
sua efetividade em reduzir a quantidade de choques que ele toma. (...)
Reforçamento positivo deixa-nos livre para satisfazer nossa curiosidade, para
tentar novas opções. Reforçamento negativo inculca um repertório comportamental
estreito, deixando-nos temerosos de novidades, com medo de explorar. (...) Se
nosso objetivo for criar um ser que fará exatamente aquilo que queremos, e nada
mais, o caminho è um forte reforçamento negativo.
Parece que a habilidade do manipulador está em combinar certos reforçadores
positivos (como atenção e lisonjas) com contingências de reforçamento negativo (ele pune
com sanções ou retirada de reforçadores como afeto, por exemplo, e uma vez punido, o
indivíduo passa a funcionar por evitação de uma possibilidade de punição próxima).
O objetivo do manipulador “sedutor" é criar em torno de si, mais do que admiração,
um clima de mistério e, principalmente, fascinação e encantamento. É digna de nota a
origem latina da palavra fascinação: fascinare, de fascinium, que significa "charme e
malefício" (Nazare-Aga,1997, pág. 25). Aquele que fascina paralisa com o olhar, atrai
irresistivelmente, encanta (Weiszflog, 1998, pág. 940). "Encantamento" também é o nome
dado ao que fazem bruxas e feiticeiros. Eis os malefícios implícitos na fascinação do
"sedutor”, que são tão mais perigosos quanto o manipulado estiver preso ao encantamento.

• O Manipulador “ A ltruísta"
O manipulador “altruísta" é o mais hábil utilizador do princípio social e moral da
reciprocidade. Vejamos: quando alguém dá algo a você ou presta*lhe um favor, você não
se sente em dívida para com este e se engaja, cedo ou tarde, em comportamentos para
quitar esta "dlvida-quase-culpa"? Se a resposta foi “sim", demonstra ser oriunda de um
membro típico de nossa cultura, na qual sempre se deve retribuir aquilo que se recebe
como benefício dos outros. Aprende-se esta regra desde a infância e fazer diferente seria
considerado sinal de ingratidão, grosseria ou egoísmo e acarretaria punições. "Os

334 Selante I.. M achado


julgamentos de valor, o que é muito claro quando envolvem deveria ou deve, são regras
(estímulos discriminativos verbais) que indicam contingências últimas que são sociais -
originam-se das práticas do grupo a que o ouvinte pertence" (Baum, 1999, pág. 239).
A "lei da reciprocidade" constitui outro instrumento para os fins de um persuasor.
Hogan (1998, pág. 41) explicita desse modo o uso de regras sociais na persuasão:
Em cada cultura, as pessoas desenvolvem determinadas respostas para situa­
ções comuns no processo de persuasão. Estas respostas a certos estímulos
possibilitam prever o comportamento e, por conseguinte, persuadir os outros.
Infelizmente, são estas mesmas respostas que tornam possível a manipulação
ou que alguôm seja manipulado por indivíduos inescrupulosos.
A regra em si traz benefícios para o conjunto da sociedade. É a base para uma
economia de trocas que provavelmente ajudou primitivos grupos humanos a estabelecerem
vínculos a despeito da diversidade cultural e que mantém-se até hoje. Contudo, o princípio
da reciprocidade se transforma em arma de coerção quando rotula aquele que não o
segue rigorosamente como ingrato, aproveitador, mal-educado, etc. “Retribuir, decerto,
não ó necessariamente 'ruim*. Os relacionamentos são nitidamente construídos na base
da retribuição: porém, podem surgir dificuldades quando a retribuição se transforma em
manipulação" (Hogan, 1998, pág. 45). Vendedores conhecem bem este princípio e o
controle que propicia. É uma estratégia de vendas comum em supermercados posicionar
demonstradores de produtos que gentilmente oferecem amostras de sucos, biscoitos,
cafés, etc. Quando alguém aceita e consome a amostra gratuita, imediatamente sente-
se em dívida para com a pessoa em frente, se sua história anterior de aprendizagem der
margem a isto. A maneira mais simples de fugir do mal-estar aprendido é, então, pegar
um exemplar do produto na prateleira e ir embora o mais rápido possível...
Para um manipulador ‘'altruísta", as contingências criadas pelo princípio da
reciprocidade são ideais para a consecução dos seus objetivos. Ele dá coisas e faz coisas
para o manipulado sem que este tenha pedido, tornando-o imediatamente seu "devedor".
Aparentemente, ele o fez por seu altruísmo, desapego, desinteresse e bom coração. "O
interesse fala todas as línguas e representa todas as personagens, mesmo a do
desinteressado" (La Rochefoucauld, cfe. citado em Rónai, 1985, pág. 501).
Baum (1999, pág. 236) assinalou que "o comportamento altruísta nunca é destituído
de auto-interesse. (...) As pessoas em geral são boas porque foram ensinadas a assim
fazê-lo - as ações ‘boas’ foram reforçadas por pais e outros familiares". No caso da
manipulação, a imagem de ser “bom" é utilizada pelo manipulador com o fim de compelir
o outro a retribuir a pretensa dívida. O indivíduo manipulado assume o papel de devedor
sem conseguir discriminar claramente o que se passa e não consegue reagir adequadamente
á manipulação.
Nestas circunstâncias, o manipulado não ousa recusar nada a um manipulador
altruísta. Caso contrário, ele "teria toda a razão" em chamá-lo de ingrato e tudo o mais.
Como o indivíduo não deseja "merecer" estas designações tão eliciadoras de culpa,
conforma-se em seguir as regras sem questioná-las no contexto atual. As demandas do
manipulador serão em geral muito maiores do que o "benefício" que propicia ao manipulado.
E é o manipulador que decide quando e como o devedor quitará a dívida, não importando
os desejos e opiniões deste ou os esforços que terá de fazer para atendê-lo. Diante de

Sobre Comportamento c Cognição 335


uma hesitação da vítima, ele sempre pode dizer: "quando você precisou de mim, você
pôde contar comigo; eu o ajudei sem pedir nada em troca...".

• O Manipulador “ Culto"
Examinemos o caso de um velho professor, relatado em uma sessão de
atendimento psicológico. Este comparecia às reuniões com seus colegas e superiores
funcionando no padrão do manipulador "culto". Ao tomar a palavra, imediatamente desfiava
por minutos toda a sua titulação, experiência profissional e pretensa superioridade intelectual
em relação aos presentes, pelos quais parecia nutrir um Intimo desprezo. Logo após, para
falar do assunto em pauta, monopolizava a palavra ainda um longo tempo, alinhavando
termos de pouco uso no vocabulário cotidiano, citando periódicos e livros em outras línguas,
apresentando como fatos supostos achados científicos, exprimindo-se com um tom de
evidência que gerava em alguns membros da platéia um sentimento de ignorância e
inferioridade. Quando alguém o questionava sobre algum ponto de seu discurso, ele se
mostrava irritado, desdenhoso e "surpreso pelo grau de desconhecimento" do interlocutor.
Este é um artifício para aumentar o sentimento de ignorância do ouvinte e uma atitude
submissa frente à sua pretensa "autoridade". O que ele não explicava, passava como se
fosse, obviamente, "obrigação” do interlocutor saber. Entretanto, concreta mente, o discurso
deixava os ouvintes sem referências precisas. Um orador que fala bem tende a ser mais
convincente. A manipulação começa quando seu “bem falar" toma o lugar do próprio
argumento, o qual deixa de ser um acompanhamento para tornar-se o elemento central da
situação (Breton, 1999, pág. 67).
O manipulador "culto" ou não sabe nada (e sempre se esquivará de ser mais claro
a respeito do que fala), ou conhece algo do assunto (e então dominará o discurso para
"expor sua sapiência"). Toda esta pantomima objetiva desestabilizar o interlocutor e deixá-
lo à sua mercê, com base na “surpreendente ignorância" daquele, em contraste com a
"grande cultura e conhecimento" do manipulador. É comum ele usar palavras e expressões
e estudar assuntos que quase ninguém usa/estuda, para aumentar o efeito de seu
desempenho sobre a platéia. Isto parece estar relacionado ao que Hayes, Zettle e Rosenfarb
(cfe. citados em Catania, 1999, pág. 276) explicitam: “algumas instruções funcionam como
operações estabelecedoras, aumentando a efetividade de alguns reforçadores". Isto é
chamado de augmenting, uma unidade do comportamento governado por regras, em que
o efeito resulta.da habilidade das palavras eliciarem respostas emocionais condicionadas
(Hayes, Zettle e Rosenfarb, 1989, pág. 206-207). Um exemplo de augmenting seria um
poema abstrato que deixa os ouvintes mais sensíveis à importância das relações
interpessoais em suas vidas. Os ouvintes podem não ser capazes de descrever esta
relação, contudo ela pode produzir mudanças no comportamento.
Como não temos o hábito de contestar figuras de autoridade reaí ou suposta,
engolimos mais facilmente a farsa do manipulador culto. O apelo à autoridade é um meio
de manipulação de uso freqüente, pois permite fechar a questão sem discutir, com o
objetivo de fazer aceitar a qualquer preço uma opinião ou provocar um comportamento
(Breton, 1999, pág. 17). "Quando se manipula, não se procura argumentar, isto é, trocar
idéias, mas impô-las" (pág.21). Em persuasão, esta é a "lei do poder": "Pessoas exercem
poder sobre outras quando se nota que têm maior autoridade, força ou conhecimento"
(Hogan, 1998, pág. 60). Para Skinner (1971/1983, pág. 43), reverenciamos o inexplicável

336 Soldnjjc I-. Mdchdtlo


e portanto não surpreende que admiramos mais um comportamento quanto menor for
nossa compreensão do mesmo. Baltasar Gracián2 (Séc. XVII/sem data, pág. 13)
recomendava que não se expressassem as idéias com clareza demais. Para ter valor, as
coisas têm de ser difíceis: se não o entenderem, as pessoas o terão em mais alta conta.
Sherlock Holmes não apreciava a apologia romanesca que Watson fazia de seu método
de investigação, mas se mostrava um pouco aborrecido quando, após expor a longa e
brilhantemente articulada cadeia de eventos e deduções, Watson às vezes comentava
que tudo aquilo afinal, era muito óbvio... A atração do desconhecido tinha desaparecido.
Uma antiga história da tradição oral árabe expõe de maneira divertida este tema,
convidando-nos a refletir sobre a constância de alguns padrões de resposta no ser humano,
visando a influência do comportamento alheio*:
Nasrudin retornou da capital imperial e os cidadãos do vilarejo juntaram-se a sua
volta para ouvir o que tinha a dizer. "Serei breve”, disse Nasrudin, “e concentrarei
minhas observações sobre o ensejo, na simples afirmação de que o meu maior
momento foi quando o rei falou comigo". Estupefatos diante de tal prodígio e
inebriados pelos reflexos de tamanha glória, a maior parte dos cidadãos deban­
dou e pôs-se a caminho, discutindo aquele maravilhoso acontecimento. O me­
nos sofisticado de todos aqueles camponeses permaneceu por ali e perguntou:
"O que disse sua majestade?” "Eu estava fora do palácio quando ele apareceu e
falou comigo, em alto e bom som, para quem quisesse ouvir: Saia do meu cami-
nhof. O simplório camponês deu-se por satisfeito. Agora tinha escutado com
seus próprios ouvidos as palavras que, de fato, foram proferidas por um rei...
É importante lembrar que não é necessário ter um cargo ou posiçáo social ou
profissional em particular para desempenhar o papel do manipulador “culto” (se bem que
isso aumente o efeito). Alunos de faculdade, colegas de trabalho, pais de família, etc.,
valendo-se de um discurso bem montado e de sinais externos de autoridade (como roupas,
acessórios e gestos, por exemplo), podem desempenhar muito bem o papel. Basta estar
de posse de uma informação não comumente dominada pelos outros e exprimi-la no tom
de evidência apropriado para provocar o respeito advindo, não do reconhecimento de uma
autoridade real, mas da crença dos ouvintes em sua própria ignorância.
Uma pessoa realmente culta não necessita criar contingências para dar a
impressão de que o outro é ignorante, inculto e mal informado.

• O Manipuladdr "D itador”


Este padrão manipulativo ó infelizmente freqüente em cargos de chefia, embora
não seja exclusividade desta situação. É o mais correntemente descrito em reportagens
para o grande público, identificado como psicoterror e assédio moral (Bernardi, 1999,
págs. 30-39; Gruber, 2000, págs. 36-46; Silveira, 2001, págs. 76-79; Soares, 2001, págs.

' Battasar Giaüèn, um oonUoverso padre )eeuHa que vtveu na E.tpanha no Séc XV». escreveu texto» que wataam oom
O Príncipe (Maqulavel) em erudição e, Mgundo algum críticos, cinismo Seu texto impressiona pela perspicícla e agudez das observeçOea Segundo
»eu tradutor Inglês, Mnurer, embora OracMn Insista na adaplabüidade. na metamorfose e na camuflagem do comportamento segundo m circunstânci­
as, eto revela uma 'pungente percepção da fraglMade e vulnerabilidade do homem’ Leitura reoomendeda.

* A tradlçAo de utilizar contos para a transmissão de princípios e conhecimentos foi e oontinua sendo praticada em todas as culturas Isto se mantém
provavelmente porque os contos funcionam como facilltadorea da aprendizagem Ra/Ao pola qual sAo utilizados alguns deles neste texto, atribuldoa a
Nasr Al-Dln (Sec X IV /1964).

V>brt Comportamento e Co#mçJo 337


102-109; Matuck, 2001, on-line, para citar algumas). O potencial destrutivo do manipulador
"ditador" para subordinados e colegas é contundente. É fácil reconhecer o padrão:
habitualmente violento, as críticas, os ataques e as reclamações são sua moeda corrente.
Rejeita as regras da cordialidade, faz comentários desagradáveis, comporta-se agressiva
e autoritariamente, não aceitando nenhuma forma de contestação ou critica ao seu "modo
de fazer as coisas funcionarem". Manifestações afetivas são desprezíveis para ele - tudo
deve estar sob absoluto controle. O manipulador "ditador” desconfia de tudo e de todos.
Ele decidiu que suas regras seriam aplicadas nos ambientes em que estivesse (trabalho,
família...). O que os outros pensam ou sentem a respeito disso não tem nenhum interesse
para ele. Por outro lado, ele pode ser lisonjeador quando é de seu interesse. Ele procura
gerar medo e, através dele, obter o que deseja. O manipulador "ditador" aprendeu que
punir é uma forma rápida e eficiente de fazer com que os outros se comportem da maneira
que ele quer, e tem “boas" justificativas para fazê-lo, porque a punição ó o método mais
conhecido, aceito e até "recomendado" pela cultura de um modo geral. A punição
popularizou-se em parte pela imediaticidade do reforçamento que propicia para o punidor.
O manipulador “ditador" não é reconhecido como tal; mais comumente é visto
como genioso e difícil. Até há pouco tempo, nos ambientes empresariais, este perfil de
chefe era visto como um mal menor quando se avaliavam os resultados que ele obtinha.
Mas como aponta Sidman (1995, pág. 107), empresas com uma alta rotatividade de seus
funcionários, mesmo pagando bons salários, deveriam investigar a possibilidade de que
eles estejam fugindo de práticas coercitivas de supervisão. Mais recentemente, reconhece-
se que os danos do terrorismo psicológico que o manipulador "ditador" faz afetam não
somente subordinados e colegas, mas a própria empresa, uma vez que o desenvolvimento
e a sobrevivência da empresa a médio e longo prazo dependem diretamente dos recursos
humanos e da qualidade das relações cultivadas. O padrão "ditador” deixou de ser sinônimo
de competitividade pessoal e empresarial.
Todavia, como dito acima, o manipulador “ditador” não está presente apenas nas
empresas. Este padrão funcional encontra-se em todos os ambientes e o indivíduo em
questão costuma ocupar algum lugar de influência ou autoridade, real ou auto-institulda.
Se ele ainda não ocupa este lugar, está fazendo tudo para alcançá>lo e assim dar livre
vazão ao seu comportamento.

* O Manipulador ‘T ím ido "


Se o manipulador “simpático" é de difícil detecção pelo seu comportamento
exuberante e falacioso, o manipulador "tímido" também o è pela quase ausente encenação
aberta. Sua discrição e economia de comportamentos abertos se traduz pelas poucas
linhas com as quais se descreve seu padrão funcional neste item. Pelas características
funcionais, a manipulação "tímida" é mais freqüentemente exercida por mulheres (Nazare-
Aga, 1997, pág. 33). Na verdade, ela é uma falsa tímida. Timidez é definida por Prévost
(em Doron & Parot, 1992, pág. 686) como “a incapacidade de passar ao ato nas condutas
verbais, profissionais ou sexuais de alguma importância". A manipuladora "tímida",
diferentemente do indivíduo chamado tímido, nào deixa de se posicionar. Ela apenas o faz
de modo subreptlcio. A manipuladora "tímida" é muito discreta em grupo. É retraída,
silenciosa e se abstém de dar opiniões. Tem uma aparência frágil, submissa e inofensiva,
eliciando nos circundantes sentimentos de proteção. Porém, por trás da máscara de

338 Soldíifjc L Mdchddo


timidez, um olhar atento observa e julga. Suas intervenções são sutis: induz outros (colegas,
marido, familiares) a transmitirem suas mensagens críticas, jamais se posicionando ela
mesma diretamente. Sua influência sobre o curso dos acontecimentos é quase invisível.
Com uma palavra, um olhar, um gesto, ela controla o ambiente, semeia a suspeita e o
conflito. Os conflitos emergem nos ambientes em que a manipuladora “tímida" está, mas
nunca parecem estar relacionados a ela. Afinal, ela diz detestar os conflitos. Seu poder
pernicioso não deve ser subestimado.

