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INEM | 1
Suporte Avançado de Vida

FICHA TÉCNICA
TÍTULO
Manual de Suporte Avançado de Vida

AUTORES
INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica
DFEM – Departamento de Formação em Emergência Médica

Paula Neto – Médica – INEM – Delegação Regional do Centro


Nuno Marques – Enfermeiro – INEM – Delegação Regional do Centro
Fábio Vaz – Médico – Hospital da Luz - Coimbra
João Porto – Médico – Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Mónica Alves – Enfermeira – INEM – Delegação Regional do Centro
Clifton Gala – Enfermeiro – INEM – Delegação Regional do Centro
Diana Aguiar – Médica – Centro Hospitalar do Baixo Vouga
Rui Marcelino – Enfermeiro – Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Nuno Pedro – Enfermeiro – Centro Hospitalar do Oeste, Caldas da Rainha
Sara Rosado – Psicóloga – INEM – Delegação Regional do Centro
António Táboas – Médico – INEM – Delegação Regional do Norte
Ana Oliveira – Médica – Hospital Distrital da Figueira da Foz
Gonçalo Orfão – Médico - Centro Hospitalar Universitário de Coimbra

AUTORES – Manual SAV INEM 2011


Sofia Madeira, João Porto, Amândio Henriques, Fernando Nieves, Nuno Pinto e Guilherme
Henriques

DESIGN e PAGINAÇÃO
INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica
GMC – Gabinete de Marketing e Comunicação

Versão 1.0 – 1ª Edição 2019

© copyright

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Índice

Índice

I. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................7
II. SUPORTE AVANÇADO DE VIDA EM PERSPETIVA .............................................................8
1. Introdução: “o problema” ....................................................................................................8
2. O conceito de cadeia de sobrevivência ..............................................................................9
3. O curso de SAV ...............................................................................................................12
4. O algoritmo de SAV..........................................................................................................12
5. O manual .........................................................................................................................12
6. Princípios de formação em reanimação ...........................................................................12
III. COMPETÊNCIAS NÃO TÉCNICAS ..................................................................................... 14
1. Introdução ........................................................................................................................14
2. Liderança .........................................................................................................................14
3. Trabalho de equipa ..........................................................................................................15
4. Gestão de tarefas .............................................................................................................17
5. Comunicação interpessoal ...............................................................................................17
IV. PCR: CAUSAS E PREVENÇÃO .......................................................................................... 20
1. Introdução ........................................................................................................................20
2. Causas de paragem cardiorrespiratória............................................................................20
3. Identificação dos doentes em risco de PCR .....................................................................23
4. Equipa Médica de Emergência .........................................................................................24
5. Prevenção da paragem cardiorrespiratória .......................................................................24
6. Abordagem ao doente critico – ABCDE............................................................................27
V. ABORDAGEM INICIAL DOS SÍNDROMES CORONÁRIOS AGUDOS……………………….31
1. Introdução ........................................................................................................................31
2. Definição e fisiopatologia..................................................................................................31
3. Diagnóstico de Síndromes Coronários Agudos ................................................................34
4. Avaliação de risco ............................................................................................................39
5. Terapêutica imediata ........................................................................................................39
6. Abordagem subsequente de doentes com SCA ...............................................................51
7. Complicações dos SCA ....................................................................................................52
8. Reabilitação cardíaca .......................................................................................................53
VI. ABORDAGEM DA VIA AÉREA E VENTILAÇÃO ................................................................. 56
1. Introdução ........................................................................................................................56
2. Causas de obstrução da via aérea ...................................................................................56
3. Reconhecimento da obstrução da via aérea.....................................................................57
4. Permeabilização da via aérea usando técnicas básicas ...................................................58

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Suporte Avançado de Vida

5. Adjuvantes para técnicas básicas da via aérea ................................................................59


6. Técnicas de abordagem básica da via aérea ...................................................................61
7. Técnicas de abordagem avançada da via aérea ..............................................................65
8. Cricotirotomia por agulha .................................................................................................73
9. Oxigénio ...........................................................................................................................74
10. Aspiração .......................................................................................................................74
VII. MONITORIZAÇÃO CARDÍACA E RITMOS ........................................................................ 77
1. Introdução ........................................................................................................................77
2. Monitorização cardíaca ....................................................................................................78
3. Conceitos básicos de eletrofisiologia ................................................................................79
4. Leitura de uma tira de ritmo ..............................................................................................79
5. Ritmos de paragem cardíaca ...........................................................................................82
6. Bradiarritmias ...................................................................................................................84
7. Outros ritmos....................................................................................................................85
VIII. DESFIBRILHAÇÃO ELÉTRICA ......................................................................................... 91
1. Introdução ........................................................................................................................91
2. Pré-desfibrilhação ............................................................................................................92
3. Mecanismo da desfibrilhação elétrica ...............................................................................93
3. Cardioversão elétrica sincronizada ...................................................................................95
4. Segurança ........................................................................................................................96
5. Energia do choque ...........................................................................................................97
6. Desfibrilhadores ...............................................................................................................97
IX. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS ................................................................... 100
1. Introdução ......................................................................................................................100
2. Acessos venosos periféricos versus centrais .................................................................100
3. Acessos venosos periféricos ..........................................................................................101
4. Acessos venosos centrais ..............................................................................................102
5. Complicações dos acessos venosos .............................................................................103
6. Via intraóssea ................................................................................................................104
7. Via intramuscular, intranasal, retal .................................................................................108
X. FÁRMACOS USADOS NA REANIMAÇÃO ........................................................................ 111
1. Introdução ......................................................................................................................111
2. Fármacos utilizados no tratamento da PCR ...................................................................111
3. Fármacos a utilizar nas disritmias periparagem ..............................................................117
4. Outros fármacos usados no período periparagem e cuidados pós-reanimação .............122
XI. ALGORITMO DE SUPORTE AVANÇADO DE VIDA ......................................................... 132
1. Introdução ......................................................................................................................132
2. Algoritmo de suporte avançado de vida ..........................................................................133

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Índice

3. Ritmos desfibrilháveis (fibrilhação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso) ........134


4. Ritmos não desfibrilháveis (AEsp e assistolia) ...............................................................140
5. Causas potencialmente reversíveis ................................................................................141
6. Ecografia no SAV ...........................................................................................................143
7. Ressuscitação cardiopulmonar extracorpórea (eCPR) ...................................................143
8. Dispositivos mecânicos de compressão torácica ............................................................143
9. Deteção de sinais de vida ..............................................................................................144
XII. PACING CARDÍACO ........................................................................................................ 148
1. Introdução ......................................................................................................................148
2. Eletrofisiologia básica .....................................................................................................148
3. Pacing não invasivo .......................................................................................................150
4. Pacing invasivo ..............................................................................................................152
5. Cardioversores desfibrilhadores implantados (CDI)........................................................154
XIII. TRATAMENTO DAS DISRITMIAS PERIPARAGEM ....................................................... 156
1. Introdução ......................................................................................................................156
2. Classificação e princípios de tratamento ........................................................................156
3. Sinais de gravidade ........................................................................................................157
4. Opções terapêuticas ......................................................................................................157
5. Bradicardia .....................................................................................................................158
6. Taquicardias...................................................................................................................161
XIV. PCR EM CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS ...................................................................... 166
1. Hipóxia ...........................................................................................................................166
2. Hipercaliémia .................................................................................................................167
3. Hipocaliémia...................................................................................................................171
4. Hipotermia acidental.......................................................................................................172
5. Hipertermia.....................................................................................................................174
6. Anafilaxia .......................................................................................................................177
7. Intoxicações ...................................................................................................................182
8. Afogamento ....................................................................................................................186
9. Gravidez .........................................................................................................................189
10. Eletrocussão ................................................................................................................192
XV. CUIDADOS PÓS-REANIMAÇÃO ..................................................................................... 195
1. Introdução ......................................................................................................................195
2. Síndrome pós paragem cardiorrespiratória ....................................................................195
3. Prioridades pós-reanimação ...........................................................................................197
4. Equilíbrio ácido-base ......................................................................................................204
5. A transferência do doente ..............................................................................................209
6. Prognóstico ....................................................................................................................209

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Suporte Avançado de Vida

7. Doação de órgãos ..........................................................................................................213


8. O apoio à equipa de reanimação....................................................................................214
XVI. REANIMAÇÃO INTRA-HOSPITALAR ............................................................................. 216
1. Introdução ......................................................................................................................216
2. PCR no contexto intra-hospitalar ....................................................................................216
3. Equipa de reanimação ...................................................................................................220
XVII. APOIO AOS FAMILIARES DA VÍTIMA .......................................................................... 224
1. Introdução ......................................................................................................................224
2. Contacto inicial com os familiares ..................................................................................224
3. Presença dos familiares durante a reanimação ..............................................................225
4. A notificação de morte ....................................................................................................225
5. Observação do cadáver .................................................................................................227
6. Particularidades étnicas e religiosas...............................................................................227
7. Aspetos práticos e legais ................................................................................................227
8. A equipa médica ............................................................................................................228
XVIII. ASPETOS ÉTICOS E LEGAIS NA REANIMAÇÃO ....................................................... 230
1. Introdução ......................................................................................................................230
2. Critérios de RCP ............................................................................................................230
3. Conceito de norma .........................................................................................................231
4. Princípios éticos essenciais ............................................................................................232
5. Decisão de não reanimar (DNR) ....................................................................................233
6. DNR e o pré-hospitalar ...................................................................................................234
7. Critérios de suspensão da RCP .....................................................................................235
8. Comissão de ética ..........................................................................................................237
XIX. SIGLAS ........................................................................................................................... 239
XX. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 241

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Introdução

I. INTRODUÇÃO

A prevenção da paragem cardiorrespiratória e Este curso está organizado de forma a incluir


a melhoria da sobrevida após paragem palestras teóricas, bancas práticas para
cardíaca são os principais objetivos na aquisição de competências específicas e
realização de Suporte Avançado de Vida simulação de casos clínicos.
(SAV). Mas para um efetivo SAV é essencial a As recertificações também estão previstas (a
constante atualização de conhecimentos e o validade de um curso SAV é de 5 anos), uma
treino regular com aplicação de protocolos e vez que está provado que só o treino regular
estratégias facilitadores da aprendizagem. permite manter a proficiência na abordagem
O Curso de Suporte Avançado de Vida tem dos doentes críticos, evitando a perda
como objetivo treinar os profissionais de progressiva de conhecimentos e competência,
saúde, médicos e enfermeiros, no e como tal, deve fazer parte do percurso de
reconhecimento precoce do doente crítico e aprendizagem dos profissionais de saúde.
dotá-los de competências e conhecimentos na
abordagem emergente destes doentes.
Pretende-se assim transmitir conhecimentos
teóricos e competências técnicas cada vez
mais completas para, em contexto de equipa,
permitir a execução deste tipo de cuidados.
Este curso SAV centra-se na abordagem
sistematizada, seguindo uma sequência de
avaliação e atuação por prioridades, que é
conhecida por todos:
A: via área;
B: ventilação;
C: circulação;
D: disfunção neurológica;
E: exposição.
Os objetivos e princípios da abordagem
ABCDE são a estruturação da avaliação e da
abordagem baseada em prioridades, de forma
a “tratar primeiro aquilo que mata primeiro”.
A identificação das condições potencialmente
fatais e o início do tratamento emergente de
forma contínua e sequencial, permite evitar a
deterioração da condição clínica até á
paragem cardiorrespiratória. Além disso, uma
linguagem e abordagem protocolada e
uniforme permite melhorar o trabalho de
equipa.

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Suporte Avançado de Vida

II. SUPORTE AVANÇADO DE VIDA EM PERSPETIVA

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Reconhecer a Fibrilhação Ventricular (FV) e a Taquicardia Ventricular sem pulso (TVsp) como
causas frequentes de Paragem Cardiorrespiratória (PCR) no adulto;
 Descrever os elos da Cadeia de Sobrevivência;
 Reconhecer a importância de cada um dos elos desta cadeia.

1. Introdução: “o problema” internamentos. No reino Unido a sobrevivência


à alta hospitalar após paragem cardíaca
A PCR é um acontecimento súbito, intrahospitalar é de 13,5% (todos os ritmos). O
constituindo-se como uma das principais ritmo inicial, em 18% dos casos, é FV ou TVsp,
causas de morte na Europa e nos Estados dos quais 44% sobrevive à data da alta
Unidos da América. hospitalar. Quando o ritmo inicial é atividade
Atinge entre 55-113 pessoas/ 100.000 elétrica sem pulso (AEsp) ou assistolia, só 7%
habitantes, estimando-se entre 350.000- sobrevivem à data da alta hospitalar.
700.000 indivíduos afetados por ano, só na A PCR hospitalar não é habitualmente um
Europa. acontecimento súbito e inesperado, mas o
A análise efetuada aos equipamentos de DAE resultado de uma falência progressiva, com
utilizados logo após uma paragem cardíaca, sinais de alerta, envolvendo geralmente
indica uma elevada percentagem (76%) de hipoxémia e hipotensão, e que por vezes
vítimas com um incidente arrítmico particular: passam despercebidos ou não são tratados
FV. Está demonstrado que a desfibrilhação adequadamente independentemente da
precoce, realizada entre 3 a 5 minutos após o causa/ doença subjacente. Os sinais de
colapso da vítima, resulta em taxas de agravamento, com potencial risco de vida, são
sobrevivência de 50 a 70%. semelhantes, refletindo-se como insuficiência
Na análise do ritmo inicial, cerca de 25-50% respiratória, cardíaca ou deterioração
das vítimas de PCR pré-hospitalar têm FV, neurológica.
percentagem que diminuiu nos últimos 20 É fundamental reconhecer as vítimas em risco
anos. de PCR, bem como atuar de imediato,
A sobrevida à alta hospitalar na Europa é de nomeadamente nas PCR que surgem como
9% para as PCR por FV. FV/ TVsp. O único tratamento eficaz nestas
situações é a desfibrilhação elétrica, cuja
É provável que o número de vítimas com FV
eficácia decresce em cerca de 10% por cada
ou TVsp no momento do colapso seja muito
minuto que passa.
maior, mas no momento da realização do
primeiro eletrocardiograma (ECG) pelos
operacionais, o ritmo tenha evoluído para
assistolia.
A incidência de PCR intra-hospitalar é mais
variável, ocorrendo entre 1 a 5 por 1000

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Suporte Avançado de Vida em Perspetiva

2. O conceito de cadeia de  Estabilizar - Suporte Avançado de Vida


sobrevivência (SAV) precoce e cuidados pós-
reanimação.
A cadeia de sobrevivência sumariza as
sequências de atitudes necessárias para a
reanimação com sucesso. À luz do Ligar 112 - Reconhecimento Precoce
conhecimento atual, considera-se que a
sequência de determinadas atitudes contribui A dor torácica deve ser reconhecida como
significativamente para a melhoria de sintoma de isquémia do miocárdio. A PCR
resultados no socorro às vítimas de PCR: ocorre em 1/4 a 1/3 das vítimas com isquémia
 Reconhecer a situação de emergência cardíaca na primeira hora após o início da dor.
e pedir ajuda, acionando de imediato o É importante reconhecer a dor torácica de
sistema de emergência médica – origem cardíaca e ativar os serviços de
Prevenir a PCR; emergência antes do colapso da vítima, de
modo a que as equipas de emergência
 Iniciar de imediato manobras de
cheguem o mais precocemente antes que a
Suporte Básico de Vida (SBV) –
PCR ter ocorrido, melhorando a sobrevivência
Ganhar tempo;
da mesma.
 Aceder à desfibrilhação tão
precocemente quanto possível, É essencial o acesso imediato aos Serviços de
quando indicado – Repor a atividade Emergência em caso de risco de PCR em
cardíaca; contexto extra-hospitalar. O rápido acesso ao
 Cuidados pós-reanimação – Restaurar sistema de emergência médica assegura o
a qualidade de vida. início da cadeia de sobrevivência, e só assim
se poderá prevenir a PCR. Cada minuto sem
Estes procedimentos sucedem-se de forma
chamar socorro reduz as probabilidades de
encadeada e constituem uma cadeia de
sobrevivência da vítima.
atitudes em que cada elo articula o
procedimento anterior com o seguinte. Surge Estes serviços são ativados por um número
assim o conceito de cadeia de sobrevivência, telefónico único na maioria dos países
composta por quatro elos ou ações em que o europeus. O European Resuscitation Council
funcionamento adequado de cada elo e a (ERC) recomenda a utilização do número 112
articulação eficaz entre os vários elos é vital para todos os países da Europa.
para que o resultado final possa ser uma vida Os operadores das centrais de emergência
salva. médica devem reconhecer a situação crítica,
A cadeia de sobrevivência tem apenas a força focando a sua atenção em duas questões
que tiver o seu elo mais fraco, pelo que, chave: a vítima inconsciente e que não respira
idealmente, todos os elos deveriam ser normalmente.
igualmente fortes/ resistentes. Para o funcionamento adequado deste elo é
Os quatro elos da cadeia de sobrevivência fundamental que quem presencia uma
são: determinada ocorrência seja capaz de
reconhecer a gravidade da situação e saiba
 Ligar 112 - Reconhecimento Precoce;
ativar o sistema de emergência, ligando
 Reanimar - Suporte Básico de Vida
adequadamente 112.
precoce;
Nos casos de PCR em meio intra-hospitalar
 Desfibrilhar - Desfibrilhação precoce;
existe, habitualmente, um sistema interno de

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Suporte Avançado de Vida

comunicação que ativa a equipa de do CODU, realizando apenas compressões


reanimação/equipa de emergência interna. Em torácicas até á chegada de ajuda diferenciada.
Portugal segundo o despacho n.º 9639/2018,
os estabelecimentos hospitalares do Serviço
Nacional de Saúde devem adotar o n.º 2222 O SBV de qualidade e ininterrupto é um dos
na rede telefónica interna para ativação da procedimentos com influência positiva no
Equipa de Emergência Médica Intra-Hospitalar sucesso da reanimação.
(EEMI).

A melhor estratégia é a prevenção da As manobras de SBV devem ser de elevada


PCR. qualidade, tendo em atenção o ritmo das
compressões (pelo menos 100/min e no
máximo 120/min), a sua profundidade (pelo
menos 5 cm e no máximo 6 cm) e a
Reanimar - Suporte Básico de Vida descompressão/ re-expansão do tórax entre
as compressões.
(SBV) precoce
Simultaneamente, devem tentar minimizar-se
As manobras de compressão torácica externa as interrupções destas manobras, planeando
e de ventilação têm como objetivo manter as ações seguintes antes de interromper as
algum grau de circulação com sangue compressões.
minimamente oxigenado, para preservação da
viabilidade do coração e cérebro.
Na PCR em contexto intra-hospitalar, é
O SBV tem como função ganhar tempo até à
fundamental reconhecer o doente em risco de
chegada do desfibrilhador e da equipa de SAV.
vida, e ativar rapidamente o sistema de
Em situações de PCR testemunhada o início
imediato de SBV aumenta para o quádruplo a emergência interno.
probabilidade de recuperação e de
sobrevivência. Contudo, só num pequeno
número de países da Europa o SBV é
praticado por leigos que testemunham a PCR.
É fortemente recomendado que os operadores Desfibrilhar - Desfibrilhação precoce
do Centro de Orientação de Doentes Urgentes
(CODU) aconselhem, por telefone, os Na PCR em meio extra-hospitalar o grande
contactantes (leigos) a iniciarem compressões objetivo é conseguir desfibrilhar (se estiver
torácicas assim que sejam identificados os indicado) nos 3 minutos após a ativação dos
sinais de PCR. serviços de emergência. Na maioria dos locais,
isto implica continuar a apostar em programas
Se possível o contactante com treino deve
de desfibrilhação usando Desfibrilhadores
fazer compressões torácicas e ventilações,
Automáticos Externos (DAE).
enquanto que contactante sem treino, deve
seguir as orientações dadas pelos operadores O acesso à desfibrilhação por elementos não
médicos, nomeadamente tripulantes de
ambulância, enfermeiros e outros profissionais

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Suporte Avançado de Vida em Perspetiva

de saúde, bem como os programas de DAE de Estabilizar - Suporte Avançado de Vida


acesso público, devidamente treinados e (SAV) precoce e cuidados pós-
integrados em organizações qualificadas, têm
reanimação
permitido a desfibrilhação eficaz e segura cada
vez mais precoce. Em muitas situações, apesar de ser possível o
retorno da circulação espontânea (RCE) com
No contexto intra-hospitalar, o SBV deve
a desfibrilhação e com o SBV, estes não são
também ser iniciado de imediato, sem, no
suficientes, sendo necessárias manobras de
entanto, atrasar o acesso à desfibrilhação. O
suporte adicionais – SAV (gestão da via aérea,
reconhecimento do doente em risco de vida e
administração de drogas e correção das
ativação do sistema de emergência interna são
causas de PCR) – que otimizem a função
fulcrais.
cardiorrespiratória, aumentando a taxa de
É fundamental que cada vez mais profissionais sobrevivência.
de saúde tenham formação e capacidade para
Os cuidados pós-reanimação são tão
desfibrilhar de imediato, respeitando os
importantes imediatamente após o RCE como
algoritmos de reanimação.
qualquer outro elo desta cadeia. O seu início
Efetuar SBV até o desfibrilhador estar precoce visa melhorar a taxa de sobrevida
conectado e durante a aquisição de carga (alta hospitalar após PCR).
melhora significativamente a probabilidade de
Sempre que ocorra uma reanimação com
sobrevivência.
sucesso, com RCE, é essencial manter os
Iniciar de imediato as manobras de SBV e cuidados no período pós-reanimação, visando
desfibrilhar até 3 a 5 minutos após a PCR pode preservar fundamentalmente a integridade dos
aumentar a sobrevida até 50-70%. órgãos nobres – cérebro e coração.

Cada minuto de atraso na desfibrilhação


reduz a probabilidade de sobrevivência á alta
hospitalar em 10-12%.

Figura 1 - Cadeia de sobrevivência da vítima adulta

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Suporte Avançado de Vida

3. O curso de SAV 6. Princípios de formação em


reanimação
Tal como referido anteriormente, o curso de
SAV tem como objetivo criar uma linguagem e Idealmente todos os cidadãos deviam ser
metodologias universais para a abordagem do treinados em SBV. Há circunstâncias que
doente critico e tratamento da PCR no adulto. determinam a reanimação apenas com
Destina-se a profissionais de saúde: Médicos compressões, mas devem incentivar-se os
e Enfermeiros, que participam na reanimação leigos a aprender SBV com compressões e
em contexto intra ou extra-hospitalar. insuflações.
O curso promove o trabalho em equipa e Os conhecimentos técnicos e competências
pretende formar operacionais capazes de adquiridos, tanto em SBV como em SAV,
integrarem uma equipa de SAV e de deterioram-se em cerca de 6 meses, caso não
compreenderem as exigências implicadas na haja atualização. Importa, pois, identificar os
liderança de equipas desta natureza. reanimadores com necessidade de
Aos formandos que concluírem o curso com atualização e sugere-se reavaliação e treino
aproveitamento será atribuído um diploma com o objetivo de manter as competências.
comprovativo da frequência e aprovação São igualmente importantes as competências
nesse curso que é válido por 5 anos. “não-técnicas”, como capacidade de liderança,
A recertificação permite reavivar e atualizar gestão de tarefas, trabalho de equipa e
práticas e conhecimentos. comunicação estruturada. A realização de
briefing’s e debriefing’s é aconselhada.

4. O algoritmo de SAV

O algoritmo de SAV é o elemento fulcral do


curso.
É passível de ser executado por reanimadores
que trabalhem com desfibrilhadores manuais
ou semiautomáticos e apresenta a maioria das
situações clínicas que podem ocorrer no
contexto da reanimação cardiorrespiratória, e
será descrito no capítulo respetivo.

5. O manual

O conteúdo deste manual encontra-se em


conformidade com as recomendações para a
formação de operacionais em SAV publicadas
pelo ERC em 2015.

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Suporte Avançado de Vida em Perspetiva

Pontos a reter

 O SBV de qualidade e ininterrupto é um dos procedimentos com influência positiva no sucesso


da reanimação;

 Os operadores de CODU devem ser treinados a reconhecer a PCR, e orientar os contactantes


para a realização de manobras de SBV;

 Iniciar de imediato as manobras de SBV e desfibrilhar (quando indicado) até 3 a 5 minutos após
a PCR pode aumentar a sobrevida até 50 a 70%;

 A melhor estratégia é a prevenção da PCR;

 Sempre que ocorra uma reanimação com sucesso, com RCE, é essencial manter os cuidados
no período pós-reanimação;

 É fundamental reavaliação e treino regular com o objetivo de manter os conhecimentos e


competências adquiridos.

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Suporte Avançado de Vida

III. COMPETÊNCIAS NÃO TÉCNICAS

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Compreender a importância das competências não técnicas no contexto das equipas de
suporte avançado de vida;
 Compreender a importância de uma comunicação eficaz na transferência de informação
normalizada entre as equipas e utilização da técnica ISBAR.

1. Introdução sucesso para a diminuição de acidentes de


aviação bem como das complicações peri-
A sobrevida do doente em paragem anestésicas, respetivamente.
cardiorrespiratória é baixa (10,7% para todos Além das competências não técnicas, os
os ritmos), sendo de extrema importância que designados fatores humanos, como sejam a
a atuação das equipas de suporte avançado capacidade de decisão, avaliação dos
de vida seja baseada na correta execução de cenários e a melhoria contínua nas atividades
procedimentos técnicos como a desfibrilhação clínicas, devem ser fatores a ter em conta no
em segurança, o reconhecimento de ritmos, a desempenho das equipas de SAV.
abordagem da via aérea ou as compressões
Tradicionalmente as competências técnicas
torácicas eficazes, e que são designadas
eram aquelas mais valorizadas e avaliadas
como competências técnicas. Estas
nos cursos formais, sendo atualmente
competências são fundamentais para a
reconhecidas, como igualmente importantes,
recuperação das vítimas em PCR.
as competências não técnicas, quer em
De igual modo, nos últimos anos tem sido contextos de cursos de SAV, quer em
identificado um conjunto de capacidades, situações reais de RCP.
designadas como competências não técnicas,
Existem diversos instrumentos utilizados pelas
que se têm revelado de grande importância no
equipas de suporte avançado de vida para o
contexto da RCP.
desenvolvimento e demonstração das
O desempenho adequado de uma equipa de competências não técnicas. Uma das
suporte avançado de vida, deve assim, no ferramentas recomendadas é a metodologia
âmbito das competências não técnicas, ser TEAM® (Team Emergency Assessment
demonstrado por capacidade de liderança, Measure) e que inclui aspetos relacionados
trabalho de equipa, gestão adequada de com a liderança, trabalho de equipa e
tarefas, e comunicação interpessoal. perspetiva global.
Estes fatores que se incluem nas capacidades
cognitivas e de relacionamento interpessoal
foram identificados, há muitas décadas, na 2. Liderança
aviação e mais tarde na Medicina, em especial
na área da Anestesiologia, onde o uso de A liderança é uma característica cuja definição
simuladores para treino e avaliação das não é fácil. Neste contexto um bom líder é
equipas, se revelaram como a chave do aquele que demonstra o controlo da situação,

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Competências Não Técnicas

tem uma perspetiva global do cenário e delega Tabela 1 - Características de um Bom elemento de
funções nos restantes elementos da equipa. equipa

Numa equipa de suporte avançado de vida o Características de um Bom elemento de


líder deve: equipa
 Assegurar que a equipa conhece aquilo
 Competente
que é expectável que ela deve cumprir. O
 Comprometido
líder da equipa deverá claramente
identificar -se com o papel de líder, deverá  Comunica abertamente, levanta
dar indicações precisas, de preferência preocupações, escuta atentamente
dirigindo-se a cada um dos elementos da  Permite que outros alcancem seu
equipa pelo nome, devendo ser um modelo melhor
para a equipa. É igualmente importante o  Responsável
planeamento/ antecipação das ações a  Disposto a procurar ajuda quando
desenvolver e garantir que a equipa tem necessário
conhecimento das mesmas;  Criativo
 Manter uma perspetiva global da situação,  Participe no fornecimento de feedback
ou seja, o líder deve assegurar que as
tarefas estão a ser desempenhadas pela Tabela 2 - Características de um Bom líder de equipa
equipa e dá indicações sobre o rumo a
tomar, antecipando futuras ações a Características de um Bom líder de
desenvolver de acordo com os cenários equipa
mais prováveis que possam ocorrer;  Aceitar a liderança
Sempre que possível o líder deve  Conhecer o nome e a capacidade de
posicionar-se no cenário de forma a ter cada membro da equipa
uma visão global e manter-se de "mãos
 Delegar apropriadamente
livres”, situação que no contexto de
 Experiente, credível, profissional
equipas de suporte avançado de vida
 Ficar calmo e controlar as distrações
reduzidas, como são as equipas de VMER,
 Comunicar de forma eficaz, dando
poderá ser mais difícil de concretizar;
instruções, ouvindo e mostrando
 Garantir o cumprimento dos protocolos em
empatia
segurança ao visualizar a atuação da
 Mostrar assertividade quando
equipa, mantendo empatia para com todos
apropriado
os elementos da equipa.
 Demonstrar tolerância
 Ter uma boa consciência situacional
 Planear as ações

3. Trabalho de equipa

O trabalho de equipa revela-se como uma das


competências não técnicas mais importantes
em equipas de suporte avançado de vida,
sendo fundamental realçar que os
conhecimentos técnicos embora relevantes,

I N E M | 15
Suporte Avançado de Vida

não são garantia de recuperação das vítimas líder, bem como deve ter abertura para aceitar
em paragem cardiorrespiratória. a critica. Torna-se igualmente importante que
No que concerne ao trabalho de equipa, inclui o líder mantenha a calma e não induza stress
sete aspetos que se enumeram a seguir: nos restantes elementos, sob pena de poder
perder a coesão da equipa.
 Comunicação;
 Definição de prioridades;
 Compostura e controlo;
3.4. Moral positiva
 Moral positiva;
 Capacidade de adaptação; A equipa de suporte avançado de vida deve
 Reavaliação; demonstrar uma moral positiva com
 Antecipação de ações. determinação, correta gestão de conflitos,
realizando debriefing das situações e
promovendo a crítica construtiva, bem como
3.1. Comunicação deverá existir um bom suporte entre os
diferentes elementos.
Inclui-se neste aspeto a comunicação verbal e
não-verbal. A linguagem utilizada pelo líder e
pela equipa deve ser clara e objetiva. A equipa 3.5. Capacidade de adaptação
deve fornecer ao líder informação sobre o
doente, de forma clara, e sempre que recebe O doente em paragem cardiorrespiratória é um
indicações, deve mostrar que compreendeu as doente altamente instável, mesmo quando
ordens dadas. Se possível, um dos elementos recupera sinais de circulação. As equipas SAV
da equipa deverá fazer o registo escrito das devem demonstrar capacidade de adaptação
ações e decisões tomadas. a diferentes cenários e papéis (ex.
compressões, ventilações, desfibrilhação),
bem como devem estar aptas para reagirem
3.2. Definição de prioridades rapidamente a uma mudança de ritmo.
No contexto de equipas de VMER esta
Num contexto de paragem cardiorrespiratória
capacidade de adaptação reveste-se da maior
existem múltiplas tarefas que carecem de ser
importância, pois os cenários com que se
executadas - compressões torácicas,
deparam são os mais diversos (ex. espaços
ventilações, desfibrilhação em segurança.
confinados, via pública, condições
Deste modo é fundamental uma boa
atmosféricas adversas), levando as equipas a
coordenação da equipa para realizar as tarefas
estarem cientes que esta capacidade de
de forma rápida e definindo sempre, em cada
adaptação tem de estar sempre presente
momento, o que é prioritário para a
durante a sua atuação.
recuperação do doente.

3.6. Reavaliação
3.3. Compostura e controlo
A aplicação dos algoritmos de atuação em
A forma de atuação da equipa pode ser
contexto de paragem cardiorrespiratória, por si
condicionada por diversos fatores. Assim, é
só, obriga a uma constante reavaliação do
importante que cada elemento da equipa
doente bem como a realização de pontos de
aceite e cumpra as indicações dadas pelo

16 | I N E M
Competências Não Técnicas

situação. Contudo, deve ficar clara a importância fulcral, sobretudo se nos


necessidade de recolha de informação, bem reportarmos ao doente em PCR.
como ter presente a necessidade de Assim, além da procura da informação sobre
indicações sobre quando devem ser as circunstâncias da PCR (ex. antecedentes,
terminadas as manobras de reanimação. hábitos farmacológicos), também a
comunicação, verbal ou não-verbal, entre os
elementos da equipa e com as equipas que
3.7. Antecipação de ações vão receber o doente, quando este é
encaminhado do pré-hospitalar, deve ser feita
Num contexto como o de uma paragem de forma eficaz, objetiva e clara. A
cardiorrespiratória e atuação de equipas de comunicação deficiente pode comprometer a
suporte avançado de vida é importante eficácia da equipa e a taxa de sobrevivência.
recordar que existe um conjunto de eventos As falhas de comunicação constituem uma das
prováveis e ações que devem ser antecipadas, principias causas de eventos adversos em
como sejam a preparação de fármacos (ex. saúde. 70% destes eventos ocorrem devido a
adrenalina, amiodarona), a abordagem da via falhas de comunicação entre os profissionais
aérea ou a seleção da energia adequada em de saúde: omissões, erros, falta de precisão ou
caso de ser indicado desfibrilhar. priorização, entre outras.
O treino frequente com a simulação de casos,
com diferentes cenários, permite melhorar a
4. Gestão de tarefas comunicação da equipa.
Perante uma ocorrência de paragem Todos os elementos devem ter preparação
cardiorrespiratória é fundamental que a equipa para aceitar diferentes papéis e aceitar ordens
multidisciplinar perceba que existe um de forma não intimidatória.
conjunto de tarefas que devem ser realizadas Este processo de comunicação vai aumentar a
e que, dependendo do contexto (ex. equipa eficácia e a coesão da equipa, bem como vai
reanimação intra-hospitalar versus equipa permitir uma melhoria no sentido de
pré-hospitalar), bem como do número de compromisso para com o objetivo/esforço
elementos que compõem a equipa, poderão comum.
ser realizadas em simultâneo ou de forma Existem diferentes metodologias para a
sequencial, pelo que devem ser priorizadas as transmissão da informação sobre os doentes,
ações. de forma objetiva e segura. Em Portugal as
A equipa de SAV deve também seguir as orientações da Direção Geral de Saúde (DGS)
recomendações/ consensos cientificamente estão espelhadas na Norma 001/2017 que é
validados e práticas aprovadas. Estão também uma ferramenta de padronização de
ressalvados desvios às normas desde que comunicação em saúde em situações de
devidamente fundamentadas do ponto de vista transição de cuidados. ISBAR é a sigla que
científico. corresponde a: Identify (Identificação),
Situation (Situação atual), Background
(Antecedentes), Assessment (Avaliação) e
5. Comunicação interpessoal Recommendation (Recomendações). Esta
técnica aplica-se em todos os níveis de
A transmissão de informação na realidade da prestação de cuidados e sempre que se
abordagem de um doente reveste-se de uma verifique a transferência de responsabilidade

I N E M | 17
Suporte Avançado de Vida

de cuidados e de informação entre saúde, a metodologia ISBAR contribui para a


prestadores, assegurando a continuidade e rápida tomada de decisões, promove
segurança dos mesmos. Para além de pensamento crítico, diminui o tempo na
funcionar como ferramenta de uniformização transferência de informação e promove a
da comunicação entre os profissionais de rápida integração dos novos profissionais.

Tabela 3 - Metodologia ISBAR

Identificação e localização precisa dos intervenientes na comunicação


Identificação
(emissor e recetor) bem como do doente a que diz respeito a comunicação

Situação atual Descrição do motivo atual de necessidade de cuidados de saúde.

Descrição de factos clínicos, de enfermagem e outros relevantes, diretivas


B Antecedentes
antecipadas de vontade.

Informações sobre o estado do doente, terapêutica medicamentosa e não


medicamentosa instituída, estratégias de tratamento, alterações de estado
Avaliação
de saúde significativas e avaliação da eficácia das medidas
implementadas.

Descrição de atitudes e plano terapêutico adequados à situação clínica do


Recomendações
doente.

18 | I N E M
Competências Não Técnicas

Pontos a reter

 As competências não técnicas são importantes nas equipas de suporte avançado de vida;

 A comunicação pode tornar -se mais eficaz e segura utilizando instrumentos de transmissão
de informação normalizada como o ISBAR.

I N E M | 19
Suporte Avançado de Vida

IV. PCR: CAUSAS E PREVENÇÃO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá ser capaz de compreender:


 As causas de PCR no adulto;
 Como identificar os indivíduos em risco;
 O papel das equipas de emergência;
 A abordagem inicial das vítimas em risco de PCR.

1. Introdução respiratório e/ou cardiovascular, pelo que se


associam a risco de PCR.
As doenças cardiovasculares são a principal Por outro lado, os sistemas respiratório e
causa de morte no mundo. Na Europa, a cardiovascular estão estreitamente ligados.
doença cardiovascular representa cerca de Por exemplo, a hipóxia pode condicionar
45% de todas as mortes na Europa e 37% de alterações da função cardíaca, da mesma
todas as mortes na União Europeia. forma que as doenças cardíacas provocam um
Todos os anos, a doença cardiovascular causa aumento do trabalho respiratório e do
3,9 milhões de mortes na Europa e mais de 1,8 consumo de oxigénio. Daí que a falência
milhões de mortes na União Europeia. cardíaca possa ser consequência de
A morte súbita é responsável por 20% de todas insuficiência respiratória e vice-versa.
as mortes na Europa e com uma taxa de A PCR em contexto intra-hospitalar, ao
sobrevivência de apenas 5-20%. É por isso contrário do extra-hospitalar, não é,
premente a implementação de medidas habitualmente um evento súbito, mas
preventivas e de tratamento da morte súbita. resultado da deterioração fisiológica lenta e
progressiva, com hipóxia e hipotensão que
não é detetada pelos profissionais ou é
2. Causas de paragem reconhecida, mas insuficientemente tratada.
cardiorrespiratória

O primeiro elo da cadeia de sobrevivência é o


A PCR intra-hospitalar sem monitorização,
reconhecimento precoce do doente em risco e
a prevenção da PCR. geralmente não ocorre como acidente
A PCR pode acontecer no contexto de súbito e imprevisto nem é habitualmente
problemas primários da via aérea, causada por doença cardíaca primária.
respiratórios ou associada a patologia
cardiovascular. A maior parte das doenças que
implicam risco de vida leva a compromisso

20 | I N E M
Competências Não Técnicas

Muitos destes doentes têm PCR não condicionar lesões cerebrais (edema, hipóxia),
monitorizada, o ritmo cardíaco subjacente é, pulmonares, exaustão, apneia ou PCR.
geralmente, não desfibrilhável e a sobrevida à
data da alta hospitalar é baixa (inferior a 20%). Tabela 4. Causas de obstrução da via aérea

A prevenção da PCR intra-hospitalar exige


formação dos profissionais, monitorização dos
Causas de obstrução da via aérea:
doentes, um sistema de alarme para pedir
ajuda e capacidade para responder com ajuda  Sangue
eficaz.  Aspiração de conteúdo gástrico
Em contexto pré-hospitalar, a doença  Corpos estranhos (dentes, alimentos...)
coronária é a causa mais frequente de morte  Traumatismos da face ou pescoço
súbita.  Secreções brônquicas
A cardiomiopatia não isquémica e as doenças  Depressão do estado de consciência
valvulares contribuem para a maioria dos  Epiglotite
outros casos de morte súbita, havendo um  Edema da laringe
pequeno número de casos de doenças  Espasmo laríngeo
hereditárias ou doença cardíaca congénita.  Broncospasmo
Por esta razão que mesmo nos casos de morte
súbita existem sinais de alerta que precedem
a PCR.
A depressão do estado de consciência pode
Aparentemente as crianças saudáveis e os
comprometer a proteção da via aérea com o
jovens que sofrem morte súbita também têm
consequente risco de aspiração ou obstrução.
sinais e sintomas (ex.: síncope / pré-síncope,
dor torácica e palpitações) que devem alertar Exemplos desta situação são:
os profissionais de saúde para a necessidade  Vítimas de traumatismo crânio-
de pedir ajuda especializada para prevenir as encefálico (TCE) e Escala de Coma de
PCR evitáveis. Glasgow (GCS) <8;
 Outras lesões estruturais
intracranianas;
Na maioria dos casos de morte súbita há
 Depressão do estado de consciência
história prévia de doença cardíaca e/ou
secundária a hipercápnia, alterações
sinais que devem alertar os profissionais metabólicas, ingestão de álcool ou
de saúde. opióides (...).
Em algumas circunstâncias poderá haver
indicação para proteção da via aérea com
valores de GCS mais elevados, desde que se
verifique uma deterioração rapidamente
2.1. Obstrução da via aérea progressiva do estado de consciência, não
sendo assim necessário esperar por um GCS
Pode ser completa ou parcial. A obstrução de 8.
completa conduz rapidamente a PCR. As
Deve ter-se em atenção que a estimulação da
obstruções parciais frequentemente precedem via aérea pode conduzir a espasmo laríngeo
as obstruções completas e podem, por si só, sobretudo em doentes com depressão do

I N E M | 21
Suporte Avançado de Vida

estado de consciência, mas que mantêm descritas para a obstrução da via aérea de
intactos os reflexos protetores da via aérea. causa central.
Exemplos desta situação são a tentativa
forçada de colocação de um tubo orofaríngeo
em doentes estuporosos ou a aspiração Esforço ventilatório
intempestiva de secreções da via aérea nestes
doentes. Os músculos mais importantes para a
ventilação são o diafragma e os músculos
intercostais. Estes últimos, enervados ao nível
2.2. Falência Respiratória de cada dermátomo intercostal, podem ser
afetados na sequência de lesão medular.
A falência respiratória pode ser classificada Por outro lado, o diafragma pode ser afetado
como aguda ou crónica, contínua ou por lesões medulares entre a 3ª e 5ª vértebras
intermitente, sendo suficientemente grave, cervicais, suficientemente graves para serem
nalguns casos, para provocar apneia e PCR incompatíveis com a ventilação autónoma.
subsequente. Múltiplas patologias neuromusculares
Nos doentes com reserva respiratória (miastenia gravis, síndrome de Guillan-Barré,
diminuída pequenas alterações são suficientes esclerose múltipla, etc.) podem associar-se a
para precipitar complicações graves, incluindo alterações da ventilação com grau variável de
situações de PCR. gravidade.
A PCR surge habitualmente da conjugação de As doenças sistémicas graves e a desnutrição
vários fatores, por exemplo: o caso de um crónica podem implicar fraqueza muscular e
doente com Doença Pulmonar Obstrutiva limitações ventilatórias subsequentes.
Crónica (DPOC) e insuficiência respiratória Outras situações, como a cifoescoliose,
crónica, com uma infeção respiratória aguda fraturas de costelas ou do esterno, podem
ou com uma situação associada a fraqueza limitar a amplitude dos movimentos
muscular ou ainda a associação com um respiratórios e condicionar a eliminação de
síndrome restritivo como o que resulta de uma secreções, afetando a ventilação.
fratura de costela com dor subsequente.
Em qualquer destas situações pode verificar-
se uma descompensação e evolução para Doenças pulmonares
falência respiratória.
Por uma questão de sistematização podemos A ventilação pode ser afetada pela presença
agrupar as causas de falência respiratória em de um pneumotórax ou de derrame pleural. No
três níveis: caso de pneumotórax hipertensivo, se este
não for rapidamente drenado, pode surgir
restrição respiratória e compromisso
Centro respiratório hemodinâmico. Para além disto, várias
doenças que afetam o parênquima pulmonar
Uma alteração grave do Sistema Nervoso podem comprometer, em menor ou maior
Central (SNC) pode significar uma depressão grau, a ventilação. Pneumonias, DPOC
ou uma abolição dos movimentos agudizada, asma, embolia pulmonar, contusão
respiratórios. As causas são semelhantes às pulmonar, ARDS e edema pulmonar são
exemplos comuns deste tipo de compromisso.

22 | I N E M
Competências Não Técnicas

2.3. Patologia Cardíaca Causas secundárias

Em alguns casos de paragem cardíaca não é São situações em que o coração é afetado
possível determinar a etiologia porque não são secundariamente por um problema extra-
encontradas quaisquer alterações estruturais. cardíaco, o que pode surgir de forma aguda ou
As doenças cardíacas podem ser primárias ou crónica. É o que acontece nos casos de PCR
secundárias e a PCR pode ser súbita ou secundária a asfixia por obstrução da via
precedida de um estado de baixo débito com aérea, apneia, pneumotórax hipertensivo ou
maior ou menor duração. hemorragia aguda. Noutras situações, o
coração é afetado secundariamente no
Tabela 5 - Causas de paragem cardíaca primária
contexto da evolução de doenças
cronicamente hipoxemiantes, anemia,
hipovolémia e sépsis grave.
Causas de paragem cardíaca primária

 Isquémia
 Enfarte agudo do miocárdio (EAM) 3. Identificação dos doentes em risco
 Cardiopatia hipertensiva de PCR
 Valvulopatias
 Fármacos (ex: antiarrítmicos, A mortalidade dos doentes pós-PCR é
antidepressivos tricíclicos, digitálicos) elevada, pelo que, idealmente, os doentes em
 Acidose risco devem ser identificados de forma a serem
 Desequilíbrios eletrolíticos adotadas medidas de prevenção da PCR em
 Hipotermia tempo útil para que exista, assim, uma maior
 Eletrocussão probabilidade de salvar vidas.
A identificação tem por base o exame
individual com exame clínico complementado
A PCR pode resultar também de insuficiência
por exames auxiliares de diagnóstico.
cardíaca, tamponamento cardíaco, rutura
cardíaca, miocardite ou miocardiopatia No caso dos doentes hospitalizados, a PCR
hipertrófica. não é imprevista nem súbita e em cerca de
80% dos casos verifica-se uma deterioração
progressiva prévia. As manifestações clínicas
mais frequentes são os sinais de dificuldade
Enfarte agudo do miocárdio
respiratória, a elevação da frequência cardíaca
A oclusão de uma artéria coronária e EAM e a diminuição do débito cardíaco.
subsequente pode ocorrer sem sintomatologia São igualmente frequentes manifestações de
prévia. Cerca de 50% dos doentes morre na hipotensão, prostração, letargia, estado
primeira hora após o início das queixas, a confusional ou deterioração do estado de
maioria por ocorrência de FV, antecedida ou consciência. Nas horas que precedem a PCR
não de TV. O risco máximo de FV ocorre logo são comuns alterações metabólicas,
após o início da sintomatologia, diminuindo particularmente acidose.
nas horas seguintes. Do ponto de vista respiratório, os sinais e
sintomas mais frequentes são a dispneia, o
aumento da frequência respiratória e a
dessaturação. A existência de pele fria,

I N E M | 23
Suporte Avançado de Vida

marmoreada e cianosada, com decréscimo da identificação desses doentes de risco para a


amplitude do pulso e oligúria, sugerem ativação da EEMI.
diminuição do débito cardíaco. Alterações da
consciência têm, neste contexto, significado Tabela 6- Critérios de ativação da EEMI
idêntico.
Sinais Vitais e Nível de Consciência

4. Equipa Médica de Emergência  Compromisso da via aérea


 Paragem respiratória
A possibilidade de se obter apoio  Frequência respiratória <6 ou> 35
especializado para estes doentes, seja de ciclos/minuto
cuidados intensivos ou de unidades  SaO2 <85% com oxigénio suplementar
intermédias ou coronárias, com correção  Paragem cardiorrespiratória (PCR)
precoce das alterações detetadas, melhora o  Frequência circulatória <40 ou> 140
prognóstico em particular se os Hospitais batimentos/minuto
implementarem sistemas de resposta que
 Pressão arterial sistólica <90 mmHg
incluam:
 Escala de Coma de Glasgow –
 Profissionais treinados no diminuição> 2 pontos
reconhecimento dos sinais de  Crise convulsiva prolongada ou repetida
deterioração do doente e na resposta  Perda súbita de consciência
rápida ao doente em risco;
 A monitorização regular e apropriada
dos sinais vitais; orientações claras
5. Prevenção da paragem
(ex: linha de chamada de emergência
cardiorrespiratória
ou índices de alerta precoce) para
ajudar os profissionais a detetarem
5.1. Obstrução da via aérea
precocemente o doente que deteriora;
 Um modelo claro e uniforme de pedido Reconhecimento
de ajuda e a capacidade para
responder de imediato e com eficácia Verificar a permeabilidade da via aérea
aos pedidos de ajuda. constitui uma medida indispensável na
A nível mundial foi introduzido, de forma avaliação dos doentes em risco de obstrução.
crescente, no funcionamento dos hospitais o No caso de “engasgamento ‟, se o doente
conceito de Equipa Médica de Emergência estiver consciente, pode queixar-se de
(EME) ou Equipa para Doentes em Risco, de dificuldade respiratória ou apresentar um
forma a melhorar o prognóstico e prevenir a “fácies” de angústia marcada, levando muitas
PCR. Nestas equipas estão incluídos médicos vezes as mãos ao pescoço em sinal de
e enfermeiros com experiência em cuidados desespero.
intensivos. Na obstrução parcial existe um ruído
No seguimento, em Portugal, a Direção-Geral inspiratório, mas, se a obstrução é total, há
da Saúde determina a criação e silêncio respiratório. Se ainda houver esforço
implementação, de Equipas de EEMI (Circular respiratório, o doente apresenta sinais de
Normativa nº 15/DQS/DQCO de 22/06/2010), grande angústia e pode já estar em exaustão.
estabelecendo também quais os critérios de Há recurso aos músculos acessórios (adejo

24 | I N E M
Competências Não Técnicas

nasal e tiragem intercostal e supraclavicular) e  A hipóxia manifesta-se muitas vezes


o padrão dos movimentos abdominais é por irritabilidade e confusão;
descrito como “em barco”, com expansão do  A hipercápnia pode provocar letargia e
abdómen e retração torácica, pois o esforço depressão do estado de consciência;
inspiratório com a via aérea obstruída provoca  A cianose pode ser evidente;
movimentos opostos aos da respiração  A elevação da frequência respiratória
normal. (>30 cpm) indica geralmente
problemas respiratórios.
A oximetria de pulso é um método simples e
Recomendação
útil de complementar a avaliação destes
doentes, sendo um bom indicador indireto da
Nestes casos a prioridade é a permeabilização
oxigenação. Não deve dispensar, contudo, a
da via aérea, incluindo as manobras básicas
avaliação por gasimetria arterial, que não só
descritas no SBV ou mais avançadas como a
fornece informações mais fidedignas sobre a
entubação endotraqueal.
oxigenação como sobre a PaCO2 e pH. Uma
A prevenção da obstrução da via aérea centra- elevação progressiva da PaCO2 e a diminuição
se essencialmente na identificação e do valor de pH são habitualmente sinais
resolução do problema que a provoca. tardios de problemas respiratórios.
Por exemplo:
 O sangue e secreções devem ser
removidos precocemente e o doente Tratamento
colocado em Posição Lateral de
Segurança (PLS), salvo se houver Aos doentes com hipóxia deve ser
contraindicação; administrado oxigénio suplementar e o
tratamento dirigido à causa subjacente.
Os doentes com alterações do estado de
consciência têm risco de obstrução da via Por exemplo, num doente em dificuldade
aérea, o que significa ser necessário assumir respiratória e com história de traumatismo
medidas preventivas, nomeadamente: torácico recente deve considerar-se a
possibilidade de pneumotórax, que deve ser
 Aspiração de secreções;
confirmada ou excluída de imediato.
 Posicionamento (alinhamento da
cabeça e pescoço); O diagnóstico de pneumotórax hipertensivo é
clínico e implica drenagem imediata,
 Extensão da cabeça;
inicialmente através da introdução de um
 Colocação de um tubo orofaríngeo;
catéter venoso de grande calibre (ex: G14) no
 Entubação traqueal ou traqueostomia.
2º espaço intercostal ao nível da linha médio-
clavicular e, depois, pela colocação de uma
drenagem pleural, caso se confirme a
5.2. Ventilação inadequada
presença de pneumotórax.
Diagnóstico Nos casos de pneumonia é fundamental a
antibioterapia adequada e, de forma
Os doentes conscientes com dificuldade complementar, cinesiterapia e terapêutica de
respiratória, apresentam habitualmente suporte.
queixas e a avaliação clínica permite identificar
a etiologia:

I N E M | 25
Suporte Avançado de Vida

Em alguns casos pode haver necessidade de A prevenção mais eficaz é o controlo da


suporte ventilatório após entubação traqueal doença de base. A forma mais comum de
ou a utilização de ventilação não invasiva. apresentação da doença coronária é o EAM no
homem e a angina na mulher. A angina
manifesta-se geralmente pela sensação de
5.3. Causas Cardíacas aperto ou de desconforto restroesternal, com
irradiação para a mandíbula, pescoço e para
Diagnóstico um ou ambos os membros superiores. A prova
de esforço permite caracterizar a doença
A maior parte dos casos de morte súbita ocorre coronária em doentes sintomáticos. A
em vítimas com patologia cardíaca prévia, angiografia caracteriza a doença e ajuda a
desconhecida ou não diagnosticada em alguns planificar o tratamento.
casos. Embora o risco seja mais elevado nos
A dor associada ao EAM tem características
doentes com doença cardíaca grave, a maioria
semelhantes às da angina, mas é mais
das mortes súbitas ocorre em doentes com
prolongada no tempo, habitualmente com
doença ainda não diagnosticada. A cardiopatia
duração superior a 30 minutos. As
hipertensiva, valvulopatia aórtica, miocardite,
manifestações associadas incluem náuseas e
fibrose e isquémia silenciosa são formas
vómitos, angústia e sintomas
assintomáticas de doença cardíaca
neurovegetativos. Alguns doentes,
assintomática ou silenciosa.
nomeadamente os com diabetes mellitus,
Um pequeno número de casos de PCR ocorre podem sofrer EAM sem apresentarem sinais
em doentes sem antecedentes patológicos ou sintomas.
conhecidos e com coração aparentemente
normal, habitualmente jovens ativos e
saudáveis. Recomendação
Epidemiologicamente é possível caracterizar
um conjunto de fatores de risco para As prioridades no tratamento do EAM são:
desenvolvimento de doença cardiovascular. 
Ácido acetilsalicílico (250 mg PO ou
Os fatores de risco independentes são: 500mg EV);

 Idade; Ticagrelor (180 mg);

 Sexo masculino; Morfina – a analgesia é habitualmente
 História familiar de doença efetuada com morfina em bólus (3 a 5
cardiovascular; mg) repetidos até se obter controlo da
 Tabagismo; dor; pode haver necessidade de
 Diabetes mellitus; associar antieméticos;

 Hiperlipidémia; Nitratos (se TA sistólica > 90 mmHg);

 Hipertensão arterial. O2 (se SpO2 < 90%);

Trombólise, quando indicada.
Hoje em dia é possível identificar marcadores
genéticos num número crescente de doenças Nos doentes com doença coronária, o
cardíacas, como a cardiomiopatia hipertrófica, tratamento farmacológico e a revascularização
miocardiopatia do ventrículo direito e síndrome por angioplastia ou cirurgia coronária, pode
do QT longo. diminuir o risco de PCR. De forma similar, o
tratamento e monitorização de outras doenças

26 | I N E M
Competências Não Técnicas

cardíacas, como por exemplo a insuficiência correção dos desequilíbrios eletrolíticos e


cardíaca, poderá ter um impacto semelhante. ácido-base, o controlo da frequência cardíaca
Alguns doentes, nomeadamente os que e das disritmias.
sofreram EAM prévio, têm indicação para a Por vezes, para melhor caracterizar estes
investigação e estratificação de subgrupos de casos, é necessário recorrer a meios
risco. Entre os métodos a utilizar, está o ECG diferenciados como a ecocardiografia e o
contínuo e a avaliação funcional do miocárdio. cateterismo da artéria pulmonar, tentando
Nos subgrupos de maior risco a correção da definir de forma individualizada objetivos mais
isquémia é eficaz na prevenção de PCR. precisos para cada doente, manipulando para
As medidas de prevenção devem ser tal as pressões de enchimento através da
individualizadas e dependem da patologia administração de fluídos, controlo da
subjacente, mas incluem habitualmente a frequência cardíaca e utilização de aminas
utilização de betabloqueantes, inibidores da vasoativas, etc.
enzima de conversão da angiotensina (IECA) Mais raramente poderá ser necessário suporte
e vasodilatadores. Antiarrítmicos ou outras circulatório mecânico (ex: balão intra-aórtico)
intervenções, tais como a revascularização e a ou mesmo transplante cardíaco.
utilização de cardioversores/ desfibrilhadores
implantados (CDI), podem ser úteis em alguns
doentes.
6. Abordagem ao doente critico –
Nos casos de risco de PCR secundária a ação
prioritária é corrigir o problema primário, o que
ABCDE
não exclui a possibilidade de iniciar medidas
A abordagem ABCDE é uma avaliação
de suporte cardiovascular que otimizem a
transversal utilizada na avaliação da vítima
oxigenação do miocárdio e de outros órgãos.
Problemas específicos como sejam a procurando identificar lesões e tratá-las de
hipovolémia, anemia, hipotermia e o choque acordo com a prioridade estabelecida pelo
séptico devem ser corrigidos. As medidas de ABCDE (tabela 7).
suporte cardiovascular incluem ainda a

I N E M | 27
Suporte Avançado de Vida

Tabela 7 - Abordagem ABCDE

Abordagem da vítima

 Inspecionar cavidade oral e remover corpos estranhos, sangue, vómito,


secreções, dentes partidos, próteses dentárias soltas;
 Desobstruir com manobras manuais (extensão e elevação da cabeça, ou
subluxação da mandíbula em vítimas com suspeita de lesão medular);
 Aspirar secreções, se necessário;
A – Via Aérea  Considerar o uso de adjuvantes básicos da VA: tubo nasofaríngeo e tubo
orofaríngeo;
 Considerar uma abordagem avançada da VA com dispositivos laríngeos ou
tubo endotraqueal (cricotirotomia é uma técnica de recurso);
 Assim que possível colocar uma sonda gástrica (se abordagem da VA
avançada).
 Monitorizar (se disponível): SpO2, Capnografia;
 Administrar Oxigénio:
o Em caso de insuficiência respiratória aguda procurar manter a SpO2
(oximetria de pulso ≥95%);
o Nas grávidas garantir SpO2 ≥97%;
o Há doentes que fazem retenção crónica de CO2 (DPOC) nos quais a
administração de O2 em doses elevadas pode deprimir o centro
respiratório, pelo que a administração de O2 é necessária, mas tem de
ser criteriosamente controlada e monitorizada. O objetivo geral
B - Ventilação perante uma vítima crítica com DPOC é o de obter uma PaO2 >
60mmHg o que equivale a uma saturação obtida por oximetria de
pulso de 88-92%, com o intuito de impedir a hipóxia grave sem
deprimir o centro respiratório.
 Ventilação assistida:
o Efetuar ventilação assistida (se 8cr/min < FR > 35cr/min), realizando
1 insuflação em cada 6 segundos no adulto (10 ventilações por
minuto);
o Se ventilação mecânica: volume corrente 6 mL/Kg, FR 12cr/min e FiO2
50%;
 Monitorizar TA, FC, ritmo cardíaco, ECG 12 derivações;
 Controlar hemorragia:
o Estabilizar e imobilizar fraturas: pélvica, fémur, úmero.
 Se hemorragia externa/visível:
C – Circulação o 1.Compressão manual direta no local da hemorragia (é a técnica de
eleição);
o 2.Técnica de 2ª linha: aplicação de garrote em posição proximal
relativamente à lesão;
o 3. Técnicas de 3ª linha:

28 | I N E M
PCR: Causas e Prevenção

 Elevação do membro/extremidade (contraindicada no membro


com suspeita de fratura ou luxação);
 Pontos de pressão: aplicação de pressão na artéria próxima da
lesão, dessa forma diminuindo a perda de sangue, pela oclusão
da artéria.
 Posicionar a vítima:
o Se hipotensão: decúbito dorsal;
o Se grávida, evitar a compressão aorto-cava: Decúbito lateral, no plano
(Trauma) lateralizar 30º para a esquerda ou deslocar o útero
manualmente para a esquerda;
 Ao doente com dor torácica cardíaca e suspeita de SCA deve ser
administrado O2 (se SpO2 < 90%), aspirina, clopidogrel/ ticagrelor,
nitroglicerina e morfina;
 Estabelecer acesso venoso periférico (14 ou 16G);
 Colher sangue (hemograma, bioquímica, coagulação e tipagem);
 Considerar a administração rápida de fluídos.
 Excluir condições que influenciam o nível de consciência;
 Avaliar o nível da consciência (classificando-o em AVDS e/ou GCS);
D: Disfunção
 Examinar o tamanho, simetria e reatividade à luz das pupilas;
Neurológica
 Avaliar sinais focais bilateralmente;
 Avaliar a glicémia.
 Corrigir condições com risco de vida:
o Hipotermia;
E: Exposição
o Amputação.
com controlo
 Remover roupa e avaliar a vítima (tendo em atenção a privacidade e
da
dignidade da vítima);
temperatura
 Promover medidas para prevenir hipotermia (ex. cobertores, mantas térmicas,
temperatura da célula sanitária).

I N E M | 29
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 A PCR pode ser secundária a obstrução da via aérea, alterações respiratórias ou disfunção
cardíaca;

 A PCR em doentes hospitalizados é habitualmente secundária a outros problemas sendo,


com frequência, antecedida de sinais de alarme nas horas precedentes;

 Os doentes com risco de PCR, se identificados em tempo útil, devem ser alvo de medidas
preventivas eficazes;

 A eficácia da prevenção poderá ser otimizada pela existência de equipas médicas de


emergência;

 Devem ser estabelecidos critérios de identificação de doentes de risco para a ativação da


EEMI;

 A abordagem ao doente critico deve ser padronizada segundo a metodologia ABCDE.

30 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

V. ABORDAGEM INICIAL DOS SÍNDROMES CORONÁRIOS AGUDOS

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá ser capaz de compreender:


 A fisiopatologia e clínica dos síndromes coronários agudos;
 A distinção entre as diferentes entidades que integram o grupo dos síndromes coronários
agudos;
 A terapêutica inicial dos síndromes coronários agudos;
 As diferentes estratégias de reperfusão;
 A abordagem dos doentes após recuperação de um síndrome coronário agudo.

1. Introdução primeiro contacto médico e iniciar o tratamento


dirigido precocemente, se possível, em
A mortalidade por Síndromes Coronários ambiente pré-hospitalar. Além disso, a
Agudos (SCA) continua a ser importante em ativação pré-hospitalar do laboratório de
toda a Europa. A prevenção e o hemodinâmica não só reduz os atrasos no
reconhecimento precoce das vítimas em risco tratamento como também a mortalidade em
de PCR constituem a melhor aposta na geral. Portanto, a mensagem crucial é TEMPO
diminuição do número de vítimas mortais. = MIOCÁRDIO.
Apesar das manobras de reanimação
cardiopulmonar (RCP), sobretudo se
instituídas imediatamente após o episódio de 2. Definição e fisiopatologia
PCR, permitirem hoje em dia recuperar muitos
doentes, não há nenhuma dúvida que é Os SCA compreendem as seguintes
sempre preferível prevenir e evitar a PCR. entidades:
Tendo em conta que muitas situações de PCR 
Angina instável;
ocorrem num contexto de doença coronária 
Enfarte do miocárdio sem
subjacente, é fundamental o rápido supradesnivelamento do segmento ST
reconhecimento dos síndromes coronários (EAM s/ SST);
agudos, visando a instituição imediata de uma 
Enfarte do miocárdio com
terapêutica que reduza efetivamente o risco de supradesnivelamento do segmento ST
PCR. (EAM c/ SST).
Aproximadamente dois terços das mortes por A designação Síndrome coronário agudo –
eventos coronários agudos ocorrem em Enfarte de miocárdio sem
ambiente pré-hospitalar, na sua maioria por supradesnivelamento do ST (SCA – EAM s/
arritmias fatais precipitadas pela isquémia. SST) inclui a Angina instável (AI) e o EAM s/
A melhor oportunidade para aumentar a SST dado que o diagnóstico diferencial
sobrevida por “episódios isquémicos” é reduzir depende de biomarcadores que podem só ser
o intervalo entre o início dos sintomas e o detetados horas mais tarde, enquanto a

I N E M | 31
Suporte Avançado de Vida

decisão de tratamento depende da  Contração do músculo liso arterial,


apresentação e das manifestações clínicas. agravando ainda mais a restrição do
Estas entidades clínicas têm por base um lúmen arterial;
processo fisiopatológico comum.  Ativação e agregação plaquetar;
Na maior parte dos casos este processo inicia-  Formação de trombos na superfície da
se por uma rotura ou erosão ao nível da placa placa de ateroma originando obstrução
de ateroma que reveste o interior das artérias parcial ou total do lúmen da artéria ou
coronárias. fenómenos embólicos distais.
Este evento provoca:
 Hemorragia local e edema com
consequente diminuição do diâmetro
interior da artéria;

Figura 2 – Síndromes Coronários Agudos

32 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

2.1. Angina (estável e instável) minutos) e aliviar espontaneamente ou


mediante a administração de nitratos
A Angina é uma dor ou desconforto provocado sublinguais, surgindo novamente nas
por isquémia do miocárdio, sendo horas seguintes;
habitualmente localizada no centro do tórax e  Um episódio prolongado de dor
definida como um aperto. torácica que surge de forma súbita e
A intensidade é variável, bem como a duração, sem causa aparente, muito semelhante
em regra ≥ 20 minutos. à dor do EAM, mas sem evidência
Tal como nas situações de EAM, a eletrocardiográfica ou laboratorial de
dor/desconforto irradia frequentemente para o enfarte.
pescoço, para ambos os membros superiores Na angina instável o ECG pode ser normal ou
(é mais comum atingir o esquerdo), para o apresentar as seguintes alterações:
dorso ou para o epigastro.  Evidenciar isquémia aguda do
Alguns doentes podem, aliás, apresentar o miocárdio (habitualmente
episódio anginoso sobretudo numa ou em infradesnivelamento do segmento ST);
várias destas áreas e não necessariamente no  Evidenciar alterações
tórax. eletrocardiográficas inespecíficas
Em muitos casos a dor pode ser descrita (inversão da onda T).
apenas como um desconforto e não como uma Nas situações de angina instável os valores da
dor propriamente dita. Tal como no EAM a enzimologia cardíaca são habitualmente
angina é por vezes acompanhada de normais, salientando-se que existem outras
eructações e nestas circunstâncias pode ser causas não cardíacas para o aumento da CK
falsamente interpretada como patologia do (há hospitais onde a CK-MB não é doseada).
foro digestivo. Relativamente à troponina a sua libertação é
A dor anginosa, que surge apenas após mínima ou nula. As alterações
esforço e que cessa de imediato quando este eletrocardiográficas, sobretudo o
termina, é denominada angina estável e não é infradesnivelamento do segmento ST é um
um síndrome coronário agudo pelo que não sinal de risco acrescido para a ocorrência de
será tratada neste capítulo. outros episódios coronários em doentes com
Por oposição, a angina instável é definida por angina instável.
um ou mais dos seguintes sintomas: A existência de troponinas positivas constitui
 Angina de esforço que ocorre ao longo igualmente um maior risco, cuja gravidade é
de alguns dias com uma frequência de proporcional ao valor deste marcador de lesão
episódios crescente, sendo estes do miocárdio. Contudo, um ECG normal com
provocados por esforços troponinas negativas não implica
progressivamente menores. Tal necessariamente que o doente com angina
situação é referida como “angina em instável não esteja em risco de desenvolver
crescendo”; graves episódios coronários subsequentes.
 Episódios de angina que surgem de Se a história clínica inicial é sugestiva de
forma recorrente e imprevisível, sem angina instável, o diagnóstico diferencial da
que exista especificamente uma dor no peito só deve ser considerado nas
relação com o esforço. Estes episódios situações em que o ECG é normal, os
podem ser de curta duração (alguns marcadores de lesão do miocárdio são
negativos e a restante avaliação de risco (ex.

