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Sesc | Serviço Social do Comércio
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PRODUÇÃO EDITORIAL 1ª edição (2015).
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Projeto Gráfico
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Sesc. Departamento Nacional.
Diagramação
Avellar e Duarte Proposta pedagógica [do] ensino fundamental; anos iniciais / Sesc, De-
partamento Nacional. -- Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2015.
Revisão 274 p. ; 21 cm.
Elaine Bayma e Tathyana Viana
Produção Gráfica
Celso Mendonça ISBN 978-85-8254-046-6.
Estagiário de Produção Editorial
Diogo Franca 1. Ensino fundamental. 2. Sesc – Proposta pedagógica; 3. Currículo -
Planejamento. I. Título.
CDD 372
Serviço Social do Comércio
Departamento Nacional
PROPOSTA PEDAGÓGICA
Ensino Fundamental
Ensino Fundamental
Anos Iniciais
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO
10 ÁREAS DE
CONHECIMENTO
PALAVRAS 65
INICIAIS O diálogo entre as áreas de conhecimento
66
14 O diálogo entre as Ciências
71
Capítulo 1
Língua Portuguesa
74
FUNDAMENTOS Algumas palavras sobre a
TEÓRICOS
21
leitura e a escrita
75
A criança e a produção escrita
Sobre Crianças e Conhecimentos
81
22 Objetivos gerais
96
Sobre a escola
28 Objetivos específicos
97
Sobre o currículo
31 Eixos norteadores
99
Sobre a metodologia
35 Algumas considerações metodológicas
para o trabalho em Língua Portuguesa
Da ordem do cotidiano – planejamento, 108
ensino, aprendizagem e avaliação
40 Sobre o ensino de uma
língua estrangeira
Planejamento e sua relação com os processos 115
de ensino e de aprendizagem
40 Matemática
118
Avaliação e sua relação com o ensino e a Sobre um ambiente matematizador
aprendizagem 122
54
Objetivos gerais
Inclusão: um olhar para a diversidade 124
na escola
58 Objetivos específicos
125
Referências
60 Eixos norteadores
129
Algumas considerações metodológicas
para o trabalho com a Matemática
145
SUMÁRIO
SOBRE CRIANÇAS E
CONHECIMENTOS
ainda mais num país tão grande e plural como o Brasil. cognitivismo e o interacionismo. A primeira foi desen-
volvida por Jean Piaget,1 defensor da ideia de que a
Apenas no século XX é que se ampliam os estudos em
torno da infância e suas especificidades, pelas dife- 1 Biólogo, filósofo, psicólogo e fundador da Epistemologia
Genética, Jean Piaget (1896–1980) preocupou-se com os mecanismos
rentes áreas de conhecimento desenvolvidas. Hoje,
cognitivos internos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos
podemos pensar a infância a partir de contribuições (sujeito psicológico), sempre pontuando que estes mecanismos se
desenvolvem na interação dos sujeitos com o ambiente em que
não apenas da Psicologia, mas também da História, da
vivem. A perspectiva piagetiana considera que, desde o nascimento,
Sociologia, da Antropologia, da Filosofia, da Linguística dependendo dos esquemas de ação até então formados, a criança
etc. Com a propagação de inúmeras descobertas cientí- organiza o ambiente, emprestando-lhe significados e percebendo
algumas de suas características. Isso abre caminho para a
ficas, a história da ciência começou a aproximar sujeito construção de novos esquemas e novos conhecimentos ou sistemas
e objeto, crianças e conhecimentos, e estes começaram de significações, de modo infinito.
criança constrói conhecimento a partir da experiência Vygotsky leva em consideração a diferença entre o
com o mundo físico, ou seja, na ação sobre o ambien- que a criança, a cada situação, é capaz de fazer sozi-
te. Segundo o pesquisador, em seu processo de desen- nha (nível de desenvolvimento real) e o que ela pode
volvimento cognitivo, a criança passa por períodos, fazer e aprender na interação com adultos ou outras
por estágios, que são universais (invariáveis), desen- crianças mais experientes (nível de desenvolvimento
volvendo em cada um deles as capacidades para o potencial), conforme vai observando-as, escutando-as,
próximo, o que provoca mudanças qualitativas em interagindo. É nesse espaço entre os níveis, denomi-
seu desenvolvimento. São eles: sensório-motor (0 nado “zona de desenvolvimento proximal”, que a ação
a 18 meses), pré-operatório (2 a 7 anos), operações educativa deve se realizar, reconhecendo-o em cada
concretas (7 a 12 anos) e operações formais. Da vasta criança, e não se acomodando a ele. Daí a importância
e complexa obra de Piaget e seus colaboradores na das interações entre as crianças para que se organizem
Escola de Genebra resulta um pensamento de grande e modifiquem a própria situação e os conhecimentos.
abrangência e profundidade, o que o coloca entre os Para tanto, é fundamental um educador ainda mais
maiores pensadores do século XX. atento, confiante nas possibilidades das crianças, que
O interacionismo tem Vygotsky como maior repre-
2
não determina a priori comportamentos e resultados.
sentante. De acordo com esta concepção, cada uma A perspectiva de avaliação que deverá ser construída
das experiências vividas faz com que a criança trans- será sempre coerente com a valorização das crianças
forme suas capacidades e significações elaboradas, em suas manifestações. Caberá ao educador a obser-
abrindo-se para novos conhecimentos, modificando vação e a reflexão atenta deste processo, ou seja,
sua forma de agir. Na busca desta interação, homem deverá estar ativo no entendimento das hipóteses
e mundo se constituem por intermédio de linguagens. trazidas pelas crianças – como necessária fundamen-
Essas linguagens permeiam as relações e são cultu- tação para sua intermediação.
rais. Assim, amplia-se a compreensão sobre desenvol- Quando auxiliada por um parceiro “mais experien-
vimento, que não é visto segundo um padrão único, te” na realização de uma tarefa, a criança desenvolve
o que permite a discussão sobre as diferenças no formas mais complexas de agir, de conhecer e inter-
processo de aprendizagem em função de diversos vir no meio; de se realizar e de perceber suas próprias
contextos, incluindo os sociais e culturais. necessidades. Assim, num processo de independência
entre os indivíduos, a existência humana é coletiva-
mente produzida, por meio da apropriação de ideias e
2 Lev Seminavitch Vygotsky (1896–1934), psicólogo russo que
morreu aos 38 anos. Podemos dizer que as contingências valores mediados pelo diálogo. Ou seja, as construções
históricas, de certo modo, determinaram o olhar sociocultural do conhecimento, da linguagem e da subjetividade
de sua obra. Para ele, a relação interpessoal é o recurso básico
do desenvolvimento.
ocorrem pelas interações que se estabelecem, desde – têm um lugar de destaque em termos mentais, cogni-
o nascimento, entre a criança e o meio historicamente tivos, para a criança; demandam o desenvolvimento
construído. Como afirma Esteban (2005, p. 89): de funções comportamentais complexas, não poden-
a colaboração entre sujeitos com conhecimentos do ocorrer como apropriação mecânica. É tentando
diferentes potencializa a aprendizagem e o desenvol- superar as posições que discriminam as crianças,
vimento. A diferença nos ajuda a compreender que
dificultando-as de terem uma escola comprometi-
somos sujeitos com particularidades, com experiências
próprias, constituídas nos processos coletivos de que
da com suas aprendizagens, que se deve fundamen-
participamos, dentro e fora da escola; posta em diálogo, tar o modo como a criança aprende e se desenvolve
enriquece a ação pedagógica, relacionada à diversifica- em perspectivas teóricas derivadas dos trabalhos de
ção dos instrumentos mediadores e à ampliação dos Piaget e Vygotsky. Como apontado, esses teóricos
modos de sua utilização.
admitem uma recíproca influência entre o indivíduo
Pode-se dizer, então, que o meio é entendido como o e o meio, e consideram que os fatores biológicos e
conjunto de circunstâncias, situações, práticas sociais sociais estão em constante interação no processo de
e significações ideológicas presentes em uma cultu- desenvolvimento e não podem ser separados um do
ra. Junto com as disposições orgânicas da criança, o outro. A criança é um ser ativo, que atribui significados
indivíduo vai construindo determinadas habilidades ao mundo e a si mesma por sua ação, e não é submissa
e conhecimentos. Com isso, os autores apontam para à sua herança genética ou ao seu meio social. É capaz
a construção social do homem e sua historicidade. de manifestar um comportamento inteligente, dife-
As funções psicológicas superiores, exclusivamente rente, sim, do adulto, porém, não inferior. Ela constrói,
humanas – apenas possíveis com o desenvolvimen- reconstrói, reflete e se posiciona a partir de sua visão
to da cultura – são pontos de destaque na obra de de mundo relacionada à cultura e ao meio social em
Vygotsky, como assinala Oliveira (1993, p. 58): que está inserida.
As funções psicológicas superiores são os mecanismos
Não se pode desconsiderar a contribuição dos dife-
psicológicos mais sofisticados e complexos, típicos dos
seres humanos, que lhes permite o controle conscien- rentes pesquisadores para elucidar aspectos impor-
te do comportamento, a ação intencional e a liberdade tantes do desenvolvimento humano e sua relação com
do indivíduo em relação às características do momen- o conhecimento, mas é preciso considerar o fato de
to e do espaço presentes. Graças a essas funções, o ser
não ser possível pensar a aprendizagem, os processos
humano pode pensar em objetos ausentes, imaginar
cognitivos, sem levar em conta os aspectos culturais,
eventos nunca vividos, planejar ações a serem reali-
zadas em momentos posteriores. os problemas sociais, os desafios éticos, as diversida-
des, postos na contemporaneidade. E, em seguida, é
Importante ainda destacar que, nessa perspectiva
preciso lembrar que toda prática pedagógica, toda a
teórica, os sistemas simbólicos – e, portanto, a escrita
didática construída, pressupõe um comprometimen- dual e coletivo. Com esta reflexão, pode-se ressaltar os
to sociopolítico e epistemológico – mesmo que os direitos que dizem respeito às experiências culturais,
docentes não se apercebam disso, envolvidos, coti- artísticas e a garantia de poderem dizer a sua palavra.
dianamente, com a “tarefa de educar”, muitas vezes De serem atores sociais e autores de suas narrativas,
naturalizando suas opções metodológicas. As proposi- frutos das inúmeras leituras e releituras que fazem do
ções deste documento estão alinhadas a uma concep- mundo em qualquer lugar social que estiverem.
ção que entende as crianças como atores sociais, em Por um lado, o Estatuto sinaliza o reconhecimento
seus contextos de vida, ou seja, não estão passivas aos da criança como um ser social, que exige cuidados e
processos socioculturais dos quais fazem parte. Dife- amparos, mas, por outro, não escapa às contradições
rentemente do que em geral se pensa, as crianças não de uma sociedade profundamente desigual, o que
são seres que virão a ser. As crianças estão sendo em compromete a sua concretização. Sarmento, Bandei-
situação histórica. ra e Dores (2002) apontam uma crise social da infân-
O problema deste “comumente pensado” vir a ser, é cia, que não deve ser pensada fora do contexto da
que tal compreensão agrega à infância uma série de exclusão social, relacionada às variáveis de classe,
desqualificações. A ela estão, invariavelmente, atre- etnia e gênero. Assim é que faz referência a quatro
ladas as ideias de menor e da falta. Basílio e Kramer espaços estruturais: o espaço da produção (relação
(2003, p. 14-15), na apresentação do livro Infância, com o trabalho e distribuição de riqueza); o espaço
educação e direitos humanos denunciam o fato de doméstico; o espaço da cidadania (escola e esfera
o tema da infância e da adolescência, em vez de abor- pública) e o espaço comunitário (relações de pares e
dado como uma categoria social constituída na história culturas infantojuvenis).
e influenciada por fatores de caráter econômico, socio-
A reboque do processo de globalização, generaliza-se
lógico e político, é reduzido ora a faixas etárias, ora a
níveis de escolaridade, ora a estratos ou grupos sociais um vasto mercado de produtos para a infância, contri-
que têm alguma coisa em comum. buindo para certa uniformização de jeitos e estilos,
É verdade que, no Brasil, algumas conquistas no plano desejos e expectativas, promovendo ainda maiores
legal foram, certamente, fundamentais, como o Esta- desigualdades, já que a possibilidade do consumo
tuto da Criança e do Adolescente (1990), mas, e não está longe de ser para todos. Tal situação tem sérias
é menos verdade, há um movimento de marcha à ré, implicações no que Sarmento, Bandeira e Dores (2002)
considerando as políticas conservadoras que nos têm chamam espaço estrutural, no âmbito do comunitário.
assolado nos últimos anos e a consequente falta de Compromete a relação entre os pares, condição de
ações que concretizem a ideia de que as crianças pertença a determinado grupo, ou seja, tem implica-
são sujeitos de direito, e de fato, no âmbito indivi- ções à construção da própria identidade.
As possibilidades do aluno devem representar uma A escola, na sua concepção, deve ser ativa, dinâmi-
experiência de sucesso; pois, caso contrário, a diferen- ca, aberta para o encontro com a vida, participante e
integrada à família e à comunidade contextualizada,
ça pode significar uma experiência de fracasso e o ato
enfim, em termos culturais. Nessa escola, a aquisição do
de aprender irá se transformar em ameaça e medo.3 conhecimento deve se processar de maneira significati-
va e prazerosa, em harmonia com uma nova orientação
pedagógica e social em que a disciplina é uma expres-
3 Nesse sentido, vale a pena conhecer o trabalho do Educador
são natural, consequência da organização funcional das
Celestin Freinet. Sua obra pode ser inspiradora, tendo em vista essa
prática pedagógica comprometida com a construção da autonomia, atividades (PAIVA, 1996, p. 11).
do pensamento crítico e do espaço coletivo. Um dos mais
A premissa deve ser a troca entre pares, em que o
importantes educadores da atualidade nasceu em Gais, um vilarejo
ao sul da França, em 15 de outubro de 1896. Professor primário conhecimento partilhado entre crianças e professores
desde os 24 anos buscou pautar sua pedagogia no envolvimento aparece como catalisador deste processo. A ideia é
de todas as crianças no processo de aprendizagem, respeitando
seus direitos de crescer em liberdade e em uma escola prazerosa,
trabalhar com todos os elementos socioculturais possí-
onde a criança queira estar, onde a afetividade e as emoções sejam veis e disponíveis, como forma de apreensão de valores
legitimadas, onde haja alegria e prazer para descobrir e aprender.
emancipatórios. Isto significa dizer que se deve primar
Para Freinet, uma criança, que a cada instante cria, imagina e
inventa, só pode ser compreendida e orientada por meio de uma pelo incentivo às formas de pensar historicamente, pela
pedagogia da construção e do movimento. Assim, ele concebeu o
problematização da realidade e, naturalmente, pelo
processo ensino-aprendizagem na perspectiva dos que aprendem,
participantes da construção do seu conhecimento, valorizando a
capacidade individual e coletiva.
em todos os momentos.5 Sendo assim, o importante ultrapassa uma simples listagem de conceitos. Em tal
é alinhar o projeto político pedagógico de cada escola posição, a escola é alicerçada no direito de todos os
e seus desdobramentos à necessidade de flexibiliza- cidadãos desfrutarem de uma formação básica comum
ção, objetivando atender ao aluno que chega, não só e de respeito aos seus valores culturais. Sendo laica, a
em situação de deficiência (física, mental, sensorial), escola deve dialogar com as diversidades de etnia, de
mas também aquele que migra para comunidades gênero e de religião, sem fazer juízo de valor. Nessa
com língua, hábitos e valores diferentes dos seus, até perspectiva, é possível afirmar que o currículo englo-
então, estranhos ao seu convívio familiar e social. A ba valores, atitudes e procedimentos além de abran-
inclusão acontecerá realmente se estiver no âmbito ger questões referentes ao “quê”, “para quê” e “como”
das prioridades desde a elaboração do projeto políti- ensinar, articuladas ao “para quem”. Assim, as deci-
co pedagógico da escola. Sendo assim, estará presen- sões relativas ao “para quê” implicam a definição de
te também nas intenções curriculares, bem como nas objetivos político-pedagógicos. É impossível pensar
mudanças atitudinais tão necessárias à sua efetivação. no currículo sem o estabelecimento dos objetivos a
É nessa mesma perspectiva da transversalidade que serem alcançados.
se configura o compromisso com a promoção da equi- Estamos, portanto, diante deste artefato social que
dade de gênero e o reconhecimento das diversidades. chamamos conhecimento e que precisa ser conside-
A intenção é viabilizar espaços de socialização e cons- rado em sua importância na relação sujeito/objeto
trução de identidades, proporcionando oportunidades no grupo. Quanto a isso, podemos dizer que acessar
e condições para que meninos e meninas descubram e as informações sobre o mundo, fazer as articulações
desenvolvam plenamente seus interesses e capacida- e organizações necessárias, perceber e conceber os
des; transmitam saberes representativos do conjunto contextos – o global (todo/partes), o multidimensio-
da experiência humana, desconstruindo estereótipos nal, o complexo, – ampliar o conceito de ciência inter-
e preconceitos sexistas; incentivem a solidariedade e pretando os fatos humanos nas dimensões éticas e
o respeito mútuo entre os gêneros. 6
estéticas, deverão constituir-se em desafio constante
A partir dessas considerações, pode-se afirmar que os na ação educativa. E este é grande, posto que a reali-
conteúdos devem ser matéria-prima para a formação dade deixa de se apresentar completamente esclare-
de cidadãos críticos, autônomos e atuantes, o que cida, dando vez às contradições e às incompreensões,
com as quais o sujeito deve aprender a lidar.
é indispensável ir além das tradicionais listas de Até hoje, a escola admite como sendo seus conteúdos
temas desconexos, limitados e voltados para eles. Um de trabalho aqueles que envolvem saberes e noções
novo tratamento e entendimento do que é o conteúdo relacionadas às disciplinas específicas. Limita-se, em
precisa ser almejado! Essa reflexão tem sido travada geral, ao trato dos conteúdos conceituais – que envol-
por muitos que têm pensado em Educação e pode-se vem os fatos e princípios de uma dada área do conhe-
constatar um interessante produto deste processo cimento. E ainda lida com estes conceitos de forma
no encaminhamento que foi dado ao tema nos PCNs estanque, tratando-os como fim em si mesmos, não os
(BRASIL, 1997, p. 74): “Neste documento, os con- relacionando com o mundo e vice-versa.
teúdos são abordados em três grandes categorias: Na visão desta proposta entende-se que esses impor-
conteúdos conceituais, que envolvem fatos e princí- tantes conhecimentos destacados da relação com
pios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudi- o mundo se perdem, se “esvaziam”, sendo preciso
nais, que envolvem a abordagem de valores, normas ressignificá-los. Questões como ética, preconceito,
e atitudes”. respeito etc., discussões que estão permeando a vida
e o mundo de todos nós, não costumam ser conside- Ao planejar, o professor precisa conhecer o con-
radas como conteúdos de trabalho escolar. Por quê? teúdo e o seu grupo. Cuidar do que é aparentemente
Como não trabalhar esses conteúdos, manifestos no simples, como por exemplo: arrumação das carteiras
dia a dia desta sociedade? na sala, definição das propostas de atividades, orga-
Os conteúdos atitudinais são aqueles voltados para nização dos materiais disponíveis, previsão do tempo
a construção de valores e hábitos da vida em socie- para discussão e realização das tarefas. Isto traduz
dade. Nesta perspectiva, além de conteúdos concei- uma ação organizada, que está longe de ser entendida
tuais, é preciso incluir atitudes, valores e hábitos nos como uma ação estática; mas, sim, como uma possibi-
objetivos curriculares. Para contribuir na formação lidade de constante reflexão para novos planejamen-
da cidadania, a escola precisa trabalhar situações em tos. Nessa perspectiva, o ato de planejar é sempre um
que valores como justiça, honestidade, solidariedade, processo intimamente associado ao ato de avaliar.
compromisso e pensamento crítico sejam vivenciados.
Os conteúdos procedimentais dão conta das capaci- Sobre a metodologia
dades que precisam ser desenvolvidas para um “saber
fazer”. Instrumentalizam as crianças a optarem por [...] a importância de uma coisa não se mede com fita
métrica nem com balanças nem com barômetros etc.
uma atividade e terem a capacidade de, ordenada-
Que a importância de uma coisa há que ser
mente, realizar uma série de ações que os levem aos
medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
seus objetivos. Referem-se à aprendizagem dos proce- Assim um passarinho nas mãos de uma criança. É mais
dimentos necessários à realização de projetos, deci- importante para ela do que a Cordilheira dos Andes...
sões, cálculos. Como, por exemplo, o desejo de montar BARROS, 2003
um seminário sobre invertebrados. Com autonomia, O professor deve ter em mente que a construção do
perceberem que precisam pesquisar fontes, lê-las, conhecimento se faz na medida em que o objeto a ser
sintetizá-las, elaborar registros, planejar a exposição. conhecido se torna significativo para a criança. Isso se
Em uma proposta como essa o conceito só não basta, dá quando se assegura uma relação afetiva de confian-
o trabalho com os procedimentos, com os “meios”, ça mútua, tranquila, com vínculos que se solidifiquem
ganha relevo! com o tempo; compartilhando o saber, decidindo junto,
O trabalho que visa a uma interlocução entre concei- respeitando outros pontos de vista ou assumindo sua
tos, procedimentos e atitudes está realmente favo- posição. Por outro lado, é preciso garantir possibilida-
recendo a formação de cidadãos plenos: informados, des e direitos iguais no grupo, assim como explicitar,
conscientizados, capacitados ao encontro do mundo! com clareza, o que se espera de cada um dos envolvi-
dos no processo de ensino e de aprendizagem.
entre os grupos, para que as pesquisas e os conheci- te importantes neste processo. Autonomia, coope-
mentos construídos possam ser partilhados entre a ração, livre expressão e construção são princípios
básicos, o aluno precisa sempre elaborar hipóteses,
experimentá-las, confrontar seu saber com os saberes dada, mais rica ela será, ou seja, é inegável a impor-
do grupo e, com isso, a possibilidade de erro torna-se tância da intervenção e mediação do professor e a
bastante presente. Este é entendido como parte cons- troca entre os alunos, para que cada um vá realizando
tituinte de um processo, como algo ainda desconheci- tarefas e resolvendo problemas, que criem condições
do. Durante muito tempo, trabalhou-se com a ideia de para desenvolverem suas capacidades e seus conhe-
que a ausência de erros era uma garantia de aprendi- cimentos (SÃO PAULO, 2007).
zagem. Hoje, com uma melhor compreensão da relação Entendendo que cada disciplina possui uma lógica que
de ensino e de aprendizagem temos a oportunidade precisa ser respeitada com suas regras e leis próprias,
de entender o erro como algo inerente ao processo e o grande desafio é o de superar o “estabelecido” e,
que o aluno necessita de uma intervenção pedagógi- efetivamente, relacionar as experiências de vida dos
ca para superá-lo. Devemos deixar de lado o poder de alunos à sua compreensão do real e ao conhecimento
decidir sobre o certo e errado e considerarmos mais os sistematizado, pois “será muito mais rico se em nossas
processos e conteúdos a serem trabalhados. atividades didático-pedagógicas formos capazes de
Outro passo ao estabelecermos uma metodologia auxiliar nossos educandos a sentir e a perceber o
de trabalho é, dentro das possibilidades existentes, mundo como uma totalidade de elementos articula-
construir uma rotina com o grupo, tentando apro- dos num todo” (LUCKESI, 1993). Tendo em vista esta
veitar ao máximo os diferentes espaços e tempos articulação, pontuamos que o conhecimento é a inte-
disponíveis. Uma rotina que precisa ser flexível e que gração de diferentes conceitos e não uma listagem de
atenda com equilíbrio o ritmo individual, o grupo e ideias organizadas de forma sistemática.
o funcionamento geral da escola, garantindo espaço Compreende-se interdisciplinaridade não simples-
para a criança poder exercitar a livre escolha, desco- mente como um sinônimo de prática pedagógica,
brir seu ritmo, mas também ater-se às propostas mas, sobretudo, como avanço epistemológico. E
desenvolvidas coletivamente. nesse sentido, é preciso reconhecer quanto ainda
Nesse cotidiano, as atividades devem se desen- se tem por caminhar nas escolas, ao pretenderem
volver, na medida do possível, em uma situação de um currículo não disciplinar, tal como tem propos-
jogo, estudo e pesquisa, conjugando-se objetivos e to Gallo (2001), um currículo em rede; isso porque
conteúdos traçados com os interesses das crianças. se considera que a interdisciplinaridade e as suas
É fundamental que o professor tenha consciência do variantes minimizam alguns efeitos epistemológicos
seu papel, criar desafios e desequilíbrios, para que os e didáticos da disciplinarização. Porém, também se
avanços se sucedam e se solidifiquem. Quanto mais reconhece que o conhecimento escolar não é pura
a situação de aprendizagem for explorada e aprofun- repetição do conhecimento científico.