A identificação do manipulador relacional


Com a rápida caracterização do comportamento manipulativo apresentada
no item anterior, talvez a percepção de alguns leitores tenha começado a se ampliar e
alguns indícios presentes no comportamento de um manipulador conhecido seu, que antes
haviam passado despercebidos, agora estejam sendo discriminados. Mas, como ter certeza
de que não se trata de um comportamento circunstancial, ao invés de um padrão
comportamental solidamente aprendido e em pleno funcionamento? Para diferenciar as
duas situações, Nazare-Aga (1997, pág. 37) propõe uma série de comportamentos a
serem observados ao longo do tempo. O tempo é um fator importante, pois apenas no
fluxo temporal se poderá observar a constância e freqüência com que ocorrem estes
comportamentos. Embora este não seja ainda um instrumento validado nos padrões
científicos, é unia sugestão de ponto de partida para a análise e caracterização do
comportamento manipulativo. Não ó possível identificar um manipulador pela análise de
um único evento. É prudente, no máximo, desconfiar (se bem que a habilidade discriminativa
do observador torna-se cada vez melhor com o treino). Da lista abaixo, a presença de 10
ou mais das 30 características relacionadas, apontaria o indivíduo funcionando como um
manipulador relacional (Nazare-Aga, 1997, págs. 38-39). As observações em letra itálica
são comentários às afirmações de Nazare-Aga.

Ele_cu!pa.ç
profissional, etc.
2.

Se tudo vai bem, ele sempre se porá em posição de receber os louros da vitória;
se vai mal, a responsabilidade será exclusivamente dos outros. Em Weiszflog (1998, pág.
1829), encontramos que é "responsável" quem assume a culpa, quem ó chamado a prestar
contas. Bloch et al. (1994, pág. 676) sublinham a obrigatoriedade: “Responsabilidade ó a
obrigação de prestar contas de seus atos, diante de certas instâncias, segundo
procedimentos bem determinados". A noção de culpa ó culturalmente associada àquela
de responsabilidade como dever e obrigação. Isso favorece muito o jogo do manipulador,
pois ó manejando nossos sentimentos de culpa que ele nos faz assumir suas
responsabilidades.
^3. Elè não comunica claramente os seus pedidos, necessidades, sentimentos e opiniões.
Nada é nomeado, tudo é subentendido. A comunicação paradoxal, ambígua, é
estratégica para ele. "O paradoxo é uma proposição ao mesmo tempo verdadeira e falsa, que
acarreta deduções contraditórias, entre as quais a razão oscila interminavelmente" (Anzieu, em

Sobrr C'omport«tmtnlo < Co#niç.lo 339


Doron e Parot, 1991, pág.495). Obedecendo a um aspecto da comunicação, o interlocutor
automaticamente estará desobedecendo ao outro. Deste modo o manipulador sempre poderá
demonstrar-se insatisfeito com o interlocutor - e este passível de critica e vulnerável. “O discurso
paradoxal é composto de uma mensagem explícita e de um subentendido que o agressor nega
existir. É um meio muito eficaz para desestabilizar o outro" (Hirigoyen, 2000, pág. 123).
4. Ele responde muito freqüentemente-de maneiraeyaaiva Jluida,
Não é de seu interesse revelar o que pensa e sente verdadeiramente. Enquanto o
interlocutor estiver na dúvida, ele terá o controle da situação. É mais fácil também para
alternar entre padrões de manipulação conforme as contingências.

situações.
Não se pode acusá-lo de falta de habilidade discriminativa. Ele é muito perspicaz.
Um manipulador “simpático" pode tornar-se "ditatorial” se alguém tentar resistir-lhe ou se
um incauto pisar no território dele. Embora opere em um padrão característico, o manipulador
pode alterar comportamentos e adotar outros padrões rapidamente, conforme as
contingências. Tudo depende de quão experiente e “refinado” ele é na manipulação. Christie
e Geis (cfe. citado por Buss e cols., 1987, pág. 1220) estudaram o "maquiavelismo", que
caracterizaram por manipulação, cinismo sobre a natureza humana e astúcia no
comportamento interpessoal. Estes observaram que no contexto de experimentos
laboratoriais, os indivíduos com aítos escores em maquiaveíismo demonstram \jm agudo
e oportunista senso de 'timing’" e parecem ser especialmente hábeis em capitalizar
situações que contêm ambigüidades no que diz respeito às regras

A aguçada habilidade verbal do manipulador ó um aspecto nuclear de sua


performance, sobre o qual interessados no comportamento verbal poderiam se debruçar e
contribuir para uma melhor compreensão. Entre outros aspectos, terão que
necessariamente estudar a aprendizagem e uso dos sofismas com os quais o manipulador
permeia sua comunicação.
7. Ele faz c

e às questões.
Freqüentemente as pessoas nâo aceitam, não admitem “não saber das coisas".
É um tema freqüente em psicoterapia. Ciente disso, o manipulador diz coisas como "mas
como você não sabia disso? como não previu?", mesmo que não houvesse nenhuma
possibilidade real para tal. O objetivo é colocar o interlocutor na posição de inadequado,
iofçrior e culpado. Os latinos já ponderavam: "Culpa ab eo exigenda non est: cum divinari
non est"- Não há culpa para quem não pôde prever.
8.

Um manipulador freqüentemente galga posições profissionais e sociais subindo


sobre as cabeças dos outros. Para Hirigoyen (2000, p. 125), desqualificar é "esvaziar de
alguém todas as suas qualidades, dizer-lhe e repetir-lhe que ele não vale nada, até que ele
próprio acabe achando o mesmo." Ele afirma sua superioridade, desqualificando os outros

340 SoldtiHC L Mdihdiio


- um sinal de que ele próprio, ao final, não acredita em si, embora não admita isso, nem
para si nem para ninguém. Ele está convicto de sua superioridade e de que não faz nada
mais do que ocupar o lugar que lhe ó de direito no mundo.
9.
recados, bilhetes. etc.V
É o seu típico modo de atuação quando quer posicionar-se: "mandar recado",
fazer com que o outro diga o que lhe interessa sem assumir a autoria. Assim, esquiva-se
do enfrentamento de situações que poderiam não lhe ser favoráveis. Se flagrado como
autor de alguma das mensagens que enviou por terceiros, negará veementemente tê-lo
feito e acusará o “mensageiro" de ter inventado ou distorcido suas palavras ("eu nunca
disse isso, você com certeza me interpretou mal").
10 .
É o principio maquiavélico e napoleônico do “dividir para melhor reinar" - pessoas
divididas em conflitos nunca se unirão contra um inimigo em comum: ele. As estratégias
comuns são a maledicência, difusão de boatos, intrigas e ciúmes. Além disso, ele sempre
poderá auferir lucros apoiando ora um, ora outro.
\(v \) Ele sabe se colocar como vitima para quem ele se Queixa (doenca exagerada, meio

Aqui a idéia de “vítima" está ligada à de busca de ganhos secundários, diferente


daquela adotada no restante do texto quando falamos do manipulado como vitima. O
papel de "vitima" e seus ganhos secundários é bem descrito em psicologia.
- (Í2) EJfi ignora os pedidos (mesmo36 elfi diz se ocupar deles),
Em uma sessão de atendimento psicológico, um cliente relatou sua experiência,
em uma ocasião em que desejava ir a um congresso importante na sua área de trabalho.
Ao pedir dispensa ao superior imediato, manipulador relacional atendendo à maioria dos
critérios deste check-list, ele lhe recusou. Questionando sobre os motivos, ouviu como
resposta um simples "depois lhe explico", dito com um tom de voz grave, enquanto se
agitava demonstrando grande ocupação e preocupação com eventos importantes que
aconteceriam, supostamente, em breve. Ele nunca mais falou no assunto. E nada de
importante aconteceu, evidentemente. Como isso ocorreu muitas outras vezes, ele não
abria mão de ter o indivíduo à sua disposição, sob controle todo o tempo, não importando
o quão importantè fosse para este ou para a empresa o congresso.
13.
L de caridade, racismo, bem e mal, etc.).
Um manipulador presta muita atenção às regras e princípios sociais e morais
difundidos. Eles são matéria em estado bruto, sempre passíveis de transformação em
produtos acabados para justificar e apoiar sua argumentação, seus atos, suas demandas.
Naturalmente, estas mesmas regras não se aplicam ao comportamento dele mesmo para
os outros.
,14. fle ameaça de maneira disfarçada ou faz uma chantagem aberta.
As ameaças veladas são perniciosas: geram uma vaga sensação de mal-estar,
como saber que há um machado pendendo sobre a sua cabeça, que pode tombar a

Sobre Comportamento c Cognição 341


qualquer instante. Se se o questiona, tentando pôr as coisas às claras, ele negará
veementemente estar coagindo a vitima. Mas o machado continuará lá...
15.
Estratégia comum para induzir o outro a se sentir desvalorizado e abalado, sentindo
que não consegue interessar o manipulador. A vitima acaba concluindo que é uma pessoa
desinteressante, indigna de atenção. A baixa auto-estima da vitima desempenha papel
importante no jogo da manipulação.
16. Ele evita ou escapa de uma entreY!Siaou_reunião.
Equivale a dizer que evita qualquer situação em que corre o risco de ter que tomar
uma posição clara sobre algum assunto.
17. El© joga co m a ignorância dos outros e faz_oreLem_su.g superioridade.
Isso lembra outra historieta de Nasrudin: “Eu posso enxergar no escuro”, vangloriava-
se Nasrudin na casa de chá. "Se é assim, por que às vezes vemos você pelas ruas carregando
uma lamparina?" “Apenas para evitar que os outros esbarrem em mim”.
18. Ele mente.
Ele sempre encontrará para si mesmo uma justificativa plenamente razoável para ter
mentido Não há auto-avaliação e censura. A ética é um conjunto de princípios que se adaptam,
como tudo o mais, às suas necessidades.
* ( 19. Ele prega o falso para saber o verdadeiro, deforma e interpreta,
Ele é mestre na arte de distorcer e subverter o sentido dos fatos e palavras - lembram-
se dos sofismas?
20.
Considera o mundo somente de seu ponto de vista. Acredita piamente que suas
necessidades estão acima das necessidades de quaisquer outros. O mundo serve para atender
os seus interesses.
21 .
Se ele deve ser o centro dos interesses, como alguém na sua esfera de influência
ousa dar a outros a atenção que lhe é devida?...
22 .
Um manipulador não se põe em questão. Diante de uma acusação de ser manipulador,
ele responderá que iodo p jn d o funciona assim ^Portanto ele não tem nada a reprovar em seu
próprio comportamento. Assim, a possibilidade de perceber seu próprio comportamento como
mal-adaptado e nocivo é mínima e a probabilidade de procurar psicoterapia é pequena. Não
aceitando críticas e feedbacks negativos, a experiência de sofrimento pessoal do manipulador
parece estar mais ligada a um sentimento de ser "incompreendido" e de não estar recebendo/
alcançando na vida o que "ele merece", do que a percepção de estar causando maí a outrem.
23. Ele não leva em çontaos direitos, as necessidadese os desejos dos outros,
O desenvolvimento da habilidade empática do manipulador parece ter sido muito
comprometido. Um profundo desrespeito pelo outro está implícito em suas ações, mesmo que
ele afirme o contrário,
24. Ele utiliza freqüentemente o último momento para pedir, ordenar ou fazer o outro agir.

342 Solarise I . M iichuilo


Desse modo, ninguém que esteja sob seu domínio tem liberdade de movimentos
e escolha. Não pode fazer planos particulares, pois, de um momento para outro, eles
podem se transformar em pó diante de um pedido sutil e irrecusável ou uma exigência
categórica do manipulador. A subjugação se estende aos poucos para todos os domínios:
familiares não podem mais fazer planos para finais de semana e feriados; subordinados
não podem planejar encontros sociais ou outros compromissos para depois do expediente.
Manter uma vida privada, estando sob o jugo do manipulador, exige um grande esforço.
25. Qseu disomso pareceJágico e coerente, enquantg_qu5_seuçomportamentoe modo
de vida correspondem a jjmssoyema. oposto,
A incoerência entre suas palavras e seus atos, percebida ao longo do tempo, é
um importante indicativo de um comportamento manipulativo que os indivíduos manipulados
devem aprender a observar. O manipulador mais refinado cedo ou tarde comete erros.

Se nenhum comportamento se mantém na ausência de reforçamento, deve-se


perguntar o que controla o comportamento do manipulador de distribuir reforçadores, com
tantas atenções e presentes, aparentemente “gratuitos"...
Certo dia Nasrudin compareceu à Corte ostentando um magnifico turbante. Sa­
bia que o rei ia admirá-lo e que, portanto, poderia vender-lhe o tal turbante.
"Nasrudin, quanto vocô pagou por esta maravilha?", perguntou o rei. “Mil moedas
de ouro, Majestade" Percebendo a tramóia, o vizir cochichou ao rei: "Só um
idiota pagaria tanto por um turbante". Disse o rei: "Afinal, por que pagou essa
fortuna? Nunca ouvi falar de um turbante que custasse mil moedas de ouro". "Ah.
Majestade, paguei esta fortuna pois sabia que, em todo mundo, só um único rei
compraria este tipo de coisa". Encantado com o elogio, o rei ordenou que dessem
a Nasrudin duas mil moedas de ouro e ficou com o turbante. Mais tarde, Nasrudin
disse ao vizir: "Você pode muito bem conhecer o valor de um turbante, mas sou
eu quem conhece as fraquezas dos reis".

^27^/Éle produz um estado de mal estar ou um sentimento de não liberdade.


Este estado pode ser sutil, sem que se perceba ter ligação direta com ele, ou
abertamente relacionado. Em ambos os casos, a sensação de estar-se preso em uma
armadilha está presente.
28. E le é perfeitamente e fjca ip a ra gtLogiLo^s^Js propósitos, mas às custas dos outros,
Todas as habilidades e talentos que ele poderia empregar na consecução genuína
de seus objetivos, ele emprega para levar o outro a fazer por ele. No final, a despeito dos
esforços de outros, ele terá os méritos. É o típico chefe que se vale das idéias e desempenho
dos subordinados para se promover.
29. Ele nos faz fazer coisas que não teríamos feito nem para nós mesmos
Ele não se importa com os sacrifícios pessoais de alguém para atender às
demandas dele.

Sobre Comporliimenlo t Co^m^lo 343


Observe-se de quem a vitima e seus colegas, amigos ou familiares mais falam na
hora das refeições, do cafezinho, no happy hour, na ginástica, no intervalo de aulas, etc.
Esta, unida às indicações anteriores, é uma indicação de que o indivíduo catalisador de
tanta atenção seja um manipulador.

Manipulador ou manipulado?
Ao ler estas características, o leitor provavelmente não só passou em revista
pessoas de seu relacionamento, mas também a si mesmo, se perguntando se não ó um
manipulador relacional. Esta ó uma questão que só ele próprio poderá responder. Entretanto,
deve-se atentar para o engano de definir-se pelo seu comportamento: o fato de usar
eventualmente estratégias manipulativas não faz de alguém um manipulador. O manipulador
utiliza a série de comportamentos descritos como estratégias com o intuito claro de manipular
o_comportamento do outro em seu próprio benefício, a despeito dos prejuízos que cause.
Esta atuação constitui um padrão funcional, qqís $ persistente no tempo e destaca-se
como cLprincipal forma de interação entre o manipulador e o ambiente. Um manipulador
não sabe viver de outra maneira - ele desenvolveu este padrão comportamental porque
este foi funcional ao longo de sua história. Esta é sua forma de comunicação com o
mundo, sua maneira de obter reforçamento e sobreviver. É a diferença fundamental, entre
‘fazer o jogo e viver o jogo”.4 O manipulador relacional vive o jogo. Além disso, segundo
Nazare-Aga (1997, pág. 37), o critério mínimo de 10 características, recorrentes no tempo,
deve ser atingido para que se possa identificar o padrão funcional.
Se alguém não se encaixa no padrão do manipulador, isto significa que é
manipulado? E se o for, tem parte da responsabilidade neste processo? Isso não tem uma
resposta simples. Depende do impacto da manipulação sobre o indivíduo e de que respostas
ele emite diante dela. Não obstante, Hirigoyen (2000, pág. 15) sublinha que "mesmo quando
sua maneira [a da vitima] de reagir à agressão moral contribui para estabelecer com o
agressor uma relação auto-alimentada e que dá a impressão de ser 'simétrica', não
devemos nos esquecer que ela sofre uma situação pela qual não é responsável".
Quando confrontamos um manipulador com seu comportamento manipulativo,
ele poderá responder que se nós aceitamos é porque estamos de acordo e consentimos.
Isto vai ao encontro do senso comum, evidente no adágio popular: “Quem cala consente!".
Mas este é um ponto delicado a matizar. Como vimos, parte do poder do manipulador se
baseia em utilizar, para os seus propósitos, regras sociais que aprendemos a aceitar sem
muita crítica. Elas foram adquiridas desde a infância e estão presentemente disponíveis
em nosso repertório para serem usadas contra nós. O poder do manipulador se esvaziaria
parcialmente se fosse uma prática cultural relativizar as negras, em funçào das contingências
particulares de pessoas e grupos. Como normalmente não o é, a responsabilidade do
manipulado neste contexto só pode ser parcial. Ou ainda, a responsabilidade pela origem
de contingências que permitem a manipulação é partilhada socialmente. O trabalho de
questionamento das regras tem na psicoterapia um ambiente ótimo para ser realizado,
mas esta é uma situação que envolve uma parcela pequena da população.
* Como b«m nnumlu Andrém Scfimtft, «m conv«M toix» o («m«

