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Alexandre Scherer 1
Deninson Nunes Ferenci2
Leonel Paiva3
Daiane da Silva Freitas 4
Marcos Armani Ramírez5
Gabriela Quines Mendelski6
INTRODUÇÃO
Desde 2002 as áreas que são representadas por componentes curriculares na escola
como português, matemática, ciências e Educação Física, por exemplo, passaram por um
debate intenso sobre os modelos de formação e as possibilidades de intervenção no mundo do
trabalho.
No caso da nossa área, a discussão sobre a formação se dividiu entre os defensores de
uma epistemologia pedagógica culturalmente implementada para a utilização na escola e
aqueles que levaram em consideração a ampliação do mercado de trabalho e suas
consequências sociais. Se juntou a este debate a discussão sobre o controle profissional da
Educação Física a partir da criação do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) em
1998.
Este estudo de perspectiva documental propõe a reflexão sobre a formação e a
intervenção da Educação Física no Brasil. Inicialmente, faz-se uma análise sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) e a interpretação de Instituições de Ensino Superior (IES) na
formulação de seus currículos e do Poder Judiciário Nacional ao julgar as possibilidades de
intervenção da Educação Física no Brasil. Em seguida é analisada, também, a Minuta de
Projeto de Resolução proposta pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2015 que
propõe novas Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para o curso de graduação em
Educação Física, Licenciatura. Para dar corpo a este debate, são estudados os documentos
provenientes do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e do CONFEF.
1
Professor Doutor dos Cursos de Educação Física do Centro Universitário Metodista-IPA – Pesquisador do
GEEF;
2
Professor Mestre dos Cursos de Educação Física do Centro Universitário Metodista-IPA – Pesquisador do
GEEF;
3
Professor de Educação Física, Bacharel em Direito, Pesquisador do GEEF;
4
Bacharela em Educação Física – Pesquisadora do GEEF.
5
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Educação Física do Centro Universitário Metodista-IPA – GEEF;
6
Acadêmica do Curso de Bacharelado em Educação Física do Centro Universitário Metodista-IPA – GEEF;
2
7
TANI G. et al.. Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
8
NAHAS, M. V. Educação Física no Ensino Médio: educação para um estilo de vida ativo no terceiro milênio.
In: Seminário de Educação Física Escolar, 4. São Paulo, 1997. Anais ... São Paulo, 1997. p. 17-20.
9
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
5
o futuro dos Cursos de Educação Física. Compreende-se que a busca de um senso comum
entre as IES no sentida da Educação Física ser pensada em suas diversas de áreas de atuação
profissional na escola ou fora dela.
Ao refletir sobre as mudanças ocorridas ao longo dos tempos na temática que cerca a
atuação do egresso em Educação Física, nota-se uma ligação íntima entre a divisão do curso,
em licenciatura e bacharelado, com a dinâmica do mercado de trabalho e a recorrente
necessidade e exigência social de um profissional melhor qualificado em sua área de atuação.
Nesse sentido, pode-se pensar que, talvez, as diferentes interpretações das DCN por parte das
IES sejam pautadas nas suas visões peculiares de oportunidade de mercado de trabalho.
Porém, cabe ressaltar que existe uma esfera jurídica diferenciada que se sobrepõe às
IES, ao qual alguns professores recorrem para ampliar sua área de intervenção profissional. A
análise a seguir abordará tal perspectiva.
favorável, nenhum apresentou alteração em suas decisões, permitindo refletir que ainda não
existe consenso sobre o tema pelos desembargadores em segunda instância.
Analisando casos semelhantes mais recentes de competência do TRF 4 verificou-se
que em três decisões há uma limitação ao campo de intervenção do licenciado em Educação
Física restrita à educação básica. No processo no. 5035941-02.2014.404.7108 o
desembargador justifica que a limitação do licenciado ao exercício profissional de atividades
diversas da docência básica em educação física decorre da divisão entre as modalidades de
graduação/bacharelado e licenciatura. Os estudantes de Educação Física podem optar por duas
modalidades de habilitação: licenciatura de graduação plena, para atuar como professor da
educação básica, ou graduação/bacharelado, para atuar na área da educação física, impedida a
atuação docente na educação básica (BRASIL, 2016a).
No processo no. 5000795-36.2010.404.7011 o desembargador também justifica que
existem duas modalidades de cursos para profissionais de Educação Física com carga horária
diferenciada e disciplinas e objetivos particulares conforme análise das DCN. A decisão
indica ainda que o profissional de Educação Física que pretende atuar de forma plena, sem
nenhuma restrição deve concluir os cursos de graduação/bacharelado e de licenciatura
(BRASIL, 2016b). O processo no 5011576-39.2013.404.7100 reafirma as considerações
anteriores e acrescenta, ainda, que já existe uma decisão de limitação do campo de
intervenção do licenciado afeto à educação básica feita pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em sede de recurso especial no 1.361.900/SP (BRASIL, 2016c).