As escolas são espaços múltiplos, complexos em suas escolares, o projeto evita a fragmentação dos conte-
relações, com movimentos também diversos e, histo- údos e torna a garotada corresponsável pela própria
aprendizagem (NOVA ESCOLA, 2011).
ricamente, próprios. Nas escolas o que pode aconte-
cer são pontos de encontro entre as diferentes áreas Na escola, o trabalho com projetos origina-se a partir
do conhecimento, que poderão ser apropriados pelos da reflexão e busca da inovação, no sentido de signi-
alunos, articulados ao conhecimento escolar e à cultu- ficar a aprendizagem, tornando-a mais articulada e
ra da comunidade. Nas palavras de Morin (2004, p. 25): funcional. Para que se comece a pensar em um projeto,
“Para pensar localizadamente, é preciso pensar global- é importante a definição do tema a ser desenvolvido
mente, como para pensar globalmente é preciso pensar que contenha uma pergunta valiosa, substantiva a ser
localizadamente”. O professor com comprometimen- explorada. Essa definição pode ser feita de diversos
to político e epistemológico conduzirá a produção de modos: junto às crianças, procurando ouvir seus dese-
conhecimento relevante, significativo à vida dos alunos. jos e contemplá-los; junto aos professores, a partir de
alguma necessidade específica a ser trabalhada ou
Uma proposta que esteja voltada para o princípio da
que pretende organizar. É fundamental que os profes-
formação de indivíduos comprometidos, articulados,
sores conheçam e considerem também os conteúdos
sujeitos do mundo em que vivem, só pode utilizar-
que vão ensinar, a forma como as crianças se apro-
-se de uma organização pedagógica que inclua este
priam desse conhecimento e as situações possíveis
mundo, em seus vários aspectos. Entende-se que o
para ensinar determinado conteúdo.
trabalho com projetos poderá favorecer uma articu-
lação de forma dinâmica e substantiva do conteúdo Importante destacar que cada trajetória é singular, não
que se pretende desenvolver, com as informações que existe uma fórmula que se possa repetir de maneira
o envolve e, ainda, com os saberes que já se tinham idêntica porque os temas e as questões surgem em
faz muitas perguntas, e sem dúvida essa constatação podem encontrar seu lugar, sua forma de contribuir.
requer que dobremos a nossa atenção e sensibilida- Assim as crianças vão se responsabilizando pelo que
de. Muitas vezes o professor deverá assumir o lugar de dizem, levando em conta quanto o posicionamen-
tradutor, percebê-las no corpo, no gesto, no olhar, na to/conhecimento do outro é fundamental para o
atitude. Ainda mais que, no caso da escola, para que próprio aprendizado.
Quando se trata de projetos, professores e alunos do por um grupo de crianças interessadas. Assim
devem planejar as etapas, buscar materiais em dife- sendo, os conteúdos, nesta perspectiva metodológica,
rentes fontes de pesquisa e detalhar o tema com a estarão relacionados aos projetos construídos que,
elaboração de um índice de todo trabalho. O curioso certamente, se renovarão. As perguntas sempre atuali-
é a mudança de atitude docente que está implicada. É zadas devem ser: Os conteúdos propostos têm a ver com
ele se coloque na condição de aprendiz para estu- inevitável constatação de que a ideia de projeto remete
dar, pesquisar. a situar-se num processo, assim, o trabalho pedagógi-
co é efetivo quando está em construção, permanen-
•• A pesquisa conduzirá a diferentes versões, leituras,
do mesmo fato. É a problematização do tema que temente conectado ao mundo. Ou seja, ter em vista a
abre esse processo fundamental para que os apren- execução de tarefas reais, inseridas na vida cotidiana.
dizes possam contrastar o que sabem, pondo em A avaliação deve ser realizada de modo contínuo, a
questão os seus pontos de vista. partir da observação de todo o processo, nas ativida-
•• O que cada um produz em sala de aula, e traz de des individualizadas e coletivas.
informação, é matéria-prima para o desenvolvi- Na organização da ação pedagógica, em algumas situa-
mento do projeto: conversas, discussões, debates,
ções, o professor apoia-se no livro didático, em um
análises, fazem parte do contexto. Todos os alunos
programa previamente estabelecido e, muitas vezes,
apenas informa o que está no livro. Algumas escolas A equipe docente ao desenvolver o trabalho com
fazem opção pelos livros didáticos e paradidáticos, e o apoio do livro didático precisa, em parceria com a
esta escolha deve ser cuidada, criteriosa e, ainda que coordenação pedagógica, vivenciar momentos de
o livro seja considerado adequado, necessário e de análise dos títulos disponíveis; sendo importante que
boa qualidade, não poderá ser mais do que um guia, os mesmos estejam incluídos no Programa Nacional
não um roteiro, e jamais uma receita. do Livro Didático (PNLD).
Temos escolas que não utilizam livros didáticos. Elabo- Ao optar por uma metodologia, faz-se uma escolha
ram seus próprios materiais inclusive publicando teórica e política e, para sustentá-la, é necessário
produções que divulgam os estudos daquela determi- estudo, dedicação, aprofundamento, reinvenção! O
nada turma durante o período letivo ou um estudo fazer pedagógico pode e deve ser encaminhado de
específico, pesquisas que resultaram em produção de diversos modos. Não há dúvidas de que a forma deste
conhecimento. Utilizam outros materiais de estudos encaminhamento, escolhida pela instituição, dá indí-
como livros de literatura, jornais, revistas, internet, cios claros da sua filosofia de trabalho. E precisa ser
mapas, globo terrestre, jogos didáticos e muitos outros entendida e consolidada no discurso e nas ações de
que enriquecem as possibilidades de aprendizagem. todos os atores envolvidos no processo educativo.
Freinet (1988, p. 63), pedagogo do bom-senso,
enumera com maestria qual é a realidade tão comu- Da ordem do cotidiano
mente flagrada: – planejamento, ensino,
Migalhas de leituras, caídas de uma obra que ignora-
aprendizagem e avaliação
mos e que têm gosto de pão que ficou ressecando nas
gavetas e nos sacos. Planejamento e sua relação com
Migalhas de História, umas bolorentas, outras mal cozi- os processos de ensino e de
das, e cujo amálgama é um problema insolúvel. aprendizagem
Migalhas de matemática e migalhas de ciências, como No nosso dia a dia vivemos planejando nossas ações:
peças de máquinas, sinais e números que uma explosão uma viagem, uma festa, um encontro com os amigos,
tivesse dispersado e que nos esforçamos para montar,
o orçamento doméstico. Todo planejamento nasce
como um quebra-cabeça.
de um desejo, de uma intenção, de uma possibilida-
Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar,
no complexo de uma vida de infinitas combinações. de ou necessidade. Toda ação pedagógica nasce de
Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, miga- tar. O planejamento de ensino constitui-se, então, na
lhas de pátio, de recreio... previsão, organização e avaliação de situações que
Migalhas de homens.
propiciem condições para que os alunos construam conteúdos e conceitos a serem trabalhados – o profes-
conhecimentos sobre conteúdos e valores a serem sor organizará os objetivos que pretende atingir com
explorados num determinado período. os alunos. Estes são gerais ou específicos.
Mas como constituir um planejamento que conjugue os Os objetivos gerais são as grandes metas que se concre-
interesses e os objetivos do professor com os do aluno? tizam por meio de objetivos específicos que contem-
Como não fazer do planejamento um instrumento buro- plem os percursos individuais e coletivos durante o ano
crático, uma “camisa de força” ou uma lista de ativida- letivo. A seleção de conteúdos, conceitos, procedimen-
des para serem cumpridas, inibindo o surgimento e a tos e valores deve ser realizada em função dos obje-
exploração de fatos e situações inesperadas? tivos propostos. Esta organização precisa constar no
A finalidade de um planejamento é permitir pensar projeto político pedagógico e no planejamento anual
previamente no que se quer e no que se pode fazer, que será objeto de revisão periodicamente.
em função da criança e da sociedade em que se vive É importante a organização sequencial, considerando-se
e se quer viver. Como um instrumento que leva a uma a graduação, a continuidade, a unidade e a interdis-
tomada de decisão, concretizando-se por meio de ciplinaridade dos conteúdos selecionados. A organi-
ações reais, um planejamento que fique apenas no zação dos procedimentos de trabalho precisa estar
papel nada significa. Ele precisa falar de vida, de uma adequada aos objetivos propostos, aos conteúdos a
história em construção, em que a criança é o centro. serem explorados e ao nível de desenvolvimento dos
Para tal, é de fundamental importância conhecer a alunos e do grupo.
realidade social e cultural dos alunos. Antes de pensarmos sobre orientações específicas
O que os meus alunos sabem? para cada área do conhecimento e, portanto, em seus
O que ainda não conhecem? conteúdos, precisamos ter em vista, como adver-
te Zabala (1998), do perigo de compartimentar, no
Devo ensinar o quê? Como? Quando e onde ensinar?
momento de planejar, o que não se encontra de modo
No início do ano letivo, quando ainda não conhece-
separado nas estruturas de conhecimento, criando
mos os nossos alunos, podemos obter essas informa-
fronteiras artificiais. O que chamamos conteúdos são
ções no arquivo da escola, em conversas com colegas,
construções intelectuais para compreensão do mundo,
com os próprios alunos e em entrevistas com os pais.
das coisas ao redor, e sua parcialização metodológica
Depois deste conhecimento sobre as características,
é uma tentativa de facilitar a análise do que muitas
as condições e os problemas da realidade em que irá
vezes se dá de modo integrado, como vislumbra em
atuar – analisando, também, os objetivos do ano, os
sua reflexão:
ta –, vivência mais ampla, transformadora, que leve os pela regularidade, cuja intencionalidade maior é a forma-
alunos a pensar por si mesmos, experienciando fatos ção de hábitos e atitudes e a construção de determi-
vivenciam em sala de aula, nos livros, nas pesquisas, Exemplo: Rodas semanais para leitura de notícias
nas conversas, para que possam, de fato, aprender. de jornal visando à compreensão da função social e
Sabemos que o prazer é parte fundamental do apren- comunicativa da linguagem.
dizado e sem envolver o afetivo, pouco ou nada do 7 Esse modelo é inspirado na proposta de Délia Lerner para a
organização do tempo didático das atividades relativas ao ensino
que foi ensinado se apreende.
da língua, nas práticas de leitura e escrita.
Projeto. Suas atividades se articulam em função de ção direta com os objetivos didáticos e com os conte-
uma situação-problema e da intencionalidade de um údos que estão sendo trabalhados (p. ex., atividades,
produto final a ser compartilhado. Deve-se atentar à de escrita de textos jornalísticos, que sistematizem o
duração do projeto, que deverá ser flexível, conside- conteúdo discurso direto/discurso indireto, o estudo
rando as circunstâncias quanto ao nível de envolvi- da pontuação adequada a esse tipo de registro e os
mento e problematização em suas etapas, sem perder seus efeitos etc.).
de vista sua conclusão. Essa organização não exclui a possibilidade de flexi-
bilização. Entretanto, esta precisa ser consciente, ou
Segundo Lerner (2002, p. 89) existem ainda dois seja, o professor precisa ter clareza do porquê e o que
tipos de situações que podem ser classificadas está flexibilizando no planejamento. Os motivos preci-
como independentes: sam ser depois analisados na avaliação.
Ocasionais. Algo interessante trazido pelo aluno ou Elementos indispensáveis ao
mesmo pela professora e que não tenha, necessa- planejamento: cooperação e avaliação
riamente, nenhuma relação com o estudo feito pelo Pode-se afirmar que planejar não é um ato solitário,
grupo naquele momento. O professor propõe uma e sim coletivo, que deve considerar não só as metas
atividade devido ao seu caráter de atualidade. educacionais como também a autonomia de cada
De sistematização. Tais atividades podem ser consi- professor e o trabalho cooperativo entre seus pares.
deradas independentes por não estarem relaciona- Qualquer planejamento precisa envolver a participação
das diretamente ao projeto desenvolvido. Poderão do grupo de professores e da equipe técnica da escola,
ou não estar articuladas. Guardam sempre uma rela-
por si só: está sempre a serviço de um planejamen- A rotina diária é uma dimensão importante porque
to prévio, diário, e dos interesses do grupo. Quais contribui tanto para que as crianças sintam-se em
atividades farão parte da rotina deve ser pergunta segurança, como também para que possam participar
de todo professor. A sucessão de acontecimentos ativamente, junto com o professor, da administração
faz com que cada criança se aproprie do seu tempo, do tempo de aula. Surgem, então, novas questões:
dentro do seu próprio ritmo e do ritmo de trabalho do Como elaborar atividades de rotina? Quais seriam as
grupo. Este conhecimento deixa a criança mais segu- atividades de rotina adequadas ao meu grupo-turma?
ra para confiar no professor, pois compreende que Para que se possa chegar à solução destas questões,
seus desejos/interesses são respeitados na medida é preciso que se pense nas atividades de forma mais
em que percebe que existe um tempo para tudo. Esta ampla, considerando aquelas de caráter atitudinal e
compreensão é fator primordial no desenvolvimento procedimental, que buscam desenvolver capacidades
da sua autonomia. mais complexas e articuladas, necessitando estarem
É importante que a rotina de cada grupo seja estabe- sistemáticas vezes no planejamento e gradativamente
lecida a partir dos princípios filosóficos e da meto- atuando no desenvolvimento da competência deseja-
dologia que orientam o trabalho pedagógico. Ela da. É conhecendo bem o seu grupo que o professor
precisa equilibrar o tempo individual, o coletivo – o será capaz de perceber e selecionar as atividades
de trabalho em grupo, em duplas, de livre escolha e que julgar importantes para a sua rotina. Elas sempre
mesmo o trabalho dirigido. Assim, há momentos em poderão ser diferentes de um grupo para outro.
que a criança precisa ser livre para escolher o que, Assim, por exemplo, nos grupos que estão se apro-
como e com quem realizar determinada atividade e priando da linguagem escrita, a leitura de um livro em
outros, em que os desafios e propostas são lançados capítulos teria um lugar reservado, já que se relaciona
pelo professor. É fundamental que essa liberdade de à ampliação do repertório literário das crianças. Jogos
escolha seja sempre contextualizada, as opções sejam coletivos que envolvem o cálculo mental também teriam
claras e possíveis de serem realizadas. Instrumentos espaço diário garantido, já que permitem a socialização
que possibilitem à criança, desde o início, a compre- de estratégias. Em grupos com maior domínio de leitura
ensão da sucessão de “momentos” escolares, como, e escrita, seria possível pensar que as atividades que
por exemplo: o registro do planejamento cooperati- envolvem uma leitura autônoma poderiam ser feitas
vo, o calendário semanal ou mensal com o registro de em casa, ou no momento do trabalho diversificado, e
“grandes acontecimentos” são formas de auxiliar na que as situações de discussão, debate e socialização
sua organização temporal. dos resultados seriam as que poderiam ocupar espaço
diário no tempo da sala de aula.
A tarefa de casa pode fazer parte da rotina, tornan- e que enriquece o desenvolvimento do projeto de
do-se uma atividade frequente. É importante, porém, estudo de sua turma, cuja coautoria assume parcial-
considerar que essa tarefa não deve ser prescrita mente. Para isso acontecer, no entanto, é preciso que
porque tal prática acontece tradicionalmente. Além de o professor abra um espaço qualitativo de devolução
abordar conteúdos importantes relacionados ao que desta tarefa. É importante também variar as práticas
é trabalhado diariamente, a tarefa de casa também de correção: coletivas com autocorreção, individuais,
contribui para a formação de estudantes mais compro- troca em pequenos grupos etc.
metidos com seus afazeres. Entende-se que este tipo de proposta deve estar na
A atividade de pesquisa, por exemplo, colabora para rotina do grupo, pois discutir e corrigir coletivamente
a formação de atitudes e procedimentos importantes, é fundamental porque, nestes momentos, há a possibi-
como o desenvolvimento de uma rotina de estudo. lidade de enfocar tanto o conteúdo da tarefa realizada,
Deve ser uma das atividades frequentes, desafiado- como também as dificuldades e quais os procedimen-
ras, bem preparadas, de modo que a criança realize tos que cada criança encontrou para superá-las. São
sozinha. Para isso, é necessário que as dúvidas sobre valiosas informações sobre o desenvolvimento dos
o que está sendo proposto, o enunciado, por exemplo, alunos, pois constituem indicações de compreen-
sejam esgotadas na escola. Variar o tipo de atividade são (ou não), transferência (ou não) daquilo que está
para que não seja a simples repetição do que a criança sendo trabalhado.
fez na escola é um cuidado importante. Eventualmen- Em busca de um ambiente prazeroso de trabalho,
te, algumas atividades exigem a participação familiar, faz-se importante a preocupação com a organização
podendo tangenciar um espaço importante para o das atividades a serem desenvolvidas, assegurando
diálogo com os pais, para a troca, para o reconheci- que todos possam se expressar e ser ouvidos. Dife-
mento do que as crianças estão pensando, aprenden- rentes atividades geram diversas demandas materiais
do, de como vão construindo o seu conhecimento. e reações no movimento do grupo. Ao optar por uma
Muitas vezes, estas atividades nos surpreendem, e proposta ou outra, o professor deve pensar no seu dia
também aprendemos com elas. No entanto, para que como um todo, analisando a sua adequação ao que foi
essa participação da família seja possível, é preciso pensado para antes e depois.
conhecer as condições de vida das crianças.
Na organização do planejamento é preciso que o
O retorno da tarefa de casa, na escola, dentre tantas professor garanta frequentemente o desenvolvimen-
importâncias, também reitera o compromisso da crian- to de atividades que possam constituir e consolidar a
ça com o seu grupo – na medida em que contribui com rotina no grupo, tais como:
a reflexão/discussão do que foi posto na centralidade,
Momentos diversificados. A sala de aula pode ser ajuda. Por outro lado, ao planejar o trabalho diver-
dividida em cantos, e cada um corresponde a um sificado, o professor também pode oferecer cantos
trabalho ou um ateliê, que poderão ser organizados intimamente relacionados às dificuldades e/ou facili-
em baús, caixas, prateleiras. Tais cantos são definidos dades das crianças, podendo acompanhá-las mais de
em função dos objetivos e dos conteúdos previamen- perto. Para que isto ocorra dentro de um clima tranqui-
te acordados e funcionam ao mesmo tempo, aten- lo e produtivo, as crianças devem estar familiarizadas
dendo à escolha das crianças. Em cada ateliê estão com esta estrutura de trabalho.
dispostos os objetos e equipamentos necessários Na organização de momentos diversificados há uma
para a realização de cada atividade. Assim, à medida intenção clara de proporcionar à criança escolhas
que cada um termina uma atividade, procura outro variadas, respeitando seu momento, sua necessida-
ateliê onde haja lugar disponível para prosseguir seu de de esgotar um determinado interesse. Saber divi-
trabalho. Esta organização tem como objetivo central dir, compartilhar, intercambiar com outra criança ou
o respeito aos interesses e ritmos de cada criança, mesmo esperar que alguém termine sua produção
ao mesmo tempo em que lhe oferece a oportunidade para que possa dar início à sua tarefa é um desafio
de, ao escolher a atividade que deseja fazer, exercer a ser superado, além de começar/elaborar/finalizar/
sua autonomia. guardar o material, tornando-se responsável pelo uso
Durante o trabalho, o professor circula pelos diversos e conservação do espaço e dos materiais.
cantos, atendendo as crianças que necessitam de sua
O professor também precisa garantir que todos os alunos entre as conquistas a serem compartilhadas. Cabe ao
tenham o direito a vez e voz, inclusive os mais tímidos. professor auxiliar neste processo. Além disso, há muito
a explorar: sabores, cheiros, texturas, valor nutritivo
Lanche e recreio. É sempre um momento gostoso, com
dos alimentos, desperdício, organização, independên-
lugar garantido na rotina diária. Ele pode acontecer na
cia. Pode-se também organizar momentos coletivos,
sala ou em qualquer outro espaço, dentro ou mesmo
estimulando a troca dos lanches ou a preparação, em
fora da escola.
É comendo junto que os afetos são simbolizados, expres- conjunto, de algum alimento a ser decidido e degus-
sos, representados, socializados. Pois comer junto, tado por todos.
também é uma forma de conhecer o outro e a si próprio.
O recreio não deve ser utilizado como prêmio ou
A comida é uma atividade altamente socializadora
castigo na relação professor e aluno, ou ainda apenas
num grupo, porque permite a vivência de um ritual de
ofertas. Exercício de generosidade. Espaço onde cada como um “liberador de energias”. Considerando que
um recebe e oferece ao outro o seu gosto, seu cheiro, também não pode ser um momento de descanso ou
sua textura, seu sabor (FREIRE et al., 1998, p. 23-24).
Figura 1.13: Sesc em Minas Gerais curiosidade à perspectiva de uma participação ativa
na ação desenvolvida, a criança começa a estruturar
seu pensamento.
lazer, pois todo espaço/tempo escolar é educativo, a
O ato de pesquisar não é inato. Ele precisa ser apren-
presença e o acompanhamento do professor nos jogos
dido, exercitado ao longo de algum tempo. Logo,
e nas atividades do pátio (previamente combinadas
a pesquisa não pode ser encaminhada do mesmo
no planejamento) devem ser constantes, pois são
modo com qualquer grupo de trabalho. Em turmas de
necessárias inúmeras intervenções suas, explicitando
crianças menores, menos experientes e autônomas,
a importância do respeito aos direitos dos outros e ao
as atividades de pesquisa devem ser realizadas em
cumprimento de regras, acompanhando a brincadei-
sala de aula. O levantamento do tema e a busca de
ra das crianças, as competições e disputas; ou ainda,
material bibliográfico são procedimentos que devem
vendo-as se arriscarem e se lançarem nos desafios.
ocorrer perto do professor, sob seus constantes
Pesquisa. A pesquisa aqui não é apenas mais um esclarecimentos e mediação. Aos poucos, as crianças
procedimento pedagógico que pode ser utilizado pelo vão tendo a oportunidade de vivenciar os hábitos e
professor, mas sim um dos elementos que constitui de atitudes necessários ao ato de pesquisar.
forma definitiva o conceito de um processo educacio-
As crianças mais experientes, que passaram por este
nal que leva à autonomia, à liberdade, às aprendiza-
período e demonstram mais autonomia, devem ser
gens significativas. Segundo os PCNs “a aprendizagem
estimuladas a buscar respostas às suas curiosidades
de forma mais independente. A partir da escolha do causam maiores dúvidas ou os que atendam aos seus
tema, podem ir à busca do material bibliográfico em interesses específicos. É importante que, nesta situa-
casa ou na biblioteca, por exemplo. ção, a criança sinta-se amparada pelo professor e que
O tema da pesquisa pode ser decidido a partir de vários este possa lhe oferecer alternativas de trabalho para
motivos. Ou porque é um estudo previsto no currículo, que avance em seu processo de desenvolvimento.
como, por exemplo, o estudo dos animais invertebrados, Momentos em grupos ou em duplas. A disposição física
ou porque a turma demonstra interesse sobre dinossau- das carteiras em grupos não determina a realização
ros, por exemplo. Enfim, é preciso que não se perca de de atividade em grupo. Nos anos iniciais, o trabalho
vista a validade do processo de pesquisa. O tema da em grupo precisa ser coordenado pelo professor, pois
atividade, assim, é coadjuvante, é o meio e não o fim. os alunos não têm autonomia suficiente para divi-
Leitura diária. É fundamental o trabalho com as rodas dir as atribuições e cooperarem uns com os outros
de notícia e literária de forma a tornar a leitura expe- visando a um produto comum. No entanto, quando
riência significativa no cotidiano das crianças – leitura cada criança tem clareza do trabalho a ser realizado,
como fonte de informação e como fruição, dimensões a troca de opiniões pode enriquecer a execução da
diferentes e complementares que precisam ter senti- tarefa. Não é necessário que o professor se preocupe
do tornando-a necessária e prazerosa. com a “homogeneidade” do grupo, pois são as dife-
renças, mais que os pontos comuns, que permitirão
Mas falar de leitura não se limita às rodas – no dia a
uma troca mais rica.
dia das turmas ouvir histórias, cantar, manusear livros
são práticas essenciais, e o professor, ao conhecer seu As atividades em dupla podem contribuir para uma
grupo, poderá definir o melhor momento de inserir troca de repertório mais profunda, mas podem, prin-
esta prática em sua rotina. cipalmente, permitir que os alunos se apoiem e se
ajudem mutuamente. O conhecimento construído
Também é importante que o professor garanta dife-
pelo colega que está ao lado pode ser um elemento
rentes formas de organizar o trabalho cotidiano com
desestabilizador; favorecer os conflitos cognitivos tão
a turma:
importantes e evidenciar a zona de desenvolvimento
Momentos individuais. São os momentos em que a
proximal, mas não apenas isso. A opção pelo trabalho
criança tem a oportunidade de desenvolver uma ativi-
em grupo ou em duplas deve estar atrelada a uma
dade sozinha ou acompanhada do professor, quan-
postura de democratização do conhecimento, ou seja,
do será possível estabelecer uma reflexão (reflexão
longe de estarem competindo, as crianças estarão se
+ ação) sobre o seu próprio processo de aprendiza-
esforçando coletivamente para construírem um saber,
gem, entrando em contato com os conteúdos que lhe
tal como a Humanidade.