344 Sol.in#c L. M utb.ulo


Se estamos sob o controle de certas regras, nossa capacidade de "resposta
hábil” em uma dada circunstância é limitada por elas. Portanto, nossa “responsabilidade"
está comprometida. Além disso, como referido acima, para que alguém possa manipular
o comportamento de outro, ele fornece conseqüências para o comportamento obediente:
ou refocçadores positivos ou reforçadores negativos. Afinal, ninguém se comporta apenas
para “seguir" regras sociais, mas para ter acesso às conseqüências reforçadoras deste
comportamento.
Nem todos os indivíduos que convivem com um manipulador sáo escolhidos por
ele como alvo de manipulação. A razão ó que um manipulador rapidamente identifica
aqueles com os quais seu jogo não funcionará. Estes^ão,aç in^ivi^yc^ assertivos, que
respondem mais habilmente á manipulação. Eles dizem “não”, exprimem seus
pensamentos e sentimentos sem culpa e estão alheios ao que as outras pessoas em
geral pensam deles, selecionando para dirigir a atenção àquelas cujas opiniões lhe
interessam de fato. Em outras palavras, não deixam éspaço para que o manipulador exerça
sua influência. O manipulador e^ta «^taâpe^SQ^ainda queo faça demonstrando uma
atitude de distante superíoricfadeT ^ ^ x ^ x
Nazare-Aga (1997, págs. 179 a 182) aponta algumas características recorrentes
nos indivíduos suscetíveis à manipulação e nos que não se dão conta de que convivem
com um manipulador.
O indivíduo mais suscetível à manipulação é aquele:
• cuja auto-estima é deficiente:
• cuja a carga de culpa que carrega torna-o especialmente sensível à utilização da
culpabilização pelo manipulador;
• que dá grande importância ao julgamento alheio e receia expressar seus pensamentos
e sentimentos;
• que é guiado por códigos sociais tácitos, os quais aceita sem crítica.
Estas características fazem-no instável e inseguro emocionalmente, aumentando
sua vulnerabilidade à manipulação.
Alguém não se dá conta de que convive com um manipulador:
• quando é indiferente à manipulação e portanto não consegue discriminar que o
manipulador a pratica com outras pessoas no mesmo ambiente em que convivem. O
indivíduo tende a não compreender o sofrimento dos outros frente à manipulação e a
dizer que “eles estão imaginando coisas".
• quando é manipulado de tal maneira que é incapaz de discriminá-lo. É a situação
clássica de só enxergar as árvores e não ver a floresta. Mesmo que alguém tente
alertá-lo e apontar-lhe os indícios, ele não percebe a relação entre eles.
• quando não suporta a idéia de estar sendo manipulado. Prefere acreditar que tomou
todas as suas decisões livremente e concentra-se em buscar justificativas para elas,
A noção de "liberdade", ainda que mal compreendida, é muito cara para o ser
humano. Equivocadamente, em oposição à "liberdade", elege-se o "controle", confundindo-
o com coerção. Como discutido no início deste trabalho, estes dois últimos mecanismos

Sobro (.'omportamfnlo e CognifAo 345


não estão obrigatoriamente interligados. Ao rejeitar a idéia de controle, infelizmente rejeita-
se a busca de compreensão da coerção. No entanto, a quem mais interessa entender o
mecanismo do controle coercitivo senão justamente àquele que sofre a coerção?
Deschamps (cfe. citado em Beauvois e Joule, 1987, pág. 6) salienta que a melhor maneira
de evitar ser manipulado, ou de só manipular com conhecimento de causa ó, é claro,
I conhecer as bases das técnicas de manipulação. Para Breton (1999, pág. 17), a maior
resistência a admitira idéia de que a manipulação está presente ao seu redoré o fato de
não ser agradável admitir que se é ou foi manipulado. É melhor acreditar-se invulnerável à
influência do manipulado. Entretanto, a primeira etapa da manipulação consiste justamente
em fazer o interlocutor acreditar que é livre.
O comportamento de recusa à sugestão de estar sendo manipulado talvez possa
ser melhor compreendido á luz do "efeito gel" descrito por Kurt Lewín, teórico da psicologia
social, em 1951 (cfe. citado em Beauvois e Joule, 1999, pág. 31): o ato de “decisão" liga a
motivação à ação e parece estar relacionado a um "efeito gel", que é devido em parte à
tendência do indivíduo aderir à sua decisão e em parte ao seu engajamento frente ao
! grupo. “As pessoas aderem mais à escolha que fizeram do que às razões que orientaram
esta escolha. Elas aderem ao sentido de aderênciae não ao sentido de adesão".* Refletindo
em termos behavioristas sobre o efeito gel, pode-se hipotetizar que a persistência na
aderência talvez esteja relacionada a uma situação de reforçamento negativo: voltar atrás
em uma decisão tomada pode ser interpretado pelo grupo cultural como comportamento
indicativo de indivíduo que “não mantém a palavra dada" e portanto indigno de confiança. É
uma generalização errônea, pois não leva em conta as mudanças de contingências e a
adaptabilidade, mas é largamente difundida. Assim, pode ser mais aversivo para o indivíduo
) voltar atrás (e por extensão admitir a manipulação), do que persistir no comportamento
implementado por indução do manipulador, ainda que isso lhe traga prejuízos.
Finalmente, tendo identificado um manipulador relacional, é preciso agir para
proteger-se de seu comportamento destrutivo, é necessário que o indivíduo manipulado
dirija o foco de sua atenção para a sua própria proteção. Alguns tópicos podem ser sugeridos
para o exame dos psicólogos; revisão das idéias sobre o que é possível estabelecer em
termos de relação com um manipulador, o controle do estado emocional em que o
manipulado se encontra quando tem que enfrentar o manipulador, o trabalho sobre a auto-
estima e sobre a carga de culpas do manipulado e a aquisição de técnicas de contra-
manipulação. “É fácil abater o pássaro que voa em linha reta, mas não aquele que altera a
linha de vôo”^Graciàn, Séc. XVII/sem data, pág. 13). A contra-manipulaçàoè uma habilidade
a ser adquirida e isto exige trabalho, persistência e orientação adequada. Não estamos
habituados a olhar a manipulação relacional como um padrão comportamental estabelecido,
recorrente na população e gerador de danos importantes. Os prejuízos atingem diferentes
domínios, comprometendo seriamente a qualidade de vida das vítimas. Os danos são
profissionais, sociais, emocionais e também físicos. O stress é o primeiro da lista, seguido
de ansiedade, depressão, fadiga, distúrbios do sono, digestivos e sexuais, tensões

* Embora *m portuguía 'adaréncia’ a 'adaaio'poaaam mk uaadoa como amónimoa, am francta 'adhéranc• ’ <*(/ raaparto ao aatado da uma coita qua
M pranda tortamanta a outra a ‘ ndhtaion* tam o «antldo da aprovação rafladda. aaaanlimanto (Ray, 1 SM , p 1 0) A axpraaaAo ‘afaito gal’ é tradução
litaral do francêa “affat da gaT O gal. qua tam caractarlatlcaa da aglutinação a pagajoaidade. é a maUklora para o oomponamanto da adarlr Aa poaiçôaa
tomada».

346 Solunue I M.ich.uto


musculares, dores articulares, sintomas cardiovasculares e outros. (Nazare-Aga, 1997,
pág. 62).
Este trabalho discutiu a relação entre manipulação e coerção e apresentou uma
releitura da proposta de I. Nazare-Aga para a caracterização do comportamento de
manipulação coercitiva, à luz principalmente da análise do comportamento, mas também
buscando contribuições na psicologia social, psicologia do desenvolvimento, sociologia e
filosofia. Este não ó um trabalho exaustivo e um leque de questões pode ser aberto. O
desafio maior talvez seja o de desenvolver metodologias para investigar sistematicamente
os mecanismos verbais e não verbais pelos quais uma pessoa manipula coercitivamente
a outra, com especial atenção para o papel do comportamento verbal e suas nuances
neste processo.

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Sobnr Comportiim rnlo e C ouni^o 347


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T A Editora não indica o ano da presente edição.

348 Solando L M .uln uln


Capítulo 32
U so gradual de exposição e prevenção de
respostas para portadores de Transtorno
O bsessivo-Com pulsivo resistentes à
medicação
Sue/y Sdlcs puimurJes *

Portadores de TOC com a funcionalidade comprometida pelo excesso de obsessões ou do rituais, ein geral procuram o
psiquiatra, sâo medicados e depot» encaminhados ao psicólogo Aigun* desses paciento» referem pnur.n ou nenhum»
redução dos sintonias apôs meses ou anos de tratamento farmacológico, durante os quais a ansiedade pode tor
diminuído, mas não o bastante para assegurar sua funcionalidade e qualidade de vida Resultados positivos nesse
contexto podem ser alcançados através de um programa de exposição e prevençAo de respostas (ERP) para estimulo»
hierarquizados a distribuídos em pequenos passos, elaborado com a participaçAo do paciente, associado A informaçAo
técnica sobro o TOC, treino de relaxamento e ao uso de um protocolo sistemático para registro de siluaçOes enfrentadas
« de respostas observadas O caso de uma paciente com história de aposentadoria precoce devido aos sintomas,
confinainento voluntário ao próprio lar com saldas apenas na companhia da mAe e do marido e para luyares específicos,
submetida a seis anos de medicaçAo, ilustra a o uso do procedimento

P alavras-C havr ObsessAo - Compulsão - Tratamento - ExposIçAo - Prevenção

People with OCD, impaired due to the excessiveness of obsessions and rituals, usually seek help from a psychiatrist,
receive a medicine prescription and then are referred to a psychologist. Some of those patients complain of little or no
symptom reduction after being for months or years on drug therapy that might have resulted in some anxiety reduction,
but not enough to assure their functionality or quality of life In that context, positive outcomes may bo achieved through
a program of Exposure and Response Prevention (ERP) to feared stimuli ranked and fragmented Into small steps with thu
patient’s help and agreement, associated with technical information on OCD, relaxation training, and the use of a protocol
for registering the exposure situation and observed responses A case study describes the use of that procedure with a
woman early retired from work due to OCD symptoms, on medication for six years, confined to the house, going out only
in her mother's or husband's companion and only to very specific and limited places.

Key words: Obsession - Compulsion - Treatment - Exposure ■ Prevention

Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma desordem crônica e severa capaz


de levar o paciente à total disfuncionalidade e à conseqüente perda da qualidade de vida.
O TOC caracteriza-se pela ocorrência associada ou não de obsessões e de compulsões.
Obsessões são pensamentos, idéias, imagens, impulsos, lembranças, urgências ou
dúvidas intrusivas, estereotipadas e incontroláveis, que interrompem o curso natural de
atividades cognitivas do paciente que fica “prisioneiro" desses pensamentos, descritos
como incômodos, desprazerosos, ameaçadores ou inaceitáveis. Por seu caráter aversivo,
as obsessões geram uma resposta de ansiedade alta e urgência de remover o incômodo

Sobre Compoitdmcnto c Cotfniv'.lo 349


que o paciente costuma relatar como “insuportável”. As compulsões são comportamentos
operantes, portanto voluntários, ritualísticos, "neutralizadores", mágicos, cobertos ou
observáveis que, emitidos em resposta á demanda da obsessão, reduz imediatamente a
ansiedade ató o próximo episódio, que pode ocorrer após alguns segundos ou após
várias semanas (Riggs & Foa, 1993).
Portadores de TOC que têm a funcionalidade comprometida pelo excesso de
obsessões ou de rituais, em geral buscam ajuda primeiro junto ao médico psiquiatra, são
medicados e só depois encaminhados ao psicólogo. Com uma freqüência alta, esses
pacientes referem pouca ou nenhuma redução dos sintomas após meses ou anos de
tratamento farmacológico, durante os quais os sintomas, incluindo os pensamento, os
rituais e a ansiedade, podem ter diminuído, mas não o bastante para que a pessoa
recupere a funcionalidade e a qualidade de vida. Em geral, esses pacientes têm
sintomatologia forte o bastante para ocupar algo em torno de 90% do dia com obsessões
e rituais. Além disso, a dosagem medicamentosa, que costuma ser potencializada pelo
médico, na tentativa de obter respostas positivas, resulta em efeitos colaterais também
potencializados. Nesse contexto, resultados positivos podem ser alcançados com o uso
da técnica de Exposição e Prevenção de Respostas (ERP) diante de estímulos
hierarquizados e fracionados com a participação do paciente, associada à informação
técnica sobre o TOC, treino em técnicas de relaxamento e ao uso de um protocolo para
registro sistemático de situações enfrentadas e de respostas observadas. O uso de
aproximações sucessivas em pequenos passos, conforme o limite estimado pelo paciente
como viável, assegura a adesão ao tratamento que, pelo viés aversivo inicial embutido na
técnica de ERP, pode provocar a desistência.
A técnica de Exposição e Prevenção de Respostas consiste na provocação
intencional da ansiedade através da confrontação direta do paciente com o estimulo
temido e desencadeador dos sintomas e o impedimento da emissão da resposta
compulsiva ou ritualística (Foa, Steketee, Grayson, Turner, & Latimer, 1984). Em outras
palavras, é pedido ao paciente que faça exatamente aquilo que é o motivo da terapia,
porque ele não consegue fazer. Entretanto, quando o terapeuta prepara seu paciente e
consegue que ele aceite iniciar o programa fazendo as exposições iniciais ao estímulo
temido e desencadeador da ansiedade, a evidência de que esta ansiedade abaixa e de
que nenhuma conseqüência aversiva ocorre, geralmente é reforçador suficientemente
forte para assegurar novas respostas de exposição e prevenção da compulsão. Alem
disso, o paciente gradualmente adota uma nova postura diante dos sintomas que passam
a ser avaliados como obsessões controláveis e não mais como ameaças reais. Esta
reavaliação da obsessão, associada ao reforço obtido pelo alívio dos sintomas sem a
realização da compulsão, evidenciado pela disposição do paciente em manter as
exposições, é o primeiro indicador de sucesso. Assim, o ponto mais importante a partir
da estruturação do programa, é a obtenção de uma primeira exposição bem sucedida do
paciente, que permita ao terapeuta mostrar evidências de que aquela exposição não
trouxe as conseqüências temidas, mas trouxe, ao invés disso, o alívio da ansiedade
após um período de exposição. Esta necessidade de que as exposições sejam sempre
bem sucedidas é a justificativa para o uso de pequenos passos, para a exposição graduada,
de modo a assegurar a redução da ansiedade sem a emissão da resposta compulsiva.
Em linhas gerais, um programa individual para tratamento do TOC deve incluir:

350 Sudy Sdle* C/uimarârs


1. História de terapia psicológica e medicamentosa. Identificação e avaliação dos efeitos
colaterais da farmacoterapia.
2. Análise funcional dos sintomas. Descrição e detalhamento de cada um deles,
identificação e descrição dos estímulos desencadeadores desses sintomas, topografia
dos rituais e das compulsões.
3. Avaliação qualitativa e quantitativa do nível funcional do paciente.
4. Educação do paciente: descrição técnica do mecanismo cíclico do TOC e das variáveis
envolvidas.
5. Treino em técnicas de relaxamento, desconsideração do pensamento obsessivo (ignorar
o pensamento obsessivo, deixando que ele fique como um pano de fundo) e ocupação
com outras atividades cognitivas.
6. Hierarquização de estímulos temidos e evitados.
7. Estabelecimento da exposição gradual através de pequenos passos em aproximações
sucessivas, da duração do tempo de exposição e da graduação da resposta de
prevenção.
8. Treino no registro de atividades no Protocolo de Registro de Progresso. O paciente ó
treinado a preencher um protocolo a cada tarefa realizada. Esse registro é usado
durante as sessões para reforçar o sucesso obtido, mesmo que parcial e para enfatizar
as evidências de que a ansiedade abaixa mesmo sem a compulsão. Além disso, é a
"prova irrefutável" de progresso, pois o portador de TOC tende a esquecer e não valoriza
experiências bem sucedidas, porque elas deixam de causar ansiedade. Toda
preocupação é voltada para os sintomas atuais. No protocolo são registradas (a) as
pessoas presentes na situação, que nos permite identificar pessoas associadas ao
surgimento ou manutenção dos sintomas; (b) o contexto onde a exposição ocorreu,
para que possamos identificar os estímulos presentes; (c) o tempo de exposição,
para assegurar que o tempo é suficiente para a ansiedade abaixar e evitar que o
paciente seja reforçado por terminar a ansiedade saindo da situação (fuga); (d) a
seqüência, que nos permite saber o que aconteceu depois, inclusive se houve realização
posterior da compulsão ou se o paciente iniciou outras atividades e esqueceu o fato;
e (e) elemento novo, que é a descrição e o reconhecimento do progresso. Por exemplo,
se o paciente permaneceu duas horas sem lavar as mãos e isso não acontecia há um
ano, o fato é-urn elemento novo e é um indicador de sucesso, pois ele conseguiu
realizar isso. Por fim, há um espaço para comentários e informações outras, que

Data Presença Contexto Tempo de Seqüência Elemento Observação


exposição novo

Sobrr Comportamento e Co#niç«lo 351


paciente considere importante, não previstos no protocolo. O Protocolo de Registro
de Progresso tem o seguinte formato:
O caso de uma paciente com história de aposentadoria precoce devido aos
sintomas, submetida a seis anos de medicação potencializada, confinamento voluntário
ao próprio lar com saldas apenas na companhia da mãe e do marido e para lugares
específicos, ilustra o uso do procedimento.