I N E M | 33
Suporte Avançado de Vida

prova de esforço) não evidenciam a arritmias graves. Este risco é máximo nas
possibilidade de isquémia reversível do primeiras horas ou dias, diminuindo
miocárdio. progressivamente com o tempo.

2.2. Enfarte Agudo do Miocárdio sem 2.3. Enfarte Agudo do Miocárdio com
Supradesnivelamento do segmento ST Supradesnivelamento do segmento ST
(EAM s/ SST) (EAM c/ SST)
Uma história de dor torácica aguda e mantida,
O EAM traduz-se tipicamente por um episódio acompanhada de supradesnivelamento do
de dor torácica que o doente descreve como
segmento ST num ECG de 12 derivações é a
uma sensação de moinha ou de aperto, base do diagnóstico de EAM com SST.
podendo igualmente apresentar-se como um
Estes dados indicam quase sempre uma lesão
desconforto no tórax ou no epigastro, com uma
do miocárdio em evolução, provocada pela
duração de 20 a 30 minutos ou superior.
oclusão completa da artéria coronária
A dor/desconforto irradia frequentemente para
envolvida, após rotura da placa de ateroma,
o pescoço, para ambos os membros com isquémia transmural.
superiores (é mais comum atingir o esquerdo),
Se não for instituída a terapêutica necessária
para o dorso ou para o epigastro. Alguns
a lesão miocárdica pode estender-se por todo
doentes podem circunscrever a
o território irrigado pela artéria em causa,
dor/desconforto a uma ou a várias destas
refletindo-se habitualmente no aparecimento
áreas e não necessariamente ao tórax.
de ondas Q no ECG.
Neste tipo de EAM os doentes apresentam-se
Durante a fase aguda do EAM c/ SST existe
com dor torácica sugestiva, e podem ter um
um risco substancial de TV e de FV associadas
ECG perfeitamente normal e sem alterações,
a morte súbita.
ou então com alterações eletrocardiográficas
tais como infradesnivelamento do segmento
ST e inversão da onda T. A existência de
história compatível com um SCA associada a 3. Diagnóstico de Síndromes
troponinas positivas (com ou sem elevação Coronários Agudos
das outras enzimas cardíacas) é sinónimo de
lesão do miocárdio. Tal situação denomina-se 3.1. História Clínica
EAM sem supradesnivelamento do segmento
Uma história clínica pormenorizada constitui
ST (EAM s/ SST). Neste caso é menos
um pilar fundamental no estabelecimento do
provável que tenha ocorrido oclusão completa
diagnóstico, que consiste em regra em dor
e abrupta da artéria envolvida do que nas
precordial com irradiação para o dorso,
situações de EAM c/ SST.
pescoço, mandíbula ou membro superior
A quantidade de troponina ou de enzimas esquerdo, que pode estar associada a
cardíacas detetada reflete a extensão da dispneia, náuseas/vómitos, fadiga,
referida lesão. palpitações, sudorese ou síncope. Contudo,
Alguns destes doentes correm o risco de podem ocorrer algumas situações menos
evoluírem para uma oclusão coronária típicas, pois alguns doentes (idosos, mulheres
associada a uma maior extensão da lesão do e diabéticos) podem desenvolver um SCA com
miocárdio e à ocorrência de morte súbita por mínimo ou nenhum desconforto torácico. Por

34 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

outro lado, a dor da angina ou do enfarte do marcada sem evidência de EAM no ECG.
miocárdio é frequentemente confundida com Contudo, num doente com uma história e um
situações do foro digestivo, quer pelos doentes ECG típicos de EAM c/ SST a terapêutica de
quer pelos profissionais de saúde, pelo facto reperfusão não deve ser atrasada a menos
da dor epigástrica, eructações, náuseas e que existam suspeitas clínicas francas que
vómitos serem comuns aos casos de patologia justifiquem a exclusão prévia de uma eventual
cardíaca e digestiva. disseção da aorta.
A existência de antecedentes de doença Deve suspeitar-se de um enfarte extenso do
coronária, acidente vascular cerebral (AVC), ventrículo direito em doentes com EAM c/ SST
doença arterial periférica ou doença renal inferior ou posterior que possuam uma pressão
crónica, bem como de fatores de risco venosa jugular elevada, sem edema pulmonar
cardiovascular (dislipidemia, tabagismo, etc.), concomitante. O sinal de Kussmaul pode ser
devem fazer aumentar a suspeita de SCA. positivo (aumento da pressão venosa jugular
durante a inspiração), estando estes doentes
frequentemente hipotensos.
3.2. Exame Físico

O exame físico tem um interesse relativo no 3.3. Exames Complementares / Auxiliares


diagnóstico do síndrome coronário agudo. de Diagnóstico
Qualquer dor aguda de qualquer origem pode
provocar sinais que frequentemente 3.3.1. O ECG de 12 derivações
acompanham os síndromes coronários
agudos, tais como a sudorese, a palidez ou a É o exame fulcral na avaliação do SCA,
devendo efetuar-se um primeiro ECG de 12
taquicardia.
derivações durante a abordagem inicial destes
Por outro lado, a observação do doente pode
doentes, nos primeiros 10 minutos de contacto
excluir causas óbvias de dor torácica (ex: dor
com o doente, seja em ambiente pré-
torácica localizada que aumenta com a
hospitalar, seja no hospital.
pressão local, frequentemente associada a
A presença de alterações eletrocardiográficas
patologia osteoarticular).
neste primeiro traçado pode confirmar a
O exame físico pode ainda identificar outras
suspeita de um SCA, sendo fundamental a
situações (ex. sinais de insuficiência cardíaca
monitorização contínua, de modo a detetar
congestiva) que podem de alguma forma
arritmias periparagem e a permitir a
influenciar a investigação diagnóstica e a
desfibrilhação imediata caso seja necessário.
terapêutica respetiva.
O supradesnivelamento do segmento ST
Nos doentes com dor torácica evidente que
indica isquémia transmural e diagnostica-se
sejam candidatos a uma eventual trombólise é
pela existência de supra de ST em 2 ou mais
importante estabelecer o diagnóstico
derivações contíguas:
diferencial com a disseção da aorta. A
existência desta patologia pode ser sugerida  V1-V3: ≥ 2,5 mm se homem < 40 anos,
por sinais clínicos como ausência de um pulso ≥ 2 mm se homem ≥ 40 anos e ≥ 1,5
periférico ou assimetria dos pulsos nos mm se mulher;
membros superiores, devendo suspeitar-se de  Outras derivações: ≥ 1 mm;
disseção da aorta em todos os doentes cuja  Ausência de hipertrofia ventricular
dor torácica é acompanhada por hipotensão esquerda ou BCRE.

I N E M | 35
Suporte Avançado de Vida

O ECG deve posteriormente ser repetido com enfartes tem um pior prognóstico e é passível
vista à monitorização, não só da própria de provocar disfunção do ventrículo esquerdo.
evolução da doença, mas também da Deste modo, estes doentes beneficiam mais
respetiva resposta à terapêutica entretanto com uma terapêutica de reperfusão imediata e
instituída. com um tratamento precoce com um IECA.
A interpretação do ECG 12 derivações pode O enfarte inferior observa-se nas derivações
ser feita no local (por exemplo, pelo médico da DII, DIII e aVF e é causado frequentemente por
Viatura Médica de Emergência e Reanimação uma oclusão na artéria coronária direita ou,
- VMER) ou à distância, com o suporte de com menos probabilidade, na artéria
telemedicina (ou outro tipo de transmissão). circunflexa.
Vários estudos demonstraram que o uso pré- O enfarte lateral observa-se nas derivações
hospitalar de ECG de 12 derivações permite V5-V6 e/ou DI e aVL (por vezes só em aVL),
uma redução do tempo desde a admissão até sendo causado frequentemente por uma
ao início da terapêutica de reperfusão em até oclusão na artéria circunflexa ou na diagonal
1 hora. da artéria descendente anterior.
O ECG é um elemento fundamental para a O EAM posterior é habitualmente
abordagem de risco destes doentes e para o reconhecido pelas “imagens em espelho” nas
estabelecimento da respetiva terapêutica. Um derivações precordiais anteriores. Assim, o
supradesnivelamento do segmento ST ou um infradesnivelamento do segmento ST nestas
bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His que derivações reflete o supradesnivelamento do
surge de novo num doente com uma história segmento ST que existe nas derivações
típica de EAM é indicação para terapêutica de posteriores. Por outro lado, o desenvolvimento
reperfusão, quer seja através da angioplastia de uma onda R dominante traduz o
primária quer seja através de trombólise. Na desenvolvimento de uma onda Q posterior.
angina instável, a presença de um Este tipo de enfarte é mais frequentemente
infradesnivelamento do segmento ST indica causado por uma oclusão na coronária direita
um maior risco de futuros acidentes coronários mas pode ser provocado igualmente por uma
do que a respetiva ausência. Estes doentes de oclusão na circunflexa, que em algumas
maior risco exigem tratamento imediato, uma pessoas é responsável pela irrigação da região
pronta investigação da origem do episódio posterior do ventrículo esquerdo e septo. A
através de uma angiografia e frequentemente suspeição de um enfarte posterior pode ser
revascularização quer por angioplastia confirmada pela repetição do ECG utilizando
primária quer por cirurgia de revascularização. as derivações posteriores. Estas (V8, V9 e
O ECG fornece informação importante acerca V10) são colocadas numa linha horizontal à
da localização e extensão da lesão miocárdica, volta do tórax, continuando a partir de V6 (linha
particularmente no EAM com SST. Estes axilar média) e V7 (linha axilar posterior). A
aspetos são de extrema importância uma vez derivação V9 é colocada à esquerda da coluna
que podem influenciar o prognóstico e, em vertebral, V8 a meio caminho entre V7 e V9 e
alguns casos, determinar a escolha da V10 à direita da coluna vertebral.
terapêutica mais adequada. O EAM do ventrículo direito pode
O EAM de localização anterior observa-se apresentar-se em cerca de um terço dos
mais frequentemente nas derivações V3-V4 e doentes como um EAM c/ SST de localização
é quase sempre provocado por uma oclusão inferior e posterior. O enfarte extenso do
na artéria descendente anterior. Este tipo de ventrículo direito pode observar-se num ECG

36 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

de 12 derivações convencional quando o (ingurgitamento jugular) sem que ocorra em


supradesnivelamento do segmento ST na simultâneo congestão (edema) pulmonar.
derivação V1 acompanha um EAM c/ SST Nestes doentes a administração de nitratos
inferior ou posterior. A utilização de derivações deve ser evitada.
precordiais direitas, especialmente V4R, pode O infradesnivelamento do segmento ST e a
ser igualmente útil no diagnóstico do enfarte do inversão da onda T que ocorrem no EAM estão
ventrículo direito. O diagnóstico de um enfarte menos claramente relacionados com o local da
extenso do ventrículo direito é também lesão miocárdica do que as alterações que
sugerido por uma hipotensão persistente que surgem no EAM c/ SST.
não responde à fluidoterapia e por sinais de
aumento da pressão venosa central

I V1 V4
aVR
Lateral Septal Anterior

II aVL V2 V5

Inferior Lateral Septal Lateral

III aVF V3 V6
Inferior Inferior Anterior Lateral
Figura 3 – Localização do EAM

Exemplos:

Figura 4 – EAM anteroseptal

I N E M | 37
Suporte Avançado de Vida

Figura 5 - EAM lateral

Figura 6 - EAM inferior

3.3.2. Testes laboratoriais saudáveis são praticamente indetetáveis e que


as troponinas específicas do coração que são
Outros componentes importantes para o habitualmente doseadas não têm origem
diagnóstico e avaliação de risco dos extra-cardíaca considera-se este parâmetro
síndromes coronários agudos são os testes um marcador específico do miocárdio. A
laboratoriais – marcadores de necrose principal vantagem do doseamento seriado da
miocárdica. troponina é a avaliação do risco de um
síndrome coronário agudo. No contexto de
Troponinas (troponina T e troponina I) uma angina instável uma troponina elevada 6
a 8 horas após o início da dor indica um maior
As troponinas específicas do coração são risco de acidentes coronários posteriores do
componentes da estrutura contrátil das células que o nível de troponina normal (indetetável).
miocárdicas. Uma vez que as concentrações A combinação de um infradesnivelamento do
de troponinas no sangue dos indivíduos segmento ST no ECG e de uma troponina

38 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

elevada identifica um grupo de doentes para deveria ser usada em todos os doentes com
os quais existe um risco particularmente suspeita de SCA.
elevado de enfartes do miocárdio O impacto da ecocardiografia no contexto pré-
subsequentes e de morte súbita. hospitalar está ainda por avaliar.
A libertação de troponina não é só por si
indicadora de SCA, constituindo, no entanto,
4. Avaliação de risco
um marcador de risco que, no contexto de uma
história clínica sugestiva de enfarte, deve ser A escolha do tratamento adequado é
encarada como uma evidência de EAM sem fundamentalmente determinada pelo risco de
SST. lesão miocárdica extensa imediata ou pelo
A troponina pode ser positiva noutras risco da ocorrência de novos episódios. Uma
situações clínicas tais como taquicardias, abordagem eficaz dos SCA permite a
emergências hipertensivas, miocardite, instituição de um tratamento correto e a
insuficiência cardíaca, doença cardíaca redução do risco, prevenindo eventuais
estrutural, disseção aórtica, tromboembolia situações de paragem cardíaca e de morte
pulmonar, insuficiência renal e sépsis. Assim, súbita.
tal como noutras situações, é fundamental que
os resultados da troponina sejam interpretados
no contexto de uma história clínica adequada. 5. Terapêutica imediata
A troponina deve ser doseada no início dos
sintomas, com repetição às 2 e às 6 horas, 5.1. Medidas gerais comuns a todos os
caso o doseamento inicial da troponina seja doentes com SCA
negativo.
Efetuar de imediato uma avaliação clínica e um
Na maior parte dos hospitais já se utiliza a
ECG (nos primeiros 10 minutos após o
troponina I de alta sensibilidade, que veio
contacto com o doente).
tornar muito mais assertivo o diagnóstico de
SCA. Fazer avaliação de sinais vitais e
monitorização eletrocardiográfica contínua.
Administrar medicação visando o alívio dos
3.3.3. Ecocardiografia sintomas, a limitação da lesão do miocárdio e
a redução do risco de paragem cardíaca.
Este exame é cada vez mais importante na O tratamento inicial compreende assim
estratégia de diagnóstico e de definição do medidas dirigidas aos sintomas e às causas.
risco no SCA, sendo muito útil na avaliação da
Os fármacos a utilizar são:
gravidade da disfunção do ventrículo esquerdo
resultante de um EAM. Por outro lado, quando  Ácido acetilsalicílico;
existe suspeita de enfarte do ventrículo direito  Inibidores P2Y12;
é particularmente importante a execução de  Nitratos;
um ecocardiograma visando a confirmação de  Morfina;
uma eventual dilatação e disfunção desta  Antitrombínicos;
cavidade cardíaca.  Oxigénio – Os doentes com suspeita
Em suma, a ecocardiografia deveria estar de SCA não necessitam de oxigénio
sempre disponível no serviço de urgência, e suplementar, a não ser que
apresentem sinais de hipoxémia,

I N E M | 39
Suporte Avançado de Vida

dispneia ou insuficiência cardíaca. Há Deve-se administrar em dose inicial de 3-5 mg


evidência cada vez maior que a EV, a repetir cada 3-5 minutos, com titulação
hiperóxia pode ser prejudicial para os da dose até alívio da dor.
doentes com EAM não complicado. Em alternativa à morfina pode ser usado outro
No SCA complicado de PCR, a hipoxia opióide, mas os antiinflamatórios não
desenvolve-se rapidamente, por isso durante a esteroides devem ser evitados por que têm
RCP é essencial uma adequada oxigenação. ação protrombótica.
A maioria destes doentes sentir-se-ão mais Um ansiolítico (normalmente uma
confortáveis na posição de sentados, uma vez benzodiazepina) deve ser considerado nos
que em alguns casos o decúbito pode agravar doentes muito ansiosos.
a dor.

Nitratos
O oxigénio só está indicado nos doentes com
hipoxémia (Sat O2 < 90% ou PaO2 < 60 São eficazes no tratamento da dor torácica,
mmHg). fundamentalmente por dilatação das artérias
coronárias, com eventuais benefícios a nível
hemodinâmico.
Não devem ser utilizados se a TA sistólica for
inferior a 90 mmHg e em doentes com EAM
inferior e suspeita de envolvimento do
5.1.1. Alívio da dor ventrículo direito. Não administrar se o doente
fez fármacos dadores de NO (sildenafil ou
É de enorme importância não só para conforto similar) nas 24 horas anteriores.
do doente, mas porque a dor está associada a
Não é recomendada a sua utilização na
hiperatividade simpática, a qual provoca
diminuição da dor precordial como estratégia
vasoconstrição e aumenta o trabalho cardíaco.
diagnóstica.

Morfina 5.1.2. Antiagregação plaquetária

É o analgésico de escolha e o mais usado no É o tratamento primordial do SCA, quer tenha


SCA, pois além do efeito analgésico tem um ou não SST, e independentemente da
ligeiro efeito sedativo. estratégia de reperfusão ou revascularização.
Sucede que o uso da morfina está associado
a menor absorção, atraso no início de ação e
redução da eficácia dos antiagregantes Ácido acetilsalicílico (AAS)
plaquetares (inibidores P2Y12), o que pode
levar ao insucesso da terapêutica em alguns É o fármaco mais importante no tratamento
indivíduos. Por conseguinte, não deve ser inicial dos SCA já que vários estudos mostram
usada por rotina em todos os doentes, mas diminuição da mortalidade com a sua
apenas quando é mesmo necessária a administração.
analgesia, nomeadamente no pré-hospitalar. Dose: 250 mg oral ou 500 mg EV.

40 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

Deve ser administrado o mais precocemente a elevado, independentemente da


possível sempre que se suspeite de um SCA, estratégia de reperfusão seguinte.
pelas testemunhas ou pelo primeiro  O ticagrelor pode ser administrado em
profissional de saúde que contacta o doente, contexto pré-hospitalar.
exceto se houver uma alergia conhecida ao  A dose de manutenção é de 90 mg 2 id.
AAS.

Prasugrel
Inibidores P2Y12 (Inibidores dos recetores
de ADP)  Nos doentes com EAM com SST pode
ser administrado numa dose de carga
• Ticagrelor de 60 mg até 24 horas antes, durante
• Prasugrel ou até após a ICP.
• Clopidogrel  No EAM sem SST também pode ser
São antiagregantes plaquetários potentes dado em dose de carga de 60 mg, mas
(inibem os recetores de ADP), que devem ser deve-se ter em consideração o risco
administrados em associação com o AAS. hemorrágico, estando contraindicado
Devem ser administrados antes do se houver história de AVC/ Hemorragia
procedimento de revascularização, Subaracnóideia.
eventualmente em meio pré-hospitalar após  Sem evidência de benefício no pré-
confirmação do diagnóstico, e mantidos hospitalar ou no contexto de fibrinólise.
durante 12 meses.  A dose diária de manutenção é de 10
A inibição do recetor ADP plaquetar quer de mg.
forma irreversível (clopidogrel e prasugrel)
quer de forma reversível (ticagrelor) leva a
uma inibição adicional da agregação Clopidogrel
plaquetar. Em contraste com o clopidogrel, os
 No EAM com SST e antes da ICP
efeitos do prasugrel e do ticagrelor são
programada só está atualmente
independentes da variabilidade genética no
indicado quando o prasugrel ou o
metabolismo do fármaco, pelo que
ticagrelor estão contraindicados ou não
determinam uma inibição da agregação
estão disponíveis. Pode ser dado na
plaquetar mais forte, rápida e fidedigna (30
dose de carga de 600 mg.
minutos).
 No caso de fibrinólise, deve-se dar
dose de carga de 300 mg, nos doentes
Ticagrelor < 75 anos, enquanto que nos doentes
> 75 anos não se faz dose de carga,
 Deve ser administrado numa dose de apenas dose de manutenção de 75
carga de 180 mg em todos os doentes mg/dia.
com EAM com SST e intervenção  No EAM sem SST pode-se dar dose
coronária percutânea (ICP) inicial de 300 mg (tratamento
programada e em todos os doentes conservador) ou de 600 mg (ICP
com EAM sem SST de risco moderado programada).

I N E M | 41
Suporte Avançado de Vida

ECG 12 deriv. até 10’

Alívio da dor
NTG/DNI per os / SL se TA sist > 90 mmHg
± Morfina 3-5 mg EV; repetir até alívio sintomático

Anti-agregação Plaquetária
AAS 300 mg per os ou 250 mg EV
Ticagrelor 180 mg per os

EAM c/ SST SCA – EAM s/ SST

Trombólise se: Angioplastia se: Estratégia Estratégia invasiva


 Não há  Atempada e conservadora ou imediata (< 2 horas):
Contraindicações Disponível invasiva tardia:  Heparina,
 Angioplastia (laboratório de
 Heparina ou enoxaparina ou
diferida hemodinâmica)
enoxaparina bivalirudina
 Ticagrelor,  Ticagrelor,
 Heparina,  Heparina, prasugrel ou
prasugrel ou
enoxaparina ou enoxaparina ou clopidogrel
clopidogrel
fondaparinux bivalirudina
 Ticagrelor,
prasugrel ou
clopidogrel

Figura 7 - Abordagem inicial dos SCA

5.1.3. Antitrombínicos momento, não há evidência da vantagem na


sua utilização no pré-hospitalar.
Os mais utilizados são:
A HNF (dose 70-100 UI/Kg) utiliza-se como

Heparina não fracionada (HNF): adjuvante do tratamento fibrinolítico, em
Inibidor indireto da trombina; associação com o AAS, ou da ICP, sendo uma

Enoxaparina (Heparina de baixo peso componente importante do tratamento da
molecular – HPBM) e Fondaparinux: angina instável e do EAM com SST. Tem como
são mais específicos sobre o fator Xa limitações o seu efeito anticoagulante
ativado;  imprevisível, a necessidade de administração

Bivalirudina: inibidor direto da EV e de monitorização do TPP, além de poder

trombina. induzir trombocitopenia.
A escolha do anti-trombínico a utilizar depende Em contraste, a enoxaparina, o fondaparinux e
fundamentalmente da estratégia de reperfusão a bivalirudina não necessitam de
e do risco hemorrágico do doente. Até ao

42 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

monitorização dos tempos de coagulação e o programada e no EAM com SST. A bivalirudina


risco de trombocitopenia é menor. Destes, o é também uma alternativa à HNF no EM c/
fondaparinux é o que apresenta melhor perfil SST e ICP programada.
de eficácia e segurança.
A enoxaparina em comparação com a HNF
reduz em conjunto a mortalidade e a 5.2. Estratégias e Sistemas de Saúde
necessidade de revascularização urgente,
quando administrado nas primeiras 24-36 Há várias decisões específicas que têm de ser
horas após início dos sintomas nos SCA – tomadas na fase de cuidados iniciais para
EAM sem SST. Nessa situação, a dose é de além das que são necessárias na avaliação
0,5 mg/Kg EV seguida de 1 mg/Kg a cada 12 clínica e interpretação do ECG 12 derivações.
horas. Essas decisões relacionam-se com:
Nos doentes com risco de hemorragia  Estratégias de reperfusão em doentes
aumentado, deve-se administrar fondaparinux com EAM c/ SST: ICPP vs. fibrinólise
(2,5 mg/dia SC) ou bivalirudina (bólus de 0,75 (pré) hospitalar;
mg/Kg EV seguido de perfusão a 1,75 mg/Kg  Bypass (ultrapassagem) de centros
durante 4 horas), que causam menos sem capacidade de ICP e tomada de
hemorragia do que a HNF. medidas para encurtar o tempo até à
Nos doentes com intervenção invasiva intervenção se a opção foi ICPP; o
planeada a enoxaparina ou a bivalirudina são tempo de permanência num centro
alternativas razoáveis à HNF. sem ICPP deve ser ≤ 30 minutos;
 Bypass do serviço de urgência de
Nos doentes com EAM c/ SST submetidos a
modo a levar o doente diretamente
fibrinólise, pode-se administrar HNF no pré-
para o laboratório de hemodinâmica;
hospitalar, mas a enoxaparina produz
melhores resultados do que a HNF  Procedimentos em situações
(independentemente do fibrinolítico utilizado), especiais: doentes reanimados com
com o cuidado de reduzir as doses nos sucesso em situações de PCR sem
doentes > 75 anos ou com baixo peso < 60Kg, trauma, doentes em choque ou
pelo risco de hemorragias. doentes com SCA – EAMs/ SST
instáveis e com manifestações de alto
O fondaparinux é também uma opção válida
risco.
nos doentes com EAM c/ SST a fazer
fibrinólise. É fortemente recomendada a definição de uma
estratégia de reperfusão a nível regional que
A enoxaparina é uma alternativa segura e
envolva o INEM e os diferentes hospitais, de
eficaz à HNF para a Intervenção Coronária
modo a maximizar a eficiência e a minimizar o
Percutânea Primária (ICPP) em simultâneo.
tempo desde o primeiro contacto médico e o
Não há dados suficientes para recomendar
tratamento definitivo.
outra HBPM além da enoxaparina na ICP

I N E M | 43
Suporte Avançado de Vida

MINIMIZAÇÃO DOS TEMPOS


Hospitais
ICP 1ª DE ATRASO

Hospitais
locais

INEM

Figura 8 - Rede de Referenciação Regional

5.2.1. Estratégias de reperfusão nos A reperfusão pode ser feita com fibrinólise ou
doentes com EAM sem SST ICPP ou a associação das duas, visando
restaurar o aporte de sangue ao miocárdio que
A estratégia de revascularização coronária vai ainda não sofreu nenhuma lesão irreversível.
depender da estratificação do risco, podendo Com estas medidas consegue-se a redução do
ser invasiva imediata (< 2 horas), invasiva
tamanho do enfarte, das respetivas
precoce (< 24 horas), invasiva (< 72 horas) ou complicações e da mortalidade resultante de
não-invasiva. A abordagem invasiva imediata morte súbita.
pode estar indicada se houver instabilidade
A terapêutica de reperfusão é mais eficaz
hemodinâmica ou choque cardiogénico, dor
quanto mais precocemente for iniciada e o seu
precordial refratária ao tratamento médico,
benefício diminui progressivamente com o
presença de arritmias graves ou PCR,
tempo.
complicações de enfarte, insuficiência
cardíaca agudas ou alterações dinâmicas de Doze horas após o início da dor os riscos da
SST. reperfusão ultrapassam quaisquer eventuais
benefícios residuais, uma vez que a maior
parte da lesão do miocárdio já terá então
5.2.2. Estratégias de reperfusão nos ocorrido.
doentes com EAM com SST A reperfusão coronária pode então ser atingida
de duas formas:
Nos doentes com EAM c/ SST a reperfusão
deve iniciar-se o mais depressa possível nas
primeiras 12 horas após início dos sintomas,  Angioplastia primária ou ICPP –
independentemente do método selecionado. Pode ser utilizada para reabrir a artéria
ocluída;

44 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

 Trombólise ou Fibrinólise – A associada a menor mortalidade, taxa de


terapêutica trombolítica pode ser reenfartes e de AVC’s, em comparação com a
administrada visando a dissolução do fibrinólise.
trombo que está a ocluir a artéria Caso não haja disponibilidade para ICPP em
responsável pelo enfarte em causa. tempo oportuno, os doentes com
O aspeto mais importante da terapêutica de manifestações de SCA e evidência no ECG de
reperfusão reside no facto de que ela deve ser EAM c/ SST (ou bloqueio completo de ramo
conseguida o mais cedo possível após o início esquerdo - BCRE presumivelmente “de novo”
da dor: tempo = miocárdio. ou enfarte posterior verdadeiro) devem ser
Com efeito, os eventuais riscos inerentes a sujeitos a fibrinólise logo que possível, nos
este tipo de tratamento variam muito pouco primeiros 10 minutos após o diagnóstico.
com o tempo (se é que existe efetivamente A fibrinólise pode ser feita no pré-hospitalar,
alguma variação) mas os benefícios que dele sempre que se verifica que os tempos de
podem resultar diminuem drasticamente ao transporte são longos, i.e., > 30-60 minutos,
longo das horas, obtendo-se um efeito máximo sendo menos vantajosa quando o tempo de
se a terapêutica de reperfusão é instituída na transporte é menor.
primeira hora após o início da dor. Os profissionais que administram fibrinolíticos
devem estar alertados para os riscos e
contraindicações.
5.2.3. Fibrinólise versus ICP primária (ICPP) É menos claro se, em doentes jovens com
enfarte anterior ou com duração < 2h, a
Sempre que for possível fazer ICPP em tempo
transferência para realização de ICPP traga
útil, <120 minutos, recomenda-se a
benefícios relativamente à fibrinólise de
transferência para um hospital que faça esse
imediato. Se o doente tem sintomas há mais
procedimento, em vez de fazer fibrinólise
de 2h mas menos de 12h, deve considerar-se
imediata no hospital de origem.
a sua transferência para ICPP, desde que esta
Quando feita em centros de grande seja concretizável em tempo oportuno.
experiência, a ICPP é mais rápida e está
.

I N E M | 45
Suporte Avançado de Vida

Figura 9 - Seleção das estratégias de reperfusão


Adaptado: ESC Clinical Practice Guidelines

5.2.4. Angioplastia primária

Demonstrou-se ser superior à fibrinólise Nos centros com ICPP deve-se fazer em <
quando comparados resultados como 60 minutos. Nos centros sem ICPP, se for
mortalidade, AVC e re-enfarte. possível ter o doente na sala em < 120
minutos, transferir para um centro com ICPP
em ≤ 90 minutos. Caso não seja possível,
O método de primeira linha para reperfundir fazer fibrinólise de imediato ≤ 10 minutos
um EAM c/ SST é a angioplastia primária
com ou sem colocação de stent, desde que a
mesma seja conseguida nas primeiras 12
horas desde o início dos sintomas e seja Nos doentes com EAM c/ SST que se
apresentam em choque o tratamento de
realizada por uma equipa experiente. reperfusão preferencial é a ICPP (ou o bypass
coronário cirúrgico).
Numa primeira fase a angiografia coronária
identificará a artéria ocluída, faz-se a
aspiração do trombo e introduzido em seguida

46 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

um fio-guia que permitirá a colocação de um  Menor risco de grandes hemorragias,


balão no local da oclusão e cuja insuflação relativamente à trombólise.
permitirá a abertura da artéria em causa. A maior limitação deste método é o facto de
As vantagens da angioplastia primária são: exigir uma Unidade de Hemodinâmica
 Reabertura da artéria ocluída, com um disponível 24 horas/dia.
excelente grau de fiabilidade, na Assim, quando não for possível avançar em
maioria dos doentes; tempo útil com a angioplastia primária a
 Comprovação visual, não apenas da fibrinólise constitui uma alternativa na
reabertura da artéria, mas também do terapêutica de reperfusão do EAM c/ SST.
facto dessa reabertura ter devolvido ao
vaso o seu calibre normal;

Figura 10 - Componentes do tempo-isquémia, atrasos na abordagem inicial e na seleção da estratégia de reperfusão.


EPH - Emergência Pré-Hospitalar; PCM - Primeiro contacto médico; ICP - Intervenção Coronária Percutânea; EAMc/ST –
Enfarte Agudo do Miocárdio com Supra ST
Adaptado: ESC Clinical Practice Guidelines

I N E M | 47
Suporte Avançado de Vida

5.2.5. Trombólise/fibrinólise As desvantagens da fibrinólise são as


seguintes:
A terapêutica trombolítica tem vindo a
 Incapacidade de conseguir uma
demonstrar uma redução substancial da
reperfusão em todos os casos;
mortalidade decorrente do enfarte do
 Limitação na confirmação da
miocárdio. É especificamente eficaz nas
reperfusão;
primeiras 2-3 h após o início dos sintomas.
 Risco de hemorragia.
Na tabela 8 estão listadas as contraindicações
A fibrinólise deve ser considerada se o da fibrinólise. A maioria destas
contraindicações é relativa, cabendo ao
acesso à ICP significar atraso considerável.
médico ponderar, para cada caso, o respetivo
risco/benefício.

Uma das maiores vantagens da fibrinólise é


não necessitar de uma unidade de
hemodinâmica, sendo inclusivamente possível
a sua administração em contexto pré-
hospitalar.
A fibrinólise no pré-hospitalar em doentes com
EAM c/ SST ou manifestações de SCA e
BCRE é benéfica. A eficácia é maior logo após
o início dos sintomas.
O objetivo é a administração de fibrinolíticos
nos primeiros 10 minutos após o diagnóstico
de SCA.
Os doentes com EAM extensos são os que
mais beneficiam da terapêutica fibrinolítica,
sendo os benefícios menos evidentes nos
enfartes inferiores.
Quando o tempo de transporte é relativamente
pequeno, uma estratégia de ECG pré-
hospitalar e pré-aviso do hospital (que vai
receber o doente para realização de fibrinólise)
pode não ser pior que a fibrinólise pré-
hospitalar.
Quando, pelo contrário, o tempo de transporte
é relativamente grande (superior a 60
minutos), a fibrinólise pré-hospitalar pode ser
significativamente superior à hospitalar, em
termos de redução da mortalidade, sobretudo
se o doente se apresenta nas primeiras 2
horas de evolução dos sintomas.

48 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

Tabela 8 - Contraindicações da fibrinólise

Contraindicações da fibrinólise
Absolutas Relativas

 Acidente vascular cerebral hemorrágico  Hipertensão refratária (pressão arterial


prévio; sistólica > 180 mmHg);
 Acidente vascular cerebral isquémico nos  Acidente isquémico transitório nos seis
últimos 3 meses; meses anteriores;
 Lesões do sistema nervoso central  Terapêutica com anticoagulantes orais;
(neoplasias);  Gravidez ou período pós-parto inferior a uma
 Cirurgia major recente (nas três semanas semana;
anteriores), traumatismo crânio encefálico  Reanimação cardiopulmonar traumática;
ou outras lesões do âmbito da grande  Punção vascular não compressível;
traumatologia;  Úlcera péptica ativa;
 Hemorragia interna (excluindo hemorragia  Doença hepática avançada;
menstrual) ou hemorragia gastrointestinal  Endocardite infeciosa;
no mês anterior;  Reação alérgica prévia à terapêutica
 Suspeita ou confirmação de disseção da trombolítica.
aorta;
 Alterações da coagulação conhecidas.

Fármacos Trombolíticos: Tem uma ação curta, requerendo a


administração de heparina durante as
Alteplase (R-TPA) 48 horas seguintes à terapêutica;
Dose – Um bólus de 10 unidades
Complexo esquema de perfusão
seguido de um 2º bólus de 10 unidades
endovenosa;
30 minutos após o 1º.
Tem maior probabilidade de conseguir
a reperfusão do que a estreptoquinase;
Tem uma ação curta, requerendo a Tenecteplase
administração de heparina durante as
48 horas seguintes à terapêutica; Eficácia semelhante à alteplase;
Dose – 15 mg EV em bólus, seguido de Bólus único que tem relação com o
uma perfusão de 0.75 mg/kg durante 1 peso;
hora (regime rápido). Tem uma ação curta, requerendo a
administração de heparina durante as
48 horas seguintes à terapêutica;
Reteplase
Dose – 30 a 50 mg (6000-10000
unidades) de acordo com o peso do
Eficácia semelhante à alteplase;
doente.
Esquema de administração simples –
bólus endovenoso duplo;

I N E M | 49
Suporte Avançado de Vida

5.2.6. Associação da fibrinólise e casos em que a fibrinólise falha (resolução <


intervenção coronária percutânea 50% do SST aos 60-90 minutos) ou na
presença de instabilidade elétrica ou
A fibrinólise e a ICP, para restabelecimento da hemodinâmica, isquémia agravada ou dor
circulação coronária e perfusão do miocárdio, torácica persistente, recomenda-se a
podem ser associadas em vários esquemas. execução de “ICP de recurso”.
Estas estratégias distinguem-se da ICPP, por
Nos doentes em que a fibrinólise falhou é
rotina, durante a qual a angiografia e a
razoável fazer angiografia e ICP quando
reperfusão são feitas dias após a fibrinólise necessário, de acordo com as manifestações
com sucesso. clínicas e/ou insuficiente resolução do SST.
A ICP facilitada é a ICP feita imediatamente a
seguir à fibrinólise, e embora alguns
subgrupos possam beneficiar desta estratégia, 5.2.7. Reperfusão depois de reanimação
não está recomendada por rotina. De facto, há com sucesso
estudos e meta-análises que demonstram pior
prognóstico se a ICP é feita por rotina A doença coronária é a causa mais frequente
imediatamente após ou logo que possível de PCR pré-hospitalar. Muitos destes doentes
depois da fibrinólise, sugerindo a sua têm oclusão coronária aguda com sinais ECG
realização só após alguns dias. de EAM com SST, mas a PCR por doença
coronária aguda também pode ocorrer sem
essas manifestações.
Desaconselha-se a ICP imediatamente a
Nos doentes com EAM c/ SST ou BCRE “de
seguir à fibrinólise (ICP facilitada) por rotina
novo” a seguir à RCE pós-PCR pré-hospitalar
dado que se demonstrou que aumenta o a ICPP é a estratégia de escolha. Assim, deve-
risco de hemorragias e a mortalidade se considerar angiografia de imediato (nas
primeiras 2 horas) nos sobreviventes de uma
PCR sempre que exista elevada suspeição de
SCA em evolução.
A estratégia fármaco-invasiva é a ICP Esta decisão deve ter em consideração o
executada por rotina, mas diferida em várias prognóstico neurológico do doente. A
horas depois da fibrinólise. Preconiza que os probabilidade de recuperação neurológica é
doentes submetidos a fibrinólise eficaz em reduzida caso tenham existido condições
hospital sem ICP sejam encaminhados para desfavoráveis a nível pré-hospitalar:
angiografia e eventual ICP, dentro das 3 a 24  PCR não presenciada;
h após a fibrinólise.  atraso na chegada da equipa do pré-
Em caso de fibrinólise com sucesso hospitalar sem que se tenha praticado
(evidenciada pela clínica e resolução do SST suporte básico de vida (> 10 minutos);
> 50%) demonstrou-se que esta abordagem  presença de ritmo inicial não
“fármaco-invasiva”, que inclui a transferência desfibrilhável;
precoce para angiografia e ICP depois do  20 minutos de manobras de SAV sem
tratamento fibrinolítico, melhora o prognóstico. RCE.
A ICP de recurso é definida como a ICP Os doentes inconscientes que recuperem de
executada por falência da reperfusão PCR pré-hospitalar de causa cardíaca devem
(evidenciada por tratamento fibrinolítico). Nos ser submetidos a hipotermia terapêutica, com

50 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

temperatura entre 32 e 36ºC por > 24 horas. 6.3. EAM com SST
Note-se, no entanto, que a hipotermia se
associa a menor absorção, duração de ação e Nos doentes com EAM c/ SST não tratados
eficácia dos antiagregantes plaquetares orais. com terapêutica de reperfusão (ex. por
apresentação tardia), a estratificação do risco
por prova de esforço pode ser útil, assim que
6. Abordagem subsequente de doentes haja evidência de se ter ultrapassado a fase
com SCA aguda de necrose do miocárdio (ex. febre,
arritmia), e que quaisquer complicações (ex:
6.1. Suspeita de angina instável – doentes insuficiência cardíaca) tenham sido
de baixo risco efetivamente tratadas.
Se foi utilizada terapêutica trombolítica, alguns
Doentes com suspeita de angina instável sem doentes podem ter ficado com estenose grave
história anterior de angina de esforço ou EAM, ou placa instável na artéria coronária
e sem caraterísticas de alto risco na envolvida, e a intervenção percutânea
apresentação (ECG e níveis de troponina coronária pode estabilizar esta situação e
normais após 6 a 8 horas), são elegíveis para reduzir o risco de re-oclusão e o consequente
avaliação precoce de risco (ex. prova de risco de EAM, PCR e morte súbita.
esforço). A prova de esforço pode chamar a atenção
para este risco, mas não é altamente sensível
ou específica neste contexto e existe
6.2. Suspeita de Angina Instável de alto atualmente uma maior tendência para incluir a
risco e EAM sem SST angiografia coronária como parte da
estratificação do risco antes da alta hospitalar
Doentes com angina instável e caraterísticas
neste grupo de doentes.
de alto risco (depressão do segmento ST em
repouso, troponinas positivas ou prova de O papel da “intervenção percutânea facilitada”
esforço precoce positiva) devem ser (na qual a terapêutica trombolítica inicial é
considerados para investigação por seguida de angiografia coronária e intervenção
angiografia coronária durante o internamento percutânea) continua a ser tema de debate.
hospitalar inicial. Muitos destes doentes Em doentes com suspeita de enfarte extenso
beneficiarão de revascularização por do ventrículo direito na apresentação inicial,
intervenção percutânea coronária. Alguns particularmente quando existe hipotensão, é
poderão requerer cirurgia de revascularização de evitar a utilização de nitratos.
coronária. Doentes com EAM s/ SST devem A fluidoterapia endovenosa (cristalóides) pode
ser considerados como grupo de alto risco e ser necessária para aumentar a tensão arterial
abordados de forma semelhante, com e o débito cardíaco.
realização de angiografia coronária precoce
durante o internamento hospitalar inicial, na
maioria dos casos.

I N E M | 51
Suporte Avançado de Vida

7. Complicações dos SCA tratamento imediato dos sintomas. Deve ser


mantida a administração regular de diuréticos
7.1. Arritmias Ventriculares de ansa para controlo sintomático, mas a sua
necessidade e a dose a administrar deve ser
Quando uma arritmia ventricular complica um revista diariamente nos primeiros dias. É
SCA, o seu significado tem que ser necessário assegurar que o tratamento com
interpretado tendo em conta o contexto clínico IECA foi iniciado e a dose aumentada
preciso e o momento de início da arritmia. gradualmente de acordo com a tolerância, até
Quando ocorre paragem cardíaca em FV/ TV atingir a dose alvo. Em doentes com
nas primeiras 24 horas após EAM c/ SST e a intolerância aos IECA, considerar um
recuperação subsequente é isenta de bloqueador dos recetores da angiotensina II.
complicações, o risco de outra arritmia Se for confirmada insuficiência sistólica
ventricular é relativamente baixo e é ventricular esquerda (fração de ejeção < 40%),
determinado por outros fatores, em particular a deve ser iniciado um antagonista da
gravidade da lesão ventricular esquerda. aldosterona (ex. espironolactona).
Se a FV ou a TV sem pulso ocorrer no contexto
de SCA sem elevação do segmento ST, pode
haver um risco continuado de arritmia 7.2.2. Choque cardiogénico
ventricular. Se a arritmia foi causada por
isquémia grave do miocárdio, é necessária O choque cardiogénico, cuja principal causa é
revascularização muito urgente, para prevenir o SCA, consiste em hipotensão grave com
a recorrência da isquémia e reduzir o risco de baixa perfusão periférica, muitas vezes
arritmia. acompanhado por edema pulmonar agudo,
Doentes que desenvolvem FV ou TVsp como alterações do estado mental por hipoperfusão
complicação tardia do EAM, ou fora do cerebral e oligúria causada por má perfusão
contexto de síndrome coronário agudo, estão renal. A mortalidade é muito elevada (até 50%
em risco da paragem cardíaca recorrente e a 30 dias) mas pode ser reduzida por
devem ser urgentemente observados por um revascularização precoce por intervenção
cardiologista, tendo em vista a colocação CDI, percutânea coronária.
antes da alta hospitalar. Alguns doentes podem melhorar com
terapêutica inotrópica, mas esta exige início e
supervisão por alguém experiente no seu uso.
7.2. Outras Complicações dos SCA Outras abordagens terapêuticas como o balão
de contrapulsão aórtico, podem ser benéficas
7.2.1. Insuficiência cardíaca em doentes selecionados, mas exigem
experiência na sua utilização.
Doentes com insuficiência cardíaca como
Quando o choque cardiogénico se desenvolve
complicação de EAM ou de outro síndrome
após EAM com SST, deve ser procurada ajuda
coronário agudo, estão em risco de
diferenciada precocemente, para eventual
deterioração da situação clínica, PCR e morte,
realização de intervenção percutânea
pelo que o tratamento imediato e efetivo da
coronária emergente, que pode ser “life-
insuficiência cardíaca é necessário para
saving” neste contexto.
reduzir o risco. Um diurético de ansa (ex.
furosemida) e/ou nitratos (por via sublingual ou
endovenosa) devem ser administrados para

52 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

7.2.3. Outras arritmias cardíacas com início na unidade de cuidados intensivos


cardíacos e que progride através de uma
A ocorrência de fibrilhação auricular (FA) no abordagem baseada na comunidade, com
contexto de um síndrome coronário agudo é modificação do estilo de vida e implementação
habitualmente indicadora de algum grau de de medidas de prevenção secundária.
insuficiência ventricular esquerda: o
tratamento deve ser dirigido não só ao controlo
da frequência ou ritmo cardíaco, mas também Prevenção Secundária
à insuficiência ventricular esquerda.
A ocorrência de bloqueio auriculoventricular Em doentes com doença coronária
(BAV) no contexto de EAM da parede inferior estabelecida, medidas gerais para reduzir o
está muitas vezes associada a hiperatividade risco cardiovascular (prevenção secundária)
vagal. Os QRS são estreitos na maior parte podem diminuir a probabilidade de futuros
dos casos e a frequência cardíaca pode não eventos coronários (incluindo morte súbita) e
ser excessivamente lenta. A bradicardia acidentes vasculares cerebrais.
sintomática neste contexto deve ser tratada
com atropina e o pacing cardíaco temporário
só deve ser considerado se a bradicardia e 8.1. Terapêutica antitrombótica
hipotensão persistem após administração de
atropina. O BAV completo neste contexto é A profilaxia anti-plaquetária continuada está
habitualmente transitório e o pacing indicada em todos os doentes. A maioria dos
permanente raramente é necessário. doentes deve fazer diariamente baixas doses
de ácido acetilsalicílico (a partir de 75 mg/dia).
Quando o BAV ocorre no contexto de EAM
Doentes de alto risco e doentes submetidos a
anterior, habitualmente implica lesão extensa
ICP devem fazer ticagrelor 90 mg 2 id,
do miocárdio e mau prognóstico. Os QRS são
prasugrel 10 mg/dia ou clopidogrel 75 mg/dia.
habitualmente alargados e a frequência
As guidelines atuais recomendam a duração
cardíaca baixa e resistente à utilização de
do tratamento durante pelo menos um ano.
atropina. O pacing cardíaco temporário é
frequentemente necessário e não deve ser
protelado. Muitos, mas não todos os doentes
8.2. Preservação da função ventricular
que sobrevivem a esta situação, requerem um
esquerda
pacemaker permanente.
O prognóstico após EAM é determinado
parcialmente pela gravidade da disfunção
8. Reabilitação cardíaca ventricular esquerda resultante. O tratamento
após o EAM com um IECA pode reduzir o
Em todos os doentes após um EAM um
remodeling que contribui para a dilatação
programa efetivo de reabilitação cardíaca
ventricular e quando existe disfunção sistólica
pode acelerar o regresso à atividade normal, e a utilização do IECA pode diminuir o risco e a
devem ser encorajadas medidas que reduzam
gravidade de insuficiência cardíaca
o risco de eventos adversos no futuro. Existe
subsequente e a possibilidade de novo EAM e
evidência científica que um programa de
morte. A avaliação ecocardiográfica da função
reabilitação cardíaca efetivo reduz a ventricular esquerda, está indicada nos
necessidade de readmissão hospitalar. A primeiros dias após um síndrome coronário
reabilitação cardíaca é um processo contínuo,

I N E M | 53
Suporte Avançado de Vida

agudo, para avaliar o risco e identificar quais 8.4. Supressão dos hábitos tabágicos
os doentes que mais beneficiam deste tipo de
tratamento. A maioria dos doentes com EAM Tão importante como a redução do risco é a
deve ser considerado para tratamento com eliminação de outros fatores de risco evitáveis,
IECA nos primeiros dias após o EAM, que como o tabagismo. Informação,
deve ser instituído nas primeiras 24 horas após encorajamento e apoio aos doentes para
o início dos sintomas. Nos doentes com abandonarem os hábitos tabágicos devem
intolerância aos IECA’s podem ser usados os começar numa fase precoce após a ocorrência
ARA II. de um síndrome coronário agudo.
Os betabloqueadores também têm impacto na
redução da mortalidade, mas só devem ser
iniciados, em baixas doses, após o doente 8.5. Terapêutica antihipertensora
estar estabilizado.
Um controlo eficaz da hipertensão arterial,
através de fármacos e de medidas não
farmacológicas, diminui o risco de AVC e de
8.3. Redução dos valores de colesterol
insuficiência cardíaca e contribui para alguma
Uma maior redução do risco pode ser redução no risco de futuros eventos
coronários.
eficazmente conseguida, por diminuição
efetiva dos níveis de colesterol, mais
especificamente a diminuição do colesterol-
LDL. As estatinas reduzem o risco de eventos
coronários futuros em cerca de 30%, devem
por isso ser iniciadas em todos os doentes com
SCA nas primeiras 24 horas após o início dos
sintomas. Uma dieta pobre em gorduras, rica
em fibras e atividade física regular,
complementam a supressão farmacológica
dos níveis de colesterol.

54 | I N E M
Abordagem Inicial dos Síndromes
Coronários Agudos

Pontos a reter

 Os síndromes coronários agudos incluem a angina instável, o enfarte agudo de miocárdio


sem supradesnivelamento do segmento ST e o enfarte agudo de miocárdio com
supradesnivelamento do segmento ST;

 Uma rápida abordagem inicial com recurso à história clínica, exame objetivo e ECG de 12
derivações é útil para o diagnóstico e permite determinar o risco imediato e a necessidade
de terapêutica de reperfusão;

 O ECG deve ser realizado a todos os doentes com clínica sugestiva de SCA até 10 minutos
após o primeiro contacto médico, e interpretado no local ou à distância;

 A abordagem efetiva e o tratamento imediato dos doentes com síndromes coronários agudos
reduz o risco de PCR e morte.;

 Devem ser administrados aos doentes com síndromes coronários agudos ácido
acetilsalicílico e ticagrelor, e eventualmente morfina, nitroglicerina e um antitrombínico;

 Deve ser considerada terapêutica de reperfusão imediata em doentes com EAM


acompanhado por elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo “de novo”;

 A escolha entre fibrinólise e angioplastia depende da análise multifatorial, desde duração dos
sintomas, disponibilidade de unidade com ICP, entre outros;

 É importante preservar a função do VE após o SCA, quer com alterações do estilo de vida
quer com terapêutica farmacológica (fatores de risco).

I N E M | 55
Suporte Avançado de Vida

VI. ABORDAGEM DA VIA AÉREA E VENTILAÇÃO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá ser capaz de:


 Reconhecer a obstrução da via aérea;
 Permeabilizar e manter permeável a via aérea;
 Fornecer ventilação artificial usando técnicas básicas;
 Executar a abordagem avançada da via aérea e ventilação;
 Identificar as situações em que a cricotirotomia pode estar indicada.

1. Introdução Pode ocorrer a qualquer nível desde o nariz e


boca até à traqueia. No doente inconsciente, o
Os doentes que requerem reanimação têm local mais comum de obstrução da via aérea,
frequentemente obstrução da via aérea, é ao nível da faringe.
geralmente como resultado da depressão do Até há pouco tempo esta obstrução era
estado de consciência, mas, ocasionalmente, atribuída à queda da língua para trás,
como causa primária da paragem resultante da perda do tónus normal dos
cardiorrespiratória. músculos que ligam a língua ao maxilar inferior
Nesses casos a avaliação imediata da via e à base da língua, como consequência da
aérea, a sua permeabilização e a ventilação perda de consciência. A causa precisa da
são essenciais, não apenas para prevenir obstrução da via aérea em doentes
lesões hipóxicas cerebrais e de outros órgãos inconscientes foi identificada estudando
vitais, mas também porque sem uma re- pacientes sob anestesia geral. Estes estudos
oxigenação adequada pode ser impossível pôr mostraram que a obstrução ocorre devido ao
em funcionamento um miocárdio “parado ‟. relaxamento do palato mole e da epiglote, e
Na base da avaliação da vítima está sempre a não à queda da língua.
metodologia ABC(DE). A obstrução também pode ser causada pelo
Há três manobras que podem melhorar a vómito ou pelo sangue (resultante de
permeabilidade da via aérea obstruída pela regurgitação do conteúdo gástrico ou trauma)
língua ou outras estruturas da via aérea e ainda por corpos estranhos.
superior: extensão da cabeça, elevação do A obstrução a nível da laringe pode ocorrer por
mento e protusão da mandíbula. edema de estruturas da via aérea superior, na
sequência de queimaduras, inflamação ou
anafilaxia.
2. Causas de obstrução da via aérea O espasmo laríngeo pode ainda resultar de
uma resposta excessiva à estimulação da via
A obstrução da via aérea pode ser, quanto à aérea superior ou devido à inalação de um
gravidade, grave ou ligeira. O mecanismo da corpo estranho.
obstrução pode ser parcial ou total (ou
A obstrução da via aérea abaixo da laringe é
completa).
menos comum, mas pode surgir devido a
secreções brônquicas excessivas, edema da

56 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

mucosa, broncospasmo, edema pulmonar,


aspiração do conteúdo gástrico, hemorragia
pulmonar e pneumotórax secundário a trauma
torácico ou barotrauma.

Tabela 9 - Distinção entre obstrução da via aérea por corpo estranho quanto à gravidade (ligeira vs grave)

Sinal Obstrução ligeira Obstrução grave

“Está sufocado?” “Sim” Incapaz de falar, pode acenar

Não ventila / ventilação


Consegue falar, tossir e
Outros sinais * ruidosa/ tosse inaudível /
respirar (pode haver estridor)
inconsciente
* sinais gerais de OVA: durante alimentação, vítima aponta para o pescoço

3. Reconhecimento da obstrução da  O estridor, som associado ao


via aérea espasmo laríngeo pode causar grande
desconforto ao doente.
A forma mais adequada de reconhecer a A obstrução completa da via aérea num doente
obstrução da via aérea é proceder à ainda a fazer esforço ventilatório resulta num
metodologia: movimento ventilatório paradoxal. A
 Ver, Ouvir e Sentir – VOS observação revela que quando o doente tenta
Procurando Ver movimentos torácicos inspirar a parede torácica levanta, mas o
e abdominais; abdómen é empurrado para dentro.
Ouvir os sons provocados pela O padrão normal da ventilação é um
ventilação; movimento síncrono para cima e para fora do
abdómen (que é empurrado para baixo pelo
Sentir, através da face, o fluxo de ar
diafragma) com o levantamento da parede
saindo pela boca e nariz;
torácica.
Quando a obstrução é parcial a entrada de ar
Durante a obstrução da via aérea outros
está diminuída e geralmente é ruidosa:
músculos acessórios da ventilação são
 O estridor inspiratório sugere chamados a participar, como os do pescoço e
obstrução ao nível ou acima da laringe; os músculos dos ombros, tentando auxiliar o
 Sibilo expiratório sugere obstrução movimento da caixa torácica.
das vias aéreas inferiores que
É necessário proceder ao exame completo do
colapsam durante a expiração;
pescoço, do tórax e abdómen para diferenciar
 O gorgolejo sugere a presença de
movimentos paradoxais que podem mimetizar
líquido ou material estranho
uma ventilação normal.
semissólido na via aérea principal;
O exame deve incluir o VOS, confirmando a
 O ressonar surge quando a faringe
ausência de ruídos ventilatórios, de modo a
está parcialmente ocluída pelo palato
mole ou epiglote;

I N E M | 57
Suporte Avançado de Vida

diagnosticar corretamente uma obstrução aliviando a obstrução causada pelo palato


completa da via aérea. mole e epiglote. Pode também ser usada
Quando tentamos ouvir o fluxo de ar devemos quando há uma obstrução nasal e a boca
lembrar-nos que a ventilação normal é calma e precisa de ser aberta para conseguir uma via
o som suave, que na obstrução completa há aérea.
silêncio total e que qualquer ruído ventilatório A protusão da mandíbula é a técnica de
indica obstrução parcial da via aérea. Se a escolha nos doentes em que há uma suspeita
obstrução da via aérea não for resolvida em de lesão da coluna cervical.
poucos minutos, de forma a permitir ventilação
adequada, podem ocorrer lesões do sistema
nervoso e outros órgãos vitais por hipóxia, 4.1 Extensão da cabeça e elevação do
levando a paragem cardíaca a curto prazo, a mento
qual pode ser irreversível.
Na vítima inconsciente há disfunção dos
músculos da língua, faringe, pescoço e laringe
4. Permeabilização da via aérea usando que pode causar incapacidade em manter a
técnicas básicas permeabilidade da via aérea quando a cabeça
está numa posição neutra ou em flexão.
Uma vez reconhecido qualquer grau de Assim, podemos ter vítimas inconscientes com
obstrução, devem ser tomadas de imediato obstrução da via aérea causada pelo palato
medidas para permeabilizar a via aérea. mole e epiglote e outras estruturas da via
aérea superior mesmo quando se encontram
Existem três manobras que podem ser usadas
em decúbito lateral ou ventral.
para permeabilizar a via aérea obstruída por
estruturas da via aérea superior, num doente Geralmente, este tipo de obstrução resolve-se
inconsciente: com a extensão da cabeça e elevação do
mento.
 Extensão da cabeça;
 Elevação do mento (queixo);
 Protusão da mandíbula.
A gravidade só por si não explica a obstrução
da via aérea num doente inconsciente, já que
a obstrução pode ocorrer quando um doente
está na posição supina, em pronação ou em
posição lateral. A atividade anormal de vários
músculos da língua, faringe, pescoço e laringe
pode resultar numa incapacidade de manter a
permeabilidade da via aérea quando a cabeça Figura 11 – Permeabilização da VA: Extensão da
está numa posição neutra ou fletida. cabeça e elevação do mento
O uso de um tubo orofaríngeo (descrito mais
adiante) pode ser de alguma utilidade, mas Tal como já foi referido anteriormente, esta
pode não ser, por si só, o suficiente para técnica não deve ser usada em vítimas em
prevenir a obstrução. relação às quais existe suspeita de
A protusão da mandíbula é uma manobra traumatismo da coluna cervical, dado que a
alternativa que a projeta para a frente,

58 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

extensão da cabeça pode agravar lesões Estes métodos simples têm sucesso na
existentes a nível da coluna cervical. maioria dos casos em que a obstrução da via
aérea resulta de um relaxamento dos tecidos
moles.
4.1.1. Abordagem da via aérea com Depois de cada manobra deve avaliar-se o
suspeita de lesão da coluna cervical sucesso usando a metodologia VOS. Em caso
de insucesso é necessário procurar outras
Nestes doentes a extensão da cabeça e causas de obstrução da via aérea.
elevação do mento podem resultar em lesão
Um corpo estranho sólido visível na boca deve
da medula cervical.
ser removido usando os dedos, uma pinça ou
O método recomendado para permeabilizar a por aspiração.
via aérea é a protusão da mandíbula em
Próteses dentárias deslocadas ou partidas
combinação com alinhamento e estabilização
devem ser removidas, mas aquelas que
manual da cabeça e do pescoço.
estiverem bem adaptadas, não devem ser
É necessário que um assistente mantenha a retiradas já que podem ajudar a manter os
cabeça numa posição neutra. contornos da face, facilitando uma boa
selagem para a ventilação boca-a-boca ou
com máscara facial.
Procedimento para efetuar a protusão da
mandíbula
5. Adjuvantes para técnicas básicas da
 Identificar o ângulo da mandíbula com
o dedo indicador; via aérea
 Com os outros dedos colocados atrás
Acessórios simples são muitas vezes úteis, e
do ângulo da mandíbula aplicar uma
por vezes essenciais, para manter a
pressão mantida para cima e para
permeabilidade da via aérea, particularmente
frente de modo a levantar o maxilar
quando a reanimação é prolongada.
inferior;
Os tubos orofaríngeos e nasofaríngeos evitam
 Usando os polegares abrir ligeiramente
o deslocamento do palato mole e da língua
a boca através da deslocação do
para trás num doente inconsciente, mas a
mento para baixo.
extensão da cabeça ou a protusão da
mandíbula podem também ser necessários.
A posição da cabeça e do pescoço deve ser
mantida com o objetivo de conseguir o
alinhamento da via aérea.

5.1. Tubos Orofaríngeos

Tubos orofaríngeos são tubos de plástico


curvos e achatados, reforçados na
extremidade oral, para permitir que se
Figura 12 - Permeabilização da VA: Protusão da mandíbula adaptem perfeitamente entre a língua e o
palato duro.

I N E M | 59
Suporte Avançado de Vida

O tamanho do tubo adequado é aquele cujo


comprimento correspondente à distância entre
os incisivos e o ângulo da mandíbula da vítima.
Durante a inserção do tubo orofaríngeo a
língua pode ser empurrada para trás,
agravando a obstrução em vez de a aliviar.
Pode ocorrer vómito ou laringospasmo se os
reflexos glossofaríngeo e laríngeo estiverem
presentes. A inserção de um tubo orofaríngeo
deve ser reservada apenas para vítimas em
estado comatoso. Figura 13 - Tubo Orofaríngeo: medição e colocação

A colocação correta verifica-se pela melhoria


Procedimento para inserir o tubo
da permeabilidade da via aérea e pela
orofaríngeo
adaptação da secção achatada reforçada ao
 nível dos dentes do doente.
Selecionar o tubo orofaríngeo indicado;

Abrir a boca e verificar se não existem Após a inserção deve-se verificar a
corpos estranhos que possam ser permeabilidade da via aérea e ventilação
empurrados para a faringe durante a usando mais uma vez a técnica VOS.
introdução do tubo;

Se forem visíveis, retirá-los
previamente à inserção do tubo; 5.2. Tubos Nasofaríngeos

Introduzir o tubo orofaríngeo na
São feitos de plástico maleável com uma
cavidade oral em posição invertida, isto
extremidade em bisel. São muitas vezes
é, com a parte convexa virada para a
melhor tolerados do que os tubos orofaríngeos
língua;

em doentes que não estão profundamente
Introduzi-lo até passar o palato duro e
inconscientes e podem ser muito úteis em
então rodá-lo 180º, de forma que a
doentes com mandíbulas fechadas, com
parte côncava fique virada para a
“trismus” ou com lesões maxilo-faciais.
língua, e continuar a empurrar em
direção à faringe; No entanto, não devem ser utilizados em
doentes com suspeita de fratura da base do
 Se a qualquer momento sentir que a
crânio.
vítima reage à introdução do tubo, por
exemplo tossindo, deve retirá-lo Os tubos têm tamanhos em milímetros de
imediatamente. acordo com o seu diâmetro interno e com o
comprimento. O comprimento aumenta com o
Esta técnica de rotação minimiza a
diâmetro. Os tamanhos utilizados nos adultos
possibilidade de empurrar a língua para trás. O
vão de 6 a 7 milímetros (para escolha do
doente deve, no entanto, estar suficientemente
tamanho do tubo a utilizar não deve utilizar-se
inconsciente para não ter o reflexo de vómito
como referência o diâmetro do 5º dedo do
ou lutar contra o tubo.
doente ou o diâmetro das narinas).
A inserção pode causar danos na mucosa
nasal resultando em hemorragia (até 30% dos

60 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

casos). Se o tubo é demasiado longo pode 6. Técnicas de abordagem básica da


estimular o reflexo laríngeo ou glossofaríngeo via aérea
e provocar laringospasmo ou vómito.
O comprimento adequado do tubo é aquele A ventilação com ar expirado pode ser iniciada
cujo comprimento correspondente à distância em qualquer local sem recursos a qualquer
entre a asa do nariz e o ângulo da mandíbula equipamento, no entanto, proporciona apenas
da vítima. cerca de 16% de oxigénio. Há situações em
que esta técnica não é exequível como no
Pode ser fixado com adesivo; alguns modelos
caso da presença de sangue ou vómito na
têm um alfinete de segurança ou um batente
boca ou pelo risco de infeções ou intoxicações.
de borracha que evitam que o tubo possa
progredir distalmente. Existem dispositivos que permitem interpor
uma barreira entre o reanimador e a vítima e,
por vezes, administrar simultaneamente
Procedimento para inserir o tubo oxigénio de forma a aumentar a concentração
nasofaríngeo de oxigénio no ar expirado. São designadas
 por máscaras de bolso ou “pocket masks”.
Verificar a permeabilidade da narina
(preferencialmente a direita);

Lubrificar o tubo usando lidocaína em
gel ou similar;

Inserir a extremidade biselada
verticalmente ao longo do pavimento
do nariz com um ligeiro movimento de
rotação;

Introduzir o comprimento calculado até Figura 15 – Máscara de Bolso
que a extremidade biselada fique na
faringe;
 Se existir dificuldade na progressão, 6.1. Ventilação com ar expirado com
deve-se remover o tubo e tentar a máscara de bolso (ventilação boca-
outra narina. máscara)

A máscara de bolso é um dispositivo composto


por uma máscara facial, com uma válvula
unidirecional. A válvula unidirecional permite
ao reanimador soprar para o interior da boca
da vítima e que o ar expirado pela vítima não
reflua para o reanimador, sendo eliminado por
um orifício de escape. Fica, assim, isolada a
via aérea da vítima da do reanimador.
São habitualmente transparentes para permitir
detetar a presença de sangue, secreções ou
Figura 14 - Tubo Nasofaríngeo: medição e colocação
vómito que possam surgir. Algumas têm uma
conexão para ligação de oxigénio
suplementar.