O espaço de constituição de grupos é um espaço de os alunos conduzidos pelo professor. Estes momentos
negociação, deliberação, construção e discussão de devem ser organizados intencional e sistematicamen-
regras e encaminhamentos. Nesse contexto, o profes- te para comunicar os procedimentos e resultados,
sor não será centralizador, dono do saber. Isso não difundi-los, procurar compreender os procedimentos
significa negar seu lugar de autoridade, tampouco dos outros, compará-los, poder reconstruir aqueles
excluir a necessidade das mediações pedagógicas de que parecem mais eficazes, valorizar os aspectos posi-
forma adequada e constante e, menos ainda, minimi- tivos das diferentes produções, considerar o quanto
zar a participação docente no processo de construção são generalizáveis para outras situações, confrontá-
de conhecimento das crianças. Freire et al. (1998, p. los, questionar e defender as diferentes proposições,
162) sintetiza esta reflexão: “[...] um grupo, para se utilizando argumentos vinculados aos conhecimentos
constituir, necessita de um educador presente, não em questão, como aponta o grupo Équipe de Recherche
basta só dizer, se juntem para trocar”. Mathématique à l’École Élementare (1995).
também encontros no grupo numa rotina diferente do no da escola; visitas a casa de amigos, lojas, fábricas;
cotidiano escolar. Tal prática fortalece os laços afetivos ida a museus, parques, bibliotecas, cinemas, exposi-
comprometimento intelectual, reflexivo. Exigirá que Uma avaliação comprometida com o processo terá
os educadores assumam um lugar de autores e atores um caráter investigativo dos encaminhamentos e dos
do seu fazer pedagógico e uma atitude epistemoló- resultados; professores e alunos serão sujeitos que
gica na medida em que deverão estar em condições interagem e qualquer projeto desenvolvido sempre
de transformar conhecimentos científicos, artísticos, estará atravessado por conhecimentos e também por
populares em saberes contextualizados na escola, para desconhecimentos. Ou seja, ao focalizar o desconhe-
que as aprendizagens sejam, de fato, significativas. cido, nesta perspectiva, o professor não estará preo-
Nesse contexto, a avaliação assumirá uma perspectiva cupado em sinalizar incapacidades e sim em ampliar o
“formativa reguladora” (SILVA; HOFFMANN; ESTEBAN, conhecimento individual e coletivo. “A avaliação como
2003, p. 17), ”instrumento privilegiado de uma regu- prática de investigação dá visibilidade ao processo
lação contínua das diversas intervenções e das situa- permanente de construção/desconstrução/reconstru-
ções didáticas” (PERRENOUD, 1999, p. 14). E, como ção do conhecimento de todos que participam da rela-
bem caracteriza Silva, Hoffmann e Esteban (2003, p. ção pedagógica” (ESTEBAN, 2000, p. 91).
15), tal avaliação jamais estará restrita ao produto e O erro passa, então, a ser visto como um momento
será democrática, constante, diversificada e contínua, do processo de construção de conhecimentos, que
será sistemática e intencional.
dá pistas sobre como cada um está organizando seu “etapa final”, acabada, pois por meio dela, no decor-
pensamento, a forma de articular seus diversos sabe- rer do trabalho, percebemos o que atingimos, o que
res, as muitas possibilidades de interpretação dos falta atingir e o que deve ser reformulado. Não há
fatos. O erro indica aquilo que a criança “ainda não como dissociar a avaliação do aluno da prática peda-
sabe”, portanto o que pode “vir a saber”. Não é algo gógica do professor e da escola. Nesse sentido, todos
negativo que deve ser evitado como nas avaliações são objeto e sujeito da avaliação: professores, equipe
classificatórias, mas, antes, precisa ser validado no técnico-pedagógica, direção, funcionários da secreta-
processo de aprender, há um conhecimento que nele ria, da limpeza, crianças e pais.
se faz presente, uma pista da construção de apren- O caráter da avaliação passa a ter outra lógica, dife-
dizagem, do saber da criança. Nesta perspectiva, o rente da anterior. Torna-se um ato político, propi-
erro torna-se um estímulo, ou mesmo um desafio ao ciando e vivenciando mudança, avanço, progresso,
processo de ensino e de aprendizagem – para quem enfim, aprendizagem.
ensina e para quem aprende.
Ela se caracteriza como:
O trabalho com projetos não pode lançar mão de uma
•• Processual e contínua: intimamente ligada à concep-
concepção mecanicista e classificatória de avaliação, ção de conhecimento e currículo como uma cons-
isto implica uma compreensão processual da aprendi- trução histórica, individual e coletiva. Constitui-se
zagem, como algo compartilhado, dinâmico, complexo. em um processo permanente de ação-reflexão-
Potencializando a diferença nas práticas pedagógicas, ação, e ocorre durante o processo de aprendizagem
não se pode ter um processo avaliativo homogenei- dos alunos e não após.
zador no que diz respeito a nenhum de seus aspec- •• Participativa: envolve todos que participam do
tos: instrumentos, procedimentos, percursos etc. processo: pais, mães, responsáveis, alunos, profes-
Ao contrário, os projetos incentivam que os alunos sores e funcionários.
exponham os seus processos de aprendizagem e não, •• Investigativa e diagnóstica: tem o aluno como parâ-
simplesmente, mostrem os resultados. metro de si mesmo, respeitando o seu processo
Como vimos, o conceito de “zona de desenvolvimento de construção de conhecimento; considera o erro
proximal” é um instrumento significativo para explo- como ponto de reflexão, buscando alternativas e
desafios para novas construções e utiliza a observa-
rarmos a diversidade de conhecimento e as diferen-
ção, o registro e a reflexão como instrumentos para
tes possibilidades para a sua construção, além de
“ler” o grupo e o indivíduo.
estabelecer mecanismos para a construção de conhe-
cimentos novos e mais amplos que os anteriores. A Em função da finalidade, apontamos três modalidades
avaliação precisa deixar de ser considerada como uma ou tipos de avaliação: inicial, formativa e final.
Avaliação inicial. Para planejarmos uma ação peda- observações dos alunos. Esses registros são constituí-
gógica pautada nas características e interesses dos dos de trabalhos, produções individuais e grupais, de
alunos é importantíssimo, primeiro, conhecê-los; relatórios construídos coletivamente pelo grupo de
conhecer o que sabem acerca daquele determina- professores, dos alunos, pelos próprios pais e outros
do conceito, fato, procedimento ou atitude. A partir documentos que poderão ser analisados na trajetória
dessa investigação, o professor vai estruturar seu do aluno na escola.
planejamento, definir os conteúdos e o nível de É importante que os trabalhos de referência nos rela-
profundidade em que devem ser abordados. O obje- tórios não sejam os mesmos para todos os alunos
tivo deste tipo de avaliação é oferecer ao professor porque cada um é parâmetro de si mesmo. No rela-
informações necessárias para propor atividades que tório, é importante constar uma ficha de acompa-
gerem uma aprendizagem significativa e proporcio- nhamento com objetivos bem delineados, na qual o
nar ao aluno uma tomada de consciência do que professor junto com o aluno assinale os que foram
sabe e do que ainda pode aprender sobre um deter- alcançados, os que estão em andamento, percebendo
minado conteúdo. É importante que esse tipo de aqueles que precisam ser reestruturados. Também é
avaliação não ocorra apenas no início do ano letivo, importante o registro nesta ficha da reunião de pais.
mas em qualquer situação na qual o aluno aprenda Cada ficha/dossiê é diferente, pois mostra o caminho
novos conteúdos. de cada aluno/sujeito no seu processo de aprendiza-
Avaliação formativa. Durante o processo de aprendiza- gem, as diferentes hipóteses construídas e as alterna-
gem, os alunos vão modificando suas hipóteses, seus tivas encontradas.
saberes e com isso a intervenção pedagógica é repla- Pensando nas provas e testes sob a perspectiva de uma
nejada. É nesta modalidade de avaliação que se inves- avaliação formativa, propomos que estes instrumen-
tigam os processos de construção do conhecimento e tos sejam do próprio processo, do trabalho cotidiano,
neles se intervêm. Ela ocorre por meio da observação do percurso de construção e produção do conheci-
sistemática do processo de desenvolvimento da crian- mento do estudante e que eles não aconteçam apenas
ça em relação aos objetivos propostos. em momentos estanques, ao final do bimestre ou nas
A observação e o registro são instrumentos metodo- semanas de provas.
lógicos básicos, tanto para a avaliação inicial como A diversificação das situações e dos instrumentos, e
para a avaliação formativa. Eles atendem a objetivos a autoavaliação das crianças e dos professores, no
diversos e podem ser implementados com o apoio decorrer do processo, assim como as inúmeras possi-
de alguns suportes tais como: uma ficha individual bilidades de registros – realizados tanto pelo profes-
ou dossiê, contendo registros sobre as produções ou sor quanto pelos alunos – são fundamentais, pois é
por meio deles, que se pode observar e compreender Inclusão: um olhar para a
os avanços conquistados e os desafios enfrentados no diversidade na escola
processo de ensino (OLIVEIRA et al., 2011). O diálogo Pensar a escola para todos é mais do que
sobre avaliação entre escola e família deve ser aspec- favorecer o acesso dos alunos aos bancos escolares,
sejam eles com ou sem necessidades especiais [...].
to importante na discussão do projeto político-peda-
BRAUN, 2012
gógico e nos encontros dos professores com os pais/
responsáveis durante o ano letivo. A organização da escola nos tempos atuais não pode
prescindir de uma ação educativa cuja perspecti-
Avaliação final. O processo de observação e registro,
va seja transcender as práticas que excluem, segre-
além de possibilitar uma reorganização no planeja-
gam ou tenham algum indício de discriminação de
mento e nas atividades oferecidas aos alunos, propor-
qualquer natureza. A temática da inclusão possui um
ciona uma análise dos resultados da aprendizagem
caráter abrangente, exigindo que as escolas se reor-
para avaliar o quanto cada um alcançou ou não o nível
ganizem para atender as diferentes demandas sejam
esperado. O “não alcançar” no sentido oposto ao de se
de etnia, gênero, necessidade educacional especial ou
buscar apenas o êxito ou o fracasso dos alunos; avaliar/
outras singulares a seu contexto. Para tanto, a esco-
repensar o que ocorreu, desde o primeiro momento
la precisa estar atenta e se organizar para atender as
do levantamento das hipóteses e da sua execução em
suas demandas específicas, envolvendo a comunida-
relação ao processo educativo. Dessa forma, a avalia-
de escolar, desde a proposição até a ação efetiva.
ção final não é um veredito sobre os alunos, mas um
retorno para o professor, alunos e pais. A escola contemporânea está inserida num contexto
multicultural e diverso, no qual ecoa uma polifonia de
Essas modalidades apresentadas apontam a necessi-
sujeitos que trazem suas marcas, seus desejos, seus
dade de uma mudança nas práticas da avaliação esco-
direitos e suas histórias. Dar conta dessa diversidade é
lar. Esta só pode acontecer e ser entendida dentro de
um desafio posto, e cabem aos gestores, professores e
um movimento mais amplo de redefinição da escola
aos demais profissionais o entendimento que não há
e das práticas sociais. Olhando atentamente para as
um caminho pronto, e sim, uma trajetória a ser cons-
diferentes histórias de nossos alunos e do cotidiano,
truída no coletivo que precisa estar assegurada no
refletindo sobre elas, compartilhando dúvidas, certe-
projeto político-pedagógico da escola.
zas e incertezas.
Pensar na construção de uma escola inclusiva é reconhe-
cer que muito ainda há por fazer no seu cotidiano para
que possa garantir uma ação de qualidade para todos.
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crianças na construção criativa de seus cadernos. É resgatar a história de cada aluno, para entender como
no caderno, especialmente, que estará o registro do ele se constituiu estudante; compromissado com o
percurso, como cada um significou, organizou, compre- seu papel em um movimento contínuo e constante.
endeu o que foi estudado pelo grupo. Em parte, os Dessa forma, cabe ao professor outro olhar para esse
cadernos terão registros comuns – propostas, textos, instrumento de registro que não só o da correção, mas
atividades oferecidas pelo professor. Porém, há outra de uma releitura em relação ao ensino e à aprendiza-
parte desse registro, que trará a história de cada estu- gem. Chartier (2012) corrobora com essa ideia quan-
dante, as particularidades de seu autor – ilustrações, do nos diz que “graças ao caderno, as crianças têm
textos, pesquisas, anotações pessoais, lembretes – a primeira experiência de uma produção de longo
trata-se de um diário a ser compartilhado, valorizado, prazo”. Podemos pensar no formato desse caderno
correção, nas interações possíveis entre os alunos e •• Conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e
seus registros, enfim, numa construção em parceria adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos
com todos. básicos da qualidade de vida e agindo com respon-
sabilidade em relação a sua saúde coletiva.
Pretende-se que o educador esteja permanentemente
convidado, desafiado, a um olhar interdisciplinar. Dese- •• Utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemá-
ja-se oferecer a possibilidade de uma reflexão crítica tica, gráfica, plástica e corporal – como meios para
produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpre-
em torno das questões postas como desafio para a
tar e usufruir das produções culturais, atendendo a
educação contemporânea. Ensinar a conhecer, ensinar
diferentes intenções e situações de comunicação.
a fazer, ensinar a compartilhar, ensinar a ser, são consi-
derados pilares da educação, que não se viabilizarão •• Saber utilizar diferentes fontes de informação e
recursos tecnológicos para adquirir e construir
sem o esforço de toda a comunidade escolar e sem o
conhecimentos.
desafio de “religar” os saberes. É preciso, no entanto, ir
além da reflexão, ou do discurso, e propor encaminha- •• Questionar a realidade formulando problemas
e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o
mentos práticos para o desenvolvimento de projetos
pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a
cooperativos entre as áreas.
capacidade de análise crítica, selecionando proce-
Pode-se destacar como competências fundamentais, dimentos e verificando sua adequação.
transversais, nas diferentes áreas:
Não se pode esquecer que muitas habilidades como
•• Dominar variedade de linguagens, com condições de ouvir, ler, relacionar, identificar, reconhecer, dedu-
ler e compreender textos, charges, gráficos, mapas etc.
zir, analisar, classificar, propor etc. deverão estar
•• Ser capaz de interligar conhecimentos das diferen- em jogo para que seja possível o desenvolvimento
tes áreas, conectando os conteúdos com a realida- das competências.
de do mundo que o cerca.
São as atividades pedagógicas interdisciplinares e os
•• Solucionar problemas, percebendo em textos orais processos pedagógicos participativos que favorecem
e/ou escritos as informações relevantes sobre o
a conquista plena de significação do que se pretende
fenômeno em questão para que possa, interpretan-
ensinar e aprender, e o envolvimento com ações expres-
do, tomar a decisão adequada.
sivas e transformadoras. Reitera-se que a avaliação
•• Construir argumentação, saber se colocar critica-
deve ser um processo articulador da dinâmica entre o
mente, assumir pontos de vista, defendendo-os de
ensino e a aprendizagem e, nesta perspectiva, o impor-
maneira consistente e adequada, baseando-se nos
tante não é a atribuição de notas ou conceitos, e sim a
conhecimentos construídos.
sua compreensão para que o conhecimento de todos
•• Refletir sobre o que aprendeu e comunicar ao outro
seja ampliado de modo interessante e significativo.
com pertinência, generosidade e adequação.
Neste contexto, afirma-se o trabalho com projetos o jornal e outro material impresso, como, por exem-
didáticos como oportuno. As diferentes áreas curri- plo, um livro. Podem-se avaliar dimensões, papel para
culares podem ser pensadas em torno de um projeto impressão e sua qualidade, numeração das páginas,
comum, o que enriquecerá o processo porque propor- espaços em branco, formatação e estrutura, variedade
cionará às crianças o uso prático de diferentes habi- de caracteres tipográficos, assuntos tratados, impor-
lidades e competências. O projeto pode estimular o tância da primeira página, no caso do jornal.
aluno pesquisador, construtor de significações, e, Por meio da utilização deste tipo de texto no contexto
sobretudo, favorecer laços solidários na medida em da sala de aula, podem-se oportunizar, aos estudantes,
que uns crescem com a ajuda dos outros. É preciso boas situações de aprendizagem, pois sua utilização
destacar que as diferenças são bem-vindas, em que os aproxima de diversas modalidades de linguagem
cada aluno é estimulado a trazer para o trabalho cole- empregadas na atualidade – histórias em quadrinhos,
tivo as suas singularidades, buscando elementos que charge, textos publicitários, entrevistas, artigos de
ampliem seu saber, sendo o diálogo e a troca a grande opinião etc. Eles poderão, ainda, manusear as partes
aposta para o sucesso. de um jornal, explorando sua estrutura – organização
em colunas; composição em manchete, reportagem,
Quantos conhecimentos poderão entrevista, textos publicitários, editorial, artigo de
estar em jogo, inter-agindo? opinião –, seções que o compõe e cadernos especiais.
Sobre atividades pedagógicas de natureza relacional, O trabalho com o texto jornalístico na sala de aula
pode-se pensar o trabalho com o jornal, que traz um deve necessariamente visar ao desenvolvimento da
conjunto grande de desdobramentos nas diferentes apreciação e do discernimento crítico dos alunos em
áreas. Trata-se de um portador de textos de mais fácil relação às notícias veiculadas, suscitando a formação
acesso, o que contribui bastante para o encaminha- de opinião e a aquisição de novos conhecimentos.
mento do trabalho pedagógico e também aponta sua Nesse sentido, atividades voltadas para este propó-
relevância, tendo em vista a sua função social. sito tendem a contribuir para enriquecer e ampliar a
Segundo Faria (2000, p. 21), ao trabalhar o texto jorna- compreensão acerca da linha ideológica e filosófica do
lístico, “é preciso que os alunos saibam como é feito jornal, ou seja, os valores, princípios e propósitos que
um jornal e aprendam a manipulá-lo”. Isto porque é permeiam sua versão dos fatos relatados, sendo esta
preciso conhecer para (des)construir, ou seja, é preciso uma importante tarefa do professor.
conhecer um tipo de texto para poder criticar, cons- Ao empreenderem-se estas ações para a exploração
truir sobre sua própria estrutura. Esta primeira fase da diversidade de textos existentes no jornal se está,
inclui, entre outras, as atividades de comparação entre sobretudo, mediando modos de recepção, apropria-
ção e produção textual que despertam nos alunos a
construção de novos conhecimentos, sempre anco- Com relação aos aspectos externos ao jornal, pode-se
rados no pensar crítico sobre o que se lê e a reali- explorar a tiragem, o preço, o valor da publicação de
dade que se vive. Pensar as áreas do conhecimento um anúncio etc.
que estariam articuladas, além da Língua Portugue- Para um melhor manuseio, exploração e compreensão
sa, não será conclusão difícil a se chegar. Para falar do jornal na sala de aula é importante que o professor
apenas da Matemática, em que a relação pode até tenha um conhecimento claro acerca das informações
parecer menos óbvia, é possível enumerar uma série contidas nos textos jornalísticos e saiba quais são
de desdobramentos: as funções e os recursos linguísticos utilizados para
Números presentes no jornal – o contexto e a função veicular uma mensagem. É preciso reconhecer, identi-
social dos números: ficar, caracterizar partes de sua estrutura:
•• Investigar os números que aparecem nos jornais: No que se diferenciam as manchetes das
em situações de medidas e acompanhados de demais notícias?
sinais e símbolos. Que diferença faz cada um
Editorial, crônica, artigo de opinião, entrevista.
desses símbolos?
Quais são as especificidades de cada tipo de texto?
•• Observar textos dos anúncios. Explorar medidas e Em que medida essa variedade poderá ser valiosa
preços e com eles resolver problemas variados.
ao professor nas diferentes áreas de conhecimento
•• Gráficos, infográficos, mapas, tabelas – o tratamento com as quais trabalha?
da informação.
É importante destacar que ao planejar as situações
•• Pesquisar os gráficos que os jornais mostram. A que didáticas, o professor organize-as atendendo ao
se prestam os gráficos? Que tipo de mensagem traz
nível de conhecimento dos alunos, com ênfase nas
esse portador de texto?
especificidades de cada ano de escolaridade, assim
•• Descobrir diferentes tabelas que aparecem nos
como do grupo, respeitando os diferentes percursos
jornais. Que funções elas têm?
de aprendizagem.
•• Analisar as informações e as legendas presentes em
mapas do clima ou previsão de chuvas, por exemplo.
diversos e modalidades variáveis, gerando o cará- das pessoas? É possível tratar o conteúdo energia/
ter social e histórico da vida humana. Este contexto, transformação com os estudantes – algo que está
que atravessou épocas e espaços, permitiu que pela presente nos processos naturais ou criados pelos
observação, ação e reflexão fossem criadas as bases seres humanos – sem abordar a forma como a huma-
teóricas do que seriam as Ciências da Sociedade e da nidade usa, cada vez mais, as fontes não renováveis
Natureza, na medida em que os diferentes aspectos de energia? E como falar de desenvolvimento, tema
do mundo natural, social e cultural são parte da vida que interessa ao mundo inteiro, sem acionar os conhe-
do homem, objeto de indagação, curiosidade e ação. cimentos das ciências da natureza e da sociedade?