Relato de Caso
Celeste* tinha 34 anos, era casada, odontopediatra, aposentada por invalidez,
devido ao TOC, aos 28 anos. Havia sido submetida a terapia comportamental aversiva
(choque elétrico) durante três anos e abandonado porque não obteve alivio dos sintomas
e considerou os choques muito aversivos. Estava em terapia medicamentosa há mais de
seis anos com Anafranil e depois Prozac e Narvane, Rivotril e Olcadil, sempre refratária.
A medicação tinha forte efeito sedativo e a paciente se mantinha inativa o dia todo.
Dormia a maior parte do tempo, não tinha disposição para qualquer atividade, mesmo
para rotina doméstica como lavar um copo ou regar uma planta, perdeu 100% da resposta
sexual e tinha fortes sintomas depressivos apesar da medicação. O médico psiquiatra
informou que estudava a possibilidade de uma cirurgia como último recurso para esta
paciente.
As principais obsessões referiam-se à culpa e responsabilidade. Celeste tinha
medo de descartar restos de alimento ou o lixo para fora de casa porque tinha idéias
sobre a possível presença de um bebê no lixo; temia estar próxima a crianças porque
pensava que poderia machucá-las inadvertidamente: temia agredir pessoas por
esfaqueamento ou mostrar comportamento bizarro como gritar e rolar pelo chão. Dentre
todas as obsessões, a principal era a idéia de ter causado um acidente de trânsito, no
mesmo sentido de causar mal a alguém. As principais compulsões incluíam conferência
ao dirigir e ao andar por qualquer lugar que fosse. Como conseqüência dessas obsessões,
das compulsões e evitação de situações "de risco", Celeste confinou-se ao próprio lar, o
que não era difícil de fazer do ponto de vista dela própria, já que sentia sono e desinteresse
o tempo todo; ficou muito dependente dos pais e do marido, que eram as únicas pessoas
com quem sala de casa, e da empregada, de quem dependia para retirar qualquer lixo de
casa ou restos de comida velha da geladeira. O marido era seu principal apoio e sugeria
com freqüência retornar aos lugares onde haviam passado para que ela conferisse, assim
não ficaria ansiosa ao chegar à casa. Quando não a levava para conferir, ele mesmo
conferia para que ela ficasse tranqüila. A maior perda que esta paciente apresentava em
decorrência de sua sintomatologia era, obviamente, seu afastamento do mercado de
trabalho e perda de qualquer atividade profissional ou produtiva e de lazer.
Celeste foi treinada a reconhecer o mecanismo do TOC; usar técnicas de
relaxamento; preencher o protocolo de registro de atividades; avaliar seu nlvel de ansiedade
em unidades SUDs (desconforto percebido) e teve uma primeira sessão de ERP
acompanhada pela terapeuta em um local público, onde não entrava desde o agravamento
dos sintomas, seis anos antes. Respostas funcionais e de independência foram registradas

' Nomn «ubtliluldo pmn fxnmtrvm * identiduda <Ja pacwnie

352 Suoly Siilei C/uim.irJcs


a partir desta primeira sessão. Foi escolhida, em comum acordo com a paciente, a
redução de conferência como primeira resposta a ser trabalhada, porque era a resposta
mais impeditiva de uma vida pelo menos razoável. As tarefas de ERP graduadas incluíram:
• Uma primeira visita realizada em local público de movimento apenas relativo, na
companhia da terapeuta, quando foi realizado um passeio de 2 horas, durante as
quais a paciente não pôde voltar nenhuma vez em quaisquer dos locais percorridos.
Podia olhar para trás, se quisesse. Nos primeiros minutos esteve muito pálida, ofegante
e trêmula, segurava a bolsa com força junto ao corpo e olhava apenas em frente, com
postura tensa e relatando ansiedade alta. Gradualmente relatou menos ansiedade.
Nos 40 minutos finais do passeio, a paciente quis parar para um café. Foi proposto a
ela tomar o café em uma área movimentada e que ela se dirigisse ao balcão para
comprar o café para as duas, enquanto a terapeuta aguardava em uma mesa a poucos
metros. Ela fez isso com sucesso e trouxe o café sem olhar para trás. Ao redor,
crianças circulavam acompanhadas pelos pais e a paciente se surpreendeu por não
sentir ansiedade. Havia sido combinado com o marido que ele viria ao encontro dela
ao final da sessão. Avisado por telefone, ele chegou nos últimos 20 minutos. Esse
tempo foi usado para orientá-lo e obter sua colaboração, porque ele ainda não havia
tido tempo para atender a chamada da terapeuta. Ao sair da mesa para ir embora, ela
relatou necessidade de olhar embaixo da cadeira onde esteve sentada. Não foi permitido
e foi mostrado isso ao marido, que via de regra fazia todas as conferências para ela .
A ansiedade voltou a subir, mas minutos depois, ao nos despedirmos a caminho do
estacionamento, ela havia se esquecido do episódio da cadeira. No estacionamento
foi sugerido que ela olhasse ao redor do carro cuidadosamente antes de entrar e que
saísse devagar, olhando por onde passava, mas sem chance de voltar nem uma só
vez apôs colocar o carro em movimento. Podia olhar pelo retrovisor mais de uma vez,
se quisesse. Na sessão seguinte, foi apontado a ela (a) o sucesso obtido por reduzir
o nível de ansiedade enquanto caminhava naquela situação e sem voltar para conferir,
(b) o fato de ter ido sozinha pegar o café sem olhar para trás, (c) ter estado perto de
crianças sem sentir ansiedade e (d) ter se esquecido em poucos minutos de que
"precisava" olhar embaixo da cadeira onde havia se sentado. Nesta sessão ela relatou
que saiu do estacionamento "um pouco preocupada" porque não podia voltar nem uma
vez para conferir o local, mas ao chegar em casa esqueceu disso em minutos. Foi
discutido como mais uma evidência da falsa utilidade da compulsão e da capacidade
dela para resistir. A partir desta sessão, começaram as tarefas de exposição graduadas
que ela deveria cumprir sozinha e registrar semanalmente. Todas as exposições
deveriam durar pelo menos duas horas.
• Andar pela cidade em diferentes percursos, começando com pequenos trechos, em
locais pouco acidentados para evitar trepidações - elas aumentavam a chance de um
pensamento sobre ter atropelado alguém -e com uma ou nenhuma conferência -
dependendo do lugar - podendo sempre olhar para trás e estando sempre atenta aos
lugares por onde passava. Os trechos a serem percorridos foram cada vez maiores,
graduando o estímulo aversivo, até que ela passou a dirigir para bairros distantes e em
terrenos acidentados.
• Entrar em bares, restaurantes, shoppings, supermercados, bancos e consultórios
dentários. Esses ambientes foram hierarquizados conforme o nível de desconforto
estimado pela paciente ao se imaginar em cada um deles e foram incluídos nas

Sobre Comport.imenlo c C'o«niç<lo 353


tarefas começando pelo menos aversivo. Alguns puderam ser adiantados na ordem,
porque a reavaliação mostrava que já não era "tão difícil assim" ir a determinado lugar.
Sempre que isso acontecia, a tarefa incluía esse lugar, de modo que a exposição
fosse feita a um estímulo percebido inicialmente como gerador de pelo menos alguma
ansiedade. Os registros mostravam, com freqüência, que a ansiedade inicial percebida
desaparecia quando a paciente chegava ao local.
• Estar próxima e tocar de leve, “acidentalmente", em crianças. Após freqüentar os
diferentes locais públicos, ficou quase inevitável o contato com crianças. Foi solicitado
à paciente que propositadamente buscasse a proximidade e que depois saísse, sem
voltar para conferir se a criança estava bem e sem segui-la pelas ruas, que era o tinha
"necessidade" de fazer, para assegurar-se de que tudo estava bem. Depois foram
incluídos parques públicos e play-grounds.
• Descartar restos de alimento e cesto de lixo de casa. Foi pedido que não permitisse
o acúmulo de sobras na geladeira e nem que o cesto de lixo doméstico ficasse cheio.
Todo lixo e sobra devia ser descartado imediatamente, porque, em pouca quantidade
e visível, o lixo era menos ansiógeno. Foi assegurada a resposta de descartar e depois
foi aumentada a quantidade de lixo acumulado, de modo que ela se esquecesse do
que havia no fundo do cesto. Assim, ela foi treinada a lidar com estímulos potencialmente
mais ansiógenos ao longo do tempo.
• Entrar em elevadores cheios e escadas rolantes. Esses eram locais de alto fluxo de
pessoas que obrigavam uma proximidade física, com “risco de machucar alguém” e
tinha pouca chance de conferência posterior, pois as pessoas eram desconhecidas e
iam para diferentes destinos.
• Trabalhar na própria área. Foi estabelecido que ela deveria voltar a trabalhar com
odontologia, talvez auxiliando um colega que tivesse consultório particular, visto que a
aposentadoria trazia impedimentos legais para o retorno ao trabalho. Por vários motivos,
inclusive insegurança e medo (não progredimos a esse ponto), ela não o fez. Mas por
outro lado, iniciou uma serie de atividades, por iniciativa própria, incluindo trabalhos
manuais e culinária - implicava restos e lixo orgânico - que permitiam um pequeno
retorno financeiro muito reforçador e implicava também sair de casa para vender e ter
contato com pessoas.

Com aproximadamente dois meses de terapia, oito sessões, o médico psiquiatra


concordou em rever a medicação e abaixou substancialmente a dosagem, de modo que
a sonolência e indisposição da paciente melhoraram bastante. Isto, associado ao retorno
às atividades há tanto tempo abandonadas, teve um efeito reforçador importante. Por
iniciativa própria, ela adiantou várias tarefas ao longo da terapia, mudou o corte de cabelo,
entrou em aulas de hidroginástica e musculação e, mais importante, raramente parava
em casa. As compulsões não acabaram e nem as obsessões. Embora ela verbalizasse
“estou curada", ocasionalmente havia relato de conferência na rua e ansiedade alta quando
não realizava ou não podia realizar a conferência.
O caráter crônico do TOC é algo que deve ser claro para o paciente o tempo todo
e é preciso também que ele saiba que o recurso para lidar com eventuais recidivas de
sintomas é aquele já aprendido: a exposição ao estímulo temido e a prevenção de

354 Sucly Sdles 0/uim.inJes


respostas. O paciente deve saber que um sintoma antigo ou um novo pode
eventualmente acontecer, mas que nenhum deles, mesmo com características novas, ó
diferente em significado. Obsessão ó sempre obsessão e, por isso, uma ameaça que
não se concretizará. Por isso, a técnica para manejar qualquer sintoma será sempre a
mesma.

Conclusão
Em síntese, o procedimento sugerido para portadores de sintomas graves e
considerados refratários á medicação ó reduzir a eficácia do reforço imediato obtido através
da resposta compulsiva; criar condições para que o paciente se engaje na ERP para ser
reforçado uma primeira vez; e fortalecer a eficácia desse reforçador, criando contingências
reforçadoras e adequadas. O reforço obtido pela prevenção, embora atrasado, é duplo,
porque não só o paciente observa que a obsessão foi removida trazendo o conseqüente o
alivio procurado, como também a compulsão não foi realizada, o que é percebido como
um segundo alívio - que muitos chamam de “libertação". É ponto chave mostrar ao paciente
que: (a) o alivio pela remoção do pensamento obsessivo ocorre da mesma forma, apenas
atrasado no tempo, se comparado ao alívio obtido pela compulsão; (b) além desse alívio,
há evidências de que a compulsão não é o único caminho para remover o pensamento
obsessivo; (c) durante o período em que ele deixou de realizar a compulsão nada
aconteceu, além da experiência de uma ansiedade que não traz qualquer outra
conseqüência, orgânica ou psicológica (alguns acham que podem enlouquecer); (d) deixar
de realizar a compulsão em si é outro ganho que significa, muitas vezes, o retorno à
funcionalidade pois, com freqüência, a compulsão é o impeditivo maior das atividades
rotineiras da pessoa.

Referências

Foa, E. B., Steketee, G., Grayson, J. B., Turner, R. M., & Latimer, P. R. (1984). Deliberate
exposure and blocking of obsessive-compulsive rituais: Immediate and long-term effects.
Behavjoj. TherapVv 15. 450-472.
Riggs, D., & Foa, E. (1993). Obsessive compulsive disorder. In D. H. Barlow (Ed.), Clinicai
Handbook of Psvchologlcal Dlsorders. New York: Guilford.

Sobre Comportamento c Cognição 355


Capítulo 33
O besidade mórbida - Aspectos clínicos

Viinisc Ihilhi Vctrhu!

Introdução
A obesidade ó a doença de mais simples diagnóstico. É a mais prevalente patologia
crônica nas nações industrializadas e está aumentando rapidamente nos palses de terceiro
mundo.
É o distúrbio do metabolismo mais comum no ser humano e o mais antigo distúrbio
metabólico registrado na história, pois evidências foram encontradas nas múmias egípcias
e esculturas gregas.
Houve um grande aumento na incidência da obesidade na segunda metade do
século XX, já que as vantagens da possibilidade de armazenar eficientemente energia sob a
forma de gordura foi dissipada nas sociedades afluentes modernas. Desta forma, o excesso
calórico na ingesta e hábitos sedentários têm levado ao aumento na freqüência da obesidade
e a seu conseqüente encurtamento da vida, em decorrência de enfermidades cárdio-
vasculares, diabetes e hipertensão arterial. Como o aumento de casos foi muito rápido,
elimina-se a possibilidade da ocorrência de mutação genética como causa da patologia.
As três principais causas de morte nos Estados Unidos, doenças cardíacas,
câncer e doenças cérebro-vasculares, estão estatiscamente relacionadas à obesidade
como um fator de risco. Estima-se que o diagnóstico de obesidade seja o mais negligenciado
no código hospitalar de alta, o que provavelmente elevasse a obesidade à principal causa
de morte, primária ou secundária.

Defiunição
Define-se obesidade como excesso de tecido adiposo. Os termos obesidade e
sobrepeso podem se substituir, no entanto, obesidade está vinculada a um aumento de
gordura e, sobrepeso também inclui aumento muscular.

356 Vanisc IXill.i Vecchiu


Obesidade Mórbida é um termo gramaticalmente incorreto, mas foi introduzido
para enfatizar que quarenta e cinco (45) quilos de excesso de peso ó uma doença que
demanda tratamento. Considera-se o termo Obesidade Clinicamente Severa mais adequado
para esta patologia.

Avaliação
O modo recomendado para expressar peso relativo, permitindo comparações entre
sexos e indivíduos de diferentes estaturas, é o índice de massa corporal ou índice de
Quetelet: IMC é igual ao peso em quilogramas dividido pela altura em metros ao quadrado
(IMC = peso(Kg)/altura(m) ao quadrado).
Existe uma prevalência maior de comorbidades quando o IMC é menor que 20 ou
maior que 27 (considera-se valores normais de IMC entre 20 e 25). Quando o IMC é maior
que 35 a prevalência e severidade da morbidade aumentam dramaticamente.
Outro fator de risco relacionado à obesidade tem sido reconhecido como melhor na
avaliação da morbidade e mortalidade, que é a distribuição de gorduras, determinada por uma
medida simples da cintura e do quadril (DG = circunfer. cintura/circunfer.quadril). Ela tem se
mostrado preditiva da vasta maioria de doenças relacionadas à obesidade e sua mortalidade.
A distribuição de gorduras define dois tipos físicos, a maçã com gordura mais
central (maior risco de patologias cárdio-vasculares) e a pêra com gordura mais periférica.
Essa média é um marcador do status de esteróide gonadal.

Epidemiologia
Uma estatística publicada na revista da Associação Médica Norte-Americana
mostra que 40 milhões de adultos são obesos.
Houve um aumento nas taxas de sobrepeso (IMC entre 25 e 30) de 45% em 1.991
para 56,4% em 2.000. O número de obesos (IMC maior que 30) também subiu de 12% em
1.991 para 19,8% em 2.000, portanto existe 1 indivíduo obeso para cada 5 adultos.
O diabetes, que está fortemente relacionado à obesidade, sofreu um aumento de
9 milhões de casos em 1.991, para 15 milhões em 2.000, ou seja, existe 1 diabético para
cada 14 adultos.

Etiologia
O desequilíbrio na balança, decorrente de uma maior ingesta calórica, diminuição
da termogênese, atividade física e metabolismo basal, são os principais fatores causadores
da obesidade.
Atualmente procura-se atribuir parte das causas dessa patologia aos fatores
genéticos. Observa-se uma prevalência de obesidade (IMC maior que 30) duas vezes maior
em familiares de indivíduos obesos. O risco aumenta com a severidade da obesidade, ou
seja, eía 6 oito vezes maior (quando IMC é maior que 45) em familiares de obesos mórbidos.
Outro estudo mostrou a prevalência vinte e cinco vezes maior de parentes em primeiro
grau com obesidade mórbida, comparados com indivíduos controle normais. A presença de
diversos indivíduos não obesos (> 50%) em famílias obesas, mostra claramente que os genes
da obesidade exercem efeitos complexos ou que fatores não genéticos estão envolvidos.

Sobre Comportamento c CoflmyJo 357


A prevalência de sobrepeso em esposas de obesos foi consideravelmente menor
(25%), que nos pais (54% nas mães e 36% nos pais) e irmãos (57%). Desta forma, os
resultados sugerem que fatores genéticos são provavelmente mais importantes que os
ambientais na determinção de influência familiar na obesidade mórbida.

Patogênese
A obesidade pode ser de dois tipos, a hiperplásica e a hipertrófica.
A hiperplásica tem uma história duradoura, normalmente se iniciando na infância
ou antes da puberdade. A distribuição de gorduras é tanto periférica quanto central e
existe um aumento no número e tamanho das células adiposas. São os casos de mais
difícil tratamento, com uma resposta pobre a longo prazo.
A obesidade hipertrófica é menos grave que a anterior, iniciando-se na vida adulta.
A distribuição de gorduras é central. Nesse tipo de patologia existe o aumento apenas do
tamanho celular, apresentando um resultado razoável com tratamento.
Estatisticamente, observou-se que menos de um terço dos adultos obesos foram
crianças obesas, mas a maioria das crianças obesas tornam-se adultos obesos.
Os possíveis fatores envolvidos na patogênese dessa doença estão divididos em:
• Deposição lipldica excessiva: aumento da ingesta alimentar, lesões hipotalãmicas,
hiperplasia dos adipócitos, hiperlipogênese ou aumento da atividade da lipase lipoprotéica.
• Diminuição da mobilização dos lipídios: diminuição dos hormônios lipollticos, lipólise
deficiente dos adipócitos ou anormalidades da inervaçâo autônoma.
• Diminuição da utilização dos lipídios: senilidade, oxidação deficiente dos lipídios,
termogênese deficiente ou inatividade.
As conseqüências metabólicas observadas são:
• sensibilidade diminuída á insulina: a obesidade está associada a um número menor do
receptores insullnicos nos músculos, fígado e tecido adiposo.
• Hiperinsulinemia: além dos fatores já citados acima, também há uma respsta diminuída
do tecido adiposo à insulina.
• Tolerância diminuída à glicose, hiperglicemia : deficiência de rendimento, ou seja, as células
beta deixam de compensar integralmente o grau de resistência á insulina periférica
associada à adiposidade.
• Hiperaminoacidemia.
• Hipertrigliceridemia: a lipase lipoprotéica é uma enzima do tecido adiposo responsável
pela assimilação dos ácidos graxos contidos nas lipoprotelnas circulantes ricas em
triglicerldeos, que é sensível à disponibilidade de insulina, sendo que no hiperinsulinismo
sua atividade está aumentada nas células adiposas, levando a uma maior deposição.
• Hipercolesterolemia: a produção de colesterol relaciona-se com o grau de adiposidade.
• Diminuição das respostas ao hormônio do crescimento e à prolactina: os desequilíbrios
hormonais são mais uma conseqüência do que uma causa de obesidade.
• “Resistência" à cetose.
• Excreção aumentada de 17-hidroxicorticôide.