I N E M | 61
Suporte Avançado de Vida

Existem duas técnicas para efetuar a fazer a elevação do maxilar inferior e


ventilação boca-máscara: faça simultaneamente a extensão da
 A posição lateral, em que o cabeça;
reanimador se coloca ao lado da  Comprima apenas na margem da
vítima, implica a permeabilização da máscara para que não existam fugas
via aérea por extensão da cabeça e de ar;
elevação do mento, e é a adequada  Faça insuflações soprando na válvula
para a situação de SBV a 1 reanimador unidirecional, observando a expansão
quando a vítima se encontra em PCR, do tórax.
dado que com esta técnica o
reanimador está posicionado de forma
a poder efetuar compressões e 6.1.2. Procedimento - posição cefálica:
insuflações;
 Coloque-se acima da cabeça da vítima
 A posição cefálica, em que o e aplique a máscara na face da vítima,
colocando o bordo mais estreito da
reanimador se coloca acima da cabeça
máscara no sulco mentoniano e o
da vítima, é adequada para a situação
vértice da mesma acima do nariz;
de paragem respiratória, quando o
 Coloque os polegares e a base das
reanimador está sozinho ou no caso de mãos ao longo dos bordos maiores da
SBV a dois reanimadores. Esta máscara e os indicadores e os
posição permite boa observação da restantes dedos debaixo do ângulo da
expansão torácica uma vez que o mandíbula;
reanimador olha diretamente para o  Pressione a máscara contra a face da
tórax da vítima e é a posição adequada vítima com os polegares e base da mão
ao mesmo tempo que efetua a
quando se permeabiliza a via aérea por
elevação da mandíbula com os
protusão da mandíbula.
indicadores, de forma a não existirem
fugas de ar;
 Se a situação da vítima o permitir faça
6.1.1. Procedimento - posição lateral: simultaneamente a extensão da
cabeça;
 Coloque-se ao lado da vítima para que  Faça insuflações soprando na válvula
possa efetuar insuflações e unidirecional, observando a expansão
compressões; do tórax.
 Aplique a máscara na face da vítima tal
como descrito anteriormente;
 Pressione a máscara contra a face da
vítima com o polegar e indicador (da
mão mais próxima da cabeça) sobre o
vértice da máscara e o polegar e o
indicador da outra mão no bordo da
máscara, junto ao mento;
 Coloque os restantes dedos ao longo Figura 16 - Ventilação com máscara de bolso - posição
do bordo da mandíbula de forma a cefálica

62 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

Uma forma alternativa de fixar a máscara Existem insufladores manuais de vários


nesta técnica é colocar os polegares e tamanhos: os adequados à ventilação de
indicadores em círculo ao longo dos bordos da adultos (capacidade de 1600 mL), os
máscara e usar os restantes dedos de ambas pediátricos (450-500mL) e os neonatais (250
as mãos para fazer a elevação da mandíbula mL). Estes últimos podem, no entanto, não
e a extensão da cabeça. permitir a correta ventilação de recém-
nascidos com alguns dias ou lactentes.
O insuflador manual pode ser conectado a
6.2. Insuflador manual uma máscara, ao tubo endotraqueal ou aos
dispositivos supraglóticos.
O Insuflador manual é o dispositivo mais
Existem máscaras de vários tamanhos,
frequentemente utilizado para ventilação dos
devendo ser selecionada uma que permita
doentes em paragem respiratória.
tapar completamente a boca e nariz da vítima
Vulgarmente conhecido por “AMBU” é
e que, ao ser colocada com um bordo no sulco
composto por um balão de material plástico
mentoniano, não tape os olhos da vítima.
autoinsuflável, com uma válvula unidirecional,
acoplado a uma máscara facial, semelhante à A sua utilização eficaz requer treino
máscara de bolso. continuado dado que é necessário efetuar em
simultâneo vários movimentos: extensão da
cabeça, elevação do mento, pressão da
máscara sobre a face e insuflação do balão. A
má técnica pode causar hipoventilação ou
distensão gástrica e regurgitação.

Figura 17 – Insuflador manual

Sem oxigénio suplementar, durante a


compressão do balão, o ar é insuflado para os
pulmões com ar ambiente (21% de oxigénio).
Figura 18 - Ventilação com insuflador
O relaxamento do balão permite que o ar
manual - 2 reanimadores
expirado saia através da válvula unidirecional
e que o insuflador encha por uma válvula na Não havendo boa adaptação da máscara à
extremidade oposta. face da vítima existem fugas de ar que
impedem uma correta ventilação. A fuga de ar
O insuflador manual tem uma conexão para
não se compensa aumentando a velocidade
ligar uma fonte de oxigénio e permite obter
de compressão do balão que, tal como nos
concentrações de oxigénio da ordem dos 50%.
outros métodos de ventilação, deve ser lenta
Se for utilizado um sistema de reservatório de
durante a fase de insuflação de ar, pelos
oxigénio, simultaneamente com um débito de
motivos já anteriormente expostos. Se
oxigénio superior a 10 litros / minuto, podem
ocorrerem fugas de ar deve ser revisto o
atingir-se concentrações próximas dos 90%.

I N E M | 63
Suporte Avançado de Vida

posicionamento das mãos e a localização da  Sopre continuamente para o interior da


máscara na face da vítima. boca da vítima, observando
O insuflador manual deve ser utilizado quando simultaneamente a expansão do tórax;
se encontram presentes dois reanimadores, deverá demorar cerca de 1 Seg.;
com treino na sua utilização, um deles adapta  Afaste a sua boca da boca da vítima,
a máscara à face da vítima com ambas as mantendo o posicionamento da cabeça
mãos (tal como descrito em relação à máscara da vítima, para permitir a saída do ar.
facial em posição cefálica) e o outro comprime
lentamente o balão para efetuar a insuflação
de ar. 6.3.2. Boca-nariz:
Deve estar garantida a permeabilidade da via
A ventilação boca-nariz está recomendada
aérea, sendo útil a colocação de um tubo
quando é impossível ventilar pela boca, o que
orofaríngeo, mas é fundamental a manutenção
pode acontecer por:
do correto posicionamento da cabeça em
extensão e elevação do mento.  Impossibilidade de abrir a boca da
vítima;
No caso de a vítima se encontrar em PCR, um
reanimador adapta a máscara e mantém o  Existência de lesões graves da face;
posicionamento da cabeça, enquanto o outro  Dificuldade em conseguir uma boa
efetua alternadamente as compressões e as adaptação da boca à boca da vítima.
insuflações. Para ventilar por este método deve manter a
cabeça da vítima inclinada para trás, com uma
mão na testa, usar a outra mão para levantar
6.3. Variantes das Técnicas de Ventilação o maxilar e simultaneamente cerrar os lábios.
Deve, então, fazer uma inspiração profunda,
6.3.1. Boca-a-boca: colocar a sua boca à volta do nariz da vítima e
insuflar, fazendo duas insuflações pausadas
 Assegure que a cabeça da vítima
(tal como descrito anteriormente). Quando
permanece em extensão e o mento retira a boca a vítima expira passivamente,
levantado, mantendo a palma de uma
podendo ser necessário abrir
mão na testa da vítima e os dedos intermitentemente a boca da vítima para
indicador e médio da outra mão no permitir a expiração.
bordo da mandíbula;
A técnica de ventilação boca-nariz pode ainda
 Tape o nariz da vítima pinçando-o entre
ser adequada para iniciar precocemente a
os dedos polegar e o indicador da mão
ventilação no salvamento de vítimas de
que está na testa;
submersão (afogamento). Neste caso as mãos
 Mantenha a extensão da cabeça e a
são habitualmente necessárias para suportar a
elevação do mento sem fechar a boca
cabeça da vítima fora de água podendo não
da vítima;
ser possível efetuar a ventilação boca-a-boca.
 Inspire profundamente, isto é, encha
bem o peito com ar;
 Coloque os lábios à volta da boca da 6.3.3. Boca-estoma:
vítima, certificando-se que não há fuga
de ar; Algumas pessoas, por motivo de doença ou de
acidente, são operadas à laringe, ficando com

64 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

ela total ou parcialmente removida ou mesmo Se a via aérea estiver permeável, a respiração
obstruída. Neste caso, as pessoas passam a agónica ocasional e a retração passiva do
respirar por um orifício que comunica tórax podem assegurar alguma ventilação,
diretamente com a traqueia e que se situa na mas só do espaço morto.
base do pescoço, imediatamente acima do Modelos matemáticos demonstram que, na
esterno (estoma ou orifício de traqueostomia). reanimação só com compressões torácicas, as
O procedimento para ventilação boca-estoma reservas de oxigénio arterial se esgotam em 2-
é em tudo semelhante à ventilação boca-a- 4 minutos. As compressões torácicas isoladas
boca: podem ser suficientes apenas nos primeiros
 Feche o nariz e a boca da vítima; minutos pós-colapso. No adulto o resultado da
 Inspire profundamente; reanimação com compressões torácicas sem
 Coloque a sua boca à volta do orifício ventilação é muito melhor do que o que
do estoma; acontece nos casos de paragem não asfíxica
sem nenhum SBV.
 Sopre lentamente até ver o tórax
expandir; A reanimação só com compressões torácicas
 Retire a boca do estoma para permitir não é um método de reanimação eficaz para
a saída de ar. paragens cardíacas de origem não cardíaca
(por exemplo, afogamento) quer em adultos
Nesta situação, não é necessário fazer a
quer em crianças.
extensão da cabeça para permeabilizar a via
aérea, uma vez que o orifício de traqueostomia O método de reanimação preferencial, quer
se encontra localizado em comunicação direta para profissionais quer para leigos, é a
com a traqueia. compressão torácica associada à ventilação.
Pode sair ar pela boca e/ou nariz da vítima
durante a ventilação boca-estoma, impedindo
a correta ventilação, o que pode ser evitado 7. Técnicas de abordagem avançada da
encerrando a boca e o nariz da vítima com via aérea
uma das mãos.
Pode estar inserida no estoma uma cânula de A entubação endotraqueal é o melhor método
traqueostomia (tubo de plástico rígido) que de ventilar eficazmente mantendo uma via
deve ser retirada caso esta não esteja aérea permeável e segura, mas requer muita
permeável (por exemplo, por acumulação de experiência e treino para a sua execução.
secreções) e não for possível a sua Tentativas prolongadas para entubação são
desobstrução. Se a cânula estiver permeável a prejudiciais, uma vez que a interrupção das
ventilação pode ser efetuada soprando na compressões torácicas durante essas
cânula. tentativas vai comprometer a perfusão
coronária e cerebral.
Vários dispositivos têm sido utilizados no
6.3.4. Reanimação só com compressões: manuseio da via aérea durante a RCP em
alternativa à ventilação com máscara facial e à
Há profissionais de saúde e leigos que têm entubação endotraqueal. Eles são designados
relutância em fazer ventilação boca-a-boca, de dispositivos supraglóticos (DSG),
especialmente se a vítima em PCR é introduzidos na prática clínica em 1988 com a
desconhecida. máscara laríngea clássica (ML). Estes
dispositivos sofreram a evolução lógica

I N E M | 65
Suporte Avançado de Vida

adaptada às necessidades práticas de Procedimento para colocar a máscara


segurança em termos de ventilação e laríngea:
prevenção da regurgitação de conteúdo
gástrico, sendo os dispositivos mais  Escolher a máscara laríngea de
consensuais designados de DSG de segunda tamanho adequado ao peso descrito
geração. Entre estes encontram-se por no dispositivo e desinsuflar totalmente
exemplo a máscara laríngea ProSeal, I-gel, o cuff (os tamanhos 3, 4 ou 5 são
Supreme, tubo laríngeo e Combitube. apropriados para a maioria dos
adultos);
 Lubrificar com gel apenas a face
7.1. Máscara laríngea clássica externa da zona do cuff (na parte que
não está em contacto com a laringe);
É um tubo de grande calibre que tem numa das  Colocar o doente em decúbito dorsal
extremidades um cuff em forma de elipse, com a cabeça e pescoço alinhados
adaptável à abertura laríngea. Pode ser (idealmente o pescoço deve estar
facilmente introduzido com uma alta taxa de ligeiramente fletido e a cabeça
sucesso após um curto período de treino e ligeiramente em extensão);
permitindo uma ventilação mais eficiente e  Se o doente não pode ser abordado por
mais fácil do que a conseguida com o trás da cabeça a máscara laríngea
insuflador manual e máscara. Embora não pode ser introduzida pela frente;
garantindo uma proteção total da via aérea, a segurando o tubo como uma caneta
aspiração pulmonar associada ao uso da introduzir a máscara laríngea na boca,
máscara laríngea é rara, desde que não se com a abertura distal orientada para os
gerem pressões de insuflação elevadas. pés do doente;
Devem evitar-se pressões superiores a 20cm  Avançar a máscara laríngea
H2O. A inserção da máscara laríngea não deslizando-a ao longo do palato duro
requer extensão acentuada da cabeça até à parede posterior da faringe;
podendo ser o dispositivo de escolha na  Pressionar a máscara para trás e para
presença de lesão cervical. Pelo reduzido baixo até sentir resistência (isso
treino que exige, a máscara laríngea mostrou- corresponde localização da máscara
se fiável para ser usada na reanimação por na hipofaringe);
médicos, enfermeiros e paramédicos. Tal  Insuflar o cuff com o volume de ar
como a maioria dos dispositivos pode ser adequado (máscara nº 3: 20mL;
reutilizável ou de uso único. Serviu de modelo máscara nº 4: 30mL; máscara nº 5:
para todos os DSG que surgiram 40mL); se a inserção foi correta o tubo
posteriormente. será levantado ligeiramente (1 a 2cm)
para fora da boca;
 Confirmar a permeabilidade da via
aérea e ventilação auscultando e
observando a expansão torácica. Se
existir grande fuga é sugestivo de mau
posicionamento da máscara laríngea;
 Se após 30 segundos não tiver sido
Figura 19 - Máscara laríngea
conseguido o correto posicionamento,

66 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

retirar a máscara laríngea e proceder à As vantagens destas características permitem:


oxigenação com ventilação com - Melhoria da selagem da via aérea,
insuflador manual e máscara. permitindo ventilação com pressão
mais elevada na via aérea (pressão
média de 32 cm H2O);
Inconvenientes:
- Colocação de sonda através do canal
de drenagem para aspiração de
Os doentes que não estão profundamente
conteúdo esofágico ou distal.
inconscientes podem reagir à máscara
laríngea tossindo e desenvolvendo espasmo A sua colocação é em tudo semelhante à
laríngeo; colocação da ML clássica embora possa ser
utilizado um introdutor próprio para ajudar a
Se não for usada uma técnica rigorosa pode
técnica. É reutilizável.
não ser conseguida uma boa permeabilização
da via aérea com a máscara laríngea, pelo que
se tal acontecer a máscara deve ser retirada e
recolocada;
Nos casos em que a pressão nas vias aérea
está elevada (por exemplo, broncospasmo,
DPOC) pode ocorrer hipoventilação por fuga
excessiva de ar, apesar da insuflação do cuff,
existindo neste caso o risco de insuflação
gástrica;
Pode acontecer, embora seja raro, o
Figura 20 - Máscara Laríngea
deslocamento da epiglote para baixo Proseal
agravando a obstrução da via aérea por
oclusão da entrada da laringe. Retirar e efetuar
nova tentativa de colocação;
A colocação de máscara laríngea requer 7.3. I-Gel
prática, a qual deve ser conseguida em
Tem as seguintes características:
ambiente controlado e supervisionado, (por
exemplo: bloco operatório).  É de uso único;
 Não possui cuff; a parte terminal é feita
a partir de elastómero termoplástico e
7.2. Máscara laríngea ProSeal não requer insuflação; tem a forma
posterior de uma ML insuflada e a
Apresenta várias modificações relativamente à forma anterior desenhada para se
ML clássica: adaptar às estruturas perilaríngeas;
 Canal de drenagem gástrica;  Possui canal de drenagem gástrico
 2º cuff esofágico posterior; estreito;
 Tubo reforçado com estrutura anti  Tubo reforçado com estrutura anti
mordedura. mordedura.
Diferencia-se pela sua facilidade de inserção,
requerendo treino mínimo. Consegue obter
selagem da via aérea para pressões de 20-24

I N E M | 67
Suporte Avançado de Vida

cmH2O. Estas duas características tornam-na 7.5. Combitube


atrativa como dispositivo para o manuseio da
via aérea durante a RCP para profissionais É um tubo de duplo lúmen introduzido “às
com pouca experiência em entubação cegas” pela orofaringe e possibilita a
traqueal. ventilação quer o dispositivo entre na traqueia
Com exceção para a insuflação do cuff, ou no esófago. A sua utilização caiu em
desuso por todo o mundo tendo sido
também a sua inserção é semelhante à das
substituído por outros dispositivos como o tubo
ML.
laríngeo.

Figura 21 - I-Gel

Figura 23 - Combitube
7.4. Máscara laríngea Supreme

É descrita como a versão descartável da


ProSeal mas tem algumas particularidades 7.6. Tubo laríngeo (LTS)
adicionais:
Foi introduzido em 2001. Consiste num tubo
 Tubo semirrígido pré-formado;
semirrígido com angulação de 600 com 2
 Possui uma aba de fixação;
cuff’s, um esofágico distal e um faríngeo
 O canal gástrico passa no meio do
proximal, sendo que a ventilação da traqueia
canal da via aérea reduzindo um pouco
se realiza entre os 2 cuff’s. Os de 2ª geração
o seu diâmetro.
possuem um canal gástrico posterior.
A inserção é semelhante à das ML. Caracteriza-se pela facilidade de
aprendizagem na sua colocação. Os vários
tamanhos estão codificados por cores e
baseia-se no peso (<25Kg) ou altura
(>125cm).

Procedimento para a colocação do tubo


laríngeo:

 Escolher o tamanho adequado de


Figura 22 - Máscara Laríngea Supreme acordo com a codificação de cores do
fabricante;

68 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

 Testar os cuff’s insuflando com o uma breve pausa para passar o tubo pelas
volume recomendado; de seguida cordas vocais.
desinsuflar completamente os cuff’s Nenhuma entubação traqueal deve
 Lubrificar o tubo laríngeo; provocar a interrupção das compressões
 Inserir o tubo com a concavidade torácicas por mais de 10 segundos.
anterior até à marca proximal dos Feita a entubação, confirmar a posição do tubo
dentes incisivos (existem 3 marcas) e fixá-lo.
 Insuflar os cuff’s com o volume
Os dispositivos supraglóticos da via aérea são
recomendado;
mais fáceis de introduzir do que os tubos
 Verificar a correta ventilação da vítima, traqueais e ao contrário da entubação traqueal
podendo ser retirado o tubo entre as 3 podem, em geral, ser colocados sem
marcas dos dentes incisivos sem interrupção das compressões.
desinsuflar os cuff’s;
Em alguns casos a laringoscopia e a tentativa
 Proceder à fixação com adesivo ou fita
de entubação podem ser impossíveis ou
de nastro ou material próprio fornecido
mesmo pôr em risco a vida do doente, como
com o dispositivo.
nos casos de epiglotites agudas, patologia
faríngea, lesões intracranianas (por causar
aumento da pressão intracraniana) ou ainda
em doentes com lesão da coluna cervical.
Nestas circunstâncias pode ser necessário
requerer ajuda de um perito no manuseamento
da via aérea, a utilização de laringoscopia de
fibra ótica.
É importante salientar que a entubação
traqueal requer aptidões e treino que são mais
demorados de obter do que qualquer outra
Figura 24 - Tubo Laríngeo técnica avançada de controlo da via aérea,
pelo que não deve ser usada por
inexperientes, cujas tentativas repetidas
7.7. Entubação traqueal podem ser traumáticas e podem comprometer
a oxigenação.
A entubação traqueal é considerada como
método ideal para assegurar e manter a via
aérea permeável e segura. Só deve ser
tentada por operacionais treinados com
elevado nível de experiência. Há prova de
que sem o treino e experiência adequados a
incidência de complicações é inaceitavelmente
elevada.
Os operacionais treinados na abordagem da
via aérea devem ser capazes de fazer
laringoscopia sem interromper as
Figura 25 - Tubo endotraqueal
compressões torácicas, requerendo apenas

I N E M | 69
Suporte Avançado de Vida

Esta técnica é considerada ideal, uma vez que: Outros acessórios:


 Permite isolar a via aérea por
 Gel para lubrificação;
insuflação do cuff, reduzindo o risco de
aspiração;  Pinça de Maguil;
 Permite a aspiração endotraqueal, se  Condutores ou introdutores
necessário; semirrígidos que podem ser úteis numa
 Permite ventilar eficazmente, sem entubação difícil;
fugas, mesmo quando a pressão nas  Adesivo para fixação;
vias aéreas elevada.  Estetoscópio para confirmar a posição
do tubo;
 Sondas de aspiração flexíveis;
7.7.1. Equipamento  Sensores de capnografia.

 Laringoscópio, geralmente com lâmina


curva, tipo Macintosh. Existem vários 7.7.2. Técnica de entubação traqueal
tamanhos, sendo necessário
selecionar a lâmina indicada para cada Pré-oxigenação:
vítima. O tamanho da lâmina é aquele
A entubação não deve demorar mais de 30
cujo comprimento correspondente à
segundos e deve ser precedida por ventilação
distância entre os incisivos e o ângulo
com a concentração máxima de oxigénio
da mandíbula da vítima;
disponível (idealmente pelo menos 85% e no
 A lâmpada e as pilhas deverão ser
mínimo durante 15 segundos).
observadas regularmente para
assegurar o seu correto funcionamento Posicionamento:
e devem existir suplentes, disponíveis
imediatamente;  A cabeça deve estar em extensão
colocando, se possível, uma almofada
 Tubos endotraqueais com cuff de
na região interescapular;
diferentes tamanhos devem estar
disponíveis e com os respetivos  Se existir lesão da coluna cervical, a
conectores “standard”; cabeça e o pescoço devem ser
mantidos em posição neutra, com
 Os mais usuais para um homem adulto
estabilização manual por um ajudante.
são os tubos 8 a 9 e para uma mulher
os de 7 a 8 milímetros de diâmetro Abrir a boca:
interno. Na prática um conjunto de
tubos 3, 5, 7 e 8 milímetros devem ser  Usando a mão direita, enquanto se
suficientes para as necessidades segura no laringoscópio com a
imediatas de todos os doentes; esquerda. Inspecionar a boca e
remover corpos estranhos,
 Seringa para a insuflação do cuff;
nomeadamente dentes partidos ou
 Aspirador de secreções com cânula
próteses dentárias e aspirar secreções
rígida.
se necessário;

70 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

Identificação dos três pontos de referência: Insuflar o cuff de modo a não existirem
fugas;
 Fossa amigdalina: colocar o
laringoscópio no lado direito da língua Confirmar o correto posicionamento do
até atingir a terminação do palato mole; tubo:
 Identificar a parede lateral da faringe e
a fossa amigdalina, não inserir o  Auscultar o epigastro para detetar
laringoscópio em todo o seu fugas de ar para o estômago;
comprimento e procurar a úvula;  Auscultar em ambos os campos
 Mover a lâmina para a esquerda pulmonares. Deve auscultar-se nos
puxando a língua para a linha média. vértices, nas bases e em ambas as
Visualizar a úvula na linha média; linhas axilares médias para verificar se
 Avançar cuidadosamente o os sons são simétricos;
laringoscópio ao longo da base da  Se se verificar que a ventilação está
língua até visualizar a epiglote; seletiva, significa que o tubo foi
 Colocar a extremidade distal do demasiado introduzido, devendo
laringoscópio na valécula (espaço retirar-se alguns centímetros (após
entre a epiglote e a base da língua); desinsuflar o cuff) e voltar a confirmar o
 Fazer um movimento para a frente e posicionamento do tubo;
para cima no sentido do cabo do  Confirmar a localização conectando a
laringoscópio. Este movimento arrasta um sensor de capnografia e ao registo
a epiglote para a frente e permite de capnografia.
visualizar as cordas vocais.
Fixar o tubo:
Visualização da laringe:
 Utilizando o fio de nastro ou adesivo;
 Tem o especto de um triângulo de  Pode ser útil a colocação de um tubo
vértice anterior, visualizando-se as orofaríngeo para evitar mordedura do
duas cordas vocais lateralmente, com TOT caso o doente fique mais reativo;
uma coloração branco “nacarado”.
Ventilação:
Aspirar se necessário;
 Manter elevadas concentrações de
Introdução do tubo: oxigénio durante a reanimação;
 Após a RCE, administração controlada,
 Introduzir o tubo apenas após de modo a manter a SpO2 entre 94 –
visualização das cordas vocais. Deve 98%.
ser introduzido pelo lado direito da
boca mantendo a visualização direta Nunca efetuar tentativas de entubação que
das cordas vocais, até que a parte ultrapassem os 30 segundos sem re-oxigenar
proximal do cuff ultrapasse as cordas; o doente. Se existem dúvidas sobre a correta
 A distância habitual até à arcada
localização do tubo o mesmo deve ser
dentária é de 21 cm nas mulheres e de
23 nos homens. retirado, o doente re-oxigenado e feita nova
tentativa de entubação.
Conectar o insuflador manual;

I N E M | 71
Suporte Avançado de Vida

7.7.2. Confirmação da posição correta do Nos doentes em PCR a produção de CO2 é


tubo traqueal muito reduzida, pelo que a ausência de CO2 no
sensor não esclarece a localização do tubo,
mas a sua presença confirma a localização
A mais grave das complicações da tentativa endobrônquica.
de entubação traqueal é a entubação do Nos doentes com circulação espontânea a
ausência de CO2 confirma a localização do
esófago não reconhecida.
tubo no esófago.

A capnografia de onda é o método mais


A utilização por rotina de técnicas primárias e sensível e específico para confirmar e
secundárias para confirmação da posição do monitorizar em contínuo a posição do tubo
tubo reduzem esse risco: traqueal nas vítimas de PCR e deve
 A avaliação primária inclui a complementar a avaliação clínica
visualização direta da passagem do
(auscultação e visualização através das
tubo pelas cordas vocais durante a
laringoscopia, a observação da cordas vocais).
expansão torácica bilateral e
simétrica, a auscultação do
epigastro (não se devem ouvir sons de
insuflação) e pulmonar ao nível das Na ausência de capnografia de onda é
axilas (sons pulmonares simétricos). A preferível assegurar a via aérea avançada com
avaliação clínica da posição do tubo um dispositivo supraglótico.
não é totalmente fiável;
 A confirmação secundária pela
deteção de CO2 no ar exalado ou os 7.7.5. Problemas durante a entubação
sistemas esofágicos de deteção devem traqueal
reduzir o risco de entubação esofágica
não detetada. Nenhuma destas  Variações anatómicas – retrognatismo,
técnicas secundárias distingue a pescoço curto, dentes incisivos
entubação de um brônquio principal da proeminentes, arcada do palato
entubação traqueal correta. elevada, reduzida abertura da boca,
rigidez do pescoço ou trismus podem
dificultar ou impossibilitar a entubação.
A existência de CO2 no ar expirado após 6
Se não for possível visualizar as cordas
ventilações confirma que o mesmo se vocais não deve ser tentada a
encontra na árvore traqueobrônquica. A sua entubação. Deve ser assegurada a
correta localização acima da carina é ventilação por técnicas básicas
enquanto se recorre a ajuda
confirmada pela auscultação pulmonar.
diferenciada. Um mandril de borracha
dura, mas maleável pode ser mais
facilmente introduzido na traqueia e
posteriormente o tubo endotraqueal é

72 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

introduzido pelo mandril. Pode também 8. Cricotirotomia por agulha


ser utilizado um condutor rígido
(introdutor) por dentro do tubo para lhe Ocasionalmente pode ser completamente
dar uma curvatura adequada; impossível ventilar um doente que está em
 Peças dentárias soltas ou próteses – apneia. Nestes casos é necessário criar uma
Uma boa técnica de entubação deve via aérea cirúrgica abaixo da obstrução. A
permitir identificar estas situações e traqueostomia de emergência não é um
ultrapassar o problema; procedimento indicado dado que requer
 Regurgitação do conteúdo gástrico e material adequado, treino e tempo. A inserção
aspiração – Para evitar a entrada de de uma agulha de largo calibre é um gesto
conteúdo gástrico na árvore brônquica rápido que requer apenas equipamento
é fundamental ter sempre disponível o simples e é relativamente pouco arriscada. No
equipamento de aspiração; entanto, é apenas uma medida temporária.
 Traumatismos faciais e queimaduras
da face – pode ser impossível
conseguir a ventilação, quer com
técnicas básicas quer por entubação
traqueal. A cricotirotomia pode ser a
única medida possível;
 Entubação esofágica – É fundamental
que seja reconhecida, o que, se forem
seguidas as regras da entubação, não
deixará de acontecer. Em caso de
dúvida retirar o tubo, oxigenar o doente
e tentar novamente;
 Lesão da coluna cervical – É Figura 26 - Kit de cricotirotomia
habitualmente uma entubação difícil e
requer que a cabeça e o pescoço 8.1. Procedimento
sejam mantidos numa posição neutra
com imobilização manual por um outro  Colocar o doente em decúbito dorsal
elemento, na suspeita de lesão da com ligeira extensão da cabeça.
coluna cervical.  Identificar a membrana cricóide (entre
a cartilagem tiróide e a cartilagem
cricóide);
7.8. Outros adjuvantes da entubação  Puncionar na vertical e na linha média
com uma cânula de calibre 14G ou
 Lâminas alternativas – Embora o maior, ligada a uma seringa efetuando
tamanho 3 seja habitualmente ligeira aspiração. Assim que for
adequado para a maioria dos doentes aspirado ar a cânula está na traqueia;
é necessário dispor de lâminas mais  Mover a agulha, no sentido caudal até
longas para algumas situações. fazer um ângulo de 45º com o plano do
Poderá também ser necessário dispor pescoço e avançar a cânula retirando o
de lâminas retas. mandril;
 Introdutores – Já foram descritos  Conectar a cânula a uma fonte de
anteriormente. oxigénio com alto débito, 12-15 L/min,

I N E M | 73
Suporte Avançado de Vida

usando uma conexão em “Y” ou um o necessário para causar uma expansão


sistema alternativo (ex.: torneira de 3 torácica tal como numa respiração normal.
vias, abertura de orifício no tubo de Logo que a SatO2 puder ser corretamente
oxigénio); medida, por oximetria de pulso (SpO2) ou
 Tapar a abertura do “Y” durante um gasimetria arterial, titular FiO2 para atingir
segundo (ou até observar expansão SpO2 entre 94-98%.
torácica) e libertar durante 4 segundos.
Se não for dado tempo para a
expiração existe risco de aumento
10. Aspiração
excessivo da pressão intratorácica e
barotrauma; Nas situações de obstrução parcial da via
 Se for conseguida uma expansão aérea por um fluído – vómito, sangue ou
torácica e expiração adequadas pode secreções é necessário proceder à aspiração
fixar-se a cânula. da cavidade oral e da orofaringe, utilizando
Este não é verdadeiramente um procedimento para tal o aspirador de secreções, de forma a
de ventilação, mas permite manter uma manter a permeabilidade da via aérea.
oxigenação adequada. Já a eliminação de CO2 A aspiração da cavidade oral pode ser feita
pode não ser possível, o que limita o uso da com uma sonda rígida tipo Yankauer ou com
técnica até um máximo de 45 minutos. uma sonda de aspiração de maior calibre,
Existe risco de posicionamento inadequado da sobretudo nos casos em que é preciso aspirar
cânula, hemorragia, enfisema e perfuração conteúdo alimentar espesso.
esofágica. Quando a vítima já tem uma via orofaríngea
A cricotirotomia cirúrgica deve ser programada colocada e é necessário efetuar a aspiração,
de imediato para assegurar a ventilação para além da aspiração da cavidade oral pode
adequada. ser necessário também aspirar o seu interior
de forma a manter a permeabilidade da via
aérea. Nestas situações deve utilizar-se uma
9. Oxigénio sonda de calibre apropriado, habitualmente de
menor calibre que a utilizada para aspiração
Durante a reanimação administrar oxigénio da cavidade oral, de forma a permitir a sua
sempre que possível. No início da reanimação manipulação no interior do tubo.
administrar O2 na maior concentração É necessário ter em atenção que a sonda não
disponível. deve ser introduzida profundamente, mas
Para evitar um volume de ventilação elevado apenas o necessário para aspirar as
recomenda-se a administração de O2 secreções ou outros fluídos presentes na
suplementar a pelo menos 10 L/min, ou seja, hipofaringe, de forma a manter a
com concentrações de O2 de pelo menos 40%. permeabilidade da via aérea. Introduzir a
O volume de ar que se pretende insuflar é, sonda profundamente terá como
neste caso, de 400-600 mL, suficiente para consequência a estimulação das zonas da
ventilar eficazmente a vítima e diminuir a faringe que condicionam o reflexo de vómito ou
probabilidade de ocorrência de regurgitação mesmo a indução de um espasmo laríngeo
do conteúdo gástrico. Tal como referido com o consequente agravamento da
anteriormente, o volume de ar deve ser apenas obstrução da via aérea.

74 | I N E M
Abordagem da Via Aérea e Ventilação

A aspiração de secreções deve ser feita de A aspiração endotraqueal é efetuada com


forma cuidada para não causar traumatismos sondas maleáveis e estéreis com o cuidado de
da mucosa da cavidade oral ou da faringe. A ser feita apenas por breves períodos e
sonda deve ser introduzida sem estar em precedida por pré-oxigenação com oxigénio a
aspiração e ser retirada em aspiração ativa 100%, dado que pode causar hipóxia.
efetuando movimentos circulares suaves.
Os aspiradores de secreções permitem
selecionar diferentes pressões de vácuo para
utilização em adultos ou em crianças.

I N E M | 75
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 Na reanimação é essencial dominar corretamente as técnicas de permeabilização da via


aérea e ventilação;

 Os profissionais de saúde devem saber utilizar adjuvantes de via aérea e suplementação


com oxigénio dado que aumentam a eficácia da reanimação;

 A intubação endotraqueal é o melhor método para proteger a via aérea e ventilar com
eficácia, mas só deve ser tentada por operacionais treinados com elevado nível de
experiência;

 Métodos alternativos como a Máscara Laríngea ou o Tubo Laríngeo são considerados


válidos;

 A cricotirotomia por agulha pode ser necessária como medida “life saving”.

76 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

VII. MONITORIZAÇÃO CARDÍACA E RITMOS

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Conhecer as indicações para monitorização eletrocardiográfica;
 Executar corretamente a técnica de monitorização eletrocardiográfica;
 Reconhecer os vários elementos do ECG e os principais ritmos;
 Identificar ritmos periparagem.

1. Introdução formação suficiente para interpretarem ritmos


eletrocardiográficos.
Nas vítimas de paragem cardíaca o principal A leitura correta do traçado ECG implica
objetivo da monitorização eletrocardiográfica reconhecer ritmos que possam cursar com
(ECG) é a identificação do ritmo para instituir compromisso do débito cardíaco, que possam
no imediato o tratamento correto. anteceder a paragem cardíaca ou complicar o
Nas situações de disritmia periparagem a período de recuperação pós-reanimação de
monitorização ECG permite a identificação da paragem cardíaca. Mais importante que
arritmia em questão, promovendo o seu identificar o ritmo exato é saber que se trata de
tratamento precoce com o objetivo de evitar a um registo ECG anormal e avaliar a sua
sua evolução para paragem cardíaca. repercussão sobre o débito cardíaco, isto é, a
A leitura correta do traçado ECG exige sua tradução em termos hemodinâmicos. Por
experiência, mas o cumprimento sistemático exemplo, num doente com bradiarritmia é
das regras básicas de interpretação do traçado essencial saber se existe compromisso
facilita a identificação rápida e correta do ritmo. hemodinâmico e iniciar o tratamento
A incapacidade de diagnosticar adequado, sendo a identificação exata do
atempadamente ritmos desfibrilháveis é o ritmo secundária.
principal obstáculo à desfibrilhação precoce e, De forma semelhante, a mesma taquidisritmia
consequentemente, à eficácia das manobras pode ter diferentes consequências em doentes
de suporte avançado de vida, o que levou à com patologia e reserva funcional cardíaca
criação dos Desfibrilhadores Automáticos ou distintas.
Semiautomáticos Externos (DAE). Estes Em conclusão, em situações
aparelhos fazem a análise automática do ritmo urgentes/emergentes o mais importante é
e quando identificam ritmos desfibrilháveis saber avaliar a repercussão hemodinâmica da
carregam energia automaticamente e arritmia. A sua classificação precisa é
informam o operador de que se trata de um secundária.
ritmo desfibrilhável e de quando é possível
acionar o choque elétrico.
Tratam-se doentes e não dados
Desta forma foi possível aumentar o número
de indivíduos com capacidade para eletrocardiográficos
desfibrilhar. Estes desfibrilhadores devem ser
utilizados por elementos que não têm

I N E M | 77
Suporte Avançado de Vida

2. Monitorização cardíaca 2.3. Monitorização após Paragem Cardíaca

2.1. Monitores Cardíacos Em situações de paragem cardíaca é


fundamental visualizar o ritmo rapidamente.
Existem vários tipos de monitores cardíacos. Os elétrodos multifunções são os preferíveis
Tendo em comum várias características, todos para a monitorização e desfibrilhação.
têm um ecrã para visualização do ritmo
cardíaco e alguns permitem imprimir e gravar
os registos ECG. Há monitores que permitem 2.4. Monitorização com DAE
a análise automática do ritmo (como os DAE)
e muitos determinam a frequência cardíaca e Os DAE e vários desfibrilhadores multifunções
têm alarmes automáticos pré-estabelecidos. utilizam elétrodos multifunções impregnados
de gel que permitem simultaneamente registar
o ritmo e desfibrilhar (choque de mãos livres).
2.2. Elétrodos de Monitorização Os elétrodos devem-se colocar um abaixo da
clavícula à direita e fora da área do choque da
Quando há tempo para efetuar monitorização ponta à esquerda. Caso não seja possível
ECG é preferível usar elétrodos adesivos devem ser colocados em posição ântero-
colados ao tórax do doente, em áreas posterior (trauma grave nos locais descritos ou
previamente depiladas ou limpas com álcool. pacemaker implantado à direita).
Estes geralmente têm cores codificadas o que
A maioria dos desfibrilhadores automáticos e
simplifica a sua utilização: o vermelho no
semiautomáticos externos (DAE) permite a
ombro direito, o amarelo no ombro esquerdo,
monitorização cardíaca com elétrodos
o preto por baixo do peitoral direito e o verde
aplicados nos locais onde se colocam as pás
por baixo do peitoral esquerdo, de preferência
para a desfibrilhação desempenhando em
sobre prominências ósseas para minimizar as
simultâneo as funções de elétrodos e pás de
interferências elétricas. A região precordial
desfibrilhação.
deve ficar livre para o caso de ser necessário
fazer compressões torácicas e/ou
desfibrilhação.
2.5. Diagnóstico baseado no registo do
DI =  no ombro esquerdo e  no monitor cardíaco
ombro direito
DII =  na clavícula direita e  no tórax A imagem do ecrã e os registos impressos a
inferior esquerdo partir dessa imagem só permitem identificar o
ritmo cardíaco, não permitindo a avaliação do
D III =  na clavícula esquerda e  no
segmento ST ou outras interpretações mais
tórax inferior esquerdo
elaboradas. É fundamental registar uma tira de
ritmo para documentação das ocorrências
Estas posições permitem registos durante a reanimação.
semelhantes aos das derivações DI, DII e DIII O ECG de 12 derivações deve ser obtido
do ECG convencional. Habitualmente assim que seja possível porque não pode ser
seleciona-se a derivação DII que é aquela que feito um diagnóstico preciso apenas com a
permite visualizar melhor a onda P, com imagem do monitor. Só um registo de 12
complexo QRS com amplitude suficiente para derivações permite obter toda a informação
permitir a leitura da frequência cardíaca. ECG possível para iniciar o tratamento

78 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

adequado. Da mesma forma deve ser 4. Leitura de uma tira de ritmo


registada de forma contínua a resposta ao
tratamento, nomeadamente aos antiarrítmicos, A interpretação correta do ritmo pode ser
pela possibilidade de nos dar informações facilitada pela aplicação de princípios básicos.
importantes sobre a natureza e origem da Colocar as seguintes questões, para
disritmia. interpretação de qualquer traçado:
1. Há atividade elétrica?
2. Qual é a frequência ventricular (do
3. Conceitos básicos de eletrofisiologia QRS)?
3. O ritmo é regular ou irregular?
A contração do músculo cardíaco resulta da 4. A duração do QRS é normal ou está
despolarização das membranas celulares. Em alargada?
repouso a célula miocárdica e o tecido de 5. Há atividade auricular?
condução estão polarizados, apresentando 6. Qual é a relação da atividade auricular
uma diferença de potencial de com a ventricular?
aproximadamente 90 mV entre o interior e o
exterior da célula. O processo de
despolarização anula este diferencial com 4.1. Há atividade elétrica?
entrada e saída de iões a que se segue a
contração muscular. Na ausência de sinais elétricos primeiro
Na ausência de patologia, a despolarização confirmar todas as conexões e aumentar o
inicia-se no nódulo sinoauricular, tecido de ganho do ECG para eliminar a hipótese de se
condução dotado de despolarização tratar de um artefacto. Se se confirma a
automática localizado na aurícula direita, e ausência de atividade elétrica estamos
propaga-se a toda a aurícula desencadeando perante uma assistolia. Quando coexistem a
a sua contração. assistolia auricular e ventricular o traçado é
A onda de despolarização atinge o nódulo uma linha sem defleções, mas que tem
auriculoventricular onde sofre um atraso de frequentemente interferências do registo de
condução, propagando-se posteriormente base ou do movimento da vítima causado
para o ventrículo através do feixe de His. Este pelos reanimadores. O aparecimento de uma
divide-se em ramo direito (despolarização do linha reta no monitor significa que este não
ventrículo direito) e em ramo esquerdo, que se está ligado aos elétrodos, o que obriga a
subdivide em feixe anterior e posterior. Os verificar as conexões.
ramos do feixe de His vão-se subdividindo até É fundamental reconhecer o ritmo em que
formarem a rede de Purkinje. O complexo QRS persista atividade auricular (traduzida por
corresponde à despolarização ventricular e a ondas P) apesar da assistolia ventricular
onda T, que se segue ao complexo QRS, (ausência de complexos QRS) por breves
corresponde à repolarização ventricular. instantes, porque é uma indicação formal para
aplicação de pacemaker.
Quando se reconhece que há atividade
elétrica a próxima etapa é tentar identificar
complexos QRS. Na fibrilhação ventricular não
se identificam complexos QRS. O ritmo
ventricular é caótico e não existe contração

I N E M | 79
Suporte Avançado de Vida

muscular eficaz. No traçado são visíveis ondas  Entre dois QRS consecutivos contam-
disformes, sem regularidade ou ritmicidade. se 20 quadrados pequenos, a
Pode ser classificada em grosseira ou fina de frequência será de 1500:20 = 75 bpm.
acordo com a amplitude das ondas.
Após concluirmos que existem complexos
QRS, segue-se a seguinte pergunta: 4.3. O padrão é rítmico ou arrítmico?

Para frequências cardíacas elevadas por


4.2. Qual é a frequência ventricular? vezes é difícil perceber se se trata de uma
arritmia por os complexos QRS se
A frequência ventricular normal situa-se entre encontrarem muito próximos. Por exemplo,
os 60 e os 100 batimentos/minuto. Na uma FA pode ser claramente irregular se a
bradicardia a frequência é inferior a 60 bpm e frequência for baixa, mas parecer regular para
na taquicardia superior a 100 bpm. O papel de frequências de 170 bpm.
eletrocardiografia convencional está calibrado Nestes casos devem-se comparar
em milímetros com linhas reforçadas cada 5 minuciosamente os intervalos R-R de
mm. No papel padrão 25 mm equivalem a um complexos adjacentes em diferentes
segundo, ou seja, a 5 quadrados largos. momentos do registo para tentar identificar um
Para determinar a frequência ventricular ritmo irregular.
conta-se o número de QRS durante um certo Esta tarefa pode ser simplificada pela
tempo e calcula-se a frequência por minuto. utilização de uma régua. Alternativamente,
Por exemplo, se se contam 15 complexos em marca-se a posição de quatro pontos (por ex:
50 quadrados largos (10 segundos) a a ponta da onda R) idênticos adjacentes no
frequência é de 15 x 6 = 90 bpm. ciclo cardíaco numa tira de papel e
Uma forma mais rápida é contar o número de sobrepõem-se as marcas feitas noutro local da
quadrados largos (5 mm) entre dois complexos tira de ritmo. Se o ritmo for regular as marcas
QRS consecutivos e dividir 300 por esse coincidem com as pontas das ondas R; se o
número, o que dá a frequência dos QRS por ritmo for irregular alguns complexos não irão
minuto. coincidir.
Outra forma de determinar a frequência é Em casos mais complicados pode ser útil
contar o número de quadrados pequenos (1 registar uma tira de ritmo adicional durante a
mm) entre dois QRS consecutivos e dividir massagem do seio carotídeo (diminui
1500 por esse valor. transitoriamente a frequência cardíaca). Após
se concluir que se trata de um ritmo irregular
deve-se mencionar se o ritmo é totalmente
EXEMPLO DO CÁLCULO DA FREQUÊNCIA irregular ou se existem variações cíclicas nos
CARDÍACA: intervalos R-R.
Nas arritmias completas, sem onda P visível,
 Em 6 segundos contam-se 10 mas com complexos QRS de morfologia
complexos QRS, ou seja, a frequência semelhante, o diagnóstico mais provável é de
cardíaca é de 10 x 10 = 100 bpm; FA.
 Entre dois QRS consecutivos existem 5 Se o ritmo dos complexos QRS é regular deve-
quadrados grandes, logo a frequência se pesquisar a presença de complexos
será de 300:5 = 60 bpm; ectópicos (com origem em focos anormais). Se

80 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

estes complexos surgem precocemente (antes 4.5. Há atividade auricular?


do QRS antecipado) dizem-se prematuros e
designam-se por extrassístoles. Se surgem Deve-se pesquisar sistematicamente a
tardiamente, após falhar um complexo do ritmo existência de atividade auricular em todas as
de base, chamam-se complexos de escape. A tiras de ritmo, o que pode ser complicado pois
morfologia do QRS depende do foco que o as ondas P podem ser pontiagudas, bifásicas
originou. ou invertidas e podem preceder ou suceder o
QRS.
A ocorrência de complexos de escape traduz a
falência intermitente do pacemaker que Esta análise deve ser feita num ECG de 12
comanda o coração, tendo o complexo de derivações para se observar as diferentes
escape origem num pacemaker auxiliar. morfologias da onda P nas várias derivações.
Os complexos ectópicos podem ocorrer de Se necessário registam-se tiras de ritmo.
forma isolada, aos pares ou em salvas. As ondas P podem alterar a configuração dos
complexos QRS, segmento ST ou ondas T. As
Se ocorrem três ou mais complexos em
ondas P podem ficar ocultas pelas ondas T ou
sucessão rápida trata-se de uma taquicardia;
se ocorrem em salvas e são autolimitados U.
designam-se por complexos paroxísticos. A derivação DII, porque coincide com o maior
eixo da despolarização auricular, é a melhor
derivação para analisar a onda P. Existem
4.4. A duração do QRS é normal ou está outras derivações adicionais, como a V1, que
alargada? permitem um bom registo da atividade
auricular. Esta obtém-se colocando uma pá
Em condições normais o QRS tem uma sobre o segundo espaço intercostal direito e
duração inferior a 0,12 Segundos (3 outra no quarto espaço intercostal direito.
quadrados pequenos). Outra forma de revelar a atividade auricular é
Se os QRS são estreitos (< 0,12 Segundos) o provocar a redução da frequência do QRS.
ritmo tem origem supraventricular; se os Nas taquicardias supraventriculares pode-se
complexos são largos (> 0,12 Segundos) provocar bloqueio auriculoventricular pela
podem ter origem nas aurículas ou nos realização de manobras vagotónicas ou pela
ventrículos. administração endovenosa de adenosina.
Se os complexos alargados têm origem nas Por exemplo, uma taquicardia de complexos
aurículas isto significa que existem distúrbios estreitos a 150 bpm pode corresponder a um
na condução auriculoventricular (feixes de flutter 2:1 evidenciado por estas manobras. As
condução aberrante), ou seja, o estímulo não ondas em dente de serra, típicas do flutter
é conduzido diretamente ao tecido de auricular, identificam-se melhor nas
condução ventricular. Neste caso, o QRS derivações DII, DIII e aVF para frequências de
surge após uma onda P. Nos bloqueios 300 bpm. Por vezes a amplitude da atividade
completos de ramo os complexos QRS auricular na FA é tão baixa que parece não
alargados têm origem nos ventrículos. existir.
Da mesma forma, que para os complexos
QRS, assim se determina a frequência e a
regularidade da onda P. É fundamental
analisar a relação entre a onda P e o QRS.

I N E M | 81
Suporte Avançado de Vida

A morfologia da onda P pode dar informações 5.1. Fibrilhação ventricular (FV)


importantes quanto ao ritmo. Se a
despolarização tem início no nódulo Na FV o miocárdio ventricular sofre
sinoauricular as ondas P são pontiagudas em despolarizações múltiplas sem qualquer
DII e AVF. Se o ritmo é juncional ou tem origem coordenação da atividade elétrica. É um ritmo
ventricular pode ocorrer estimulação irregular, rápido e bizarro com uma frequência
retrógrada da aurícula através do nódulo e amplitude sem qualquer regularidade
auriculoventricular, pelo que as ondas P são aparente. Pode ser classificada em grosseira
invertidas nestas derivações (a despolarização ou fina, dependendo da amplitude dos
auricular ocorre em sentido inverso ao normal). complexos. A fibrilhação fina pode confundir-
se com a assistolia.
O traçado da FV habitualmente é típico, mas
4.6. Como se relaciona a atividade auricular pode-se confundir com a taquidisritmia com
com a ventricular? condução AV aberrante do Síndrome de Wolff-
Parkinson-White (WPW) e com a taquicardia
Se o intervalo entre a onda P e o complexo ventricular polimórfica, porque ambas têm
QRS que se lhe segue é sempre o mesmo, o traçado ECG irregular, variável e podem
mais provável é que a atividade auricular e a acompanhar-se de compromisso
ventricular estejam relacionadas. Na FA a hemodinâmico.
atividade ventricular é determinada pela Na suspeita de FV fina, deve aumentar-se o
atividade auricular, mas não existe qualquer ganho do monitor, mudar de derivação e
relação sistemática entre si, com arritmia e verificar todas as conexões. Contudo, não se
irregularidade dos QRS. deve desfibrilhar de imediato se persistirem
Existem ritmos em que a atividade auricular e dúvidas entre assistolia e FV fina, devendo
a ventricular são independentes. Noutros manter-se as compressões e as insuflações.
casos existem focos auriculares múltiplos e Efetivamente as manobras de SBV
bloqueios auriculoventriculares (BAV) continuadas e eficazes podem aumentar a
variáveis que complicam a análise dessa amplitude e a frequência da FV e aumentar a
relação. Nestes traçados convém analisar as probabilidade de sucesso da desfibrilhação na
ondas P em mais do que uma derivação recuperação do ritmo de perfusão.
quanto à sua forma, frequência e ritmo, de
forma independente dos complexos QRS. No
fim comparar as duas observações e concluir 5.2. Taquicardia ventricular (TV)
pela relação ou não entre as ondas P e os
complexos QRS. A TV pode cursar com ausência do débito
cardíaco se a frequência ventricular for muito
elevada ou se a função ventricular já estiver
5. Ritmos de paragem cardíaca comprometida. O tratamento da TV sem pulso
é o mesmo da FV: desfibrilhação imediata.
Os ritmos associados a paragem cardíaca são:
Se o doente tem pulso e os complexos QRS
 Fibrilhação ventricular (FV) são alargados trata-se de taquicardia de
 Taquicardia ventricular sem pulso complexos largos cujo tratamento está
(TVsp) descrito no capítulo das disritmias
 Assistolia ventricular periparagem.
 Atividade Elétrica sem pulso (AEsp)

82 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

Na TV monomórfica o ritmo é regular com 5.3. Assistolia


frequências entre os 120 e os 170 bpm. A
atividade auricular geralmente mantém-se e Habitualmente a assistolia auricular e
pode ser visível no traçado ECG, gerando ventricular coexistem pelo que o traçado é uma
complexos de fusão ou de captura quando linha sem deflexões. Contudo, podem-se
pontualmente ocorre condução da atividade observar deflexões por interferências
auricular para os ventrículos. múltiplas, anteriormente descritas, podendo
confundir-se com fibrilhação ventricular fina.
Pode ocorrer taquicardia de complexos largos,
mas de origem supraventricular quando Uma linha totalmente reta ocorre quando um
existem distúrbios da condução dos elétrodos está desligado ou existe um
intraventricular, como é o caso dos bloqueios problema com as conexões. Se possível
completos de ramo, direito ou esquerdo. avaliar uma derivação diferente e interromper
o contacto com o corpo do doente por
Após o EAM os QRS largos devem ser
instantes para excluir interferências.
interpretados como de origem ventricular,
devendo-se ignorar a hipótese de ritmo
supraventricular com condução aberrante. Para confirmar o diagnóstico de assistolia
A Torsade de Pointes é uma variante de TV deve:
polimórfica em que os complexos são  Verificar se os elétrodos multifunções
pontiagudos com uma variação regular do
estão colocados corretamente no tórax
eixo, o que lhe confere um especto sinusoidal.
Este ritmo é mais frequente em doentes com do doente;
síndrome de QT longo ou com repolarização  Aumentar o ganho (amplitude) do
anormal (onda T profunda e invertida e registo;
algumas bradicardias).
 Confirmar a derivação.
A FV também pode ter um aspeto sinusoidal
sobretudo no início e de curta duração, mas a
análise contínua do traçado mostra uma maior
variabilidade da morfologia do QRS.
Atenção: A atividade auricular pode ocorrer
A identificação do ritmo de Torsade de Pointes
por um curto período de tempo após o início da
é fundamental porque o seu tratamento (com
assistolia ventricular. Neste caso o traçado
betabloqueantes, magnésio e/ou pacemaker)
ECG mostra uma linha interrompida por ondas
é distinto do tratamento recomendado para
P, sem sinais de despolarização ventricular.
outras taquiarritmias ventriculares. Não
raramente estão na sua origem distúrbios
eletrolíticos como a hipocaliémia e/ou
5.4. Atividade elétrica sem pulso (AEsp)
hipomagnesiémia, que devem ser corrigidos.
Não esquecer que a torsade de pointes pode AEsp significa a existência de atividade
desencadear uma FV. elétrica normal ou quase, mas com diminuição
acentuada do débito cardíaco, que na clínica
equivale a paragem cardíaca.
O diagnóstico de AEsp implica a identificação
de um ritmo ECG que habitualmente se
acompanha de função ventricular normal ou

I N E M | 83
Suporte Avançado de Vida

quase, mas que se acompanha de ausência de 6.1.2. BAV de 2º grau


débito cardíaco eficaz, ou seja, ausência de
pulso. No BAV de 2º grau nem todas as ondas P são
conduzidas e podem ser de 2 tipos:
 BAV Mobitz tipo I, com fenómeno de
6. Bradiarritmias Wenckenbach
 BAV Mobitz tipo II
O diagnóstico de bradicardia implica No BAV de 2º grau Mobitz tipo I com
frequências cardíacas inferiores a 60 bpm e o fenómeno de Wenckenbach o intervalo PR vai
seu tratamento de emergência é a atropina aumentando de sístole para sístole até que a
e/ou pacemaker e/ou fármacos onda P deixa de ser conduzida e isto repete-
simpaticomiméticos como a adrenalina e/ou a se ciclicamente. É um fenómeno
aminofilina. Em primeiro lugar analisar as frequentemente observado após EAM inferior.
repercussões hemodinâmicas da bradicardia e Se assintomático não tem indicação para
posteriormente esclarecer a causa da tratamento, mas a presença de fenómeno de
bradiarritmia. Wenckenbach aumenta o risco de evolução
A emergência do tratamento da bradiarritmia é para BAV completo.
avaliada pelo risco de assistolia. Não esquecer No BAV de 2º grau Mobitz tipo II nem todas
que a bradiarritmia pode preceder uma as ondas P são conduzidas, sem que haja uma
paragem cardíaca. relação AV fixa. Por exemplo, se em cada duas
A bradiarritmia mais importante é o BAV ondas P só uma é conduzida diz-se que é um
completo adquirido ou BAV de 3º grau. A bloqueio de 2:1 ou se em cada três ondas P só
presença de um ritmo de escape (25 – 50 bpm) uma não é conduzida diz-se que o bloqueio é
sem qualquer relação com o ritmo auricular de 3:1.
(fibrilhação/flutter auricular ou outro ritmo
supraventricular) sugere o seu diagnóstico.
6.1.3. BAV de 3º grau OU BAV Completo

6.1. Bloqueios auriculoventriculares (BAV) No BAV completo a atividade auricular (onda


P) é independente da atividade ventricular
6.1.1. BAV de 1º grau (complexo QRS). A frequência do pacemaker
ventricular depende da sua localização. O
No BAV de 1º grau o intervalo PR (início da pacemaker com origem no nódulo AV ou no
onda P ao início do QRS) é superior a 0,20 feixe de His tem uma frequência de 40 – 50
segundos e é um achado frequente. Ocorre bpm e aquele com origem nas fibras de
por lentificação da condução AV (nódulo AV ou Purkinje tem uma frequência de 30 – 40 bpm,
feixe de His) e pode ser fisiológico em alguns tendo maior risco de falência súbita.
indivíduos (desportistas p.ex.).
Outras causas de BAV de 1º grau são:
 Lesão isquémica do miocárdio;
 Fibrose do miocárdio;
 Alguns fármacos.

84 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

7. Outros ritmos O complexo QRS de um ritmo idioventricular é


largo (> 0,12 Segundos) enquanto o QRS dos
7.1. Ritmos de escape ritmos juncionais é estreito ou largo, consoante
haja ou não distúrbio da condução
Se o pacemaker natural do coração falhar intraventricular.
outra parte do tecido de condução do coração
dotada de automaticidade dispara, assumindo
o controlo da despolarização cardíaca. Surge 7.2. Ritmo agónico
assim um ritmo de escape, habitualmente mais
lento que o ritmo sinusal normal. O ritmo agónico caracteriza-se por complexos
O ritmo de escape idioventricular descreve um QRS largos, lentos e irregulares com
ritmo com origem no miocárdio ventricular, morfologia variável. Observa-se com
mas com frequência cardíaca normal. frequência na fase final da tentativa de
Observa-se frequentemente com a reperfusão reanimação sem sucesso. Os complexos vão
miocárdica pós trombólise e não afeta o ficando cada vez mais largos até
prognóstico, desde que a frequência se desaparecerem todos os vestígios de
mantenha elevada. atividade elétrica.

Figura 27 - Ritmo Sinusal Normal

Figura 28 - Bradicardia Sinusal

I N E M | 85
Suporte Avançado de Vida

Figura 29 - Taquicardia Sinusal

Figura 16 - BAV do 1º Grau

Figura 31 - BAV do 2º Grau Mobitz tipo I (Wenckbach)

Figura 32 - BAV do 2º Grau Mobitz II

86 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

Figura 33 - BAV completo ou BAV do 3ª Grau

Figura 34 - Taquicardia Supraventricular

Figura 35 - Fibrilhação Auricular

Figura 36 - Flutter Auricular

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Suporte Avançado de Vida

Figura 37 - Taquicardia Ventricular

Figura 38 - Fibrilhação Ventricular Grosseira

Figura 39 - Traçado de Assistolia

Figura 40 - Ritmo de Pacemaker

88 | I N E M
Monitorização Cardíaca e Ritmos

Figura 41 - Extrassístole Ventricular

Figura 17 - Ritmo Juncional

Figura 43 - Torsade de Pointes

Figura 18 - Ritmo Agónico

I N E M | 89
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 Durante as manobras de reanimação é fundamental a monitorização adequada do ritmo


cardíaco;

 É essencial o conhecimento básico da monitorização ECG porque as decisões


terapêuticas são feitas em sua função;

 A avaliação ECG requer treino e experiência, pelo que deve ser feita de forma
sistematizada;

 A Desfibrilhação Automática Externa em situações de PCR permite ultrapassar o


problema da interpretação ECG, identificando rápida e corretamente os ritmos
desfibrilháveis, iniciando rapidamente o seu tratamento.

90 | I N E M
Desfibrilhação Elétrica

VIII. DESFIBRILHAÇÃO ELÉTRICA

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Compreender o que se entende por desfibrilhação elétrica;
 Identificar como e quando se utiliza a desfibrilhação;
 Saber garantir condições de segurança para o doente e toda a equipa durante a
desfibrilhação;
 Identificar o funcionamento dos diferentes tipos de desfibrilhadores.

1. Introdução tratamento definitivo, a desfibrilhação elétrica,


possa restaurar o débito cardíaco.
Quando ocorre uma FV ou uma TVsp cessa de Quanto mais curto for o tempo decorrido entre
imediato o débito cardíaco e, a FV ou a TV sem pulso e a aplicação do
consequentemente, é interrompida a choque, maior é a probabilidade de se
circulação cerebral, surgindo lesões de hipóxia conseguir reverter a arritmia e, em simultâneo
em apenas 2 minutos. com um SBV adequado, restaurar um débito
Para que se possa conseguir uma cardíaco eficaz melhorando o prognóstico do
recuperação neurológica total é necessário doente.
restaurar, o mais precocemente possível, o Com o Programa Nacional de Desfibrilhação
débito cardíaco. Para tal a desfibrilhação deve Automática Externa do INEM, IP., que teve
ser efetuada de imediato. início em 2009 e que continua em expansão,
Na eventualidade de um desfibrilhador não pode aumentar o número de vítimas a quem é
estar de imediato disponível, deve ser iniciado feito SBV/ Desfibrilhação Precoce e por essa
SBV. via aumentar a sobrevida das PCR por SCA no
O SBV é uma medida de suporte que permite pré-hospitalar. Existem atualmente em
manter algum débito cardíaco e algum grau de Portugal continental 1736 espaços públicos
oxigenação com o objetivo de manter uma com DAE, e mais de 19 mil pessoas formadas
perfusão mínima dos órgãos nobres até que o em Suporte Básico de Vida e DAE para a
utilização destes equipamentos.

I N E M | 91
Suporte Avançado de Vida

Figura 45 - Algoritmo de Desfibrilhação Automática Externa

92 | I N E M
Desfibrilhação Elétrica

2. Pré-desfibrilhação minutos de SBV, antes da desfibrilhação, nas


vítimas com colapso longo (> 5 minutos).
2.1. Minimizar a pausa pré-choque Esta recomendação baseou-se em estudos
clínicos que demonstraram que quando o
O intervalo entre a paragem das compressões
tempo de resposta excede os 4-5 minutos, o
torácicas e a aplicação do choque (pausa pré-
RCE, a sobrevida à data da alta hospitalar e a
choque) deve se reduzido ao mínimo possível,
sobrevida ao ano, em adultos com FV ou TV
mesmo 5-10 segundos de pausa reduzem a
em contexto pré-hospitalar melhoravam se
probabilidade de o choque ser eficaz. Com
antes da desfibrilhação fosse feito 1,5 a 3
uma liderança eficiente da equipa, capaz de
minutos de SBV em comparação com a
manter comunicação eficaz, a pausa pré-
desfibrilhação imediata.
choque pode ser facilmente reduzida para
menos de 5 segundos mantendo as Recentemente, dois estudos randomizados
compressões durante o tempo de carga do documentaram que um período de 1,5 a 3
desfibrilhador. A confirmação de segurança de minutos de SBV feitos pelos operacionais,
que ninguém está em contacto com a vítima no antes da desfibrilhação não melhora o RCE
momento da desfibrilhação deve ser feita de nem a sobrevida à data da alta hospitalar nos
forma rápida e eficiente. A pausa pós-choque doentes no pré-hospitalar, com FV ou TV sem
deve ser reduzida pelo reinício imediato das pulso independentemente do tempo de
compressões a seguir ao choque. A totalidade resposta. Demonstrou-se que fazer
do processo de desfibrilhação deve estar compressões torácicas enquanto o
completo em menos de 5 segundos. desfibrilhador está a carregar melhora a
probabilidade de sobrevida.
Deve ser feito SBV da melhor qualidade a
2.2. Elétrodos autocolantes versus pás todas as vítimas de PCR não presenciada, até
chegar o desfibrilhador, ser conectado e
Os elétrodos autocolantes/ multifunções, na carregado, mas não se recomenda que se
prática, têm vantagens na monitorização e faça, por rotina, um período de SBV pré-
desfibrilhação de rotina, quando comparados definido (ex: 2 a 3 min) antes da análise de
com as pás dos desfibrilhadores clássicos. ritmo e de aplicar o choque.
São seguros, eficazes e preferíveis em
detrimento das pás dos desfibrilhadores.
Reduzir as pausas pré-choque, mantendo as
compressões durante o tempo de carga do
2.3. SBV antes da desfibrilhação desfibrilhador.