Este recurso especial estabelece uma nova dimensão das decisões jurídicas sobre o
tema, pois as decisões do STJ são válidas para todo o país, ao contrário das decisões dos TRF
que abrangem determinados estados. Sendo assim, neste momento parece haver uma
“pacificação” sobre a questão jurídica no Brasil revelando que as formações em Educação
Física são diferenciadas e que apresentam limites de intervenção seguindo instrução do
sistema CONFEF/CREF. Entretanto, há uma nova resolução de DCN para formação inicial
em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada aprovada em 2015 e que deve
ser efetivada pelas instituições de ensino superior a partir de 2017 que não será abordada neste
estudo.
Outrossim, considera-se relevante destacar que existe uma proposta de minuta para a
formação em Educação Física que está sendo debatida e é tema do próximos tópico deste
texto.
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Dentro das orientações da minuta analisada neste estudo, o artigo 11 estabelece que a
carga horária mínima para os cursos de Licenciatura em Educação Física será de 3.200 horas,
400 a mais do que vigorava até então, conforme Resolução CNE/CP nº. 2/2002. Esse novo
volume entra em igualdade com a formação do bacharelado, que atualmente é distribuída em
quatro anos, enquanto que os licenciados podem concluir o curso em apenas três.
Na conclusão do documento ficam estabelecidas que as avaliações institucionais e
discentes devem envolver a introdução e a evolução do projeto pedagógico, de forma a
assegurar a qualidade da formação dentro das competências exigidas do egresso.
afirma que não foi convidado oficialmente para a Audiência Pública ocorrida em Goiânia no
dia 15 de outubro de 2015, onde a proposta era discutir as diretrizes para formação em
Educação Física e que devido as divulgações oriundas desse debate, considerou necessária
exposição de algumas considerações acerca do tema.
O CONFEF destaca que, de acordo com as entidades de regulação nacional, a
formação em licenciatura é voltada para a docência na educação básica e que, nesse sentido,
tem trabalhado em ações para “recuperar o enfoque educacional, formativo e inclusivo que
deve orientar a prática docente do licenciado em Educação Física” (CONFEF, 2015). Dessa
maneira, entende que a atuação do Conselho tem sido de valorização do profissional
licenciado, acreditando que esse deve ter formação superior própria e de qualidade
assegurada, e que o comportamento do órgão está alinhado com as novas DCN.
Da mesma forma, o CONFEF entende que o profissional que atua na área da saúde,
conforme Resolução nº. 218/1997 e da Resolução nº. 287/1998, do Conselho Nacional de
Saúde, também necessita de formação superior própria e qualificada, como bacharel em
Educação Física.
Segundo a entidade existem diferenças significativas entre as duas formações em
Educação Física caracterizadas pelas matrizes curriculares, pelos estágios, pelos perfis de
egressos, entre outros. Para o CONFEF são intervenções profissionais distintas que requerem
formações diferenciadas, ainda que com bases em comum, a exemplo de outros cursos que
possuem essa dupla possibilidade de formação (matemática, filosofia, química, etc.). Dessa
forma o CONFEF entende que nenhuma das formações compreende por completo a outra,
restringindo as atuações de cada campo profissional.
O texto é finalizado com posicionamento claro do CONFEF contra a reunificação do
curso, considerando um retrocesso, pois entende que a formação específica oferece mais
qualidade que uma formação generalista. A entidade ainda afirma que há necessidade do CNE
ouvir e discutir com o CONFEF qualquer assunto que aborde a formação em Educação Física.
Através dessas asserções divulgados pelo Conselho, fica claro seu posicionamento
diante da proposta do CNE: repúdio à extinção do bacharelado, por considerar um retrocesso
e que a formação não seria suficientemente abrangente às necessidades do mercado, deixando
descoberta a área da saúde e abrindo possibilidades de atuação à profissionais sem formação
superior, que trariam riscos aos alunos e pacientes. A visão do CONFEF é de qualificar e
especializar cada vez mais os profissionais de Educação Física através de formações distintas
voltadas as necessidades de intervenção díspares: educação e saúde.
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mais sustentadas somente nas clássicas propostas pedagógicas escolares nos currículos de
formação, poderíamos intervir com mais competência nos diferentes campos de atuação.
O GTT Treinamento Desportivo do CBCE de alguma forma aponta para este caminho.
As IES têm constituído seus bacharelados a partir da experiência de professores licenciados
que, muitas vezes, não se encontram inseridos no mercado de trabalho não escolar. Esta
construção está levando professores com experiência no ambiente educacional formal a, por
exemplo, supervisionar estágios em academias, clubes e hospitais, proporcionando uma
formação em serviço no próprio ensino superior.