Manifestações clinicas
- Cárdio-pulmonares

358 Vitnlsc Oalla Vcccbid


• hipertensão arterial: existe um aumento do volume sangüíneo, da perfusôo do tecido adiposo
e da ingesta de sal (maior volume de alimento ingerido), com conseqüente aumento do
débito sistólico e hipertrofia ventricular. Ela ô responsável, em grande parte, peloaumento
da mortalidade.
• Insuficiência pulmonar: por hipoventilação, decorrente do maior esforço respiratório, para
movimentar a pesada caixa torácica, levando à hipoxla e policitemia, entre outros.
• Doenças coronarianas.
• Edema e dificuldade circulatória.
• Morte súbita e arritmia.
• Diabetes mellitus: 80% dos portadores desta patologia sâo obesos, com umexcesso
ponderai de 20% ou mais. Assim a obesidade ó o fator mais importanteassociado ao
aparecimento do diabetes, havendo uma diminuição da sensibilidade das células à insulina
(como explicado anteriormente). Normalmente com a perda de peso, há uma regularização
do quadro diabético.
- Sintomas gastrintestinais:
• hérnia hiatal;
• esofagite;
• esteatose hepática com aumento das transaminases e LDH;
• cálculos biliares, por supersaturaçâo da bile;
• colecistite.
- Doenças reumatológicas, como artrites e artrite gotosa. Os níveis de ácido úrico
relacionam-se diretamente ao grau de excesso ponderai e piora com dietas da moda, que
muitas vezes são cetogênicas ou com deficiência de carboidratos (competição de ácido
cetônico e ácido úrico na excreção renal).
- A coluna e articulações suportam o impacto do excesso de carga ponderai, facilitando o
aparecimento de patologias relacionadas.
- Doenças circulatórias: varizes e tromboembolismo, devido a estase e edema. Tudo isto
aumenta a morbidade no pós-operatório.
- Dermatite intertriginosa: a pele flácida, com muita gordura no tecido subcutâneo, deixa
pregas úmidas, facilitando o aparecimento de lesões fúngicas.
- Doenças renais.
- Hérnia de disco.
-Alterações horrâonais: menstruação irregular, infertilidade e toxemia gravídica.
- Há um aumento no risco obstétrico, com maior duração do parto, maior tamanho do
bebê, maior chance de cesariana e maior risco anestésico.
Tumores:
endométrio: o grande volume de tecido adiposo leva a uma maior reserva do estrogênio e
menor conversão de androgônios adrenais em estrona, o que aumenta a estimulação
hormonal crônica ao útero;
• Mama;
• Próstata;
• Rim;
• Cólon: pelo tipo de alimentação;

Sobre (.'omportiimcnto r Coflniv<lo 359


• Vesícula biliar.
- Distúrbios do sono.
- Depressão.
- Incapacidade psicossocial,
- Risco cirúrgico: Indices de mortalidade 2 a 3 vezes maior que na população geral, pois
há risco anestésico aumentado, dificuldades técnicas, maior duração da intervenção, maior
incidência de atelectasia e infecção cirúrgica e tromboflebite.

Diagnóstico diferencial
Deve ser feita com as patologias abaixo.
Slndromes endócrinas: são apenas 1% das causas da obesidade.
• Hipotireoidismo: ocorre principalmente o mixedema, ou seja, mais liquido quo tecido adiposo.
• Hiporadrenocorticismo: a deposição de gordura é característico (Cushing).
• hipogonadismo.
• insulinoma: pode levar a adiposidade, mas raramente sào muito obesos.
• ovários policlsticos.
pseudoparatireoidismo.
Síndromes hipotalâmicas: ocorrem níveis anormalmente elevados de insulina.
• tumores craniofaringiomas e outros.
• traumatismo.
• enfermidade inflamatória.
• hipertensão intra-craniana.
pseudotumor cerebral.
• slndrome da cela vazia.
• distrofia adiposo genital.
• slndrome de Prader-Willi.
• sIndrome de Laurence-Moon-Biedl.
Lipomatose múltipla.
Lipodistrofia parcial.
Medicamentos: ciproheptadina e fenotiazina.
Considerações finais
• Cinqüenta por cento das mulheres americanas participam de programas de redução de peso.
• Com as tentativas de emagrecimento, houve um aumento na incidência de desordens alimentares,
anorexia e bulimia.
• Entre os adolecentes, 39% das mulheres e 12% dos homens fumam para controlar o peso.
• Trinta e quatro por cento de diabéticos negligenciam o uso de insulina para evitar ganho de peso.
• Deve-se encarar a obesidade como uma DOENÇA e não como um problema estético.
• Tratamentos da obesidade exigem cooperação PERMANENTE do paciente em manter o
COMPORTAMENTO.

360 V .inlíc IXilld Vecchw


Capítulo 34
Peculiaridades do atendimento
psícoterápico do portador do transtorno
"Bordeline" de personalidade
Vera Regina LUgneiíi Ofero
Clínica Ortec

Transtorno de personalidade kmltrofe ou "borderline" é i classificação psiquiátrica atribuída às pessoas que apresentam
padrões Instáveis, desordenados 0 aparentemente descontrolados de comportamento Especialmente no que se refere à
vivência de emoções como raiva, medo, abandono, etc. Existem várias tentativas de explicação predisposição constituci­
onal, construção de um ambiente Invalidante. história de aprendi/agem de vida, entre outros. Sâo pessoas extremamente
difíceis de se envolverem em uma psicoterapia dados os seus padrões comportamentais. No desenvolvimento do trabalho
com estes clientes, sâo observadas várias peculiandades (n io s lo exclusivas deles): 1) as ligadas ao cliente: relaçAo de
Htato e confiança, estabelecimento de vU\cula com a vida, envolvimento da famlU« no atendimento, 2) as ligadas ao
terapeuta: -necessidade de gostar da pessoa do cliente, sólida formação teórica ao lado da maleabilidade na condução do
caso, 3) as ligadas às Intervenções: -por momentos 0 terapeuta vô-se assolado por dúvidas relativas ao que priorizar Como
lidar com a desesperança, 0 sofrimento incontrolável e incontornável de uma pessoa, que freqüentemente Insiste em náo se
manter viva.Mais que uma reiaçfto profissional é uma relaç&o pessoal, mats do que tratar de peculiaridades, o texto trata da»
dificuldades e dúvidas na condução destes atendimentos

Palavras-chave transtorno do personalidade limítrofe, peculiaridades do atendimento: dificuldades do atendimento

Borderline personality disorder is the psychiatric classification applied to people who present unstable, disorganized and
apparently uncontrolled patterns of behavior, specially in terms of experiencing omotiona as anger, fear, abandon, etc There
are many attempts to explain this configuration' constitutional predisposition, construction of a invalidating environment,
history of life learning, among others They are people bearing an extreme difficulty to get involved In psychotherapy
programs, due to their unadjusted behavior patterns Along the treatment development of these patients, many peculiarities
are observed (which are not exclusive of them): 1) referring to the client the relationship of affect and trust, establishing life
bond, Involvement of his or^her family in the treatment; 2) referring to the therapist: need of being fond of the client, solid
theoretical basis, besides the malleability in conducting the case Itself, 3) referring to the Interventions, occasionally, there
are doubts about what to consider pnority in the case How to deal with hopeless, uncontrolled and unbearable suffering of
a person who, usually, Insists in not remaining alive Rather than just a professional task, this is also a personal relationship,
Rathor than treating peculiarities, the text deals with difficulties and doubts in conducting these treatments.

Key words, borderline personality disorder, treatment pecullanties and difficulties

Transtornos de personalidade referem-se a categorias diagnósticas que pretendem


classificar pessoas que apresentam determinadas características comportamentais. O
transtorno “borderline” de personalidade (TBP) ou transtorno de personalidade
lim ítrofe (TPL) é uma sub-categoria diagnóstica, psiquiátrica, na qual são incluídos
indivíduos que apresentam padrões instáveis, desordenados e aparentemente
descontrolados de comportamentos em diversas áreas.Eles têm grandes dificuldades para
identificar, controlar e expressar seus afetos; são impulsivos e apresentam freqüentes

Sobre Comportamento r C ofln içío 361


comportamentos auto-mutilantes ou que atentem contra a própria vida.Seus
relacionamentos interpessoais são altamente comprometidos e estas pessoas relatam
medo intenso de serem abandonadas ao lado de um sentimento constante de incapacidade
de estar só ou mesmo de cuidar-se.
Nos últimos anos, foram desenvolvidos vários estudos que nos permitem fazer
algumas considerações sobre este quadro clinico.
Sabe-se que há uma predisposição constitucional que facilita a ocorrência
dos padrões de comportamentos apresentados por estes pacientes. Dentre esses padrões,
verifica-se uma falta de controle emocional, o que provavelmente advém da alta
sensibilidade apresentada a estímulos emocionais (desta natureza) que, por sua vez,
desencadeariam intensas e inadequadas respostas emocionais; tal descontrole justificaria
o lento retorno aos padrões comportamentais socialmente desejáveis e esperados
apresentado por estes clientes. Esta inadequação na forma de compreender e interagir
com seu meio propicia o surgimento do que é identificado como ambiente invalidante,
isto é, uma tendência das pessoas que os cercam a negar ou a responder desordenada,
inapropriada e insensivelmente às experiências privadas vividas e relatadas pela pessoa.
Identifica-se na história de aprendizagem de vida deles que, desde a sua infância, o
meio que os cercava reforçava padrões inadequados de relacionamento, enquanto ignorava
os adequados. Comportamentos de identificação e expressão de emoções, tanto os
encobertos como os públicos, eram, de uma maneira geral, ignorados, negados e até
punidos. Assim, estas pessoas aprendem a duvidar de seus sentimentos e dos sentimentos
dos outros, elaboram auto-regras que as impedem de responder às conseqüências reais
de seus comportamentos. Como não aprendem a controlar e a expressar adequadamente
suas emoções, elas desenvolvem padrões inapropriados de comunicação com o meio
ambiente e, portanto, apresentam dificuldades nas suas habilidades sociais o que as
levam a confirmar suas auto-regras inadequadas. Estas observações revelam a grande
importância da história de aprendizagem no desenvolvimento deste quadro clínico.
Todos os fatores apontados acima se complementam e, isolados ou conjuntamente,
são tentativas de explicação dos padrões comportamentais apresentados por estas
pessoas.
É sabido que a psicoterapia comportamental não se preocupa e nem necessita
de classificações diagnósticas para a sua efetivação. Ela precisa de boas descrições dos
comportamentos e das suas contingências.Tais descrições buscam dentre outras coisas:
• Fazer análises funcionais dos comportamentos;
• Identificar quais são as contingências que estão mantendo o repertório comportamental
da pessoa;
• Identificar a quais regras a pessoa está respondendo ao invés de responder ás
contingências do momento;
• Ajudar a pessoa a conhecer-se, a identificar seus sentimentos e a descobrir como os
expressa;
• Ajudar a pessoa a identificar os sentimentos do outro,
• Ajudar a pessoa a examinar suas relações interpessoais;
• Identificar seus excessos e dóficits comportamentais.

362 Vor.i Reflin.i Lignclli Otcro


A literatura e a prática clínica sugerem que pessoas com as características
comportamentais descritas acima são bastante resistentes às tentativas de ajuda
psicoterápica. Elas, conforme enfatiza Ventura (2001, pág. 377 e seguintes), necessitam
de uma boa relação terapêutica, que deve ser constantemente analisada na terapia. Este
relacionamento poderá funcionar como uma fonte de aprendizagem de novos padrões de
comportamento interpessoal. Esta autora ressalta que: “A relação terapêutica é um
excelente terreno para que se possam detectar os padrões comportamentais do paciente
que tendem a desencadear reações desagradáveis em seu interlocutor".
O atendimento destes indivíduos possui algumas peculiaridades, que obviamente
não são exclusivas deles. Apenas elas se tornam bastante evidentes, dado que seus
padrões relacionais são instáveis, hipervigilantes do comportamento do outro. As
peculiaridades evidenciam-se especialmente no que diz respeito às manifestações de
aceitação e expressão do afeto alheio, ao lado de um excessivo descontrole de seus
impulsos.
Na tentativa de examinar algumas características destes atendimentos, serão
reproduzidos alguns trechos de diálogos ocorridos em sessões de psicoterapia de uma
senhora de 45 anos de idade no início do seu atendimento. Ela era casada e tinha quatro
filhos; a família era bastante desestruturada, e não se identificavam vínculos afetivos entre
eles; tinha passado por três internações em hospitais psiquiátricos, sendo que a primeira
tinha ocorrido há cinco anos; fazia psicoterapia desde os 20 anos.
Em um final de semana, após ela ter se mordido até ferir seus próprios braços, a
família solicitou a ajuda da terapeuta. Ela fazia as infundadas acusações costumeiras a
seus familiares.
Cl 'cliente)= Eles me tiraram tudo; não tenho mais nada. Tiraram meus bens e ele me fez
assinar o papel da separação e eu não tenho mais nem onde morar...
T (terapeuta)= Estou vendo que você está muito triste, sofrendo muito, desesperada. É
assim que você está se sentindo?
Cl = Eles me tiraram tudo.
T = Como você está se sentindo? Preste atenção em você, nos seus sentimentos. Se
você pensa que aconteceu isso, é assim mesmo que você tem que se sentir. Mas observe
se é real? De fato isto tudo aconteceu? Observe o que você está sentindo.
Cl = Medo, muittfmedo. Medo de ficar sozinha.
T = Há quanto tempo você assinou aqueles papéis de abertura de outra conta bancária?
Cl = Faz quatro meses.
T = Mudou alguma coisa na sua vida?
Cl = Não, mas vai mudar.
T =s Você está sofrendo por um dado de realidade ou da sua imaginação? Pelos seus
medos daquilo que não ocorreu?
Cl = Pelo medo de ficar sozinha, deles me abandonarem.

Sobre Comportamento e Co^niçAo 363


Contextos como estes colocam o profissional diante da necessidade de tomada
de decisões imediatas e específicas para cada situação.
O profissional deve acatar aquele pedido de ajuda da família ou da cliente? Indo à
casa do cliente, ele estará reforçando comportamentos inadequados, tanto da família
quanto da pessoa? Como decidir quais comportamentos, topografia ou classe de respostas
reforçar? Diante do imenso sofrimento verificado deverão ocorrer interações que expressem
acolhimento? Serão necessárias mais tentativas no sentido de ajudá-la a identificar os
seus sentimentos? (Tanto os causados pelo medo do abandono que a levam a sentir-se
desamparada, como os causados pelo sentimento de desamparo que na realidade não
ocorreu.).
A “vivência" do desamparo desencadeia nela comportamentos de auto-agressão,
acusações indevidas, agressão física a pessoas e ao ambiente em geral. Toda esta situação
distancia os outros e a leva a confirmar sua auto-regra de que está sendo abandonada.
Na seqüência abaixo, trechos de outro diálogo ocorrido no mesmo dia e que
mostram atitudes típicas de pessoas com TPL.
Cl = Eu tentei suicídio várias vezes. Não agüento mais pagar por isso. Eles vão acabar
com a minha vida. Eles passaram muita vergonha comigo. Eu estou sofrendo muito.
T = Que bom que você olhou para os seus sentimentos. Nós podemos conversar sobre
eles. Você pensa que porque tentou suicídio deve ser punida pelo resto da vida.
Cl = É isso mesmo, eles me punem.
T = Quem pensa isso? Quem te pune?
Cl = Sou eu mesma. Eu sei que sou eu que me puno; eu que me culpo.
T = Você se sente culpada por algo que já aconteceu. O que você pode fazer hoje para
mudar isso?
Cl = Mudar de atitude.
T = Por exemplo, agora o que você pode fazer?
Cl = Levantar do sofá. Parar de chorar.
T = Seria legal você dar chances para você mesma. Precisa prestar atenção nas
contingências do§ seus comportamentos atuais, não nas do passado.
Num diálogo como este, verifica-se a ocorrência de idéias intrusivas, que ela
vinha repetindo por meses, durante várias horas diariamente. Qual será o grande reforçador
desta longa e repetitiva cadeia de comportamentos inadequados? Existe uma tentativa de
envolver o terapeuta em seus dramas pessoais? É uma atitude manipulativa? Linehan
(1993) salienta que é simplista a idéia de entender estas cadeias comportamentais como
tentativas de manipulação. O que estas pessoas têm na verdade é uma grande inabilidade
para comunicar-se, o que as leva a se envolverem em freqüentes tentativas de influenciar
o comportamento do outro.
É necessário ajudá-las a programar suas atividades, ajudá-las a viver o aqui e o
agora: ensiná-las a lidar com sentimentos negativos tais como os de culpa, de raiva ou
abandono.