Há vários estudos que analisaram as


vantagens de fazer um período de SBV antes
da desfibrilhação, em particular nas PCR não
testemunhadas ou colapsos prolongados sem
reanimação. Da revisão que serviu de base às 3. Mecanismo da desfibrilhação elétrica
recomendações de 2005 resultou a
recomendação de que era razoável A desfibrilhação consiste na aplicação de um
recomendar aos operacionais que fizessem 2 choque elétrico, habitualmente externamente
a nível do tórax, para que a corrente elétrica

I N E M | 93
Suporte Avançado de Vida

atravesse o miocárdio causando uma deve ser feita nesta fase (o que é o
despolarização de toda, ou quase toda, a usual);
massa muscular cardíaca. Isto permite ao Pela existência de pelos torácicos:
coração retomar um ritmo normal através da
 Quando necessário deve efetuar-se
entrada em funcionamento da sua estrutura de
uma depilação rápida no local de
comando habitual, o nódulo sinusal.
aplicação das pás/ elétrodos, mas se
Uma desfibrilhação com sucesso é, tal não for possível a desfibrilhação não
habitualmente, a que consegue despolarizar deve ser atrasada por este motivo.
uma massa crítica de miocárdio. O sucesso
Apenas uma pequena percentagem (cerca de
depende mais, da corrente que efetivamente
4%) da corrente aplicada no tórax atinge
atinge o miocárdio (medida em Amperes), do
efetivamente o miocárdio. Alguns
que da energia do choque (medida em Joules).
desfibrilhadores atuais têm capacidade de
A corrente, por sua vez, é influenciada pela
medir a impedância transtorácica e ajustar a
impedância transtorácica, pela posição dos
corrente à impedância medida.
elétrodos e pela energia do choque.
O tamanho corporal também influencia a
impedância e a energia necessária para a
3.1. Impedância transtorácica desfibrilhação; no entanto, a variação ponderal
habitual no adulto não justifica qualquer ajuste
A magnitude da corrente que atravessa o em função do peso.
miocárdio depende da voltagem aplicada e da Outros fatores como o estado metabólico do
resistência oferecida à passagem do choque organismo, a isquémia miocárdica ou a
pelos vários tecidos (parede torácica, pulmões utilização de determinados fármacos
e miocárdio). influenciam o sucesso da desfibrilhação, mas
A impedância transtorácica é influenciada: não é habitual fazer modificações em função
destas variáveis.
Pelo tamanho dos elétrodos ou das pás:
 A impedância entre as pás e a pele
pode ser reduzida pela aplicação de gel 3.2. Posição dos elétrodos
líquido. No entanto o excesso de gel
sobre o tórax do doente pode levar a A posição ideal dos elétrodos é aquela que
fenómenos de arco voltaico. Elétrodos permite a passagem do máximo de corrente
autocolantes com gel condutor na pelo miocárdio. O posicionamento standard é
forma semissólida são preferíveis, colocar um elétrodo à direita na região
devendo ser cuidadosamente colados; infraclavicular direita e outro à esquerda a nível
Pela interface elétrodos/ pele ou pás/ pele: do 5º espaço intercostal esquerdo, na linha
 A aplicação de pressão sobre as pás axilar anterior/ média, ou seja, no local
(por exemplo cerca de 8 kg no adulto) correspondente (aproximadamente) à
melhora o contacto e permite também localização do elétrodo V5/V6 do ECG.
reduzir a impedância; Apesar de os elétrodos estarem marcados
Pela fase da ventilação:  como “positivo” e “negativo” ou as pás com
“esternal” e “apical” a sua colocação é
 A impedância é menor na expiração,
indiferente, no que concerne ao sucesso da
por ser menor o volume de ar nos
desfibrilhação.
pulmões, pelo que a desfibrilhação

94 | I N E M
Desfibrilhação Elétrica

Na eventualidade de várias tentativas sem um ritmo desfibrilhável. Para desligar o CDI


sucesso, justifica-se tentar locais alternativos bastará colocar em cima do mesmo um íman.
como a “posição ântero-posterior”. Neste caso, Contudo, esta manobra não deve ser realizada
um dos elétrodos é colocado à esquerda do sem se confirmar previamente que o doente
bordo esternal na sua porção inferior e o outro não está efetivamente em FV/ TV.
no dorso abaixo da omoplata esquerda. Esta Após desfibrilhação externa, se as manobras
técnica implica o rolamento do doente para a de reanimação tiverem sucesso, quer os CDI
direita, interferindo com a compressão quer os pacemaker’s devem ser objeto de uma
cardíaca e pode não ser possível num doente revisão.
obeso. A posição ântero-posterior só é prática
no caso de se usarem elétrodos autocolantes.
Se o doente é portador de um pacemaker ou 3. Cardioversão elétrica sincronizada
de um CDI são necessárias algumas
modificações em relação ao posicionamento A cardioversão elétrica sincronizada pode ser
standard dos elétrodos. Os pacemaker’s usada para converter taquicardias
atuais têm mecanismos de proteção em supraventriculares ou ventriculares. Sempre
relação a interferências externas no seu que o doente se encontre consciente deve ser
funcionamento. No entanto, a corrente previamente sedado.
aplicada na desfibrilhação encontra no circuito A sincronização consiste na aplicação do
do pacemaker-elétrodo um local de passagem choque exatamente sobre a onda R do ECG,
facilitada, podendo percorrer o elétrodo e evitando a sua aplicação ao acaso e o risco de
causar queimaduras no local de contacto deste que o mesmo ocorra sobre a onda T, em
com o miocárdio. Se isto acontecer a período refratário relativo, o que pode induzir
resistência à corrente elétrica no local da fibrilhação ventricular.
queimadura aumenta, condicionando um
A maioria dos desfibrilhadores manuais tem
aumento do limiar de estimulação do
um botão de sincronização do choque que
pacemaker.
associa um sinal elétrico a cada complexo
A colocação dos elétrodos multifunções ou pás QRS, para que a aplicação de energia seja
de desfibrilhação pelo menos 8 cm afastados feita apenas quando surge esse sinal.
dos dispositivos elétricos, minimiza os riscos.
O gel é colocado no tórax do doente e o
No caso de pacemaker provisório deve ser
procedimento é em tudo semelhante ao da
evitado o contacto dos elétrodos ou do gel
desfibrilhação, mas o operador deve estar
condutor com o elétrodo de pacing. A
alerta para a existência de um atraso entre o
alternativa será a colocação dos elétrodos ou
momento em que pressiona os botões de
pás na posição ântero-posterior.
descarga e o momento da aplicação efetiva do
No que concerne aos CDI, quando estes choque, que apenas ocorrerá quando for
dispositivos detetam uma FV/ TV efetuam no detetado um complexo QRS. Durante este
máximo seis descargas elétricas. Para além período de espera as pás não devem ser
deste número, o CDI apenas dará novos mexidas do tórax do doente e devem manter-
choques caso seja detetado um novo episódio se pressionados os botões de descarga.
de FV/ TV.
Em algumas circunstâncias, embora raras, por
avaria do dispositivo podem ocorrer disparos
ocasionais repetidos sem que o doente possua

I N E M | 95
Suporte Avançado de Vida

Quando se trata de uma TV sem pulso deve ou manipular os sistemas de perfusão


ser feito de imediato um choque não de soros (seringas infusoras ou
sincronizado tal como anteriormente referido outros);
para a FV.  O elemento da equipa responsável
pelo manuseamento da via aérea deve
Com alguns desfibrilhadores é necessário assegurar que não existe fluxo de
voltar a pressionar o botão de sincronização oxigénio nas proximidades (distância
mínima de segurança – 1 metro) no
para efetuar nova cardioversão sincronizada;
momento da aplicação do choque,
outros mantêm o botão de sincronização dado o risco de arco elétrico e explosão
ligado. Neste caso, deve ser tido todo o (mesmo em doentes entubados e com
cuidado para não deixar o desfibrilhador com circuito fechado de ventilação deve ser
desconectado dado o risco de rotura do
a sincronização ligada pois isso impede a
cuff e consequente fuga de oxigénio);
aplicação do choque no caso de o doente  Não deve ser aplicado gel em excesso
entrar em FV, uma vez que não são nem ser espalhado por todo o tórax
detetados complexos QRS. pelos riscos já anteriormente referidos.
A utilização de elétrodos autocolantes
reduz o risco;
 O operador deve ter o cuidado de não
tocar em qualquer parte dos elétrodos
4. Segurança e gritar ‘AFASTAR’, confirmando
visualmente que essa ordem é
A desfibrilhação deve ser segura, não pondo cumprida.
em risco os elementos da equipa:
 É fundamental que ninguém esteja em
contacto direto ou indireto com o Um desfibrilhador manual só deve ser posto
doente; em carga com as pás já colocadas no tórax
 É necessário ter o maior cuidado com do doente ou no seu local de fixação no
a água. Se o doente estiver molhado desfibrilhador.
deve ser limpo previamente e serem
retiradas as roupas molhadas ou
húmidas;
 É necessário retirar os pensos
adesivos de medicação transdérmica Se o desfibrilhador tiver sido carregado e já
pois a aplicação das pás sobre os não estiver indicada a aplicação do choque, a
mesmos acarreta riscos de explosão mesma pode ser anulada colocando o seletor
(ex: nitroglicerina transdérmica), de energia na posição “zero J”.
queimaduras locais (se os pensos
Alguns aparelhos perdem automaticamente a
adesivos contiverem partes metálicas)
carga se a energia não for administrada
ou ainda resistência aumentada à
durante um determinado período de tempo.
passagem da corrente;
 Ninguém pode estar em contacto com
a cama ou maca do doente nem tocar

96 | I N E M
Desfibrilhação Elétrica

5. Energia do choque 6.1. Desfibrilhadores manuais

A energia do choque é habitualmente Com um desfibrilhador manual o operador tem


expressa em Joules. que interpretar o ritmo e decidir se está ou não
Se a energia do choque for demasiado baixa a indicada a aplicação do choque. A seleção de
desfibrilhação não será eficaz. No entanto, o energia, carga e aplicação do choque são
uso de energia excessiva pode lesar o igualmente determinadas pelo operador.
miocárdio comprometendo a sua função ou Embora tenham a vantagem de permitir
causando o aparecimento de arritmias efetuar cardioversão sincronizada e permitir a
refratárias. Desconhecem-se os níveis de aplicação do choque qualquer que seja o ritmo
energia ótimos, quer para as ondas bifásicas do doente (o que pode ser útil nas situações
quer para as monofásicas. As recomendações não permitindo aplicação de choque), têm a
do nível de energia são estabelecidas em desvantagem de só poderem ser utilizados por
consensos baseados na revisão cuidadosa da operadores com a capacidade de interpretar o
literatura. ritmo, o que requer treino prolongado.
Assim, para um desfibrilhador monofásico, a A sequência de ações reporta-se ao algoritmo
desfibrilhação deve ser feita com uma energia de suporte avançado de vida.
de 360 Joules para o primeiro choque e os
choques seguintes devem ser também com
360 Joules. No caso de desfibrilhadores 6.2. Desfibrilhadores bifásicos
bifásicos, a energia do primeiro choque deve
ser de 150 a 200 Joules e recomenda-se Com as ondas monofásicas o fluxo de corrente
incrementar nos choques seguintes, devendo, entre os elétrodos tem apenas uma direção. As
portanto, ser de 200 a 360 Joules. Deve-se ondas bifásicas fornecem inicialmente energia
respeitar as orientações do fabricante no que numa direção – positiva e depois invertem a
se refere à energia do choque. direção da corrente – negativa, durante a
última fase de descarga de energia.

6. Desfibrilhadores

Existem vários tipos de monitores cardíacos


que têm em comum um ecrã para visualização
do ritmo cardíaco. Alguns permitem ainda
imprimir e/ou gravar os registos
eletrocardiográficos, detetar a frequência
cardíaca e estabelecer alarmes para vários
parâmetros. Outros desfibrilhadores permitem
a análise automática de ritmos, como os DAE.
Os desfibrilhadores convencionais permitiam
apenas a aplicação de choques com ondas de Figura 46 - Exemplo de onda Bifásica
corrente monofásicas; existem atualmente
A utilização deste tipo de onda nos
desfibrilhadores que permitem a aplicação de
desfibrilhadores implantados mostrou reduzir o
corrente com ondas bifásicas.
limiar de desfibrilhação e a quantidade de
energia necessária para obter uma

I N E M | 97
Suporte Avançado de Vida

desfibrilhação com sucesso. Sabe-se ainda bifásicos precisam de baterias e acumuladores


que, após a aplicação de um choque com onda de menores dimensões o que lhes permite
bifásica, o período refratário é maior o que serem mais pequenos e mais leves. O perigo
ajuda a bloquear potenciais fontes de e as potenciais complicações com a
fibrilhação. Como a desfibrilhação bifásica desfibrilhação ficam também reduzidos.
requer menor energia, os desfibrilhadores

98 | I N E M
Desfibrilhação Elétrica

Pontos a reter

 A Desfibrilhação é o único método para restabelecer a circulação espontânea na vítima em


FV/ TVsp.

 Para ser eficaz, a desfibrilhação deve ser o mais precoce possível, eficiente e segura.

 Deve reduzir-se as pausas pré e pós-choque e manter as compressões durante a carga do


desfibrilhador.

I N E M | 99
Suporte Avançado de Vida

IX. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Reconhecer as razões da necessidade de um acesso venoso;
 Conhecer as técnicas de cateterização central e periférica;
 Saber as potenciais complicações da cateterização venosa;
 Reconhecer a importância do acesso intraósseo;
 Identificar os locais de colocação intraósseos, indicações e potenciais complicações;
 Reconhecer as vantagens e desvantagens das diferentes vias.

1. Introdução é determinada pela experiência do operador e


pela disponibilidade de equipamento.
na sobrevivência do doente após uma A eficácia dos fármacos durante a reanimação
paragem cardíaca é um Suporte Básico de é diretamente proporcional à velocidade com
Vida imediato e eficaz, manutenção das que atingem a circulação, pelo que o acesso
compressões torácicas sem interrupções e de de escolha seria uma veia central, no entanto
elevada qualidade, em simultâneo com a a colocação de um cateter central requer a
desfibrilhação imediata na FV/ TVsp. interrupção do SBV, exige experiência e pode
No entanto, a administração de adrenalina estar associada a graves complicações.
aumenta a probabilidade de RCE (apesar de Se for necessário estabelecer um acesso
não haver provas seguras de que qualquer vascular deve colocar-se um acesso periférico
outro medicamento ou intervenção avançada pois a cateterização de uma veia periférica é
sobre a via aérea melhore a sobrevida das mais rápida, mais fácil e exige menos treino.
vítimas de PCR à data da alta hospitalar).
Por isso, na RCP há necessidade de A via de administração deve ter em atenção a
assegurar um acesso venoso/intraósseo, tão experiência do reanimador e a situação
precocemente quanto possível.
clínica do doente.
Outras intervenções carecem de um acesso
venoso/intraósseo, desde a administração de
outros fármacos e fluídos, colheita de
amostras de sangue e, quando indicado,
inserção de eletrocatéteres de Pacing. Quando se utiliza uma veia periférica (acesso
EV):
 Deve fazer-se um bólus de 20 mL de
2. Acessos venosos periféricos versus SF logo após a administração de um
centrais fármaco de modo a permitir que ele
entre mais rapidamente em circulação;
A escolha entre veia central ou periférica  O membro onde se estabeleceu o
quando é necessário obter um acesso venoso, acesso deve ser elevado;

100 | I N E M
Vias de Administração de Fármacos

 As veias periféricas devem ser 3. Acessos venosos periféricos


aspergidas no sentido proximal.
As veias superficiais dos membros superiores
são as veias mais utilizadas. Uma ótima
alternativa é a veia jugular externa.
Durante a RCP a via endovenosa é a que
melhor garante a administração de fármacos. 3.1. Veias do antebraço

As veias da fossa antecubital permitem um


acesso vascular rápido e seguro para a
administração de terapêutica na reanimação.
Existem diferentes dispositivos para Embora os cateteres longos possam ser
estabelecimento de acesso venoso, utilizando- inseridos nas veias antecubitais e avançados
se duas escalas para a medição do tamanho até à veia cava superior, estes cateteres
em termos de diâmetro externo: venosos centrais inseridos perifericamente
 Standard wire gauge (G): são mais apropriados para a terapêutica de
o Diâmetro do cateter aumenta infusão no domicílio que para tratar doentes
com a redução do valor do críticos. Os cateteres curtos (5-7cm) são
gauge (14G> 18G) preferidos para a reanimação através das
 French gauge (FG): veias antecubitais pois são mais facilmente
o Diâmetro aumenta com o inseridos e permitem velocidades maiores de
aumento do valor do gauge infusão que os cateteres mais longos.
(7FG <8FG). A veia basílica segue ao longo da face
O comprimento do cateter aumenta à medida mediana da fossa antecubital e a veia cefálica
que o diâmetro aumenta. está situada no lado oposto. É preferível a veia
basílica porque segue um trajeto mais reto e
Existem as cânulas que têm <7 cm de
menos variável no braço do que a veia
comprimento e os cateteres têm >7 cm.
cefálica.

Cateter sobre agulha (Abocath) 3.2. Veia jugular externa

Trata-se de uma cânula plástica montada Fácil de identificar no pescoço e é muito


sobre uma agulha metálica de reduzido acessível. Relativamente superficial, é coberta
diâmetro; o bisel ultrapassa e exterioriza a por uma fina camada muscular, fáscia e pele.
cânula. A outra extremidade da agulha está A veia jugular externa segue ao longo de uma
acoplada a um reservatório transparente que linha, estendendo-se do ângulo da mandíbula
se preenche de sangue quando o bisel penetra até um ponto médio ao longo da clavícula. Ela
no leito vascular. corre obliquamente através da superfície do
Existe uma variedade de tamanhos e calibres músculo esternocleidomastoideu e une-se à
podendo ser utilizados para acessos veia subclávia num ângulo agudo.
periféricos ou centrais. Alguns modelos têm
uma proteção na extremidade que impede a
picada acidental.

I N E M | 101
Suporte Avançado de Vida

3.2.2. Técnica de inserção 4.1.1. Técnica de cateterização

Coloca-se o doente em posição supina ou O lado direito é preferido pois os vasos


Trendelenburg com cabeça voltada para o seguem um curso mais direto à aurícula
lado oposto ao de inserção. Se necessário, a direita. Doente em posição supina ou
veia pode ser ocluída logo acima da clavícula Trendelenburg, rotação da cabeça do doente
(com o indicador da mão não dominante) para para o lado contralateral do local a puncionar.
ingurgitar o sítio de entrada. A veia jugular Punção no ápex do triângulo que é formado
externa possui pouco suporte pelas estruturas pelas duas cabeças do
circundantes de modo que deve ser ancorada esternocleidomastoideu. Existem várias
entre o polegar e indicador quando a agulha é abordagens para proceder à punção da veia
inserida. O bisel da agulha deve ser apontado jugular interna (abordagem anterior e
para cima quando ela penetra na veia. posterior). A veia é superficial (profundidade 1-
O ponto de inserção recomendado é a meio 2 cm), devendo orientar a agulha lateralmente
caminho entre o ângulo da mandíbula e a e para baixo.
clavícula. Recomenda-se usar um cateter de
calibre 16G de lúmen único, com 10 a 15 cm
de comprimento. 4.2. Veia subclávia

A veia subclávia é uma continuação da veia


axilar quando ela passa sobre a primeira
4. Acessos venosos centrais
costela. A pleura apical fica a cerca de 5 mm
de profundidade da veia subclávia. Corre a
A cateterização venosa central apresenta
maior parte do seu percurso ao longo do bordo
algumas vantagens relativamente à periférica,
inferior da clavícula. A veia segue ao longo da
principalmente na rapidez de atuação dos
superfície externa do músculo escaleno
fármacos, no entanto, tem como principais
anterior que separa a veia da sua artéria
desvantagens a necessidade de interrupção
acompanhante na parte inferior do músculo. A
das manobras de reanimação
nível torácico a veia subclávia encontra a veia
cardiorrespiratória e maiores riscos.
jugular interna para formar a veia
Existem cateteres de lúmen único ou múltiplo
braquiocefálica. A convergência das veias
(2 a 5 vias) que permitem a monitorização da
braquiocefálicas direita e esquerda forma a
pressão venosa central e infusão de fármacos.
veia cava superior.

4.1. Veia jugular interna


4.2.1. Material e técnica de cateterização
A veia jugular interna está localizada sob o
Pode ser usado um dispositivo de cateter
músculo esternocleidomastoideu no pescoço,
sobre agulha (mais longo que o utilizado na
segue um percurso oblíquo à medida que
cateterização periférica), mas a técnica de
desce pelo pescoço. Quando a cabeça é
Seldinger é a mais usada (esta técnica é
virada para o lado oposto, a veia forma uma
utilizada predominantemente na cateterização
linha reta do lóbulo da orelha à articulação
de veias centrais).
esternoclavicular. Junto à base do pescoço a
veia jugular interna torna-se a estrutura mais
lateral na bainha carotídea.

102 | I N E M
Vias de Administração de Fármacos

Técnica de Seldinger 5. Complicações dos acessos venosos

1. Após identificação do local, é feita 5.1. Periféricos


punção da veia subclávia através de
uma agulha; Tabela 10 - Complicações da cateterização venosa
2. Confirma-se a colocação correta periférica

aspirando sangue pela seringa Complicações da cateterização venosa


acoplada á agulha (não deve ter um periférica
retorno em jato, como acontece
quando se punciona a artéria); Precoces
3. Retira-se a seringa e introduz-se o fio Insucesso
guia pela agulha até à veia;
Hematomas
4. Retira-se a agulha, deixando o fio guia;
5. Procede-se à dilatação, introduzindo o Extravasamento
dilatador pelo fio guia, que depois é Embolia gasosa (mais frequente na veia
retirado; jugular externa ou centrais)
6. Introduz-se através do fio guia o cateter Fratura das cânulas
venoso central;
Tardias
7. Retira-se o fio guia e, depois de
confirmar o fluxo nos diferentes lúmens Celulite
do cateter, fixa-se o cateter.
Tromboflebite

4.3. Veia femoral


5.2. Centrais
A estrutura mais medial na bainha femoral e Tabela 11 - Complicações da cateterização venosa
está situada medialmente à artéria femoral. No central
ligamento inguinal os vasos femorais estão
Complicações da cateterização venosa
poucos centímetros abaixo da superfície da
pele. É mais fácil de canalizar e também a que central
tem menos riscos, contudo é de difícil Precoces
localização na ausência de pulso durante a
paragem cardíaca. Punção arterial
Hematomas
Hemotórax
4.3.1. Técnica de inserção
Pneumotórax
1. Palpa-se a artéria femoral logo abaixo Arritmias
da prega inguinal;
Embolia do guia / Perda do guia
2. Insere-se a agulha (bisel para cima) 1
Lesão do canal torácico
a 2 cm medialmente ao pulso palpado;
3. Avançamos a agulha formando um Tardias
ângulo de 45º, penetrando na veia a
uma profundidade de 2-4 cm. Embolia gasosa
Sépsis

I N E M | 103
Suporte Avançado de Vida

6. Via intraóssea  3 tentativas ou 60 segundos sem


conseguir puncionar veia periférica em
caso de PCR ou urgência grave
6.1. Introdução (criança);
 Queimaduras ou outras lesões que
Se um acesso endovenoso for difícil ou impedem o acesso venoso noutros
impossível de obter, deve considerar-se a via locais;
intraóssea (IO). A punção IO consiste na  Uso em adulto e crianças, tanto em
introdução de uma agulha na cavidade da conscientes como inconscientes;
medula óssea. É um acesso alternativo para  Colheita de sangue para gasimetria
administração intravenosa de fármacos e venosa, bioquímica e hemograma;
fluídos. Comumente usado no pré-hospitalar, a  Via alternativa para administração de
sua utilização em ambiente hospitalar tem terapêutica a curto prazo (< 72 horas).
vindo a aumentar, pois apresenta-se como um * Exceto quimioterapia, alimentação
procedimento rápido e seguro. parentérica e infusão de soluções hipertónicas
de forma continuada (+ de 2 horas)

6.2. Anatomia e fisiologia do osso


6.4. Complicações Possíveis
A cavidade medular é ocupada por uma rede
de vasos intramedulares e lagos venosos que  Extravasamento de líquidos no tecido
estão protegidos por paredes ósseas rígidas e subcutâneo (complicação mais
não colapsáveis, com comunicação direta e comum; pode causar síndrome
extensa à circulação sistémica. compartimental);
Os canais venosos intraósseos ao não  Infeção local;
colapsarem, mesmo em situações de choque  Osteomielite.
ou PCR, possibilitam que o plexo venoso dos
ossos longos drene para a circulação central,
numa taxa comparável à do acesso venoso 6.5. Contraindicações
central.
 Trauma ósseo no local ou proximal ao
local de inserção;
 Inserção IO recente no mesmo osso
6.3. Indicações e vantagens (48h antes);
 Infeção sobre o ponto de inserção;
 Administração de fluídos/ fármacos*,  Prótese no membro (haste tibial, placa
especialmente em situação de colapso umeral);
circulatório, onde um acesso rápido é  Sem marcas ou dificuldade na
essencial; identificação da referência anatómica.
 Atraso ou dificuldade na obtenção de
um acesso venoso;
 Tentativa de acesso venoso periférico
sem sucesso (adulto);

104 | I N E M
Vias de Administração de Fármacos

6.6. Tipos de dispositivos

Os dispositivos para obtenção de acesso IO


são divididos em manuais (inseridos pela força
do operador) e automáticos.

6.6.1. Dispositivos manuais

Existem agulhas próprias para a punção IO


manual. Exigem força significativa para Figura 48 - B.I.G. (Bone
puncionar o doente (mais usadas em lactentes Injection Gun)
e nos membros inferiores).

Figura 47 - Modified Dieckmann needle

Figura 49 - NIOTM
6.6.2. Dispositivos automáticos

Os dispositivos de inserção automática 2. Agulhas motorizadas: sistema no qual


possuem regulação para determinar a a agulha penetra no osso por um
profundidade da inserção da agulha, além de sistema de alta rotação – EZ-IO®
tamanhos diferentes, de acordo com o peso do Intraosseous Vascular Access System.
paciente, da anatomia e quantidade de tecido
sobre o ponto de inserção (pele, tecido
adiposo, desenvolvimento do músculo). São
divididos em 2 tipos:
1. Agulhas impulsionadas por impacto:
sistema no qual a agulha é
impulsionada por mola – B.I.G. (Bone
Injection Gun) ou NIOTM.

Figura 50 - EZ-IO®
Fonte: www.teleflex.com

I N E M | 105
Suporte Avançado de Vida

6.7. Local de inserção:

 Úmero;
 Tíbia.

6.7.1. Úmero proximal (tipo de dispositivo:


EZ-IO®)

 Zona de inserção de eleição para Figura 52 - Identificação da cabeça do


úmero
elevado fluxo (média 5L/hora);
 Próximo do coração; Fonte: www.teleflex.com

 Infusão rápida de fármacos até à 3. Coloque uma das suas mãos em posição
circulação central (os fármacos vertical sobre a região axilar;
chegam à aurícula direita em apenas
3 segundos);
 Local de eleição para doentes
conscientes e reativos à dor (local
menos doloroso).

Técnica:

1. Colocar o braço em rotação interna com


Figura 53 - Identificação do local de
cotovelo junto ao corpo (adução) e mão sobre inserção
o abdómen; Fonte: www.teleflex.com
4. Coloque a sua outra mão na região média
do ombro do doente;

Figura 51 - Posição do braço em


rotação interna
Fonte: www.teleflex.com Figura 54 - Identificação do local de inserção
Fonte: www.teleflex.com
2. Palpar com face anterior da mão a parte
anterior do ombro. Identificar uma estrutura
esférica (cabeça do úmero). Esta será a zona
de inserção;

106 | I N E M
Vias de Administração de Fármacos

5. Feche as suas mãos e com os polegares  Incapacidade para identificar marcas


identifique o colo cirúrgico; de referência em outros locais de
inserção.

Técnica:

1. Extensão da perna;
2. O ponto de inserção encontra-se a 2-3
cm para a região interna em relação à
tuberosidade anterior da tíbia;
3. Outra opção: aproximadamente a 3 cm
abaixo da rótula e aproximadamente a
Figura 55 - Identificação do local de 2 cm na região interna, na parte plana
inserção da tíbia;
Fonte: www.teleflex.com 4. A agulha deve ser inserida formando
um ângulo de 90º com o osso.
6. O ponto de inserção é a tuberosidade maior
(troquiter), 1 a 2 cm acima do colo cirúrgico;
6.7.3. Tíbia distal (tipo de dispositivo: IO
manual; B.I.G; EZ-IO®)

 Doentes obesos;
 Incapacidade no acesso a outros
possíveis locais de inserção do
dispositivo.

Técnica:

1. O ponto de inserção está a 3 cm da


região mais proeminente do maléolo
Figura 56 - Identificação do local de inserção interno;
Fonte: www.teleflex.com 2. Palpe o bordo anterior e posterior da
tíbia e assegure-se de que o ponto de
inserção está localizado na parte plana
7. Inserir a agulha num angulo de 45º,
do osso;
direcionada para a omoplata oposta.
3. A agulha deve ser colocada num
ângulo de 90º em relação à tíbia.
6.7.2. Tíbia proximal (tipo de dispositivo: IO
manual; B.I.G; NIOTM, EZ-IO®)

 Doentes inconscientes;
 Profissionais pouco familiarizados com
outros locais de inserção;

I N E M | 107
Suporte Avançado de Vida

(máx. 2mL=40mg); deixar a lidocaína atuar no


espaço IO durante 60 segundos; administrar o
bólus de NaCl 0,9% rapidamente; administrar
metade da dose inicial da lidocaína durante 60
segundos; só depois administrar os
fluidos/fármacos).

A não administração do bólus de NaCl 0,9% é


uma das causas frequentes para não se
conseguir um fluxo adequado no momento de
administrar fluidos/fármacos.

A gravidade por si só, raramente, gera fluxos


Figura 57 - Identificação do local de inserção – Tibia adequados, pelo que se recomenda que a
distal administração de fluidos seja feita sob pressão
Fonte: www.teleflex.com (utilizando uma bomba de infusão ou uma
bolsa pressurizada).

6.8. Procedimento

Após escolha do dispositivo e identificação do 7. Via intramuscular, intranasal, retal


local de inserção, este deve ser desinfetado.
A administração de terapêutica ao doente
Mesmo nos doentes conscientes, critico pela via EV, ou em sua substituição pela
normalmente, não é necessário aplicar via IO, apresenta um elevado grau de
anestésico local na zona de inserção. efetividade.
No entanto, esta abordagem pode ser difícil e
Para confirmar que a agulha está no espaço
estar comprometida, ou no imediato ser
intraósseo deve aspirar com a seringa
impossível de realizar. Pode-se recorrer a
sangue/medula óssea (nem sempre se
outras vias para administração de terapêutica
consegue e isto não quer dizer
de emergência, de extrema eficácia,
necessariamente que a agulha não se
dependente da situação.
encontra no espaço intraósseo).

Antes de infundir qualquer fármaco por via IO,


é essencial administrar um bólus de solução 7.1. Via Intramuscular (IM)
salina (5-10mL nos adultos; 2-5mL nas
Esta via de administração fornece uma ação
crianças). Este bólus permite abrir o espaço
sistémica rápida, pois o fármaco ao ser
intraósseo para que os fluidos tenham um fluxo
depositado no tecido muscular, o qual é
adequado. É este procedimento de abertura
altamente vascularizado, é rapidamente
do espaço intraósseo que pode provocar dor
absorvido.
num doente consciente. Nestes casos deve
ser avaliada a necessidade de analgesia Na anafilaxia (administração de adrenalina),
(habitualmente com lidocaína a 2% - na hipoglicemia (administração de glucagon)
2mL=40mg: administrar lentamente ou na overdose de opioides (administração de
0,025mL/kg=0,5mg/kg durante 120 segundos naloxona), tem demonstrado um elevado grau

108 | I N E M
Vias de Administração de Fármacos

de eficácia, enquanto não se obtêm um acesso nasal, e aumentar o espaço disponível para a
EV/ IO definitivo. sua absorção.

7.2. Via Intranasal (IN)

A administração pela via IN é atualmente


objeto de intensa atividade de investigação. A
via IN, principalmente na porção superior da
cavidade nasal, região onde a mucosa nasal é Figura 58 - Seringa com dispersor nasal
altamente vascularizada, está a emergir como Fonte: www.teleflex.com
uma alternativa às vias tradicionais, na medida
em que tem sido demonstrado que é possível,
para uma vasta gama de moléculas, alcançar 7.3. Via Retal
o SNC sem terem que atravessar a barreira
hematoencefálica. A administração de fármacos por via retal não
é uma alternativa de primeira linha. Em
Administração de benzodiazepinas na
emergência a sua utilização tem poucas
convulsão, ou analgesia (cetamina, fentanil)
indicações, sendo a mais comum, a
por via IN oferece vantagens únicas, pois
administração de clister de diazepam (vulgo
permite o atendimento mais rápido, fácil e
Stesolid®) em idade pediátrica.
seguro com uma menor curva de
aprendizagem em relação às outras vias.
Esta técnica necessita de um dispositivo
próprio (dispersor nasal*), que é colocado no
topo de uma seringa. Antes da administração
dos fármacos, deve-se garantir que ambas as
narinas estão limpas, no sentido de otimizar
maior contacto do fármaco com a mucosa

I N E M | 109
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 A via de administração deve ter em atenção a experiência do reanimador e a situação clínica


do doente;

 Durante a reanimação a via EV é a que melhor garante a administração de fármacos;

 A via EV periférica é a via de escolha inicial, exceto se já há uma via central colocada;

 Considerar a via IO de imediato, essencialmente quando há atraso / dificuldade ou não há


sucesso na obtenção de um acesso venoso;

 As vias IM, IN e Retal, não sendo de primeira linha, podem ser opção, dependendo da
situação.

110 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

X. FÁRMACOS USADOS NA REANIMAÇÃO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Conhecer as indicações, ações e doses dos fármacos usados em reanimação;
 Conhecer as precauções e contraindicações dos fármacos usados na reanimação;
 Utilizar corretamente os vários fármacos indicados na paragem cardiorrespiratória;
 Utilizar corretamente os vários fármacos para tratamento das taquidisritmias e das
bradidisritmias, e de outras situações periparagem;
 Compreender as indicações, doses e efeitos secundários dos fármacos antiarrítmicos a
utilizar no período periparagem;
 Compreender as indicações, doses e efeitos secundários de outros fármacos usados no
período periparagem.

1. Introdução No tratamento das disritmias deve ter-se em


mente que os fármacos antiarrítmicos podem
Este capítulo contém informação considerada eles próprios ter potencial arritmogénico.
essencial para a correta utilização dos
diversos fármacos, no contexto da PCR e no
período periparagem. Não sendo exaustiva, 2. Fármacos utilizados no tratamento
remete para os tratados de farmacologia a da PCR
obtenção de conhecimentos mais
aprofundados sobre os fármacos aqui 2.1. Oxigénio
abordados.
O número de fármacos com indicação formal A administração de oxigénio (O2) é mandatória
para a sua utilização em situação de PCR é na abordagem de uma vítima em PCR, com
cada vez mais limitado, de acordo com as débitos suficientes para se conseguir uma FiO2
últimas guidelines publicadas. perto de 100%.
A sua administração deve ser efetuada de O suplemento de O2 é fundamental após a
acordo com o estabelecido no algoritmo de recuperação da situação de PCR (RCE),
SAV, nos momentos apropriados, ou seja, embora a hiperóxia após o RCE possa ser
após desfibrilhação (se indicada), prejudicial. Por isso, depois de estabelecido o
compressões cardíacas ou ventilação. RCE, a saturação da hemoglobina no sangue
Neste capítulo encontra-se ainda informação periférico (SaO2) deve ser adequadamente
relativa aos fármacos usados no tratamento monitorizada por oximetria de pulso e/ou
das disritmias e de outras situações gasimetria do sangue arterial, ajustando a
periparagem, nomeadamente nos SCA fração de O2 no ar inspirado para ter a SaO2
(capítulo 3) e nos cuidados pós-reanimação. 94-98%.
O suplemento de O2 é também importante na
abordagem das disritmias periparagem e nas

I N E M | 111
Suporte Avançado de Vida

síndromes coronárias agudas, apesar de depois da administração EV por veia periférica,


nestas situações só se dever administrar mas há poucos dados da farmacocinética da
oxigénio suplementar aos doentes com adrenalina durante a reanimação.
hipoxémia, dispneia ou congestão pulmonar, Em alternativa, nos casos de acesso venoso
pois a hiperóxia pode ser prejudicial no enfarte difícil, pode ser administrada por via
não complicado. intraóssea.

2.2. Adrenalina 2.3. Amiodarona

Apresentação: ampolas de 1mg/mL Apresentação: ampolas de 150mg/3mL


(50mg/mL)
Mecanismo de ação:
A adrenalina é uma amina simpaticomimética, Mecanismo de ação:
com ação agonista alfa e beta. Mediante A amiodarona é um antiarrítmico estabilizador
estimulação dos recetores alfa1 e alfa2 causa da membrana, que aumenta a duração do
vasoconstrição periférica com aumento das potencial de ação e o período refratário no
resistências vasculares periféricas e da miocárdio auricular e ventricular. Ao ser
pressão arterial, aumentando a perfusão administrada por via endovenosa causa
cerebral e coronária. O efeito beta adrenérgico vasodilatação periférica por ação bloqueadora
pode também aumentar a perfusão coronária alfa-adrenérgica não competitiva e possui um
e cerebral, independentemente dos discreto efeito inotrópico negativo.
mecanismos referidos anteriormente.

Indicações:
Indicações:
 Fibrilhação ventricular e taquicardia
 PCR; ventricular sem pulso, refratárias à
 Choque anafilático e anafilaxia; desfibrilhação;
 Segunda linha no tratamento do  Taquicardia ventricular com
choque cardiogénico. estabilidade hemodinâmica, assim
como outras taquidisritmias
Dose: resistentes.
Em situação de PCR a dose a utilizar é 1 mg
EV/IO a cada 3-5 minutos, até que as Dose:
manobras de reanimação tenham sucesso No algoritmo da FV/ TV sem pulso, se esta
(RCE) ou sejam abandonadas. persistir após a administração de três choques
Na prática será uma administração a cada dois consecutivos ou não, recomenda-se a
ciclos de 2 minutos de SBV, administração de um bólus EV de 300 mg de
independentemente do ritmo (nos ritmos amiodarona, diluída em 20 mL de dextrose a
desfibrilháveis se consecutivos a primeira 5% em H20, após o 3º choque. Em caso de FV/
administração é feita após o 3º choque). TV refratária ou recorrente pode-se
Em estudo animais, o pico de concentração da administrar mais 150mg de amiodarona após
adrenalina ocorre cerca de 90 segundos o 5º choque.

112 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

A sua aplicação no tratamento de outras Mecanismo de ação:


disritmias é abordada mais detalhadamente no Associada com frequência à hipocaliémia, a
capítulo XII (ponto 6). hipomagnesiémia pode ser um fator
contributivo para o surgimento de disritmias,
Aspetos clínicos da sua utilização: inclusive de paragem cardíaca. O magnésio é
um dos constituintes essenciais de vários
A administração em veia periférica pode
sistemas enzimáticos envolvidos na produção
causar tromboflebite. Dar preferência à
de energia muscular. Desempenha um papel
administração em veia de bom calibre ou IO,
importante na transmissão do impulso
seguido de um bólus generoso de soro.
nervoso, já que está associado à redução da
A amiodarona melhora o prognóstico de curto libertação de acetilcolina, com diminuição da
prazo à admissão hospitalar na FV refratária sensibilidade da placa motora. O magnésio
ao choque, em comparação com placebo e
também melhora a resposta contrátil do
com a lidocaína. Como acontece com todos os
miocárdio lesado, e limita o tamanho da área
fármacos utilizados para o tratamento das enfartada por mecanismos ainda por elucidar.
disritmias, a amiodarona pode ter ação pró-
A hipomagnesémia aumenta o uptake da
arritmogénica sobretudo quando administrada
digoxina pelo miocárdio e diminuiu a atividade
em conjunto com outros fármacos, que
celular da ATP-ase Na+/K+.
condicionam o prolongamento do intervalo QT.
Contudo, esta ação é menos marcada,
comparativamente a outros antiarrítmicos Indicações:
utilizados nas mesmas circunstâncias.  Taquicardias ventriculares/polimórficas
Os principais efeitos secundários imediatos na presença de hipomagnesiémia
associados à administração de amiodarona, provável;
são bradicardia e hipotensão. A hipotensão  Torsade de Pointes;
que ocorre está relacionada com a velocidade  Intoxicação digitálica.
de perfusão e deve-se mais aos excipientes
(polissorbato 80 e álcool benzílico) que
Dose:
causam libertação de histamina. Estes podem
ser prevenidos pela realização de uma No caso de TV polimórfica refratária pode ser
administração lenta do fármaco e pela administrada por via periférica uma dose 2g,
instilação de fluídos ou inotrópicos positivos. podendo ser repetida ao fim de 10 a 15
Os efeitos secundários da administração minutos.
prolongada por via oral (disfunção tiroideia,
microdepósitos na córnea, neuropatia Aspetos clínicos da sua utilização:
periférica, infiltrados pulmonares e hepáticos)
O magnésio utilizado por rotina em contexto de
não são relevantes no contexto da utilização
PCR não aumenta a sobrevida, não estando
pontual e de emergência.
recomendado no tratamento da PCR a não ser
em caso de torsade de pointes (ver disritmias
periparagem). Os doentes hipocaliémicos têm
2.4. Sulfato de Magnésio frequentemente hipomagnesémia. Quando
surgem taquidisritmias ventriculares, o uso de
Apresentação: ampolas de 2000mg/10ml
magnésio por via endovenosa é seguro e
(200mg/mL)
eficaz. Apesar de ser excretado pelos rins, são

I N E M | 113
Suporte Avançado de Vida

raros os efeitos secundários associados à  Taquicardia ventricular (TV) sem


hipermagnesémia, mesmo na presença de instabilidade hemodinâmica (em
insuficiência renal. O magnésio inibe a alternativa à amiodarona).
contração do músculo liso, causando
vasodilatação e hipotensão dose-dependente
Dose:
que é habitualmente transitória e que
responde à fluidoterapia e aos vasopressores. Na FV / TVsp persistente após a administração
de três choques, na indisponibilidade de
amiodarona, pode administrar-se lidocaína na
2.5. Lidocaína dose inicial de 100mg (1 a 1,5mg/Kg em
bólus). Pode ser administrado um bólus
Apresentação: ampolas de 1% ou 2% adicional de 50mg, não devendo, contudo, ser
(volume variável) excedida a dose total de 3 mg/kg na primeira
hora.

Mecanismo de ação:
Aspetos clínicos da sua utilização:
A lidocaína é recomendada durante o SAV
quando a amiodarona não está disponível. Deve ser considerada a utilização de lidocaína
no tratamento da FV/ TVsp, quando refratárias
Para além de ser um anestésico local, a
e na ausência de amiodarona disponível. Não
lidocaína reduz a automaticidade ventricular,
se deve administrar lidocaína aos doentes
suprimindo a atividade ectópica dos
a quem já tenha sido administrada
ventrículos. Ao elevar o limiar para o
amiodarona. A lidocaína constitui uma
surgimento de FV, reduz a sua incidência nas
alternativa à amiodarona no tratamento da
situações de enfarte agudo do miocárdio.
TV na ausência de sinais de gravidade.
Apesar destes dados, a sua utilização de
forma sistemática não está associada a uma Ao ser metabolizada no fígado, na presença de
diminuição da mortalidade, não estando redução do fluxo hepático, como acontece nos
indicado o seu uso de forma profilática, mesmo casos de baixo débito cardíaco, doenças
no caso de enfarte agudo do miocárdio. hepáticas ou no idoso, a semivida da lidocaína
está prolongada. No caso de PCR, os
Os efeitos secundários associados à utilização
mecanismos habituais de eliminação do
de doses tóxicas de lidocaína incluem
fármaco não funcionam, podendo atingir-se
parestesias, obnubilação, confusão,
concentrações plasmáticas elevadas após
mioclonias e convulsões. Quando surgem,
dose única. Também se verifica um aumento
implicam a suspensão imediata do fármaco e
significativo da semivida plasmática nos casos
o tratamento das convulsões. Apesar de
de perfusão contínua ao longo de 24 horas.
deprimir a função miocárdica, não são
Nestes casos, são necessárias doses
previsíveis ações sobre a condução
menores devendo reavaliar-se regularmente
auriculoventricular, exceto no caso de doença
as indicações para a continuação da
prévia ou de utilização de doses elevadas.
terapêutica.
Na presença de hipocaliémia e
Indicações:
hipomagnesiémia verifica-se uma diminuição
 FV / TVsp refratárias (como alternativa da eficácia da lidocaína, pelo que devem ser
e se não tiver sido administrada corrigidas.
amiodarona);

114 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

2.6. Bicarbonato de Sódio fluxo cerebral numa altura particularmente


crítica. Como o ião bicarbonato é excretado
Apresentação: frascos de 100mL a 8,4% pelo pulmão sob a forma de dióxido de
(=100mEq), apresentação variável carbono, deve-se aumentar a ventilação.
Deve ter-se ainda em atenção que o
Mecanismo de ação e aspetos clínicos da extravasamento subcutâneo do fármaco,
sua utilização: provoca lesão tecidular grave, e que o
Como é sabido, em PCR surge acidose bicarbonato de sódio é incompatível com as
respiratória e metabólica na sequência do soluções de sais de cálcio, uma vez que
metabolismo anaeróbio celular, dada a provoca a sua precipitação.
interrupção de trocas gasosas a nível Por tudo isto, não se recomenda a
pulmonar. A melhor forma de tratamento para administração, por rotina, de bicarbonato
a acidémia neste caso é a realização de durante a reanimação por PCR nem depois do
compressões/ventilações (SBV) de qualidade. RCE.
Em teoria, se o pH arterial é inferior a 7,1 (ou
EB 10 mmol) poderia ser útil a administração Indicações:
de bicarbonato de sódio em pequenas doses  PCR associada a hipercaliémia;
(50 mL de bicarbonato de sódio a 8,4%)  PCR após intoxicação por
durante ou após a reanimação. antidepressivos tricíclicos;
Contudo, deve ter-se em atenção que durante  Acidose metabólica grave (pH<7,1) por
a PCR a avaliação da gasimetria arterial pode deficit de bicarbonato (hiato aniónico
ser enganadora, tendo pouca relação com os normal).
valores do pH intracelular.
Para além disto, a administração de Dose:
bicarbonato de sódio conduz à produção de
Uma dose de 50 mEq (50 mL de bicarbonato
dióxido de carbono que se difunde
de sódio a 8,4%) ou 1 mmol/Kg administrada
rapidamente para o interior das células, com
por via EV pode ser adequada no tratamento
os seguintes efeitos:
da PCR em algumas situações particulares
 Agrava a acidose intracelular; (PCR associada a hipercaliémia ou
 Tem efeito inotrópico negativo no intoxicação por antidepressivos tricíclicos).
miocárdio isquémico; Pode eventualmente ser repetida em função
 Constitui uma sobrecarga de sódio, da evolução analítica, com a monitorização
osmoticamente ativa sobre a apropriada.
circulação e o cérebro já
comprometidos;
Aspetos clínicos da sua Utilização:
 Provoca um desvio esquerdo da curva
de dissociação da hemoglobina, Não pode ser administrado na mesma via que
inibindo ainda mais a libertação de O2 os sais de cálcio.
para os tecidos.
Por outro lado, um grau ligeiro de acidose
provoca vasodilatação, podendo aumentar o
fluxo cerebral, pelo que a total correção do pH
arterial pode conduzir a uma diminuição do

I N E M | 115
Suporte Avançado de Vida

2.7. Cálcio 2.8. Vasopressina

Apresentação: ampolas de 1000mg/10mL A vasopressina ou hormona antidiurética é, em


(cloreto ou gluconato de cálcio a 100mg/mL) doses elevadas, um vasoconstritor potente,
atuando pela estimulação dos recetores V1 do
músculo liso.
Mecanismo de ação:
Em caso de PCR, a sua semivida é de cerca
Apesar de possuir um papel fundamental no
de 10 a 20 minutos, consideravelmente
mecanismo celular de contração miocárdica,
superior à da adrenalina (que é de cerca de
existem poucos dados que suportem o efeito
4min).
benéfico da administração de cálcio na maior
parte das situações de PCR. Em estudos realizados com modelos animais
demonstrou-se que a vasopressina é mais
Por outro lado, as elevadas concentrações
eficaz que a adrenalina na manutenção da
plasmáticas obtidas após administração EV
pressão de perfusão coronária acima do limiar
podem ter efeitos deletérios sobre o miocárdio
crítico, correlacionado com o restabelecimento
isquémico e afetar a recuperação cerebral.
de circulação espontânea. Contudo,
Assim, só deve ser administrado cálcio
considera-se que não existe evidência
excecionalmente durante a RCP quando
suficiente que suporte ou refute o uso de
exista a certeza que a AEsp seja originada por
vasopressina como alternativa à, ou em
hipercaliémia, hipocalcemia ou intoxicação por
combinação com adrenalina em qualquer ritmo
bloqueadores dos canais de cálcio.
de paragem cardíaca.
A prática corrente continua a apoiar a
Indicações:
adrenalina como o único vasoconstritor para o
 Hipercaliémia; tratamento da paragem cardíaca em qualquer
 Hipocalcémia; ritmo. No entanto, os profissionais de saúde
 Intoxicação por bloqueadores dos que trabalhem em locais onde se utilize por
canais de cálcio. regra a vasopressina, podem continuar a fazê-
lo porque não existe evidência de que possa
Dose: ser prejudicial em detrimento da adrenalina.

A dose inicial é de 10 mL de cloreto ou


gluconato de cálcio a 10%, podendo ser
2.9. Fluídos
repetida, se necessário.
A utilização de fluídos por via EV pode estar
Aspetos clínicos da sua utilização: indicada no período de PCR e RCE, sendo de
O cálcio pode lentificar a frequência cardíaca e particular importância nos casos de
precipitar o surgimento de arritmias. No caso hipovolémia (por exemplo trauma ou outras
de PCR pode ser administrado por via EV causas de hemorragia).
rápida, enquanto na presença de circulação A hipovolémia é uma das causas reversíveis
espontânea este deve ser dado lentamente. de PCR e se há suspeita deve-se perfundir
As soluções de bicarbonato de sódio não rapidamente fluídos. Na fase inicial da
podem ser administradas simultaneamente, na reanimação está recomendada a
mesma via, que as soluções de cálcio, para administração de cristaloides. Devemos evitar
evitar a precipitação. soros com glicose, pois são rapidamente

116 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

redistribuídos para o espaço extravascular e Indicações:


causam hiperglicémia, e podem agravar o  Taquicardia supraventricular (TSV)
prognóstico neurológico pós-PCR. No adulto, paroxística e taquicardias de
quando as perdas excedem 1500 a 2000 mL, complexos estreitos sem diagnóstico.
será necessário, provavelmente, recorrer à
administração de sangue.
Dose:
É controverso se na PCR devem ser
perfundidos ou não fluídos, por rotina. O A dose inicial é de 6 mg administrada em bólus
objetivo é assegurar a normovolémia, mas nas rápido, numa veia central ou periférica de
situações em que o doente não esteja em grande calibre (o mais proximal ao coração
hipovolémia, perfundir líquidos em excesso é possível), seguida de um bólus de soro
prejudicial. Assim, não se deve administrar um fisiológico. Se houver necessidade, podem ser
volume excessivo de soros para além do fluxo administradas mais dois bólus de 12 mg, com
de manutenção habitual, utilizando-se apenas intervalos de 1 a 2 minutos, tendo em atenção
pequenos bólus no momento da administração que a injeção deve ser rápida para que se
dos fármacos. mantenham os níveis séricos eficazes.

Aspetos clínicos da sua utilização:


3. Fármacos a utilizar nas disritmias A administração de adenosina deve ser feita
periparagem sob monitorização, uma vez que podem surgir
períodos de bradicardia sinusal grave, embora
3.1. Adenosina transitória.

Apresentação: ampolas de 6mg/2mL A grande vantagem da adenosina é que,


contrariamente ao que acontece com o
verapamil, pode ser administrada a doentes
Mecanismo de ação: com quadro de taquicardia de complexos
A adenosina provoca um atraso na condução largos cuja etiologia não está esclarecida.
ao nível do nódulo auriculoventricular, Verifica-se que a frequência ventricular é
exercendo pouco efeito sobre as outras células lentificada transitoriamente no caso de uma
miocárdicas ou outras vias de condução, o que taquicardia supraventricular, continuando
a torna particularmente eficaz no tratamento inalterada no caso de se tratar de uma
de taquicardias supraventriculares taquicardia ventricular. Este fármaco é
paroxísticas com via de reentrada que envolva também eficaz para terminar a grande maioria
o nódulo AV. Dada a sua curta semivida (10 a das taquicardias juncionais.
15 segundos) e duração de ação, este efeito Outra vantagem da adenosina prende-se com
pode ser temporário. Nos doentes com este o facto de não possuir efeito inotrópico
tipo de disritmias, o bloqueio AV provocado negativo significativo, não condicionando uma
pela adenosina, ao lentificar a resposta diminuição do débito cardíaco nem
ventricular, pode revelar o ritmo auricular hipotensão.
subjacente. Pela mesma razão, pode auxiliar
A adenosina pode ser administrada com
no diagnóstico da existência de vias de pré-
segurança a doentes medicados com
excitação.
betabloqueantes.

I N E M | 117
Suporte Avançado de Vida

A administração deste fármaco está associada Indicações:


ao surgimento de sintomatologia transitória,  Bradicardia sinusal, auricular ou
incluindo dor torácica intensa e “sensação de juncional na presença de sinais de
morte eminente”, pelo que os doentes devem gravidade ou com repercussão
ser alertados, assegurando que são hemodinâmica
autolimitados.
Em asmáticos, a adenosina pode induzir ou
Dose:
agravar o broncospasmo.
A dose inicial adequada é de 0,5mg EV,
A teofilina e os seus derivados bloqueiam o
podendo ser necessário administrar doses
efeito da adenosina.
repetidas a cada 3-5min, até atingir 3 mg (dose
Os doentes medicados com dipiridamol, vagolítica máxima). Se ineficazes, deve
carbamazepina ou com coração transplantado considerar-se a colocação de pacemaker ou o
apresentam um efeito potenciado da uso de fármacos alternativos.
adenosina que pode ser deletério. Nesses
casos, deve-se reduzir a dose inicial para 3mg.
Aspetos clínicos da sua utilização:
Na presença da síndrome de WPW, o bloqueio
da condução através do nódulo AV, pode Os distúrbios da condução ou a bradicardia
promover a condução através de vias associada a tónus vagal aumentado podem
alternativas acessórias/anómalas. Na responder à administração de atropina.
presença de arritmias supraventriculares isto Usar com cuidado na presença de isquémia
pode causar uma resposta ventricular coronária aguda ou EAM pois o aumento da
perigosamente rápida. frequência cardíaca pode piorar a isquémia ou
aumentar a zona de enfarte.
Não deve ser utilizada em doentes
3.2. Atropina transplantados cardíacos, uma vez que têm o
coração desnervado.
Apresentação: ampolas de 0,5mg/1mL

Mecanismo de ação: 3.3. Amiodarona


A atropina é um parassimpaticolítico,
Apresentação: ampolas de 150mg/3mL
antagonizando os efeitos da acetilcolina nos
recetores muscarínicos. Bloqueia assim os
efeitos vagais sobre o nódulo sinusal e
Indicações:
auriculoventricular, aumentando o
automatismo sinusal e facilitando a condução  Taquicardia ventricular com
AV. estabilidade hemodinâmica;
 Outras taquidisritmias resistentes;
Outras ações da atropina, como alterações da
visão, midríase, xerostomia e retenção  FV/ TVsp refratárias.
urinária, são acentuadas pelo aumento da
dose. Quando administrada por via EV, a Dose:
atropina pode ser responsável pelo surgimento Administrar 300 mg de amiodarona em 100 cc
de quadros confusionais agudos, sobretudo de dextrose a 5% em H2O durante 10-60
nos idosos. minutos dependendo das circunstâncias e

118 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

estabilidade hemodinâmica do doente, depois Dose:


perfundir 900 mg em 24 horas. Perfusões Para se conseguir uma rápida digitalização
adicionais de 150 mg podem ser repetidas no pode realizar-se a administração endovenosa
caso de arritmias recorrentes ou resistentes isoladamente ou em combinação com a via
até um máximo de 2 g/dia. oral. Deve utilizar-se uma dose máxima de 0,5
Na ausência de acesso venoso central pode mg de digoxina diluídos em 50 mL de dextrose
ser utilizada uma via periférica de grande a 5% em H2O, via EV durante 30 minutos,
calibre devendo substituir-se por uma via podendo ser repetida uma vez, se necessário.
central logo que possível. No caso de se tratar de um doente idoso, com
baixo peso ou debilitado deve utilizar-se uma
dose de carga inferior. A dose a administrar
Aspetos clínico da sua utilização:
por via oral deve ser de 0,0625 a 0,5 mg/dia.
Os níveis plasmáticos de digoxina e varfarina
De salientar ainda que a semivida da digoxina,
são aumentados pela administração de
habitualmente de 36 horas, se encontra
amiodarona, sendo necessário fazer um ajuste prolongada nos doentes com insuficiência
da dose utilizada (redução para cerca de renal.
metade). Tendo um efeito aditivo ao dos
bloqueadores dos canais de cálcio e
betabloqueantes, provoca uma potenciação do Aspetos clínicos da sua utilização:
nível de bloqueio ao nível do nódulo AV. A digoxina tem limitações na sua utilização
como antiarrítmico. Apesar de diminuir a
frequência cardíaca em doentes com FA e
3.4. Digoxina resposta ventricular rápida, o seu início de
ação é lento, sendo menos eficaz que outros
Apresentação: ampolas de 0,5mg/2mL antiarrítmicos, como sejam a amiodarona ou
(0,25mg/mL) os betabloqueantes.
Os seus efeitos secundários variam
Mecanismo de ação: diretamente com a elevação das
Trata-se de um glicosídeo que provoca concentrações séricas consistindo em
lentificação da frequência ventricular cardíaca náuseas, diarreia, anorexia, confusão e
através de três mecanismos: vertigens, podendo ainda precipitar o
surgimento de arritmias. A sua toxicidade é
 Aumento do tónus vagal;
aumentada pela presença de hipocaliémia,
 Redução do “drive” simpático;
hipomagnesiémia, hipóxia, hipercalcémia,
 Prolongamento do período refratário do insuficiência renal e hipotiroidismo.
nódulo AV.
A presença de toxicidade provocada pela
Para além disto, ainda potencia a digoxina pode ser confirmada diretamente pelo
contractilidade do miocárdio e reduz a doseamento sérico do fármaco.
velocidade de condução das fibras de
Purkinje.

Indicações:
 FA com resposta ventricular rápida (FA
com RVR).

I N E M | 119
Suporte Avançado de Vida

3.5. Lidocaína inferior, transplantados cardíacos ou


lesão medular.
Indicações:
 TV com estabilidade hemodinâmica Dose:
(em alternativa à amiodarona);
125-240 mg EV lento.
 FV/ TVsp refratárias (na ausência de
amiodarona disponível). A margem terapêutica da aminofilina é estreita
pelo que doses superiores às indicadas podem
ser arritmogénicas e provocar convulsões,
Dose: sobretudo se administradas por injeção EV
A dose EV inicial de lidocaína deve ser de 50 rápida.
mg que é rapidamente distribuída pelo
organismo, podendo ser eficaz durante 10
minutos. A dose inicial pode ser repetida de 5 3.7. Verapamil
em 5 minutos, até à dose máxima de 200 mg.
Apresentação: ampolas de 5mg/2mL
(2,5mg/mL)
Utilização:
Não havendo sinais de gravidade é uma
alternativa à utilização de amiodarona no Mecanismo de ação
tratamento inicial da taquicardia ventricular. É bloqueador dos canais de cálcio que atrasa
a condução e a refratariedade no nódulo AV.
Esta ação pode terminar arritmias de reentrada
3.6. Aminofilina e controlar a frequência ventricular nos
doentes com taquicardias de origem auricular.
Apresentação: ampolas de 240mg/10mL
(24mg/mL)
Indicações
 Taquicardias de complexos estreitos,
Mecanismo de ação estáveis e não controladas com
A aminofilina tem um efeito cronotrópico e adenosina ou manobras vagais;
inotrópico positivo. Embora não exista um  Controlo da frequência ventricular em
número suficiente de estudos comprovativos doentes com FA ou flutter auricular e
da sua eficácia no retorno da circulação função ventricular preservada.
espontânea ou mesmo da sobrevivência até à
alta hospitalar nas situações de assistolia ou
Dose
de bradicardia periparagem, o facto é que não
está igualmente demonstrado que possua A dose inicial é de 2,5-5mg por via EV
qualquer efeito deletério. administrada ao longo de 2 min. Na ausência
de resposta terapêutica ou na presença de
efeitos secundários, deve administrar-se nova
Indicação: dose de 5-10mg a cada 15-30min até um
 Bradicardia periparagem refratária à máximo de 20mg.
atropina. Considerar especialmente se
a bradicardia é causada por EAM

120 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

Aspetos clínicos da sua utilização Dose


O verapamil só deve ser administrado a O esmolol é um beta-bloqueante de curta
doentes com TSV de complexos estreitos ou duração de ação (semivida de 2-9 minutos),
arritmias em que se tenha a certeza de origem para ser usado apenas por via EV. Tem um
supraventricular. A administração de rápido início de ação e é cardiosseletivo,
bloqueadores de canais de cálcio a doentes característica que desaparece com doses
com taquicardia ventricular pode causar elevadas.
colapso cardiovascular. A dose inicial EV é de 0,5 mg/kg administrada
O verapamil pode diminuir a contractilidade do durante 1 minuto, sendo seguida de uma
miocárdio e reduzir drasticamente o débito infusão de 50mcg a 200mcg/kg/minuto.
cardíaco em doentes com disfunção do O labetolol: começar com bólus de 5-20mg
ventrículo esquerdo. administrado durante 1-2min, podendo repetir-
Está contraindicado em doentes com BAV de se a cada 10min numa dose máxima de
2º de 3º grau 300mg.
O propranolol é administrado por via
endovenosa 100mcg/Kg, lento, dividido em 3
3.8. Betabloqueantes doses iguais a cada 2-3min.

Apresentação
Aspetos clínicos de utilização:
Labetolol: ampolas de 100mg/20mL (5mg/mL)
Ter em atenção que o uso de qualquer beta-
Propranolol: ampolas de 1mg/1mL
bloqueante pode desencadear falência
Esmolol: ampolas 100mg/10mL (10mg/mL) e ventricular esquerda em doentes com
sacos de 250mL na mesma concentração para insuficiência ventricular, hipotensão ou
perfusão bloqueio AV. Podem ainda provocar
bradicardia extrema de reversão difícil. O risco
Mecanismo de ação: de surgimento destas complicações aumenta
Ao bloquearem os recetores beta 1, reduzem quando são associados a antagonistas do
os efeitos das catecolaminas circulantes e cálcio administrados por via EV e nos doentes
diminuem a frequência cardíaca e pressão já medicados com betabloqueantes. Pelas
arterial. Também têm efeito cardioprotetor nos mesmas razões deve ser evitada a
doentes com SCA. combinação destes fármacos com outros
antiarrítmicos, como a lidocaína.
As contraindicações para o uso dos
Indicações
betabloqueantes são BAV de 2º e 3º grau,
 Taquicardia de complexos estreitos, hipotensão, ICC e doença pulmonar associada
regular, não controlada com manobras a broncospasmo.
vagais e adenosina em doentes com
No tratamento de doentes com taquicardia
função ventricular conservada
supraventricular, deve haver o cuidado de não
 Controlo da frequência ventricular na
transformar uma situação sem risco de morte
FA/flutter auricular quando a função
numa ameaça à vida do doente pela utilização
ventricular está conservada
indiscriminada de fármacos.

I N E M | 121
Suporte Avançado de Vida

3.9. Isoprenalina 4. Outros fármacos usados no período


periparagem e cuidados pós-
Apresentação: ampolas de 1mg/5mL
reanimação
(0,2mg/mL) ou 2mg/2mL (1mg/mL) ou
0,2mg/1mL 4.1.1. Dobutamina

Mecanismo de ação: É uma catecolamina sintética que é utilizada


para aumentar o débito cardíaco em doentes
A isoprenalina ou isoproterenol é um
com insuficiência cardíaca descompensada.
medicamento simpaticomimético que atua ao
nível dos recetores beta adrenérgicos: ao
ativar os recetores beta-1 cardíacos, tem Apresentação: ampolas de 250 mg/20mL
efeitos dromotrópico, cronotrópico e inotrópico (12,5mg/mL)
positivos. Dada a sua curta semivida, a dobutamina tem
de ser administrada em perfusão EV contínua.
Indicações:
 Bradicardia que não responde à Dose de indução: 2,5 mcg/Kg/min
atropina;
 BAV sintomático, enquanto aguarda Dose de manutenção: 2,5-15 mcg/Kg/min,
colocação de pacemaker. aumentando lentamente a dose até obter a
Dose: resposta hemodinâmica desejada
A dose inicial EV é de 0,5 a 10 mcg/min,
devendo ser aumentada gradualmente até Preparação: 250 mg/50mL (5mg/mL)
obtenção do efeito terapêutico desejado (em
regra cerca de 5 mcg/min). A título de exemplo
Mecanismo de ação:
pode ser preparado para perfusão 1mg em
50mL de DW 5% (20mcg/mL). É um potente agonista beta 1 e um fraco
agonista beta 2: a estimulação beta 1 produz
efeitos crono e inotrópico positivos, e a
Aspetos clínicos da sua utilização:
estimulação beta 2 produz vasodilatação
Pode acessoriamente produzir um aumento da periférica. Causa aumento do volume sistólico
frequência cardíaca, predispondo o indivíduo a acompanhado por diminuição da pressão de
arritmias, devendo ser evitado em doentes enchimento das cavidades cardíacas. A FC
com HTA ou cardiopatia isquémica. Outros pode aumentar ou diminuir (esta última devido
efeitos adversos incluem: tonturas, insónia, a reflexo da diminuição do tónus simpático em
tremores, agitação e cefaleias. resposta ao aumento do débito cardíaco).
A estimulação cardíaca é frequentemente
acompanhada pelo aumento do consumo de
O2. Estes efeitos podem ser prejudiciais na
insuficiência cardíaca porque a energia extra
necessária para o trabalho cardíaco e
miocárdio já estão por si elevados no
miocárdio em falência.

122 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

Indicações: Mecanismo de ação:


 Hipotensão na ausência de As suas propriedades agonistas alfa e beta
hipovolémia; têm um efeito positivo sobre a contractilidade
 Choque cardiogénico. miocárdica e vasoconstrição, o que se traduz
num aumento da pressão arterial e do débito
cardíaco. Contudo, a taquicardia e o aumento
Aspetos clínicos da sua utilização:
da pós-carga resultantes podem condicionar a
A dobutamina é usada como inotrópico de instalação de isquémia do miocárdio.
primeira escolha no período pós-PCR, estando Igualmente, pode ser responsável por
indicada quando a perfusão tecidular isquémia intestinal.
insuficiente se deve a um débito cardíaco
baixo e/ou hipotensão. Tem particular
importância na presença de edema agudo do Indicações:
pulmão em que o grau de hipotensão não  Fármaco de segunda linha para o
permite a utilização de vasodilatadores. Em tratamento do choque cardiogénico;
ambiente de cuidados intensivos implica  Choque anafilático;
monitorização hemodinâmica. Quando  Alternativa ao pacemaker externo na
possível, devem ser evitadas elevações da bradicardia;
frequência cardíaca >10% de forma a evitar
um aumento do risco de isquémia do
Aspetos clínicos da sua utilização:
miocárdio. Pode ainda ser responsável pelo
surgimento de disritmias, sobretudo quando No período pós-PCR a perfusão de adrenalina
são utilizadas doses elevadas. A sua retirada pode estar indicada quando outros inotrópicos
deve ser gradual, com redução das doses de menos potentes (como a dobutamina) não
forma progressiva, evitando o surgimento de foram eficazes no aumento adequado do
hipotensão. débito cardíaco.