Será possível abordar a questão do crescimento e do
A ideia é que a escola possa, respeitando as especifi-
progresso, sem uma reflexão em torno da forma que
cidades das áreas de conhecimento, articular alguns
se utiliza os recursos naturais não renováveis, ou dos
conteúdos das diferentes ciências em torno de temas
que se renovam em tempo muito maior do que o de
que problematizem a realidade, favorecendo uma visão
sua destruição? Sabe-se que a concepção de desen-
relacional das ações humanas e da natureza. Por exem-
volvimento com a qual convivemos ao longo de sécu-
plo, a proposição de estudos interdisciplinares que
los gerou desigualdade, miséria e morte. Sobre tal
contribuam com as crianças, sujeitos históricos que
concepção, lê-se nas Diretrizes Gerais de Ação do Sesc:
elas são à prática da indagação e compreensão de dife-
rentes elementos do mundo em suas relações – de seu
Este processo, voltado exclusivamente para a amplia- recendo as relações entre o doméstico e o cotidiano
ção da capacidade produtiva das sociedades, teve como com o mais amplo, entre o individual e o social, entre
um dos seus resultados a desregulação da relação natu-
o presente e o passado. As Diretrizes são explícitas
reza e sociedade. O resultado catastrófico deste proces-
so de industrialização em que somente a maximização quanto às suas intenções:
dos lucros importava é conhecido: desordenação dos Neste sentido, é preciso que nas atividades voltadas
ecossistemas naturais através das práticas predatórias para a educação formal, sejam incorporados à grade
e poluidoras. Uma das consequências deste fenômeno curricular conteúdos que tratem de questões ambien-
é o surgimento de doenças que reduzem a qualidade de tais, e que nas demais atividades exista a preocupação
vida dos indivíduos, a extinção de espécies animais e a permanente de explorar as possibilidades que estas
poluição e degradação do meio ambiente, ameaçando oferecem de forjar em seus beneficiários uma cons-
a sobrevivência do homem e das demais espécies no ciência da importância de um meio ambiente saudá-
planeta (SESC, 2010, p. 22). vel para si e para a sociedade. Paralelamente a esta
impregnação de conteúdos sobre a questão ambiental
Para que as crianças participem de ações comprome-
no conjunto das atividades do Sesc, devem ser realiza-
tidas com o cuidado do planeta, sejam pequenas ou das Mostras, Oficinas, Palestras e Seminários voltados
grandes, é necessário que a escola tenha em pauta exclusivamente para o debate e reflexão das questões
uma reflexão atenta e constante que relacione a ideia relativas à melhoria e preservação do meio ambiente
(SESC, 2010, p. 22).
de qualidade de vida e os conceitos de desenvolvi-
mento e sociedade sustentáveis. Nesta perspectiva, é preciso compreender que a
Educação Ambiental não deve ser transformada,
Conforme previsto nos PCNs, Meio Ambiente e Saúde,1
simplesmente, em mais uma disciplina curricular. O
se pretendemos falar de sustentabilidade de vida na
mais coerente é que cada professor, a partir mesmo
Terra e social, será preciso reconhecer como valor
das especificidades dos conceitos com os quais traba-
essencial a conservação da biodiversidade e da socio-
lha, inclua em seu planejamento uma abordagem que
diversidade, respectivamente. A formação para a vida
favoreça a construção da crítica em torno da proble-
cidadã inclui, necessariamente, a mobilização dos
mática ambiental, isso quer dizer que se trata de
estudantes para esse tipo de reflexão.
uma forma abrangente de educação: um conjunto de
Os conteúdos das ciências a serem escolhidos para o
ações/reflexões que pretende abarcar a complexidade
desenvolvimento deste trabalho integrador devem ser
da ação humana, tratando-se, portanto, de uma ques-
adequados às faixas etárias das crianças, contribuin-
tão interdisciplinar.
do com a leitura do mundo, ou seja, além de terem
relevância científica, devem ter relevância social, favo-
1 Vale lembrar que Meio Ambiente e Saúde são temas transversais
e que com a Constituição/1988 (art.225, § 1º, VI) a Educação
Ambiental se tornou exigência a ser garantida pelos governos
federal, estaduais e municipais.
Conhecer o mundo atual em sua diversidade; avaliar lar conteúdos atuais e de ordem macro com o miúdo
as ações humanas e suas consequências em diferen- do cotidiano, o que esbarra diretamente em postu-
tes espaços e tempos; conhecer a natureza em suas ras, atitudes e modos de viver. Trata-se quase de um
múltiplas relações, compreendendo a ação do homem tecido, um emaranhado de fios que saem de lugares
na construção e/ou alteração da paisagem e do lugar, distintos (das diversas ciências, práticas e experiên-
dentre outros, também são objetivos de outra ciência: cias), fios de vários tipos, mais densos ou delicados,
a Geografia. que dão sustentação (fundamentação) e leveza, bele-
É possível afirmar que também a Matemática contribui- za (nas atitudes transformadas). As Diretrizes Gerais de
rá, promovendo o desenvolvimento de conhecimen- Ação do Sesc ainda sinalizam que
tos, atitudes e habilidades necessárias à preservação [...] o acelerado processo de transformações que a
sociedade brasileira e mundial têm passado nos últi-
e à melhoria da qualidade de vida. A ideia é fortalecer
mos anos exige dos indivíduos habilidades específicas
a promoção de modelos de desenvolvimento susten-
que lhes permitam agir de maneira mais eficaz, inter-
tável, que contribuam para a transformação nas atitu- pretando e reavaliando a todo o momento informações
des das crianças. e conhecimentos, sob pena de serem alijados deste
processo de transformação social (SESC, 2010, p. 24).
Abrir espaço para discutir questões relativas ao consu-
mo; analisar criticamente modelos, modas, produtos A escola será mais eficiente no desafio de contribuir
descartável, a partir de elementos inerentes às cultu- das nas diretrizes, quanto mais “diálogos” conseguir
ras locais, assim como as imposições de uma “cultura oportunizar entre as áreas do conhecimento. Quanto
hegemônica”, é uma responsabilidade da escola, que mais os saberes estiverem religados, como aponta
deve se materializar de modo transversal a partir de Morin (2004) – mais se favorecerão os estudantes. É
conteúdos relacionados às diversas áreas curriculares. nessa retroalimentação entre o todo e as partes, entre
as ciências e as artes, entre a repetição e a criativida-
Pode-se dizer que empreendedorismo, sustentabili-
de, que o conhecimento pertinente, contextualizado,
dade, diversidade, cidadania se aprendem a partir de
poderá ser construído e os ajudará a enfrentar o desa-
projetos didáticos abrangentes e eficazes em articu-
fio da complexidade.
LÍNGUA
PORTUGUESA
Sobre tal questão, nos lembra Foucambert (1994, p. ter com as histórias, especialmente com a literatura,
5): “ler significa ser questionado pelo mundo e por uma relação muito mais de escuta atenta e amorosa do
si mesmo, significa que certas respostas podem ser que consumo banalizado. Isso acontecerá se as esco-
encontradas na escrita, significa poder ter acesso a las não se preocuparem apenas em testar saberes e,
essa escrita, significa construir uma resposta que inte- sim, em despertar o amor pela leitura. Nesse sentido,
gra parte das novas informações ao que já se é”. algo pode ser inaugurado, e não se falará mais em
Pode-se rememorar as Mil e uma Noites, quando a criar o hábito de leitura e sim em, pacientemente,
leitura é força, é lugar, espaço, território; também é cativar a leitura. Trata-se do desafio de transformação
percurso, viagem, trajetória. A história requer uma de práticas engessadas. Para isso, a primeira de todas
contrapartida autoral de quem “lê”, de quem conta. as exigências para compreensão do funcionamento
Requer atuação, relação, imaginação, encantamento. da linguagem é proporcionar a experiência de narrar
Sherazade é arrebatada pelo texto que lê! Por isso e de ser ouvinte de narrativas. O professor será o
é cativante! Como lembra Alves (1999, p. 52) “um mediador, ensinante, mas também aprendiz, porque
escritor não escreve para comunicar saberes. Escre- as compreensões serão plurais, lançando os sujeitos
ve para comunicar sabores. O escritor escreve para envolvidos em novos processos de experimentação e
que o leitor tenha o prazer da leitura”. Os escrito- de aprendizagem.
res pressupõem um sujeito ouvinte “leitor” sempre Considerando a leitura como experiência, pode-se
atuante, porque o texto está aberto para ser lido de dizer que o livro também nos lê; porque passamos a
várias maneiras, sempre com muitos sentidos. Por ver em nós o que não víamos, ou mesmo o que não
isso a criança fica fascinada pelas delícias da leitura/ havia antes para ser visto. Essa relação de mão dupla,
do encantamento, pelas delícias que moram no livro. do leitor que lê o livro e do livro que lê o leitor, é
A criança não tem pressa! Ela pode ouvir, inclusive, mesmo um diálogo incessante. E se “lê-se para somar-
várias vezes a mesma história! O tempo é o tempo -se”, como diz Queirós (2004), é porque o leitor pôde
presente! As fantasias infantis serão exercício huma- se comover, sair do lugar e aderir àquele fluxo de
no criador que poderão tonificar a dimensão imagi- pensamentos e sensações. É a percepção dessa rela-
nária da vida. ção subjetiva, particular, que torna possível acreditar
Talvez seja urgente uma escola aprendiz dos exercí- que, mesmo se tratando da mesma obra, não lemos o
cios de ser criança. E quem sabe, assim, será possível mesmo livro; o que faz formigar em uma criança, não
fará da mesma forma em outra; e cada vez que o livro Levando em conta essas considerações, é preciso
muda de mãos vai tornando-se outro, vai tornando-se admitir que o ponto de partida é um professor leitor,
o livro de cada um. competente e entusiasmado, capaz de dividir com os
A leitura não é um ato solitário, passivo, mas a intera- seus alunos os encantamentos. Desta forma, a Litera-
ção verbal entre indivíduos, diálogo entre escritor e tura ganhará um espaço nobre nas aulas e não estará a
leitor. Ler é uma construção ativa do leitor que, quan- serviço de uma série de atividades que, ao contrário de
do lê, escreve um novo texto repleto de novos símbo- ampliar, prolongar o prazer e a descoberta dos textos
los. Ao ler, e mesmo ao ouvir uma história ou um texto literários, os relançarão num universo enfadonho,
informativo, em algum nível, o leitor/ouvinte relacio- repetitivo, previsível. Sendo assim, qualquer atividade
na o texto às suas vivências emocionais mais íntimas, proposta às crianças a partir da leitura de um texto lite-
cria referências, entende melhor seu próprio mundo. rário deve ser essencialmente lúdica, artística, porque
A Literatura, especialmente, contribui para o enrique- este se distingue dos demais pela utilização especial
cimento do imaginário do leitor, além de colocá-lo em que faz da linguagem, diferente da cotidiana.
contato com uma diversidade de autores, gêneros, No momento em que o leitor “entra” na experiência
estilos, vocabulário e campos semânticos que amplia- dessa leitura, precisará descobrir as pistas do criador
rão seu universo lexical e literário.
do texto, interpretando-as. Por meio da imaginação, da •• Indicar um livro para algum amigo a partir de comen-
fantasia, a criança apreende e significa a realidade, de tários ou de leituras de fragmentos da história.
modo crítico e emocionado. Que papel decisivo tem a •• Participar de cirandas de livros, podendo trazer algum
leitura na formação humana! Neste sentido, Colomer de casa e disponibilizar para um troca-troca entre os
(2007, p. 27) traz uma valiosa contribuição: amigos da turma; e da organização de gibitecas.
As formas de representação da realidade que achamos •• Convidar a família para participar de rodas de leitu-
na literatura projetam uma luz sobre o mundo conhe- ra e contações de histórias.
cido, que reinterpreta para o leitor a forma habitual de
conhecê-lo. Assim, o texto literário ostenta a capacidade •• Criar histórias, personagens, assumindo, mesmo
co-pedagógico das escolas.2 Quando se fala em orga- linguagem voltada para o público infantil e assuntos
nização, não se trata apenas de preparar o espaço atuais, como a Revista Ciência Hoje das Crianças, da
físico adequadamente – o que é um passo importante Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Uma
– mas de favorecer uma dinâmica adequada de funcio- enciclopédia atualizada com linguagem voltada para
namento do ambiente, de acesso ao livro pela comu- crianças também é uma boa fonte de consulta, como é
nidade escolar. É necessário um espaço agradável, o caso da Minha primeira enciclopédia, ed. FTD.
bem-iluminado, confortável, que facilite o manuseio, As práticas e procedimentos de leitura devem favore-
a apreciação, o deleite e a pesquisa, todavia, a escolha cer a construção da autonomia do leitor e, especial-
criteriosa do acervo e as práticas de leitura planeja- mente, a experiência da leitura literária, garantindo:
das merecem atenção. São essas ações que produzi-
Momentos de leitura em voz alta, pelo educador ou
rão incentivos para que o espaço seja realmente vivo e
pelas crianças. São importantes para o estabelecimen-
aproveitado pelas crianças, pelos professores, funcio-
to de vínculos entre o ouvinte e o texto, para o exercí-
nários e pelas famílias. Para muitas comunidades, a
cio de boas, criativas interpretações.
biblioteca escolar é a única possibilidade de acesso à
Momentos de leitura silenciosa sugerem o encon-
leitura, à literatura, à pesquisa.
tro individual com a obra, a elaboração das próprias
Uma biblioteca não deve ser formada somente com
emoções e produção de sentidos, sem a interferência
livros de literatura, mas com alguns materiais de
e as antecipações do outro.
pesquisa. Os livros informativos,3 destinados ao públi-
Momentos de leitura compartilhada, de encontro dos
co infantil, vão desde histórias romanceadas da infância
leitores, hora de trazer para a centralidade algo de
de personagens famosos até a tradicional enciclopédia.
interesse comum, hora de compartilhar.
Para formar uma biblioteca com material básico para
pesquisa, é preciso ter um bom dicionário e um atlas,
atualizados. É recomendável manter assinaturas de um A criança e a produção escrita
jornal de grande circulação e de revistas, que trazem A produção de textos da criança deve ser compre-
endida como desempenho de uma função social. A
2 Sobre esta questão, recomenda-se verificar a Lei no 12.244
rigor, a linguagem é sempre da ordem intersubjetiva.
de 24 de maio de 2010, que dispõe sobre a universalização das
bibliotecas nas instituições de ensino do país. Será obrigatório Toda produção escrita realizada pelo sujeito consti-
um acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para
tui a sua necessidade de comunicação. Na produção
cada aluno matriculado, cabendo ao respectivo sistema de ensino
determinar a ampliação deste acervo conforme sua realidade, bem espontânea de textos, como histórias, por exemplo, o
como divulgar orientações de guarda, preservação, organização e que ocorre é a recomposição do mundo da criança no
funcionamento das bibliotecas escolares.
processo de transposição do discurso oral ao discurso
3 Um livro informativo que aborda uma diversidade de assuntos e
escrito. Trata-se de recomposição porque a criança ao
de fácil consulta é o Almanaque Abril, atualizado anualmente.
a criança está imersa – sob a perspectiva da observa- visuais e auditivas também não haverá para apren-
ção da escrita adquire outra dimensão; agora se pode dizagem da leitura e da escrita. No entanto, quando
observar, ler, refletir onde apenas havia imagens e se trabalha numa outra perspectiva, percebe-se algo
riscos fragmentados. Muito tem sido dito acerca da muito mais complexo envolvido na aprendizagem
inadequação em reduzir as possibilidades de produ- desse sistema de representação. Monteiro (2009, p.
ção oral e escrita do mundo a uma reprodução de 39) faz o esclarecimento preciso:
frases formuladas em métodos formais. Então, resta- Ainda que se saiba falar adequadamente, ainda que se
-nos recuperar o sentido originário do texto oral e sua façam todas as discriminações perceptivas aparente-
mente necessárias, isso não resolve o problema central:
relação no ato de escrever.
compreender a natureza desse sistema de representa-
As condições favoráveis à alfabetização definirão a ção. Isso significa, por exemplo, compreender por que
significatividade do ato de ler e escrever aquilo que é muitos elementos essenciais da linguagem oral (a ento-
falado. Lendo e escrevendo textos, a história contada nação entre outros) não são retidos na representação
[...] significa compreender por que se ignoram as seme-
pode ser recontada. O texto escrito pode ser extensão
lhanças no significado e se privilegiam as semelhanças
daquilo que se fala e não uma reprodução de frases sonoras, por que se introduzem diferenças na represen-
concatenadas morfológica e sistematicamente. Ou tação ao invés das semelhanças conceituais.
seja, esse processo não se reduz simplesmente a apro- O educador deve assumir os parâmetros teóricos
priação de um código. Estamos diante da apropriação pelos quais será possível interpretar os fenômenos no
de um objeto de conhecimento, de um sistema de processo de apreensão do conhecimento no ato de ler
representação – essa compreensão é determinante na e de escrever. Ou seja, é preciso reconhecer: qual é a
qualidade das intervenções pedagógicas, o que deixa fundamentação teórica para observar/analisar/intervir
claro, portanto, que não se pode incorrer ao risco do neste processo e compreender os registros escritos
espontaneísmo nas práticas docentes. do aluno intervindo para o seu avanço? Atualmente,
Não se pode reduzir todo esse processo à simples não se pode deixar de considerar a concepção psico-
apropriação de um código, quando a escrita é conver- genética de alfabetização, que procura construir um
tida em transcrição de sons a unidades gráficas, instrumental teórico para o educador. O domínio deste
num contexto em que a discriminação perceptiva de instrumental é o que Emília Ferreiro chama de o novo
tais unidades – auditiva e visual – é que passa a ter na investigação sobre o desenvolvimento cognitivo da
importância. Tal ênfase significa destacar que sempre criança. Conservando as devidas proporções e manten-
se correrá o risco de fracasso – no que diz respeito à do-se nos limites conceituais dos campos teóricos,
formação efetiva de leitores/escritores. podemos dizer que a tarefa da psicogênese da língua
O pressuposto, nessa concepção de transposição, escrita é suplementar ao esforço de Vygotsky:
parece claro: não havendo dificuldade entre formas
Uma tarefa prioritária da investigação científica é Quando ela imprime seus “traços”, letras, pseudole-
desvendar a pré-história da linguagem escrita na tras, na folha de papel e conta o que escreveu, conta
criança, mostrando o que conduz à escrita, quais são
o que reside na memória e utiliza-se da sua produção
os pontos importantes pelos quais passa este desen-
volvimento pré-histórico e qual a relação entre esse oral. A referência a tais marcas é uma resposta à tenta-
processo e a aprendizagem escolar (FERREIRO; TEBE- tiva de ler aquilo que se conta, como fazem os adultos
ROSKY, 1985, p. 282). e as crianças alfabéticas. O que importa nesse instan-
Em primeiro lugar é necessário assumir que é prio- te é que tudo o que se quer dizer está naquele regis-
ritário o significado daquilo que é escrito e não as tro, tenha ele a forma que for. É preciso considerar o
construções de domínio ortográfico. Toda produção ponto de vista da interação, da interdiscursividade,
escrita carrega o sentido daquilo que se quer repre- que dirão respeito às questões sociais que envolvem
sentar. As crianças que chegam à escola desenhando o funcionamento da escrita. Ou seja, trata-se de uma
devem ser estimuladas a escrever suas histórias do perspectiva que abrange e/ou amplia as contribuições
seu próprio jeito, ainda que este em nada se aproxi- da Psicogênese da Alfabetização. Sobre tal abrangên-
me da escrita convencional. A tarefa do educador é cia Smolka (1989, p. 63) esclarece:
promover instantes de conflito na criança – que diante O que aparece também como relevante é a consideração
dos outros conteúdos socialmente aceitos rejeita sua da atividade mental da criança no processo de alfabetiza-
ção não apenas como atividade cognitiva, no sentido de
própria maneira de escrita –, para que construa novas
estruturação piagetiana, mas como atividade discursiva,
hipóteses e avance em seu processo. que implica a elaboração conceitual da palavra. Assim
A exigência do que é a escrita socialmente aceita deve ganham força as funções interativa, instauradora e cons-
tituidora do conhecimento na/pela escrita. Nesse senti-
gravitar entre as produções das outras crianças e a
do, a alfabetização é um processo discursivo: a criança
produção ortográfica do educador. Deve-se considerar
aprende a ouvir, a entender o outro pela leitura; aprende
como prioridade a troca entre pares, pois esse tipo de a falar, a dizer o que quer pela escrita (mas esse aprender
intervenção é sempre desafiador para a criança. Desde significa fazer, usar, praticar, conhecer. Enquanto escreve,
a produção de textos icônicos até o uso de hipóteses a criança aprende a escrever e aprende sobre a escrita).
mais complexas a criança produz seus registros escri- Uma premissa fundamental é a troca entre pares,
tos a partir de construções orais. O procedimento não em que o conhecimento partilhado entre crianças e
deve passar pelo discurso certo/errado, a criança deve professores aparece como catalisador deste proces-
estar em contato intensificado com o escrito e seu so. Ou seja, formar grupos heterogêneos é de funda-
valor fonético, para que ela perceba as diferenças. mental importância: crianças em níveis diferentes de
O texto escrito é o espaço de mediação entre a criança e construção de escrita e leitura estarão, quando traba-
o mundo vital, desde que esse texto seja a sua história. lhando juntas, construindo, elas mesmas, as condições
favoráveis para os seus avanços.
Nível pré-silábico
•• Quando a criança começa a diferenciar letras de
números, símbolos e desenhos e reconhece o papel
das letras na escrita. Percebe que as letras servem
para escrever, mas não sabe como isso ocorre.
Em um momento bem inicial, quando a criança teve
pouco contato com a língua escrita, percebe-se que:
Representamos a seguir uma síntese sobre a trajetória, Neste nível, devem ser estimulados(as):
a sequência de níveis, denominada psicogênese da
Na dimensão das palavras:
alfabetização.4 É importante que o professor não clas-
•• Memorização global de palavras estáveis, espe-
sifique a sua turma em função das “hipóteses” formu-
cialmente os nomes próprios e demais palavras
ladas pelas crianças e sim compreenda o processo. A
significativas. Atenção! Quando se diz memoriza-
ideia é apontar alguns exemplos de escritas infantis, ção, não se trata de decorar listagens de palavras,
assim como trazer algumas dicas para que a sua ação mas de propor situações de leitura e de escrita
pedagógica seja planejada. contextualizadas, especialmente, com brincadeiras,
adivinhações etc. de modo que a criança tenha um
repertório de palavras “de memória” para que possa
Nível pré-silábico
lançar mão quando for o caso.
Caracterizando:
•• Análise da constituição dessas palavras quanto à
•• Não registram traços no papel com intenção de sua letra inicial, final, número e ordem de letras.
registro sonoro.
•• Formar nome próprio e dos amigos com letras
•• É comum o registro de atributos dos objetos de que móveis.
se fala. O tamanho, por exemplo, é um dos atributos
•• Memorizar globalmente as palavras significativas
privilegiados.
(seu nome, nome dos colegas, professora, pais etc.).
•• Analisar a constituição das palavras quanto à letra diversidade dos gêneros dos textos), sendo espec-
inicial, final, quantidade de letras, letras que se repe- tadora e interlocutora de atos de leitura e escrita.
tem, letras que podem ou não iniciar palavras, letras •• Tomar contato com todas as letras, palavras e textos
que podem ocupar outras posições nas palavras. simultaneamente.
•• Observar os aspectos sonoros por meio das iniciais •• Ouvir, contar e escrever histórias.
das palavras significativas.
•• Analisar a distribuição espacial e a orientação
•• Ler a chamada. da frase.
•• Associar palavras e objetos. •• Relacionar discurso oral e texto escrito.
•• Analisar palavras quanto ao número de letras, inicial •• Distinguir imagem de escrita.
e final.
•• Observar a orientação espacial dos textos.
Na dimensão das letras:
•• Produzir textos pré-silabicamente.
•• Análise dos aspectos gráfico-topológicos, de forma, •• Identificar letras e palavras em textos de conteúdo
de posição. conhecido.
•• Introdução dos aspectos sonoros por meio das
Na medida em que as hipóteses vão sendo (re)elabo-
iniciais das palavras significativas.
radas, vê-se:
•• Distinção entre letras e sons. Aos poucos, a criança •• Diferenciação da escrita – tentativa de diferenciar
precisa perceber que a cada grafema temos um som
os grafismos produzidos.
ou mais correspondente, quando a relação não for
biunívoca. •• Hipótese de quantidade de caracteres.
•• Distinguir letras e números. •• Necessidade de variar os caracteres – quando o
repertório é pequeno como garantia de criar um
Na dimensão dos textos:
conjunto que se diferencie do outro.