364 Vera Regina Li^nclti ()trro


Abaixo um diálogo ocorrido ainda no mesmo dia.
Cl = Eu posso perder todo mundo, menos a minha filha. Sei que fiz muito mal para ela. Eu
sei, eu a abandonei. Aliás, abandonei todos. Coitadinha, ela não merece.
T = Olha, que legal, você está prestando atenção em você e na sua filha. Você está vendo
que o que você faz tem conseqüências pra você e pra ela. Você sabe disso há muito
tempo, só que saber não faz você mudar de atitude...
Cl = Não faz mesmo. Às vezes, eu consigo fazer um carinho nela. Eu tenho aprendido
com você que existem muitos tipos de amor, de muitas naturezas. Tenho aprendido que
posso ser perdoada. No desespero, tudo isso some da minha cabeça.
T = Que bom. Você está lidando com a realidade.
Esta seqüência de falas nos permite observar a relevância de ajudá-la a perceber:
• a inter-relação entre o que ela sente e o que ela faz, nem sempre conseguindo ser
adequada;
• a importância de sintonizar-se com as conseqüências reais dos seus comportamentos;
• a relevância de identificar quais afetos são importantes para ela.
O diálogo abaixo ocorreu na clínica em outro momento da terapia.
Cl = Ele (marido) não gosta mais de mim. Ontem eu cheguei perto dele e ele falou vai pra
lá, me deixa em paz. Você acredita?
T = Acredito sim.
Cl = Então, ele tem outra há muito tempo. Desde que eu tentei suicídio, desde que fui para
o hospital.
T = Você estava me perguntando se eu acredito que ele mandou você embora de perto
dele. Eu disse que sim. Isto é um dado de realidade. Também é um dado de realidade que
você se aproximou dele pela milésima vez para dizer a mesma coisa. Parece que você
não se lembra, ou faz de conta que não se lembra do que nós já conversamos sobre isso.
Cl = É. Eu sei. Não consigo controlar.
Analisando as falas acima, identifica-se que ela se fixa em um estimulo da
realidade (ele me mandou sair), exclui seu próprio comportamento (repetições de fala,
acusações) e sofrè muito (ao pensar que o marido não a quer mais). Repete essa cadeia
de comportamentos durante longos períodos de tempo, desencadeando assim a agressão
do outro; então, novamente ela confirma sua auto-regra de que ele não gosta dela. Assim
ela vive o esquema de controle comportamental que ela mesma monta e põe em
funcionamento através de suas atitudes e da reação provocada em quem a cerca. Parece
não perceber que a pessoa reage à repetição (amolação, acusação) e não ao conteúdo da
fala do momento.
Conforme afirmam Beck e Freeman (1993, pág. 135), os clientes “ borderlines”
não podem ser identificados como os únicos difíceis a serem atendidos. Usar este termo
para clientes difíceis, simplesmente como um rótulo pejorativo não nos ajuda em nada.
Mas, a observação clínica nos permite identificar algumas peculiaridades presentes no
atendimento destas pessoas, que poderemos dividirem três tópicos:

Sobre C"oinporf«imcnlo c CofinivJo 365


1) Peculiaridades ligadas ao cliente
Relação de afeto e confiança
Há uma grande necessidade dele sentir-se querido pelo terapeuta. Enquanto não
se constrói uma relação afetiva entre ambos, a psicoterapia não caminha e não se verifica
a adesão ao tratamento
Estabelecimento de vínculo com a vida
Após o estabelecimento do vínculo afetivo, toma-se possível ajudar estas pessoas
a estabelecerem um vínculo com a vida. A partir de então, elas aprendem novos padrões
de interação e se envolvem em atividades que contribuirão para que aprimorem suas
habilidades de comunicação, que geralmente se constituem em um dos seus maiores
problemas.
Envolvimento da família no atendimento
Nestes atendimentos é evidente a necessidade do envolvimento da família em
todo o processo psicoterápico, especialmente quando se trata de casos extremamente
graves como o dos exemplos acima. Pessoas com este grau de comprometimento põem
sua própria vida e a dos outros em risco. Nesta medida elas são, temporária ou
permanentemente, dependentes de familiares ou mesmo de acompanhantes terapêuticos.
Quando a família não adere à terapia, todo o processo fica dificultado.
2) Peculiaridades ligadas ao terapeuta
Relação de afeto com o cliente
Quando o terapeuta começa a cuidar de pessoas que apresentam as características
acima, logo ele descobre que uma das grandes exigências destes atendimentos é a
existência de uma ligação afetiva genuína entre o profissional e o cliente. É preciso que o
profissional goste da pessoa do cliente, dado que esta ligação de afeto ajudará o profissional
a suportar e a desenvolver uma alta resistência à frustração. Terá, muitas vezes, que ter
uma disponibilidade para atendimento durante 24 horas por dia; esta exigência tornaria a
relação bastante pesada se não existisse o afeto genuíno.
Formação profissional
Para a condução da psicoterapia de portadores de TPL, o profissional deverá ter
uma sólida formação teórica que fundamentará as escolhas dos procedimentos a cada
momento. A solidez lhe proporcionará a firmeza necessária no uso dos procedimentos
indicados e, ao mesmo tempo, lhe permitirá ser flexível no uso dos mesmos. Nestes
processos identifica-se, em muitas circunstâncias, a clara necessidade de se priorizar a
relação terapêutica e a pessoa do cliente em detrimento da aplicação de princípios teóricos.
3) Peculiaridades ligadas às intervenções
Objetivos principais das intervenções
Manter a pessoa com vida tem que ser o principal referencial e objetivo em muitos
momentos cruciais de tomada de decisões. Ao fazermos análises funcionais de longas
cadeias comportamentais, muitas vezes, temos que deixar de lado o que se identificou
como sendo a função real dos comportamentos e dar “colo" para a pessoa. Com grande
freqüência, acolhimento e "colo" são prioritários à aplicação de procedimentos.

366 Vera Regina l.itfnclli Otcro


Busca-se sempre o equilíbrio e a adequação na escolha entre os procedimentos
que levam às mudanças e os que levam à aceitação das circunstâncias de vida da pessoa
portadora de TLP e de sua família.

Ponderações finais
Na realidade, todas as ponderações anteriormente apresentadas sobre o
atendimento dos portadores de TPL aplicam-se, em princípio, a qualquer outro tipo de
caso. Nenhuma delas é peculiar às pessoas descritas neste texto de uma maneira exclusiva.
Quando os "borderlines*’ se comportam de maneira semelhante aos outros
pacientes sem por suas vidas em risco, o terapeuta também deve lidar com eles da
mesma maneira que lida com os demais clientes.
Não se pode e não se deve entender que pessoas portadoras destes conjuntos
típicos de comportamentos não terão sucesso em suas terapias. A prática clinica, em
alguns casos, corrobora os achados dos estudos que mostram que a psicoterapia ó eficaz
em muitos deles.
O que torna o atendimento psicoterápico destas pessoas parecer e realmente ser
diferente dos demais é:
• O contato constante que o terapeuta tem com a desesperança, com o desespero, e
com o sofrimento incontrolável e muitas vezes incontornável.
• Ter-se que lidar constantemente com a instabilidade comportamental que normalmente
ó decorrente do descontrole sobre as emoções e os impulsos.
• A dúvida constante que o terapeuta tem sobre se está ou não no caminho certo em
cada caso e em cada momento do atendimento.
• Por vezes, a dúvida é se verá ou não o cliente na próxima sessão.
Obviamente, o atendimento psicoterápico de qualquer tipo de caso clínico possui
suas próprias peculiaridades. O que se verifica é que algumas delas ocorrem mais intensa
e freqüentemente no atendimento de casos graves. Por casos graves entendem-se aqueles
nos quais a vida da pessoa ou dos outros está em risco.
Concluindo, concordamos com Linehan e Keher (1999, pág. 443), que afirmam
que as pessoas portadoras de TPL ou "borderlines" "sâo:- desafiadoras e difíceis de
tratar... dado que apresentam padrões comportamentais problemáticos que se classificam
entre os mais estressantes encontrados pelos terapeutas... o tratamento é algo que os
profissionais abordam com receio e preocupação".
Na realidade, mais do que ter que lidar com peculiaridades, o profissional tem que
lidar com as dúvidas que o assolam durante todo o tratamento; para ser terapeuta destes
clientes, o profissional necessita ter a clareza de que deverá entregar-se como pessoa a
esta relação para que possa ter alguma chance de sucesso evitando, assim, que a morte
vença a vida.

Sobre (.'ompoitimcnlo 1 lonm ç.lo 367


Referências
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Now York: the Guilford Press.
Linehan, M. M., & Kehrer, C. A. (1999). In David H. Barlow (Org.), Manual Cllnlco dos transtor-
nos psicológicos (Trad. M. Regina Borges Osório). Porto Alegre: Artmed Editora. (Trabalho
original publicado em 1993)
Ventura, P. (2001). Psicoteraplas cognitivo-comportamentals - Um diáíogo com a pslauia-
tria. Bernard Rangé (Org.). Porto Alegre: Artmed Editora.

368 Vcrd Rrflin.i I iflnelll Otero


Capítulo 35
O atendimento a pais de crianças em
psicoterapia: orientação ou terapia?
Yara Kupcrstein Ingbcrnum'

O atendimento aos pais è, sem dúvida, muito importante quando uma criança se encontra em processo de psicoterapia Ê
uma posição clara da abordagem comportamental esta necessidade. As primeiras intervenções direcionadas aos pais se
baseavam na mudança necessária no ambiente para alterar o comportamento da criança, e os pais eram vistos como
intermediários no alcance que o terapeuta tinha do dia-a-dia da criança Eram eles que promoviam as mudanças no ambiente
e, assim, a alteraçio do comportamento da criança. Continuamos a considerar os pais como Importantes participantes no
processo e analisaremos vantagens e desvantagens da orientaçAo dos pais Relatos levantados nos últimos dois anos nas
publicaçOos da ABPMC vôm mostrando um direcionamento voltado ao autoconhecimento dos puis, assim como uma maior
independentizaçio dos mesmos com relação ao terapeuta As dificuldades aparecem quando se precisa definir qual é este
envolvimento e como obter a melhor contribuição da famllt» para o desenvolvimento do tratamento da criança. Al vamos
encontrar diferentes posições quanto a esta participação e cuidados a serem tomados com relação a decisões acerca da
forma de envolvimento da família. Uma queBtfto que se estabelece para o terapeuta A o direcionamento que vai dar a este
tcatoalho frente às práticas tradicionais de treino de pais e às novas propostas
Palavras-chave: Pais, orientação, terapia, família* CNPQ

Ingbeman, Y K Attending on parents during child's psychotherapy guidance or therapy?

For sure, attending on parents is a very important procedure when a child is in psychotherapy. This need Is a clear issue
among the behavior analysts The first interventions towards the parents were based on the environment changing In order
to affect the child’s behavior, and the parents were seeing as mediators to the therapist's actions on child's day-to-day
because they, the parents, promote the set changings, and thus the child behavior modifications We still consider parents
as fundamental part In the process, and we will analyse the benefits and the disadvantages of attending on parents.
Researching on the accounts of the ABPMC last two year» publication* »how» a tendency to the parent» self-knowledge a»
well as a greater individualization of this parents concftrning to the child's psychotherapist However It's hard to define how
we should call this relationship, and how to achieve the best family contribution to the child's progress In therapy. So, we are
going to face different opinions about this and about the cares to be taken on the decisions of the families involvement In
the therapy. An issue established for the therapist is how he or she is going to manage this procedure facing the traditional
training techniques and the new proposals

Key words, parents, orientation, psychotherapy, family

No trabalho com a criança, dentro de uma abordagem comportamental, a questáo


da família sempre esteve presente. Desde os modelos iniciais, a própria concepção da
influência do ambiente sobre o comportamento, que ó base da concepção teórica, levou à
importância do envolvimento da família no tratamento da criança. Este fato vem tomando
diferentes formas desde os primeiros trabalhos, passando dos modelos iniciais de
treinamento de pais como agentes de mudança até as concepções mais recentes que
enfatizam o auto-conhecimento e a aceitação como instrumentos, quem sabe mais efetivos,
que os treinos inicialmente propostos aos pais no trabalho com a criança.
'Univ*fikl«d« F#d*rdl do Pwflná - M*ttr»do *m Pitcotogl* d« InfAncM • dn Adotescêncw

Sobre Comportamento e Cotfniç*lo 369


Não há dúvidas de que a família esteja envolvida no trabalho com a criança, pois
este é seu ambiente natural. A questão é de que forma envolvê*la, quais os potenciais e
limitações ao trabalho com a família da criança em psicoterapia.
De acordo com Azevedo, Ingberman e Straponí (1994), ainda que as aproximações
orientadas para a família tenham aumentado em popularidade, este movimento floresceu
largamente na ausência de evidência conclusiva de que as aproximações baseadas na
família são superiores à terapia individual no tratamento de crianças com problemas
psicológicos. Decisões clínicas acerca da prática da terapia da criança e, mais especifi­
camente, acerca da inclusão da família no processo foram realizadas sem o benefício da
evidência científica. Impulsionado por várias proposições teóricas, surpreendentemente,
pouco trabalho foi feito para testar a proposição de que uma ou outra (tratamento baseado
na família ou terapia individual) seja superior.
A intervenção comportamental com famílias está, historicamente, diretamente
ligada com a história da modificação do comportamento. A visão de como sâo adquiridos,
modificados e mantidos os comportamentos para o behaviorismo levou à ênfase na
importância de envolver os pais, professores e outras pessoas significativas como
mediadores ou agentes de mudanças terapêuticas (Sanders & Dadds, 1993).
Como exemplo desta proposta de trabalho, temos Patterson, com ênfase no treina­
mento de pais; Stuart, com o contrato de contingências; Becker, com os pais como professores,
no que se refere ao trabalho com crianças Quanto a outras abordagens específicas, temos
Liberman, com as técnicas de terapia conjugal; e Masters e Johnson, com a terapia sexual.
O enfoque deste trabalho visa famílias com crianças, tendo em vista que ó nesta
área que se dá mais ênfase ao envolvimento da família no tratamento.
Sanders e Dadds (1993) usam a designação intervenção familiar comportamental como
um "termo genérico utilizado para descrever um processo terapêutico que procura efetuar mudanças
no comportamento da criança e, conseqüentemente, no seu ajustamento, por mudanças em
aspectos do ambiente familiar que afetam o problema comportamental da criança".
Sanders (1996) expande a idéia, afirmando que estas intervenções têm como
objetivo processos interacionais que são aceitos como sendo relacionados à etiologia,
manutenção, exacerbação ou falta de atenção no desenvolvimento de uma criança. O foco
das intervenções está em alterar o comportamento dos pais com relação a seus filhos,
mas pode incluir a mudança de outros aspectos do funcionamento da família, como rela­
ções conjugais, o comportamento de avós, irmãos, pessoas que cuidam da criança e o
provimento de atividades adequadas á idade, em casa.
O conceito de intervenção com famílias vem evoluindo e permitindo vários níveis
de escolha de estratégias aos terapeutas, conforme descrito por Sanders.
Sanders (1996) apresenta cinco níveis de opção para intervenções com famílias
descritos na literatura:
1- Recomendações específicas - Instruções breves por escrito ou vídeo modelagem sobre
como resolver problemas específicos, sem contato com o terapeuta. Recomendações
específicas com um contato mínimo com o terapeuta. Instruções por escrito combinadas
com breves contatos com o terapeuta diretamente ou ao telefone.
2- Recomendações específicas com treino - Combinação de instruções, modelagem e
feedback focados em ensinar os pais como manejar problemas específicos.

370 Ydtii Ku p m tcin Itmborm.ui


3- Treino comportamental intensivo com os pais - Métodos de treinamento similares ao
nível dois, no entanto, o foco está na interação pais-criança e na aplicação de diversas
tarefas de cuidados para uma variedade de problemas. Incluem treinamento no controle
de estímulos antecedentes em técnicas de manejo de contingências.
4- Intervenção comportamental familiar - Deve envolver todas as anteriores, mas, em
adição, outros problemas familiares são abordados, como problemas conjugais,
estresse, depressão e manejo de raiva.
Todas estas intervenções atingem a família, mas apenas o último nlvel se aproxi­
ma do que se descreve como Terapia Familiar. Esta tem como objetivo do trabalho
terapêutico estabelecer novas reações funcionais que levem a uma alteração do compor­
tamento dos membros da família para alcançar padrões mais adaptativos de funcionamen­
to de acordo com a dificuldade que esteja afetando o grupo familiar: distúrbios de conduta
da criança, problemas conjugais, relacionamento pais e filhos, etc... Não se trata mais de
treinar os pais para mudar seus comportamentos e, com isso, conseguir alteração do
comportamento dos filhos, mas de promover processos de discriminação e alteração de
comportamentos dos membros da família, cujo resultado afeta todos os seus membros
em direção a uma maior adaptabilidade aos seus próprios objetivos a aos do grupo familiar.
Ingberman (1999) afirma que não se define que uma abordagem à famdia seja
uma terapia familiar pela presença de todos os membros da família na sala do terapeuta,
mas pelo enfoque nos processos interacionais da família que podem se analisados junto
a um, dois ou mais membros da família.
A visão é de que um padrão de comportamento que leve todos os elementos de
uma família ao sofrimento pode ser a única forma que este grupo tenha de sobreviver, uma
vez que os repertórios mais adaptativos de seus membros não podem ser efetivados no
momento ou não foram aprendidos.
A intervenção na familia da criança em psicoterapia pode incluir ou não o grupo
familiar como um todo. O que define isto é o objetivo, sendo a terapia do grupo familiar estruturada
como um trabalho de grupo, com elementos que têm um relacionamento muito estreito e com
muitas regras, cujas interações continuam a se processar fora do espaço da sala de terapia.
O trabalho com o grupo familiar ou com dois ou mais elementos da família pode
ter vários procedimentos como:
Discriminação: - do próprio comportamento;
- do comportamento do outro;
- das relações entre estes comportamentos.
Modelação através de modelos de interação:
- fornecidos por elementos do grupo;
- fornecidos pelo terapeuta;
- fornecidos pela observação de outras pessoas;
- desenvolvidos em conjunto pelo grupo.
A análise funcional é realizada em dois níveis: a) molar, quando se está analisando o
contexto amplo em que os comportamentos ocorrem e, b) molecular, da relação dos
componentes do grupo entre si e com o terapeuta, que podem ser encaradas como
representando uma amostra do comportamento dos elementos do grupo familiar em interação.