A dobutamina deve ser administrada através Tem também indicação como alternativa ao
de um acesso venoso central. “pacemaker externo”, nas situações de
bradicardia com sinais de gravidade ou risco
de assistolia sem resposta à atropina.
4.1.2. Adrenalina

Dose de indução (pós-RCE): 0,5mg 4.1.3. Noradrenalina


Dose de manutenção: 40-400mcg/Kg/min; A
É uma catecolamina vasopressora utilizada
dose inicial deve ser baixa sendo aumentada
frequentemente para corrigir hipotensão
gradualmente de acordo com os valores de
quando outras medidas não são eficazes
pressão arterial média e/ou débito cardíaco.
(fluidoterapia, dopamina…).
No tratamento das bradicardias resistentes à
atropina a dose habitual é de 2-10 mcg/minuto Devido à sua curta semivida a noradrenalina
deve ser administrada em perfusão EV
Preparação: 5mg em 50mL de SF ou DW 5%
contínua, utilizando-se a menor dose eficaz.
(100mcg/mL)

Apresentação: ampolas de 5mg/5mL


(1mg/mL)

I N E M | 123
Suporte Avançado de Vida

Dose de indução: 2mcg/min (ou Pode ser usada em associação com dopamina
0,025mcg/Kg/min) e dobutamina sob monitorização
hemodinâmica em ambiente de cuidados
intensivos.
Dose de manutenção: 2-10mcg/min (ou
0,025-0,1mcg/Kg/min); aumentando A noradrenalina deve ser administrada através
gradualmente a cada 5min até obter a resposta de um acesso venoso central. Deve ter-se em
hemodinâmica desejada atenção que se houver extravasamento
subcutâneo provoca necrose tecidular.

Preparação: 10mg/50mL DW 5%
(200mcg/mL)
4.1.4. Dopamina

Mecanismo de ação: É uma catecolamina endógena que serve de


neurotransmissor e de precursor da síntese da
Estimula os recetores alfa e produz um
noradrenalina. Quando administrado como
aumento das resistências vasculares
fármaco exógeno, a dopamina ativa uma
sistémicas de forma dose-dependente. Apesar
de poder estimular os recetores cardíacos variedade de recetores de forma dose-
dependente.
beta, os efeitos sobre o débito cardíaco, por
esta ação, são variáveis.
Como acontece com os outros inotrópicos Apresentação: ampolas de 200mg/5mL
pode verificar-se um aumento do consumo de (40mg/mL)
O2 pelo miocárdio.
Dose de indução: 1-5 mcg/Kg/min
Indicações:
 Hipotensão grave associada a Dose de manutenção: 2-20 mcg/Kg/min, de
resistências vasculares reduzidas (por acordo com o efeito desejado
ex: choque séptico) na ausência de
hipovolémia; Mecanismo de ação:
 Alternativa à adrenalina no tratamento
Tem efeito inotrópico positivo, dose
do choque cardiogénico.
dependente, mediado pelos recetores
dopaminérgicos (D1 e D2) e alfa 1 e beta 1.
Aspetos clínicos da sua utilização: Doses baixas (1 a 2 mcg/kg/minuto) provocam
A noradrenalina tem indicação no período pós- vasodilatação da artéria renal (via recetores
reanimação quando a hipotensão e baixo D1), com aumento da taxa de filtração
débito cardíaco estão associados a baixa da glomerular e de excreção de sódio. Contudo,
perfusão tecidular. No caso de estar presente mesmo baixas doses exercem efeitos
deve ser corrigida previamente a hipovolémia. mediados pelos recetores alfa e beta. Doses
Este fármaco tem importância particular nos intermédias (2 a 10 mcg/kg/minuto) provocam
casos em que a PCR está associada a um aumento do débito cardíaco, da pressão
vasodilatação periférica marcada (sépsis por arterial sistólica e da resposta renal (via
exemplo). recetores beta1). Com doses mais elevadas (>
10 mcg/kg/minuto) são ativados os recetores

124 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

alfa1 e alfa2, com vasoconstrição máximo de 3 comprimidos ou a TA permitir;


generalizada. Perfusão EV: 0,5-10 mcg/Kg/min, com
Este fármaco pode desencadear disritmias vigilância dos sinais vitais
cardíacas, aumentar o consumo miocárdico de
O2 e agravar a isquémia.
DNI:

Indicação:  Comprimidos de 5 mg
 Hipotensão na ausência de  Ampolas de 10 mg/10mL
hipovolémia. (1mg/mL), sem necessidade de
diluição para perfusão EV
Aspetos clínicos da sua Utilização:
Dada a grande variabilidade individual da Dose: 1 comprimido SL/PO. até alívio
resposta à dopamina, não é possível sintomático, repetido a cada 5 min até um
selecionar uma dose para a ativação de máximo de 3 comprimidos ou a TA permitir;
recetores específicos. Qualquer aumento da Perfusão EV: 2-10 mg/h, de acordo com a
pré e pós-carga ventricular pode comprometer resposta clínica
o coração com entrada em falência. A
dopamina permite aumentar frequentemente o Mecanismo de ação:
débito urinário sem ter efeito benéfico sobre a Provocam relaxamento da musculatura lisa
função renal "per se”. Deve ser administrada vascular mediada pela conversão dos nitratos
por acesso venoso central em perfusão em óxido nítrico, com vasodilatação que é
contínua com bomba infusora. A sua utilização mais marcada no compartimento venoso do
exige monitorização hemodinâmica em que no arterial. Assim, verifica-se uma redução
ambiente de cuidados intensivos. mais marcada da pré-carga do que da pós-
Pode ser administrada por acesso venoso carga. Os nitratos também provocam dilatação
periférico. das artérias coronárias, aliviando o espasmo e
permitindo a redistribuição do fluxo das regiões
epicárdicas para as endocárdicas pela
4.2. Fármacos Não-Ionotrópicos abertura de colaterais.

4.2.1. Nitratos
Indicações:
Apresentação:  SCA sem hipotensão ou sem suspeita
de EAM inferior e envolvimento do
Nitroglicerina:
ventrículo direito;
 Comprimidos 0,5 mg  EAP cardiogénico sem hipotensão.
 Ampolas de 25 mg/5 mL (5 mg/mL)
Preparação para perfusão EV: 25mg em Aspetos clínicos da sua utilização:
50mL de SF (0,5 mg/mL) A duração de ação do fármaco depende do
nitrato usado e da via de administração. Por
Dose: 1 comprimido SL/PO. até alívio via oral e sublingual o início de ação é ao fim
sintomático repetido a cada 5 min até um de 1 a 2 minutos. No caso de surgirem efeitos
secundários podem ser resolvidos pela

I N E M | 125
Suporte Avançado de Vida

simples remoção do comprimido ou Recomenda-se a administração de AAS, o


suspensão da perfusão EV. Uma vez que pode mais precocemente possível, a todos os
condicionar hipotensão importante, a doentes com suspeita de SCA, a menos que
utilização de nitratos EV implica monitorização o doente tenha alergia verdadeira ao AAS.
hemodinâmica, não devendo ser usados em O AAS deve ser administrado pelo primeiro
doentes já com hipotensão significativa. profissional de saúde que contacta o
Outros efeitos secundários são flushing e doente, por quem ajuda o doente ou
cefaleias. indicada pelo CODU.
Dado que a atividade antiplaquetária se inicia
em 30 minutos, não deve ser protelada a sua
4.2.2. Ácido acetilsalicílico (AAS)
administração até à chegada ao hospital,
exceto se existirem contraindicações. A sua
Apresentação: comprimidos de 100 ou
administração é fácil e uma dose única é
150mg
geralmente bem tolerada.
Se vai ser efetuada terapêutica trombolítica
Mecanismo de ação: urgente deve administrar-se ácido
O AAS melhora significativamente o acetilsalicílico concomitantemente para
prognóstico de doentes com suspeita de SCA, diminuir o risco de reoclusão precoce.
reduzindo a morte de causa cardiovascular, o Os efeitos secundários da utilização de AAS
que resulta da sua atividade em inibir a (hemorragia gastrointestinal e possível
ativação e agregação plaquetária que se agravamento da doença ulcerosa péptica)
segue a uma rutura de placa aterosclerótica. podem surgir na sequência da terapêutica de
longo prazo, mesmo quando se utilizam doses
Indicações: baixas.
 SCA

4.2.3. Inibidores dos receptores de ADP


Dose:
A dose inicial de AAS é de 250 mg por via oral. Apresentação:
As formas solúveis ou EV devem ser tão
eficazes como a mastigável (900mg de Clopidogrel: comprimidos de 75 ou 300mg
acetilsalicilato de lisina corresponde a 500mg
de AAS). Os comprimidos de AAS podem ser Ticagrelor: comprimidos de 90mg
esmagados e administrados por sonda
gástrica
Mecanismo de ação:
Aspetos clínicos da sua utilização: O clopidogrel (tienopiridina) e o ticagrelor
(ciclo-pentil-triazolo-pirimidina), inibem os
Grandes estudos randomizados e controlados
recetores de ADP de forma irreversível ou
mostram diminuição da mortalidade com a
reversível, respetivamente, o que diminui a
administração de AAS (75-325 mg) a doentes
agregação plaquetária ainda mais do que a
hospitalizados com SCA, e alguns estudos
AAS, isoladamente, o faz.
sugerem redução da mortalidade com a
administração ainda mais precoce. Ao contrário do clopidogrel, o efeito do
ticagrelor é largamente independente da

126 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

variabilidade genética do metabolismo e 4.2.4. Fibrinolíticos


ativação do fármaco. Por isso o ticagrelor inibe
a agregação plaquetária de forma mais forte, Mecanismo de ação e utilização:
fiável e rápida. A angioplastia coronária, com ou sem
Indicações: colocação de stent (ICP) tornou-se no
tratamento de 1ª linha nos doentes com EAM
 SCA – EAM sem SST;
com SST, porque se demonstrou, em vários
 EAM com SST
estudos e meta-análises, ser superior à
fibrinólise (terapêutica trombolítica) quando se
Dose: agregam todos os resultados como a
SCA-EAM sem supra-ST mortalidade, AVC e reenfarte.
Clopidogrel: 300 mg se No entanto, a fibrinólise deve ser considerada
estratégia conservadora; caso não haja disponibilidade para ICP em
600mg se ICP programada tempo oportuno, e apenas nessa situação, de
Ticagrelor: 180mg, forma a não causar atraso considerável para o
independentemente da tratamento do SCA, sendo a sua eficácia maior
estratégia de reperfusão. se realizada nas primeiras 2h depois do início
dos sintomas.
EAM com supra-ST
O benefício da fibrinólise resulta do
Clopidogrel: 300 mg se <75A
restabelecimento da patência da artéria
ou 75mg se >75A, associada a
implicada na área de enfarte e da melhoria do
fibrinólise; 600 mg se ICP
processo de “remodeling”, o que está
programada
dependente de quão rápida e completa é a
Ticagrelor: 180 mg se ICP reperfusão. Daí que o início da fibrinólise,
programada; não há dados que quando indicada, seja quase tão urgente como
suportem o uso de ticagrelor no o tratamento da paragem cardíaca, devendo
contexto de fibrinólise assim ser evitado qualquer atraso na
instituição de fibrinólise em doentes com SCA.
Aspetos clínicos da utilização: Sempre que a ICP não puder ser executada no
O benefício relativo da administração de intervalo de tempo adequado, deve ser
inibidores dos recetores de ADP em contexto considerada fibrinólise de imediato,
pré-hospitalar por rotina em doentes com EAM independentemente da necessidade de
com Supra-ST e ICP planeada pode ser pouco transferência emergente ou não, a menos que
significativo e agravado por possíveis efeitos existam contraindicações.
secundários prejudiciais que devem ser Em muitos sistemas de saúde a fibrinólise é
estudados em estudos maiores, randomizados iniciada no serviço de urgência, sendo
e controlados que avaliem esses dados especificamente eficaz, mas primeiras 2h após
centrados nos doentes. início dos sintomas. No entanto, se é previsível
o atraso na transferência do doente para o
hospital, a fibrinólise deve ser iniciada no pré-
hospitalar em doentes com EAM com SST ou
manifestações de SCA e BCRE de novo. A
terapêutica fibrinolítica pode ser administrada
de modo seguro no pré-hospitalar por equipas

I N E M | 127
Suporte Avançado de Vida

bem treinadas utilizando protocolos bem verificou-se quando o tempo de transporte dos
definidos e estabelecidos, com programas de doentes era superior a 30-60min.
formação abrangentes e de verificação de Os profissionais que administram fibrinolíticos
qualidade regulares. A verdadeira vantagem devem estar alertados para os riscos e
do uso de fibrinólise no pré-hospitalar contraindicações.

Doses de agente fibrinolíticos:


Tabela 12 - Doses de agente fibrinolíticos

Agente fibrinolítico Dose

15mg bólus EV, depois perfusão 0,75mg/Kg


Alteplase (tPA) durante 30 min (máx 50mg) e depois perfusão
0,5mg/Kg durante 60 min (máx 35mg)
10U bólus EV seguido de novo bólus 10U 30
Reteplase (r-PA)
min depois
A dosagem é em UI 100 UI /Kg peso, não
Tenecteplase (TNK-tPA)
exceder 10000 UI. Bólus único.

Indicações: componente importante do tratamento da


 Doentes com manifestações de SCA e angina instável e do EAM com SST.
evidência no ECG de EAM com SST; Há vários antitrombínicos alternativos para
 Doentes com BCRE “de novo” ou tratar doentes com SCA, que em comparação
presumivelmente “de novo” (impedindo com a HNF são mais específicos sobre o fator
análise do segmento ST) ou enfarte Xa ativado (heparinas de baixo peso molecular
posterior verdadeiro e clínica sugestiva (HBPM), fondaparinux) ou são inibidores
de EAM; diretos da trombina (bivalirudina). Com estes
 Tromboembolia pulmonar (TEP) novos antitrombínicos não há necessidade de
confirmada (ou fortemente suspeita) controlo da coagulação e o risco de
como causa de PCR. trombocitopenia é menor.
Atualmente considera-se que a enoxaparina é
a melhor opção no tratamento dos SCA, quer
4.2.5. Antitrombínicos no SCA-EAM sem SST (em que deve ser
administrada nas primeiras 24-36h após início
Mecanismo de ação e utilização: dos sintomas) quer no EAM com SST
A heparina não fracionada (HNF) é um inibidor submetido a fibrinólise pois demonstrou em
indireto da trombina, que se utiliza como comparação com a HNF superioridade em
adjuvante do tratamento fibrinolítico, em vários estudos.
associação com o AAS ou da ICP, sendo uma Nos doentes com risco de hemorragia
aumentado, considerar fondaparinux ou

128 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

bivalirudina, que são alternativas que causam doente em causa, o que evita a depressão
menos hemorragia do que a HNF. respiratória profunda, prurido, hipotensão ou
bradicardia. A dose depende da idade e peso
do doente.
Doses dos fármacos para EAM com supra-
ST e SCA-EAM sem supra-ST (nas outras Os efeitos secundários podem ser revertidos
situações solicitar ao CODU contacto com com naloxona em caso de necessidade.
Cardiologista para decisão): Concomitantemente ao opióide, devem ser
administrados antieméticos para suprimir as
Enoxaparina: 30mg EV seguido de
náuseas e vómitos por ele induzidos.
1mg/Kg SC (cerca de 15 min depois)
12/12h com ajuste se: >75A ou <60Kg Têm surgido algumas preocupações relativas
(0,75mg/Kg SC 12/12h sem bólus à capacidade da morfina em reduzir a
inicial); clearance de creatinina biodisponibilidade oral do ticagrelor no
<30mL/min (1mg/Kg SC 1 id) tratamento dos SCA. Quando este aspeto se
tornar uma verdadeira preocupação, a morfina
Fondaparinux 2,5mg SC 1 id
deverá ser utilizada para alívio sintomático da
Bivalirudina 0,1mg/Kg EV seguido de
dor anginosa apenas quando esta não ceder à
uma perfusão de 0,25mg/Kg/h
administração de nitratos ou estes estiverem
HNF no EAM com SST que faz contraindicados.
angioplastia. Habitualmente a dose é
de 5000 UI EV
Dose:
Diluir 1 ampola (10mg) até 10mL de NaCl 0,9%
4.2.6. Morfina ou DW5% para facilitar a dose de
administração. Administrar 3-5mg em bólus
Apresentação: ampolas de 10mg/1mL EV lento (ou 0,03mg-0,1mg/Kg). Também
pode ser administrada por via SC.
Mecanismo de ação:
A morfina é um analgésico opióide, com algum 4.2.7. Naloxona
grau de ansiólise associado. Provoca uma
redução da pré e pós-carga ventricular pelo Apresentação: ampolas de 0,4mg/1ml
aumento da capacitância venosa e ligeira
vasodilatação arterial, respetivamente,
Mecanismo de ação:
diminuindo o consumo miocárdico de O2.
A naloxona é um antagonista competitivo
específico dos recetores opióides miu, delta e
Indicações:
kappa.
 Analgesia;
 Falência ventricular esquerda aguda.
Indicações:
 Sobredosagem com opióides.

Aspetos clínicos da sua utilização:


Dose:
A sua administração por via EV deve ser lenta,
A dose inicial do adulto é de 0,4 a 0,8 mg por
sendo a dose ajustada às necessidades do
via EV, podendo ser repetida ao fim de cada 2

I N E M | 129
Suporte Avançado de Vida

a 3 minutos se necessário, até um máximo de depressão cerebral e respiratória. A sua


10 mg. Em alternativa, pode ser administrada duração de ação é muito curta sendo
por qualquer via ou em perfusão contínua, com necessárias doses repetidas.
ajuste de dose até se obter o efeito desejado. De salientar o facto de a reversão dos efeitos
opióides poder desencadear dor, agitação ou
Aspetos clínicos da sua utilização: até mesmo edema agudo do pulmão (EAP)
nos indivíduos com dependência.
A naloxona reverte todos os efeitos dos
opióides exógenos, especialmente a
.

130 | I N E M
Fármacos Usados na Reanimação

Pontos a reter

 É fundamental conhecer e saber utilizar os vários fármacos com indicação na abordagem


da PCR e das situações periparagem;

 A adrenalina tem um papel fulcral no algoritmo de SAV;

 Os fármacos devem ser utilizados no algoritmo de SAV nas doses e nos momentos
apropriados;

 São várias as opções farmacológicas para tratar as disritmias periparagem:

 Outros fármacos podem e devem ser utilizados noutras situações periparagem,


nomeadamente nos SCA, ou nas alterações do equilíbrio eletrolítico.

I N E M | 131
Suporte Avançado de Vida

XI. ALGORITMO DE SUPORTE AVANÇADO DE VIDA

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Reconhecer e distinguir os ritmos desfibrilháveis e os ritmos não desfibrilháveis;
 Enumerar a sequência de ações e procedimentos do Algoritmo de SAV;
 Saber tratar os doentes em PCR com FV ou TVsp;
 Saber tratar os doentes em PCR em Assistolia ou AEsp;
 Enumerar as causas potencialmente reversíveis de PCR e sua abordagem terapêutica;
 Conhecer os principais fármacos usados durante a reanimação e suas vias de administração.

1. Introdução  Ventilação com adjuvantes da via


aérea (VA);
Os ritmos inerentes à paragem cardíaca  Estabelecer acessos venosos, EV ou
dividem-se em dois grandes grupos: IO;
Os ritmos desfibrilháveis:  Administrar adrenalina;
 Fibrilhação ventricular (FV);  Identificar e corrigir, se possível,
 Taquicardia Ventricular sem causas potencialmente reversíveis.
pulso (TVsp). Embora o algoritmo do suporte avançado de
Os ritmos não desfibrilháveis: vida se aplique a todas as situações de
paragem cardíaca, algumas atitudes
 Assistolia;
adicionais podem estar indicadas em
 Atividade Elétrica sem pulso
paragens causadas por circunstâncias
(AEsp).
especiais.
Os ciclos são genericamente iguais, com um
período de SBV de 2 minutos, antes de avaliar
o ritmo e, quando indicado, avaliar o pulso. As intervenções que se revelam de maior
A principal diferença na atuação destes dois importância na sobrevivência do doente
grupos de paragem cardíaca reside na
necessidade de desfibrilhação imediata na
após uma paragem cardíaca são o
presença de FV ou TVsp. suporte básico de vida imediato e
Os procedimentos a seguir são comuns aos eficaz, a manutenção das compressões
dois grupos e obedecem aos mesmos torácicas sem interrupções e de elevada
objetivos e princípios: qualidade, em simultâneo com a
 Efetuar suporte básico de vida desfibrilhação imediata na FV/ TVsp.
precoce, de elevada qualidade e
ininterrupto;
 Permeabilização da via aérea de modo
a assegurar oxigenação dos órgãos
nobres;

132 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

2. Algoritmo de suporte avançado de vida

Figura 59 - Algoritmo de tratamento em Suporte Avançado de Vida

I N E M | 133
Suporte Avançado de Vida

A adrenalina aumenta a probabilidade de sucedido. Assim, importa minimizar a pausa


RCE, mas não a sobrevida das vítimas de PCR pré-choque.
à data da alta hospitalar.
Quando indicada, a adrenalina é administrada
na dose de 1mg a intervalos de 3-5min, até ao
A desfibrilhação, quando indicada, tem
RCE, por via EV ou IO. prioridade sobre todas as outras
intervenções.

3. Ritmos desfibrilháveis (fibrilhação


ventricular e taquicardia ventricular
sem pulso)
3.1. Tentativa de desfibrilhação
No adulto a causa mais frequente de paragem
cardíaca é a FV/ TVsp, surgindo em cerca de Se se confirmar um ritmo desfibrilhável, a
20% dos casos, quer em ambiente intra- desfibrilhação deve ser tentada, carregando o
hospitalar quer no pré-hospitalar. desfibrilhador e fazendo um choque com uma
A FV pode ser precedida de um período de TV. energia de 360 Joules (desfibrilhador
Durante a reanimação de ritmos que monofásico) ou 150 a 200 Joules
inicialmente eram não-desfibrilháveis (desfibrilhador bifásico). Ao selecionar a
(Assistolia ou AEsp) também surgem FV/ TV energia do choque do desfibrilhador deve-se
em cerca de 25% dos casos. ter em consideração as orientações do
fabricante.
De modo a confirmar a PCR deve verificar se
existem sinais de vida (VOS), com pesquisa de Sem reavaliar o ritmo no monitor e sem palpar
pulso central em simultâneo. o pulso, deve iniciar SBV (compressões e
insuflações 30:2) imediatamente após o
Uma vez confirmada a PCR deve ser feito o
choque, começando pelas compressões.
pedido de ajuda, incluindo o desfibrilhador, e
devem ser iniciadas de imediato compressões Assim, deve continuar com compressões
torácicas (eficazes e de qualidade) e torácicas e insuflações durante 2 minutos (5
insuflações numa relação de 30:2. ciclos 30:2). Só então se avalia o ritmo: fazer
uma breve pausa e avaliar o ritmo no monitor.
Logo que o desfibrilhador esteja acessível,
devem manter-se as compressões torácicas Se ainda mantém FV/ TVsp deve fazer o 2º
enquanto se aplicam as pás ou os elétrodos choque com uma energia de 360 Joules
multifunções no tórax do doente. (desfibrilhador monofásico) ou 150 a 360
Joules (desfibrilhador bifásico). Deve-se
De seguida deve ser identificado o ritmo da
considerar a escalada de energia do choque
paragem e, caso seja FV ou TVsp, um dos
se o mesmo não foi eficaz ou tenha ocorrido a
reanimadores deve acionar a carga do
refibrilhação.
desfibrilhador enquanto outro reanimador
mantém as compressões torácicas. Continuar com SBV imediatamente após o 2º
choque.
Um atraso de 5 a 10 segundos entre a
interrupção das compressões e a aplicação do Após os 2 minutos de SBV verificar ritmo no
choque reduz as hipóteses de este ser bem- monitor (breve pausa) e, se ainda mantém FV/
TVsp, realizar o 3º choque com uma energia

134 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

de 360 Joules (desfibrilhador monofásico) ou Após a administração do fármaco e os dois


150 a 360 Joules (desfibrilhador bifásico) e minutos de SBV analisa-se o ritmo e prepara-
continuar de imediato o SBV. se para aplicar imediatamente outro choque,
caso seja necessário.
Quando o ritmo verificado dois minutos após o
É muito raro obter imediatamente um pulso choque for compatível com pulso
palpável logo após a desfibrilhação com (complexos regulares ou estreitos), está
sucesso; indicada uma breve pausa para pesquisar o
pulso.
O tempo perdido na pesquisa de pulso é
muito comprometedor para a perfusão
coronária, se o ritmo não é ritmo de perfusão; Só deve tentar palpar o pulso se o ritmo for
Se já houver ritmo de perfusão fazer organizado
compressões torácicas não aumenta o risco
de transformar em FV recorrente;
Na presença de assistolia pós-choque as
Após o 3º choque, caso a RCE ainda não
compressões torácicas podem induzir FV. tenha acontecido, a Adrenalina (administrada
imediatamente após o 3º choque) será
colocada em circulação pelo SBV, e pode
melhorar as hipóteses de sucesso do choque
seguinte por melhorar a perfusão coronária.
Assim que iniciar as compressões (durante os Aconselha-se a elevação do membro e
2 min de SBV), caso tenha sido conseguido um administração de um bólus de soro fisiológico
acesso venoso, administrar 1 mg de (SF) para ajudar a rápida colocação em
Adrenalina e 300 mg de Amiodarona (após circulação do fármaco.
3 choques independentemente de serem
Caso tenha havido RCE, a administração de
consecutivos, ou não), por via EV ou IO.
um bólus de adrenalina confere um baixo risco
A sequência deve ser: de reaparecimento de FV (os níveis
Choque  SBV + Fármaco  Verifica endógenos de Adrenalina após RCE são,
Ritmo/Palpa pulso naturalmente elevados).
Se um ritmo organizado for observado durante
A adrenalina vai melhorar a perfusão os 2 minutos de SBV não devem ser
sanguínea do miocárdio e aumentar a interrompidas as compressões para verificar
probabilidade de sucesso do próximo choque. ritmo/ palpar pulso, exceto se o doente
Em estudos animais o pico plasmático da apresentar sinais de RCE/ recuperação de
concentração da adrenalina ocorre após 90 sinais de vida.
segundos quando administrada por via EV
periférica e o efeito máximo sobre a pressão
de perfusão coronária cerca dos 70 segundos.
Para que as drogas entrem em circulação é
necessário que as compressões torácicas
sejam de elevada qualidade.

I N E M | 135
Suporte Avançado de Vida

Se houver alguma dúvida sobre a presença de Se o pulso é palpável, continue os cuidados


pulso deve manter-se o SBV. pós-reanimação e/ou tratamento das arritmias
periparagem.
Se o pulso não está presente continue com
As interrupções a meio dos ciclos de SBV.

compressões, com o objetivo de verificar o O SBV deve continuar com a relação de 30:2
devendo o indivíduo que está nas
ritmo, são prejudiciais e inadequadas. compressões ser substituído a cada 2 minutos,
se possível, sempre minimizando as
interrupções.
Se existirem dúvidas na análise de ritmo, entre
a assistolia ou fibrilhação fina, não tentar a
De modo a precocemente detetar o RCE, sem
desfibrilhação, continuar com SBV de elevada
interromper as compressões, e evitando a
qualidade, pois pode melhorar a amplitude e a
administração desnecessária de adrenalina,
frequência da FV e melhorar o sucesso de
recomenda-se o uso de capnografia.
desfibrilação.
Se o doente apresenta RCE e sinais de
recuperação, inicie os cuidados pós-
reanimação. 3.2. PCR presenciada em doente
Se o doente altera o ritmo para assistolia ou monitorizado (ambiente intra-hospitalar)
AEsp, deve passar para o algoritmo de
ritmos não-desfibrilháveis. Caso a PCR seja testemunhada, após a sua
Durante o tratamento da FV/ TVsp o confirmação e do pedido de ajuda, pode
profissional deve ter uma eficiente considerar-se a aplicação de 3 choques
coordenação entre o SBV e a execução do seguidos, caso o ritmo seja desfibrilhável, nas
choque. Se a FV persiste por mais alguns seguintes circunstâncias:
minutos o miocárdio esgota o oxigénio e os  Doente monitorizado durante
metabolitos ativos. Um curto período de cateterismo cardíaco;
compressões eficazes fornece oxigénio e os  Doente internado em UCI;
substratos energéticos ao miocárdio,  Doente monitorizado no pós-operatório
aumentando a probabilidade de restabelecer imediato e cirurgia cardíaca;
um ritmo de perfusão após execução do  Doente monitorizado com
choque. desfibrilhador.
Perante qualquer ritmo de paragem deve Caso prossiga com a reanimação, estes 3
administrar-se Adrenalina 1 mg EV ou IO choques seguidos serão o equivalente ao 1º
cada 3 a 5 minutos até ao RCE. Isto deve choque do algoritmo geral de tratamento em
acontecer a cada dois ciclos do algoritmo, ou SAV.
seja, em ciclos alternados.
Se houver recuperação de sinais de vida
durante a reanimação (movimentos 3.3. Murro precordial
intencionais, respiração normal, tosse, ou
aumento significativo da EtCO2) deve A probabilidade de um murro precordial
suspender-se o SBV e confirmar a existência reverter um ritmo desfibrilhável é muito baixa e
de RCE. limita-se aos primeiros segundos após a

136 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

instalação do ritmo desfibrilhável, sendo o seu ser tentada de imediato por profissionais
sucesso maior com a TVsp do que com a FV. treinados e com experiência.
O murro precordial só deve ser considerado na Dado que qualquer paragem nas compressões
PCR testemunhada em doente monitorizado, compromete a perfusão coronária, e,
se estiverem presentes vários profissionais de consequentemente, o sucesso da reanimação,
saúde, imediatamente após a confirmação da a laringoscopia deve ser feita sem que haja
paragem e se não existir desfibrilhador à mão paragem nas compressões. Se for necessário,
de imediato. é aceitável apenas uma breve pausa aquando
Aplica-se utilizando o punho fechado e da passagem do tubo orotraqueal (TOT) pelas
aplicando um murro seco e forte na região cordas vocais.
mediana do esterno, com um impulso criado a Em alternativa, para não haver qualquer
20 cm de distância. interrupção nas compressões a entubação
Na prática é improvável que se reúnam estas pode ser adiada até se obter circulação
condições exceto em ambiente de sala de espontânea.
emergência ou unidade de cuidados intensivos Se não for conseguida recomenda-se manter
(UCI). a ventilação com máscara facial e insuflador
A aplicação do murro precordial não deve manual.
NUNCA atrasar o pedido do desfibrilhador. Após entubação confirmar a posição correta
do TOT e fixar adequadamente. Se entubado,
as compressões e ventilações passam a ser
3.4. Compressões torácicas, contínuas, com uma frequência de pelo
permeabilização da via aérea e ventilação menos 100 por minuto (no máximo 120/min),
e uma frequência ventilatória de
Se a FV persistir o tratamento de eleição para 10ciclos/min; não se deve hiperventilar o
restaurar a circulação eficaz continua a ser a doente.
desfibrilhação elétrica, mas é preciso Durante a reanimação deve utilizar-se O2 em
assegurar a perfusão do cérebro e do alto débito, i.e., com um débito de 15 L/min ou
miocárdio através de compressões torácicas com FiO2 de 100%.
externas eficazes e da ventilação, o que se faz
Efetivamente, sempre que as compressões
durante dois minutos numa relação de 30:2
torácicas são interrompidas a pressão de
(SBV), caso o doente não tenha a via aérea
perfusão coronária cai drasticamente e
segura.
quando se retomam há um atraso até que a
Considere as causas reversíveis (4 H’s e 4 T’s) pressão de perfusão coronária volte aos níveis
e, se identificar alguma causa, proceda à sua anteriores. Por essa razão recomenda-se
correção de um modo eficaz. continuar as compressões torácicas
Ao mesmo tempo verifique a posição dos ininterruptamente, mesmo durante a
elétrodos ou das pás do desfibrilhador. Neste ventilação, desde que a permeabilidade da via
caso é necessário a aplicação gel, pois a falta aérea esteja assegurada eficazmente (via
deste pode levar erradamente ao diagnóstico aérea segura).
de assistolia. Na ausência de pessoal treinado na EOT deve
É importante assegurar a permeabilidade da considerar-se a utilização de adjuvante
via aérea, sendo a melhor maneira a supraglótico, nomeadamente a máscara
entubação orotraqueal (EOT). Esta só deve laríngea (ML). A ML permite ventilar com

I N E M | 137
Suporte Avançado de Vida

eficácia, desde que a pressão na via aérea não


seja demasiado elevada, nomeadamente Quando se utiliza uma veia periférica, deve-se
devida ao aumento da pressão intratorácica
durante as compressões.
fazer:
 Um bólus de 20 ml de SF logo após a
Não existem dados relativos à capacidade ou
incapacidade de assegurar uma ventilação administração de um fármaco de modo
adequada com ML sem que se interrompam as a permitir que ele entre mais
compressões torácicas. Assim, em caso de má rapidamente em circulação;
selagem da máscara com fuga de ar, as
compressões torácicas têm de ser
 O membro onde se estabeleceu o
interrompidas durante a ventilação de modo a acesso deve ser elevado;
permitir uma insuflação de ar eficaz numa  As veias periféricas devem ser
relação de 30:2. aspergidas no sentido proximal.
Em alternativa poderá utilizar-se o tubo
laríngeo. O tubo laríngeo, bem colocado,
permite com eficácia a um ritmo de 10
insuflações/min. As compressões podem ser
executadas neste caso ininterruptamente
3.5.1. Via intraóssea
(100/min) tal como acontece nos doentes
entubados por via endotraqueal. Se um acesso endovenoso for difícil ou
impossível deve considerar-se a via IO.
A administração intraóssea de fármacos atinge
3.5. Acessos venosos periféricos versus
concentrações adequadas no plasma e
centrais
comparáveis, em tempo, às administrações
por cateter central.
O acesso venoso, se ainda não existe, deve
ser estabelecido. Também se consegue realizar colheita de
A forma mais eficaz e rápida dos fármacos sangue para gasimetria, análises de eletrólitos
e hemoglobina.
chegarem à circulação é através da
cateterização de uma veia central, mas a
inserção de um cateter central requer a 3.5.2. Via traqueal
interrupção do SBV e pode estar associado a
graves complicações. Se for necessário Esta via está atualmente desaconselhada,
estabelecer um acesso vascular deve colocar- dado que a concentração plasmática dos
se um acesso periférico pois a cateterização fármacos administrados por esta via é
de uma veia periférica é mais rápida, mais fácil indeterminada e a dose ideal é desconhecida.
e mais segura. Nalguns estudos em animais as baixas
Em resumo, a via de administração deve ter concentrações de adrenalina administradas
em atenção a experiência do reanimador e a por via traqueal podem produzir efeitos beta-
situação clínica do doente. adrenérgicos transitórios com hipotensão e
baixa da pressão de perfusão da artéria
coronária.

138 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

3.6. Fármacos  Paragem cardíaca associada a


intoxicação por tricíclicos;
A adrenalina é um agonista alfa-adrenérgico  Hipercaliémia;
que se usa para promover a vasoconstrição de  Acidose metabólica grave com défice
modo a aumentar a pressão de perfusão do de Bicarbonato (controverso; apenas
cérebro e do miocárdio. O aumento do fluxo com Anion Gap normal e com controle
sanguíneo coronário aumenta a frequência da gasimétrico).
FV e pode aumentar a probabilidade de
A repetição do bicarbonato depende do
sucesso na desfibrilhação, se atempada.
resultado das gasimetrias de sangue arterial
Com base em consensos, se a FV/ TVsp seriadas (GSA).
persiste ao fim de 3 choques, deve
A administração do bicarbonato requer
administrar-se adrenalina e repetir todos 3 a 5
particular atenção pois gera CO2 o que pode
minutos durante a paragem cardíaca. Não
agravar a acidose, nomeadamente a nível
interromper o SBV para administrar fármacos.
intracelular, sendo necessário aumentar a
eficácia da ventilação.
A dose de Adrenalina é de 1 mg e administra-
se por via EV ou IO cada 3 a 5 min
3.7. FV persistente

Se a FV persistir pode-se mudar a localização


A administração de Amiodarona está também das pás/ elétrodos para a posição bi- axilas.
recomendada no tratamento da FV/ TVsp Não esquecer que se deve identificar e corrigir
resistente à desfibrilhação. A altura as causas potencialmente reversíveis pois
recomendada é após o 3º choque (consecutivo qualquer uma delas pode impedir a conversão
ou não), após a Adrenalina, desde que não a ritmo sinusal.
atrase a desfibrilhação nem implique
interrupção das compressões torácicas.
A amiodarona é administrada na dose de 300 Em geral, se a reanimação foi iniciada
mg, em bólus, diluídos em 20 mL de dextrose corretamente e com indicação deve
a 5% em água. A amiodarona pode ser
prosseguir-se enquanto o ritmo for
novamente administrada após um 5º choque
(consecutivo ou não) na dose de 150mg. desfibrilhável.
A administração de Sulfato de Magnésio EV
na dose de 2 g (4 mL = 8 mmol de Mg²SO4 a
50%) está indicada apenas nos casos de
torsade de pointes. O número de vezes que se repete o algoritmo
O bicarbonato de sódio não deve ser durante a reanimação depende do critério
administrado por rotina nas situações de clínico determinado pelas condições
paragem cardíaca (especialmente nas específicas de cada caso – por ex: diagnóstico
paragens fora do hospital) ou após o RCE. e prognóstico.
Deve ser administrado EV na dose única de 50
mEq, no caso de:

I N E M | 139
Suporte Avançado de Vida

4. Ritmos não desfibrilháveis (AEsp e Se houver dúvidas entre assistolia e FV fina


assistolia) não desfibrilhar; continuar com as
compressões e ventilação.
O prognóstico destes ritmos é bastante pior, a A desfibrilhação de uma FV fina não está
menos que se identifique e se corrija a causa indicada pois não é eficaz. No entanto a
da paragem cardíaca. realização de manobras de SBV continuadas e
de boa qualidade podem aumentar a
amplitude e frequência da FV, aumentando
4.1. Atividade Elétrica sem pulso (AEsp) depois a probabilidade de sucesso da
desfibrilhação na recuperação do ritmo de
Constitui um grupo heterogéneo de ritmos, em perfusão.
que se englobam todas as situações em que o
Por outro lado, a administração de choques é
ritmo cardíaco é compatível com circulação
lesiva para o miocárdio de forma direta pela
eficaz, mas isso não se verifica (ou seja, existe
corrente elétrica, e de forma indireta pelas
atividade elétrica intrínseca cardíaca, mas sem
interrupções na perfusão coronária.
repercussão mecânica). Por vezes existem
contrações do miocárdio, mas
insuficientemente eficazes para gerarem pulso Durante a Reanimação deve:
palpável ou tensão arterial mensurável.  Verificar os elétrodos, a posição das
Na origem da AEsp estão geralmente causas pás e dos contactos – se não
potencialmente reversíveis. A probabilidade de estiverem bem colocados a
sobrevivência da vítima depende da probabilidade de conseguir
capacidade de identificar e corrigir estas desfibrilhar é menor;
causas. As causas de pesquisa obrigatória são  Minimizar as pausas / planear
as causas denominadas 4 H’s e 4 T’s. ações;
 Proceder ou confirmar:
o Acesso venoso;
4.2. Assistolia o Via aérea/ oxigénio controlado.
 Fazer compressões
Esta corresponde à ausência de atividade
ininterruptamente quando a via
elétrica intrínseca cardíaca.
aérea estiver segura;
Logo que é estabelecido o diagnóstico de  Administrar adrenalina cada 3 a 5
assistolia é fundamental observar com min.;
atenção a tira de ritmo, com o objetivo de  Corrigir as causas reversíveis de
procurar possíveis ondas P não conduzidas, PCR.
ou atividade ventricular muito lenta pois,
nestes casos, há indicação formal para
implantar pacemaker externo de imediato.
Na assistolia não há qualquer indicação para
colocar pacemaker, mas sim iniciar de
imediato RCP. 4.3. Etapas da reanimação

Se o ritmo inicial identificado no monitor é


AEsp ou Assistolia deve iniciar de imediato um
ciclo de 2 min de SBV 30:2 e administrar

140 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

adrenalina 1 mg EV/IO logo que tenha um No caso de persistência de assistolia ou AEsp,


acesso venoso disponível (recomendam-se 2 deve manter-se o SBV e administrar 1 mg de
acessos em situações de trauma). adrenalina EV/IO cada 3 a 5 minutos.
No caso de assistolia deve confirmar-se, sem É essencial identificar e corrigir causas
interromper as compressões, as conexões, os potencialmente reversíveis, durante o
cabos e o modo de monitorização adequado. decorrer da reanimação.
A VA deve ser assegurada logo que possível
evitando que as compressões torácicas sejam
suspensas durante o processo de EOT. Assim Se durante o tratamento de assistolia ou
que esta esteja assegurada, manter AEsp o ritmo passar a ser de FV ou TVsp,
compressões ininterruptas a um ritmo de
pelo menos 100 por minuto (no máximo de 120
deve terminar o ciclo de compressões já
/ min), sem pausa para as insuflações, que iniciado antes de voltar ao ramo esquerdo do
serão de 10 por minuto. algoritmo.
Do mesmo modo, caso detete a mudança
A reanimação deve continuar enquanto as para um ritmo organizado compatível com
causas são pesquisadas e, se possível, pulso, deve terminar o ciclo de compressões
corrigidas. já iniciado antes de verificar novamente o
ritmo e palpar o pulso.

Após 2 min. de SBV avaliar ritmo:


 Se mantém assistolia, reinicie de
imediato SBV; 5. Causas potencialmente reversíveis
 Se no monitor houver um ritmo
organizado compatível com pulso, Qualquer que seja o ritmo é extremamente
pesquisar pulso; Se não palpar pulso importante identificar e corrigir as situações
(ou existem dúvidas sobre a presença potencialmente reversíveis, que possam ser a
de pulso) continuar com SBV (AEsp). causa da paragem cardíaca ou agravar a
Se no momento da reavaliação o pulso situação de base.
estiver presente, iniciar os cuidados pós- Para facilitar a memorização fala-se nos 4 H’s
reanimação. e 4 T’s (tabela 13).

Tabela 13 - Causas potencialmente reversíveis

4 H’s 4 T’s

Hipóxia PneumoTórax hipertensivo


Hipovolémia Tamponamento cardíaco
Hiper/Hipocaliémia/alterações metabólicas Tóxicos / iatrogenia medicamentosa
Hipotermia Trombose cardíaca ou pulmonar

I N E M | 141
Suporte Avançado de Vida

5.1. Hipóxia 5.4. Hipotermia

Deve ser rapidamente corrigida, assegurando Deve ser considerada em todos as situações
a permeabilização da via aérea e o suporte de submersão, vítimas expostas ao frio,
ventilatório, administrando O2 a alto débito (se particularmente com alterações do nível de
possível a 100%); consciência, em especial nos idosos e nas
Observar se os movimentos torácicos são crianças; o diagnóstico deve ser feito com
bilaterais e eficazes e, se entubado, o tubo termómetros que permitam avaliar
traqueal está bem colocado. temperaturas baixas.
Não esquecer que durante as manobras de
reanimação a vítima pode arrefecer.
5.2. Hipovolémia A desfibrilhação só é eficaz com temperaturas
superiores acima de 30ºC.
Deve ser considerada nos casos de trauma,
hemorragias digestivas graves, rotura de
aneurisma da aorta, depleções maciças de 5.5. PneumoTórax hipertensivo
volume por diarreia ou vómitos incoercíveis e
prolongados que levam a desidratações É uma das causas principais de AEsp que tem
graves (principalmente nas crianças e idosos); de ser considerada em caso de trauma, após
A prioridade nestas situações é a reposição de colocação de cateter central ou nos casos de
volume, associada a correção cirúrgica da dificuldade respiratória de instalação súbita
causa da hemorragia, caso se justifique; para nos asmáticos.
isso é necessário estabelecer acessos O diagnóstico é clínico e exige tratamento
venosos o mais rapidamente possível, de imediato. O pneumotórax deve ser
grande calibre – 14G ou 16G. imediatamente drenado com um cateter
venoso 14G que se introduz a nível do 2º
espaço intercostal na linha médio clavicular,
5.3. Hipercaliémia, hipocaliémia, seguido de dreno torácico.
hipercalcémia, acidémia ou outras
No caso de trauma major, recomenda-se a
alterações metabólicas
colocação de drenos torácicos bilaterais.
Podem ser identificadas através de análises de
sangue pedidas à entrada ou sugeridas pela
5.6. Tamponamento cardíaco
história clínica – por ex. insuficiência renal ou
uso de diuréticos.
O diagnóstico definitivo é difícil porque os
Deve-se administrar cloreto/ gluconato de sinais característicos desta situação são
cálcio EV nos seguintes casos: difíceis de identificar durante a reanimação,
 Hipercaliémia; seja na sala de emergência seja no local da
 Hipocalcémia; ocorrência:
 Intoxicação por bloqueadores dos  Ingurgitamento jugular;
canais de cálcio;  Hipotensão/ausência de sinais de
 Hipermagnesémia – por ex. iatrogenia circulação – o que também é comum às
no tratamento de pré-eclampsia. outras causas de AEsp.

142 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

Deve ter-se em atenção as situações que têm 6. Ecografia no SAV


maior probabilidade de causar tamponamento
cardíaco tratável por ex: no caso de O uso de ecografia durante a RCP, se
traumatismo torácico penetrante, considerar a realizada por profissionais experientes, é de
necessidade de drenagem - pericardiocentese grande importância na deteção de causas
com agulha. reversíveis (ex: tamponamento cardíaco,
tromboembolia pulmonar, hipovolémia,
pneumotórax). A integração da ecografia
5.7. Tóxicos/ iatrogenia medicamentosa durante as manobras de RCP requer treino
considerável tendo como princípio minimizar
Pode ser suspeitado pela história clínica e/ou as interrupções das compressões cardíacas.
confirmados por análises. Recomenda-se a colocação da sonda na
Nas situações em que for justificado, região sub-xifoideia. A sua colocação no local
considerar a utilização de antídotos ou adequado imediatamente antes das
antagonistas. interrupções planeadas para verificar o ritmo
permite ao utilizador experiente obter uma
janela adequada nos 10 segundos de pausa.
5.8. Trombose coronária e pulmonar O treino em ecocardiografia é útil e
recomendado para aplicação durante a RCP
A trombose coronária associada a um no algoritmo de SAV.
síndrome coronário agudo ou doença cardíaca
isquémica é a causa mais comum de paragem
cardíaca súbita. Um síndrome coronário agudo 7. Ressuscitação cardiopulmonar
é geralmente diagnosticado e tratado após extracorpórea (eCPR)
RCE. No síndrome coronário agudo e sem
RCE, a angiografia coronária urgente pode ser A RCP extracorpórea deve ser considerada
considerada e a necessidade de intervenção como uma terapia resgate para aqueles
coronária percutânea. A utilização de doentes em que as medidas iniciais de SAV
dispositivos mecânicos de compressão não são bem-sucedidas e/ou para facilitar
torácica e RCP extracorpórea podem ser úteis intervenções específicas (por exemplo,
nestas situações. angiografia coronária e intervenção coronária
A causa mais comum de obstrução percutânea ou pulmonar ou trombectomia na
tromboembólica ou obstrução cirúrgica embolia pulmonar maciça). As técnicas
mecânica é a embolia pulmonar maciça. extracorpóreas exigem acesso vascular e um
A embolia pulmonar maciça é a causa mais circuito com bomba e oxigenador e pode
frequente de choque obstrutivo sendo o fornecer uma circulação de sangue oxigenado
tratamento de eleição a trombólise e/ou para restaurar a perfusão tecidular.
cirurgia, dependendo das especialidades
existentes no hospital.
No caso de forte suspeita de TEP, considerar 8. Dispositivos mecânicos de
a administração de fibrinolítico de imediato; compressão torácica
está indicado prolongar as manobras de SAV
nesta situação, de modo a deixar atuar o A realização de compressões torácicas
fármaco, até 60 a 90 minutos. manuais de alta qualidade pode ser difícil e há
evidências de que a qualidade do SBV diminui

I N E M | 143
Suporte Avançado de Vida

com o passar do tempo. Os dispositivos pós-reanimação. Caso não seja palpável


mecânicos automáticos de compressão qualquer pulso, deve ser mantida a RCP.
torácica realizam compressões de alta O uso por rotina da capnografia de onda ajuda
qualidade, especialmente nas situações onde no reconhecimento precoce do RCE, sem
pode não ser possível realizar as compressões interrupções nas compressões torácicas, já
manuais (SBV durante o transporte numa que um aumento significativo na deteção do
ambulância, RCP prolongada - vítimas em EtCO2 durante a RCP é notado quando surge
PCR associada à hipotermia - e RCP durante o RCE.
determinados procedimentos, como por ex.
angiografia coronária ou preparação para
eCPR). 9.1. Capnografia durante o Suporte
Os dispositivos mecânicos de compressão Avançado de Vida
torácica são uma alternativa razoável às
compressões torácicas manuais de alta Segundo vários estudos, o EtCO2 poderá
qualidade em situações em que compressões avaliar o débito cardíaco durante a paragem
manuais de alta qualidade são impraticáveis cardíaca, desde que a produção metabólica de
ou comprometem a segurança dos CO2 e a ventilação alveolar fossem mantidas
profissionais. As interrupções de SBV durante constantes.
a aplicação do dispositivo devem ser evitadas. Numa situação de paragem
Um estudo recente mostra que a utilização de cardiorrespiratória, se o doente estiver
dispositivos mecânicos de compressão entubado, a ventilação manual pode ser
torácica aumenta o RCE quando comparado efetuada a uma frequência constante e a
com RCP manual bem feito. produção de CO2, pelo metabolismo celular
O uso de dispositivos mecânicos requer um mantém-se também constante. Durante a
treino inicial e contínuo e garantia de qualidade RCP, os valores de CO2 no final da expiração
para minimizar as interrupções na transição são baixos, refletindo o baixo débito cardíaco
das compressões manuais para compressões gerado pela compressão torácica. Desta forma
mecânicas e evitar atrasos na desfibrilação. o EtCO2 deve ser utilizado para avaliar a
eficácia das compressões torácicas e funciona
como um indicador precoce de RCE, mesmo
9. Deteção de sinais de vida que o pulso ou a pressão arterial não sejam
percetíveis, uma vez que uma melhoria do
Caso a vítima apresente sinais de vida durante débito cardíaco resultará num aumento do
a reanimação (movimentos intencionais, EtCO2.
respiração normal ou tosse) ou a leitura dos Do ponto de vista fisiológico, antes de o doente
valores obtidos no monitor seja compatível exalar, o sangue efetua o transporte do CO2
com RCE (ex: aumento rápido do EtCO2 ou das células para os pulmões. Assim a
onda de pressão arterial compatível com quantidade de CO2 que chega aos pulmões
débito cardíaco), deve suspender-se o SBV e depende obrigatoriamente do débito cardíaco.
confirmar a existência de RCE. Em doentes com a função cardíaca normal,
Caso exista um ritmo organizado, deve ser chegam até aos alvéolos valores normais de
pesquisado o pulso. Se o pulso for palpável, CO2 e, portanto, o valor de EtCO2 será também
devem ser de imediato iniciados os cuidados normal (entre 35 e 45 mmHg). Em doentes
com função cardíaca inadequada (em choque

144 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

ou paragem cardíaca), a quantidade de CO2


que é transportada para os pulmões será
mínima e, portanto, o EtCO2 será baixo, < 20
mmHg).
As compressões torácicas efetuadas de forma
adequada fornecem apenas um terço do
débito cardíaco normal. Quando no contexto
de reanimação, o débito cardíaco é
restabelecido (quer por ação química e/ou
elétrica) o EtCO2 tenderá a subir rapidamente
em consequência direta de uma melhoria
significativa da perfusão. Se ocorrer um
aumento súbito e mantido do EtCO2 ao longo Figura 60 - Capnograma a representar compressões
cardíacas eficazes
de várias insuflações durante a reanimação é
indicativo que está restabelecida a circulação
espontânea.
Flutuações no EtCO2 durante as manobras de
reanimação e a utilidade do EtCO2 na deteção
da RCE justificam a sua avaliação contínua. A
alta sensibilidade (mais de 90%) na predição
da RCE foi prospectivamente demonstrada,
através da utilização do EtCO2 durante os
primeiros 20 minutos após intubação traqueal,
com a interrupção das manobras nas
situações em que o valor de EtCO2 <10 mmHg
(uma vez corrigidas as compressões Figura 61 - Capnograma a representar retorno à
ineficazes). Tal indicador do prognóstico pode circulação espontânea
ser usado para uma abordagem mais racional
da reanimação cardiorrespiratória prolongada.
A monitorização contínua do EtCO2 permite 10. A decisão de parar a RCP e a verificação
também otimizar as compressões torácicas já do óbito
que podemos identificar o momento a partir do
qual o débito cardíaco está significativamente Se as tentativas de obtenção de RCE não
diminuído e que implicará a substituição do forem bem sucedidas, o team leader deve
operacional. Ainda que o mesmo possa ponderar a hipótese de suspender a RCP e
verbalizar que não se sente cansado. discuti-la com a equipa de reanimação. A
decisão de interromper as manobras obriga a
um julgamento clínico e à cuidadosa avaliação
da probabilidade de RCE por parte do team
leader.
Após a interrupção da RCP, recomenda-se a
observação da vítima por um período de 5
minutos, previamente à confirmação da morte.

I N E M | 145
Suporte Avançado de Vida

A ausência de função cardíaca mecânica PCR). Caso se mantenha a PCR nesses 5


(débito cardíaco) pode ser confirmada por: minutos, deve ser confirmada a ausência de
 Ausência de pulso central à palpação; reflexos pupilares à luz, de reflexos corneanos
 Ausência de tons cardíacos à e de reação à pressão supraorbitária. A
auscultação. verificação do óbito deve ser registada à hora
em que estes critérios se encontram
Podem ainda complementar estes sinais:
cumpridos.
 Assistolia na monitorização contínua;
 Ausência de onda de pressão arterial
invasiva (linha arterial);
 Ausência de contração do miocárdio na
Ecocardiografia.
Caso haja qualquer sinal de atividade cardíaca
ou respiratória durante estes 5 minutos,
implica nova confirmação de PCR e a
observação por novo período (subsequente)
de 5 minutos (após a última confirmação de

146 | I N E M
Algoritmo de Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 Nos casos de PCR é prioridade absoluta identificar o ritmo;

 Os doentes em FV/ TVsp devem ser desfibrilhados o mais rapidamente possível;

 A sobrevivência dos doentes em FV refratária ou em paragem não FV/ TVsp depende da


identificação de causas potencialmente reversíveis com tratamento;

 Em todas as situações é essencial a preservação da perfusão cerebral e coronária através


do SBV corretamente efetuado, eficaz e ininterrupto;

 O uso de capnografia está preconizado para monitorizar a qualidade do suporte;

 O uso de compressores mecânicos deve ser preconizado como garantia de qualidade das
compressões torácicas.

I N E M | 147
Suporte Avançado de Vida

XII. PACING CARDÍACO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Compreender as indicações para pacing no contexto de emergência;
 Saber como executar pacing por percussão;
 Saber como e quando, está indicado o pacing transcutâneo;
 Identificar os problemas associados ao pacing temporário e à sua resolução.

1. Introdução 2. Eletrofisiologia básica

A utilização do pacing não invasivo no contexto Como já vimos anteriormente, o estímulo


de emergência é um procedimento que deve elétrico que leva à contração do miocárdio é
ser do domínio de qualquer operacional de gerado a nível do nódulo sinusal, que é a
SAV. É igualmente importante, que estes estrutura do sistema eletrofisiológico do
tenham algum conhecimento dos problemas coração que tem o automatismo mais rápido.
que podem surgir com as outras formas de No entanto, todas as estruturas elétricas e
pacing, dado que poderão ser confrontados musculares do coração possuem
com isso, durante a reanimação. automatismo, podendo, em algumas
circunstâncias, assumir o “comando”.

Figura 62 - Sistema Eletrofisiológico Cardíaco

148 | I N E M
Pacing Cardíaco

As várias estruturas, têm velocidades de capítulo “Disritmias periparagem”), assim


despolarização automática diferentes e como situações com risco de assistolia.
perante o normal funcionamento de uma A probabilidade do pacing ser eficaz depende
estrutura com automatismo mais rápido, as da viabilidade do miocárdio. A presença de
mais lentas inibem-se ondas P visíveis no traçado ECG é um bom
Quando o nódulo sinusal falha, será a indicador da viabilidade do pacing. Deve ser
estrutura com o segundo automatismo mais pesquisada a presença de ondas P em
rápido (nódulo auriculoventricular) a assumir o traçados de assistolia, uma vez que há
comando. Quando o nódulo auriculoventricular elevada taxa de sucesso do pacing cardíaco
(nódulo AV) também falha ou quando o nestas situações.
mesmo, não permite a passagem do impulso
do nódulo sinusal para o feixe de His (bloqueio
Quando o bloqueio é ao nível do feixe de His-
auriculoventricular ou BAV) serão as
estruturas imediatamente a seguir a assumir o Purkinje ou inferior, considerar a
comando do ritmo e assegurar a existência de implementação de pacing de imediato.
contração ventricular.
O nódulo AV é uma estrutura heterogénea que
pode, embora artificialmente, ser dividida em
duas porções, uma “mais alta‟ e outra “mais O tratamento com pacing consiste numa
baixa‟. estimulação artificial do coração que tem como
As células da porção “mais baixa” do nódulo objetivo despolarizar as células musculares e
AV têm uma frequência de despolarização de consequentemente originar contração
cerca de 50/min e dão origem a complexos muscular. O estímulo pode ser elétrico ou
QRS estreitos e regulares. Se o comando for mecânico (percussão). Quando o estímulo
assumido por esta estrutura, nem sempre consegue dar origem a complexos QRS (que
existe indicação para tratamento com pacing, refletem a despolarização do miocárdio
desde que não cause bradicardia acentuada, ventricular) diz-se que ocorreu captura, a qual
nem repercussão hemodinâmica significativa. se traduz por débito cardíaco e
Quando o bloqueio ocorre a um nível consequentemente existência de sinais de
auriculoventricular baixo restam apenas as circulação.
estruturas ventriculares, para assegurar o Podemos classificar os procedimentos de
ritmo. Nestes casos o ritmo é francamente pacing em:
lento (<30/min), os QRS são largos e o ritmo  Não invasivos:
pode mesmo ser irregular. Podem ocorrer o Pacing por percussão;
falhas deste “último recurso”, resultando na o Pacing transcutâneo;
ausência total de ativação do ventrículo e  Invasivos:
consequente ausência de débito cardíaco, e o Pacing temporário (transvenoso);
síncope ou mesmo paragem cardíaca. o Pacing permanente (implantável).
Esta situação exige frequentemente
implantação de pacing. O pacing está indicado
quando as frequências são demasiado lentas,
existem pausas prolongadas ou não existe
resposta ao tratamento farmacológico (ver

I N E M | 149
Suporte Avançado de Vida

3. Pacing não invasivo A sua principal desvantagem é o desconforto


causado pelos repetidos impulsos elétricos. A
3.1. Pacing por percussão estimulação elétrica é feita ao nível da pele,
causando dor por estimulação das
A técnica de percussão foi descrita há vários terminações nervosas e contração dos
anos, consistindo na aplicação de uma série músculos do tórax, simultaneamente com a
de murros sobre o bordo esternal esquerdo, na estimulação miocárdica. Este procedimento
sua porção inferior. não é, habitualmente, tolerado por um doente
É uma intervenção transitória, que pode ser acordado.
“life saving” e com menor risco traumático para Os sistemas de pacing transcutâneo
o doente, que as compressões torácicas. existentes podem estar incorporados em
Devem ser aplicados de forma rítmica vários monitores/desfibrilhadores ou funcionar
murros precordiais, secos, mas separados, sendo apenas sistemas de pacing.
suficientemente suaves para serem tolerados No primeiro caso, os elétrodos permitem
por um doente acordado; monitorização, desfibrilhação e pacing; no
O local exato que permite obter captura do segundo apenas servem para efetuar pacing.
estímulo não é sempre exatamente o mesmo, Qualquer sistema de pacing pode funcionar
podendo ser necessário variar o sítio de em modo fixo ou “on demand”. No modo fixo o
aplicação do murro até encontrar um local sistema gera impulsos à frequência
onde se consiga ativação ventricular programada, independentemente de existir ou
constante. O bordo inferior esquerdo do não atividade elétrica intrínseca do doente. No
esterno pode constituir uma hipótese a ter em modo “on demand” o sistema gera impulsos a
conta. Quando se consegue ativação uma frequência mínima estabelecida, mas se
ventricular constante pode diminuir-se a ocorrer atividade elétrica intrínseca a uma
intensidade do estímulo, desde que se consiga frequência superior, inibirá a formação do
manter evidência de ativação ventricular. impulso.
A principal indicação para o pacing por O modo fixo tem a desvantagem de, quando
percussão é a existência de bradicardia utilizado num doente que mantém atividade
extrema com baixo débito, como ponte para a intrínseca mesmo que esporádica, poder
colocação de pace transcutâneo. A sua coincidir a ocorrência do estímulo de pacing
eficácia não foi comprovada. com a onda T. Este fenómeno, pode induzir
uma FV ou TV por estimulação do coração no
período refratário relativo.
3.2. Pacing transcutâneo
Assim, o pacing fixo só deve ser utilizado nas
situações em que não existe qualquer
O pacing transcutâneo é um procedimento
atividade elétrica intrínseca ou nas situações
com inúmeras vantagens:
em que se prevê a ocorrência de interferência
 Acessível a qualquer indivíduo que possa inibir inadequadamente, a formação
qualificado para SAV, com um mínimo do impulso (ex.: transporte de um doente em
de treino; ambulância). Nas outras situações deve
 Facilidade de utilização e rapidez de utilizar-se o modo “on demand”.
implantação;
 Reduzidos riscos;
 Facilmente iniciado por não médicos.

150 | I N E M
Pacing Cardíaco

3.2.1. Procedimento  Selecionar a frequência cardíaca


pretendida (habitualmente entre 60 e
 Cortar o excesso de pêlos no local de 90/min no adulto);
aplicação dos elétrodos. Se possível,  Selecionar o mínimo de corrente e ligar
evitar rapar com lâmina porque se o pacemaker;
criam soluções de continuidade na  Sedar e/ou analgesia o doente quando
pele, que são locais de menor consciente;
resistência à passagem da corrente.  Aumentar progressivamente a
Isto dá origem a queimaduras locais e intensidade da corrente até se verificar
aumenta a dor; captura do estímulo elétrico, o que na
 Secar muito bem a pele; maioria dos casos se consegue entre
 Colocar os elétrodos para 50 e 100 mA;
monitorização eletrocardiográfica;  Após evidência de captura no traçado
 Aplicar os elétrodos de Pacing. A (existência de um complexo QRS após
posição dos elétrodos é diferente o Spike) deve ser confirmado que este
consoante se trate de um sistema que QRS se traduz em contração
apenas permite Pacing ou de um ventricular eficaz, palpando a
sistema que permite monitorização, existência de pulso compatível com a
desfibrilhação e Pacing (ver adiante); frequência estabelecida para Pacing.
 Confirmar que o posicionamento dos  Se já se atingiu o valor máximo de
elétrodos está de acordo com as intensidade da corrente e continua a
recomendações do fabricante; para o não haver captura ponderar a
Pacing importa a polaridade dos modificação do posicionamento dos
elétrodos; elétrodos, p. ex. antero-posterior).
 Assegurar que as conexões estão
corretas;
 Selecionar o modo de Pacing; A impossibilidade de obter captura (apesar de
 Nos aparelhos em que existe a corretamente executado o procedimento)
possibilidade de selecionar sugere que o miocárdio já não é viável.
“sensibilidade‟ e quando se utiliza o
modo “on demand” é necessário
ajustar o valor para que o pacemaker
possa identificar corretamente a
atividade intrínseca cardíaca - valores
3.2.2. Precauções
muito baixos de sensibilidade levam a
que o pacemaker se iniba facilmente
Os impulsos gerados pelo sistema de Pacing
com qualquer artefacto; valores
podem ser conduzidos de forma rápida através
demasiado elevados fazem com que o
da pele, condicionando artefactos que podem
pacemaker funcione praticamente em
ser erradamente interpretados como captura.
modo fixo não se inibindo
A morfologia do artefacto é diferente da de
adequadamente com a atividade
captura; trata-se de uma deflexão após o Spike
elétrica cardíaca. O valor de 3-4 mV é
habitualmente de menor duração que o
habitualmente razoável para fazer essa
complexo QRS causado pela despolarização
distinção;
do miocárdio e que não é seguida de onda T.

I N E M | 151
Suporte Avançado de Vida

Mesmo nos sistemas que permitem problemas que podem surgir, alguns dos quais
simultaneamente a monitorização, podem levar à PCR.
desfibrilhação e Pacing devem sempre ser
colocados os elétrodos de monitorização, os
quais devem ser colocados o mais afastados 4.1. Pacing temporário
possível dos elétrodos de Pacing, de forma a
minimizar a deteção de artefactos. Podemos considerar, fundamentalmente, três
Se for necessário desfibrilhar um doente que grupos de problemas:
tenha aplicado um sistema só de Pacing, os  Elevação do limiar de pacing;
elétrodos ou pás de desfibrilhação, devem ser  Descontinuidade do circuito elétrico;
colocados cerca de 2 a 3 cm afastados dos de  Deslocação do eletrocatéter.
pacing para evitar fenómenos de “arco
voltaico”.
Não existe qualquer perigo para o reanimador 4.1.1. Elevação do limiar de Pacing
de tocar no doente com o pacing transcutâneo
ligado, dado que a energia do impulso de O eletrocatéter de pacing provisório é
Pacing é inferior a 1 J. introduzido por uma veia central e colocado,
habitualmente, no ápex do ventrículo direito.
No entanto, se for necessário proceder a SBV
Imediatamente após a sua implantação no
o pacemaker deve ser desligado para evitar a
local considerado adequado é medido o limiar
inibição de pacing causada por artefactos.
de pacing (voltagem mínima com a qual se
A intensidade de corrente necessária para consegue uma despolarização miocárdica
despolarizar eficazmente o miocárdio pode eficaz; habitualmente < 1 V).
variar ao longo do tempo, pelo que é
Este valor pode aumentar de forma não
recomendável manter vigilância regular da
previsível após a implantação, pelo que é
confirmação de captura.
necessário testar regularmente o limiar de
O pacing transcutâneo é um procedimento de pacing e adaptar a voltagem, em função do
emergência transitório, pelo que assim que se valor encontrado.
tenha conseguido restabelecer ritmo cardíaco
A voltagem do pacemaker provisório é,
eficaz é necessário promover a implantação de
habitualmente, ajustada para um valor 3 vezes
um sistema de pacemaker intravenoso.
superior ao limiar de pacing ou, em caso de
dúvida, para um valor de 3 V até se conseguir
ajuda diferenciada.
4. Pacing invasivo
Quando o limiar de pacing aumenta e a
A evolução técnica que possibilitou a voltagem selecionada deixa de ser eficaz
existência de pacing transcutâneo transformou observa-se no monitor a existência de spikes,
não seguidos de complexo QRS de forma
a implantação de pacemaker’s provisórios
endovenosos num procedimento semi-eletivo, intermitente ou permanente.
sendo raro atualmente implantar um Para resolver este problema deve aumentar-
pacemaker durante a reanimação. se a voltagem do pacemaker até conseguir
Importa, no entanto, conhecer o sistema captura, procurando posteriormente ajuda
provisório endovenoso para saber lidar com os diferenciada para resolução definitiva da
situação.