•• Vinculação do discurso oral com o texto escrito. •• A escrita do próprio nome provendo outras escri-
•• Distinção entre imagem e escrita. tas, servindo de modelo para a escrita de novas
•• Reconhecimento dos diferentes suportes textuais. palavras.
•• Estar imersa em um ambiente rico em materiais •• A escrita continua não analisável em suas partes, não
(tanto na variedade dos suportes gráficos quanto na podendo ser fragmentada. A leitura ainda é global.
Nível silábico
Caracterizando:5
Relação entre contexto sonoro e gráfico. Aqui se inicia
o processo de consciência fonológica – relação entre o
que se escreve e os aspectos sonoros da fala.
Nível silábico A estratégia é atribuir para cada sílaba falada uma letra
– com o exato valor sonoro ou não. A criança pode ainda
lançar mão de outra marca escrita, que pode ser pseu-
doletra, “risquinho”, numeral. O modelo estável da
escrita do próprio nome, em que a criança não vê essa
correspondência – uma letra para cada sílaba – assim
como a leitura do adulto– causa inquietação, desesta-
bilização dessa hipótese, necessidade de superação.
Quando a criança chega ao nível silábico sente-se
mais confiante porque descobre que pode escrever
•• Identificar palavras em textos de conteúdo conheci- Consolidação da hipótese: cada um dos caracteres da
do (qualquer tipo de palavra). escrita é correspondente a valores sonoros menores
•• Completar palavras com as letras que faltam (obser- que a sílaba. Porém, há um amplo conteúdo a ser domi-
vando que o número de letras presentes exceda nado: as regras da ortografia, as convenções da escrita.
sempre o número de sílabas da palavra). Neste momento a escrita apresenta-se do modo
•• Cruzadinhas com banco de palavras para os alunos convencional, a criança consegue ler e expressar grafi-
no nível silábico sem valor. Para os alunos silábicos camente o que pensa ou fala. Sabe que os sons G e
com valor poderá ter ou não o banco de palavras, de A são grafados GA e T e O são grafados TO e juntos
acordo com as necessidades e os objetivos. significam GATO.
•• Caça-palavras.
•• Escrever textos que se sabe de memória. registrando por escrito no quadro, ou no blocão a
sequência de atividades que será realizada.
•• Organizar palavras, frases e textos.
•• Criar novas versões para histórias conhecidas. •• Ler enunciados das tarefas, utilizando os recursos
disponíveis.
•• Seguem alguns exemplos a serem realizados com
frequência para as crianças em processo de siste- •• Participar da avaliação das atividades diárias, oral-
mente ou por escrito.
matização da alfabetização – primeiro, segundo e
terceiro anos – devendo o professor dos demais À construção de habilidades da leitura e da escrita
anos também utilizá-los, tendo em vista a adequa- •• Reconhecer o nome (próprio e dos colegas) nos
ção quanto: diferentes materiais, em diferentes situações de
Ao letramento: rotina: cadernos, bilhetes, agendas.
•• Ouvir a leitura dos adultos – professores, pais, •• Desenhar, pintar, colar em papéis onde esteja escri-
outros profissionais – histórias, poemas, jornais, to o próprio nome.
revistas, encartes, textos científicos entre outros, de •• Participar de brincadeiras que envolvam os nomes,
acordo com o estudo do grupo, garantindo espaço tais como: bingos, dominó, jogo da memória.
para conversas coletivas sobre o que foi lido. •• Escrever com autonomia o próprio nome.
•• Transmitir recados por escrito ou oralmente. •• Reconhecer palavras estáveis que aparecem com
•• Recontar histórias, acompanhadas ou não de livros. frequência no cotidiano escolar.
•• Fazer registros coletivos dos trabalhos e projetos •• Ler palavras novas a partir de elementos conheci-
desenvolvidos. dos: letras, sílabas e afixos, utilizando principalmen-
•• Ler espontaneamente ou com orientação, variados palavras do repertório do grupo ou novas, a partir
tipos de textos, individual ou coletivamente. de fragmentos conhecidos.
•• Frequentar a biblioteca da escola, podendo fazer •• Escrever com modelo, ou de modo autônomo, novas
empréstimos regularmente, tendo desafios de palavras a partir de outras. Ou seja, utilizar o reper-
diversas estratégias de devolução: recontar a histó- tório de palavras estáveis, presentes no ambiente,
ria, dramatizar etc. para o auxílio na escrita.
•• Escrever de modo compartilhado, palavras, histó- Tendo em vista a perspectiva do letramento, iniciar
rias, recados, receitas, eventos, passeios etc. esse processo de construção da leitura e da escrita
•• Reconhecer palavras significativas em determi- utilizando a letra cursiva não é adequado! Para este
nado texto de autoria própria ou não, registrando tipo de letra é preciso um esforço motor maior, é mais
no blocão. demorado e difícil para a prática de escrita, quando a
•• Participar da escrita coletiva em que uma crian- prioridade é facilitar a construção da lógica alfabéti-
ça alfabética é a escriba, com discussão sobre a ca e favorecer a vontade, o gosto de escrever. A letra
forma de determinada palavra, se apropriando, aos de forma, imprensa ou bastão, é muito mais simples
poucos, das regularidades e da ortografia. do ponto de vista gráfico, possibilitando também
•• Escrever livre e espontaneamente. a percepção, o reconhecimento de cada letra, cada
Às capacidades de produção e leitura de textos escritos caractere. É fácil saber onde cada letra começa e termi-
na em uma palavra, não deixando dúvidas e embara-
•• Trocar vivências e experiências com os colegas.
ços. E também, o mais importante, a letra cursiva não
•• Produzir escritas espontâneas ou orientadas.
circula socialmente, não está nos jornais, nas revistas,
•• Descrever imagens e, também, contar histórias a
nas placas, nos livros de histórias, o que reduz muito
partir delas.
a sua possibilidade de uso. Os textos oferecidos às
•• Recontar histórias. crianças para que aprendam sobre a linguagem não
•• Participar de conversas sobre os diferentes
são escritos em letra cursiva. Com a disseminação dos
gêneros textuais e seus possíveis leitores, antes
computadores, a letra de imprensa torna-se ainda mais
de escrevê-los.
usual. Em entrevista para a Folha.com, a pesquisadora
•• Criar rótulos para produtos, propagandas; criar Magda Soares (apud SCHWARTSMAN, 2010) corrobora
manchetes, legendas para fotos, desenhos e notí-
com essa ideia:
cias de jornais.
No momento em que a criança está descobrindo as letras
•• Participar de rodas de leitura e de notícias como e suas correspondências com fonemas, é importante
leitores e/ou ouvintes. que cada letra mantenha sua individualidade, o que não
acontece com a escrita “emendada” que é a cursiva; daí
•• Ler e escrever em duplas compensadas.6
o uso exclusivo da letra de imprensa, cujos traços são
•• Participar do registro coletivo do planejamento de mais fáceis para a criança grafar, na fase em que ainda
um projeto, de uma atividade, anotar as etapas de está desenvolvendo suas habilidades motoras. Conquis-
seu desenvolvimento. tada a base alfabética, se a opção for pela letra cursiva,
essa passagem deve acontecer de maneira gradativa, por
meio de atividades contextualizadas, com o objetivo de
6 Duas crianças trabalhando juntas. Dependendo da ocasião, é trabalhar o percurso correto do traçado de cada letra e o
mais produtivo que estejam em níveis distintos na formulação de movimento de ligação adequado nas palavras.
suas hipóteses.
Algumas considerações acerca vem com SS – mesmo que a criança não domine a
da ortografia terminologia, não saiba o que é verbo, poderá fazer
Após a conquista da base alfabética, os estudantes associações, inferências, neste sentido. Para a segun-
terão novo desafio: a ortografia. Trata-se de um aspec- da palavra, “palhasso”, será mais difícil fazê-las,
to delicado, complexo, e não uma questão de simples é preciso recorrer a uma memória de leitura, pois
memória. Sendo assim, copiar várias vezes a grafia de nenhuma regra o justifica.
uma palavra, não é uma maneira eficiente e adequada Na Língua Portuguesa não existe regra para todos
para aprender a escrevê-la ortograficamente. os casos, existem muitas irregularidades, por isso o
Diante das diferentes causas dos erros ortográficos é uso de uma letra e não de outra se relaciona apenas
preciso que o professor pense em estratégias variadas. à tradição de uso, à origem etimológica. No que diz
Estes erros não podem ser considerados índices para respeito às regularidades ortográficas, deve-se incen-
a atribuição de uma nota às produções escritas das tivar as crianças a compreenderem as regras subjacen-
crianças e, sim, pistas valiosas para que o professor tes, e não decorá-las. É a compreensão que garante
possa fazer o seu planejamento. Não é recomendável segurança e oportuniza que a criança escreva correta-
iniciar um trabalho de ensino da ortografia antes de mente palavras que nunca leu.
as crianças terem se apropriado do sistema de escrita Com relação às trocas, às vezes frequentes, entre P e
alfabético, podendo escrever e ler, ainda que peque- B, F e V ou T e D, é preciso reconhecer que são sons
nos textos, sozinhas. Nos dois primeiros anos do Ensi- muito semelhantes quanto à localização e ao modo
no Fundamental todo o esforço deve girar em torno de articulação no momento em que são produzidos.
desse objetivo e do desejo de ler e escrever, fazen- Deve-se ressaltar que tais fonemas podem represen-
do apenas uma exploração de questões ortográficas tar certa dificuldade para os alunos com pronúncia
quando for oportuno. diferente da realizada pelas pessoas mais letradas.
Os “erros” de ortografia não são da mesma natureza, Algumas regras de nossa ortografia dizem respeito à
ou seja, não são todos do “mesmo tipo”, na verda- posição da letra-som dentro da palavra, como é o caso
de, podem ter natureza muito diferente. Uma criança do uso do R, o uso de M ou N, nasalizando no final
pode escrever, por exemplo, “amace” e “palhasso”, de sílabas etc. Há também regras que são de origem
e é importante que o professor compreenda o que morfológica e exigirão do aluno que observe unidades
motiva tais “erros” e estimule a reflexão. Sabemos maiores (morfemas) como, por exemplo, o uso de ÊS
que para escrever a primeira palavra, pode-se valer e ESA, em adjetivos pátrios; o uso de OSO em outros
do conhecimento do tempo verbal, como, por exem- adjetivos, como, teimoso, carinhoso etc. Há, no entanto,
plo, em cantasse, brincasse, comesse, que se escre-
casos de irregularidade, em que não se pode recorrer »» Convidar as crianças a pensarem e discutirem ques-
às regras ou a princípios gerais ao escolher uma letra tões ortográficas que poderiam ser fontes de erros.
ou outra. Foi a tradição de uso que tornou convenção »» Indagar acerca de como uma pessoa poderia se enga-
como, por exemplo, o H em início de palavra ou a nota- nar ao escrever determinada palavra e quais seriam
ção do som /g/ com J ou G, em gema ou jegue. as possibilidades de escrevê-la em nossa língua.
quando estamos diante de irregularidades. Neste »» Durante a releitura coletiva de um texto, pode-se
momento é preciso estimular a criança a: fazer interrupções para debater a escrita de algu-
»» Aprender a usar e consultar o dicionário, instrumen- mas palavras.
talizar a criança para esse uso – compreender a orde- O que e como corrigir?
nação alfabética, por exemplo – é tarefa importante.
Deve ser motivo de reflexão: “O que corrigir?” “Como
»» Perguntar para um escritor mais experiente. corrigir?” Em primeiro lugar, é preciso ter clareza que
»» Memorizar as palavras que são mais usuais e, de esta aprendizagem é gradual e complexa, não sendo
fato, importantes para o grupo. eficaz corrigir tudo, o tempo todo e da mesma manei-
»» Tomar consciência das irregularidades e desenvol- ra. Interessante é priorizar alguns elementos em cada
ver uma atitude curiosa de pesquisa, sem se preo- texto, fazer a correção, de preferência junto à crian-
cupar em acertar tudo. ça e estimular a preocupação com o leitor. Ou seja, é
»» Fazer anotações sobre as regularidades conhecidas preciso garantir uma comunicação escrita eficiente.
pelos grupos ou registros de palavras mais usuais, Neste sentido, as produções das crianças que ganha-
para as quais é preciso contar com a memorização, rão maior visibilidade, que serão expostas, divulgadas,
de modo a deixá-las expostas para consulta. devem passar por uma revisão mais trabalhosa, não
apenas no que diz respeito à ortografia, mas também à
Estratégias de trabalho
apresentação de modo geral. Limpeza, formato, distri-
Uma boa estratégia de trabalho é abrir mão dos
buição do texto, ilustrações etc. Trata-se de uma atitu-
ditados tradicionais e propor alguns mais interati-
de respeitosa com o leitor!
vos e reflexivos.
Esses procedimentos devem ser motivo de conversa
»» Ditar um texto conhecido pela turma, algo que
e reflexão com a turma. As crianças devem sentir-se
tenham lido e debatido, para no momento desta
comprometidas e estimuladas a apresentarem seus
atividade focar nas questões ortográficas (ditado
escritos de modo caprichado, bem-cuidado; desen-
estudado).
volvendo esse interesse, sem medo de errar. Diferente A escrita é uma forma de interação com o outro, por
disso, o que deve ser bem entendido por todos é que isso precisa ser permeada de sentido e desejo. Quem
para ser socializada, a escrita segue regras básicas que escreve precisa saber: para quem, o que e por que
todos os alfabetizados devem conhecer, caso contrá- escreve. É dessa necessidade de escrever para o outro
rio, estarão em risco as condições mínimas de leitura. que nasce a importância de dominar as regras e as
»» Organização de duplas compensadas – momento convenções, considerando que para o leitor é preciso
proveitoso em que uma criança interfere, respeito- um texto com correção ortográfica, coerência, coesão
samente, no texto da outra, dando sugestões, fazen- e uma boa aparência.
do correções.
»» Avaliação dos “erros” recorrentes na turma e propo- Objetivos gerais
sição de atividades que instaurem dúvidas e deto- De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
nem discussões, certamente levará às crianças as (BRASIL, 1997), o ensino de Língua Portuguesa deverá
práticas de autocorreção de modo mais reflexivo. organizar-se de modo que os alunos sejam capazes de:
»» Estabelecimento com as crianças de símbolos que •• Expandir o uso da linguagem em instâncias priva-
das e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas,
passarão a ser utilizados para indicar o tipo de
tendo o domínio da palavra e a produção de textos
problema que há no texto, a fim de que elas possam
– tanto orais como escritos – coerentes, coesos,
rapidamente identificar, tentar resolver e aprimorar
adequados a seus destinatários, aos objetivos a que
sua escrita. Esta é uma boa estratégia para a comu-
se propõem e aos assuntos tratados.
nicação/devolução da leitura que o professor ou um
colega fará das produções escritas.
•• Utilizar diferentes registros, inclusive os mais
formais da variedade linguística valorizada social-
»» Cuidado com a coesão e a coerência textual. Neste mente, sabendo adequá-los às circunstâncias da
sentido, o professor sempre poderá estimular o situação comunicativa de que participam.
enriquecimento do texto, a criação de melhores
•• Conhecer e respeitar as diferentes variedades
soluções para expressar o que se pretende, com o linguísticas do português falado.
uso, por exemplo, dos conectivos adequados.
•• Compreender os textos orais e escritos com os quais
»» Atenção ao aspecto da pontuação como recurso de se defrontam em diferentes situações de participa-
textualização, pois a aprendizagem da pontuação ção social, interpretando-os corretamente e inferin-
requer uma compreensão do fluxo do texto, uma do as intenções de quem os produz.
preocupação de guiar o leitor aos sentidos propostos.
•• Considerar a necessidade das várias versões que a maneira autônoma, adequando a linguagem ao tipo
produção do texto escrito requer, empenhando-se de comunicação na qual está inserido o “reconto”.
em produzi-las com a mediação do professor. •• Demonstrar compreensão de textos ouvidos por
•• Reescrever os textos com base em estudo prévio, meio de resumo oral ou escrito, preservando as
fazendo uso das possibilidades que a língua oferece. ideias principais.
•• Colocar em ação diferentes modalidades de leitura •• Utilizar a linguagem oral para expressar sentimen-
em função do texto e dos propósitos da leitura (ler tos, experiências e ideias, acolhendo, interpretando
para buscar uma informação, para se entreter, para e considerando os das outras pessoas e respeitan-
compreender etc.). do os diferentes modos de falar.
cionadas às irregularidades. Produzir textos escritos cos para a construção dos conhecimentos de Língua
coerentes, considerando as características próprias Portuguesa, devendo ser trabalhados nos anos iniciais
de cada gênero, utilizando recursos coesivos bási- a partir de exemplos e experimentação, para depois,
cos (nexos e pontuação) e ajustando-os a objetivos nos anos seguintes, se formalizarem mais sistematica-
e leitores determinados. mente. Estes não são estanques, pois a construção do
•• Revisar seus próprios textos a partir de uma primei- conhecimento é um processo longitudinal. O mesmo
ra versão e, com a mediação do professor, redigir as conteúdo pode aparecer em diferentes anos, pois
versões necessárias até considerá-los suficiente- demanda uma elaboração cada vez mais complexa
mente bem-escritos para o momento. por parte do aluno. Por outro lado, eles são cumulati-
•• Reescrever os textos com base em estudo prévio, vos, exigem atenção e trabalho, independentemente
fazendo uso das possibilidades que a língua oferece. do ano. Desta forma, o que não foi conquistado num
•• Rever textos próprios e alheios, buscando adequá- determinado período precisa ser contemplado no
-los sempre que necessário quanto aos aspectos de planejamento seguinte.
legibilidade, completude, uso de parágrafo e pontu-
ação, além de preocupação com a correção ortográ-
fica de vocábulos.
Coerência
Expressão adequada à situação.
1º eixo: linguagem oral
Contação de histórias curtas, parlendas.
Aborda aspectos inerentes
Narração de notícias.
ao diálogo dos sujeitos com
Exposição de temas estudados.
seus diferentes interlocutores
Declamação de poesias.
nas relações cotidianas. É
de fundamental importância Extração de ideias principais de textos, filmes, imagens para
comunicando em diferentes Com marcadores de tempo, tais como hoje, ontem, amanhã,
situações discursivas, em geral, antes, depois etc.
competentes no uso que fazem Com marcadores de lugar, como, por exemplo, lá, aqui, longe,
da oralidade e com uma série perto, em cima, embaixo etc.
de conhecimentos intuitivos Com especialização crescente de vocabulário, em lugar de pala-
da sua língua. O educador vras de longo alcance, tais como: aí, coisa, legal etc.
muito poderá contribuir se
for capaz de ter uma escuta
Aspectos formais da língua oral
atenta à linguagem das
crianças, se ajudar a ampliar sua Emissão de todos os fonemas da língua.
Conteúdos em leitura
Construção da leitura
Compreensão do ato da leitura como interpretação e não mera
decodificação.
Reconhecimento de diversos gêneros textuais, como carta,
notícia, poesia, contos de fadas, listas, histórias de ficção etc.
Acesso a diversas estruturas semânticas e sintáticas de texto.
2º eixo: leitura
Leitura de textos impressos e escritos pelos alunos
Aborda o desenvolvimento das
(manuscritos).
competências e habilidades
de leitura durante o ano letivo
com o objetivo de ultrapassar
a simples apropriação do códi-
go escrito. É importante que Fôlego de leitura
a exigência do nível de leitu- Leitura de um livro curto, que possa ser lido pela criança de uma
ra seja compatível ao ano de só vez, com compreensão.
escolaridade do aluno.
Leitura dirigida de livros em capítulos sem perda da compreensão
do enredo.
Leitura individual de livros em capítulos em que cada um
constitua uma unidade de ação – com autonomia e fora do
ambiente escolar.
Leitura dirigida de livros em capítulos sem perda da compreensão
do enredo, ampliando: extensão do texto, complexidade da trama,
estrutura sintática e vocabulário.
Leitura individual, autorregulada, de livros em capítulos.
Leitura dirigida de livros em capítulos com compreensão do
enredo marcado por complexidade da trama narrativa, da sintaxe
ou do vocabulário.
Interpretação de textos
Leitura de textos que tenham uma dificuldade por vez, como:
vocabulário desconhecido, extensão mais longa ou organização
sintática um pouco complexa.
Compreensão das informações explícitas no texto.
Início do trabalho com informações implícitas, que se
deduz facilmente.
2º eixo: leitura
Recuperação de informações implícitas ao texto.
Observação da caracterização dos personagens e da hierarquia
dos eventos da narrativa.
Compreensão cada vez maior das pressuposições do texto.
Compreensão da multiplicidade de significação de certos aspec-
tos do texto.
Início da consideração sobre os recursos de cada autor para ser
compreendido pelo leitor.
Compreensão da distribuição dos eventos da narrativa.
Identificação da multiplicidade das significações implícitas
da obra.
Fluência
Leitura recortada em constituintes sintáticos, de frases ou textos,
com palavras conhecidas.
Leitura silenciosa com compreensão.
Passagem da leitura recortada em constituintes sintáticos para a
leitura por orações, em textos de vocabulário conhecido.
Leitura dirigida pela compreensão sintático-semântica do texto.
3º eixo: produção escrita Escrita de diversos assuntos, podendo haver recorrências das
Estrutura oracional
Passagem do texto coordenativo (ex.: e, aí) ao uso de conectivos
de coordenação e de subordinação que indiquem outras relações
(ex.: então, porque etc.).
Enriquecimento do uso de conectivos de subordinação e de
coordenação.
Texto em hierarquização, tendendo ao domínio da subordinação.
3º eixo: produção escrita
Aparecimento da estrutura da oração reduzida.
Início da especialização das relações entre conectores e tempos
do indicativo e do subjuntivo.
Domínio maior do uso do narrador para indicar o tom dos
diálogos e da movimentação em cena.
Texto econômico e hierarquizado, com uso de estruturas
sintáticas marcadas por conectores de orações subordinadas e de
orações reduzidas.
Uso fluente dos recursos direto e indireto, com escolha
especializada de verbos e tempos verbais como: disse, falou,
perguntou, questionou, berrou, sussurrou.
Sistema de referência
Início do uso de pronomes para substituir repetições
excessivas de nomes próprios.
Especialização crescente do vocabulário de referência.
Observação do uso excessivo do pronome para não haver
prejuízo na compreensão do leitor.
Aquisição de recursos que solucionem as repetições
pronominais.
Uso fluente dos recursos de referência.
Marcação temporal
Coerência no uso dos tempos verbais.
Enriquecimento dos tempos narrativos do indicativo.
Especialização crescente dos marcadores temporais, ainda
que usados para dividir o texto em parágrafos.
Uso fluente dos tempos da narrativa.
Vocabulário
Especialização do vocabulário com uso de palavras específicas:
com marcadores de tempo tais como: hoje, ontem, amanhã,
antes, depois etc.
com marcadores de lugar tais como: lá, aqui, longe, perto, em
cima, embaixo etc.
com especialização crescente de vocabulário, minimizando o
uso de palavras de longo alcance, tais como: coisa, legal, aí etc.
Aprimoramento dos verbos para o narrador (disse, falou, contou,
sussurrou, comentou, gritou...).
Construção de campos semânticos (p. ex., a palavra “príncipe”
nos leva a: rei, rainha, castelo, dragão, princesa, espada...).
Articulação das especializações de vocabulários com reflexão
sobre as classes de palavra em estudo.
língua escrita Uso seletivo dos diferentes tipos de letras conforme a finalidade
da situação, inclusive como marca de uma significação.
Aborda o uso adequado dos as-
pectos inerentes à norma culta,
sem desconsiderar o desen-
volvimento gradativo das com-
petências e habilidades de
Relação fonográfica e ortográfica
leitura e escrita durante os anos
iniciais do Ensino Fundamental. Conhecimento das regras de escrita que suportam
É importante que a exigência generalizações (p. ex., s/ss, r/rr,g/gu, q/qu, dígrafos) e
Pontuação
Reconhecimento, na leitura, da função do ponto-final.