Sobre C'ompor1.imcn(o c ('oRMf<lo 371


O terapeuta precisa escolher a qual destes níveis vai dar atenção em cada etapa
do processo, tomando decisões importantes para o desenvolvimento do trabalho. Por
exemplo, fala-se de um fato que permite ao terapeuta ter compreensão acerca da história
de aprendizagem dos comportamentos que a família apresenta, ao mesmo tempo em que
se observam padrões mútuos de reforçamento e punição na sessão.
Trata-se de uma aplicação dos princípios da análise do comportamento à
intervenção em problemas que se configuram no contexto da família.
Não podemos deixar de levar em conta que nem sempre a presença de dificuldades
com algum dos membros de uma família implica necessidade do grupo familiar, por isto
esta indicação deve ser cuidadosa. Quando a dificuldade implica padrões disrruptivos, que
não são passíveis de serem abordados a não ser com o maior número possível dos ele­
mentos envolvidos no problema. Neste caso, a dificuldade não é vista como de um dos
elementos, mas como de todo o grupo, como, por exemplo, a falta de repertório verbal na
comunicação que pode não ter sido desenvolvida por uma família.
Há casos em que o envolvimento de todos não é necessário: pais podem ter
dificuldades em lidar com seus filhos por falta de habilidades que podem ser abordadas
sem o envolvimento de toda a família. Pode haver necessidade de abordagem a problemas
conjugais e não haver queixa ao nível de manejo com os filhos. Uma criança pode ter
dificuldades decorrentes da falta de habilidades dos país.
Para Webster-Stratton (1991), a pesquisa básica reforça o papel que os fatores
da família podem ter no ajustamento e provê algumas diretrizes conceituais gerais que o
clínico deve considerar:
1) A questão do envolvimento da família e sua participação na terapia da criança é uma questão
de forma e intensidade. Tradicionalmente, o termo terapia familiar é reservado para situações
nas quais toda a família e mais o "cliente identificado" estão presentes. Esta terminologia
está associada a algumas práticas em particular.
A primeira questão a ser considerada pelo terapeuta da criança na decisão sobre o envolvimento
da família na terapia tem a ver com o quanto esta família está sendo vista como tendo papel
direto na etiologia e manutenção do problema. Terapeutas vão se beneficiar com a análise do
problema de forma a determinar a presença de processos familiares que contribuem.
2) O envolvimento da família parece garantido, mas que forma deve tomar? As pesquisas não
respondem que formas específicas de envolvimento da família são indicadas para cada
situação. O envolvimento da família deve ser focado com o objetivo de alterar os processos
interativos específicos que são vistos pelo terapeuta como contribuindo para a disfunção da
criança.
3) Até que ponto os membros da família são vistos como potentes ou como aliados influentes?
Mesmo que pareçam ter um papel não etiológico ou fundamental no problema em si, há
razões para se assumir que os membros da família terão um impacto único ou maior que o
terapeuta sozinho.
4) Existem momentos em que o envolvimento da família deve ser evitado? Não há dados para
responder a esta questão, é razoável tomar a posição de que a primeira prioridade é parar ou
alterar os processos destrutivos que estão perturbando a criança e que o envolvimento da
família é o melhor caminho para conseguir este objetivo. Podem haver instâncias nas quais
os pais não estão preparados para mudar ou engajar-se construtivamente no processo
terapêutico. Nestes casos, tentar forçar os pais a participar do tratamento pode ser improdutivo

372 Víirü Kupm tein Injjberman


e levar ao insucesso. Ao mesmo tempo, trabalhar individualmente com a criança, para ajudá-
la a enfrentar mais adaptativamente a situação, pode ser mais benéfico.
5) A questão nào deve ser vistacomo uma questão d e 'W e W . O fetode que algum envolvimento
da família seja desejável não significa que a terapia individual não possa ter resultados ou
vice-versa. Uma situação na qual uma aproximação combinada pode ser desejável é quando
o problema parece estar ligado funcionalmente a alguns déficits básicos de habilidades por
parte da criança, assim como de uma lacuna de habilidades sociais apropriadas, ou outros
tipos de deficiências cognitivas ou disfunções, mais do que déficits que pareçam estar ligados
a interação familiar.
O que deve estar claro é que a decisão do terapeuta deve ser guiada por uma clara
conceitualizaçáo do problema e dos fatores que o causam.
Fauber e Long (1991) afirmam que avanços na qualidade das pesquisas nesta área
são necessários. Os pesquisadores devem promover aumento do rigor metodológico e clareza
conceituai para ultrapassar os fatores que envolvem os benefícios da participação da família no
tratamento da criança. Questões importantes como a maneira pela qual o envolvimento da
família ó conceitualizado e medido, quais processos familiares sào relevantes a tipos específicos
de desordens, quais características e condições específicas nas várias intervenções familiares
ou individuais e como ambas as abordagens devem interagir uma com a outra não estão
claros. Um cuidadoso planejamento de pesquisas e de novos conhecimentos deve permitir
avançar na discussão sobre o envolvimento da família no tratamento da criança de maneira
significativa.
Mash, E. J. Barkley, R. A. (1998) propõem uma perspectiva sistêmica comportamental
no tratamento de desordens da criança e da família. Neste enfoque, dá um aumento de ênfase
no sistema, uma maior sensibilidade aos fatores de desenvolvimento, maior reconhecimento
das diferenças individuais dos determinantes biológicos, emocionais, cognitivos, assim como
fatores culturais do tratamento, que as abordagens tradicionais da terapia comportamental.
Vários trabalhos têm sido publicados no Brasil nos últimos anos enfocando o
trabalho com os pais nas terapias infantis, descrevendo estratégias com a finalidade de
obter os melhores resultados. Verificando a coleção Sobre Comportamento e Cognição,
encontramos:
Lohr, S. S. (1999), “Orientação de pais, algumas propostas: um modelo de inter­
venção com pais de crianças com câncer", no qual a autora faz uma análise das vanta­
gens e limitações do trabalho de treino de pais, que se segue:
Vantagens:
a) implementa a comunicação dentro da família e estreita o relacionamento pais e filhos
ao elevar os comportamentos sociais das crianças;
b) em desordens de conduta na criança, a aplicação do programa de treinamento, ao
reduzir os comportamentos inadequados da criança, contribui para mudanças nos
comportamentos dos pais e altera a percepção paterna do ajustamento da criança;
c) no treinamento, os pais aprendem a alterar contingências de reforço que mantêm o
comportamento inadequado da criança;
d) quando o problema central envolve interação pais e filhos, os resultados do treinamento
têm sido positivos;

Sobre Comportamento e CojjnlvJo 373


e ) programas de treinamento de pais em grupo podem abreviar o tempo de tratamento;
f) uma vez que os pais são orientados para a generalização, alguns pais demonstram
grande habilidade em lidar com outros comportamentos problemáticos dos filhos.
Dificuldades e limitações:
a) o treinamento tem sua efetividade reduzida quando entre os familiares envolvidos há
divergências quanto às responsabilidades pela criança ou de como lidar com ela;
b) problemas conjugais, depressão materna e situação socioeconômica adversa têm
sido associados a casos em que não ó percebida a manutenção dos ganhos terapêuticos
no tempo;
c) no passado, os treinos de pais eram feitos em grupos grandes e por profissionais com
reduzido conhecimento dos princípios, bem como restrita habilidade terapêutica;
d) dificuldades relativas à cooperação dos pais para com os terapeutas podem implicar
distância entre o que os pais dizem fazer e o que realmente fazem, comprometendo
os resultados do treinamento;
e) Para alguns pais, seguir tarefas propostas pelo terapeuta constitui ponto de dificuldade
que interfere no processo;
f) Há um número reduzido de pesquisas analisando as estratégias propostas na orienta­
ção de pais em relação a diferentes estruturas familiares;
g) Os componentes não-verbais da interação são muito importantes, mas o treinamento
de pais muitas vezes deixa de se aprofundar nesta faceta, dando maior ênfase à
mensagem verbal, a qual, embora necessária, não é suficiente;
h) Quando as dificuldades dos pais no manejo de seus filhos se deve a dóficits em
habilidades gerais de comunicação, em vez de apenas déficits de habilidades pater­
nas, o treino de país pode ser insuficiente
Para a autora, o treinamento de pais não é uma panacéia capaz de solucionar
todas as problemáticas infantis. Constitui-se, no entanto, em importante instrumento para
o terapeuta comportamental, desde que estejamos atentos às suas vantagens, assim
como às suas limitações. Sua proposta, baseada em Sanders (1996), é de que a orienta­
ção de pais se constitua numa das facetas da terapia comportamental de abordagem à
família, pois parece ser bastante rica.
Marinho, M. L. e Silvares, E. M. (2000), ‘‘Modelos de orientação a pais de crian­
ças com queixas diversificadas", apresentam um estudo de diferentes formas de orienta­
ção a pais em situação grupai, colocadas em prática na clínica escola da UEL. Relatam
que os conceitos da determinação do comportamento que nortearam o trabalho era de
que os problemas de comportamento apresentados pelas crianças eram devidos, princi­
palmente, ao padrão de interação familiar. As intervenções foram desenvolvidas de forma a
produzir alterações ambientais, pois quando se realizam intervenções junto aos pais, se
está procurando modificar o ambiente da criança e, com isso, produzir mudanças em seu
comportamento. Buscam ampliar o foco do comportamento problema e desenvolver habi­
lidades parentais envolvidas em ensinar e em promover comportamentos adaptativos em
seus filhos. Propõe três modelos de atendimento: Psicoterapia parental, Orientação parental
mais Psicoterapia infantil e treinamento de pais.

374 V.ifti Kuperslcm Inflbcrman


Nestes trabalhos, Marinho e Silvares (2000) observaram que aprender a observar
e valorizar o que o filho faz de adequado mostrou ser uma potente estratégia terapêutica;
que mudanças na autopercepção e na percepção de aspectos do próprio ambiente são
objetivos importantes da intervenção psicológica com pais; que buscou-se ensinar aos
pais fazer análise funcional tanto de seus próprios comportamentos como dos comporta­
mentos da criança e adotar estratégias de solução de problemas que lhes poderiam ser
úteis em situações futuras. Nos três modelos houve relato de satisfação elevada com o
tratamento adotado e manutenção dos ganhos.
Rocha, M. M., Brandão, M. S. Z. (1997), "A Importância do autoconhecimento
dos pais na análise e modificação' de suas interações com os filhos". Neste trabalho, as
autoras dão ênfase à dinâmica familiar para o entendimento do comportamento infantil,
defendendo a mudança de atitude por parte dos que trabalham com crianças e a ênfase
nas características infantis, através da análise da interação familiar. Os pais sáo vistos
como mantenedores do comportamento e, portanto, importantes também na superação
das desordens de conduta. Nesta busca, desenvolver o repertório de autoconhecimento é
importante. Criticam a orientação ou treino de pais baseados no conceito de Skinner
(1983) de que a orientação só é efetiva na medida em que o controle é exercido, isto é,
quando aumenta a probabilidade da ocorrência de um determinado comportamento. Con­
sideram útil a criação de um ambiente que proporcione a aquisição rápida de um compor­
tamento eficaz e sua manutenção, ao mesmo tempo que alertam de que são as contin­
gências criadas, mais que o desenvolvimento de um modelo predeterminado, as respon­
sáveis pelas mudanças observadas Analisam o aspecto de que a forma de comunicação
pela qual o conhecimento é passado de uma pessoa para outra é muito mais efetiva
quando sob controle de contingências do que por regras. Guiadas pela afirmação de Skinner
(1991), “A psicoterapia é freqüentemente um espaço para aumentar a auto-observação,
para “trazer à consciência" uma parcela menor daquilo que é feito e das razões pelas
quais as coisas são feitas”, propõem um trabalho com pais de crianças em grupo com os
seguintes passos:
1) Os pais falam sobre os filhos;
2) Os pais falam das interações;
3) Os pais falam sobre si mesmos;
4) Os pais estabelecem novas contingências.
Rocha £ Brandão (1997) apontam a importância do atendimento a pais para o
restabelecimento de uma relação pais\filhos mais adequada. No entanto, diferem do proce­
dimento tradicional, não consistindo basicamente em orientações, conselhos, normas de
conduta ou estabelecimento de comportamentos específicos. É um trabalho que proporciona
aos pais, através de discussões e análises em um processo grupai, uma percepção real de
seus comportamentos e das contingências atuais que os determinam e os mantêm na
interação com os filhos. Propõe que o autoconhecimento não seria o ponto final do processo,
mas o ponto primordial para uma acurada análise funcional e posterior possibilidade de criar
condições para alterar as variáveis das quais o comportamento é função.
Outra proposta, de Regra (1997), é de inclusão de entrevista familiar, baseada na
técnica do questionamento reflexivo, na avaliação dos casos de crianças em clínica escola. A
autora propõe o trabalho baseado em questões efetuadas que tem, ao mesmo tempo, o

Sobre Comporlümrnlo c CoRmfdo 375


objetivo de levantamento de dados e de provocar mudanças. A família deve ser levada a concluir
sobre a necessidade de mudanças no comportamento de alguns de seus membros, assim
como sobre algumas formas de agir que favoreçam a mudança no outro, sem que esteja
recebendo uma orientação direta. A família conclui, junto com o terapeuta, sobre alternativas
de comportamento mais funcionais do que as que vôm usadas. Desta forma, aumenta-se a
probabilidade de que as mudanças ocorram e que a orientação seja seguida. O procedimento
é de entrevista com todo o grupo familiar, seguida de entrevista com os subgrupos pais e
irmãos, seguida de entrevista individual com a criança.
A partir da definição do modo de inclusão da família no trabalho terapêutico com a
criança, da análise das dificuldades no atendimento à família das crianças em terapia, foram
desenvolvendo-se alternativas que têm por base cada vez mais a análise do comportamento,
deixando, cada vez mais, a opção do comportamento regido por regras que caracterizava as
abordagens tradicionais para o oomportamento regido por contingências que podem ser observadas
e modificadas pelo próprio cliente, ao apropriar-se da possibilidade de fazer suas próprias análises.

R e fe rê n c ia s
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376 Yaw Kupcrstein Intfbcrman


Capítulo 36
Transtornos psicológicos e
habilidades sociais

ZiUIa Aparecida Pereira P elPrette*

Ahnir Pel Prette*

Este trabalho expõe, do forma resumida, relações entre habilidades sociais e vários transtornos psicológicos, com ênfase
nos transtornos invasivos do desenvolvimento, especialmente autismo Apresenta, também, uma anAllse sobre as pesquisas
recentes de avaliação n intervenção na área do Treinamento de Habilidades Sociais e transtornos invasivos que, além de
outras referências, tem como base os resuinos das publicações do periodo 1999-2001 (ERIC e PSYCHINFO)

Palavras-chave Treinamento de Habilidades Sociais, competência social, transtornos psicológicos, transtornos Invasivos
do desenvolvimento, autismo

This chapter exposes, In a summarized way, relationships botween social skills and several psychological disorders, with
emphasis in the Invading disorders of the development, especially autism Additional to other references sources, It
presents, also, some remarks on the assessment and intervention research, based on the published papers in the period
1999-2001 (ERIC and PSYCHINFO).

Key w ords Social skills training, social competence, psychological disorders, invading disorders of development, autism.

A literatura especializada tem mostrado que o comprometimento na comunicação


interpessoal e nas interações sociais pode ser associado, em grande parte, a uma série
de problemas psicológicos, entre os quais: a esquizofrenia, a depressão, os transtornos
emocionais da infância/adolescência e os afetivos e da ansiedade em qualquer etapa,
incluindo também os chamados transtornos invasivos do desenvolvimento, especialmente
autismo e slndrome de Asperger (Argyle, 1967/1994; Morrison & Bellack, 1987; Wallace
& Liberman, 1985; Cohen Cohen, Gottlieb, &Underwood, 2001). Independentemente da
etiologia desses quadros, em muitos casos incerta e usualmente com múltiplos
determinantes, esse comprometimento relaciona-se também à baixa competência social
e dificuldades ou déficits específicos em habilidades sociais. Nos quadros acima referidos,
tais dificuldades ou déficits podem inclusive estar entre os critérios utilizados no diagnóstico
diferencial funcional (como se pode constatar no CID-10 e DSM-IV).
Sejam as habilidades sociais consideradas como fator principal ou secundário
do problema clínico ou, mesmo, como um de seus desdobramentos, a intervenção nessa
área tem sido usualmente incluída nos procedimentos de tratamento e de prevenção (ver