152 | I N E M
Pacing Cardíaco

Quando ocorre subitamente uma perda de o fluxo de sangue intracavitário. O


captura é mais provável que tenha ocorrido eletrocatéter pode deslocar-se permanecendo
deslocação do eletrocatéter do que no ventrículo, ou migrando para a aurícula ou
verdadeiramente aumento do limiar de pacing, a artéria pulmonar; pode ainda perfurar o
habitualmente de instalação mais gradual. miocárdio e entrar no pericárdio.
Mesmo com o eletrocatéter deslocado
poderão observar-se Spikes no monitor, os
4.1.2. Descontinuidade do circuito elétrico quais podem ser de tamanhos diferentes entre
si, observar-se spikes com captura de
O eletrocatéter pode estar conectado morfologias diferentes e falha de capturas em
diretamente ao gerador de pacing provisório, alguns. Esta variação, resulta de estimulação
no entanto, frequentemente, é conectado a um em pontos diferentes do coração conforme o
cabo (que funciona basicamente como uma movimento do eletrocatéter e o local em que
extensão) o qual por sua vez é conectado ao entra em contacto com o miocárdio.
gerador. Qualquer que seja a causa da falha de
Todas as conexões têm que estar firmemente funcionamento do pacemaker provisório, a
apertadas para que a continuidade do estímulo sintomatologia depende da capacidade do
elétrico não seja interrompida. miocárdio do doente gerar naquele momento
Qualquer fratura nos cabos pode, igualmente, estímulos intrínsecos. Pode ocorrer síncope
causar perda da continuidade da transmissão ou mesmo paragem cardíaca, pelo que, para
do impulso, o que se traduz no monitor por além dos procedimentos anteriormente
ausência de spike. descritos, é fundamental atuar de acordo com
Quando isto acontece deve: a situação encontrada e em caso de paragem
cardíaca iniciar SBV, até obter ajuda
 Confirmar se o gerador se encontra diferenciada que possa corrigir o problema.
ligado;
 Confirmar se as conexões estão todas
corretamente ligadas (a troca de pólos 4.2. Pacing permanente
impede a normal propagação do
estímulo elétrico) e bem apertadas; Os pacemaker’s permanentes implantados
 Confirmar se ocorreu fratura do cabo estão menos sujeitos a falha de
(neste caso a manipulação do cabo funcionamento. A bateria do gerador não se
fletindo-o em um, ou mais locais pode esgota de forma súbita, pelo que num doente
restabelecer intermitentemente a que seja vigiado regularmente, não será de
continuidade do circuito elétrico, o que esperar falha de captura por este motivo.
se traduz por aparecimento de novo de As conexões são habitualmente seguras e, tal
spikes no monitor). como o gerador, estão protegidas pelo tecido
celular subcutâneo onde o pacemaker se
encontra implantado.
4.1.3. Deslocação do eletrocatéter
Pode, no entanto, ocorrer fratura do
O eletrocatéter de pacing provisório não tem eletrocatéter (por fricção sobre estruturas
nenhuma forma de fixação ao miocárdio, pelo ósseas ou por movimentação do gerador de
que pode deslocar-se com movimentos pacing ao qual os elétrodos estão
respiratórios ou do tronco ou, até mesmo, com conectados).

I N E M | 153
Suporte Avançado de Vida

Esta situação manifesta-se como a 5. Cardioversores desfibrilhadores


descontinuidade do circuito elétrico e os implantados (CDI)
procedimentos a adotar são idênticos aos
anteriormente descritos. Tem vindo a crescer em todo o mundo o
A administração de fármacos e várias número de doentes com CDI, estando
situações clínicas, nomeadamente o enfarte indicados em doentes que sofreram ou estão
agudo do miocárdio, podem modificar o limiar em risco de apresentar arritmia
de pacing e/ou a capacidade do pacemaker se potencialmente fatal. As suas dimensões e
inibir na presença de ritmo intrínseco (por implantação são muito semelhantes a um
exemplo por diminuição da amplitude dos pacemaker.
estímulos a partir da zona de enfarte). Consistem em dispositivos que analisam
Quando está alterada a capacidade de detetar permanentemente o ritmo cardíaco, estão
atividade intrínseca, o pacemaker passa a programados para identificar arritmias
funcionar como se estivesse em modo fixo ventriculares (FV ou TV) e efetuar
com riscos inerentes a esta situação já cardioversão ou desfibrilhação. Têm ainda
anteriormente descritos (indução de FV ou TV outras funções, nomeadamente a de “pacing
por estimulação em período refratário relativo). on demand”.
Quando é necessário desfibrilhar um doente Quando estes dispositivos detetam uma FV/
que tem um pacemaker permanente TV efetuam no máximo seis descargas
implantado, as pás devem ser colocadas cerca elétricas. Para além deste número o CDI
de 12 a 15 cm afastadas do gerador. apenas dará novos choques caso seja
Possivelmente, a maioria dos “pacemaker’s” detetado um novo episódio de FV/ TV. Estão
permanentes são implantados no tecido sujeitos a erros na análise da arritmia e
celular subcutâneo na região infraclavicular consequentemente aplicação de choque
esquerda, o que não condiciona problemas. inapropriado, o que pode ser particularmente
incomodativo para o doente se está acordado.
No entanto, é também possível encontrar
O CDI pode ser transitoriamente desativado
muitas unidades implantadas na região
aplicando um íman sobre o aparelho.
infraclavicular direita pelo que poderá ser
necessário adotar a posição ântero-posterior. Quando o CDI aplica um choque, não existe
risco para o reanimador dado que a energia é
Os DAE podem interpretar os Spikes do
aplicada diretamente no coração, através de
Pacemaker como complexos QRS
elétrodos endovenosos implantados e a
considerando o ritmo não desfibrilhável.
energia utilizada é habitualmente baixa (40J).
Quando o CDI funciona mal é fundamental que
o doente seja observado por um perito nessa
área.
Se um doente com CDI sofre uma paragem
cardíaca as manobras de reanimação não
sofrem alteração. Se for necessário efetuar
desfibrilhação as recomendações são as
mesmas que para os doentes com
pacemakers implantados.

154 | I N E M
Pacing Cardíaco

Pontos a reter

 No contexto de emergência o pacing externo é o tratamento de escolha para as


bradidisritmias que não respondem a tratamentos farmacológicos;

 O pacing externo é um tratamento provisório até recuperação do ritmo cardíaco e/ou


implementação de um pacemaker.

I N E M | 155
Suporte Avançado de Vida

XIII. TRATAMENTO DAS DISRITMIAS PERIPARAGEM

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Compreender a sintomatologia associada às alterações de ritmo que mais frequentemente
antecedem as situações de paragem cardiorrespiratória, visando o seu reconhecimento
atempado;
 Identificar e tratar corretamente as disritmias periparagem no doente crítico;
 Avaliar o doente e detetar sinais de gravidade associados às disritmias periparagem;
 Conhecer as opções de tratamento para as disritmias periparagem, quer elétricas quer
farmacológicas.

1. Introdução 2. Classificação e princípios de


tratamento
Uma estratégia bem sucedida para reduzir a
mortalidade e a morbilidade da PCR, inclui As alterações de ritmo que mais
medidas de prevenção de arritmias frequentemente antecedem os ritmos de
potencialmente graves e um tratamento paragem são:
optimizador, no caso da sua ocorrência. Bradiarritmias;
As disritmias cardíacas são complicações bem Taquiarritmias de Complexos
conhecidas do EAM, e a sua identificação e Largos;
tratamento corretos podem prevenir a PCR e
Taquiarritmias de Complexos
sua recorrência, pois podem preceder a FV ou
Estreitos.
surgir após uma desfibrilhação bem sucedida.
Em todos os casos, a abordagem segue os
Do correto manuseamento destas situações
mesmos princípios:
depende, em grande parte, o sucesso da RCP.
Os algoritmos devem permitir que um  Avaliar seguindo sempre a sequência
operacional SAV, não especialista, trate o ABC(DE);
doente, numa emergência, com segurança e  Administrar O2 de forma controlada;
eficácia.  Monitorizar (ECG, pressão arterial,
Se o doente não estiver em estado crítico há SpO2);
alternativas farmacológicas a considerar (per  Assegurar um acesso venoso
os ou parentéricas), que são menos familiares periférico;
ao não perito. Nestes casos, há oportunidade  Corrigir desequilíbrios
para obter ajuda de um cardiologista ou de um hidroeletrolíticos (ex: K , Mg2+, Ca2+);
+

médico sénior com qualificação adequada.  Ao planear o tratamento considerar a


causa e contexto da disritmia.
Sempre que possível fazer um ECG de 12
derivações (nos primeiros 10 minutos de

156 | I N E M
Tratamento das Disritmias Periparagem

contacto com o doente), pois este será útil para jugular e congestão hepática (falência do
caracterizar o ritmo quer antes quer depois da ventrículo direito).
intervenção terapêutica.
A análise e o tratamento de todas as disritmias
focam dois aspetos: 3.4. Isquémia do miocárdio
 Condição do doente
Ocorre quando o consumo de O2 excede o
(estável/instável) e os sinais de
fornecimento, podendo apresentar-se como
gravidade;
dor torácica (angina), ou sem dor, só com
 Tipo de disritmia. alterações no ECG (isquémia silenciosa). A
presença de isquémia do miocárdio é
particularmente importante quando há doença
3. Sinais de gravidade coronária subjacente ou doença cardíaca
estrutural, porque pode associar-se a
O tratamento mais apropriado da maioria das complicações com risco de vida incluindo a
disritmias vai depender da presença ou PCR.
ausência de sinais de gravidade reveladores
Após reconhecer o ritmo e avaliar a presença
de compromisso hemodinâmico, e que podem
ou ausência de sinais de gravidade, as opções
colocar em risco a vida do doente. Os
de tratamento são:
seguintes sinais de gravidade indicam um
doente instável:  Elétrico: cardioversão ou pacing;
 Farmacológico.

3.1. Choque
4. Opções terapêuticas
Evidência clínica de baixo débito cardíaco,
manifestando-se por palidez, sudorese, 4.1. Fármacos antiarrítmicos
extremidades frias e suadas (aumento da
atividade adrenérgica), alteração do estado de Têm indicações estritas e precisas, sendo o
consciência (diminuição da perfusão cerebral) seu uso reservado aos doentes estáveis e sem
e hipotensão (TA sistólica < 90 mmHg). sinais de gravidade, aplicando-se os
algoritmos apropriados para bradi ou
taquiarritmias.
3.2. Síncope Na conversão das disritmias em ritmo sinusal,
os antiarrítmicos são mais lentos a atuar e
Perda de consciência em resultado da menos fiáveis que a cardioversão elétrica, por
hipoperfusão cerebral. isso os fármacos tendem a ser reservados
para os doentes estáveis e o choque elétrico
recomendado para os doentes instáveis com
3.3. Insuficiência cardíaca sinais de gravidade.
Todos os medicamentos antiarrítmicos têm
Ao reduzirem a perfusão das artérias
potencial arritmogénico, por isso o
coronárias, as disritmias comprometem a
agravamento clínico pode dever-se ao
função miocárdica. Em situações agudas, isto
tratamento e não à disritmia de base.
manifesta-se por edema pulmonar (falência do
ventrículo esquerdo) e/ou turgescência da

I N E M | 157
Suporte Avançado de Vida

A associação de antiarrítmicos a altas doses se deve começar com 100 J (monofásico) ou


de uma droga isolada, aumenta a 70-120 J (bifásico) efetuando choques
probabilidade de depressão do miocárdio e subsequentes, com energias superiores, se
hipotensão, gerando um efeito inotrópico necessário.
negativo. Nunca esquecer que todas as regras de
Se o doente taquicárdico está estável (sem segurança devem ser respeitadas e que a
sinais ou sintomas de gravidade) e não se está cardioversão deve ser efetuada com o doente
a deteriorar, pode ser apropriado fazer adequadamente sedado e analgesiado. Todo
tratamento farmacológico. Deve então avaliar- o material de reanimação deve estar pronto a
se corretamente o ritmo executando um ECG ser utilizado.
de 12 derivações e avaliar a duração do QRS,
para classificar a taquicardia em complexos
largos (QRS >0,12 segundos) ou estreitos 4.3. Pacing
(QRS < 0,12 segundos) e determinar se o
ritmo é regular ou irregular. O pacemaker interno (intravenoso) tem
indicação nas bradiarritmias que não
respondem à atropina. Exige algum treino para
4.2. Cardioversão elétrica sincronizada a sua implantação e condições de assepsia
(difíceis de conseguir no pré-hospitalar).
A cardioversão tem que ser sempre O pacemaker externo (transcutâneo) pode e
sincronizada com a onda R e não com a onda deve ser utilizado temporariamente, isto é,
T, pois desta forma evita-se o período enquanto não se coloca o pacemaker interno e
refratário do coração, minimizando-se assim o é este que é utilizado no pré-hospitalar.
risco de fibrilhação ventricular.
Se a atropina é ineficaz e o pacemaker
transcutâneo não está disponível de imediato
pode tentar-se o pacing por percussão. Este
Ao usar monitores/desfibrilhadores para
consegue-se administrando uma série ritmada
cardioverter, é necessário ligar a função de murros com o punho fechado no bordo
sincronização, caso contrário o monitor inferior esquerdo do esterno, embora o local
assumirá sempre o modo desfibrilhador. possa ter de ser ajustado a uma melhor
eficácia. O ritmo habitual é de 50-70/min.

5. Bradicardia
Indivíduos conscientes têm de ser sempre
analgesiados ou sedados previamente. Define-se como bradicardia a frequência
Em caso de taquicardia de QRS largos ou FA, cardíaca < 60 ppm. Quando detetada, deve-se
começar com 200 J (monofásico) ou 120-150 pesquisar a causa potencial da bradicardia e
J (bifásico) efetuando choques subsequentes, pesquisar sinais de gravidade. Tratar as
se necessário, com energias cada vez causas da bradicardia identificadas na
maiores. avaliação inicial, e se há sinais de gravidade,
iniciar o tratamento da bradicardia. O
A taquicardia supraventricular (TSV)
tratamento inicial é farmacológico, estando o
paroxística e o flutter auricular habitualmente
pace reservado para os doentes que não
convertem com energias mais baixas, pelo que

158 | I N E M
Tratamento das Disritmias Periparagem

respondem ao tratamento farmacológico e/ou Se houver resposta satisfatória à atropina ou o


que apresentam fatores de risco para doente estiver estável, seguidamente deverá
assistolia. ser determinado o risco de assistolia.
Quando se trata de bradicardias sem Este, pode ser identificado por:
repercussão hemodinâmica (sem sinais de  Episódios anteriores recentes de
gravidade) e não há risco de evoluírem para assistolia;
assistolia, assume-se uma postura de  Presença de BAV 2ºgrau Mobitz II;
vigilância e monitorização.  BAV completo com alargamento do
Alguns outros sinais podem indicar QRS;
compromisso hemodinâmico:  Pausa ventricular > 3 Seg.
 FC < 40 ppm (atenção aos desportistas Se houver risco de assistolia ou o doente
e medicação); estiver instável e não tiver havido resposta
 Hipotensão arterial com TA sistólica < satisfatória à atropina dada inicialmente, deve
90 mmHg;  ser implantado um pacemaker externo e
 Arritmias ventriculares; pedido de imediato apoio de especialista na
 Insuficiência cardíaca. área. Entretanto, considerar outros fármacos
Na presença de bradicardia com sinais de de 2ª linha após atingir a dose máxima de 3 mg
gravidade deve ser administrada, sem de atropina, e caso não haja resposta:
demora, atropina na dose de 0,5 mg EV e, se isoprenalina (5 mcg/min), adrenalina (2 a 10
necessário, repetir cada 3-5 min até ao mg/min), ou dopamina (2 a 10 mcg/Kg/min), ou
máximo de 3 mg. Paradoxalmente, doses de em alternativa aminofilina, glucagon (se a
atropina inferiores a 0,5 mg podem induzir uma bradicardia tiver sido causada por
lentificação ainda maior da frequência sobredosagem de β-bloqueantes ou
cardíaca. Usar atropina com cuidado no caso antagonistas dos canais de cálcio) ou
de síndromes coronários agudos, pois o glicopirrolato.
aumento da frequência cardíaca pode agravar Refira-se que BAV completo com QRS estreito
a isquémia ou aumentar a zona de enfarte. não é indicação absoluta para pacing.
Não dar atropina a doentes com transplante
cardíaco.

I N E M | 159
Suporte Avançado de Vida

Figura 63 - Algoritmo de tratamento das Bradiarritmias, adaptado do ERC

160 | I N E M
Tratamento das Disritmias Periparagem

6. Taquicardias estratégia usada para as taquicardias de QRS


estreitos (ver abaixo).
Muitos dos princípios básicos do tratamento
das taquidisritmias são comuns, pelo que a
abordagem inicial é a mesma, 6.1.2. QRS irregular
independentemente de se tratar de uma
taquicardia de complexos largos ou de uma Pode ser FA com bloqueio de ramo: tratar
taquicardia de complexos estreitos, com ritmo como uma FA (ver abaixo);
regular ou irregular. Ou FA com pré-excitação ventricular, em
Se o doente está instável, com uma doentes com Síndrome de WPW: evitar
deterioração do seu estado geral e com adenosina, digoxina, verapamil e diltiazem,
qualquer dos sinais e sintomas de gravidade pois estas drogas bloqueiam o nódulo AV e
descritos atrás, causados pela disritmia, tentar induzem um aumento da pré-excitação. A
de imediato a cardioversão sincronizada. cardioversão elétrica sincronizada é
No doente sem patologia cardíaca prévia é geralmente a opção mais segura;
excecional que haja sinais e sintomas de Ou TV polimórfica (ex. torsade de pointes):
gravidade quando a frequência cardíaca é < tratar parando imediatamente todas as drogas
150/min. Contudo, se a função cardíaca está que causam prolongamento do intervalo QT.
comprometida e/ou há comorbilidades Corrigir distúrbios eletrolíticos, especialmente
associadas, o doente pode ficar sintomático e hipocaliémia. Administrar sulfato de magnésio
instável com frequências inferiores. 2g EV durante 10 min.
Se a cardioversão falhar a conversão para
ritmo sinusal e o doente se mantiver instável,
deve-se administrar amiodarona 300mg EV, 6.2. Taquicardias de QRS estreitos
em 10-20 minutos, e tentar nova cardioversão
6.2.1. QRS regular
elétrica (até 3 tentativas). À dose inicial de
carga da amiodarona deve seguir-se uma
Taquicardia sinusal – É uma resposta
perfusão de 900mg durante 24h.
fisiológica ao exercício ou à ansiedade. Num
doente pode traduzir uma resposta a vários
estímulos como a dor, febre, anemia,
6.1. Taquicardias de QRS alargados
hemorragia ou falência cardíaca. A estratégia
é tratar a causa subjacente;
São geralmente de origem ventricular.
TSV paroxística – Habitualmente não se
consegue ver atividade auricular. Surge
6.1.1. QRS regular geralmente em doentes sem patologia
cardíaca de base, é benigna e produz
É possível que seja uma TV: tratar com sintomatologia que o doente considera
amiodarona 300 mg EV 20-60 min, seguido de assustadora;
uma perfusão contínua de 900 mg durante 24 Flutter auricular com condução AV regular
horas; (habitualmente bloqueio 2:1) – Produz uma
Ou uma TSV com bloqueio de ramo: taquicardia em que é difícil identificar a
administrar adenosina segundo a mesma atividade auricular e as ondas de flutter. Tratar
como uma TV é habitualmente eficaz ou

I N E M | 161
Suporte Avançado de Vida

diminui a resposta ventricular permitindo 5.2.2. QRS irregular


identificar o ritmo. A maioria tem uma
velocidade auricular de cerca de 300 ppm, por Quase sempre se trata de uma FA com
isso o flutter auricular com bloqueio 2:1 produz resposta ventricular não controlada ou um
uma taquicardia à volta das 150 ppm. flutter auricular com BAV variável.
Se doente instável:
Cardioversão elétrica.
Tratamento

Se doente instável: Se doente estável:


 O tratamento é a cardioversão  Controlar a frequência com fármacos;
sincronizada; pode-se administrar  Controlar o ritmo com fármacos,
adenosina enquanto se prepara a tentando a cardioversão química;
cardioversão.  Controlar o ritmo com cardioversão
elétrica;
 Prevenir as complicações (ex.
Se doente estável:
anticoagulação).
Começar com manobras vagais – massagem
do seio carotídeo ou manobras de Valsalva
(expiração forçada com a glote fechada) em Em geral, doentes em FA há mais de 48 horas,
decúbito. Um modo prático é pedir ao doente não devem ser tratados com cardioversão
que sopre para uma seringa de 20 mL de (química ou elétrica) até anticoagulação
forma a conseguir empurrar o êmbolo. Evitar a completa ou ausência de coágulo auricular
massagem do seio carotídeo se existir um demonstrável por ecocardiograma
sopro carotídeo presente ou placas transesofágico. A anticoagulação oral deve ser
ateromatosas em rotura. instituída 3 semanas antes da cardioversão e
continuar pelo menos por mais 4 semanas
Se o ritmo persistir e não for um flutter
depois (pode ser indefinidamente conforme o
auricular, usar adenosina em bólus de 6 mg EV
risco de AVC).
rápido; se não houver resposta dar bólus de 12
mg EV rápido e se não reverter dar novamente Se o objetivo é o controlo da frequência, as
bólus de 12 mg EV rápido; esta estratégia opções terapêuticas iniciais são os β-
reverte 90-95% das taquicardias bloqueantes, o verapamil ou o diltiazem. Nos
supraventriculares; doentes com sinais de insuficiência cardíaca
ou fração de ejeção VE < 40% deve-se optar
A conversão da TSV com manobras vagais e
pelos β-bloqueantes (em doses mínimas),
adenosina confirma o diagnóstico de TSV; se
sendo a alternativa a amiodarona. Pode-se
houver recorrências tratar novamente com
associar posteriormente a digoxina, tendo
adenosina ou com drogas de longa duração
como alvo uma frequência cardíaca em
com ação bloqueadora do nódulo AV (ex.
repouso < 110/min.
diltiazem ou betabloqueante);
Deve-se evitar a bradicardia, fazer
Se a adenosina estiver contraindicada ou se
ecocardiograma assim que possível e ter em
não conseguir reverter a taquidisritmia e não
consideração a anticoagulação do doente.
se demonstrar flutter auricular, usar
bloqueadores dos canais de cálcio (ex. Se a duração da FA é inferior a 48 horas, para
verapamil ou diltiazem). controlo do ritmo usar amiodarona 300 mg EV
20-60 min seguido de 900 mg durante 24

162 | I N E M
Tratamento das Disritmias Periparagem

horas. Alternativas válidas são flecainida,


propafenona, ibutilide e vernakalant, devendo-
se procurar ajuda especializada.

I N E M | 163
Suporte Avançado de Vida

Figura 64 - Algoritmo de tratamento das Taquidiarritmias, adaptado de ERC


164 | I N E M
Tratamento das Disritmias Periparagem

Pontos a reter

 As disritmias periparagem são situações que devem ser reconhecidas e tratadas de forma
a evitar a PCR;

 Há algoritmos próprios que permitem que um operacional SAV, não especialista, trate o
doente, numa emergência, com segurança e eficácia;

 O tratamento de todas as disritmias depende da natureza da disritmia e dos sinais de


gravidade do doente;

 As opções terapêuticas para as disritmias periparagem podem ser elétricas (cardioversão


ou pace) ou farmacológicas;

 As disritmias classificam-se consoante a frequência cardíaca, o tamanho e a regularidade


dos QRS, pela análise de um ECG de 12 derivações.

I N E M | 165
Suporte Avançado de Vida

XIV. PCR EM CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Conhecer algumas situações especiais de PCR
 Conhecer as alterações às técnicas de reanimação em situações especiais de PCR:
 Hipóxia
 Hipercaliémia/ hipocaliémia
 Hipotermia/ hipertermia
 Anafilaxia
 Intoxicações
 Afogamento
 Gravidez
 Eletrocussão

1. Hipóxia No quadro seguinte resumem-se as principais


causas de PCR por asfixia. Apesar de haver
A PCR de causa hipoxémica no adulto surge uma combinação de hipoxémia com
habitualmente em contexto de asfixia/OVA, e é hipercápnia, é a hipoxémia que acaba por
umas das principais causas de PCR de origem causar a PCR.
não cardíaca.

Tabela 14 - Causas de PCR por asfixia

Causas de PCR por asfixia

OVA: tecidos moles (coma), laringospasmo, aspiração


Anemia
Asma
Soterramentos
Hipoventilação central - lesão cerebral ou medular
DPOC
Afogamento
Enforcamento
Altitude elevada
Doença neuromuscular (alteração da ventilação alveolar)
Pneumonia
Pneumotórax hipertensivo
Trauma

166 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

1.1. Mecanismos fisiopatológicos Esta deve ser considerada em alguns grupos


de doentes: queimados, insuficientes renais,
Se a ventilação fica definitivamente impedida insuficientes cardíacos e diabéticos.
por obstrução ou apneia, há perda de
Os valores definidos para o tratamento das
consciência quando a saturação arterial de alterações eletrolíticas servem para ajudar na
oxigénio atinge os 60%. O tempo até atingir orientação de tomada de decisões clínicas.
esse valor é difícil de prever, mas deve rondar
Esses valores de trigger dependem da
1 a 2 min. O ritmo que acompanha as PCR por
condição clínica do doente e da proporção das
hipóxia é a AEsp e surge em 3-11 min, seguido alterações dos valores. Não há evidência
de assistolia, alguns minutos depois. A FV sobre o melhor tratamento das alterações
raramente é o ritmo inicial nestas situações. eletrolíticas durante a PCR e por isso, as
orientações de tratamento durante a PCR
baseiam-se nas estratégias utilizadas no
1.2. Tratamento doente que não está em PCR.
O tratamento da causa da hipoxémia/asfixia é Sempre que possível deve ser identificada e
a grande prioridade porque é potencialmente tratada uma alteração eletrolítica grave antes
reversível como causa de PCR (4 H e 4 T’s). A do doente entrar em PCR. Deve ser
ventilação eficaz com oxigénio suplementar é monitorizada a função renal dos doentes em
prioritária nestes doentes. O prognóstico é risco e evitar a combinação de fármacos que
melhor quando se realiza SBV com possam induzir a hipercaliémia. A prevenção
compressões e ventilações do que só com da recorrência baseia-se na remoção dos
compressões. fatores precipitantes.
A hipercaliémia é o distúrbio eletrolítico mais
associado a PCR.
1.3. Prognóstico É frequentemente causado por diminuição da
sua excreção pelos rins, fármacos, aumento
A sobrevivência a uma PCR de causa hipóxica da sua libertação pelas células e acidose
é rara e a maioria dos sobreviventes tem metabólica. A hipercaliémia aguda é mais
danos neurológicos severos. A RCE até é suscetível de causar arritmias periparagem ou
comum, mas habitualmente com sequelas PCR do que as alterações crónicas.
neurológicas. As vítimas hipóxicas que, apesar
de inconscientes, não progridem para PCR,
têm maior probabilidade de recuperarem bem 2.2. Homeostase do potássio
do ponto de vista neurológico.
A concentração extracelular do potássio é
regulada muito rigorosamente entre 3.5 e
2. Hipercaliémia 5mmol/L. Existe um gradiente muito grande
entre o potássio intra e extracelular. Este
2.1. Introdução gradiente através das membranas celulares
contribui para a excitabilidade das células
Alterações eletrolíticas podem causar arritmias musculares e nervosas, incluindo o miocárdio.
ou PCR. As arritmias graves estão A avaliação do potássio sérico deve ter em
frequentemente associadas ao desequilíbrio conta o efeito das alterações do pH sérico. Em
do potássio, principalmente a hipercaliémia. situações de acidémia, o potássio sérico

I N E M | 167
Suporte Avançado de Vida

aumenta porque muda do espaço intra para o essencial no reconhecimento precoce da


extracelular, um processo que ocorre em situação.
sentido contrário quando existe alcalémia. O efeito da hipercaliémia no ECG depende do
valor absoluto de potássio, bem como da
proporção de incremento do potássio. A
2.3. Definição maioria dos doentes apresenta alterações de
ECG com valores de potássio acima de
Hipercaliémia define-se como valor de 6,5mmol/L. A presença de alterações no ECG
concentração sérica de potássio superior a correlaciona-se com a taxa de mortalidade.
5,5mmol/L. Na prática a hipercaliémia é um
As alterações de ECG associadas à
continuum. À medida que o valor do potássio
hipercaliémia são progressivas e incluem:
sobe acima desse valor, aumentam também
os riscos de efeitos adversos e a necessidade  BAV de 1º grau;
de tratamento urgente. A hipercaliémia severa  Ondas P achatadas ou ausentes;
define-se como valor de potássio sérico  Ondas T altas e apiculadas ou em
superior a 6,5mmol/L. “tenda” (onda T mais larga que a onda
As principais causas de hipercaliémia são: R em mais do que uma derivação);
 Depressão do segmento ST;
 Falência renal;
 Fusão do segmento ST (padrão de
 Fármacos;
onda sinusoidal);
 Destruição tecidular;
 QRS largo(>0,12seg);
 Acidose metabólica;
 Taquicardia ventricular;
 Distúrbios endócrinos;
 Bradicardia;
 Dieta;
 PCR (AEsp, FV/ TVsp, assistolia).
 Pseudo-hipercaliémia.
O risco de hipercaliémia é ainda maior quando
existe uma combinação de vários fatores. 2.5. Tratamento da hipercaliémia

Baseia-se em 5 estratégias:
2.4. Reconhecimento de hipercaliémia  Proteção do miocárdio;
 Forçar o potássio a entrar nas células;
Deve ser excluída a hipercaliémia em todos os
 Remoção do potássio do corpo (forçar
doentes com arritmias periparagem ou PCR.
a eliminação e diminuir a absorção);
Os doentes podem apresentar-se com
fraqueza muscular progredindo para paralisia  Monitorizar a caliémia e a glicémia;
flácida, parestesias ou diminuição dos reflexos  Prevenção de recorrência.
tendinosos profundos. Em alternativa, a clínica Quando há uma forte suspeita de
pode ser mascarada pela doença primária hipercaliémia, na presença de alterações de
causadora da hipercaliémia. O primeiro ECG, deve ser iniciado o tratamento mesmo
indicador de hipercaliémia pode ser alterações antes de se obterem os resultados analíticos
do ECG, arritmias ou PCR. O uso de laboratoriais.
gasimetria com medição de eletrólitos é A estratégia de tratamento está resumida na
figura 66.

168 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

Figura 65 - Algoritmo da hipercaliémia - adaptado das guidelines ERC 2015

I N E M | 169
Suporte Avançado de Vida

Deve-se considerar sempre pedir ajuda a um Para hipercaliémia severa (≥6,5mmol/L) sem
especialista. alterações de ECG:
Os principais riscos associados ao tratamento  Pedir ajuda diferenciada;
da hipercaliémia são:  Administrar insulina/glicose;
 Hipoglicémia devido à administração  Remover o potássio do organismo:
de insulina (ocorre após 1-3h de resina permutadora de catiões
tratamento podendo ocorrer até às 6h); (considerar diálise).
 Necrose tecidular secundária a Para hipercaliémia severa (≥6,5mmol/L) com
extravasamento extravascular de sais alterações de ECG:
de cálcio;  Pedir ajuda diferenciada;
 Necrose intestinal ou obstrução, após o  Proteger o miocárdio com cloreto de
uso de resinas permutadoras de iões; cálcio 10%: 10mL EV ao longo de 1-2
 Hipercaliémia rebound após passar o min (30 mL se gluconato de cálcio)
efeito do tratamento inicial. para antagonizar os efeitos tóxicos do
Doente que não está em PCR: potássio nas membranas celulares dos
a) Avaliar o doente: miócitos. Isto protege o miocárdio
 usar a metodologia ABCDE, corrigir reduzindo o risco de ritmos
alterações e obter acesso EV; desfibrilháveis, mas não reduz o
 avaliar a caliémia; potássio sérico (início de ação em 1-
 obter um ECG. 3min);
b) Monitorizar o ritmo cardíaco em  Administrar insulina/glicose e
doentes com hipercaliémia severa. O salbutamol;
tratamento é guiado pela gravidade da  Remover o potássio do organismo:
caliémia. resinas permutadoras de catiões
(considerar diálise se tratamento
Para hipercaliémia ligeira (5,5-5,9mmol/L):
refratário).
 Tratar a causa, se conhecida;
 Se tratamento indicado, remover o
potássio do organismo: resina 2.6. Modificações à RCP
permutadora de catiões (polistireno
sulfonato de sódio ou cálcio) 15-30g As seguintes modificações ao SAV standard
por via oral ou retal (início de ação >4h) devem ser consideradas durante RCP:
Para hipercaliémia moderada (6-6,4mmol/L)  Confirmar hipercaliémia se dispositivo
sem alterações de ECG: de gasimetria estiver disponível;
 Forçar o potássio a entrar nas células  Proteger o miocárdio com a
com glicose/insulina: 10U insulina de administração de 10mL de cloreto de
ação rápida + 25g de glicose EV a cálcio a 10% EV em bólus rápido;
perfundir em 15-30min (início de ação  Administrar insulina/glicose: 10U
em 15-30min; efeito máximo em 30- insulina de ação rápida + 25g de
60min; duração de ação 4-6h; glicose EV em bólus rápido (vigiar
monitorizar a glicémia); glicémia);
 Remover o potássio do organismo:  Administrar HCO3- 50mmol EV em
resina permutadora de catiões. bólus rápido (se acidose severa ou
falência renal);

170 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

 Considerar diálise, se tratamento  Perda renal (doenças tubulares renais,


médico refratário (disponível só em diabetes insipidus, dialise);
determinados centros especializados);  Distúrbios endócrinos (Sindrome de
 Considerar o uso de aparelho de Cushing, hiperaldosteronismo);
compressão mecânica externa se for  Alcalose metabólica;
necessário RCP prolongada.  Défice de magnésio;
Indicações para diálise em doentes com  Diminuição da ingestão alimentar.
hipercaliémia:
 Hipercaliémia severa com risco de vida
para o doente com ou sem alterações 3.2. Reconhecimento de hipocaliémia
de ECG ou arritmias;
Assim como a hipercaliémia, a hipocaliémia
 Hipercaliémia refratária a tratamento
deve ser excluída em todos os doentes com
médico;
arritmias periparagem ou PCR. À medida que
 Doença renal crónica terminal;
a concentração sérica de potássio diminui, o
 Lesão renal aguda oligúrica (débito
sistema neuromuscular é predominantemente
urinário <400mL/dia);
afetado, levando a fadiga, fraqueza muscular e
 Destruição tecidular massiva obstipação. Em casos severos (potássio sérico
(rabdomiólise). inferior a 2.5mmol/L) pode ocorrer
rabdomiolise, paralisia ascendente e
dificuldade respiratória.
3. Hipocaliémia As alterações de ECG associadas à
hipocaliémia são:
A hipocaliémia é dos distúrbios eletrolíticos
mais comuns na prática clínica, podendo ser  Presença de ondas U;
encontrado em até 20% dos doentes  Achatamento das ondas T;
hospitalizados. A sua presença aumenta a  Alterações do segmento ST;
incidência de arritmias e morte súbita, estando  Arritmias, principalmente se toma
o risco aumentado nos doentes com patologia concomitante de digoxina;
cardíaca pré-existente e nos medicados com  PCR.
digoxina.

3.3. Tratamento
3.1. Definição
Depende da gravidade da hipocaliémia e da
Hipocaliémia define-se como valor de presença de sintomas e alterações no ECG.
concentração sérica de potássio inferior a Deve ser preferida a correção gradual, mas em
3.5mmol/L. A hipocalémia severa define-se situações de emergência a administração
como valor de concentração sérica de potássio endovenosa é necessária. A dose máxima
inferior a 2.5mmol/L e pode estar associada a recomendada de potássio endovenoso é
sintomas. 20mmol/h, mas na presença de arritmias
As principais causas de hipocaliémia são: instáveis ou PCR iminente uma administração
mais rápida é essencial, como por exemplo
 Perda gastrointestinal (diarreia);
2mmol/min durante 10 minutos seguida de
 Fármacos (diuréticos, laxantes,
10mmol durante 5-10 minutos. Durante este
corticosteroides);

I N E M | 171
Suporte Avançado de Vida

processo deve-se manter o doente sob termorregulação está alterada (nos extremos
monitorização eletrocardiográfica continua e etários) a hipotermia pode surgir após um
titular a dose após repetição do doseamento período de doença. O risco de hipotermia
do potássio sérico. também está aumentado pelo consumo de
A presença de hipocaliémia está muitas vezes álcool, drogas, exaustão, doença ou
associada à presença de hipomagnesémia. A negligência, particularmente quando há
reposição das reservas de magnésio facilita a diminuição do estado de consciência.
correção da hipocaliémia, logo, está Para medição e confirmação do diagnóstico
recomendada nos casos severos de são necessários termómetro de baixas
hipocaliémia. temperaturas. A medição da temperatura
central a nível do terço médio do esófago
correlaciona-se bem com a temperatura do
4. Hipotermia acidental coração. A medição timpânica com recurso a
técnica por um termístor (os de técnica por
4.1. Definição infravermelhos não são adequados para
medições de baixas temperaturas) é uma
Define-se como diminuição involuntária da alternativa viável, mas a temperatura pode ser
temperatura central para um valor<35ºC. Pode inferior à central se a temperatura ambiente é
ser utilizado o estadiamento suíço para avaliar muito fria, a sonda não está bem isolada ou o
as vítimas: canal auditivo externo está cheio de neve ou
 Hipotermia I: leve, temperatura 32- água.
35ºC, consciente, tremores;
 Hipotermia II: moderada, temperatura
28-32ºC, alteração do estado de 4.3. Decisão para reanimar
consciência, sem tremores;
 Hipotermia III: severa; temperatura O arrefecimento do corpo humano diminui o
24-28ºC, inconsciente, sinais vitais consumo de oxigénio celular em cerca de 6%
presentes; por cada diminuição de 1ºC de temperatura
corporal. Aos 28ºC, o consumo de oxigénio é
 Hipotermia IV: PCR ou estado de
reduzido em cerca de 50% e aos 22ºC em
baixo débito (sem ou com sinais vitais
cerca de 75%. Aos 18º C o cérebro pode
mínimos), temperatura <24ºC;
tolerar PCR cerca de 10 vezes mais tempo do
 Hipotermia V: morte devido a
que a 37ºC. Isto deve-se ao efeito protetor da
hipotermia irreversível, temperatura
hipotermia sobre o coração e cérebro, e pode
<13,7ºC.
ser possível a recuperação neurológica
mesmo após PCR prolongada se ocorrer
hipotermia profunda antes da asfixia.
4.2. Diagnóstico
É preciso ter especial cuidado no diagnóstico
O diagnóstico é feito quando existe medição de morte em doentes hipotérmicos pois o
da temperatura central <35ºC ou, na sua estado de baixo fluxo pode simular ausência
impossibilidade, quando existe história de de sinais vitais. Por isso devem ser
exposição ao frio, ou quando o tronco está pesquisados sinais de vida durante pelo
muito frio. Pode ser subdiagnosticado, em menos 1 minuto com monitorização de ECG.
ambientes de clima temperado. Quando a

172 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

Em contexto pré-hospitalar só devem ser administrados fármacos e choques até


suspensas ou evitadas as manobras de RCP que a temperatura central seja ≥30ºC.
se a causa de PCR é claramente atribuída a Uma vez atingida essa temperatura, o
uma lesão letal, doença fatal, asfixia intervalo de tempo de administração
prolongada ou se o tórax não é depressível. dos fármacos deve ser duplicado. Após
Em todos os outros doentes hipotérmicos deve atingida a normotermia (≥35ºC) podem
ser aplicado o princípio orientador de que usar-se os protocolos habituais. A
“nenhum doente está morto até estar quente e desfibrilhação continua indicada na FV.
morto”. Em ambiente hospitalar, devem ser Contudo, se após 3 choques, a FV
envolvidos médicos sénior para usar o persiste, os choques subsequentes só
julgamento clínico para saber quando parar a devem ser tentados quando se
RCP em doentes hipotérmicos em PCR. conseguir uma temperatura central
≥30ºC. Pode ser necessário continuar
a RCP e o reaquecimento durante
4.4. Modificações à RCP várias horas para facilitar o sucesso da
desfibrilhação.
 Não atrasar a EOT quando indicado.
As vantagens de uma correta
oxigenação e proteção de VA da 4.5. Tratamento das arritmias
aspiração, ultrapassam o risco mínimo
de desencadear FV com a EOT; À medida que a temperatura central diminui, a
 Verificar os sinais vitais durante 1 bradicardia sinusal tende a dar lugar à
minuto. Palpar uma artéria central e fibrilhação auricular seguida de fibrilhação
monitorizar com ECG. Para verificar a ventricular e, finalmente, assistolia. Com
presença de débito cardíaco ou fluxo exceção da FV e assistolia, as perturbações de
sanguíneo periférico pode ser usada a ritmo tendem a reverter espontaneamente à
ecocardiografia, a espectroscopia por medida que a temperatura central aumenta e,
infravermelhos ou ecografia com habitualmente não necessitam de tratamento
doppler. Na dúvida deve-se iniciar RCP imediato.
imediatamente; A bradicardia é fisiológica na hipotermia
 A hipotermia pode causar rigidez da severa. Não é necessário o uso de pacemaker
parede torácica, dificultando as a não ser que esteja associada a compromisso
ventilações e compressões. Deve ser hemodinâmico mesmo após o reaquecimento.
considerado o uso de aparelho de
compressões mecânica externo;
 Uma vez iniciada RCP, deve ser 4.6. Reaquecimento
medida a temperatura central com
termómetro apropriado; As medidas gerais incluem a remoção da
 O coração hipotérmico pode não vítima do ambiente frio, prevenção de perda de
responder corretamente aos fármacos calor e rápida transferência para o hospital.
usados na RCP e à aplicação de No local, uma vítima com hipotermia moderada
estímulos elétricos. O metabolismo dos a severa deve ser imobilizada e
fármacos está lentificado podendo adequadamente deslocada, oxigenada,
levar a concentrações séricas monitorizada (inclui temperatura central e
potencialmente tóxicas. Não devem ser ECG) e todo o corpo deve ser seco e isolado.

I N E M | 173
Suporte Avançado de Vida

Devem ser cortadas as roupas molhadas capacidade de realizar reaquecimento ativo


evitando assim a mobilização desnecessária interno e externo. Se estas vítimas
da vítima. apresentarem instabilidade cardíaca
As vítimas conscientes capazes de se (TAS<90mmHg, arritmia ventricular e
mobilizarem devem ser encorajadas a fazê-lo temperatura central <28ºC), devem ser
pois o exercício promove o reaquecimento transportadas para um hospital com
mais rápido do que os tremores. capacidade de efetuar circulação
extracorpórea (CEC).
As vítimas continuarão a arrefecer mesmo
após a remoção do ambiente frio potenciando
o desencadeamento de situações de PCR
4.8. Reaquecimento intra-hospitalar.
durante o transporte. Em ambiente pré-
hospitalar devem ser evitadas investigações e
A não ser que o doente entre em FV, o
tratamentos prolongados no local pois é difícil
reaquecimento pode ser realizado com
evitar mais perda de calor. Os doentes nos
métodos ativos externos (ar quente forçado) e
quais cessam os tremores por hipotermia
métodos minimamente invasivos (fluídos EV
grave ou sedação/anestesia, arrefecerão mais
aquecidos até 42ºC). Permitem uma taxa de
rapidamente.
reaquecimento de 1-1,5ºC/h.
O reaquecimento pode ser passivo, ativo
Em situações de PCR ou em que a
externo e ativo interno.
temperatura central é <32ºC e o K<8mEq/L,
Na hipotermia I o reaquecimento passivo é deve ser utilizada a CEC como método de
adequado pois os doentes ainda são capazes reaquecimento ativo interno. Esta permite uma
de ter tremores. Consegue-se realizar com o taxa de reaquecimento de 8-12ºC/h. Quando
isolamento de todo o corpo com cobertores de este método não está disponível, podem
lã, folha de alumínio, gorro e um ambiente utilizar-se outras técnicas de reaquecimento
aquecido. ativo interno, tais como gases aquecidos e
Na hipotermia II-IV recomenda-se a aplicação humidificados, e a lavagem de cavidades
de bolsas químicas de calor no tronco. corporais com fluídos aquecidos.
Em ambiente pré-hospitalar, o reaquecimento, Durante o reaquecimento ocorre vasodilatação
no local, com fluídos EV aquecidos e com expansão do espaço intravascular e por
humidificação de gases aquecidos não é isso os doentes necessitam de grande
eficaz. quantidade de fluídos para contrariar. Os
O reaquecimento ativo intensivo não deve fluídos devem ser aquecidos e há a
atrasar o transporte ao hospital onde estão necessidade de monitorização hemodinâmica
disponíveis técnicas de reaquecimento e contínua.
monitorização mais avançadas. Após a RCE devem ser iniciadas as medidas
padronizadas dos cuidados pós- reanimação.

4.7. Transporte
5. Hipertermia
As vítimas com hipotermia I devem ser
transportadas para o hospital mais próximo.
A hipertermia consiste na elevação da
As vítimas com hipotermia II-IV devem ser temperatura corporal central acima da
transportadas para um hospital com variação diária normal (36-37,5C) por falência

174 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

da capacidade de termorregulação. Pode ser 5.1.3. Diagnóstico


de causa exógena devido a condições
ambientais ou secundaria à produção de calor É um diagnóstico clínico e requer a exclusão
endógena excessiva. A hipertermia está de outras causas como hipoglicémia,
associada a um continuo de condições síndrome coronário agudo e patologia
relacionadas com o calor, começando pela infeciosa. Os exames laboratoriais servem
sobrecarga térmica, progredindo para para excluir outras patologias.
exaustão pelo calor, posteriormente golpe de
calor e finalmente disfunção multiorgânica e
PCR. 5.1.4. Tratamento

Colocar num ambiente fresco, em decúbito e


5.1. Exaustão pelo calor iniciar reposição hidroeletrolítica endovenosa.
A reidratação oral pode ser uma opção pratica
5.1.1. Definição inicial, mas normalmente não é eficaz na
reposição rápida de eletrólitos. O ritmo e
É uma condição clínica não associada a risco volume da fluidoterapia é baseado na idade,
de vida, caracterizada por fraqueza, mal-estar, patologia previa e resposta clínica.
náuseas, sincope e outros sintomas Normalmente, 1 a 2L de cristaloides a um ritmo
inespecíficos causados pela exposição ao de 500mL/h é suficiente. Medidas de
calor. A termorregulação não está arrefecimento externo geralmente não são
comprometida. Deve-se a desequilíbrios necessárias, exceto se temperatura central
hidroeletrolíticos causados pelo calor, com ou superior a 40C.
sem esforço associado. Raramente a
exaustão severa pelo calor após exercício
físico pode ser complicada por rabdomiólise, 5.2. Golpe de calor
mioglobinúria, lesão renal aguda e coagulação
intravascular disseminada. 5.2.1. Definição

O golpe de calor consiste em hipertermia


5.1.2. Sintomas acompanhada por uma resposta inflamatória
sistémica com temperatura corporal central
Na maioria das vezes os sintomas são vagos, superior a 40C, alteração do estado de
incluindo fraqueza, tonturas, cefaleias, consciência e diferentes níveis de disfunção de
náuseas e ocasionalmente vómitos. A sincope órgão. A mortalidade associada varia entre 10-
por calor é comum e pode mimetizar um 50%.
evento cardiovascular. Ao exame físico o
doente apresenta-se asténico, sudorético e Duas formas:
taquicárdico. A avaliação cognitiva é normal ao
1. Clássico (não associado ao exercício):
contrário do golpe de calor. A temperatura
ocorre durante temperaturas
corporal geralmente é normal e quando ambientais elevadas e atinge
elevada raramente excede os 40C. principalmente os idosos durante
ondas de calor;
2. Associado ao exercício físico: ocorre
durante exercícios físicos extenuantes
em contexto de elevada temperatura

I N E M | 175
Suporte Avançado de Vida

ambiental e/ou humidade alta e síndrome serotoninérgico, síndrome


normalmente afeta adultos jovens. neuroléptico maligno, sépsis, infeções do SNC
e alterações endócrinas (tempestade tiroideia
e feocromocitoma).
5.2.2. Fatores predisponentes

A população idosa tem um risco aumentado de


doenças relacionadas com o calor devido às 5.2.4. Tratamento
patologias de base, medicação habitual,
A base do tratamento é a terapia de suporte e
mecanismos de termorregulação deficitários e
o arrefecimento rápido, com início em contexto
apoio social limitado. Como fatores de risco
pré-hospitalar e com o objetivo de redução da
refere-se a falta de climatização das
temperatura até aos cerca de 39C.
habitações, desidratação, obesidade,
Normalmente é necessária uma fluidoterapia
consumo de álcool, doenças cardiovasculares,
agressiva e correção de alterações
doenças dermatológicas (psoríase, eczema,
eletrolíticas, logo, doentes com golpe de calor
esclerodermia), hipertiroidismo,
severo devem ser tratados em ambiente de
feocromocitoma e fármacos (anticolinérgicos,
cuidados intensivos.
cocaína, anfetaminas, simpaticomimeticos,
BEC, betabloqueantes).

5.2.5. Técnicas de arrefecimento


5.2.3. Sintomas e sinais Apesar da descrição de variados métodos na
literatura existem poucos estudos que
Podem assemelhar-se aos do choque séptico,
determinem qual o método ideal. As técnicas
provavelmente motivados por mecanismos
mais simples de arrefecimento incluem
semelhantes e incluem:
ingestão de líquidos frios, despir a roupa e
 Temperatura central superior a 40C; pulverizar com água tépida. A colocação de
 Pele seca e quente (no entanto, a gelo nas zonas ricas em grandes vasos
sudorese está presente em cerca de superficiais como axilas, virilhas e pescoço
50% dos golpes de calor provados pelo também pode ser útil. Nos doentes
exercício); colaborantes a imersão em água fria pode ser
 Fadiga, cefaleias, sincope, rubor facial, eficaz, no entanto, esta pode causar
vómitos e diarreia; vasoconstrição periférica diminuindo a
 Disfunção cardiovascular incluindo dissipação de calor. As outras técnicas de
arritmias e hipotensão; arrefecimento são semelhantes às utilizadas
 Disfunção respiratória; nos cuidados pós ressuscitação como soro frio
 Disfunção do SNC (convulsões e endovenoso e lavagem gástrica, peritoneal ou
coma); da bexiga com água fria.
 Falência hepática e renal;
 Coagulopatia; 5.2.6. Tratamento farmacológico
 Rabdomiólise.
Outras condições associadas ao aumento da Não existe nenhum fármaco específico capaz
temperatura corporal central e que devem ser de baixar a temperatura corporal central. A
tidas em consideração: toxicidade evidencia científica sobre a eficácia dos
medicamentosa, síndromes de abstinência, antipiréticos (AINES ou paracetamol) no golpe

176 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

de calor é baixa. O diazepam pode ser 6. Anafilaxia


utilizado para controlo de convulsões.
6.1. Definição

5.3. Hipertermia maligna É uma reação de hipersensibilidade sistémica


severa, potencialmente fatal, e por isso uma
A hipertermia maligna é uma condição emergência médica.
genética complexa do musculo esquelético Caracteriza-se por problemas de
que ocorre em indivíduos suscetíveis quando desenvolvimento rápido potencialmente fatais
expostos a anestésicos inalatórios sobre a via aérea e/ou ventilação e/ou
halogenados ou relaxantes musculares circulação, habitualmente associados a
despolarizantes (succinilcolina). O tratamento alterações da pele e mucosas.
consiste na remoção do agente
desencadeante, otimização da oxigenação e
ventilação, correção da acidose e alterações 6.2. Epidemiologia
eletrolíticas, arrefecimento ativo e
administração de dantroleno. Outras drogas A anafilaxia é comum e atinge cerca de 1 em
como 3,4-metilenodioximetanfetamina cada 300 indivíduos da população europeia,
(MDMA, “ecstasy”) ou anfetaminas também em alguma fase das suas vidas, com uma
podem causar uma condição semelhante e incidência entre 1,5 a 7,9 por cada 100000
nestes casos também o dantroleno pode ser pessoas/ano.
útil. O prognóstico geral é bom com um ratio de
casos fatais <1%.
O risco de morte na anafilaxia é superior em
5.4. Modificações ao RCP doentes com asma, particularmente se mal
controlada, grave ou naqueles em que o
Dado não existirem estudos na PCR por
tratamento é atrasado.
hipertermia, deve ser utilizado o algoritmo de
SAV enquanto se mantêm as medidas de Quando a anafilaxia é fatal, a morte ocorre
arrefecimento normalmente utilizadas nos pouco tempo após o contacto com o alergénio.
cuidados pós reanimação. A desfibrilhação Em séries de estudo, as reações de origem
deve ser realizada com os níveis de energia alimentar causam paragem respiratória em
habituais. O prognostico parece ser pior cerca de 30-35min; as de picadas por insetos
quando comparado com a PCR normotérmica, causam colapso cardiovascular em cerca de
dado que a probabilidade lesão neurológica 10-15 min; e as mortes causadas por
grave aumenta em 2,26 (OR) por cada grau de administração EV de fármacos em cerca de 5
temperatura corporal acima de 37C. min. A morte não ocorre mais de 6h após o
contacto com o alergénio.

6.3. Etiologia e Fisiopatologia

Pode ser desencadeada por alimentos,


fármacos, picadas de insetos e látex, o
alergénio mais identificado. Os alimentos são

I N E M | 177
Suporte Avançado de Vida

mais comuns nas crianças e os fármacos mais  Diminuição de tensão arterial ou


comuns nos adultos. sintomas associados de
O alergénio, por interação com a disfunção orgânica;
imunoglobulina E (IgE) ligada às células,  Sintomas GI persistentes.
provoca a libertação de mediadores 3 - Diminuição da tensão arterial após
inflamatórios dos mastócitos ou basófilos. exposição ao alergénio:
Também pode ocorrer libertação de  Lactentes e crianças:
mediadores inflamatórios não mediados por TAS<70mmHg para lactentes;
IgE (não imune). A libertação de histamina e <70mmHg + (2x idade) até aos
mediadores inflamatórios são responsáveis 10 anos; <90mmHg até aos 17
pela vasodilatação, edema e aumento da anos ou <30% do valor basal da
permeabilidade capilar. TAS:
 Adultos: TAS<90mmHg ou
<30% do valor basal da TAS.
6.4. Reconhecimento da anafilaxia

A anafilaxia é o diagnóstico de eleição numa


6.5. Tratamento
vítima que se apresenta com história de
exposição a um alergénio conhecido (trigger) e
Baseia-se no reconhecimento precoce,
que desenvolve, habitualmente em alguns
abordagem ABCDE e administração precoce
minutos, doença súbita de progressão rápida e
de adrenalina por via intramuscular. Na figura
compromisso potencialmente fatal da via
67 é apresentado o algoritmo de tratamento
aérea e/ou da ventilação, e/ou da circulação,
1 Anaphylaxis: guidelines from the European
por norma, associados a alterações cutâneas
Academy of Allergy and Clinical Immunology.
e das mucosas.
Allergy 2014; 69: 1026–1045.
A European Academy of Allergy and Clinical
Immunology (EAACI) declarou que a anafilaxia Os princípios do tratamento são iguais para
é altamente provável, quando qualquer um dos todos os grupos etários:
seguintes 3 critérios é preenchido:  Todos os doentes com suspeita de
1 - Início súbito da doença (minutos a anafilaxia devem ser monitorizados
várias horas) com atingimento da pele, logo que possível;
mucosas ou ambos e com pelo menos  Colocar o doente numa posição
um dos seguintes: confortável; os que apresentam
dificuldade ventilatória podem preferir
 Compromisso respiratório;
ficar sentados; pode ser útil o decúbito
 Diminuição de tensão arterial ou
dorsal com ou sem elevação dos
sintomas associados de
membros inferiores nos doentes
disfunção orgânica.
hipotensos;
2 - Dois ou mais dos seguintes que  Deve ser removido o contacto com
ocorrem rapidamente após exposição ao alergénio quer com a suspensão de
alergénio: administração de fármacos, remoção
 Envolvimento de mucosas ou do ferrão, etc. É mais importante a
pele; remoção precoce do alergénio do que
 Compromisso respiratório; o método de remoção, contudo o

178 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

tratamento não deve ser adiado se a uma abordagem pela metodologia ABCDE
remoção do alergénio não é viável; com tratamento sintomático.
 Em caso de PCR, devem ser seguidas A via de administração intramuscular da
as normas habituais; adrenalina é a mais adequada na maioria das
 A obstrução da VA é uma preocupação situações. O doente deve ser monitorizado
pois a anafilaxia causa edema das logo que possível com oximetria de pulso, TA
mucosas, tornando as técnicas de e ECG de 3 derivações. Isto ajudará a
abordagem da via aérea e ventilação monitorizar a resposta à administração da
difíceis. Deve por isso ser considerada adrenalina. A via IM tem alguns benefícios:
uma abordagem mais precoce, antes  maior margem de segurança;
da instalação do edema, e, pedir ajuda
 não requer acesso EV;
nesta fase é essencial.
 é mais fácil de aprender;
 os doentes com alergias conhecidas
podem autoadministrar a adrenalina.
Adrenalina
O melhor local de administração IM é a face
 A primeira linha de tratamento ântero-lateral do terço médio da coxa. A
farmacológico na anafilaxia é a agulha de administração tem de ser
administração de adrenalina por via IM; suficientemente longa para permitir a
 A adrenalina é um agonista dos administração IM.
recetores alfa e por isso reverte a A dose de adrenalina IM sugerida pela EAACI
vasodilatação periférica e reduz o é de 10mcg/Kg de peso até uma dose máxima
edema; de 0,5mg.
 A sua ação beta-adrenérgica provoca As doses seguintes são baseadas no que se
broncodilatação, aumenta a força de considera ser seguro e prático para preparar e
contração do miocárdio e suprime a administrar numa situação de emergência:
libertação de histamina e leucotrienos.
 >12 anos de idade e adultos  500mcg
A ativação de recetores beta 2
IM (0,5mL, da ampola 1mg/1mL);
adrenérgicos nos mastócitos inibe a
 6-12 anos de idade  300mcg IM
sua ativação e a administração
(0,3mL, da ampola 1mg/1mL);
precoce de adrenalina atenua a
 <6 anos de idade  150mcg IM
gravidade da reação alérgica mediada
(0,15mL, da ampola 1mg/1mL);
por IgE.
 A adrenalina é mais eficaz quando A dose deve ser repetida em intervalos de 5
administrada precocemente e os minutos se não houver melhoria da situação
efeitos secundários são raros com as clínica.
doses administradas por via IM. Em doentes com circulação espontânea, a
Deve ser administrada adrenalina a todos os adrenalina EV pode causar hipertensão
doentes com problemas potencialmente fatais severa, taquicardia, arritmias e isquémia do
de ABC. Na ausência de problemas miocárdio.
potencialmente fatais, mas se a vítima A dose de adrenalina EV é:
apresenta outras características de reação  Adultos: dose inicial de 500mcg em
alérgica sistémica, deve ser vigiada e efetuada bólus titulando de acordo com a
resposta; se são necessárias doses

I N E M | 179
Suporte Avançado de Vida

repetidas, pode ser iniciada uma uso é limitada, mas existem razões lógicas
perfusão EV; para o seu uso. Os anti-histamínicos H1
 Crianças: em ambientes apropriados, ajudam a contrariar os efeitos cutâneos, a
devidamente monitorizados e com broncoconstrição e a vasodilatação mediada
acesso EV disponível  1µg/Kg pode pela histamina. A clemastina pode ser usada
ser suficiente (fazer diluição adequada na dose de 2mg EV no adulto e 0,025mg/Kg
é importante). na criança.

Oxigénio Corticoides

Administrar, inicialmente, a maior Podem ajudar a prevenir ou encurtar as


concentração possível. reações prolongadas. Na asma, o tratamento
precoce com corticoides é benéfico. A dose
aceite de hidrocortisona IM ou EV lento é:
Fluídos  Adultos e crianças >12 anos de idade
200mg;
Devido à vasodilatação e ao aumento da  Crianças 6-12 anos 100mg;
permeabilidade capilar, ocorre hipotensão.
 Crianças 6 M-6 anos 50mg;
Logo que se obtenha um acesso venoso
 Crianças <6 meses 25mg.
devem ser administrados bólus de cristaloides,
com monitorização da resposta. Nos adultos Em alternativa 4mg/kg.
administrar 500-1000mL e nas crianças
20mL/Kg de peso. Repetir se necessário.
Neste contexto não há evidência que mostre Broncodilatadores
benefício dos colóides sobre os cristaloides.
Alguns dos sintomas de anafilaxia são comuns
Há inclusivamente a possibilidade de os
com os da asma grave. Deve ser considerado
colóides serem potenciais causadores de
o uso de fármacos broncodilatadores tais
reações anafiláticas.
como o salbutamol (inalado ou EV), brometo
ipratrópio (inalado) ou magnésio (EV). O
magnésio é vasodilatador e pode agravar a
Anti-histamínicos
hipotensão
São uma segunda linha de tratamento
farmacológico. A evidência que suporta o seu
.