Reconhecimento do sentido da pontuação expressiva, mesmo
que não haja expressão na leitura em voz alta.
Uso, ainda que eventual, de pontuação, na escrita, para separar
orações (ponto necessário) e dar expressão (principalmente com
exclamação e interrogação).
4º eixo: Aspectos formais da
Uso intencional, ainda que não permanente das pontuações:
língua escrita
ponto lógico, vírgula lógica e enumerativa, dois-pontos e
travessão em diálogo, pontuação expressiva.
Início do uso do parágrafo, ficando evidente por alguns indícios
como: marcas formais, “pular” linha, uso de marcadores
temporais etc.
Uso fluente das pontuações: ponto lógico, vírgulas obrigatórias,
dois-pontos em diálogos e apostos, pontuação expressiva.
Compreensão de que um parágrafo tem um foco de significação.
Vocabulário formal
Delimitação apropriada (separação entre as palavras).
Uso de maiúsculas em nomes próprios e início de frases.
Separação correta de sílabas, expressa nas produções escritas,
a serviço do texto.
Ordem alfabética
Reconhecimento do uso da ordem alfabética em dicionários
e listas.
forma, o ensino da língua deve se afastar da enfadonha pelo contexto da sala de aula, garantindo-se a expe-
riência e observação de suas funções sociais. Tendo
apresentação de regras.
em vista essa concepção ampliada de leitura e de
língua, Koch e Elias (2010, p. 11) esclarecem:
O sentido de um texto é construído na interação texto-su-
jeitos e não algo que preexista a essa interação. A leitura
é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de
produção de sentidos, que se realiza evidentemente com
base nos elementos linguísticos presentes na superfície
do textual e na sua forma de organização, mas requer a
mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior
de evento comunicativo.
então poderemos estar certos de que se desenvol- Seleção: detenção nos índices úteis no momento
verá (a escrita) não como uma habilidade que se da leitura.
executa com as mãos e os dedos, mas como uma Antecipação: suposição do que está por vir, previ-
forma de linguagem realmente nova e complexa”.
sões a partir do reconhecimento do autor, do forma-
Escrever um texto não é simplesmente transcrever
to do texto, do gênero e do suporte.
a linguagem oral!
Inferência: capacidade de dedução em relação ao
•• Em relação ao cotidiano, pode-se dizer que a leitura que não está escrito, de ler nas entrelinhas, com
e a escrita são práticas narrativas. Teberosky (1991,
base no conhecimento prévio e nas pistas que o
p. 144) nos fala a favor da “recuperação de uma
autor vai dando.
pedagogia da transmissão oral para empreen-
der a aprendizagem da língua escrita”. Todo o Verificação: percepção se as estratégias foram
trabalho desenvolvido com a leitura e a escri- eficientes ou não, ou seja, verificação da veracidade
ta está fortemente relacionado ao uso da ou não das suas previsões e inferências.
fala e de outras formas de expressão (ges-
•• Para o aprimoramento da linguagem oral e escri-
tual, gráfica, plástica). A criança, que tem garanti- ta, o trabalho em grupo é uma forma de estimu-
da a oportunidade de representar, se expressar, se lar a expansão das ideias de maneira elaborada e
comunicar, usando diferentes linguagens, terá mais dinâmica. A troca de ideias entre os participantes
facilidade para compreender o potencial da língua favorece uma linguagem mais clara, variada, correta,
escrita como meio de expressão. Da mesma forma na busca de se fazer entender. A partir do discurso,
que aprendemos a falar, interagindo no mundo com do debate e da troca de opiniões em sala de aula
as pessoas, aprendemos a ler e a escrever, lendo e se organizam o pensamento, o conhecimento, as
escrevendo os diferentes textos que estão a nossa opiniões, tornando-se mais fácil a produção de um
volta, interagindo com eles, produzindo sentidos. trabalho pessoal organizado e que, aos poucos, se
•• É oportuno lembrar que a competência de leitura aproxime do resultado – o conhecimento das regras
que se tem é relativa, pois não se lê com a mesma da nossa língua.
desenvoltura todos os textos. O conhecimento
•• O acesso aos gêneros textuais/discursivos é prio-
prévio acerca do gênero, do conteúdo em questão ridade no ensino da língua, no que diz respeito à
é de fundamental importância. Não se pode esque- leitura como também à escrita. Ou seja, é preciso
cer também que objetivos diferentes demandam que as crianças aprendam a produzir em diferentes
formas de ler diferentes. O leitor utiliza estratégias gêneros, para isso é necessário garantir no planeja-
de leitura para alcançar um bom desempenho, a mento situa- ções de leitura e de escrita que favore-
compreensão do que está lendo: çam a reflexão em torno dessa diversidade:
Gêneros Da
ordem do relatar
Da ordem do narrar Notícias, reportagens,
Da ordem do
brincar, encantar
Poesias, versinhos,
canções adivinhas,
trava-línguas etc.
Figura 2.11
Sobre os gêneros é preciso que delineadas a partir das experiências e interações que
se compreenda se vivenciam, constituindo o estilo de cada um, ou
seja, o cabedal linguístico-discursivo.
•• Existem estruturas textuais adequadas a atos comu-
nicativos discursivos específicos. Por exemplo, quan- •• Ao se apropriar dos diferentes gêneros textuais,
do se deseja escrever uma carta a um grande amigo discursivos, compartilham-se formas de enunciar
contando sobre algum acontecimento se utiliza existentes, tornando-as originais e únicas a cada
determinados recursos, bem diferentes dos quais ato de enunciação.
seriam usados caso a intenção fosse escrever uma •• Mesmo acionando os conhecimentos prévios, nem
notícia sobre o mesmo acontecimento. Ou seja, para sempre se é capaz de articular um texto em gênero
cada situação comunicativa, escolhem-se as formas específico, do qual se desconhece a natureza e/ou
com que se interagem. Essas escolhas, que decorrem as especificidades. Isto vale para todos, inclusive,
de formações discursivas preexistentes, vão sendo para o aluno, em sala de aula.
Gêneros sugeridos para estudo e aprofundamento Bilhete recado, diagrama/explicação, legenda/comentário de notícia,
em sequências didáticas/projetos conto de repetição, parlenda/regras de jogos de brincadeiras.
Gêneros sugeridos para estudo e aprofundamento Regras de jogos, verbete de enciclopédia infantil/explicação, notícia/
em sequências didáticas/projetos comentário de notícias, conto tradicional, poema para crianças.
Gêneros sugeridos para estudo e aprofundamento Carta, e-mail/relato de experiências vividas, verbete de enciclopédia
em sequências didáticas/projetos infantil/ exposição oral, entrevista, fábula, poema narrativo.
Texto
Leitor
A escolha de vocabulário, Elabora uma série de
Autor
formas gramaticais ou reflexões que, de certo
Escreve o texto
semânticas, intencionalidade, modo, vão ao encontro
pensando no
gênero, é feita de acordo com (ou até de encontro) ao
leitor. que seu autor pensou ao
o leitor, ao qual se destina o
produzi-lo.
texto.
Essa relação, nem sempre harmoniosa, é que está no cerne da questão produção/recepção de textos, que se
reveste de sentidos sociais diversos e se apresentam ao ser-leitor e ao ser-autor de maneira multifolhada, ou
seja, permeada pelas múltiplas linguagens, contextos e interpretações que estarão sempre presentes no ato
de produzir – receber um texto. Em síntese, a díade a que se refere, então, é responsável por outra forma de se
entender o ato de ler e os sentidos a que essa leitura pode remeter.
Figura 2.12
•• Ter acesso às diferentes mídias é tão importante mas as habilidades e competências que se requer,
para a linguagem oral como a leitura de diferen- especialmente quando se é principiante, para ler e
tes textos para o aprimoramento do uso da Língua escrever um texto de Ciências, História, Geografia,
Portuguesa. O trabalho de leitura conduz o aluno à Literatura não são tão diferentes assim; os desafios
reflexão das regras gramaticais por meio da compa- é que serão graduados em função da idade, do ano
ração de textos diversificados. O aluno pode loca- de escolaridade, do grupo etc.
lizar, pensar e atuar sobre os aspectos gramaticais •• Oferecer às crianças o máximo de situações para
dos textos, observando como diferentes autores produzir e interpretar escritas parece o primeiro
os utilizam. Dessa forma, com seus professores, passo se a intenção é formar leitores e escritores,
pode construir os conceitos gramaticais a partir tendo como princípio o respeito às tais tentati-
da compreensão de seu uso e não da repetição de vas. Para isso, será preciso pôr em discussão certa
exercícios sem significado. espontaneidade que, muitas vezes, se apresenta em
•• O ensino das regras gramaticais só se justifica diferentes práticas pedagógicas. Não basta dizer:
quando for capaz de fazer o aluno refletir sobre a “Crianças, escrevam!” O educador precisa assumir
Língua Portuguesa para ampliar sua competência a responsabilidade de intervir neste processo, de
textual. Assim, ele buscará ampliar de maneira mais planejar cuidadosamente as atividades propostas,
consciente a sua capacidade de uso, cada vez mais de pensar num caminho metodológico que possi-
adequado, da linguagem oral e escrita. Para isso bilite alcançar os objetivos pretendidos. É preciso
acontecer, é preciso que as regras possam ser obser- a contextualização ao se propor uma atividade, ou
vadas dentro do seu uso real, dentro de uma enun- seja, as crianças devem estar embaladas, afetadas,
ciação. O ensino da Língua Portuguesa deve partir mobilizadas por alguma questão que represente
sempre da leitura e da produção escrita do aluno, um bom motivo para a escrita, senão não se avan-
para depois se realizar uma reflexão sobre a gramá- çará em direção diferente das antigas redações
tica. Esta reflexão deve resultar numa nova produção escolares. Alguma criança poderá ter uma ques-
cada vez mais elaborada, visando ao aprimoramen- tão motivadora própria, mas, em geral, na escola,
to do uso da língua. É dessa forma, comprometido a contextualização é construída coletivamente, e
com as situações comunicativas reais, que o ensino implica-se, então, a intenção/habilidade do educa-
formal da língua se torna significativo. dor para colocar uma questão no centro, como algo
•• É importante não perder de vista: o eixo fundamen- comum, compartilhado, que congrega os leitores, os
tal para aprender sobre leitura e escrita será sempre escritores e os alunos.
o texto. As competências necessárias para se fazer •• O professor deverá ter cuidado com a estrutura tex-
um cálculo, uma ilustração, uma experiência acer- tual, pois as ideias precisam ser claras e coerentes.
ca do efeito estufa, por exemplo, serão diferentes; Portanto, alguns aspectos como estruturação dos
linguístico e de mundo, que o aluno traz ao chegar à a noção de erro; respeitar as variedades linguísticas;
escola, pois é isso que o ajudará a aprender a nova valorizar as hipóteses das crianças convidando-as
gramaticais e com os exercícios repetitivos e mecâni- escolhem como oficial favorecerá trabalhos de pesqui-
cos pouco contribuirá para a criança ganhar habilida- sa interessantes para integrar o ensino da língua às
demais áreas de conhecimento, como a Geografia, •• Enfatizar habilidades práticas e funcionais rele-
a História, as Artes, trazendo para a sala de aula a possi- vantes às necessidades do dia a dia, tendo sempre
bilidade de uma formação mais intercultural, na medi- como estratégia didática a oralidade e a familiariza-
da em que se favorece a tomada de consciência sobre ção com a língua estudada.
a pluralidade cultural no mundo. Assim, a aprendiza- •• Estabelecer vínculos com a realidade, promovendo
gem de outra língua poderá envolver o conhecimento/ a sensibilidade, a criatividade, o apreço pelo idioma
reconhecimento de outra cultura. Pode-se perceber a e o reconhecimento da pluralidade cultural à qual
dor, na medida em que esse aprendizado favorecer o É importante que o professor (re)conheça a singulari-
acesso aos bens culturais da humanidade. dade do grupo para que a aprendizagem de uma língua
Serão bem-vindos os desafios à curiosidade e à inteli- estrangeira possa ser contextualizada e valorize seus
gência, sempre ligados às palavras simples e também conhecimentos prévios. Mesmo considerando pesqui-
às expressões corriqueiras da língua estrangeira, tantas sas favoráveis ao ensino de uma língua estrangeira
vezes incorporadas à nossa língua, o que poderá ajudar e a ausência de obrigatoriedade nos anos iniciais, é
as crianças a associarem os termos que vão aprenden- necessária avaliação da escola quanto à pertinência
do na sua vida. Informações transmitidas em anúncios, do início deste trabalho no 1º ano. Sugerimos a inser-
comerciais, jogos, eletrônicos, programas de computa- ção deste trabalho a partir do 4º e 5º anos, quando a
dor podem ser muito mais sugestivas do que muitas criança tem consolidada a alfabetização em sua língua
páginas de livros. Nos anos iniciais, essa aprendizagem materna. Esta decisão exige o diálogo constante com
terá um nível de complexidade e abrangência menores, as famílias em favor de uma prática pedagógica que
assim como menor sistematização, no que diz respeito amplie os conhecimentos do aluno e favoreça seu
à escrita/leitura e oralidade. Em síntese, pode-se dizer contato com o universo cultural de outro país.
MATEMÁTICA
E na escola...
Sentado na areia da praia, Oswaldo pensava como explicar para sua sobrinha de sete anos, Amanda,
que a Rua 14 do loteamento não ficava perto da Rua 13. Esse loteamento dividia a praia em lado par e
lado ímpar e, para se ir da Rua 14 até a Rua 13, era necessário caminhar por todas as travessas ímpares
e somente depois chegar da Rua 2 até a Rua 14. Lembrou-se com que interesse Amanda descobrira
que era possível imaginar a distância em metros de uma casa número 1.210 até outra, na mesma rua,
mas de número 790 e como se encantara em fazer de sua própria mão um instrumento de medida.
Animado pela curiosidade da sobrinha, do palmo foi ao passo e, da explicação sobre metros, chegou
ao conceito de quilômetros.
Em outra manhã, entre risos e charadas, ensinou-lhe que num pequeno passeio até a padaria era
possível descobrir retângulos e quadrados, círculos e triângulos que a própria natureza não cansava
de desenhá-los nas árvores e nas flores. Mostrou como até mesmo na casa inacabada da rua não era
complicado descobrir que lá estavam todas as figuras geométricas que a professora explicara em aula.
Na padaria, ensinou Amanda que a Matemática está presente nos custos das compras que se deseja e
se faz essencial no troco que se recebe. Com anedotas e charadas, ensinou que a Matemática da esco-
la vem sempre para a rua e para a praia, pois sem ela não se pode calcular e medir, e é bem mais difícil
brincar de comparar, classificar, ordenar, aplicar. Mostrou que a Matemática não pode ser confundida
com números, ainda que estes estejam para ela quase de igual maneira que as palavras estão para
as frases, e destacou que, para entender a Matemática da escola, é sempre melhor se começar de um
problema a ser resolvido e avançar aos poucos sempre usando a argumentação e a discussão para
ordenar as ideias.
Com a bonita curiosidade de Amanda, pensou e com ela dividiu pensamentos sobre como a Matemática
era usada nos tempos das cavernas e de que maneira sem ela seria impossível se chegar às pirâmides,
que aprendera em aulas de História. Passaram aquela tarde inteira de chuvarada forte em meio a livros,
revistas, jornais, brincando de achar a Matemática na moda e no futebol, na Geografia e nas Ciências, na
Astronomia e nas flores do jardim. Dias depois, mostrou como a Matemática é importante na cozinha e
que uma cozinheira, mesmo que não saiba ler e pense que não saiba fazer contas, usa e abusa da Mate-
mática quando espalha o sal pela comida e quando mede o açúcar para o doce da sobremesa.
(continuação)
Ficou pensando que as férias foram gostosas mesmo com dias sem sol e que, sem que a sobrinha
imaginasse, se falou da Matemática o tempo inteiro, ainda que o nome da matéria poucas vezes fosse
falado. Ficou com algum receio de se, com o fim das férias, Amanda não teria que voltar para a escola
e aprender uma sequência de conteúdos mortos, com quase veneração pelas equações sagradas e,
dessa forma, distante da atividade viva, de momentos em que tio e sobrinha curtiram a matemática
com saber e com sabor, com inteligência e com entusiasmo (SELBACH, 2010, p. 11-13).
O desafio é a Matemática escolar estar comprometida para se transformar num conjunto de regras e defini-
com a construção e a apropriação de conhecimento ções prontas. Os alunos observam os conceitos, depois
pelo aluno, que terá mais facilidade para compreender praticam por meio de inúmeras tarefas e são avaliados
e transformar sua realidade. de forma objetiva com exercícios semelhantes. O estu-
As ideias que têm influenciado o ensino da Matemática, dante percebe a Matemática como um conhecimento
e as reformas que ocorrem mundialmente destacam a pronto e acabado, porque as aulas apenas oferecem
resolução de problemas como proposta fundamental. atividades estáticas, em que só alguns podem ou têm
se articular. Ou seja, não é suficiente, nem adequado, A sala de aula pode ser diferente, um ambiente mais
um trabalho das técnicas operatórias descontextua- dinâmico que propicie discussão e argumentação sobre
lizado, um trabalho de puro treino. Quem não resol- problemas e conceitos matemáticos. Assim como a
veu listas intermináveis de “arme e efetue”? Durante escola deve favorecer práticas de letramento, também
muito tempo o trabalho nos anos iniciais reduziu-se a deve ser rica em estímulos e desafios matemáticos, ou
este tipo de procedimento, o que minimizou a possi- seja, promover um ambiente “matematizador”, no qual
bilidade de trabalho com os demais eixos de conteú- as hipóteses das crianças sejam bem-vindas. Sobre
dos: espaço e forma (geometria), grandezas e medidas, esta questão, é importante compreender: assim como
tratamento da informação. as crianças constroem hipóteses com relação à escrita,
Desta maneira, como se lê na crônica, a matemática, constroem, sobre o sistema de numeração decimal, o
que está no loteamento que dividia a praia em lado espaço, as formas que as rodeiam, a escrita numérica
par e lado ímpar, nas formas da natureza, nas compras – é bastante comum, por exemplo, que escrevam para
na padaria, nas receitas da cozinheira, deixa de ser viva 210, a forma não convencional: 20010.
ros são escritos com algarismos de 0 a 9; perceber que Nas situações-problema propostas às crianças sempre
quanto mais algarismos maior será o número e contar há aquelas que apresentam um campo numérico menor
de 10 em 10 sempre terminará com 0 etc. A reflexão e podem mobilizá-las, mesmo numa primeira leitura, a
acerca da leitura e da escrita de numerais, o contato resolver utilizando o cálculo mental. No momento de
com alguns símbolos, unidades de medida, represen- expressarem as formas particulares de cálculo, conta-
tações gráficas, são conteúdos que devem ser contex- gens de um a um ou representação gráfica de toda a
tualizados num ambiente matematizador. situação do enunciado podem aparecer como recursos
Terão destaque, na ação pedagógica, as atividades que importantes para chegarem à resolução. Para algumas
envolvam jogos e situações-problema, incentivando crianças, os desenhos são facilmente substituídos por
as crianças a utilizarem estratégias próprias para a numerais. As fórmulas particulares de cálculo devem
solução de problemas e socializá-las dos seus dife- ser estimuladas, socializadas e discutidas na medida
rentes “jeitos”. É importante que o professor provo- em que as situações-problema são apresentadas e em
que a discussão: A estratégia é boa ou não? Por quê? diferentes contextos.
É econômica? Podemos validá-la? As crianças estão em contato, desde cedo, com dife-
Empenhados na construção deste ambiente desafia- rentes situações em que adicionam, subtraem, multi-
dor, será bem-vindo buscar as fronteiras com outras plicam e fazem divisões. Mesmo quando se considera
áreas de conhecimento. Alguns livros de Literatu- que ainda não é o momento de sistematizar determi-
ra são boas contribuições. Os problemas da famí- nados conceitos, é importante propor situações que
lia Gorgonzola e Uma história com mil macacos, por envolvam tais operações, estimulando a busca de
exemplo, são um convite e tanto para que os estu- soluções a partir de estratégias pessoais. Dependendo
dantes comecem a elaborar e registrar suas estraté- da faixa etária, a apresentação dos algoritmos formais
gias de cálculos pessoais. Os textos dos problemas, nem sempre é a melhor mediação pedagógica. Com as
bem-humorados, em linguagem irreverente, devem crianças menores, o objetivo é favorecer a agilidade
ser primeiro apreciados como literatura e, depois, para operarem mentalmente, utilizando as regularida-
explorados como desafios matemáticos. des do sistema de numeração, especialmente quando
se trata de um campo numérico mais amplo.
•• Refletir sobre procedimentos de cálculo que levem •• Determinar o resultado da multiplicação de números
de 0 a 9 por 6, 7, 8, 9, em situações-problema e iden-
à ampliação do significado do número e das opera-
tificar regularidades que permitam sua memorização.
ções, utilizando a calculadora como estratégia de
verificação de resultados. •• Identificar e utilizar regularidades para multiplicar
ou dividir um número por 10, 100 e por 1.000.
•• Construir o significado de número racional e de
suas representações (fracionária e decimal), a partir •• Utilizar a decomposição das escritas numéricas
de seus diferentes usos no contexto social. e a propriedade distributiva da multiplicação em
relação à adição, para a realização de cálculos que
•• Explorar diferentes significados das frações em
envolvem a multiplicação e a divisão.
situações-problema (parte-todo, quociente e razão).
•• Compreender as ideias do campo multiplicativo para •• Fazer desenhos, mapas e maquetes, reconhecer e
aplicá-las no conceito de frações e operacioná-las desenhar o caminho/trajetória de casa até a escola
em situações-problema com o domínio de estra- e outros lugares.
tégias do uso de calculadoras e computadores em •• Desenvolver habilidades para manipular e utilizar
conjunto com as habilidades necessárias, como o materiais de medida (régua, esquadro, compasso,
cálculo mental e a estimativa prévia dos resultados. centímetro, trena etc.) e geoplanos, tangrans, espe-
•• Resolver adições, subtrações, multiplicações e lhos, pentaminós etc. para entender o ambiente e
divisões com números naturais, por meio de técni- espaço onde vivemos.
cas operatórias convencionais, cálculo mental e •• Representar resultados de medições, utilizando a
calculadora e usar estratégias de verificação e terminologia convencional para as unidades mais
controle de resultados pelo uso do calculo mental usuais dos sistemas de medida, comparar com esti-
ou calculadora. mativas prévias e estabelecer relações entre as
•• Explorar a ideia de probabilidade em situações- diferentes unidades de medida.
problema simples. •• Construir o significado de medidas a partir de
•• Identificar características de acontecimentos previ- situações-problema que expressem seu uso no
síveis ou aleatórios a partir de situações-problema, contexto social e em outras áreas do conhecimen-
utilizando recursos estatísticos e probabilísticos. to e possibilitem a comparação de grandezas de
dos no momento anterior, e o professor fornecerá, de realizadas em grupo, é um procedimento muito mais
forma mais sistematizada, as informações que o aluno rico, do que a simples correção que padroniza uma
não tem condições de obter sozinho. O aluno aperfei- única resposta ou procedimento. Nesse momento, ele
çoa procedimentos conhecidos, constrói novos, é leva- necessita de atividades e experiências em que possa
e convencionais sem, no entanto, deixar de valorizar e Na prática, os jogos utilizam conhecimentos que o
estimular suas hipóteses e estratégias pessoais. aluno possui, ainda que esses conhecimentos não
Nesta etapa, os conceitos construídos são organizados; estejam estruturados. Por meio de questionamentos,
inicia-se a abordagem de “convenções” matemáticas, desencadeados pelo professor, o aluno organiza esses
com o objetivo de fazer a ponte entre o conhecimento conhecimentos, percebendo as ideias e paralelamen-
conceito trabalhado na etapa anterior, a oportunidade e trabalhados em diferentes situações. Por exemplo,
de concluir esse aprendizado, seja qual for a série que ao trabalhar noções geométricas estamos também
precisa mais do que fazer a conta. E a ideia de resolver sobre um determinado conceito a partir de diferentes
o problema não se terá perdido? Escolher a forma e a perspectivas. Um desafio rico nesse sentido é propor
operação matemática a ser feita, a partir da relação/ que a própria turma elabore situações-problema para
interpretação das informações disponíveis, é propria- serem resolvidas entre os colegas.
mente o que o aluno precisa aprender a fazer. É preci-
so atentar para a necessidade de serem diversificadas
as situações-problema a fim de que o estudante pense
* Atenção para os conceitos de divisão aí em questão: Repartição de medir quantos 2 cabem no 5. E no segundo exemplo, estamos
e Medida. A ideia é uma quantidade, ou unidade de medida, que distribuindo 10 reais. É natural que se pense também que em 10
cabe na outra. Por exemplo, quando se pergunta quantos doces de cabem dois 5, porque 2 vezes 5 são 10.