Departamento d« Piicologia - Univartldad# Fadaral d« São Cario«

Sobre Comportamento e Cognlçjo 377


Caballo, 1993; Del Prette & Del Prette, 2001). É o caso, também, de alguns quadros
clínicos como sociopatias, agressividade e delinqüência, abuso e dependência de
substâncias psicoativas (álcool e drogas em geral), problemas do desenvolvimento de
habilidades escolares e deficiência mental ou sensorial e (Segrin, (1993; Renwick & Emler,
1991).
Déficits em habilidades sociais e transtornos psicológicos em geral
Os problemas psicológicos geralmente afetam a qualidade das relações
interpessoais e grande parte desse efeito está relacionada a déficits em habilidades sociais
e competência social. Alguns dos principais quadros clínicos em que esse
compromentimento têm sido amplamente documentado foram apresentados em outro
trabalho (Del Prette, Z. & Del Prette, 1999) e são, aqui, apenas brevemente resumidos.
A timidez e o isolamento social são caracterizados por um repertório pobre em
habilidades sociais, com déficits em conversação em geral, expressividade e manejo de
interações. Essas pessoas sentem*se desconfortáveis e inseguras nos contatos sociais,
principalmente em situações que envolvem demandas para o falar de si, expressão de
afeição ou desagrado, defesa dos próprios direitos e aceitação ou refutação de críticas.
Os transtornos afetivos e de ansiedade envolvem dificuldades interpessoais que
podem gerar perturbações nas relações sociais, que são mais acentuadas nos quadros
de ansiedade social, fobia social e depressão. Os sujeitos fóbicos avaliam mais
negativamente o próprio desempenho social, mesmo em situações em que foram habilidosos
e apresentam maior preocupação com o próprio desempenho social, com reações do
ativação fisiológica diante de situações sociais que possuem características avaliativas
ou são assim percebidas.
No caso da esquizofrenia, muitos autores consideram que a perturbação do
comportamento social não é somente um dos sintomas mas, principalmente, o que mais
caracteriza esse quadro, prejudicando o funcionamento psicossocial desses indivíduos.
Os problemas de comunicação e as dificuldades de relacionamento do paciente
esquizofrênico são consideradas por alguns autores como tão críticos quanto as
perturbações de afeto, linguagem e pensamento, principalmente para aqueles pacientes
com longa história de internação, cujas relações sociais-afetivas se deterioraram com o
distanciamento da família e da comunidade, além dos efeitos dramáticos que a vida
hospitalar duradoura impõe. A efetividade social tem sido, assim, identificada como um
fator crítico na redução do tempo de hospitalização, no número de recaídas e no ajustamento
posterior às internações (vale lembrar, aqui, os estudos de Zigler e colaboradores nos
anos 60 e os do Instituto de Psiquiatria da Pensilvania, nos anos 90; no Brasil, destacam-
se os estudos de Bandeira, 1999a; b).
Os chamados estados depressivos se caracterizam, também, pela deterioração
das relações sociais, que está associada, entre outros aspectos, a déficits interpessoais
(hipótese de Lewinsohn, 1975), encontrando-se evidências de que a depressão inibe as
habilidades sociais, embora se questione a função antecedente ou conseqüente dos déficits
de habilidades sociais na depressão, sendo mais aceita a hipótese de concomitância
entre dificuldades interpessoais e os sintomas desse quadro. Sintomas depressivos na
infância relacionam-se a dificuldades em várias áreas de competência social, incluindo
estilos mal-adaptativos de resolução de problemas sociais e déficits na habilidade de

378 /ilil.i Aparrculii l’erm*i Del I V llc í A lrnir D d IVIIc


regulação do afeto e de negociação de conflitos, além de problemas de autoconceito e
autoconfiança rebaixados, menor assertividade e popularidade prejudicada.
Os transtornos de personalidade anti-social, como delinqüência e psicopatias,
podem estar associados tanto a dificuldades em habilidades sociais (impulsividade,
agressão, falta de empatia e de consideração pelos demais, percepção equivocada dos
fatos sociais), como à competência para um desempenho socialmente competente voltado
para objetivos interpessoais imediatos. Esse desempenho, isoladamente, não atende aos
critérios de competência social e os objetivos que o indivíduo busca atingir usualmente
revelam comprometimento em componentes cognitivo-afetivos. O problema da agressividade
tem sido também relacionado, por alguns autores, a um padrão sócio-cognitivo deficitário
que inclui falha em decodificar os sinais ambientais relevantes, tendência a atribuir intenções
hostis ao interlocutor, geração de soluções menos efetivas diante das demandas sociais,
busca de objetivos sociais inapropriados, déficits de desempenhos sociais e avaliação
egocêntrica das reações do ambiente (Frey, Hirschstein, & Guzzo, 2000; Richardson,
Hammock, Gardner& Signo, 1994).
Os transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas são igualmente
relacionados aos déficits em habilidades sociais em termos de concomitância ou causa­
lidade, entre os quais, os de enfrentamento de situações de risco à auto-estima e resolu­
ção de problemas. Tais dificuldades levam â fuga, via uso de substâncias psicotivas que,
por sua vez, geram ainda mais perturbações no desempenho social. Além disso, a rede
de relações sociais, ligada ao consumo de drogas, quando caracterizada por pressão
social, coloca demandas para desempenho assertivo que, se deficitário, dificulta a
intervenção e a superação do problema (Scheier, Botvin, Diaz & Griffin, 1999)
Déficits em habilidades sociais e transtornos do desenvolvimento
Um repertório déficitário em habilidades sociais vem sendo associado a vários
transtornos do desenvolvimento (Segrin, 1993; Segrin & Flora, 2000), tanto no caso de
deficiências mentais ou sensoriais como no caso de transtornos de desenvolvimento de
linguagem, de habilidades escolares e os invasivos como autismo, síndrome de Rett,
Asperger e hiperatividade.
No caso específico da deficiência mental, o comprometimento em habilidades
adaptativas e, em particular, em habilidades sociais, faz parte dos critérios para um
diagnóstico funcional. Além das habilidades sociais propriamente ditas, a definição funcional
do retardo mentalfaz referência às de comunicação, de desempenho na comunidade, de
lazer, de trabalho, de vida doméstica, de independência na locomoção, de segurança,
entre outras (Luckasson et al., 1992). Todas essas áreas de funcionamento adaptativo
implicam, direta ou indiretamente, um repertório mínimo de habilidades sociais, cuja falta,
nessa clientela, reduz a qualidade de vida (Aguiar, 2002; Kleijn & Del Prette, 2002;
Richardson, Robertson & Youngson, 1984) No caso dos déficits sensoriais, há uma
crescente literatura voltando-se para a atenção ao repertório de habilidades sociais que
pode, em muitos casos, melhorar a condição de vida e de relações interpessoais dessa
clientela (Del Prette & Del Prette, 1999).
A relação entre habilidades sociais e dificuldades ou distúrbios de aprendizagem
constitui uma ampla área de estudos de avaliação e intervenção (Del Prette & Del Prette,
2001; Lane, 1999) com muitos questionamentos quanto à natureza dessa relação: se

Sobro Comportamento c C ordiv J o 379


causal, concomitante ou funcional (Gresham, 1992, Forness & Kavale, 1991; Swanson &
Malone, 1992). Entre as principais características interpessoais associadas a crianças
com dificuldades ou distúrbios de aprendizagem, podem ser destacadas (Del Prette, 2001;
Marturano, Linhares & Parreira, 1993): mais agressivas, imaturas, com mais problemas
de personalidade, com menos comportamentos orientados para a tarefa e com menos
comportamentos interpessoais apropriados; em tarefas escolares apresentam-se como
mais passivas e dependentes, menos assertivas e menos consideradas em suas opiniões;
em tarefas não escolares, dificuldade com situações de conversação, menos assertivas e
verbalização mais escassa e imprecisa; déficits nas habilidades de juntar-se a um grupo
de atividade, desenvolver e manter amizade, encerrar conversação, compartilhar brincadeiras
com colegas e interagir com colegas; usualmente referidas como inquietas, briguentas,
inibidas e sem iniciativa. Na avaliação dos pais, essas crianças são avaliadas ainda mais
negativamente em termos de impulsividade, baixo autocontrole, ansiedade, dispersão e
déficits em habilidades verbais.
Em síntese, podem-se identificar dois padrões gerais de desempenho social em
crianças com dificuldades acadêmicas: de um lado, aquelas que interiorizam mais
fortemente os aspectos negativos dos déficits interpessoais, no sentido de baixa auto-
estima, timidez e retraimento; de outro, aquelas que exteriorizam por meio da agressividade
e outros comportamentos anti-sociais. Em ambos os casos, fica evidente a questão de
um repertório pobre em habilidades sociais e suas conseqüências no relacionamento
interpessoal.
Os transtornos invasivos do desenvolvimento, incluindo autismo, síndrome de Rett,
de Asperger e hiperatividade, estão, por definição, associados a um desempenho social
pobre: trata-se da um conjunto de problemas caracterizado por “anormalidades qualitativas
nas interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e por um repertório de
interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo" (CID-10) que decisivamente
deve afetar a qualidade das relações interpessoais.
Focalizando-se especificamente o autismo, o CID-10 destaca os "déficits
qualitativos na interação social recíproca e nos padrões de comunicação" bem como um
"repertório de atividades e interesses restritivos, repetitivos e estereotipados", enquanto
que o DSM-IV salienta os déficits em habilidades de comunicação verbal e não verbal e da
atividade imaginativa, colocando, entre os critérios de diagnóstico, vários aspectos de
comprometimento nas habilidades de comunicação e interação social, tais como as
idiossincrasias e estereotipias em comportamentos verbais e não verbais (Tuchman, 1996).
Pesquisas recentes na área
Sem a pretensão de maior aprofundamento, segue uma análise dos trabalhos
mais recentemente publicados (PSYCHINFO 2000-2001 e ERIC 1999-2001) com algumas
observações sobre a produção de conhecimento relacionada a habilidades sociais e
transtornos psicológicos e, mais especificamente, aos transtornos invasivos. As referên­
cias citadas nesta seção são, em geral, de resumos e apenas ilustrativas dessas obser­
vações.
Em termos de estudos de avaliação, os déficits em habilidades sociais vêm sen­
do considerados como fator de risco e vulnerabilidade para problemas psicossociais (Marks
et al., 1999; Segrin & Flora, 2000) e á escola tem sido atribuído um papel de agência de

380 Zlítía Aparecida Pcrcíra í>eí Prctlc l A lrn ir P c í Prclte


promoção de aquisições nessa área (Evans, Axelrod & Sapia, 2000; Sommers, Barrett,
Clarke, & Sommers 2000). Verifica-se, também, uma tendência de contextualização cada
vez maior, com investigação da percepção de pais, familiares e outros significantes na
caracterização do desempenho social associado aos diferentes quadros clínicos (Both,
1999; Sheridan, Hungelmann & Maughan, 1999),
De forma geral, os estudos de avaliação têm se voltado: a) para o aperfeiçoamento
dos instrumentos de avaliação; b) para a caracterização e diferenciação de quadros clínicos
com relação ao desempenho social (Cohen, Gottlieb, Underwood, 2001; Marks et al.,
1999; Njardvik, Matson & Cherry, 1999); c) para a análise das diferenças entre avaliadores,
com análise dos resultados produzidos por diferentes instrumentos, reconhecendo-se
explicita ou implicitamente a multidimensionalidade da competência social e das habilida­
des sociais e a necessidade de variados indicadores (Fagan & Fantuzzo, 1999; McConnel.
& Odom, 1999; Sheridan, Hungelmann & Maughan, 1999; Walter & LaFreniere, 2000).
Como exemplo de estudo de avaliação, Njardvik, Matson e Cherry (1999) identifi­
caram diferenças significativas de habilidades entre três grupos diagnósticos: retardo mental,
transtorno invasivo não especificado e autismo. As crianças com autismo apresentaram o
pior desempenho não verbal e se diferenciaram significativamente dos outros dois grupos,
sendo que o grupo com retardo mental foi o que apresentou o melhor desempenho social.
Quanto aos estudos de intervenção, a análise dos resumos publicados permitiu
verificar a ampliação dos agentes de intervenção, possivelmente associada á preocupa­
ção com a generalização: da clínica e familiares para a escola e companheiros e desta
para a comunidade e interlocutores cotidianos (Sheridan, Hungelmann & Maughan, 1999).
Vários estudos investigam o uso de pares, em situação natural, para promover a aprendi­
zagem da cooperação e da comunicação verbal e não-verbal, por exemplo, juntando-se
crianças populares e não populares (Evans & Meyer, 2001; Goodwin, 1999; Murphy &
Faulkner, 2000; O’Neill & Sweetland, 2001). Verifica-se, como alternativa, o uso de um
programa nomeado de "tratamento comunitário assertivo" para doentes mentais em geral,
associada à preocupação ética e uma posição critica em relação à filosofia do empowerment
(Spindel & Nugent, 2000; Stovall, 2001).
No caso específico do autismo, observa-se uma ênfase na análise funcional e no
arranjo ambiental com o envolvimento do máximo possível de interlocutores, focalizando-
se, ainda, a mudança de expectativas, a aceitação e as condições gerais de interação.
Associados a essa metodologia, alguns estudos focalizam especificamente o desenvolvi­
mento de instrumentos e recursos tecnológicos como livros de estórias, jogos interativos
e recursos multimídia (Gumpel & Nativ-Ari-Am, 2001; Koppenhaver et al., 2001). Entre as
alternativas terapêuticas e educativas nesse caso, verifica-se, portanto, uma ampla diver­
sidade de propostas para promover as habilidades sociais e de comunicação de crianças
e adultos com autismo. As intervenções mais bem-sucedidas parecem ser as que envol­
vem situações estruturadas, focalizando-se especificamente as habilidades sociais defici­
tárias, com técnicas para a redução de ansiedade, role-playing e ensaio comportamental,
com feedback por meio de vídeo. No entanto, a literatura aponta, ainda, limitações dos
procedimentos usuais em termos de generalização, o que começa a ser intensivamente
explorado nas pesquisas mais recentes (Sheridan, Hungelmann & Maughan, 1999)
Uma outra direção interessante de análise das pesquisas sobre habilidades soci­

Sobrr C'omport.imcnlo c Coflniç.lo 381


ais e transtornos psicológicos, refere-se à preocupação com o desenvolvimento de con­
ceitos sobre o desempenho social dessa clientela. Pode-se, aqui, identificar dois conjun­
tos de estudos: os que se voltam para a análise da dimensão afetiva e os que se voltam
para a análise da dimensão cognitiva do desempenho social associado a esses transtor­
nos.
Dada a importância das habilidades de expressão de sentimentos na avaliação e
na intervenção junto a pessoas com transtornos invasivos do desenvolvimento, é interessante
destacar a noção de competência social afetiva, que envolveria três componentes: enviar
mensagens afetivas, recebê-las e experienciar afeto (Halberstadt, Denham & Dunsmore,
2001) Essas habilidades, por sua vez, incluiriam as de identificar e tomar consciência do
afeto em um contexto social complexo e cambiável articuladas às de manejar e regular a
expressão de afeto. A questão polêmica, nesse caso, refere-se à centralidade de
"experienciar emoção" (manejo e regulação), enquanto condição crítica para enviar e receber
mensagens afetivas ou vice-versa (Eisenberg, 2001).
Uma outra direção importante, que parece responder à critica sobre a escassez
de procedimentos para a promoção da compreensão social enquanto requisito do
desempenho social competente, encontra-se nos estudos enfatizando aspectos cognitivos
como o treino auto-regulatório e a automonitoria (Gumpel & David, 2000). Aqui se inclui a
proposta de promover a habilidade de “tomar perspectiva" que, baseada na teoria da mente
(Costa & Harris, 2001; Howlin, Baron-Cohen & Hadwin, 1999), volta-se para o
reconhecimento da expressão emocional do outro. Geralmente apoiada em recursos como
fotografias e dramatizações interativas, o treino dessa habilidade focaliza o reconhecimento
de emoções baseadas na situação, no desejo e na crença, associando a habilidade de
tomar perspectiva com as de prever ações com base no conhecimento disponível a respeito
do outro, identificar crenças falsa e desenvolver a capacidade de abstração (faz de conta).
Independentemente da definição quanto à causalidade, concomitância ou outro
tipo de relação, pessoas com transtornos psicológicos têm se beneficiado de programas
de treinamento de habilidades gerais ou específicas de assertividade e enfrentamento.
Visando principalmente a prevenção ou a remediação desses problemas durante a infância
e a adolescência, pode-se identificar uma crescente literatura referente a programas de
intervenção (ver a análise desses programas feita por Merrell & Gimpel, 1998 e por Cartledge
& Milbum, 1995).
Concluindo...

A caracterização e compreensão do desempenho social presente nos diferentes


quadros clínicos é certamente uma condição importante para o avanço de intervenções
eficientes na melhora da qualidade das relações interpessoais usualmente comprometidas
nesses transtornos. Sem intenção de maior profundidade, o presente trabalho permite
situar alguns aspectos que vêm sendo investigados nessa área e vislumbrar sua amplitu­
de, o que inclui questões empíricas, ligadas à caracterização dos diferentes transtornos,
questões metodológicas, associadas ao desenvolvimento de procedimentos ou instru­
mentos de avaliação e intervenção e, ainda, questões teóricas, que remetem às noções
básicas do campo do Treinamento de Habilidades Sociais. Trata-se, sem dúvida, de um
amplo espectro de questões a merecerem um investimento crescente por parte dos estu­
diosos da área.

382 /ildti Ap«irccldd PcrriM D rl 1’ rrttc t A lm ir P d Prrftc


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386 /ilda Aparecida Pereira Del IVtte &Almir Pel I’rrttc


Os volumes 9 e 10 da coleçào Sobre Comportamento e
Cognição reúnem uma amostra abrangente do que foi
apresentado no X Encontro Anual da ABPMC em 2001. No
final de uma década de Associação, são claros os produtos
da organização anual dos Encontros: maior número de
trabalhos publicados, por um número crescente de
diferentes estudiosos do comportamento, para uma
audiência progressivamente mais numerosa. Os dados
parecem indicar que devem ter operado na comunidade dos
comportamentalistas contingências reforçadoras positivas.
Mas, quem reforçou quem? A audiência com certeza
reforçou o comportamento dos expositores. Os expositores,
por sua vez, reforçaram o comportamento da audiência.
Todos reforçaram todos? Todos se sentiram reforçados?
Que bela circularidade! "O comportamento positivamente
reforçado é em geral acompanhado por um estado que
descrevemos dizendo que estamos fazendo 'o que
queremos fazer\ 'gostamos de fazer' ou 'amamos fazer7
(Skinner, 1989, 1995 p. 105). Quem participou ativamente
dos Encontros da ABPMC poderia dizer: Skinner descreveu
muito bem o que se viveu nessas ocasiões.

A análise comportamental chegou a sua maturidade


que pode ser caracterizada pela prevalência de
contingências reforçadoras positivas para instalação e
manutenção dos comportamentos dos estudiosos e para o
desenvolvimento das relações entre todos os profissionais.
O pressuposto básico é que não basta apenas se comportar,
mas deve-se fazê-lo sob contingências reforçadoras,
minimizando os controles coercitivos e eliminando os
repertórios de fuga-esquiva. Há que se comportar e sentir
prazer naquilo que se faz; sentir liberdade ao fazer o que se
faz. Todos sabemos quais contingências produzem tais
sentimentos. Dediquemo-nos a elas.

ESETec
Editores A ssociados

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