180 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

Figura 66 - Algoritmo do tratamento da anafilaxia, adaptado das orientações do ERC 2015

I N E M | 181
Suporte Avançado de Vida

6.6. Investigação  Obter instruções claras para regressar


ao hospital se houver recorrência dos
O teste específico para o diagnóstico de sintomas;
anafilaxia é o doseamento da triptase dos  Obter método de autoadministração de
mastócitos. A triptase é o maior componente adrenalina e garantir que recebeu
proteico dos grânulos segregados pelos treino apropriado para tal;
mastócitos. Na anafilaxia, a desgranulação  Ter um plano de seguimento, incluindo
dos mastócitos origina a elevação sérica da informação para o médico assistente.
triptase. A triptase sérica pode não aumentar
Os doentes devem também ter conhecimento
significativamente até 30 min ou mais, após o
do alergénio responsável pela situação e como
início dos sintomas e atinge o pico à 1-2h. A
evitá-lo. Os doentes devem ser capazes de
semivida da triptase é curta (cerca de 2h) e os
reconhecer precocemente os sintomas de
valores podem normalizar às 6-8h, por isso o
anafilaxia, para que possam solicitar ajuda
timing do doseamento da triptase é importante.
rapidamente e prepararem-se para usar a sua
No mínimo deve ser colhida uma amostra 1-2h
medicação de emergência.
após o início dos sintomas. Idealmente devem
ser colhidas 3 amostras:
 logo que possível após início dos
7. Intoxicações
sintomas;
 2º amostra 1-2h após o início dos 7.1. Considerações gerais
sintomas;
 3ª amostra às 24h ou na No geral, as intoxicações raramente causam
convalescença. PCR ou morte, mas as admissões hospitalares
são frequentes. Os casos mais frequentes
devem-se a intoxicações por drogas
6.7. Alta e seguimento recreativas, medicamentos e produtos
domésticos. Dosagens erradas de fármacos,
Doentes que têm episódio de anafilaxia devem interações farmacológicas e outros erros
ser tratados e observados em locais com farmacológicos também podem causar danos.
capacidade de tratar problemas fatais de ABC. A intoxicação acidental é mais frequente nas
Os doentes com boa resposta ao tratamento crianças. O homicídio por envenenamento é
inicial devem ser avisados da possibilidade de raro.
uma recorrência precoce dos sintomas e em
algumas circunstâncias devem ser mantidos
sob observação. Não existe uma forma fiável 7.2. Prevenção de PCR
de prever quais doentes terão uma reação
bifásica. É por isso importante, que as A avaliação do doente faz-se, como
decisões de alta hospitalar sejam realizadas habitualmente, seguindo a abordagem
por profissionais experientes. Assim, todos os ABCDE. A obstrução da via aérea e paragem
doentes, antes da alta, devem: respiratória na sequência de depressão do
 Ser observados por imunoalergologista estado de consciência é uma causa frequente
e ter um plano de tratamento baseado de morte após intoxicação intencional
no seu nível de risco; (benzodiazepinas, álcool, opióides, tricíclicos,
barbitúricos). A intubação traqueal precoce por
profissionais treinados pode diminuir o risco de

182 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

aspiração. A hipotensão induzida por fármacos  Consulta de base de dados online


responde bem à administração EV de fluídos, sobre toxicologia e químicos perigosos,
mas por vezes são necessários pode ser útil.
vasopressores. Devem dosear-se os
eletrólitos especialmente o potássio, a
glicémia e os gases arteriais. Devem ainda ser 7.4. Medidas terapêuticas específicas
colhidas amostras de sangue e urina para
análise de tóxicos. Existem poucas medidas terapêuticas
específicas para as intoxicações com utilidade
imediata e que melhorem o prognóstico.
7.3. Alterações à reanimação Baseiam-se em 3 princípios:
descontaminação, aumento da eliminação e
 Ter sempre presente a segurança da administração de antídotos específicos.
equipa em situações de PCR por
intoxicações particularmente se
existirem várias vítimas; 7.4.1. Descontaminação
 Evitar a ventilação boca-a-boca na
presença de químicos tais como É um processo de remoção do tóxico do corpo
cianeto, ácido sulfídrico, corrosivos e determinado pela via de exposição.
organofosforados.  Para a exposição dermatológica o
 Tentar identificar o tóxico em causa. Os tratamento passa por remover a roupa
familiares, amigos e equipas de da vítima e lavagem abundante com
reanimação podem fornecer água (exceto metais alcalinos);
informação importante. O exame da  Não está recomendada a lavagem
vítima pode ajudar a revelar pistas gástrica por rotina. Pode ser realizada
diagnósticas, tais como odores, em situações conhecidas de ingestão
marcas de seringas, alterações recente e deve ser realizada por
pupilares, ou sinais de corrosão na profissionais experientes. Pode ter
boca; como potenciais complicações:
 Após overdose pode ocorrer hipo ou aspiração, perfuração esofágica ou
hipertermia, que devem ser corrigidos; gástrica, alterações eletrolíticas,
 Estar preparado para prolongar as arritmias. Está contraindicada se a via
manobras de reanimação, aérea não está protegida ou houve
particularmente em vítimas jovens, ingestão de hidrocarbonetos ou
pois o tóxico pode ser metabolizado ou corrosivos;
excretado;  O método preferido para diminuição da
 As técnicas alternativas que podem ser absorção GI é administração de carvão
eficazes em doentes com intoxicações ativado e é mais eficaz na 1º hora após
graves são: doses superiores de a ingestão. Não inibe a absorção de
medicação às dos protocolos; terapias lítio, metais pesados e álcoois tóxicos.
farmacológicas não convencionais Os efeitos secundários mais
(emulsão lipídica p.e.); CEC; Diálise; frequentes são a obstipação e vómitos.
 Consulta do CIAV; Não há evidência que melhore o
prognóstico;

I N E M | 183
Suporte Avançado de Vida

 A irrigação do intestino com 7.4.3. Administração de antídotos


polietilenoglicol pode ser útil na específicos
ingestão potencialmente tóxica de
comprimidos de libertação prolongada Benzodiazepinas (BZP)
ou de revestimento entérico
A sobredosagem de benzodiazepinas pode
especialmente nas situações em que a
causar perda de consciência, depressão
ingestão ultrapassa as 2h. Também
respiratória e hipotensão. O flumazenil é o
pode ser útil na ingestão de ferro, lítio,
antídoto das benzodiazepinas por
potássio ou expulsão de pacotes de
antagonismo competitivo. Pode ser usado
drogas ilícitas ingeridas. Está
para reverter o efeito das BZP se não houver
contraindicada em situações de
história ou risco de convulsões. A reversão dos
oclusão intestinal, perfuração, ileos e
efeitos das BZP com flumazenil pode estar
instabilidade hemodinâmica.
associado a toxicidade significativa
 Evitar o uso de laxantes e de eméticos.
(convulsões, arritmias, hipotensão e s. de
privação) em doentes com dependência de
BZP ou co-ingestão de antidepressivos
7.4.2. Aumento da eliminação
tricíclicos. Por isso não deve ser usado por
Uma vez absorvido o tóxico há que forçar a rotina no doente comatoso por sobredosagem.
sua eliminação Não há modificações específicas no algoritmo
 Doses múltiplas de carvão ativado do SAV em doentes com PCR por intoxicação
administrado ao longo de várias horas por BZP.
pode ajudar a eliminar certos tóxicos
(carbamazepina, dapsona, teofilina,
fenobarbital). A dose inicial é de 50g- Opióides
100g em adultos;
A intoxicação por opióides causa depressão
 Alcalinização da urina (pH urinário≥7,5)
ventilatória seguida de insuficiência
através da perfusão de bicarbonato de
respiratória ou paragem ventilatória. Os efeitos
sódio. É comum utilizar-se em
ventilatório são rapidamente revertidos pelo
intoxicações por salicilatos quando não
antagonista dos opióides, a naloxona.
é necessário a diálise. A complicação
mais comum é a hipocaliemia; Na depressão ventilatória severa causada por
opióides, existem menos efeitos adversos
 Hemodiálise remove os tóxicos ou
quando, previamente à administração de
seus metabolitos de baixo peso
naloxona, a via aérea é permeabilizada e é
molecular, baixa ligação proteica,
mantida uma boa ventilação e administração
pequenos volumes de distribuição e
de oxigénio. O uso de naloxona pode prevenir
elevada hidrossolubilidade.
a necessidade de intubação traqueal. A via de
administração da naloxona depende da
experiência do reanimador, mas todas são
adequadas: endovenosa, intramuscular,
subcutânea e intranasal. As vias de
administração não-endovenosas podem ser
mais rápidas porque dispensam a colocação
de um acesso venoso, que pode ser difícil. A

184 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

dose inicial de naloxona é de 0,4 a 2mg e pode pode resolver as arritmias e reverter a
ser repetida a cada 2-3min (via intranasal 2mg hipotensão mesmo na ausência de acidose.
a cada 5min). Podem ainda ser necessárias
doses adicionais a cada 20-60min. A dose
deve ser titulada até a vítima ventilar Cocaína
adequadamente e ter reflexos de proteção da
via aérea. Sobredosagens excessivas de O excesso de estimulação simpática
opióides podem requerer doses de naloxona associado à toxicidade da cocaína pode
até 10mg. Todos os doentes que necessitam causar agitação, taquicardia, crise
tratamento com naloxona devem ser hipertensiva, hipertermia, e vasoconstrição
monitorizados. coronária com consequente isquémia do
A reversão aguda dos opióides produz um miocárdio com angina.
estado de excesso de estimulação simpática e Para controlar a hipertensão, a taquicardia, a
pode causar edema pulmonar, arritmias isquémia do miocárdio e a agitação nos
ventriculares e agitação severa. Por isso a doentes com cardiotoxicidade severa, podem
naloxona deve ser usada cautelosamente em ser usados os bloqueadores alfa (fentolamina),
doentes com suspeita de dependência de benzodiazepinas (lorazepam, diazepam),
opióides. bloqueadores dos canais de cálcio
(verapamil), morfina, e nitroglicerina
sublingual.
Antidepressivos tricíclicos

É comum a intoxicação intencional por Betabloqueantes


tricíclicos e pode causar hipotensão,
convulsões, coma e arritmias graves. A A toxicidade por betabloqueantes causa
toxicidade cardíaca mediada por efeitos bradiarritmias e efeitos inotrópicos negativos
anticolinérgicos e bloqueadores dos canais de de difícil tratamento, podendo levar à PCR.
Na+ podem produzir uma taquicardia de A evidência do tratamento baseia-se em
complexos largos. A hipotensão é exacerbada estudos animais e descrições de casos
pelo bloqueio dos recetores alfa-1. Os efeitos clínicos. Foi descrita a melhoria com glucagon
anticolinérgicos incluem midríase, febre, pele (50-150 mcg/Kg), alta dose de insulina e
seca, delírio, taquicardia, íleos e retenção glicose, emulsões lipídicas, inibidores da
urinária. A maioria dos problemas que põem a fosfodiesterase, CEC e suporte com balão
vida em risco ocorrem nas primeiras 6h após a intra-aórtico, e sais de cálcio.
ingestão.
Os complexos QRS largos (>100mseg) e um
desvio direito do eixo cardíaco indicam um Bloqueadores dos canais de cálcio
maior risco para o surgimento de arritmias.
Deve ser administrado bicarbonato de sódio A intoxicação por bloqueadores dos canais de
(1-2 mmol/Kg) para o tratamento das arritmias cálcio está a emergir como uma causa comum
ventriculares induzidas por tricíclicos. É de morte, por intoxicação com fármacos
recomendado tentar obter um pH arterial entre prescritos. A sobredosagem de fármacos de
7.45-7.55. A administração de bicarbonato rápido início de ação pode rapidamente evoluir
para PCR. A sobredosagem por formulações
de libertação prolongada pode resultar em

I N E M | 185
Suporte Avançado de Vida

arritmias de instalação insidiosa, choque, e 8. Afogamento


colapso cardíaco súbito.
Deve ser administrado cloreto de cálcio a 10% 8.1. Introdução
em bólus de 20mL (ou dose equivalente de
O afogamento é uma causa comum de morte
gluconato de cálcio) a cada 2-5 minutos nas
acidental. Uma atuação rápida e eficaz dos
bradicardias severas ou hipotensão, seguido
profissionais envolvidos no salvamento pode
de uma perfusão se necessário.
fazer a diferença entre a vida e a morte. A
Apesar das altas doses de cálcio poderem Organização Mundial de Saúde relata que no
reverter alguns efeitos secundários, raramente mundo, a cada hora, mais de 40 mortes
restabelecem a normal função cardiovascular. ocorrem devido a afogamento. Os grupos de
A instabilidade hemodinâmica pode responder risco podem variar entre países, mas por
a altas doses de insulina (1 U/ Kg seguido de norma o sexo masculino é mais suscetível. A
uma perfusão de 0.5-2U/Kg/h) associado a maioria dos afogamentos acidentais ocorre
glicose e com monitorização de eletrólitos com crianças que ainda não sabem nadar. Um
adicionalmente ao tratamento habitual com outro grupo de risco são os jovens adultos de
fluídos e vasopressores. regiões onde a atividade lúdica aquática é
permitida, concomitantemente com o abuso de
álcool e drogas. Os acidentes por afogamento
Digoxina também são mais frequentes em localidades
perto de água (lagos, rios) e nos meses de
A taxa de mortalidade é bem superior à da
verão.
intoxicação por bloqueadores dos canais de
cálcio. Os bloqueadores dos canais de cálcio e
amiodarona, podem provocar o aumento da
8.2. Definições
concentração plasmática da digoxina. A
toxicidade por digoxina causa O afogamento é definido como um processo
hiperexcitabilidade ventricular e anomalias da que resulta em disfunção respiratória primária
condução auriculoventricular que podem por submersão/imersão num meio líquido.
originar arritmias graves e PCR. Está implícita nesta definição a presença de
Deve ser utilizado o tratamento com uma interface líquido/ar à entrada da via aérea
fragmentos de anticorpos específicos para a da vítima, impedindo-a de respirar ar. A vítima
digoxina (digoxina-Fab) se existirem arritmias pode sobreviver ou morrer após este processo,
associadas com instabilidade hemodinâmica. mas, independentemente do desfecho, ela
Na intoxicação aguda, a dose inicial é de 2 esteve envolvida num incidente de
ampolas de digoxina-Fab (38mg por ampola) e afogamento.
repetir a dose se necessário. Em situações de A submersão ocorre quando a face da vítima
PCR a dose é de 2-10 ampolas EV durante 30 está coberta ou debaixo de água. A asfixia e
min. PCR ocorrem em minutos.
A imersão ocorre quando a cabeça permanece
acima da linha de água, na maioria dos casos
devida à utilização de um suporte como um
colete salva-vidas. Na maioria das situações
de imersão, o corpo da vítima está imerso, mas
com uma via aérea permeável e desenvolve

186 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

hipotermia, embora possa ocorrer aspiração inferiores a 10 minutos têm maior


de água se esta atingir a face da vítima ou se probabilidade de prognóstico favorável. As
esta estiver inconsciente com a face dentro de submersões superiores a 25 minutos estão
água. associadas a baixa probabilidade de melhor
Se a vítima é resgatada e o processo de prognóstico. A submersão em líquidos muito
afogamento é interrompido designa-se de frios ou gelo pode aumentar a janela de
afogamento não fatal. Por sua vez, se a vítima oportunidade, e justificar o aumento no tempo
morre durante qualquer fase do processo, de procura e salvamento das vítimas.
designa-se afogamento fatal.

Remoção da água
8.3. Fisiopatologia
A vítima deve ser removida da água o mais
A seguir à submersão, a vítima sustém a rapidamente possível. A probabilidade de
respiração por reflexo. Durante esta fase a lesão da espinhal medula é baixa em vítimas
vítima engole água. À medida que a vítima de afogamento. As precauções com
sustém a respiração, progride a hipóxia e a imobilização da vítima são desnecessárias,
hipercápnia. Um laringospasmo reflexo pode exceto se houver história de afogamento em
prevenir temporariamente a entrada de água águas rasas ou sinais de lesão grave após
nos pulmões. A determinada altura, a abolição desportos aquáticos. Se a vítima estiver em
desses reflexos culmina em aspiração de PCR, deve ser retirada da água o mais
água. A bradicardia instala-se previamente à rapidamente possível, tentando limitar a flexão
PCR. A correção da hipoxémia por e extensão do pescoço. A hipovolémia após a
ressuscitação só com ventilações é de imersão prolongada pode causar
extrema importância e pode, por si só, originar colapso/PCR. A vítima deve ser mantida na
o retorno de ventilação espontânea em alguns horizontal durante e a após a remoção da
casos. água.

8.4. Tratamento 8.4.1. SBV

Salvamento aquático Ventilação

A segurança dos indivíduos que promovem o A sequência do SBV no afogamento reflete a


salvamento deve ser assegurada. Se possível, importância crítica de tentar melhorar a
o resgate deve ser tentado sem entrar na água hipóxia. O início imediato de ventilações ou de
com ajuda de corda, boia, etc. Se a entrada na ventilação por pressão positiva aumenta a
água é imprescindível, deve ser realizada com sobrevida.
dispositivo flutuante. Administrar 5 insuflações iniciais logo que
Quando o salvamento é realizado por equipas possível. Os indivíduos treinados poderão
treinadas nestas situações, habitualmente iniciar as ventilações dentro de água,
procuram orientações sobre a hipótese de idealmente com apoio de equipamento de
sobrevivência ao salvamento. Por esse flutuação, mesmo antes de trazer a vítima para
motivo, existem indicadores específicos de terra ou para uma embarcação de resgaste
prognóstico que referem que submersões

I N E M | 187
Suporte Avançado de Vida

As insuflações devem durar cerca de 1 lateralizada e aspirado o conteúdo regurgitado


segundo e permitir observar a elevação do com ajuda de aspiração.
tórax. Pode haver, nestas vítimas, a redução
da compliance torácica e dificultar as
insuflações. A maior pressão de insuflação 8.4.2. SAV
também pode reduzir o débito cardíaco e
aumentar o risco de insuflação gástrica, e Modificações ao SAV
consequente regurgitação. A pressão sobre a
cartilagem cricóide, quando corretamente Via aérea e ventilação
aplicada, pode reduzir a insuflação gástrica e
Durante a abordagem inicial da vítima em
melhorar a ventilação.
ventilação espontânea, administrar O2 em alta
concentração, idealmente através de máscara
com reservatório. Nas vítimas que não
Compressões torácicas
melhoram com esta medida inicial ou que
Se a vítima não responde às insuflações estão com diminuição do estado de
iniciais, deve ser colocada num plano duro consciência ou que estão em PCR, ponderar a
antes de se iniciarem as compressões. O SBV intubação traqueal precoce e ventilação
deve ser na mesma com a razão de 30:2. A controlada, por profissionais experientes. O
maioria das vítimas de afogamento terão uso de dispositivos supraglóticos pode estar
paragem cardíaca de causa hipóxica, pelo que limitado pela redução da compliance torácica
a RCP só com compressões será muito que pode implicar pressões elevadas de
provavelmente ineficaz e deve ser evitada. insuflação. Antes da intubação garantir uma
pré-oxigenação adequada. O líquido de
edema pulmonar pode extravasar e necessitar
Desfibrilhação de aspiração contínua para se poder visualizar
a laringe durante a laringoscopia. Depois de
São seguidas as mesmas recomendações confirmada a intubação traqueal, a FiO2 deve
quer se use um DAE ou um desfibrilhador ser titulada de modo a obter SpO2 de 94-98%.
manual. Obviamente, que secar o tórax da A oximetria de pulso poderá fornecer leituras
vítima será obrigatório e muitas vezes difícil. incorretas após a recuperação de um
afogamento pelo que deve ser confirmada a
adequada oxigenação e ventilação com
Líquido na via aérea recurso a gasimetria de sangue arterial, logo
que disponível.
Em algumas situações, observa-se a saída de A PEEP deve ser definida para valores de,
grande quantidade de espuma a sair da boca pelo menos, 5-10 cmH2O embora possam ser
da vítima que resulta da mistura de água com necessários valores de 15-20cmH2O em
o ar em movimento. Não se deve tentar doentes gravemente hipoxémicos. A
remover toda a espuma uma vez que ela drenagem gástrica por sonda é importante
continuará a ser expelida. A regurgitação de para diminuir a quantidade de água deglutida
conteúdo gástrico e de água deglutida é e diminuir a pressão gástrica, o que facilita a
comum durante a RCP. Se isto dificultar a ventilação.
ventilação completamente, a vítima deve ser

188 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

Circulação e desfibrilhação 8.5. Cuidados pós-reanimação

A distinção entre paragem ventilatória e Não há alterações no tratamento de vítimas de


paragem cardíaca nestas vítimas nem sempre afogamento por água doce ou salgada.
é fácil, mas é muito importante. A palpação de O processo fisiopatológico predominante da
pulso nem sempre é fiável como indicador da lesão pulmonar é determinado pela disfunção
paragem cardíaca. Devemos por isso, logo do surfactante, colapso alveolar, atelectasias,
que possível usar informação adicional de e shunt intrapulmonar.
monitorização específica tal como o traçado de
A maioria das vítimas estão em risco de
ECG, ETCO2 e ecocardiografia para confirmar
desenvolver SDRA e devem ser tomadas
o diagnóstico de PCR.
medidas de ventilação protetoras.
Se a vítima está em PCR seguir o algoritmo de
A pneumonia é frequente após o afogamento,
SAV. Ajustar o algoritmo se a vítima estiver
mas o uso de antibiótico de modo profilático
hipotérmica.
não está recomendado exceto se a submersão
Após a imersão prolongada, as vítimas podem tiver ocorrido em águas claramente
estar hipovolémicas devido à interrupção da contaminadas (fossas sépticas p. ex.).
pressão hidrostática da água no corpo.
As lesões neurológicas são determinadas
Administrar bólus de fluídos EV rapidamente
primariamente pela duração e gravidade da
para corrigir a hipovolémia (deve iniciar-se na
hipóxia. Têm sido feitas diversas tentativas de
fase pré-hospitalar).
melhorar o prognóstico neurológico após o
afogamento utilizando barbitúricos,
monitorização da pressão intracraniana e
Decisão de não reanimar
esteróides mas nenhuma medida o conseguiu
demonstrar.
É particularmente difícil tomar a decisão de
descontinuar as manobras de reanimação em
vítimas de afogamento.
9. Gravidez
Nenhum fator individualmente pode, com rigor,
prever um melhor ou pior prognóstico.
A mortalidade relacionada com a gravidez é
A reanimação deve ser mantida exceto se relativamente rara na Europa embora com
houver claros sinais de que as medidas são grande variação entre países. O feto deve ser
inúteis (lesões traumáticas extensas, rigor sempre tido em consideração quando ocorre
mortis, putrefação, etc.) ou se não é possível a um evento cardiovascular na grávida. A
evacuação para um estabelecimento de saúde sobrevivência do feto está sempre dependente
atempadamente. da mãe e por isso os esforços de reanimação
Existem casos descritos de sobreviventes sem devem ser centrados na mãe grávida.
danos neurológicos após submersão >25 min, Durante a gravidez ocorrem alterações
embora estes casos sejam referentes a fisiológicas importantes. Há aumento do débito
crianças afogadas em água muito fria, quando cardíaco, do volume sanguíneo, do volume-
a hipotermia se instala antes da hipóxia ou em minuto da ventilação e do consumo de
submersão de ocupantes de veículos. oxigénio. Além disso, o volume uterino pode
causar compressão significativa dos vasos
sanguíneos ilíacos e abdominais quando a

I N E M | 189
Suporte Avançado de Vida

mãe está em decúbito dorsal, resultando em Modificações à reanimação


redução do débito cardíaco e hipotensão.
 Pedir ajuda diferenciada com
contributo de obstetras e
9.1. Causas de PCR na grávida neonatologistas;
 Princípios dos algoritmos de SBV e
As causas principais são: SAV;
 Hemorragia;  Elevação da anca direita da grávida
 Embolismo (trombótico e amniótico); para deslocar o útero para a esquerda
 Distúrbios hipertensivos da gravidez; e diminuir o efeito da compressão dos
 Aborto e sépsis ginecológica (gravidez grandes vasos abdominais em
ectópica); particular da veia cava inferior
 Condições médicas pré-existentes (particularmente a partir das 20
(doença cardíaca, neurológica, semanas de gestação), apontar para
psiquiátrica e oncológica). inclinação de cerca 15º-30º;
 A posição das mãos no esterno pode
As causas podem ainda ser as mesmas das
necessitar de ser ajustada um pouco
mulheres na mesma faixa etária.
mais acima, após o 3º trimestre;
 Começar a preparar cesariana de
emergência se as manobras de
9.2. Tratamento
reanimação iniciais falharem;
Prevenção de PCR  Durante a gravidez existe um maior
risco de insuficiência do esfíncter
A abordagem não difere (ABCDE). A maioria gastro-esofágico e risco de
dos problemas cardiovasculares são devido à regurgitação de conteúdo gástrico, e
compressão de vasos abdominais (artéria aspiração pulmonar. A intubação
aorta e veia cava inferior). Devem ser feitos os traqueal diminui esse risco, mas pode,
seguintes procedimentos: por outro lado, ser mais difícil. Deve ser
 Colocar a grávida em decúbito lateral um tubo traqueal de menor tamanho
esquerdo ou deslocar manualmente comparativamente a mulher não
lateralmente o útero gravídico; grávida do mesmo tamanho, porque na
 Administrar oxigénio, titulando para gravidez há diminuição do diâmetro da
obter SpO2 >97%; traqueia por edema;
 Administrar bólus de fluídos EV se se  Os acessos venosos não devem ser
obtidos nos membros inferiores para
mantiver hipotensão ou existir
evidência de hipovolémia; não se correr o risco teórico do atraso
na entrada em circulação dos
 Reavaliar a necessidade de fármacos
fármacos, decorrente da eventual
que estejam a ser administrados;
compressão dos vasos abdominais.
 Pedir precocemente ajuda
diferenciada. Obstetras e
neonatologistas devem ser envolvidos
Causas reversíveis na grávida
no processo de reanimação
precocemente; O uso de ecografia abdominal por profissionais
 Identificar e tratar a causa subjacente. experientes pode ser útil na deteção de causas

190 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

reversíveis, avaliar a viabilidade do feto, supradesnivelamento do segmento ST ou


gravidez gemelar e localização da placenta. BCRE de novo.

Pré-eclâmpsia e eclâmpsia
Hemorragia
A eclâmpsia é definida como o aparecimento
Pode ocorrer antes ou depois do parto. As de convulsões e/ou coma inexplicado durante
causas podem ser gravidez ectópica, rotura a gravidez e pós-parto em doente com sinais e
uterina, rotura da placenta e placenta prévia. sintomas de pré-eclâmpsia. O sulfato de
As maternidades devem ter um protocolo para magnésio é eficaz na prevenção da maioria
hemorragia massiva. Considerar o uso de: dos casos.
 Sistemas de infusão EV rápida;
 Ocitocina e análogos das
prostaglandinas para corrigir a atonia Embolia pulmonar de líquido amniótico
uterina;
Apresenta-se habitualmente perto do
 Massagem uterina;
momento do parto, com colapso
 Correção de coagulopatia com ácido
cardiovascular súbito, dispneia, cianose,
tranexâmico e/ou fator VII
arritmias, hipotensão e hemorragia associada
recombinante;
a coagulopatia intravascular disseminada. O
 Tamponamento com balão uterino ou
tratamento é de suporte e na correção da
packing de compressas;
coagulação intravascular disseminada. Não
 Suturas de compressão uterina;
existe terapêutica específica.
 Embolização endovascular com
recurso a angiografia;
 Histerectomia; Embolia pulmonar
 Clampagem temporária da aorta.
As alterações fisiológicas da gravidez além da
obesidade, idade avançada e imobilidade
Doença cardiovascular predispõem ao aumento do risco de embolia
pulmonar. A fibrinólise necessita de
O EAM, a cardiomiopatia periparto, o ponderação considerável especialmente
aneurisma ou disseção da aorta causam a quando se considera uma cesariana peri-
maioria das mortes. As grávidas com patologia mortem.
conhecida devem ser seguidas em unidades
especializadas. A grávida pode desenvolver
doença coronária aguda habitualmente em Cesariana peri-mortem
associação com fatores de risco tais como a
obesidade, idade avançada, multípara, Quando as tentativas iniciais de reanimação
tabagismo, diabetes, HTA e história familiar de falham, a retirada do feto pode aumentar as
doenças cardiovasculares. As características hipóteses de reanimação da mãe e do feto. A
dos sintomas podem ser atípicas como dor melhor taxa de sobrevivência com bebés de
epigástrica e vómitos. A intervenção coronária 24-25 semanas de gestação verifica-se
percutânea é o tratamento de escolha nestas quando o parto é feito nos 5 min que se
situações quando há EAM com seguem à PCR da mãe, o que significa que a

I N E M | 191
Suporte Avançado de Vida

cesariana deve começar cerca de 4 minutos 10. Eletrocussão


após a PCR. Em idades gestacionais mais
elevadas (30-38 semanas), a sobrevivência do A eletrocussão é um evento relativamente
recém-nascido é possível mesmo quando o pouco frequente, mas potencialmente
parto foi feito após 5 minutos de PCR materna. devastador em termos de lesões, com elevada
A retirada do feto alivia a compressão da veia mortalidade e morbilidade. A maioria das
cava inferior e pode aumentar a probabilidade situações em adultos ocorre no local de
de reanimar a mãe ao permitir o aumento do trabalho e está associada à alta voltagem,
retorno venoso durante a tentativa de RCP, enquanto nas crianças o risco maior é em
além de permitir o acesso à cavidade casa, onde a voltagem é inferior.
abdominal para possível compressão e Os fatores que influenciam a gravidade das
clampagem da aorta. lesões são a corrente alterna ou direta, a
Com idade gestacional < 20 semanas, não é voltagem, a magnitude da energia
necessário ponderar a cesariana de descarregada, a resistência à passagem de
emergência uma vez que é pouco provável corrente, o trajeto da corrente através da
que um útero deste tamanho comprometa o vítima, e a área e duração do contacto. A
débito cardíaco da mãe e por não se colocar o resistência da pele diminui com a humidade, o
problema da viabilidade fetal. que aumenta a probabilidade da lesão. A
Entre as 20-23 semanas, a retirada de corrente elétrica segue o trajeto de menor
emergência do feto poderá permitir otimizar a resistência; os feixes neurovasculares
reanimação da mãe uma vez que é improvável condutores nos membros são particularmente
a sobrevivência do feto. suscetíveis à lesão. O contacto com corrente
alterna pode provocar contração tetânica do
A partir das 24 semanas a retirada do feto de
musculo esquelético que pode impedir que a
emergência poderá permitir salvar a vida de
vítima se liberte da fonte de eletricidade. A
ambos.
insuficiência miocárdica ou respiratória pode
provocar morte imediata:
Preparação para a reanimação da grávida  A paragem respiratória pode ser
causada por depressão respiratória
O SAV na grávida requer a coordenação da central ou por paralisia dos músculos
reanimação materna, do parto por cesariana e respiratórios;
da reanimação do recém-nascido nos  A corrente pode precipitar FV se
primeiros 5 minutos. Para este objetivo, as atravessar o miocárdio durante o
unidades envolvidas devem: período refratário de repolarização
 Ter protocolos e equipamento para a ventricular. A corrente elétrica também
reanimação da grávida e do recém- pode causar isquémia do miocárdio por
nascido; espasmo das artérias coronárias;
 Assegurar o envolvimento precoce das  A corrente que atravessa o miocárdio
equipas obstétricas e neonatais, tem maior probabilidade de ser fatal.
 Assegurar o treino regular dos Uma via transtorácica (mão-mão) tem
profissionais em emergências maior probabilidade de ser fatal do que
obstétricas. uma via vertical (mão-pé). No trajeto
percorrido pode haver uma grande
destruição de tecidos.

192 | I N E M
PCR em Circunstâncias Especiais

Um padrão único de lesões cutâneas Retirar o vestuário queimado para evitar mais
chamados arboriformes ou sinal de lesões térmicas.
Lichtenberg são um sinal patognomónico que A administração de fluídos é importante se
se observa apenas em vítimas de atingidas por houver destruição significativa de tecidos. O
relâmpagos. objetivo é manter um bom débito urinário para
aumentar a eliminação da mioglobina,
potássio e de outros produtos da lesão
10.1. Tratamento tecidular.
Fazer uma avaliação secundária cuidadosa
A segurança é muito importante na abordagem
para excluir lesões causadas pela contração
das vítimas. É preciso certificar que todas as
muscular tetânica ou pela projeção da vítima
fontes elétricas estão desligadas, e não se
devido à força do choque.
aproximar da vítima até que seja seguro. A
eletricidade de alta voltagem pode fazer um Procurar sinais de síndroma compartimental,
arco e propagar-se através do solo até alguns com indicação para fasciotomias.
metros ao redor da vítima.
A abordagem da via aérea pode ser difícil se
10.2. Prognóstico
existirem queimaduras na zona da face ou
pescoço. Nestes casos deve proceder-se à
As queimaduras graves (térmicas e elétricas),
intubação traqueal precoce por risco de edema
a necrose do miocárdio, a extensão da lesão
e obstrução da via aérea.
ao sistema nervoso central e a falência
A paralisia muscular, especialmente após alta orgânica multissistémica secundária,
voltagem, pode durar algumas horas podendo determinam a morbilidade e o prognóstico a
nesse período ser necessário suporte longo prazo. Não há tratamento específico
ventilatório. para as lesões elétricas e o tratamento é
A FV é a arritmia inicial mais frequente, após sintomático. A prevenção continua a ser o
choque de alta voltagem com corrente alterna. melhor meio de minimizar a prevalência e a
A assistolia é mais frequente após choque com gravidade da lesão provocada pela
corrente direta. O tratamento padrão deve ser eletricidade.
seguido.

I N E M | 193
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 A abordagem ABCDE é transversal e essencial no reconhecimento e tratamento precoce


de situações especiais para prevenir a PCR;

 Os doentes devem ser abordados segundo os protocolos standard, modificados pelas


situações especiais;

 A RCP de levada qualidade e o tratamento da causa reversível são o fundamento do


tratamento de PCR por qualquer causa;

 Pedir ajuda especializada precocemente quando são necessários procedimentos


especiais.

194 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

XV. CUIDADOS PÓS-REANIMAÇÃO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Identificar a necessidade de manter os cuidados após a recuperação da circulação
espontânea;
 Identificar a necessidade fazer exames e investigações apropriadas a cada caso;
 Prevenir a disfunção dos órgãos pós-reanimação;
 Avaliar os critérios e os limites ao estabelecer o prognóstico após a reanimação.

1. Introdução 2. Síndrome pós paragem


cardiorrespiratória
O RCE é o primeiro passo em direção ao
objetivo que é a recuperação completa da O síndrome engloba a lesão cerebral, a
vítima em paragem cardiorrespiratória. disfunção miocárdica, a resposta sistémica de
Ao complexo processo fisiopatológico que se isquémia/reperfusão e a patologia persistente
desenvolve durante a isquémia corporal precipitante da PCR. A sua gravidade varia
durante a PCR e a subsequente resposta de diretamente com a duração e causa da PCR,
reperfusão durante a RCP e a reanimação podendo não ocorrer se a PCR for de muito
bem-sucedida designa-se Síndrome pós curta duração.
paragem cardiorrespiratória. Dependendo A lesões cerebrais manifestam-se com coma,
da causa da PCR e da gravidade da síndrome, convulsões, mioclonias, vários graus de
muitos doentes necessitarão de suporte de disfunção cognitiva e morte cerebral. São
função multiorgânica e o tratamento que responsáveis por cerca de dois terços das
receberão nesta fase irá influenciar mortes (cerca de 25% se PCR intra-
significativamente o prognóstico global e em hospitalar). Estas lesões podem ser agravadas
particular a qualidade da recuperação da por falência da microcirculação e
função neurológica. autorregulação, hipotensão, hipercápnia,
A fase pós reanimação começa no local onde hipoxémia, hiperoxémia, hipertermia,
ocorreu o RCE, mas assim que a vítima é hipoglicémia, hiperglicémia e convulsões.
estabilizada, deve ser transferida para uma A falência cardiovascular é responsável pela
área de cuidados mais apropriada e maioria das mortes nos primeiros 3 dias pós-
diferenciada para disponibilizar a continuação RCE (as lesões cerebrais são responsáveis
de monitorização, diagnóstico e tratamento. O por mortes mais tardias). A disfunção do
algoritmo dos cuidados pós-reanimação (fig. miocárdio é comum após RCE, mas apesar de
65) realça alguns dos pontos-chave a sua recuperação se iniciar ao 2-3º dia, este
necessários para otimizar o resultado para é um processo longo.
estes doentes. A resposta sistémica de isquémia/reperfusão
ativa vias imunológicas e de coagulação o que
contribui para falência multiorgânica e risco

I N E M | 195
Suporte Avançado de Vida

aumentado de infeção. À semelhança da volume intravascular, lesão endotelial e


sépsis, existe vasodilatação, depleção de alterações da microcirculação.

Figura 67 - Algoritmo dos cuidados pós-reanimação - adaptado das guidelines ERC 2015

196 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

3. Prioridades pós-reanimação administração de O2 deve ser titulada logo que


seja possível monitorizar a saturação de O2 do
As prioridades depois da recuperação da sangue arterial de modo fidedigno (análises
circulação da vítima continuam a ser as dos gases sanguíneos e/ou oximetria de pulso)
mesmas: de modo a obter SatO2 94-98%.
- Avaliação ABC(DE).

3.1.2. Controlo da ventilação


3.1. Via Aérea e Ventilação: A e B
Devemos considerar a intubação traqueal,
Objetivos: sedação e ventilação controlada em todos os
doentes com função cerebral comprometida.
 Assegurar a permeabilidade da via A hipocápnia causa vasoconstrição cerebral e
aérea; diminuição do fluxo sanguíneo cerebral. É de
 Oxigenação adequada (manter SatO2 bom senso ajustar a ventilação para obter a
94-98%); normocápnia através da monitorização da
 Ventilação eficaz (normocápnia e capnografia e dos valores dos gases do
normoxémia). sangue arterial. A diminuição da temperatura
corporal diminui o metabolismo e pode
aumentar o risco de hipocápnia durante esse
3.1.1. Controlo da Oxigenação procedimento.
Os parâmetros ventilatórios devem ser de
Os doentes que estiveram em PCR e que
volume corrente entre 6-8mL/Kg de peso
recuperaram rapidamente (ex: FV
corporal ideal e PEEP de 4-8cmH2O.
testemunhada que reverte a ritmo sinusal com
desfibrilhação precoce), podem recuperar É necessário proceder à entubação gástrica do
também rapidamente o estado de consciência doente, principalmente se houve ventilação
prévio. Por vezes podem nem necessitar de boca-a-boca ou com máscara facial, para
ser entubados ou ventilados, só necessitando drenagem e descompressão gástrica, para
de um aporte de O2 suplementar, por máscara melhorar a ventilação, por redução da pressão
facial, para que, depois de monitorizado, a sobre o diafragma.
FiO2 seja titulada para que SpO2 se mantenha Recomenda-se a criação de protocolos de
entre 94-98%. sedação em doentes ventilados. Uma sedação
A hipóxia e a hipercápnia são fatores adequada facilita a ventilação e reduz o
facilitadores de nova PCR. No entanto, consumo de O2. Eventualmente pode ser
também há vários estudos animais que necessário a administração de relaxantes
demonstram que a hiperóxia provoca stress neuromusculares para reduzir a assincronia
oxidativo e lesão neurológica pós-isquémica. A entre o doente e o ventilador e o risco de
análise dos registos clínicos documenta que a barotrauma. Estes fármacos devem ser
hiperóxia pós-reanimação está associada a utilizados por períodos curtos (<48h) e é
pior prognóstico, quando comparada com a preciso ter em mente que eles interferem com
hipóxia e normoxémia. o exame clínico e podem mascarar a
existência de convulsões.
Devido à evidência de agravamento da lesão
miocárdica após EAM e da possibilidade de É necessário verificar se os movimentos
aumentar a lesão neurológica após PCR, a respiratórios são simétricos e auscultar para

I N E M | 197
Suporte Avançado de Vida

confirmar se os sons respiratórios são 3.2.2. ICP em doentes após RCE com
simétricos bilateralmente porque um tubo elevação de ST
traqueal demasiadamente introduzido pode
entrar no brônquio principal direito excluindo o A presença de elevação de ST ou BRE no
pulmão esquerdo (entubação seletiva). ECG pós-RCE faz prever a presença de lesão
O pneumotórax pode manifestar-se por coronária aguda em mais de 80% dos casos.
Nestes casos recomenda-se a realização
hipofonese ou abolição dos sons respiratórios
urgente de cateterismo coronário com ICP.
de um dos lados e devem ser excluídas
fraturas de costelas ou das articulações Estudos observacionais também indicam que
condrocostais, quer seja resultado das se obtêm melhores resultados após PCR
compressões torácicas quer seja por trauma extra-hospitalar com uma combinação de ICP
prévio. e controlo de temperatura que podem fazer
parte de protocolos de atuação pós-PCR como
A auscultação também permite o diagnóstico
parte da estratégia global para melhorar a
de possível edema pulmonar que pode ser
sobrevida com danos neurológicos mínimos.
devido a falência cardíaca, aspiração de
vómito ou secundário a doença inflamatória do
pulmão.
3.2.3. ICP em doentes após RCE sem
A realização de uma radiografia torácica elevação de ST
permite verificar a correta colocação da sonda
gástrica e do tubo endotraqueal. Permite ainda Mesmo na ausência de alteração do segmento
verificar a correta colocação de acessos ST no ECG pós-RCE, e na ausência óbvia de
venosos centrais, verificar presença de causas não-cardíacas de PCR, recomenda-se
edema, contusões, pneumotórax e fraturas de a realização de cateterismo coronário com
costelas decorrentes das manobras de ICP, principalmente quando os doentes se
reanimação. apresentam hemodinamicamente instáveis.
Apesar de não haver consenso nestes casos,
outros fatores podem influenciar a decisão da
3.2. Circulação: C realização de ICP na fase aguda ou protelar
para um segundo tempo no internamento.
Objetivos: Esses fatores são a idade, a duração da PCR,
a instabilidade hemodinâmica, o ritmo
 Ritmo cardíaco estável; cardíaco inicial, o estado neurológico no
 Débito cardíaco eficaz. momento da chegada ao hospital e a perceção
da probabilidade de etiologia cardíaca da
PCR.
3.2.1. Reperfusão coronária

Os SCA são uma causa frequente de PCR pré-


3.2.4. Otimização hemodinâmica
hospitalar (lesões de artérias coronárias
nestes doentes em cerca de 58-71% dos A disfunção do miocárdio pós-PCR causa
doentes). Por isso, na ausência de causas instabilidade hemodinâmica manifestada por
não-cardíacas óbvias, os doentes devem ser hipotensão, arritmias e baixo débito cardíaco.
submetidos a uma cateterização cardíaca Está indicada a realização de ecocardiografia
emergente o que poderá incluir ICP. precoce em todos os doentes para quantificar

198 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

o grau de disfunção do miocárdio. Esta Após a PCR há, tipicamente, um período de


disfunção pós-PCR requer suporte inotrópico, hipercaliémia. A libertação endógena de
pelo menos temporário. A noradrenalina, com catecolaminas subsequente aliada à correção
ou sem a dobutamina associada, e da acidose respiratória e metabólica, promove
fluidoterapia constituem, habitualmente, o a entrada de potássio nas células causando
tratamento mais eficaz. A administração de hipocaliemia que pode promover arritmias
uma grande quantidade de fluídos é muito bem ventriculares. A caliémia deve, pois, ser
tolerada por doentes com o síndrome pós- mantida entre 4,0 e 4,5 mmol/L.
PCR. Se o tratamento com fármacos
vasoativos e inotrópicos e fluídos for incapaz
de manter uma circulação eficaz, deve ser 3.2.5. Cardioversor desfibrilhador
considerada a colocação de um dispositivo implantável (CDI)
mecânico de assistência circulatória.
O tratamento deve ser controlado através da Deve ser considerada a colocação de um CDI
pressão arterial (invasiva logo que possível), aos doentes com cardiopatia isquémica com
frequência cardíaca, débito urinário, taxa de disfunção significativa do ventrículo esquerdo
eliminação dos lactatos e a saturação de que foram reanimados num contexto de
oxigénio venosa central. arritmia ventricular que tenha ocorrido mais de
24-48h após um evento coronário primário. Os
O objetivo consensual é o de tentar obter um
CDI’s também podem reduzir a mortalidade
valor da pressão arterial média que resulte
em sobreviventes de PCR em risco de morte
num débito urinário de 1mL/Kg/h e na
súbita devido a doenças cardíacas estruturais
normalização dos valores de lactato, tendo em
ou cardiomiopatia hereditárias. Em todos os
consideração o valor de pressão arterial
casos, deve ser realizada antes da alta
normal para o doente, a causa da PCR e a
hospitalar uma avaliação eletrofisiológica
gravidade da disfunção do miocárdio. Estes
especializada para decidir pela necessidade
objetivos podem variar de acordo com a
de colocação de um CDI para prevenção
fisiologia individual e as comorbilidades
secundária de morte súbita cardíaca.
associadas. É importante ter em consideração
que a hipotermia pode aumentar o débito
urinário e diminuir a taxa de eliminação dos
3.3. Disfunção Neurológica e Exposição: D
lactatos.
eE
A taquicardia foi associada a pior prognóstico.
Durante a hipotermia moderada induzida Objetivos:
ocorre bradicardia como resposta fisiológica.

Esta pode ser mantida <40 bpm desde que se Avaliar o estado neurológico pós-PCR
mantenham valores suficientes da pressão e otimizar a sua recuperação;

arterial, saturação de oxigénio venosa central, Verificar se há situações precipitantes
lactatos e débito urinário. ou agravantes da PCR que exijam a
A insuficiência suprarrenal ocorre com intervenção imediata.
frequência após RCE e parece estar associada Logo que possível deve ser avaliado o estado
a mau prognóstico. Contudo ainda não há neurológico registando o estado pupilar e a
evidência clínica que sustente a administração escala de coma de Glasgow.
de esteroides por rotina em contexto pós-RCE
em PCR.

I N E M | 199
Suporte Avançado de Vida

Disfunção neurológica: permitindo alcançar mais rapidamente a


temperatura alvo.
3.3.1 A perfusão cerebral

Estudos em animais permitiram mostrar que 3.3.3. Controlo das convulsões


após RCE há um curto período de não-fluxo
cerebral multifocal por hiperémia global As convulsões ocorrem até em um terço das
cerebral que pode durar 15 a 30 min. A isto vítimas comatosas após RCE.
segue-se hipoperfusão cerebral que pode
As convulsões triplicam a atividade metabólica
durar até 24h enquanto a taxa de metabolismo
cerebral e podem provocar lesão cerebral. Não
de O2 cerebral recupera gradualmente. Em
está recomendada a profilaxia das convulsões
muitos doentes a autorregulação cerebral está
após RCE, no entanto devem ser tratadas de
comprometida durante algum tempo após
imediato com benzodiazepinas,
PCR, o que significa que a perfusão cerebral
levetiracetam, fenitoína, valproato de
varia com a pressão de perfusão cerebral em
sódio, propofol ou barbitúricos. Após o
vez de estar relacionada com a atividade
primeiro episódio devem ser excluídas causas
neuronal. Sugere-se, assim, que se deva
precipitantes e deve ser iniciada a terapêutica
manter a pressão arterial média próxima dos
de manutenção.
valores normais do doente.
A disfunção neurológica pós-PCR conduz a
situações que podem ser precipitantes ou 3.3.4. Controlo da glicemia
agravantes da PCR e que exigem uma
intervenção imediata como a sedação e o Há forte associação entre hiperglicémia pós-
controlo das convulsões, da glicemia e da PCR e mau prognóstico neurológico. Por sua
temperatura, para assim se conseguir o vez, a hipoglicémia severa está associada a
controlo homeostático do doente, de forma a aumento da mortalidade em doentes críticos
otimizar a sua recuperação. até porque em doentes comatosos a
hipoglicémia pode passar despercebida.
Recomenda-se que nos doentes que
3.3.2 Sedação recuperem a circulação espontânea a glicemia
seja mantida ≤ 180 mg/dL sem que sejam
É prática comum sedar e ventilar os doentes implementados protocolos muito rigorosos que
durante 24h após RCE, mas não há dados que por sua vez possam induzir hipoglicémia
suportem um período definido. O período de
sedação e ventilação deve ser orientado pelo
controlo de temperatura. 3.3.5. Controlo da temperatura
É habitual usarem-se opióides e hipnóticos
que devem ser de curta-duração de ação (p.e. Tratamento da hipertermia
propofol, alfentanil, remifentanil) para se poder
proceder mais precocemente a uma avaliação Nas primeiras 48h pós-PCR é frequente um
neurológica e prognóstica fiável. período de hipertermia, pelo que se considera
ser prudente tratar a hipertermia com
Uma sedação adequada reduz o consumo de
antipiréticos e arrefecimento ativo.
O2. Durante o controlo de temperatura, a
sedação pode prevenir ou reduzir os tremores

200 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

ConTrolo de TeMperatura (TTM) O TTM deve ser iniciado logo após o RCE e
logo que haja capacidade de monitorizar
O termo hipotermia terapêutica foi substituído ativamente a temperatura.
pelo termo TTM.
A aplicação prática do TTM é dividida em três
Estudos indicam que, depois de um período de fases: indução, manutenção e reaquecimento.
hipóxia-isquémia cerebral global, a hipotermia Para iniciar e manter o TTM podem ser
ligeira é neuroprotectora e melhora o
utilizadas técnicas externas e/ou internas e
prognóstico.
dependem da temperatura alvo pretendida.
O arrefecimento suprime muitas das vias que Os métodos para induzir e manter a TTM
levam à morte celular tardia, incluindo a
incluem:
apoptose.
 Sacos com gelo, toalhas húmidas
A hipotermia diminui a taxa metabólica
arrefecidas; são o método mais barato,
cerebral do oxigénio em cerca de 6% por cada
mas exigem mais tempo aos
1ºC de redução da temperatura central e isto
profissionais de enfermagem, podem
pode diminuir a libertação de aminoácidos
resultar em maiores flutuações de
excitatórios e de radicais livres.
temperatura e não permitem o
A hipotermia bloqueia as consequências reaquecimento controlado. Os fluídos
intracelulares da exposição às excito-toxinas gelados não podem ser usados, por si
(concentrações elevadas de cálcio e só, para manter a hipotermia, mas
glutamatos) e reduz a resposta inflamatória da mesmo a adição de sacos de gelo
síndrome pós-PCR. simples pode controlar
A Advanced Life Support Task Force of the adequadamente a temperatura;
International Liaison Committee on  Almofadas ou cobertores de
Resuscitation fez várias recomendações de arrefecimento;
tratamento sobre o controlo da temperatura:  Cobertores de água ou ar circulante;
 Manter uma temperatura constante de  Almofadas de gel com água circulante;
32-36ºC nos doentes em que se  Arrefecimento evaporativo transnasal.
aplique o TTM; Esta técnica permite arrefecimento
 Recomenda-se TTM em doentes com mesmo antes do rce e aguarda mais
PCR extra-hospitalar com ritmo inicial investigação em estudo randomizado
desfibrilhável e que permanecem multicêntrico;
comatosos após RCE;  Permutadores de calor intravasculares,
 Sugere-se TTM nos doentes com PCR geralmente colocados nas veias
extra-hospitalar com ritmo inicial não femoral ou subclávia;
Desfibrilhável e que permanecem  Circulação extracorporal.
comatosos após RCE; Na fase de manutenção é preferível um
 Sugere-se TTM em todos os doentes método com monitorização efetiva da
com PCR intra-hospitalar que temperatura que previna as flutuações de
permanecem comatosos após RCE temperatura. Isso é melhor conseguido com o
independentemente do ritmo inicial; uso de sistemas de arrefecimento internos ou
 Se aplicar TTM, este deve mantido por externos com a capacidade para
pelo menos 24h. monitorização contínua e ajuste da
temperatura até chegar ao objetivo definido.

I N E M | 201
Suporte Avançado de Vida

No arrefecimento e no reaquecimento podem  Diminuição até 30% (temperatura


ocorrer alterações rápidas das concentrações central de 34ºC) da eliminação de
dos eletrólitos, do volume intravascular efetivo fármacos sedativos e relaxantes
e da taxa metabólica. A hipertermia rebound neuromusculares.
associa-se a pior prognóstico neurológico. Por As contraindicações mais consensuais,
isso o reaquecimento deve ser lento. embora não absolutas, para TTM são:
Recomenda-se que o reaquecimento seja de
 Infeção sistémica severa;
0,25-0,5º C por hora.
 Coagulopatia pré-existente.

Efeitos fisiológicos e secundários da


hipotermia 3.4. Avaliação Adicional

Os conhecidos efeitos da hipotermia devem 3.4.1. História


ser geridos cuidadosamente:
 Os tremores (shivering) aumentam o Deve ser obtida logo que possível uma história
metabolismo e produção de calor, dos antecedentes da vítima. Devem ser
contrariando o arrefecimento; pode ser conhecidos os antecedentes patológicos e
controlado com a administração de farmacológicos bem como a devem ser
sedação, bloqueio neuromuscular e averiguados os sintomas pré-PCR. No adulto
administração de sulfato de magnésio; a PCR súbita é na maior parte das vezes
 Aumento da resistência vascular devida a Enfarte Agudo do Miocárdio, mas as
sistémica e aparecimento de arritmias causas são múltiplas e têm de ser identificadas
(habitualmente a bradicardia). A e corrigidas rapidamente, se possível. Tomar
bradicardia pode ser benéfica; ela nota de algum atraso antes do início da
reduz a disfunção diastólica e a sua reanimação e da duração da reanimação; isto
presença está associada a um bom pode ter importância prognóstica, embora seja
prognóstico neurológico, no entanto a geralmente pouco fiável e certamente não
bradicardia só deve ser aceite se não deve ser utilizado de forma isolada para prever
estiver associada a hipotensão; o prognóstico. A reserva fisiológica basal do
 Alterações da diurese e distúrbios doente antes da PCR é um dos fatores mais
eletrolíticos tais como a hipofosfatémia, importantes a ter em conta pela equipa da UCI
hipocalémia, hipomagnesémia e quando determina se é apropriado suporte
hipocalcémia; multiorgânico prolongado.
 Distúrbios de coagulação podendo
causar hemorragia que costuma ser
3.4.2. Monitorização
negligenciável;
 Diminuição da sensibilidade à insulina
A monitorização intra-hospitalar pós-PCR
e da sua secreção com consequente
deve incluir a monitorização contínua do ECG,
hiperglicémia que poderá necessitar de
pressão arterial (invasiva) e possivelmente a
tratamento com administração de
pressão venosa central, débito cardíaco,
insulina;
frequência respiratória, oximetria de pulso,
 Prejudica o sistema imunitário e capnografia, temperatura central e débito
aumento a taxa de infeções; urinário. Esta monitorização é essencial para
detetar alterações durante o período de

202 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

instabilidade que se segue à reanimação após 3.4.3. Exames complementares de


PCR. Serve também apara monitorizar os diagnóstico
efeitos das terapêuticas e intervenções
médicas instituídas. Inúmeras variáveis fisiológicas podem estar
alteradas imediatamente após a PCR e devem
ser solicitados os seguintes exames após
RCE:

Tabela 15 - Exames complementares de diagnóstico

Hemograma completo com leucograma e contagem de plaquetas + estudo da coagulação

Para excluir anemia como agravante de isquémia do miocárdio e para estabelecer valores basais
Bioquímica com função renal, função hepática, ionograma, enzimologia cardíaca

Para avaliar a função renal, as concentrações dos eletrólitos, assegurar a normoglicémia, iniciar as
medições sequenciais de troponina cardíaca e estabelecer valores basais
ECG 12 derivações

Para registar o ritmo cardíaco


Para procurar evidências de SCA ou EAM antigo
Para detetar e monitorizar alterações
Para estabelecer um registo basal
Radiografia do tórax

Para estabelecer a posição do TET, gástrico e/ou CVC


Para procurar evidência de aspiração pulmonar
Para procurar a evidência de edema pulmonar
Para excluir pneumotórax
Para detetar sequelas de RCP (# costelas ou esterno)
Gasimetria

Para assegurar a adequada ventilação e oxigenação


Para assegurar a correção do equilíbrio ácido-base
Ecocardiografia

Para identificar causas que contribuíram para a PCR


Para avaliar o tamanho/ funcionamento das estruturas cardíacas e a existência de derrame
pericárdico
TAC craneoencefálica

Se a causa de PCR não é óbvia


Para identificar causas de PCR (HSA/ subdural, intracerebral, tumores)
Para identificar alterações associadas à PCR

I N E M | 203
Suporte Avançado de Vida

Importa ter em Atenção: levando a retenção de CO2 com agravamento


da mesma.
Após PCR é frequente a hipercaliémia seguida
A administração de bicarbonato pode agravar
de hipocaliémia devido a um estado
a acidose porque ele é metabolizado em CO2
hiperadrenérgico que promove a entrada de e hidrogeniões dentro das células agravando o
potássio para dentro das células. A pH intracelular. Assim o tratamento da
hipocaliémia pode levar a arritmias. É preciso acidémia deve ser dirigido à correção
repor o potássio de modo a ter valores entre 4 causa.
a 4,5 mEq/L;
As indicações para a administração de
O sincronismo entre a contração auricular e a bicarbonato durante uma reanimação são:
ventricular é necessária para assegurar um
estado hemodinâmico eficaz, principalmente  Hipercaliémia grave;
se existe disfunção miocárdica. Devem ser  Intoxicação por tricíclicos;
corrigidas as disritmias potencialmente Se for possível obter gasimetrias seriadas,
tratáveis conforme as recomendações dos acresce a esta lista:
algoritmos periparagem;  Acidose metabólica grave, com PH <
Se a PCR surgiu no contexto de síndrome 7,1 com hiato aniónico normal.
coronário agudo é essencial estabelecer o
diagnóstico correto o mais rapidamente
possível para decidir qual o tratamento a 4. Equilíbrio ácido-base
efetuar – o diagnóstico e a estratificação de
risco em caso de Enfarte Agudo de Miocárdio 4.1. Interpretação da gasimetria arterial
são imprescindíveis para decidir a sequência
da terapêutica a realizar nomeadamente a A menos que a circulação espontânea seja
reperfusão coronária; muito rapidamente restaurada, a PCR associa-
se com alterações profundas do equilíbrio
A seguir à PCR há habitualmente acidose
ácido-base.
metabólica, com acidémia e bicarbonato baixo,
alterações que tendem a normalizar com a No período pós-reanimação imediato, a
recuperação da circulação e com a oxigenação capacidade para interpretar os resultados da
– o tratamento deve ser dirigido à correção da gasimetria arterial é importante na
causa (controle do ritmo, reposição de volume, determinação do tratamento adequado do
uso de inotrópicos, ...) e não à sua correção doente.
com administração de bicarbonatos. A As enzimas intracelulares necessitam de um
acidémia reflete o estado de hipoperfusão ambiente bioquímico estreitamente controlado
periférica e a sua autocorreção é um bom de modo a funcionarem normalmente.
marcador da eficácia do tratamento. A concentração dos iões hidrogénio (H+) é
A resposta metabólica à acidémia é a redução baixa, mas crucial para a função normal das
da PaCO2 por hiperventilação. Se o nível de enzimas. Os iões habituais do plasma, como o
consciência estiver deprimido (ex: lesão sódio e o potássio, existem em concentrações
neurológica, sob efeito de sedativos, incapaz de milimoles por litro (mmol l-1) mas a
de hiperventilar), e o doente estiver em concentração plasmática normal de H+ é de 40
respiração espontânea ele pode não ser capaz nanomoles por litro (nmol l-1).
de hiperventilar de modo a corrigir a acidémia

204 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

A concentração de H+ é mais frequentemente HCO3-: Concentração de bicarbonato (valor


representada como pH, que é o logaritmo normal de 22-26 mmol l-1);
negativo da concentração de H+. EB: Excesso de bases – quantidade de ácido
Portanto, duplicando ou dividindo ao meio a ou base forte necessária para repor o pH em
concentração de H+ reduz-se ou aumenta-se o 7,4. O valor normal é de -2 a 2 mmol l-1. Um
pH em aproximadamente 0,3. O pH valor positivo de EB indica um excesso de
extracelular normal é 7,35-7,45. bases (ou deficit de ácidos), enquanto um valor
negativo indica um deficit de bases (ou
excesso de ácidos).
4.2. Definições Um exemplo de uma gasimetria arterial
“normal” num doente de 70 anos:
Ácido: Dador de protões ou iões H+;
 FiO2: 0,21 (ar ambiente);
Base: Aceitador de protões ou iões H+;
 pH: 7,39;
Acidémia: pH do sangue <7,35;  PaCO2: 39 mmHg;
Alcalémia: pH do sangue >7,45;  PaO2: 85 mmHg;
Acidose: Processo anormal que tende a  HCO3-: 24 mmol l-1;
baixar o pH do sangue;  EB: -0,5.
Alcalose: Processo anormal que tende a
aumentar o pH do sangue;
Alteração mista: Coexistência de duas ou 4.3. Oxigenação
mais alterações ácido-base primárias;
O limite superior da PO2 arterial (PaO2) é
Compensação: Processos fisiológicos dependente da PO2 alveolar (PAO2).
normais que levam o pH ao normal ou daí o
A PaO2 é sempre inferior à PAO2 e a
aproximam (ex: respiratória ou renal);
magnitude desta diferença alveolar-arterial
Tampão: Substância que contraria o efeito no está aumentada na presença de doença
pH de um ácido ou de uma base; pulmonar (redução da passagem de oxigénio
FiO2: Fração de oxigénio inspirado. Ao nível do dos alvéolos para o sangue pulmonar).
mar a FiO2 do ar ambiente é 0,21. É Simplisticamente, a diferença entre a PO2 no
frequentemente descrita como uma ar inspirado e a PaO2 é de cerca de 75 mmHg
percentagem, por exemplo 21%; numa pessoa saudável. Ao nível do mar, 1%
PaO2: Pressão parcial de oxigénio no sangue de O2 é aproximadamente 7,5 mmHg.
arterial. A PaO2 não revela quanto oxigénio Portanto, quando está a respirar 21% de
existe no sangue, mas apenas a pressão oxigénio uma pessoa com pulmões normais
exercida pelas moléculas de O2 dissolvidas deve ter uma PaO2 de mais de 80 mmHg.
com o elétrodo de medição. A PaO2 normal é Respirando 50% de oxigénio ao nível do mar
dependente da idade; quando se respira o ar na ausência de doença pulmonar resultará
ambiente, a PaO2 normal é, aos 20 anos, de numa PaO2 de cerca de 300 mmHg.
95-100 mmHg e aproximadamente 80 mmHg
A restauração da oxigenação tecidular
aos 65 anos;
adequada é fundamental para a reanimação.
PaCO2: Pressão parcial de dióxido de carbono A hipoxémia deve ser tratada aumentando a
no sangue arterial (valor normal de 35-45 FiO2 e assegurando a via aérea do doente e
mmHg); uma adequada ventilação. O objetivo é

I N E M | 205
Suporte Avançado de Vida

conseguir uma saturação de O2 de pelo menos A porção superior plana da curva significa que
92% (PaO2 de 60-70 mmHg). à medida que a PaO2 baixa, a SaO2 se mantém
Alguns doentes, como aqueles com doença até uma PaO2 de aproximadamente 60 mmHg,
pulmonar obstrutiva crónica ou sujeitos a quando a SaO2 é de cerca de 90%. Quando a
ventilação prolongada, devem ser tratados de PaO2 cai abaixo deste valor, a SaO2 cai
modo a obter saturações de O2 mais baixas abruptamente.
(88-89%).
Na presença de suplementação de oxigénio,
4.4. Tamponamento
uma PaO2 “normal” não indica
necessariamente uma ventilação adequada.
Os sistemas major de tamponamento corporal
Mesmo pequenos aumentos na FiO2 corrigem
envolvem o bicarbonato, as proteínas, a
qualquer hipoxémia causada por PCO2
hemoglobina e os fosfatos.
alveolar elevada (hipoventilação).
O sistema de tamponamento do bicarbonato é
A relação entre a pressão parcial de oxigénio
o mais importante e é representado pela
e a percentagem de saturação da
equação de Henderson-Hasselbach:
hemoglobina com oxigénio (SaO2) é descrita
pela curva de dissociação da oxi-hemoglobina.
Esta curva tem uma forma sigmóide.

(0,03 = coeficiente de solubilidade do dióxido de carbono, mmol/mmHg)

4.4.1. Compensação respiratória e renal O centro respiratório no tronco cerebral é


sensível à concentração de H+ e altera a
Da equação de Henderson-Hasselbach é claro ventilação alveolar correspondentemente. Por
que um aumento na PaCO2 leva a uma exemplo, se o pH decresce, em circunstâncias
diminuição no pH e um decréscimo na PaCO2 normais, um aumento na ventilação retornará
leva a um aumento no pH. o pH ao normal. Este processo ocorre em
Portanto, o sistema respiratório é capaz de poucos minutos.
regular o pH. Os rins regulam o equilíbrio ácido-base
Se a produção metabólica de CO2 se mantiver controlando a secreção de H+ relativa à
constante, o único facto que afeta a PaCO2 é quantidade de HCO3- filtrado. Portanto, os rins
a ventilação alveolar. excretam urina ácida ou alcalina. A resposta
Um aumento na ventilação alveolar diminuirá a renal é lenta e a capacidade excretória máxima
PaCO2 e um decréscimo na ventilação alveolar do H+ pode ser atingida apenas ao fim de
aumentará a PaCO2. alguns dias.

206 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

4.5. Classificação da alteração ácido-base Quando se avaliam doenças respiratórias e


ácido-base, as manifestações clínicas e os
O defeito primário numa alteração ácido-base eletrólitos plasmáticos devem ser
é definido pelo seu processo inicial, que pode considerados em conjunto com os gases
ser metabólico (alterações no HCO3-) ou arteriais.
respiratório (alterações na PaCO2).
Uma resposta compensatória descreve a
resposta fisiológica secundária ao distúrbio
primário. A sobrecompensação não ocorre.

Tabela 16 - Classificação da alteração ácido-base

Acidose Alcalose

Respiratória ↑ CO2 ↓ CO2


- -
Metabólica ↓ HCO3 ou défice de bases ↑ HCO3 ou excesso de bases

4.5.1. Abordagem de 5 passos na Determinar o componente metabólico:


interpretação dos valores dos gases  HCO3- < 22 mmol l-1 – acidose
arteriais metabólica (ou compensação renal de
alcalose respiratória);
Avaliar a oxigenação:
 HCO3- > 26 mmol l-1 – alcalose
 O doente está hipóxico? metabólica (ou compensação renal de
 Há um gradiente alveolar-arterial acidose respiratória);
significativo? Alguns médicos preferem usar o excesso (ou
défice) de bases em vez do HCO3-. Como as
Determinar o pH ou a concentração de H+: variações nestes valores normalmente se
 pH > 7,45 (H+ < 35 nmol l-1) – alcalémia; acompanham, não há diferença significativa
 pH < 7,35 (H+ > 45 nmol l-1) – acidémia; na interpretação da situação clínica.

Determinar o componente respiratório: Combinar a informação de 2, 3 e 4 para


determinar:
 PaCO2 > 45 mmHg – acidose
respiratória (ou compensação  Qual o distúrbio primário;
respiratória de alcalose metabólica);  Se há compensação metabólica ou
 PaCO2 < 35 mmHg – alcalose respiratória.
respiratória (ou compensação Na presença de um pH baixo (acidémia), uma
respiratória de acidose metabólica); PaCO2 elevada implica uma acidose
respiratória primária, enquanto uma PaCO2
baixa significa compensação respiratória de
uma acidose metabólica primária.

I N E M | 207
Suporte Avançado de Vida

Na presença de um pH elevado (alcalémia), É também possível ter alterações ácido-base


uma PaCO2 baixa implica uma alcalose mistas, por exemplo uma combinação de uma
respiratória primária, enquanto uma PaCO2 acidose respiratória e metabólica criando uma
elevada significa compensação respiratória acidémia ou uma combinação de alcalose
de uma alcalose metabólica primária. respiratória e metabólica criando uma
alcalémia.

Tabela 17 - Alteração ácido -base

Alteração ácido-base pH PaCO2 HCO3-


   N
Acidose respiratória

  N 
Acidose metabólica

Alcalose respiratória   N
Alcalose metabólica  N 
   
Acidose respiratória com compensação renal

   
Acidose metabólica com compensação respiratória

Alcalose respiratória com compensação renal   


Alcalose metabólica com compensação respiratória   
   
Acidose mista metabólica e respiratória

Alcalose mista metabólica e respiratória   

 se a compensação for virtualmente completa o pH pode estar em valores normais; a sobrecompensação não ocorre;

  alterações particularmente comuns após a paragem cardiorrespiratória.