R$ 2,00 pode-se comprar com 10 reais, temos como resposta 5, ou ** Já nos anos iniciais, os estudantes demonstram, por diferentes
seja, cabem 5 dois no 10. Quando se diz: tenho 2 sobrinhos e quero estratégias, que são capazes de compreender problemas que
distribuir 10 reais para os dois, a resposta é que cada um vai ganhar envolvem o raciocínio combinatório. O raciocínio combinatório
5 reais. Mas é preciso perceber que a natureza do quociente é envolve contagem, mas vai além da enumeração porque conta
diferente. No primeiro, o resultado 5 representa doces. No segundo, com base no raciocínio multiplicativo, fazendo combinações,
o resultado 5 representa reais. Assim, o primeiro trata da ideia arranjos e permutações.
Conteúdos em números
Composição e decomposição
Posição dos algarismos na representação decimal de um
número racional.
Localização na reta numérica de números decimais.
Observação de que os números naturais podem ser expressos
na forma fracionária – relacionando representação fracionária
e decimal.
1º eixo: Números e operações
Representação fracionária dos números racionais (reconhecer
que admitem infinitas representações).
Frações equivalentes – identificadas e produzidas pela
observação de representações gráficas e de regularidades nas
escritas numéricas.
Exploração dos diferentes significados das frações em
situações-problema: parte-todo, quociente e razão.
Reconhecimento do uso da porcentagem no dia a dia.
Conteúdos em operações
Análise, interpretação, resolução e formulação de situações-
problema, compreendendo alguns dos significados das
operações.
Construção dos fatos básicos das operações a partir de
situações-problema que serão utilizados mais tarde no
cálculo.
Organização dos fatos básicos e identificação de
regularidades e propriedades.
Utilização de estimativas para resolução de operações.
Exploração da ideia de probabilidade nas situações-problema.
brir unidades adequadas em função do que se preten- numeração é necessária, na medida em que proble-
de medir. Desta forma, eles notarão também que o uso mas como cálculo da área de uma superfície relacio-
social exige que haja uma padronização. Para isso, os nam dois polos de concepções – as geométricas e as
alunos devem estar familiarizados com a manipulação numéricas. As situações de aprendizagem em sala
de instrumentos de medida convencionais (régua, fita de aula devem estabelecer articulações entre esses
métrica, balança) e não convencionais, como palmos, polos. A falta de articulação acaba levando a alguns
tiras de papel e recipientes, e aprender a selecionar erros que são observados com frequência no decor-
uma unidade pertinente, determinando quantas vezes rer do processo educativo: por vezes os estudantes só
ela cabe no objeto que se pretende medir. consideram os aspectos numéricos, ou seja, as medi-
das de comprimento da figura (GURGEL, 2008).
•• É importante o professor estar atento ao uso dos estar articuladas a reflexões que envolvem ética,
“materiais concretos” ou “materiais manipulá- tolerância, consumismo etc.
veis” (NACARATO, 2005). Saber como utilizá-los é •• As aulas de Matemática poderão contribuir para uma
a questão fundamental que demandará estudo, formação crítica se o trabalho com os seus conte-
manipulação e planejamento do professor interes- údos não for reduzido à apresentação de concei-
sado em reconhecer as possibilidades e os limites tos, exercícios e técnicas, isto é, se não descuidar
de tais materiais. O uso do material concreto não da urgência de se repensar valores, provocando
viabilizará nenhum milagre no que diz respeito pensamentos, instigando reflexões e transforman-
à aprendizagem, pois, por si só, não possibilitam do atitudes.
elaborações conceituais. Assim, utilizá-lo com •• O cálculo mental é um conjunto de estratégias de
um fim em si mesmo acarretará usos reducionis- cálculo diversos em função dos números em jogo.
tas e não de fato exploratórios – que demanda- O trabalho com cálculo mental tem como propósi-
riam manipulação orientada pelo docente – o que to específico que os alunos disponham de variados
pouco contribuirá para a construção do conheci- recursos de cálculo e que, em cada caso, aprendam
mento matemático. a selecionar tanto a modalidade de resolução que
•• O trabalho sobre o dinheiro envolve uma série lhes pareça mais adequada (cálculo mental, algorit-
de questões, porque esbarra em aspectos mais mos, calculadora), como os meios de controle sobre
complexos do que a competência para fazer opera- os recursos utilizados.
ções relacionadas ao Sistema Monetário. Resolver
CIÊNCIAS NATURAIS
E na escola...
Quando falamos de ensino de Ciências, é possível observar que, na maioria dos casos, vivemos
ainda as consequências de uma organização tecnicista, na qual a nomenclatura da quantidade de
conteúdos apresentados é de extrema importância, não privilegiando, o papel do aluno na constru-
ção do conhecimento. Ou o outro extremo: uma organização com base em práticas de excessivas
experimentações, muito pouco reflexivas, e que não contribuem para uma efetiva aprendizagem. No
primeiro modelo de organização, a vivência, a experimentação e a elaboração de hipóteses, práticas
importantes para esta construção, não cabem como objetivo prioritário. O fato de o aluno convi-
ver com conceitos científicos no seu dia a dia, nas suas brincadeiras, não é, em geral, relevante ou
mesmo considerado. No segundo modelo de organização, no entanto, não se promove o encontro
do aluno com o saber científico, mas, sim, uma compreensão equivocada dos fenômenos naturais
vivenciados e observados por ele.
Ao longo dos últimos anos, se caminha para uma mudança de paradigmas educacionais e o ensino de
Ciências vem sendo tratado de outra forma. Entende-se que muito mais do que apresentar e permitir
a apropriação do conhecimento científico, a disciplina “Ciências Naturais” deve ter como objetivo
não a formação de pequenos cientistas, mas o desenvolvimento da criatividade e da capacidade de
comunicação, possibilitando o desenvolvimento social e intelectual da criança. Esse conhecimento
deve ser constantemente confrontado com o senso comum e imediatista, frequente no meio social e
valorizado pela mídia. É preciso nesse confronto o estabelecimento de um diálogo e não desqualifica-
ção do que as crianças levam para a escola de seu universo.
A aprendizagem ocorre a partir do instante em que a atividade cria envolvimento e permite à criança
estabelecer relações com novos fatos. As atividades propostas a ela devem dar conta de mostrar que
suas concepções não são tão consistentes quanto supunha e que podem existir melhores explica-
ções para os fenômenos relacionados e observados. Não se pode esquecer: as ideias e os conceitos
trazidos pelos alunos são bastante relevantes, pois funcionam como organizadores prévios, otimi-
zando a aquisição de novos conceitos. Para isso, o saber popular e o senso comum são de grande
valor, além de servirem como ancoragem aos novos conhecimentos. Logo, um conceito deve ser
apresentado após levantamento do que o aluno sabe ou vivenciou, para que seja significativo o que
está aprendendo.
(continuação)
A criança é extremamente curiosa. Neste sentido, o ensino de Ciências é privilegiado, pois permite
uma série de atividades que aguçam a curiosidade. É o momento em que ela é instigada a observar
segundo alguns critérios estabelecidos, começa a olhar com espírito crítico e investigativo, possibi-
litando assim o enriquecimento de atividades desenvolvidas nas demais áreas. Segundo Bachelard
(1992), “todo o conhecimento é a resposta a uma questão”.
“O que é isso? Como funciona? E o meu corpo, como é por dentro?” Perguntas pertinentes ao
repertório infantil normalmente são preenchidas por informações variadas, do seu contexto fami-
liar, atravessadas por questões culturais, criando um repertório de explicações que interpretam a
realidade. É importante esse repertório encontrar lugar na sala de aula, pois além de constituir um
importante fator no processo de aprendizagem, essas informações podem ser confrontadas, e em
seguida serem ampliadas, transformadas e sistematizadas com a mediação do professor. Ele terá
o papel de estimular o aluno a perguntar e a buscar respostas às questões científicas da natureza,
da tecnologia e da vida humana. Essas questões permitem a aprendizagem de conceitos e procedi-
mentos científicos importantes.
Nessa busca pelo conhecimento a curiosidade tem ficado comprometida por um excesso de ativi-
dades mecânicas que não proporcionam uma postura reflexiva, bem como pela apresentação de
textos, geralmente dos livros didáticos, que promovem atividades prontas e acabadas, tratando a
criança e, muitas vezes, o professor como “tábula rasa”. Mais uma vez, a imposição do conteúdo
livresco passa a ser um modelo que engessa o caminhar, fossilizando a capacidade inerente de todo
o ser humano: criação e recriação.
Na prática, de um lado está a criança com enorme interesse em descobrir o mundo que a cerca e como
as coisas funcionam. Do outro, uma lista interminável de conteúdos e atividades pouco reflexivas, que
tornam o mundo a ser descoberto metódico, cansativo, enquadrado em uma lógica sem sentido para
o professor e o aluno.
Como alternativa a essas questões, é preciso que a criança possa vivenciar o conhecimento. Nos anos
iniciais, a ênfase deve ser a ação da criança e sua participação ativa durante o processo de aquisição do
conhecimento, a partir de atividades desafiadoras, que instiguem o raciocínio e a busca de soluções.
•• Resolver problemas reais, presentes em seu coti- •• Valorizar atitudes de higiene para a prevenção da
diano, para os quais o domínio de conhecimentos saúde individual e dos grupos a que pertencem
científicos é necessário. (sala de aula, escola, casa).
•• Realizar experimentos simples sobre os materiais e •• Responsabilizar-se e cuidar do espaço que habi-
objetos do ambiente para investigar características ta, incorporando hábitos que levam à manutenção
e propriedades dos materiais e de algumas formas da saúde.
de energia. •• Reconhecer a importância do saneamento público
•• Relacionar o dia e a noite à movimentação da Terra. para a saúde e a qualidade de vida da população.
•• Identificar a sequência dia e noite em vários locais •• Comparar a respiração no meio terrestre dos animais
do Brasil e do mundo, manipulando o globo terrestre. e plantas com a de algas e animais em meio aquático,
•• Estabelecer relação entre asseio corporal e saúde. •• Valorizar formas de redução do lixo doméstico
•• Conhecer as principais vacinas e reconhecer sua pelo consumo consciente, reconhecendo modos
importância como forma de prevenção e erradica- adequados para sua deposição em casa e na escola.
ção de doenças. •• Identificar e descrever diferentes materiais, como
•• Caracterizar os aparelhos reprodutores masculino metais, plásticos, madeira, vidro, em produtos natu-
e feminino. rais e industrializados presentes no cotidiano e
compará-los quanto à origem, às propriedades e ao
•• Relacionar a produção de hormônios com a mens-
processo de produção.
truação ou a eliminação de esperma, identificando
transformações no aparelho reprodutor feminino e •• Investigar as características dos planetas.
masculino na puberdade.
Conteúdos em ambiente
Comparação de diferentes ambientes naturais e construídos,
investigando características comuns e diferentes, para
verificar que todos os ambientes apresentam seres vivos,
água, luz, calor, solo e outros componentes e fatos que se
apresentam de modo distinto em cada ambiente.
Noções de espaço e de lugar (próximos e distantes) e
1º eixo: O ambiente
transformações nas paisagens próximas.
Conhecimento dos modos com que diferentes seres vivos,
no espaço e no tempo, realizam as funções de alimentação,
sustentação, locomoção e reprodução, em relação às
condições do ambiente em que vivem.
Estabelecimento de relação entre troca de calor e mudanças
de estados físicos da água para fundamentar explicações
acerca do ciclo da água.
Diferentes usos da água no passado e no presente.
Água para consumo, distribuição residencial e formação
de esgoto.
Comparação de solos de diferentes ambientes relacionando
suas características às condições destes para se aproximar da
noção de solo como componente integrado aos demais.
Análise de diferentes tipos de solo para identificar suas
características comuns: presença de água, ar, areia, argila e
matéria orgânica.
Estabelecimento de relações entre os solos, a água e os seres
vivos nos fenômenos de permeabilidade, fertilidade e erosão.
Estabelecimento de relações de dependência (cadeia
alimentar) entre os seres vivos em diferentes ambientes.
comportamentos do homem e da mulher, objetiva-se Um conhecimento maior sobre a vida e sua condição
desenvolver a noção de ciclo de vida do ser humano, singular na natureza permite ao educando perceber a
o respeito e a valorização das diferenças. Também vida humana, seu próprio corpo como um todo dinâ-
devem ser estudados comportamentos relacionados à mico, que interage com o meio em sentido amplo, pois
preservação corporal e à boa alimentação, desenvol- tanto a herança biológica quanto as condições cultu-
vendo responsabilidades de cuidados com o próprio rais, sociais e afetivas refletem-se no corpo. Nessa
corpo e com os espaços que habita. perspectiva, a área de Ciências Naturais pode contri-
Neste eixo busca-se ampliar e aprofundar a compre- buir para a percepção da integridade pessoal e para
ensão do educando sobre o funcionamento do corpo a formação da autoestima, da postura de respeito ao
humano, abordando principalmente a promoção e
próprio corpo e ao dos outros. Contribui também para
manutenção da saúde. O trabalho envolve as trans-
formações do organismo e do corpo na infância, na
o entendimento da saúde como um valor pessoal e
adolescência e na fase adulta, em suas interações com social (BELO HORIZONTE, 2012).
o ambiente. Independentemente do tema abordado, é
diversos, para que os alunos conheçam a diversidade de mentos, máquinas, instrumentos e demais aparelhos
suas formas, utilidades e fontes de energia consumidas. utilizados para os mais diversos fins, nos ambientes
A compreensão do conceito de energia e suas trans- urbanos ou rurais, conhecer seus nomes, para que
formações requer um nível de abstração que ainda servem e como servem ao homem, quais as fontes de
não se estabeleceu nos alunos dos anos iniciais (1º, energia que utilizam e quais transformações realizam.
2º e 3º). Entretanto, estudos sobre aplicações práticas Investigações no campo da história das invenções e
das manifestações de energia permitem a exploração experimentações sobre condução elétrica ou máqui-
de aspectos interessantes e conseqüente ampliação nas simples também podem ser organizadas e propos-
da noção de energia e suas transformações. tas como formas de ampliação do conhecimento
Durante os anos finais (4º e 5º anos), os alunos podem acerca da diversidade dos equipamentos e seu funcio-
entrar em contato com uma variedade de equipa- namento (BRASIL, 1997b).
do pela comparação de eventos, objetos e fenôme- partir desse olhar é possível o desencadeamento
nos”. Atividades experimentais, por mais modestas das demais atividades e do conteúdo programáti-
que sejam, sempre são ricas em ensinamentos, co da disciplina.
pois o experimento, além de falar por si, propicia a Identificação e reconhecimento. A partir da obser-
observação, a comparação e facilita o processo de vação, abre-se a possibilidade da identificação de
reformulação conceitual do aluno, porque coloca- fenômenos/ocorrências da natureza, contrastando
-o diante de fenômenos que não consegue explicar informações ou fatos; ou ainda na comparação de
com sua concepção própria. Logo, podem ser um
dois fatos, dois ambientes etc. de modo que leve
excelente fio condutor. Segundo Axt (1991), “não
à percepção e à posterior tradução de suas seme-
existe grande possibilidade de que essa base expe-
lhanças e diferenças, o que permite o reconheci-
rimental seja descoberta sem alguma orientação”.
mento de situações-problema em que estejam
•• Entendemos que o ensino de Ciências deve estar envolvidos princípios das Ciências Naturais.
associado a um fenômeno, a uma situação-pro-
Registro. Para sistematizar o apreendido, faz-se neces-
blema. Enfim, a mecanismos que despertem inte-
resse e agucem a curiosidade. Segundo Feil e Lutz sário saber organizar diferentes informações, por meio
(1985): “O processo de aprendizagem que parte de diversas linguagens, como desenhos, esquemas,
da observação, resolução de situações-problema, quadros e pequenos textos, organizando as ideias,
ídas; o estabelecimento de relações entre fatos ou construção de registros, além de permitir a proposi-
tação de textos; a elaboração de roteiros, a pesquisa •• As escolas do Sesc têm a oportunidade de partici-
bibliográfica ou de campo são conteúdos procedi- par das mostras e exposições temáticas do Proje-
mentais importantes para que os conteúdos concei- to Sesc Ciência, reconhecidas na área acadêmica e
tuais sejam tratados (SELBACH, 2010). ”Igualmente, científica e com proposições pedagógicas adequa-
o conteúdo ilustrado pelo desenho, gráficos e tabe- das à proposta pedagógica do Ensino Fundamental.
las, o confronto entre suposições e a proposição de •• O Programa Alimentos Seguros – PAS-Educação –
solução para os desafios caracterizam a diversidade (SESC, 2006) foi implantado na maioria das escolas
de competências ou procedimentos que dão senti- do Sesc e tem o objetivo de trabalhar com os alunos
do e corpo aos conceitos apreendidos” (SELBACH, do Ensino Fundamental o conceito de Alimentação
2010, p. 54). Segura por meio da formação em serviço de seus
•• Vê-se que os procedimentos destacados direcio- professores e profissionais diretamente relacio-
nam o ensino de Ciências para uma compreensão nados ao preparo de alimentos. Seus conteúdos,
da natureza de forma global, na qual o ser huma- metodologia e recursos didáticos estão na Propos-
no é parte integrante e dependente, além de ser ta Pedagógica, visando apoiar os professores no
capaz de promover transformações no mundo em desenvolvimento dos eixos temáticos: Histórico
que vive. Por essa razão, devem ainda promover a dos alimentos na sociedade humana; Perigos nos
formulação de soluções para os problemas, a partir alimentos: biológicos, físicos e químicos, formas de
do conhecimento científico adquirido, colocando contaminação dos alimentos e doenças; Microrga-
em prática conceitos e atitudes, desenvolvidos no nismos em alimentos: microrganismos patogênicos,
processo de aprendizagem. transformadores de alimentos e da matéria-prima;
Ferramentas de prevenção dos perigos: boas práti-
•• A organização de um Canto de Ciências e\ou um
Laboratório de Ciências será bem-vinda. Todos cas e Sistema APPCC;8 Procedimentos legais: órgãos
têm uma ideia do que seja um laboratório, mesmo internacionais, federais, estaduais e municipais,
HISTÓRIA E
GEOGRAFIA
E na escola...
Um dos encantamentos ao se estudar História e Geografia é poder percebê-las nos assuntos das outras
disciplinas, construindo o saber de forma relacional. E quando se tem um professor que favoreça, de
fato, aprendizagens, essa percepção não será tarefa difícil. As histórias individuais dos alunos inte-
gram outras histórias, que sempre poderão se tornar ainda mais coletivas e, neste contexto, estarão
inseridas as próprias produções nos diferentes campos do saber, posto que o conhecimento também
possui sua historicidade. E ainda porque a compreensão dos conceitos e o desenvolvimento de quais-
quer competências, sempre estarão relacionados à determinada dimensão espaço-temporal.
É preciso lembrar que trabalhar História e Geografia, considerando-as como práticas sociais, requer a
construção do pensamento histórico, isso significa pensar a relação tempo-espaço, pensar as mudan-
ças, as transformações, as resistências, enfim, salvaguardar a autonomia e a condição de sujeito onde
quer que se esteja. E pensar historicamente é meio “caminho andado” para a construção de conheci-
mento; isso se faz a partir do desenvolvimento da criticidade. Nesse aspecto reside uma dificuldade
no ensino: comumente nos defrontamos com uma concepção pedagógica na mais pura reprodução do
senso comum sobre a incapacidade da criança de aprender algo mais do que uma data comemorativa,
por exemplo, de compreender o sentido do acontecimento, de construir uma crítica a respeito do fato,
em suma, de pensá-lo e repensá-lo. Reduzir o ensino, os processos histórico-sociais, às datas comemo-
rativas de fatos e personagens inviabiliza a possibilidade de que eles sejam recontados, proporcionan-
do uma suave reprodução da História oficial e em nada contribui para a construção do conhecimento e
do pensamento histórico. E mais, marca o alheamento da consciência em relação a tais processos dos
quais somos todos agentes, sujeitos – anônimos ou famosos – em ações cotidianas na vida real.
Como visto, ao chegar à escola, a criança traz consigo muitos conhecimentos que foram construídos
por meio das diferentes experiências vividas. A vida apresenta-se para ela como uma totalidade. A
criança percebe que as pessoas vivem num determinado espaço e tempo e produzem suas condições
de vida pelo trabalho. Ao se defrontar com um mundo tão grande, amplo e complexo, vai indagando e
buscando explicações sobre os fenômenos – que são por si relacionados – sem dividir as áreas que lhes
darão as respostas. Por isso, opta-se aqui por apresentar os objetivos gerais de História e de Geografia,
tal como definidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, e, em seguida, alguns pontos de convergên-
cia e articulação.
Objetivos gerais
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997d), o ensino da História e da Geografia
deverá organizar-se de modo que os alunos sejam
capazes de:
Em História
papel das sociedades na construção do território, eles podem e devem se entrecruzar. Numa perspec-
da paisagem e do lugar. tiva teórica e metodológica interdisciplinar, as áreas,
certamente, poderão ser mais bem estudadas – espe-
•• Compreender a espacialidade e temporalidade dos
fenômenos geográficos estudados em suas dinâmi- cialmente quando se trata do trabalho com crianças
cas e interações. dos anos iniciais – porque intenciona garantir uma
visão mais integradora do homem.
•• Compreender que as melhorias nas condições de
vida, os direitos políticos, os avanços tecnológicos Vê-se que, entrecruzadas, a História e a Geografia
e as transformações socioculturais são conquistas podem se comprometer mais efetivamente com o
ainda não usufruídas por todos os seres humanos ensino para a vida cidadã, contribuindo na apreensão
e, dentro de suas possibilidades, empenhar-se em dos seguintes aspectos:
democratizá-las.
•• Nas relações entre o presente e o passado.
•• Conhecer e saber utilizar procedimentos de pesquisa •• No estabelecimento das semelhanças e das dife-
da Geografia para compreender a paisagem, o terri-
renças existentes entre o seu ambiente familiar,
tório e o lugar, seus processos de construção, identi-
escolar e social.
ficando suas relações, problemas e contradições.
•• No reconhecimento das diferenças culturais entre o
•• Orientá-los a compreender a importância das dife- modo de vida de sua comunidade e as demais.
rentes linguagens na leitura da paisagem, desde as
imagens, música e literatura, dados e documentos
•• Na compreensão histórica da organização e funcio-
namento do espaço, na construção das paisagens
de diferentes fontes de informação, de modo que
em suas manifestações cotidianas.
•• Identificar espaços de memórias da cidade (museus, •• Estabelecer relações entre produção e distribuição
centros culturais etc.). de alimentos com os sujeitos históricos envolvidos
•• Relacionar a utilização que o homem faz da nature- nesses trabalhos, em diferentes culturas.
za e suas implicações. •• Identificar e estabelecer relações entre o modo de
•• Reconhecer que a atividade humana transforma a produzir alimentos e os alimentos naturais e indus-
natureza, estabelecendo uma posição crítica frente triais consumidos diariamente.
aos acontecimentos. •• Reconhecer mudanças e permanências nos hábitos
•• Identificar marcas do passado na paisagem da cida- alimentares e de cuidados com saúde (comparação
de e suas procedências. com os costumes dos avós e de outros tempos).