Ao não termos clareza nem conciliação epistemológica sobre a Educação Física no
Brasil, muitos buscaram a judicialização de seus interesses. Neste sentido, observa-se que a
Justiça Brasileira interpretou inicialmente a intervenção dos licenciados formados a partir das
DCN de 2002 de diferentes formas. Porém, a maioria dos casos estudados neste texto
restringiam a sua intervenção na escola. Interpreta-se que em 2015 existiu uma “pacificação”
deste tema através da decisão do STF de que existem dois cursos de formação e duas
profissões diferenciadas no país.
Então, a reflexão de Scherer (2005) que conceituava e caracterizava os dois ofícios,
sustentado nas diferentes visões de profissionalização e de mundo do trabalho se configurou
no Brasil através de embates acadêmicos e jurídicos. Para o autor, as principais diferenças se
apresentam em conhecimentos específicos da formação, nos locais diferenciados de
intervenção, na relação trabalhista e no controle profissional.
Sendo assim, este estudo destaca que cinco elementos convergem para que licenciatura
e bacharelado sejam formações e profissões distintas: 1) as IES interpretam e constituem, em
geral, duas formações com dois perfis de egresso; 2) a justiça brasileira em segunda e terceira
instância decidem que os licenciados formados a partir das DCN de 2002 somente podem
atuar na escola, pois há uma especificidade descrita nas resoluções; 3) o sistema
CONFEF/CREF aponta para dualidade de formação e de intervenção podendo diferencia-las
na identificação profissional; 4) apesar de um debate interno bastante acirrado parte do CBCE
entende que a divisão entre licenciatura e bacharelado deve se manter com especificidades; 5)
o próprio Ministério da Educação através do INEP 10 fomenta a divisão da área através do
Enade da área da saúde para o bacharelado e da educação para a licenciatura.
Em nossa opinião as DCN vieram inicialmente para diferenciar e especializar a
formação docente em busca de uma educação brasileira de melhor qualidade. Infelizmente o
10
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
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oficio de professor no Brasil é cada vez mais desprestigiado, apesar de algumas tentativas de
políticas públicas de valorização docente. Enquanto isso, os locais de intervenção não
escolares tem crescido e o trabalho precarizado apontado pelos críticos do sistema
CONFE/CREF também. Hoje a menor procura por cursos de licenciatura revela a falta de
atrativo para a intervenção escolar, enquanto que o bacharelado tem se mostrado uma
referência para a intervenção autônoma e empreendedora, que leva a pensar no
desenvolvimento de um mercado capitalista e com relações de trabalho precarizadas, situação
sinalizada por vários autores, entre eles Nozaki (2005).
O debate curricular que poderia nos unir, ao contrário, cria afastamentos e
preconceitos. Ousamos, mesmo assim, propor o debate de duas temáticas que envolvem não
mais o passado, mas o futuro. A primeira trata do tempo de formação. Ainda hoje, antes da
implementação das nova Resolução CNE no. 02/2015 ou da improvável aprovação da Minuta
de Resolução em favor de uma licenciatura unificada, o tempo que um acadêmico necessita
para fazer as duas graduações em sequência e se habilitar plenamente é em geral de cinco
anos. Não seria mais viável pensar numa formação unificada que abordasse toda a área da
Educação Física neste tempo? As DCN aceitariam um profissional generalista para atender as
demandas da escola? As colocações do GTT escola sobre a tendência de se ter um currículo
menos pedagógico e mais biologicista se concretizariam? Como ficaria o registro deste
profissional?
O segundo tema trata do controle da intervenção profissional. Se para os bacharéis
existe um consenso de que este controle é de responsabilidade do sistema CONFEF/CREF
este fato se constitui em dúvida sobre os licenciados. Já que o próprio Conselho afirma que as
DCN de 2002 são específicas para a formação de professores para a educação básica não seria
viável pensar que a escola e suas especificidades estariam sob a égide do Ministério da
Educação e das Secretarias de Educação? Se o sistema CONFEF/CREF é favorável à dupla
formação e, consequentemente, a discriminar esta situação no registro profissional porque não
considerar a profissão docente da educação básica como um ofício de esfera pública de
responsabilidade do estado através de seus órgãos competentes? Se não for assim, quem
atualmente controla a intervenção dos professores de outras áreas como português,
matemática e geografia?
Este trabalho apresentou, então, que existe um debate sobre a formação e a intervenção
em Educação Física no Brasil que nunca termina. Onde distanciar-se e opor-se parece ser um
caminho já estabelecido. Este parece ser um retrato da realidade dualista de um país que
prefere bater panela ao ouvir o outro.
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REFERÊNCIAS