208 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

5. A transferência do doente depender essencialmente de lesões


neurológicas.
Objetivo: No pós-PCR pré-hospitalar, a lesão
neurológica é responsável por 2/3 das mortes
 Assegurar que a transferência é
após admissão nas UCI. Em 25% das vítimas
efetuada para o local adequado e em
de PCR intra-hospitalar, que morrem nas UCI,
condições de segurança.
a causa de morte é neurológica. A maior parte
destas mortes deve-se à suspensão de
Após uma reanimação bem sucedida o doente tratamento de suporte vital com base na
tem de ser transferido para uma unidade de previsão de um mau prognóstico neurológico.
cuidados intensivos na qual possa ser É necessário criar um modelo de prognóstico
monitorizado e tratado de modo adequado individual aplicável ao doente, imediatamente
segundo as suas necessidades. a seguir à recuperação da circulação
A transferência só pode ser feita após se ter espontânea.
contactado com o responsável da unidade de O ideal seria ter acesso a um teste com valor
modo a discutir a situação do doente e se está prognóstico com 100% de especificidade em
em condições de receber a vítima. relação à proporção de indivíduos que podem
Se o doente durante e após a reanimação eventualmente ter um “bom prognóstico” a
necessitou de monitorização e cuidados longo prazo.
diferenciados os mesmos devem continuar
durante o transporte.
6.1. Exame clínico
Antes de iniciar o transporte deve-se garantir
que todos os tubos, catéteres, drenos, cânulas
Ao exame neurológico não há manifestações
e sistemas conectados estão a funcionar
clínicas que antecipem um mau prognóstico
adequadamente e seguros.
nas primeiras 24h pós-PCR. No adulto em
A equipa que procede ao transporte deve coma pós-PCR que não tem fatores de
fazer-se acompanhar por todo o equipamento confusão associados (como hipotensão,
necessário para qualquer emergência. sedativo ou relaxantes musculares), a
Existem protocolos como guia de orientação ausência de reflexo pupilar à luz e de reflexo
para as equipas que efetuam a transferência corneano depois das 72h antecipa, com
sobre a sua organização e material fiabilidade, um mau prognóstico. São menos
necessário. fiáveis: ausência de reflexo oculo-vestibular
depois de 24h e uma pontuação de 2 ou
menos na resposta motora do Glasgow depois
6. Prognóstico
de 72h.
Objetivo: O exame neurológico deve ser rigoroso e
descritivo, mas para avaliações repetidas do
 Avaliar os critérios e limites de nível de consciência de modo a ser percetível
prognóstico após a RCE. por todos os intervenientes no processo de
ressuscitação, deve-se utilizar a escala de
coma de Glasgow, inicialmente utilizada para
Uma vez restabelecida a circulação eficaz e
avaliar a evolução neurológica dos doentes
após a estabilização do ponto de vista
com TCE.
hemodinâmico o prognóstico passa a

I N E M | 209
Suporte Avançado de Vida

6.2. Escala de coma de Glasgow

Tabela 18 - Escala de Coma de Glasgow

4 Espontânea
3 À estimulação verbal
Abertura dos olhos
2 À estimulação dolorosa
1 Nula
5 Orientada
4 Confusa
Resposta verbal 3 Inapropriada
2 Sons incompreensíveis
1 Nula
6 Obedece a ordens
5 Localiza a dor
4 De fuga
Melhor resposta motora
3 Em flexão
2 Em extensão
1 Sem resposta
Pontuação máxima = 15; Pontuação mínima = 3

6.3. Marcadores Bioquímicos concentrações séricas destes marcadores são


na realidade variáveis contínuas, o que limita a
A enolase neuronal específica (NSE) e o S- sua aplicabilidade na predição dicotómica de
100B são marcadores bioquímicos proteicos um prognóstico.
que são libertados após a lesão dos neurónios
e das células da glia, respetivamente. Os seus
valores após a PCR correlacionam-se 6.4. Estudos eletrofisiológicos
provavelmente com a extensão da lesão
neurológica anóxica-isquémica e, assim, com 6.4.1. Potenciais evocados
a gravidade do prognóstico neurológico. O S- somatossensoriais (SSEPs) de latência
100B está menos documentado do que a NSE. curta
As vantagens destes marcadores em relação
ao eletroencefalograma (EEG) e ao exame Na maioria dos estudos de prognóstico, a
clínico incluem o facto de serem resultados ausência bilateral da onda N20 em SSEPs tem
quantitativos e provavelmente independentes sido utilizada como critério de suspensão das
dos efeitos da sedação. A sua principal medidas de suporte vital com o consequente
limitação enquanto fator prognóstico é a risco da profecia que se cumpre a si própria.
dificuldade em definir um limiar consistente Por este motivo, os resultados dos SSEPs são
para identificar os doentes que terão um mau mais suscetíveis de influenciar as decisões
prognóstico com elevado grau de certeza. As dos médicos e das famílias em suspender as

210 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

medidas de suporte vital do que o exame 6.5. Estratégia sugerida para definição do
neurológico ou o eletroencefalograma prognóstico

A base para a decisão de prognóstico de um


6.4.2. Eletroencefalografia doente comatoso pós-PCR continua a ser um
exame neurológico clínico cuidado. Deve ser
Em doentes submetidos a TTM, a ausência de realizado um exame clínico minucioso diário
reatividade basal do EEG prevê mau para detetar sinais de recuperação
prognóstico com 2% e 0% de taxa de falsos neurológica tais como movimentos voluntários
positivos durante a hipotermia e ou para identificar um quadro clínico sugestivo
reaquecimento respetivamente, nas 48-72h de morte cerebral.
pós RCE. No entanto as limitações do EEG O processo de recuperação cerebral após uma
incluem a falta de padronização na lesão anóxica global está completo após 72h
modalidade de estimulação e uma da PCR na maioria dos doentes. No entanto,
concordância modesta entre os em doentes que receberam sedativos ≤12h
investigadores. antes da avaliação neurológica às 72h pós-
Para além da sua relevância em termos RCE, a fiabilidade do exame neurológico
prognósticos, o registo do EEG, tanto durante poderá ser menor. Para além da sedação e
a indução como reaquecimento, é útil para bloqueio neuromuscular, antes de se
avaliar o nível de consciência (que pode ser realizarem avaliações decisivas, é necessário
mascarado pela sedação prolongada, excluir fatores major que as possam confundir
disfunção neuromuscular e mioclonias) e para tais como a hipotermia, hipotensão severa,
detetar e tratar contrações musculares não hipoglicémia e alterações metabólicas e
convulsivas que podem ocorrer em cerca de ventilatórias. Deve por isso ser suspensa a
um quarto dos sobreviventes da PCR, sedação e o relaxante neuromuscular que
comatosos. devem ser de curta duração de ação e, se
necessário, devem ser administrados os
respetivos antídotos.
6.4.3. Estudos de imagem O algoritmo de estratégia de definição do
prognóstico (fig. 62) é aplicável a todos os
Muitas modalidades imagiológicas tais como a doentes que permaneçam comatosos com
ressonância magnética nuclear (RMN), a reação motora de extensão ou ausente aos
tomografia axial computorizada (TAC), a estímulos dolorosos às ≥72h após-RCE. Os
tomografia computorizada por emissão de resultados dos testes prognósticos realizados
fotões (SPECT), a angiografia cerebral, o mais precocemente também são considerados
doppler transcraniano, a espectroscopia nesta fase.
próximo de infravermelho (NIRS) foram
Devem ser avaliados primeiro os preditores
avaliadas para determinar a sua utilidade na
melhor documentados/validados. Estes
avaliação do prognóstico em adultos que
incluem a ausência bilateral de reflexo pupilar
sobreviveram a PCR. Com base na evidência
às ≥72h pós RCE e ausência bilateral de onda
disponível, nenhuma destas técnicas pode
N2O nos SSEP após reaquecimento (este sinal
prever de forma fiável o prognóstico para
pode ser avaliado às 24h pós-RCE em doentes
sobreviventes comatosos de PCR.
não submetidos a TTM). Com base na opinião
de peritos, é sugerido usar a combinação da

I N E M | 211
Suporte Avançado de Vida

ausência bilateral dos reflexos pupilares com o Está recomendada a utilização de multimodal
dos reflexos corneanos para prever o mau de prognóstico sempre que possível, de modo
prognóstico nesta fase. Os reflexos oculares e a aumentar a segurança nas decisões e
os SSEP mantêm o seu valor preditivo aumentar a sensibilidade.
independentemente da temperatura alvo. Quando é necessário manter a sedação e/ou
Se nenhum dos sinais acima referidos estiver bloqueio neuromuscular (por insuficiência
presente para aferir o mau prognóstico, pode respiratória p.e.), deve ser adiada a avaliação
avaliar-se um grupo de preditores menos prognóstica até que se possa realizar um
fiáveis, mas o grau de confiança no seu exame clínico fiável. Neste contexto os
resultado será menor. Estes incluem a marcadores bioquímicos, SSEP e exames
presença de estado mioclónico precoce (até as imagiológicos têm um papel importante pois
48h pós-RCE), valores séricos elevados de não estão sujeitos a influências
NSE às 48-72h pós-RCE, um padrão não- farmacológicas.
reativo maligno no EEG (padrão burst- Quando estamos perante um prognóstico
supression, estado epilético) após incerto a equipa médica deve considerar
reaquecimento, redução marcada da relação prolongar a observação. A ausência de
substância cinzenta/branca (GM/WM) na TAC- melhoria clínica ao longo do tempo sugere pior
CE até às 24h pós-RCE, ou alterações prognóstico. Apesar de o acordar do coma
isquémicas difusas na RMN cerebral 2-5 dias estar descrito poder prolongar-se até aos 25
pós-RCE. Com base na opinião de peritos, é dias após PCR, a maioria dos sobreviventes
sugerido esperar pelo menos 24h após a 1ª recupera consciência após uma semana.
avaliação prognóstica, e confirmar o coma com Mesmo aqueles com recuperação de
resposta motora 1-2 na GCS antes de utilizar consciência mais tardia poderão ter um bom
este segundo conjunto de critérios preditores prognóstico neurológico.
(utilizar preferencialmente pelo menos 2
destes critérios).

212 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

Figura 68 - algoritmo de estratégia de definição do prognóstico; adaptado das guidelines ERC de 2015

7. Doação de órgãos medidas de suporte vital, a doação de órgãos


pode ser considerada após a morte circulatória
A doação de órgãos deve ser ponderada nos (dadores de coração parado). A doação de
doentes com RCE e que preenchem os órgãos também deve ser considerada em
critérios de morte cerebral. Nesses doentes doentes cuja RCP não teve sucesso na RCE.
comatosos em que se decide suspender as Todas as decisões relativas à doação de

I N E M | 213
Suporte Avançado de Vida

órgãos devem reger-se por requisitos legais e ECMO p.ex.). Já existe legislação em Portugal
éticos locais que podem variar. relevante como o Despacho nº 14341/2013 de
Em Portugal todos os cidadãos são potenciais 6 de novembro, o despacho 9063/2017 de 13
dadores de órgão (Lei nº 12/93, de 22 de Abril) de outubro, o Despacho nº 9731/2018 de 17
exceto se registados no Registo Nacional de de outubro, bem como a Circular normativa do
Não dadores (RENNDA) através de um DEM do INEM nº 3/2017. (Leituras
formulário aprovado pelo Despacho Normativo aconselhadas Transplant International 2016;
n.º 700/94, de 1 de Outubro e regulado pelo 29: 842–859; Resuscitation 133 (2018) 88–94)
Decreto-Lei n.º 244/94 de 26 de Setembro.
É possível fazer-se transplante de órgãos
sólidos com sucesso pós-PCR. 8. O apoio à equipa de reanimação
Este grupo de doentes - dadores de coração
parado - são cada vez mais utilizados para Todas as tentativas de reanimação deveriam
aumentar o número de dadores de órgãos. devem ser objeto de auditoria sob a forma de
registos segundo o estilo modelo Utstein
A colheita de órgãos em dadores com coração
(podem ser consultadas em
parado classifica-se como controlada e não
https://www.inem.pt/2017/05/31/registo-
controlada.
nacional-de-pcr-ph/).
Diz-se controlada quando a colheita é
No fim de cada reanimação é importante que
programada para depois da suspensão do
a equipa envolvida faça um debriefing, que é
suporte de funções vitais, em caso de lesão
essencial para potenciar a aprendizagem
vital irreversível.
através de cada experiência. O debriefing
Diz-se não controlada quando a colheita é feita consiste na análise cuidada dos resultados
em dador submetido a RCP sem sucesso, no obtidos com cada atuação. Passa pela
qual foi tomada a decisão de parar RCP. Os resposta a algumas perguntas tais como:
contornos da doação de órgãos em colheita
 Qual era o resultado esperado?
não controlada são complexos e controversos
 Quais os objetivos conseguidos e quais
uma vez que algumas das técnicas usadas
os falhados? Porque isso aconteceu?
para tentar a RCE são usadas para a
 Quais as melhores atitudes a ter
preservação de órgãos após a confirmação da
relativamente aos objetivos não
morte (compressão mecânica externa e
conseguidos?

214 | I N E M
Cuidados Pós-Reanimação

Pontos a reter

 A RCP é somente o 1º passo de todo um processo com evolução incerta e complexa;

 A qualidade de cuidados pós-reanimação é crucial para se definir o prognóstico;

 Os doentes pós-PCR necessitam de cuidados especiais, nomeadamente monitorização,


pelo que devem ser transferidos para uma unidade de cuidados intensivos;

 Atualmente a capacidade de previsão da evolução neurológica destes doentes em coma


pós-PCR ainda é limitada;

 A colheita de órgãos de dador de coração parado, permite um aumento do nº de órgãos


disponíveis para transplante.

I N E M | 215
Suporte Avançado de Vida

XVI. REANIMAÇÃO INTRA-HOSPITALAR

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá:


 Identificar as diferenças entre a reanimação no pré-hospitalar e intra-hospitalar;
 Conhecer métodos de monitorização e reconhecimento de PCR;
 Saber o Algoritmo de Reanimação Intra-Hospitalar;
 Compreender a importância do Team Leader.

1. Introdução Em meio intra-hospitalar muitas vezes


acontece que várias pessoas têm essa
O primeiro elo da cadeia de sobrevivência é o formação devendo ser pré-definido qual delas
reconhecimento precoce do doente em risco e vai assumir essa função.
a prevenção da PCR. A percentagem de Em meio pré-hospitalar é o 1º Médico com
doentes que tem alta para o domicílio, pós- experiência em SAV que chega ao local.
PCR intra-hospitalar, é inferior a 20%.
A prevenção da PCR intra-hospitalar exige
formação dos profissionais, monitorização dos 2. PCR no contexto intra-hospitalar
doentes, um sistema de alarme para pedir
ajuda e capacidade para responder com 2.1. Reconhecimento e Prevenção
recursos eficazes.
A seguir ao diagnóstico de PCR deve iniciar- A PCR em ambiente hospitalar sem
se o SBV o mais rapidamente possível monitorização, geralmente não ocorre como
devendo ser continuado ininterruptamente acidente súbito e imprevisto, nem é
durante todo o período de tentativa de habitualmente causada por doença cardíaca
reanimação. O SBV só deve ser interrompido primária. Estes doentes têm geralmente
para administrar o choque, reiniciando-se de deterioração fisiológica lenta e progressiva,
imediato por um período de dois minutos até à com hipóxia e hipotensão que não é detetada
nova análise de ritmo. pelos profissionais ou é reconhecida, mas
insuficientemente tratada. Muitos destes
Se o SBV não for iniciado com brevidade, a
doentes têm PCR não monitorizadas, o ritmo
probabilidade de sucesso diminui
cardíaco subjacente é, geralmente, não
drasticamente. Habitualmente, no meio
desfibrilhável, e a sobrevida à data da alta
hospitalar, o SBV já foi iniciado quando a
hospitalar é baixa.
equipa de reanimação chega.
Para reconhecer precocemente o doente em
A equipa de reanimação depende do seu
risco de vida, cada doente deve ter um plano
Team Leader para funcionar corretamente. A
de monitorização de sinais vitais que explicite
pessoa com mais experiência e com formação
as variáveis a monitorizar e a frequência com
em SAV é que deve assumir o papel de Team
que devem ser avaliadas. Muitos hospitais
Leader.
utilizam escalas de alerta ou critérios de

216 | I N E M
Reanimação Intra-Hospitalar

ativação precoce para identificar a apropriada com nível de cuidados


necessidade de escalar a monitorização ou proporcionais à gravidade da doença;
pedir ajuda especializada.  O doente em estado crítico necessita
de observações regulares: cada
doente deve ter um plano de
2.1.1. Reconhecer e ativar monitorização dos sinais vitais que
inclua variáveis a monitorizar e
É de capital importância que os profissionais respetiva periodicidade, em função do
possuam formação nestas temáticas, para que estado do doente e do risco de
seja mais veloz o reconhecimento de situações deterioração ou até PCR;
com potencial risco de vida. A cultura  Utilizar sistemas de reconhecimento,
preventiva também deve ser desenvolvida nos de alerta (quer chamando por ajuda,
profissionais. As unidades de saúde devem quer utilizando critérios de
implementar sistemas de resposta interna que reconhecimento precoce), utilização de
incluam: escalas para identificar doentes em
 Profissionais treinados no risco de deterioração clínica ou até
reconhecimento dos sinais de PCR;
deterioração do doente e na resposta  Utilizar tabelas que permitam o registo
rápida ao doente em risco; e observação fácil e regular dos sinais
 Monitorização regular e apropriada dos vitais e dos critérios de reconhecimento
sinais vitais; precoce;
 Orientações claras (ex.: linha de  Definir políticas claras e explícitas a
chamada de emergência ou índices de exigir resposta clínica à deterioração
alerta precoce) para ajudar os fisiológica baseada no sistema de
profissionais a detetarem reconhecimento/ alerta utilizado;
precocemente o doente que deteriora; Devem-se estabelecer recomendações
 Um modelo claro e uniforme de pedido relativas aos procedimentos clínicos
de ajuda; subsequentes e às responsabilidades
 Capacidade para responder de médicas e de enfermagem específicas;
imediato e com eficácia aos pedidos de  Deve existir um sistema de resposta à
ajuda. emergência claramente identificado.
O reconhecimento precoce do estado de São admissíveis diferentes modelos,
deterioração do doente e a prevenção da PCR desde que respondam em tempo
são também os primeiros elos da cadeia de oportuno e com eficácia aos apelos do
sobrevivência da paragem intra-hospitalar. sistema de reconhecimento/alerta da
instituição. Tem de estar disponível
Quando esta ocorre, apenas cerca de 20% dos
24h/dia, 7 dias por semana. A equipa
doentes que passaram por esse evento, em
deve ser composta por operacionais
ambiente hospitalar irão sobreviver para poder
com formação em doente critico;
regressar a casa.
 Treinar todo o pessoal clínico em
Neste contexto as estratégias que podem reconhecimento, monitorização e
prevenir a PCR intra-hospitalar evitável são: abordagem do doente em estado
 Tratar os doentes em risco de vida ou crítico. Incluir recomendações sobre
em risco de deterioração em área procedimentos clínicos enquanto se

I N E M | 217
Suporte Avançado de Vida

aguarda a chegada de pessoal com  Início imediato de SBV (com os


mais experiência. Garantir que cada adjuvantes da via aérea que estejam
um sabe o papel que lhe é atribuído na indicados) e desfibrilhação o mais
equipa de emergência; depressa possível, seguramente em
 A instituição deve incentivar todos os menos de 3 minutos.
profissionais a pedir ajuda sempre que Todas as áreas clínicas devem ter acesso
reconheçam um doente em risco de imediato ao equipamento e medicamentos
deterioração ou até de PCR. Devem necessários para a rápida reanimação das
ser treinados em comunicação vítimas em PCR. O ideal é que o equipamento
estruturada, com a intenção de (incluindo desfibrilhadores) e fármacos de
assegurar articulação eficaz entre reanimação estejam normalizados em todo o
médicos, enfermeiros e os outros Hospital.
profissionais de saúde.
É importante a implementação de estratégias
centradas no reconhecimento precoce dos
doentes em risco, antes de a PCR acontecer.
2.1.2 – Situação – Enquadramento –
Nesse sentido a DGS recomenda a criação de
Avaliação – Reconhecimento
equipas de EEMI, que são ativadas, não só
para situações de PCR, mas também para
 Identificar os doentes em quem a morte
situações de significativa deterioração
é esperada e por isso não há indicação
fisiológica aguda. Os critérios de ativação
para reanimar em caso de PCR, bem
destas equipas encontram-se explanados na
como os doentes que não desejam ser
tabela 2.
reanimados.
 Auditar adequadamente todas as PCR, Os procedimentos normalizados são:
“falsas paragens”, mortes inesperadas  Após a avaliação do estado de
e internamentos na UCI não consciência, no qual confirma que o
antecipados através de dados do doente está inconsciente, o profissional
processo clínico. Auditar igualmente os deve fazer o primeiro pedido de ajuda,
antecedentes e a resposta clínica a alertando a equipa para a gravidade da
cada um destes acontecimentos. situação; De seguida deve confirmar se
o doente tem sinais de vida;
 Na ausência de sinais de vida, um
2.2. Reanimação profissional inicia a reanimação
enquanto os outros ativam a equipa de
Na PCR intra-hospitalar a divisão entre SBV e emergência interna e trazem o
SAV é arbitrária, na prática a reanimação é um equipamento de emergência e o
continuum. Conceito que se baseia no senso desfibrilhador. Quando só está
comum, esperando-se que os profissionais presente um profissional terá de deixar
iniciem a reanimação, garantindo que em o doente, se essa for a única forma de
todas as PCR intra-hospitalares seja pedir ajuda;
assegurado que:  Fazer 30 compressões seguidas de
 A PCR seja reconhecida de imediato; duas insuflações;
 O pedido de ajuda é feito seguindo o  Assegurar compressões de elevada
modelo estabelecido; qualidade, minimizando as
interrupções;

218 | I N E M
Reanimação Intra-Hospitalar

 Manter a qualidade das compressões outro reanimador mantém as compressões


durante muito tempo é cansativo, pelo torácicas.
que os reanimadores devem trocar de Quando o desfibrilhador estiver carregado,
funções cada dois minutos com o interromper as compressões torácicas,
mínimo de interrupção nas assegurar que toda a equipa está afastada da
compressões; vítima e aplicar o choque. Com DAE seguir os
 Manter a permeabilidade da via aérea comandos verbais e visuais, mantendo as
e ventilar com o equipamento mesmas condições de segurança.
disponível mais apropriado.  Reiniciar compressões imediatamente
Geralmente máscara facial e insuflador a seguir à tentativa de desfibrilhação;
manual, que deve ser complementada
 Minimizar as interrupções nas
com via aérea adjuvante e O2
compressões torácicas. Com
suplementar.
desfibrilhadores manuais pode-se
Em alternativa pode utilizar-se um adjuvante reduzir o tempo de pausa nas
da via aérea supraglótico com insuflador em compressões a menos de 5 segundos;
sintonia com a política institucional. A  Manter a reanimação até à chegada da
entubação traqueal só deve ser tentada por equipa de emergência ou até o doente
profissionais com competência, treinados e apresentar sinais de vida. Com DAE
experientes nesta técnica. seguir os comandos verbais e visuais.
Logo que tenha sido colocada uma via aérea Com desfibrilhador manual seguir o
supraglótica com boa adaptação, ou feita a algoritmo universal de SAV;
entubação traqueal obtendo via aérea segura  Iniciada a reanimação e desde que
e definitiva, manter as compressões torácicas haja profissionais suficientes, canalizar
sem interrupção (interrompendo só para uma veia e preparar os medicamentos
desfibrilhar e pesquisar pulso quando que podem ser necessários na
indicado). reanimação (Ex: adrenalina);
Evitar hiperventilação (quer por excesso de  Designar a pessoa responsável por
frequência e/ou volume corrente) porque pode passar a informação clínica ao Team
piorar o prognóstico. Leader;
À chegada do desfibrilhador, aplicar as pás e  Localizar o processo do doente.
analisar o ritmo. Se existirem elétrodos Nunca é demais sublinhar a importância das
multifunções autoadesivos, aplicá-los sem compressões torácicas contínuas. Mesmo as
interromper as compressões torácicas. As pás pequenas interrupções têm consequências
do desfibrilhador ou elétrodos autoadesivos desastrosas nos resultados e todos os
permitem identificar o ritmo mais rapidamente esforços devem ser concentrados em manter
do que com a colocação de elétrodos compressões eficazes, sem interrupções e
convencionais de leitura de ritmo ECG, sem durante todo o processo da reanimação. O
interromper as compressões torácicas. Team Leader deve monitorizar a qualidade da
Quando se utilizam desfibrilhadores manuais reanimação e promover a rotação dos
fazer uma pausa breve para identificar o ritmo, profissionais para a qualidade da reanimação
se for FV/ TVsp acionar a carga enquanto ser adequada.

I N E M | 219
Suporte Avançado de Vida

Figura 69 - Algoritmo do reanimação intra-hospitalar

3. Equipa de reanimação Assim que tudo é confirmado, o Team Leader


deve ficar afastado, de modo a ter uma visão
3.1. O Team Leader global das manobras de reanimação.
Evidentemente, que isto só é possível se os
O papel do Team Leader é assegurar que a reanimadores também tiverem experiência em
avaliação da vítima está a ser feita reanimação. Seja qual for a situação o Team
corretamente sendo o responsável pela Leader deve rever todas as tarefas
coordenação da equipa. Após confirmar uma regularmente, de modo a assegurar que
PCR o passo seguinte é assegurar um nenhum passo vital seja descurado.
adequado e eficaz SBV.

220 | I N E M
Reanimação Intra-Hospitalar

cânula ou o tubo traqueal se deslocou. Deve-


O Team Leader tem a responsabilidade de se ter em atenção que o algoritmo de SAV é só
um guia e que o tratamento deve ter em
assegurar das condições de segurança tanto
atenção a situação clínica. Por exemplo, a
em relação à vítima como em relação à PCR num doente com insuficiência renal pode
equipa de reanimação ou de outras pessoas requerer correção de hipercaliémia, ou seja,
presentes. administração de cálcio, apesar de ele não
estar referenciado diretamente no algoritmo.
Se a ressuscitação for bem sucedida, é da
responsabilidade do Team Leader comunicá-
lo aos que posteriormente serão responsáveis
O risco maior é durante a desfibrilhação e o pela continuidade dos cuidados médicos. No
Team Leader deve assegurar que ninguém da pré-hospitalar deve-se contactar o local para
equipa está em risco enquanto a vítima está a onde o doente vai ser transportado, em meio
ser desfibrilhada. Isto é tanto mais difícil hospitalar deve contactar o responsável pela
quanto maior for a equipa ou se estiverem unidade de cuidados intensivos ou da unidade
presentes familiares da vítima. de coronários, dependendo do suporte que a
vítima necessite.
O acesso venoso e a entubação traqueal
devem ser efetuados pelo elemento da equipa É essencial que o Team Leader se assegure
com maior experiência nessa tarefa. O Team que toda a documentação está completa, tão
Leader tem de garantir que o equipamento e depressa quanto possível após a
as técnicas que estão a ser utilizadas são as ressuscitação. As notas médicas e de
mais adequadas e, deve ser capaz de enfermagem devem estar escritas de modo
identificar e conseguir resolver qualquer claro, indicando a data, a hora e a sequência
complicação que possa ocorrer. dos eventos efetuados e devem ser assinadas.
Deve assegurar que a dose (concentração e
volume) de adrenalina ou de outros fármacos
3.2. A Decisão de Parar
a serem administradas é a adequada.
Enquanto as manobras de reanimação estão a Em muitas ocasiões, a ressuscitação não é
decorrer o Team Leader deve obter todos os bem-sucedida e é da responsabilidade do
dados clínicos da vítima que sejam relevantes, Team Leader tomar a decisão final de parar.
nomeadamente hábitos medicamentosos ou Esta decisão é sempre difícil, mas, após
de toxicofilia. Isto é relativamente fácil nos confirmar o diagnóstico, de se assegurar que
doentes internados. No pré-hospitalar tem de os protocolos foram seguidos, complicações
se questionar os presentes (familiares ou adicionais identificadas e tratadas, e todos os
outros) ou o doente pode ser portador de um pontos da história esclarecidos o Team Leader
cartão de prescrição. está em posição de tomar a decisão de parar
Se o doente não responde adequadamente às a reanimação.
manobras de reanimação, é função do Team No entanto, isso só é usualmente feito após
Leader investigar o porquê e alterar o ser discutido com todos os membros da
tratamento de modo adequado, o que inclui equipa, tendo em conta os seus pontos de
repensar o diagnóstico inicial, identificar o mau vista e serem esclarecidas todas as dúvidas
funcionamento do equipamento ou ver se a que possam ter.

I N E M | 221
Suporte Avançado de Vida

autoaprendizagem, associados a sessões de


Os conhecimentos e competências em SBV treino prático, com intervenção mínima de
e SAV deterioram-se em intervalos tão curtos instrutores, em alternativa à clássica formação
como seis meses. (em SBV ou DAE) liderada por formadores. A
população em geral deve ter formação em
SBV que inclua compressões torácicas e
ventilação. Há, contudo, situações em que se
justifica fazer formação só com compressões
torácicas.
3.3. Formação
Os aparelhos que incluem comandos ou
A formação deve ser ajustada às sistemas de monitorização do desempenho
necessidades dos candidatos e ao modelo de melhoram a aquisição e a retenção de
formação, para assegurar a melhor aquisição competências, e devem ser considerados na
e retenção de conhecimentos e competências. formação de leigos e profissionais de saúde.
Os que têm a missão de reanimar Os cuidados com os doentes e a eficácia da
regularmente têm a obrigação de conhecer e reanimação podem melhorar se for dado uma
proceder de acordo com as recomendações maior ênfase a questões não técnicas como a
atualizadas, e exercer em equipas liderança, trabalho em equipa, cumprimento
multidisciplinares. Estes necessitam de treino de tarefas e comunicação estruturada. Nas
mais complexo, incluindo a formação em estratégias para melhorar o desempenho
competências técnicas e não técnicas (ex. individual e de equipa devem-se incentivar
trabalho em equipa, liderança, comunicação reuniões de grupo para planificar a reanimação
estruturada). e para avaliar o desempenho em reanimações
As intervenções formativas devem ser reais ou simuladas.
avaliadas para assegurar que os objetivos da Há poucos estudos sobre a formação e seu
formação foram efetivamente atingidos. O real impacto na sobrevida das vítimas. Os
objetivo é assegurar que os formandos estudos com manequins são úteis, mas os
adquirem e retêm competências que lhes investigadores devem ser incentivados a
permitem atuar corretamente em caso de PCR estudar e relatar o impacto das ações
e melhorar a sobrevida das vítimas. formativas nos resultados com doentes em
Podem-se utilizar modelos de formação situações reais.
baseados em pequenos vídeos de

222 | I N E M
Reanimação Intra-Hospitalar

Pontos a reter

 O reconhecimento e a prevenção devem ser o pilar primordial para diminuir as PCR não
previsíveis;

 Todo o pessoal clínico deve ter formação e treino em reconhecimento, monitorização e


abordagem do doente em estado crítico;

 Nas PCR em ambiente intra-hospitalar, a divisão entre SBV e SAV é arbitrária, na prática a
reanimação é um continuum;

 O Team Leader tem um papel fundamental no decorrer das manobras de reanimação;

 A formação e o treino contínuo dos profissionais devem manifestamente estar sempre


presente nas equipas de emergência.

I N E M | 223
Suporte Avançado de Vida

XVII. APOIO AOS FAMILIARES DA VÍTIMA

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá ser capaz de:


 Saber como lidar com os familiares da vítima PCR;
 Saber como fazer a notificação de morte;
 Fornecer informação acerca de aspetos práticos e legais;
 Saber como apoiar os familiares no início do processo de luto;
 Identificar a necessidade de apoio da equipa após a reanimação.

1. Introdução uma paragem cardiorrespiratória a prioridade


é iniciar imediatamente a reanimação. Se os
“Os homens receiam a morte tal como as familiares não estão presentes, assim que
crianças receiam o escuro (...)” possível deve tentar identificar o familiar ou
amigo mais próximo.
Francis Bacon É sempre preferível que o contacto com os
familiares seja feito por alguém que esteve
A reanimação é um acontecimento stressante envolvido na reanimação, pois permite
quer para os familiares da vítima quer para a responder a perguntas que frequentemente se
equipa de reanimação. Lidar com os familiares relacionam com pormenores do
nesta situação, não é fácil. É uma altura que acontecimento terminal. É útil explicar
os familiares nunca esquecem. Se a detalhes do processo de reanimação e
abordagem não for correta, deixará marcas circunstâncias da morte, se for caso disso.
permanentes. Infelizmente a maioria dos
Sempre que possível deve ser evitada a
profissionais de saúde não tem qualquer
comunicação por telefone, as notícias devem
formação para lidar com estas situações.
ser dadas em presença física, a pelo menos
Uma abordagem correta dos familiares da dois familiares ou amigos para que se possam
vítima de paragem cardiorrespiratória, logo apoiar mutuamente.
desde o início, pode ajudar a lidar com o luto.
Para notificar a morte aos familiares, deverá
Embora as situações nunca sejam iguais, procurar um local ou uma divisão a acolhedora
existem alguns princípios gerais que se podem e confortável onde os familiares possam falar
aplicar a todas as situações. com um ou mais membros da equipa médica,
colocando as questões que entenderem, ou
mesmo ficar a sós se assim o preferirem.
2. Contacto inicial com os familiares Durante a reanimação os familiares devem ser
informados da evolução da situação de forma
O contacto inicial com os familiares é um
clara, evitando termos vagos como “a situação
momento particularmente importante e não
está má”, “está muito doente” ou “é uma
deve ser deixado ao acaso. Quando ocorre
situação crítica”. Não usar terminologia médica

224 | I N E M
Apoio aos Familiares da Vítima

por vezes incompreensível, em vez de “teve 3.2. Desvantagens da presença de


uma paragem cardiorrespiratória” explicar “o familiares durante a RCP:
coração parou e não está a respirar, podendo
mesmo vir a morrer”. A experiência mostra que  Causar inibição ou interferir
perante factos concretos e uma explicação emocionalmente com a equipa de
adequada, a maioria das pessoas lida reanimação;
relativamente bem com as más notícias.  Pôr em causa a segurança no local da
reanimação;
 Ser uma memória perturbadora muitas
3. Presença dos familiares durante a vezes pela presença de “tubos” e outro
reanimação equipamento. Ao contrário do que se
pensa, a maior parte das pessoas não
Em muitos casos a PCR é presenciada por é particularmente impressionada pelo
familiares ou amigos e, embora pouco equipamento médico;
frequente, podem mesmo ser estes os  Ser um momento stressante,
primeiros a iniciar manobras de reanimação. sobretudo se o som do monitor
Se uma pessoa próxima da vítima expressar o cardíaco estiver ligado. Recomenda-se
desejo de estar presente durante a tentativa de que, no caso de estarem presentes
reanimação, afastá-lo pode ser muito familiares, o som do monitor esteja
prejudicial. Alguns estudos sugerem mesmo desligado.
que estar presente durante a reanimação de Desde que expresso o desejo de estar
um familiar, pode ser benéfico. presente, e sempre que as condições de
trabalho o permitam, os profissionais de saúde
devem consentir a presença de um familiar ou
3.1. Vantagens da presença dos familiares amigo próximo. Recomenda-se que:
durante a RCP:  Alguém da equipa se ocupe do familiar
explicando o que se está a passar,
 Facilita o processo de luto, em caso de
garantido a segurança e a não
morte, ajudando a enfrentar a realidade
interferência na reanimação;
e evitando a tendência para a negação;
 Seja explicado que podem sempre
 Evita a sensação de abandono,
decidir sair ou estar presentes,
permitindo-lhes estar presente num
tentando evitar sentimentos de culpa
momento complicado ou mesmo nos
qualquer que seja a decisão.
últimos momentos;
Em caso de insucesso, pedir ao familiar que
 Permite constatar os esforços de
saia momentaneamente para serem retirados
reanimação evitando a dúvida “será
os equipamentos utilizados, permitindo-lhe
que foi feito tudo o que era possível”;
posteriormente regressar e estar a sós com o
 Possibilita uma despedida, falando e
falecido, se assim o desejar.
tocando o corpo quando ainda está
quente.

4. A notificação de morte

A notificação da morte é um momento
particularmente complexo e difícil para os

I N E M | 225
Suporte Avançado de Vida

familiares. É um momento que habitualmente  Utilize um tom de voz e uma atitude


não esquecem, pelo que é muito importante a corporal adequados ao que está a
forma como é dada a notícia. As palavras dizer. Não evite o contacto com o olhar
utilizadas permanecem na memória dos ou mesmo um contacto físico (segurar
familiares, por vezes para sempre, devendo uma mão ou o ombro, por exemplo,
ser cuidadosamente escolhidas. Algumas pode muitas vezes ser apropriado);
situações são ainda particularmente mais  Utilize palavras simples em vez de
difíceis, nomeadamente quando envolvem terminologia médica e vá direto ao
vítimas jovens ou situações súbitas e assunto de forma empática e honesta.
inesperadas. Não faça grandes introduções nem
Habitualmente também é um momento perca tempo a tentar recolher
complexo e difícil para os elementos da equipa informação sobre os antecedentes da
envolvidos. Não é forçoso que a notícia seja vítima/pessoa, mesmo que lhe
dada pelo Team Leader ou mesmo por um pareçam relevantes. As pessoas
médico. Deve, no entanto, ser um elemento querem saber de imediato o que se
com qualificação técnica para explicar o que passa, nomeadamente se a pessoa
aconteceu, capacidade de comunicação e está viva ou morta;
preparação para lidar com a reação de perda  Não use frases vagas, se a pessoa
dos familiares. morreu utilize as palavras “morte”,
“morto” ou “morta” e certifique-se de
que foram ouvidas. Tudo o que for vago
4.1. Comunicação do falecimento é uma esperança para os familiares.
Utilize o nome da vítima e não
Não existem regras estritas nem uma forma “cadáver” ou “morto”;
standard de o fazer, no entanto, é útil seguir  Sempre que for conhecida a causa de
algumas orientações: morte deve ser explicada de forma
 Prepare-se previamente, física e clara;
emocionalmente. Se esteve envolvido  Aborde diretamente a questão do
na reanimação faça uma pausa, pense sofrimento da pessoa, mesmo quando
o que vai dizer e como. Cuide da sua não é colocada a questão é sempre
aparência e certifique-se que a farda tranquilizante para os familiares
não tem vestígios de sangue; saberem que o seu ente querido não
 Apresente-se e certifique-se que está a teve sofrimento adicional no momento
falar com os familiares da vítima, da morte;
procurando saber exatamente com  Responda às perguntas de forma clara
quem. Certifique-se que a pessoa mais e sem subterfúgios. Não tenha receio
próxima está presente. Tente saber o de dizer que não sabe a resposta a
que já conhecem da situação e questões médicas ou filosóficas como
prossiga a partir dessa base; “porque é que isto aconteceu?” ou
 Sente-se ou coloque-se ao mesmo “porquê ele?”. Normalize essas
nível dos interlocutores, mostrando dúvidas, para as quais não temos
disponibilidade para ouvir e informar (o resposta;
ideal é estarem todos sentados);  Se possível evite que persistam
dúvidas que possam levar a um

226 | I N E M
Apoio aos Familiares da Vítima

sentimento de culpa futuro, como por É útil confirmar com um familiar ou com outras
exemplo: “se o tivesse trazido mais pessoas próximas se existe um rito específico
cedo ao hospital!”. que desejam cumprir para que possa ser
 Explicar o percurso inexorável de respeitado. Por exemplo, em algumas religiões
algumas situações pode ajudar; ninguém de outra religião deve tocar no corpo.
 Prepare-se para a reação emocional
dos familiares. Não receie o silêncio e
se necessário leve-os a ver a vítima. As 7. Aspetos práticos e legais
pessoas precisam de tempo, ou
mesmo de ver o corpo, para Após o falecimento existem alguns aspetos de
interiorizarem a situação; ordem prática, administrativa ou mesmo legal
 Esteja preparado para lidar com que é necessário assegurar ou esclarecer.
reações intensas, tais como: choque
emocional, raiva, culpa, negação,
desequilíbrio emocional agudo ou 7.1. Informar os familiares acerca de alguns
estado dissociativo; procedimentos no âmbito pré-hospitalar:
 Permita e encoraje a reação
manifestada (chorar, estar sozinho,  Salientar que a Verificação do óbito
gritar etc.); não dispensa a sua certificação pelo
 Esteja preparado para respeitar as Médico Assistente (ou Delegado de
formas de expressão específicas dos Saúde), explicando que se trata de um
vários grupos culturais ou sociais. procedimento legal;
 Encaminhar para os recursos
disponíveis, no sentido de obterem
suporte social e apoio emocional. Pode
5. Observação do cadáver
ser solicitado pelo Médico no local
Frequente os familiares manifestarem o desejo (e/ou pelo Médico no CODU) a
de ver o corpo. Essa observação não deve ser ativação da UMIPE para fornecer apoio
negada, é um direito. No caso de existirem psicológico aos familiares da vítima;
mutilações é conveniente preparar  Informar acerca de necessidade de
previamente o corpo e avisar os familiares do notificação do médico assistente e das
que irão ver. Por muito cruel que nos possa autoridades;
parecer a realidade é preferível à mera  Informar da necessidade de contactar
imaginação. Deve ser permitido aos familiares uma agência funerária.
tempo para estar junto do corpo e expressar os
seus sentimentos (falar, tocar, beijar etc.).
7.2. Informar os familiares acerca de alguns
procedimentos no âmbito hospitalar:
6. Particularidades étnicas e religiosas
 Encaminhar para os recursos
Os diferentes grupos étnicos apresentam disponíveis, no sentido de obterem
reações e atitudes diferentes face à notícia do suporte social e apoio emocional: apoio
falecimento e seguem, habitualmente, possível dos serviços sociais, apoio
diferentes procedimentos de carácter religioso. religioso disponível;

I N E M | 227
Suporte Avançado de Vida

 Abordar a Certificação do óbito e o


pedido de autópsia, clínica ou médico-
legal, explicando que se trata de um
procedimento legal;
 Discussão da eventual doação de
órgãos.

8. A equipa médica

Após uma reanimação que resultou em


insucesso os elementos da equipa podem
manifestar receios, dúvidas, culpa ou
ansiedade relativamente ao seu desempenho
e mesmo em relação aos seus próprios medos
e sentimentos. Não esquecer a equipa.
Sempre que possível, reservar tempo para
rever com a equipa estes aspetos e também o
desempenho durante a reanimação. A análise
do desempenho, o reforço ou a correção,
quando necessário, são importantes
instrumentos de aprendizagem e melhoria da
prestação da equipa. Fale ainda com os seus
colegas envolvidos na situação sobre como
cada um se sentiu e as reações que tiveram. É
extremamente importante exprimir os
sentimentos e não ficar coma a dor emocional
que a situação em particular lhe causou.

228 | I N E M
Apoio aos Familiares da Vítima

Pontos a reter

 Muitas reanimações terminam em insucesso e morte, sendo difícil aos familiares lidar com
tal facto sobretudo se for súbito. Informá-los de forma precisa, direta e honesta ajuda a lidar
com a situação;

 É fundamental ajudar os familiares a lidar com o sentimento de luto e pesar intensos,


permitindo-lhes tempo e liberdade para expressar os seus sentimentos e a possibilidade de
observar o corpo;

 Se necessário, poderá ser ativada a UMIPE para o local, de modo a dar apoio, por exemplo,
aos familiares de vítimas de morte traumática ou a menores não acompanhados;

 Guardar tempo para apoio da equipa após a reanimação, é fundamental, para manter um
bom nível de desempenho.

I N E M | 229
Suporte Avançado de Vida

XVIII. ASPETOS ÉTICOS E LEGAIS NA REANIMAÇÃO

Objetivos

No final do capítulo, o formando deverá ser capaz de compreender:


 Os princípios éticos essenciais;
 O papel da Equipa Médica de Emergência na tomada de decisões de fim de vida.

1. Introdução doentes são tratados com dignidade. Esta


decisão é complexa e pode ser influenciada
A paragem cardiorrespiratória é uma situação por fatores individuais, culturais internacionais
com consequências frequentemente ou locais, legais, tradicionais, religiosos,
devastadoras para a vítima e para familiares e sociais e económicos.
amigos. Por vezes podem ser tomadas com tempo,
Os profissionais de saúde são obrigados a mas frequentemente, decisões difíceis, têm de
prestar os cuidados necessários para proteger ser tomadas em poucos segundos ou minutos,
e salvar vidas. E a sociedade e especialmente no momento da emergência, especialmente
os serviços médicos da emergência, os fora do hospital, baseadas em informação
hospitais e as outras instituições que prestem limitada.
cuidados de saúde de emergência necessitam A Ética médica assenta no pressuposto do
planear, organizar e prestar uma resposta valor fundamental da vida humana. O princípio
apropriada a estes casos, implicando o uso ancestral da beneficência e da não
frequentemente de muitos recursos e custos maleficência, obriga o médico a precaver-se
elevados. contra a obstinação terapêutica, não
A nova tecnologia e a evidência médica mobilizando meios tecnologicamente
aumentam as expectativas do público, e avançados quando é previsível, sob o ponto de
obrigam a considerações éticas sobre parte vista científico, que não se vão obter os
importante de toda a intervenção ou decisão benefícios esperados.
de fim de vida. Como em qualquer outro procedimento de
emergência, existe consentimento para a RCP
em face de um doente incapaz de comunicar a
2. Critérios de RCP sua vontade, já que o adiamento dessa atitude
resultaria na morte do doente.
Qualquer abordagem completa do tema
Contudo, a frequente utilização de manobras
“Reanimação” envolve aspetos técnicos,
de RCP em doentes com doenças em situação
éticos morais e jurídicos.
terminal ou com poucas hipóteses de
Há várias considerações necessárias, para sobrevivência, por mais do que um período
assegurar que a decisão de iniciar ou não curto de tempo, tem levantado a preocupação
iniciar a reanimação é apropriada e que os

230 | I N E M
Aspetos Éticos e Legais na Reanimação

sobre se os esforços de reanimação estão a 3. Conceito de norma


ser corretamente empregues.
O doente inconsciente e que não pode exprimir Espera-se do médico que inicia as manobras
a sua vontade, constitui para a medicina de reanimação, de eficácia cientificamente
moderna, um problema emocional, ético e comprovada com rigor na ação desenvolvida.
jurídico. Como em muitos outros campos da medicina,
As manobras de RCP são, hoje em dia, uma as manobras de RCP são suportadas por
prática que pode ser tentada em todo o normas de orientação – “guidelines”, sendo as
indivíduo que sofra uma paragem respiratória / mais divulgadas no nosso país as emanadas
cardíaca. E, visto que esta situação é parte pelo Conselho Português de Ressuscitação
inevitável do processo de morte, a RCP pode (CPR), membro ativo do ERC.
ser efetuada em todo o indivíduo que morre. Uma norma de orientação é uma matriz de
referência ou conjunto de recomendações,
(estruturadas) periodicamente atualizadas
Todos os doentes em PCR devem ser (guidelines de 2015), que contem uma
definição clara das situações e das
reanimados, exceto nos casos em que esse
circunstâncias em que se aplica e que deve
procedimento se revele fútil ou contrarie a informar o processo ou a decisão médica de
vontade do doente. forma a produzir ações de maior qualidade e
de maior consistência.
O não seguimento destas normas deverá
ser baseado numa justificação válida.
A alternativa à RCP é a própria morte. No entanto, a flexibilidade da sua aplicação só
poderá existir quanto o grau de urgência da
Fora dos hospitais, em que na maioria dos intervenção for menor. Por este motivo, é de
casos, não se tem acesso a informações todo inadmissível e profissionalmente
clínicas detalhadas e precisas, sobre o doente, inaceitável, qualquer alteração aos algoritmos
a reanimação deve ser iniciada sempre, e tão de RCP existentes.
breve quanto possível, mesmo que existam
Invocar desconhecimento destas normas, falta
dúvidas sobre o tempo real de paragem, e/ou
de experiência e de treino não é, nem deve ser
sobre a existência de doença grave pré-
argumento aceitável numa acusação de
existente.
negligência, se o médico foi solicitado para
As exceções a esta regra serão abordadas, atuar de acordo com as competências que se
mais a frente. esperava que tivesse.
O médico deve, em qualquer lugar ou Assim, todo o médico deve estar a par das
circunstância, prestar tratamento de urgência atualizações em RCP e de uma maneira
a pessoas que se encontrem em perigo ideal, estar habilitado com pós-graduações,
imediato, independentemente da sua função certificadas por instituições credenciadas para
específica ou da sua formação especializada. o efeito.
(artigo 8º do Código Deontológico da Ordem
dos Médicos).

I N E M | 231
Suporte Avançado de Vida

O médico deve cuidar da permanente Justiça significa o dever de distribuir os


atualização da sua cultura científica e da sua recursos limitados da saúde igualmente a uma
preparação técnica (Artigo 11º do Código sociedade, e a decisão de quem começa, e
Deontológico da Ordem dos Médicos). que tratamento. Se a equipa de reanimação for
acionada, deve lhe ser facultado, dentro do
quadro de recursos disponíveis, tudo o que
O objetivo geral de qualquer norma de beneficiar a reanimação da vítima.
orientação é a melhoria da qualidade do Dignidade e a Honestidade são adicionadas
frequentemente como elementos essenciais
processo a que dizem respeito.
da ética. Os doentes têm sempre o direito de
ser tratados com dignidade e a informação
deve ser honesta, sem suprimir factos
importantes.
A transparência e a divulgação do conflito
4. Princípios éticos essenciais de interesses são outra parte importante da
ética do profissionalismo médico.
Os princípios chave da ética são referenciados
como:
 A autonomia; 4.1. Morte súbita numa perspetiva global
 O não malefício;
 O benefício; Em resumo, a morte súbita é em todo o lado
 A justiça; um desafio. As diferentes etiologias, o
 A promoção de dignidade e tratamento e a prevenção têm de ser
honestidade. considerados em conjunto com os problemas
e os recursos locais. A obrigação e o desafio
de proteger e salvar vidas têm de ser
Autonomia é o direito do paciente aceitar ou
considerados numa perspetiva local e global.
recusar todo o tratamento. A autonomia requer
que o doente seja adequada e
competentemente informado, e que a sua
4.2. Prognóstico e resultados
decisão seja tomada livre de qualquer pressão.
O princípio é considerado universal na prática As tentativas de RCP são malsucedidas em
médica, entretanto, pode frequentemente ser 70-98% dos casos e a morte é finalmente
difícil aplicar numa emergência, como é a inevitável. Diversos estudos demonstraram
PCR. que a RCP bem sucedida produz uma
Não malefício significa não fazer qualquer qualidade de vida boa, na maioria de
dano ou, ainda mais adequado, nenhum dano sobreviventes. Há pouca evidência, para
adicional. A Reanimação não deve ser tentada sugerir que a RCP conduza a um grande
em casos obviamente irrecuperáveis. número de sobreviventes com uma qualidade
Benefício leva a que os prestadores de de vida inaceitável. Os sobreviventes podem
cuidados de emergência médica, embora experimentar problemas incluindo a
ponderando entre benefícios e os riscos, ansiedade, a depressão, o stress pós-
sempre no melhor interesse do doente, iniciem traumático e as dificuldades na função
uma tentativa de reanimação e que, tendo a cognitiva. Os clínicos devem estar atentos a
iniciado, significará a sua continuação.

232 | I N E M
Aspetos Éticos e Legais na Reanimação

estes potenciais problemas, devendo incluir a doença subjacente. Situações tendo como
avaliação a longo prazo. doença de base neoplasia metastizada,
sépsis, falência cardíaca, respiratória e renal
em fase terminal ou falência multiorgânica
5. Decisão de não reanimar (DNR) estão geralmente associadas a baixos níveis
de sobrevivência.
A paragem cardiorrespiratória é uma das mais Apesar do uso generalizado da RCP em
emergentes situações com que se defrontam doentes hospitalizados, são reconhecidas
os profissionais de saúde. duas exceções aos pressupostos que obrigam
As manobras de RCP praticadas nos hospitais à sua administração.
e fora deles, permitem salvar milhares de A vontade do doente em relação à RCP,
vidas. Estudos retrospetivos, revelam que a obviamente expressa e conhecida antes da
RCP é praticada em cerca de um terço dos situação que justifique a sua utilização.
mais de dois milhões de doentes que morrem
A RCP não deve ser efetuada se, na opinião
anualmente nos hospitais dos EUA. do médico em causa, esse procedimento se
A proporção de tentativas de RCP revelar inútil.
consideradas bem sucedidas depende dos A 1ª exceção – é sobejamente conhecido o
objetivos pretendidos com essa manobra. direito que assiste o doente esclarecido
Com efeito, a taxa de sucesso varia recusar qualquer tratamento médico, mesmo
significativamente, dependendo do objetivo da quando tal atitude resulta num agravamento
reanimação ser a mera reposição da função do seu estado ou mesmo a morte.
cardiorrespiratória ou a sobrevida do doente
Por conseguinte, um doente pode expressar
até ter alta do hospital.
antecipadamente a sua opção de que não
Assim, dos doentes hospitalizados que sejam realizadas manobras de RCP. Tal
recebem RCP, 30% sobrevive a essa manobra recusa, pode servir de base para a inserção de
pelo menos 24 horas, mas, na melhor das uma diretiva de não reanimar no processo do
hipóteses só um terço (10%) destes sobrevive doente.
até à data de alta.
A capacidade mental do doente deve ser
Têm os doentes e a opinião pública em geral, comprovada, bem como, deve existir a certeza
expectativas realistas acerca da taxa de de que não houve influências de terceiros.
sucesso das manobras de RCP? Importa salientar que nos países europeus,
É obvio que não. Trabalhos realizados nestas estas DNR não têm valor legal vinculativo para
áreas revelam que após a análise detalhada o médico.
das situações encenadas de RCP em Na PCR que ocorre no pré-hospitalar, os
ambiente hospitalar e transmitidas em filmes, profissionais prestam cuidados em situações
aproximadamente 67% dos “doentes” de urgência e risco imediato de vida, as quais
submetidos a manobras de RCP (em muitos requerem uma atuação célere, como por
casos só com o recurso ao Suporte Básico de exemplo o inicio imediato de RCP. No
Vida) sobrevivem imediatamente e desenvolvimento da sua atividade os
aparentemente tem alta hospitalar nas horas profissionais não têm o dever de ter em
que se seguem. consideração as diretivas antecipadas de
O resultado das manobras de RCP está vontade, no caso do acesso às mesmas poder
intimamente ligado a natureza e gravidade da implicar uma demora que agrave

I N E M | 233
Suporte Avançado de Vida

previsivelmente os riscos para a vida ou a


decisão do profissional, pelo que a portaria, Nenhum médico está ética ou legalmente
que regulamenta a organização e obrigado a proceder a um tratamento
funcionamento do Registo Nacional do específico, mesmo que expressamente
Testamento Vital (RENTEV) não é aplicável ao
pedido pelo doente, se esse procedimento se
contexto pré-hospitalar.
evidenciar fútil.

A 2ª exceção à regra da realização das


manobras de RCP refere-se aos casos em
que, na opinião do médico assistente, tais
manobras se revelem inúteis. 6. DNR e o pré-hospitalar
No entanto, os conceitos de inutilidade e
futilidade estão sujeitos a uma grande A PCR que ocorre em ambiente extra-
variedade de interpretações. hospitalar é habitualmente inesperada. As
São encontrados na literatura quatro tipos decisões de iniciar, continuar ou parar as
conceptuais de futilidade: manobras de RCP são tomadas pelo médico
do pré-hospitalar e não têm em conta as
 Fisiológica – a intervenção efetuada eventuais decisões do doente. No caso de,
não tem efeito fisiológico;
durante o processo de reanimação, não estar
 Futilidade e morte iminente – o doente presente no local um médico com formação
morre antes da intervenção; em SAV os doentes são, na grande maioria
 Futilidade e condição letal – o doente dos casos, transportados para os Serviços de
está em estádio terminal; Urgência.
 Qualitativa – a qualidade de vida
Importa salientar que a RCP fora do hospital é
resultante da ação é muito reduzida.
acompanhada de grande expectativa pelos
As recomendações sobre DNR existentes na familiares da vítima e público em geral.
literatura têm como pressupostos estes quatro
tipos de futilidade.
Ninguém espera que a equipa de emergência
É preciso não esquecer que os processos de
determinação de futilidade de um dado se limite apenas a anunciar o óbito.
procedimento, neste caso a RCP, não são
perfeitos e têm, na maioria dos casos, uma
posição unilateral, podendo por isso ser
acusados de falta de ética. Por isso, e até à chegada do SAV, as
É necessário que se chame ao processo de manobras de RCP devem ser iniciadas e
DNR todos os intervenientes: o doente, os mantidas. Este procedimento, que poderá ser
seus familiares, o médico assistente, a rotulado de fútil, é defendido pelo princípio da
instituição e a sociedade em geral. dúvida.
A autonomia do doente deve ser, sempre que Fora dos hospitais, quando a informação
possível, preservada. clínica do doente é diminuta e inconclusiva, e
o tempo é escasso, a RCP deve ser iniciada
sempre e de imediato, excetuando os casos
em que se verifiquem situações de lesões
incompatíveis com a vida:

234 | I N E M
Aspetos Éticos e Legais na Reanimação

 Decapitação; médicos a julgarem esta situação pior que a


 Incineração/carbonização; própria morte.
 Decomposição/Putrefação; Contudo, é importante salientar que o
 Hemicorporetomia (Secção diagnóstico de “lesão cerebral irreversível” ou
transversa). “morte cerebral” não pode ser feito em
Especial atenção deve merecer os casos de ambiente pré-hospitalar e, como tal, não deve
hipotermia ou em que se suspeita ter havido ser utilizado como critério para não iniciar ou
ingestão de fármacos (barbitúricos, suspender a RCP.
ansiolíticos), já que estas situações podem
conferir algum grau de proteção cerebral.

Um sinal positivo de sucesso da RCP fora do


Sempre que possível, a morte deve ser
hospital é o retorno da circulação espontânea
documentada com traçado
(RCE).
eletrocardiográfico.

Assim a equipa de socorro deve manter os


esforços de reanimação até que:
Aceita-se que não se iniciem manobras de
 Haja existência de RCE;
RCP nos casos em que o tempo que mediou a
 Transferência dos cuidados para a
PCR e o início de SBV seja superior a 15
equipa de SAV;
minutos, e o ritmo encontrado pela equipa de
 Decisão médica de parar a RCP;
SAV não seja desfibrilhável. É imperativo que
esteja corretamente documentada a ausência  Reconhecimento seguro da morte da
de sinais de circulação e/ou pulso. vítima;
 Exaustão ou fatores de risco que
Um importante facto no atendimento à vítima
coloquem em perigo o socorrista, ou a
em PCR é aquele que está relacionado com a
vida de terceiros;
segurança da equipa de socorro. A exposição
 Existência de uma DNR com suporte
da equipa ao meio que condicionou a PCR
legal claro e inequívoco.
(eletrocussão, intoxicação com
organofosforados) e a assistência a vítimas de Como atrás referido, quando existem dúvidas
acidentes rodoviários ou em locais de difícil, e sobre as possibilidades de recuperação de um
perigoso acesso deve ser rodeada de todas as doente, a regra de Epstein dever ser seguida
medidas de segurança, de modo a não colocar pelo médico – “Preserve a vida o mais que
em perigo os profissionais de saúde e o puder”.
trabalho por eles desenvolvido. O médico que não cumpre este princípio
deontológico está a infringir o seu código de
ética. Na eventualidade de estar seguro acerca
7. Critérios de suspensão da RCP da irreversibilidade da situação, o médico tem
que assumir a responsabilidade de não
O tremendo impacto emocional e financeiro introduzir métodos especiais de tratamento.
dos doentes com encefalopatia anóxica que De acordo com o Conselho Nacional de Ética
geralmente ocorre após 3 a 5 min de anóxia, para as Ciências da Vida merece juízo ético
leva, muitas vezes, os familiares e os próprios favorável a decisão médica de não iniciar

I N E M | 235
Suporte Avançado de Vida

medidas extraordinárias de suporte ventilatório  Reflexos corneopalpebrais;


ou cardíaco, quando elas são medicamente  Reflexo faríngeo.
inúteis, bem como a decisão médica de as  Realização da prova da apneia
suspender logo que foi verificada a morte do confirmativa da ausência de respiração
tronco cerebral. A morte cerebral equivale à espontânea.
ausência total e irreversível das funções do III – Metodologia
tronco cerebral. Relembram-se os critérios de
certificação de morte cerebral publicados em A verificação de morte cerebral requer:
decreto-lei, (Diário da República - I Série - B
 Realização de, no mínimo, dois
n.º 235; 11/10/1994; 6160):
conjuntos de provas com intervalo
adequado à situação clínica e à idade;
 Realização de exames
I – Condições prévias
complementares de diagnóstico,
Para o estabelecimento do diagnóstico de sempre que for considerado
morte cerebral é necessário que se verifiquem necessário;
as seguintes condições:  A execução das provas de morte
cerebral é efetuada por dois médicos
 Conhecimento da causa e
especialistas (em neurologia,
irreversibilidade da situação clínica;
neurocirurgia ou com experiência de
 Estado de coma com ausência de
cuidados intensivos);
resposta motora à estimulação
 Nenhum dos médicos que executa as
dolorosa na área dos pares cranianos;
provas poderá pertencer a equipas
 Ausência de respiração espontânea; envolvidas no transplante de órgãos ou
 Constatação de estabilidade tecidos e pelo menos um não deverá
hemodinâmica e ausência de pertencer à unidade ou serviço em que
hipotermia, alterações endócrino- o doente esteja internado.
metabólicas, agentes depressores do
sistema nervoso central e ou de
Os doentes que, antes da chegada ao
agentes bloqueadores
neuromusculares, que possam ser hospital, apresentem RCE, têm uma
responsabilizados pela supressão das probabilidade aumentada de sobreviverem.
funções referidas nos números
anteriores.

Estudos mostram, que o transporte rápido da


II – Regras de semiologia vítima, que no local não apresenta RCE, não
aumenta a taxa de sobrevivência e pode
O diagnóstico de morte cerebral implica a eventualmente pôr em perigo, a equipa de
ausência na totalidade dos seguintes reflexos reanimação.
do tronco cerebral:
A decisão de suspender as medidas de RCP
 Reflexos fotomotores com pupilas de deve ter vários fatores em conta:
diâmetro fixo;
 Reflexos oculocefálicos;
 Reflexos oculovestibulares;

236 | I N E M
Aspetos Éticos e Legais na Reanimação

Duração da RCP 8. Comissão de ética

As manobras de RCP, no pré- É obrigação dos hospitais criarem e manterem


hospitalar, devem ser interrompidas Comissões de Ética que possam responder às
quando ultrapassam os 25 min de solicitações surgidas com problemas éticos.
duração sem RCE. Cabe a estas comissões organizar programas
Esta recomendação exclui os casos educacionais, desenvolver políticas
excecionais de intoxicação com drogas hospitalares e estabelecer contactos com os
ou situações de hipotermia extrema. serviços de emergência, tendo como fim a
Quando não se tem acesso ao SAV nos proteção dos direitos do doente e do médico.
30 min. após o início do SBV, quer pela
sua inexistência, quer por a PCR surgir
em locais remotos, a taxa de sobrevida
é reduzida.

Idade da vítima

O efeito da idade da vítima no


prognóstico da RCP é controverso. A
idade “fisiológica”, mais do que a idade
“anatómica”, poderá ter alguma
influência sobre o insucesso das
manobras.

Ritmo periparagem

Os ritmos não desfibrilháveis (AEsp,


assistolia) têm um pior prognóstico.
Em termos gerais, considera-se que a
reanimação não deve ser suspensa
enquanto se apresentar o ritmo de
fibrilhação ventricular.

Fatores potencialmente reversíveis

Segundo as recomendações do ERC, as


causas potencialmente reversíveis de
PCR, já abordadas anteriormente (4 H´s
e 4 T’s) devem ser equacionados e, se
presentes, resolvidos no decurso de uma
RCP.

I N E M | 237
Suporte Avançado de Vida

Pontos a reter

 Todos os doentes em PCR devem ser reanimados, exceto nos casos em que esse
procedimento se revele fútil ou contrarie a vontade expressa pelo doente;

 O médico tem a obrigação ética de respeitar a vontade do doente face à RCP, não devendo
interferir com juízos de valor pessoais;

 Fora dos hospitais, quando a informação clínica do doente é diminuta e inconclusiva e o


tempo é escasso, a RCP deve ser iniciada sempre e de imediato, excetuando os casos em
que se verifiquem situações de lesões incompatíveis com a vida.

238 | I N E M
Siglas

XIX. SIGLAS

AAS Ácido Acetilsalisilico EEMI Equipas de Emergência Médica Intra-


hospitalares
AEsp Atividade Elétrica sem pulso
EME Equipa Médica de Emergência
AI Angina Instável
EOT Entubação Orotraqueal
AVC Acidente Vascular Cerebral
EPH Emergência Pré-Hospitalar
BAV Bloqueio Auriculoventricular
ERC European Resuscitation Council
BCRE Bloqueio Completo de Ramo Esquerdo
EtCO2 Dióxido de Carbono Expirado
BZP Benzodiazepinas
FA com RVR Fibrilhação auricular com
CDI Cardioversores/ Desfibrilhadores
resposta ventricular rápida
Implantados
FA Fibrilhação Auricular
CEC Circulação Extracorpórea
FiO2 Fração Inspirada de Oxigénio
CK Creatina Quinase
FV Fibrilhação Ventricular
CPR Conselho Português de Ressuscitação
GCS Escala de Coma de Glasgow
Cr Ciclos respiratórios
GSA Gasimetria de Sangue Arterial
CVC Cateter Venoso Central
HNF Heparina Não Fracionada
DAE Desfibrilhador Automático Externo
HPBM Heparina de Baixo Peso Molecular
DFEM Departamento de Formação em
Emergência Médica HSA Hemorragia Subaracnóideia
DGS Direção Geral de Saúde ICP Intervenção Coronária Percutânea
DNR Decisão de não reanimar ICP Intervenção Coronária Percutânea
DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica ICPP Intervenção Coronária Percutânea
Primária
DSG Dispositivos Supraglóticos
IECA Inibidores da Enzima de Conversão da
EAACI European Academy of Allergy and Clinical
Angiotensina
Immunology
IM Intramuscular
EAM Enfarte Agudo Do Miocárdio
IN Intranasal
EAM c/ SST Enfarte do miocárdio com
supradesnivelamento do segmento ST INEM Instituto Nacional de Emergência
Médica
EAM s/ SST Enfarte do miocárdio sem
supradesnivelamento do segmento ST IO Intraóssea
EAP Edema Agudo do Pulmão ML Máscara Laríngea
ECG Eletrocardiograma NSE Enolase Neuronal Específica
ECMO extracorporeal membrane oxygenation PCM Primeiro Contacto Médico
EEG Eletroencefalograma PEEP Pressão Positiva no Final da Expiração

I N E M | 239
Suporte Avançado de Vida

PCR Paragem Cardiorrespiratória SpO2 Oximetria de Pulso


PLS Posição Lateral de Segurança SSEPs Potenciais Evocados Somatossensoriais
RCE Retorno de Circulação Espontânea TA Tensão Arterial
RCP Reanimação Cardiopulmonar TAC Tomografia Axial Computorizada
RENTEV Registo Nacional do Testamento TCE Traumatismo Crânio-Encefálico
Vital
TEP Tromboembolia pPlmonar
RMN Ressonância Magnética Nuclear
TOT Tubo Orotraqueal
SAV Suporte Avançado de Vida
TSV Taquicardia Supraventricular
SBV Suporte Básico de Vida
TTM conTrolo de TeMperatura
SCA – EAM s/ SST Síndrome coronário
TVsp Taquicardia Ventricular sem pulso
agudo – Enfarte de miocárdio sem
supradesnivelamento do ST UCI Unidade De Cuidados Intensivos
SCA Síndromes Coronários Agudos VA Via Aérea
SDRA Síndrome de dificuldade respiratória VMER Viatura Médica de Emergência e
aguda Reanimação
SF Soro Fisiológico WPW Wolff-Parkinson-White
SNC Sistema Nervoso Central

240 | I N E M
Bibliografia

XX. BIBLIOGRAFIA

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