•• Reconhecer diferentes tipos de grupo de convi- •• Identificar na história das famílias elementos
vência (por nome, idade, sexo e pertencimen- urbanos, como transportes, bairros, lazer, ativida-
to – família, escola, sala de aula, profissão, local des econômicas.
de nascimento...). •• Estabelecer relações entre as tradições culturais e
•• Estabelecer relações de parentesco entre os as festas do presente.
elementos do grupo familiar e identificar seus •• Identificar as diferentes utilizações do espaço
ascendentes (pais e avós). público (lazer, manifestações culturais).
•• Identificar os diferentes papeis desempenhados •• Identificar algumas normas culturais relacionadas
pelos elementos da família. a cuidados pessoais e aos do grupo de convívio
•• Investigar a organização familiar em diferen- sobre higiene.
tes culturas. •• Relacionar a diversidade cultural da população do
•• Caracterizar as relações sociais que se estabelecem bairro com a população da cidade e do Brasil, iden-
entre os membros dos grupos a que o aluno perten- tificando e valorizando as diferenças de costumes
ce e em grupos de culturas diferentes. dos grupos sociais e étnicos.
•• Caracterizar diferentes grupos familiares em gera- •• Conhecer as festas e tradições religiosas nos estados.
ções passadas, analisando as mudanças ocorridas •• Participar da organização de festas culturais, carac-
no vestuário, na habitação, nos hábitos e costumes. terísticas de sua região.
•• Reconhecer as diferenças e semelhanças do grupo •• Investigar as atividades profissionais exercidas
da sala de aula: idades, acordos e desacordos entre pelos pais da turma.
pessoas e grupos no desencadear dos aconteci-
•• Identificar tarefas e instrumentos de trabalho,
mentos vividos.
utilizados nas diferentes atividades profissionais
•• Relacionar as normas e regras de convívio na sala de dos pais.
aula e na escola com leis e normas gerais da socie-
•• Classificar profissões segundo diversos atributos.
dade (ex.: com Estatuto da Criança, Lei de Direitos
Humanos, da Abolição, contra o racismo etc.).
•• Reconhecer a importância das diferentes funções
desempenhadas pelos elementos profissionais da
•• Identificar as formas de convívio social compartilha- comunidade próxima à escola.
das nas brincadeiras e festas em diferentes tempos.
•• Caracterizar a divisão de trabalho em diferentes
grupos sociais.
•• Estabelecer uma relação entre as profissões. •• Identificar pessoas e profissões envolvidas nos
•• Agrupar espaços por ordem de grandeza das dimen- •• Interpretar as paisagens urbanas e rurais em suas
sões (bairros, cidades, estados e países. oportunidades de trabalho e lazer, valendo-se de
•• Concluir que a sua cidade é formada por diversos imagens/fotos de tempos diferentes.
bairros e municípios. •• Reconhecer nos cotidianos da paisagem urbana e
•• Localizar municípios do seu estado utilizando dife- rural o que a cultura e o trabalho conferiram como
rentes relações espaciais. identidade de um lugar.
•• Localizar espaços, acontecimentos, épocas e perío- •• Identificar os locais de comercialização dos produ-
tos agrícolas (centrais de abastecimento, feiras
dos da história de seu município e do estado.
livres, supermercados etc.).
•• Observação e descrição de diferentes formas pelas
quais a natureza se apresenta na paisagem local: •• Agrupar os elementos visíveis da paisagem do
município e do estado em que vive.
construções e moradias; distribuição da popula-
ção, organização dos bairros na distribuição da •• Distinguir diferentes formas de relevo encontrados
população, nos modos de vida, nas formas de lazer, no município e no estado.
nas artes. •• Localizar, no mapa do município e do estado os
•• Valorização de formas não predatórias de explora- principais rios, lagoas, lagos e bacias.
ção, transformação e uso dos recursos naturais. •• Identificar tipos de vegetação e suas características
•• Reconhecer em imagens/fotos de tempos diferentes do município e no estado.
as mudanças ocorridas na produção do espaço urba- •• Reconhecer os tipos de coleta do lixo e como a
no e rural, sabendo explicar a sua temporalidade. percebemos nas atividades diárias na cidade: cata-
•• Compreender no cotidiano as noções de território dor de latas; papelão; entulho de material de cons-
e territorialidade, aplicando-as nas situações que trução e outros.
produzem a vida na cidade e no campo. •• Reconhecer os objetos produzidos como mate-
rial reciclado e industrializado, compreendendo
a relação entre produção de objetos, consumo
e desperdício.
•• Reconhecer a relação entre a cidade e outras vias •• Caracterizar as diferentes sociedades que vivem e
de circulação de mercadorias e serviços no estado viveram no município e no estado.
(rodovias e ferrovias). •• Caracterizar o sistema de administração municipal.
•• Reconhecer a importância das tecnologias nos •• Identificar as mudanças ocorridas nos hábitos e
meios de comunicação no cotidiano, como rádio, TV, costumes de outras gerações.
jornais, revistas e internet.
•• Comparar o cotidiano da vida dos grupos de que faz
•• Identificar linguagens e meios de comunicação parte no presente e no passado.
presentes na vida das crianças e da família, na
•• Estabelecer uma relação crítica na formação de
escola e na cidade, estabelecendo relações de
regras para o seu grupo.
semelhanças e diferenças com os identificados em
outras culturas, épocas e localidades.
•• Comparar brincadeiras de diferentes grupos sociais
(cultura indígena, cultura negra, orientais etc.).
•• Coletar informações de produções veiculadas
em meios de comunicação do século XXI com o
•• Identificar a população do município e estado estu-
dado a partir das atividades econômicas, necessida-
propósito de analisar sua relação com aconteci-
des e formas de organização.
mentos históricos.
•• Relacionar a diversidade cultural da população do
•• Estabelecer relações entre os hábitos culturais e os bairro com a população da cidade e do Brasil, iden-
meios de comunicação do século XXI.
tificando e valorizando as diferenças de costumes
•• Analisar os problemas sociais em sua localidade,
dos grupos sociais e étnicos.
discutindo soluções.
•• Identificar as diferenças sociais e de participação
•• Caracterizar as relações sociais que se estabelecem nas ações políticas, dos grupos e classes sociais que
entre os membros dos grupos a que o aluno perten-
convivem na cidade: governadores, comerciantes,
ce e em grupos de culturas diferentes.
trabalhadores, mulheres etc.
•• Conhecer a diversidade da população do bairro, os •• Identificar as lutas e as conquistas políticas,
moradores antigos, as diferentes procedências das
travadas por indivíduos, por classes e movi-
famílias, e as relações de diferenças e de identidades.
mentos sociais.
•• Relacionar as normas e regras de convívio no bairro •• Identificar diferentes tipos de organizações urba-
e na cidade, com leis e normas gerais da sociedade
nas, destacando as suas funções e origens: cidades
(ex.: com Estatuto da Criança, Lei de Direitos Huma-
que nasceram com função administrativa, religiosa
nos, da Abolição, contra o racismo etc.).
ou comercial.
•• Estudo da origem da cidade, sua organização e cres- •• Caracterizar a divisão de trabalho em diferentes
cimento urbanístico e seu papel administrativo. grupos sociais.
•• Identificar e relacionar os Três Poderes: Legislativo, •• Distinguir e classificar as diversas formas de ativida-
Executivo e Judiciário. des econômicas: primárias, secundárias e terciárias.
Para que o projeto político-pedagógico possa, de fato, Estudos Culturais contribuem no esclarecimento desta
contemplar o aspecto das relações étnico-raciais e questão. Então, pode-se afirmar que ao longo da histó-
contribuir para o fortalecimento da autoestima dos ria das instituições escolares, como seus programas e
estudantes, é preciso prever uma abordagem multi- currículos, algumas formas de conhecimento e cultura
disciplinar no desenvolvimento de projetos de traba- foram valorizados e outros não; alguns saberes legiti-
mados, outros não. O primeiro passo para a construção
§ 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira de ações afirmativas no espaço escolar é a descons-
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, trução de um imaginário estereotipado e reducionista
em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e
Histórias Brasileiras.
E na escola...
Desde cedo, a criança sofre as influências sociais e culturais de seu meio. A sua relação com o mundo se
dá por meio do jogo, da expressão visual e oral e de suas fantasias. A sua capacidade de experimentação
faz com que, aos poucos, ela vá descobrindo o mundo físico, emocional, social, estético e cultural, estru-
turando-se nesse processo de humanização, interagindo com outras pessoas e se inserindo no ambiente
afetivo e cultural. O ser sensível é um ser cultural, que interfere, tornando-se consciente de sua ação.
A criança, pelas experiências com a arte, pode dar visibilidade ao seu mundo de fantasia, aos seus
sonhos, aos seus temores e mitos, transmitindo sua vontade de viver, crescer e integrar-se. Com a
expressão artística, seja ela de qual tipo for, a criança estará afirmando sua capacidade de designar, de
se orientar; para expressar-se, no entanto, precisa de certos elementos que compõem o meio e, antes
de tudo, de uma grande dose de liberdade e compreensão daqueles que a rodeiam.
Para melhor conhecer a criança, é preciso saber ouvi-la e saber falar-lhe; é preciso aprender a vê-la.
Saber observá-la enquanto dramatiza nas brincadeiras: o brilho dos olhos, a expressão do rosto, a
movimentação do seu corpo. Estar atento à forma como projeta seu espaço, aprender a interpretar
esta forma e como conta suas histórias.
Quando a criança se expressa por meio da arte, ela se lança, se projeta. Nesse projetar existe um movi-
mento de dentro para fora e de fora para dentro. Desta forma, ela modifica e está sendo modificada,
ela expressa o que sente e assimila aspectos dos ambientes de suas vivências; faz a composição, a
construção e a revelação de suas histórias. Ela tem mesmo a inquietude e a necessidade de projetar-se
por todos os meios de expressão.
As experiências artísticas são fundamentais para que a criança aprenda a olhar, a ver a natureza pelos
seus próprios olhos. É necessário deixá-la sentir o que está à sua volta. Nesse sentido, o educador
poderá ajudá-la a olhar, tal como fez o pai do menino no belo conto de Eduardo Galeano que se chama,
justamente, A função da Arte/1:
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadoff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na
frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar! (GALEANO, 2009, p. 15).
(continuação)
O conto do Galeano nos ajuda a refletir, dentre tantas possibilidades, sobre a necessidade do
trabalho com arte ir além da prática da livre expressão para ampliar, o conhecimento em torno da
história da arte, da apreciação artística, do fazer artístico e da crítica de arte. Quando o menino pede
ao pai que o ajude a olhar está justamente desejando ampliar o seu universo de referências. No caso,
as artes operam como o campo do conhecimento sensível que, por sua vez, faz parte da ação inteli-
gente da criança, complementando sua maneira de estar no mundo de forma mais plena e integrada.
Ana Mae Barbosa, uma importante arte-educadora do Brasil, sugere uma pedagogia triangular no que
diz respeito a esta área do conhecimento em que a História, a Estética e o Fazer Artístico estejam
presentes para a construção de uma proposta eficaz de ensino da arte, – mas, atenção! Eficácia está
relacionada à possibilidade de aguçar a sensibilidade, promover o diálogo entre as várias racionalida-
des, ampliar as possibilidades de ver e apreciar, ouvir e se emocionar. Isto quer dizer que a intenção
do trabalho de arte na escola não pode ser formar o artista. E se, desta forma, a intenção for mesmo
cativar o aluno é preciso que o professor inicie o trabalho pensando em como os conteúdos que
pretende trabalhar poderão ser relacionados ao cotidiano do grupo. Aliás, uma observação atenta
do cotidiano pode estar impregnada de arte, muitas manifestações artísticas podem ser reveladas na
maneira como as pessoas produzem/organizam o seu dia a dia, no modo como se vestem, no movi-
mento de torcidas e de brincadeiras infantis, nas vitrines das lojas, nas festas, festejos etc. sem que
seus participantes se sintam artistas.
Qualquer conceito estético ou artístico pode ser trabalhado a partir do cotidiano. Os elementos que
compõem o fazer artístico são encontrados facilmente na natureza, por meio da pesquisa da forma, da
textura e das cores ou por materiais e objetos produzidos pelo homem. O conceito de interferência
direta do homem na natureza nos leva a refletir sobre a produção artística, que nada mais é do que a
interferência do artista de forma emocional, afetiva e cultural.
De fato, para que a aprendizagem aconteça, os conteúdos precisam estar articulados de modo a orga-
nizarem uma rede de significações. Cabe aqui reiterar que conteúdo não deve ser compreendido como
sinônimo de informações que se acumulam e, sim, como ferramenta que se constrói, com a qual se
aprende a aprender e a transformar o que for necessário. No caso da arte, os conteúdos devem estar
organizados de modo que a criança seja espectadora e também produtora – sua produção deverá ser
reconhecida e respeitada.
Quando não se deixa que a criança utilize seu espa- ponto de maior importância é o seu processo de cria-
ço lúdico de exploração e revelação da sua leitura da ção, pois é aí que ela se desenvolve. O produto final
realidade, comumente se padroniza o seu produto e será consequência de um processo bem desenvolvido.
seus sentimentos, estereotipando valores artísticos Desta maneira a criança poderá verificar em quantas e
e estimulando uma atitude conformista e passiva. em quais situações a arte se faz presente em sua vida.
Ignora-se, portanto, a atitude criadora, a utilização Sendo assim, o trabalho de arte não poderá se restrin-
de diferentes materiais e a experimentação de novas gir à aplicação de técnicas e exercícios.
ideias. Sem liberdade de expressão, o que é plásti- Compreender a expressão artística e saber trabalhar
co ou dramaticamente produzido não é verdadeiro, com ela são atitudes que o professor precisa ter, pois a
não tem vigor, carece de vida. Não devemos obrigar a arte é a expressão mais verdadeira que existe na crian-
criança a sujeitar-se aos padrões estabelecidos, pois ça, pois é a autoexpressão de sentimentos, de experi-
seus interesses, sua capacidade de observação e a ências, de emoções e de sua visão do mundo. Diz-se
exteriorização de seus sentimentos são muito dife- isso porque a criança apreende a realidade de modo
rentes dos adultos. emocional e globalizante, afetivo e condensado. Em
As múltiplas possibilidades do ensino de arte in- sua experiência, ela consegue conciliar, entre tantos
cluem o contato e o conhecimento através dos dualismos, o mundo real e o mundo imaginário – aqui
tempos, em que a criança pode conhecer obras de compreendido como o conjunto das imagens e rela-
diversos artistas e fazer relações com suas próprias ções constitutivas do humano; o imaginário é o grande
experiências. Ela observa, toca, conversa e reflete denominador em que se encaixam todos os procedi-
sobre o seu significado, estabelecendo novos concei- mentos de seu pensamento.
tos estéticos. A criança pode ser transportada por uma O papel do professor é perceber o significado da vivên-
viagem pelo mundo da arte, percebendo que o belo cia da criança, sua bagagem cultural, o que ela assimi-
está ao nosso redor e ao alcance de nossos olhos. Ela la em contato com o meio ambiente, sua capacidade
precisa exercitar o seu olhar, por meio da representa- de observação e o desenvolvimento de sua percep-
ção das coisas que ama, conhece e imagina. ção de espaço, forma, luz e cor. Ao professor cabe
O trabalho criador deve envolver a realização da crian- intermediar os conhecimentos existentes e oferecer
ça, possibilitando o seu desenvolvimento integral. O condições para o aprofundamento de novas vivências.
A escola deve ser um espaço onde as crianças podem •• Sensibilizar a criança com o seu meio, a partir de
exercitar suas potencialidades perceptivas, imaginati- suas produções nas diversas linguagens.
vas ou fantasiosas. Nas atividades de expressão plás- •• Apreciar a experimentação da criança, demonstran-
tica, musical e cênica são importantes as experiências do e valorizando suas descobertas.
perceptivas de visualidade, sonoridade e tato. Essas •• Perceber que o sentimento das crianças a respeito
experiências auxiliam a criança a perceber diferencia- de sua arte é diferente dos adultos.
ções e facilitam a melhoria da compreensão da reali- •• Apreciar os trabalhos artísticos das crianças identi-
dade e sua representação. A atividade imaginativa é ficando os avanços e estimulando o respeito pela
criadora por excelência, pois resulta da reformulação expressão dos outros.
de experiências vividas e da combinação de elemen- •• Possibilitar que a criança desenvolva sua própria
tos do mundo real. maneira de realizar seus trabalhos, a partir de sua
Uma educação composta apenas de informações vivência e que isto contribua para o grupo.
mecanicistas, sem reflexões e sem participação afeti- •• Não corrigir ou ajudar a criança em seu trabalho,
va e interessada da criança, não priorizando a relação impondo a visão do adulto ou conceitos estéti-
entre o pensamento e as atividades criadoras, só faz cos ultrapassados, como cópia ou colorir dese-
diminuir seu potencial que pode se estender por toda nhos feitos pelo professor, muitas vezes utilizados,
a vida. A escola, portanto, deve ser um espaço de troca inadequadamente, para “decoração” de ambientes
escolares.
e pesquisa constante, onde a criança sinta prazer no
que faz, reconhecendo o desenvolvimento do seu •• Não impor formas, cores ou modelos, deixando a
potencial criador. Levando em conta tais considera- criança criar livremente.
ções, pode-se dizer que nas aulas de artes a atitude •• Não demonstrar preferência pela produção de uma
do professor permitirá: criança mais que de outra, utilizando comparações.
O reconhecimento da arte popular pela escola como também a importância da cultura erudita – patrimô-
um saber, que reflete os sentimentos e a tradição nio da humanidade – que pertence a áreas geográfi-
de um povo, faz com que a criança valorize a ciência, a cas muito maiores do que a área cultural na qual foi
estética e desenvolva o sentido de comunidade, cons- criada e adaptada. A arte não é privilégio de poucos,
truindo sua identidade cultural. Por meio de vestígios ou de um espaço restrito. Sobre esta questão, afirma
artísticos interpretamos as marcas das aspirações, da Machado (1999, p. 74): “A exigência de qualidade
sensibilidade e do modo de vida de diversas culturas. artística numa obra não é um luxo elitista, constitui
A escola precisa aproximar-se desse poder criativo e uma necessidade, não para que todos sejam artistas,
do contexto ao qual está inserido. A observação dos mas para que ninguém seja escravo.”
•• Observar as relações entre o homem e a realidade •• Explorar o jogo imaginativo como forma de percep-
com interesse e curiosidade, exercitando a discus- ção de si e do outro.
•• Compreender e saber identificar aspectos da função •• Reconhecer e utilizar elementos das diversas
e dos resultados do trabalho do artista, reconhecen- linguagens em arte.
do, em sua própria experiência de aprendiz, aspec- •• Experimentar e articular expressões corporais, plás-
tos do processo percorrido pelo artista. ticas e sonoras por meio de jogos e brincadeiras.
•• Buscar e saber organizar informações sobre a arte •• Perceber que as linguagens em arte estão interli-
em contato com artistas, documentos, acervos gadas e que pelo jogo dramático exploramos as
nos espaços da escola e fora dela (livros, revis- linguagens plásticas e sonoras.
tas, jornais, ilustrações, vídeos, discos, cartazes)
•• Explorar a percepção do espaço, por meio dos
e acervos públicos (museus, galerias, centros de contornos da figura humana e da natureza.
cultura, bibliotecas, fonotecas, videotecas, cine-
•• Ampliar as relações como espaço natural ou cons-
matecas), reconhecendo e compreendendo a
truído pelas vivências sensório-corporais.
variedade dos produtos artísticos e concepções
estéticas presentes na história das diferentes •• Identificar os espaços percebidos e conhecidos,
utilizando o corpo como expressão.
culturas e etnias.
•• Explorar o corpo, movimento e o som por meio do
jogo lúdico.
do a arte nos diferentes contextos históricos. rios para leituras do tempo histórico. Desta forma, o
professor está direcionado para o fazer significativo
•• Fazer releitura da obra de arte a partir da observa-
ção e apreciação através dos tempos no contexto e a construção da autonomia, objetivando revelar e
Os eixos norteadores em arte – espaço/tempo/movi- mapeamento. Quais são as práticas culturais que exis-
mento, forma, luz/cor e História da Arte – permeiam tem no contexto social dos estudantes? Essa indaga-
todas as etapas de desenvolvimento da criança. Ou seja, ção é de fundamental importância.
no ensino de arte a criança, em todos os anos do En- Os conteúdos de arte organizam-se a partir da peda-
sino Fundamental, trabalha sobre os mesmos elemen- gogia triangular e relacionam-se à prática/ao fazer
tos, apenas em graus diferentes, dando aos conteúdos dos alunos em artes, à apreciação e ao seu reconhe-
uma verticalidade, um aprofundamento constante. cimento como produto cultural e histórico. Então, no
Na realidade, o que diferencia é o tipo de atividade e conjunto, dizem respeito a fatos, conceitos, princí-
a abordagem destes conteúdos. Será necessário levar pios/procedimentos e habilidades/valores, atitudes
em conta a faixa etária das crianças e o seu desen- e sensibilidade.
volvimento cognitivo, partindo da percepção que têm É importante o professor selecionar conteúdos rela-
da realidade. A escolha das atividades e dos projetos cionados à prática, ao fazer artístico, à apreciação
artísticos a serem desenvolvidos deve levar em conta estética e à História nas diversas linguagens artísti-
o conhecimento e o patrimônio cultural das crianças; cas (artes visuais, dança, teatro, fotografia etc.), tendo
é importante que o professor faça essa pesquisa, esse como premissa o estudo, a pesquisa e a ampliação do
conhecimento artístico em suas diferentes manifesta-
ções e culturas.
Conteúdos em forma
Figuras humanas, autorretrato, exploração dos elementos do
corpo, silhueta.
Figuras humanas e animais: suas características específicas,
em movimento, com idades diferentes expressas pelo desenho
de observação e de imaginação, pintura, colagens, formas
tridimensionais etc.
2º eixo: Forma
Leitura de imagens retiradas de revistas com diferentes figuras
humanas e animais.
Exploração das diferentes formas da natureza no
trabalho plástico.
Relação homem e natureza, sua interferência e atos
de preservação.
Reconhecimento das propriedades expressivas e construtivas
de materiais, suportes, instrumentos, procedimentos e técnicas
na produção de formas bidimensionais e tridimensionais.
Exploração de recursos e procedimentos técnicos nas
diferentes linguagens.
Produções visuais (originais e produzidas) e suas concepções
estéticas nas diferentes culturas.
Uso de linhas retas e curvas no trabalho de composição.
Criação e construção de formas visuais básicas bidimensionais
e tridimensionais em espaços diversos.
seu sentido de forma e linha e se relacionar com os des poderá ser uma estratégia necessária para a
outros alunos buscando dar forma e sentido às suas conquista de maior segurança.
pesquisas de movimento” (BRASIL, 1997a, p. 68). c) Não é necessário, obrigatoriamente, que todas
•• No trabalho com dança, o professor precisa ter as aulas sejam acompanhadas por músicas ou
atenção para: outros sons, o silêncio também deve ser observa-
a) Adequação de roupas para as aulas de dança. É do, explorado.
preciso favorecer a mobilidade. d) As brincadeiras populares são fontes importan-
b) O professor deve encorajar os alunos a experi- tes de pesquisa, devem ser estimuladas como parte
mentarem movimentos, pois nem todos respon- da riqueza cultural dos diferentes grupos.
derão às propostas com espontaneidade e pode
•• A imaginação se constitui de imagens, ideias e
haver algum tipo de resistência. Às vezes, abrir mão conceitos, que vinculam a fantasia à realidade.
da originalidade e optar pela repetição de ativida- É preciso mesclar elementos reais, combinando
com imagens da fantasia, para que o proces- •• Não se deve esquecer, ainda, que o trabalho com
so imaginativo adquira autonomia e diver- teatro desenvolve aspectos individuais, relaciona-
sos graus de complexidade. Quanto maior dos à capacidade expressiva, articulando intuição,
a variedade de experiências, mais possibi- percepção, memória, raciocínio, assim como propicia
lidades existem para a atividade criadora. desenvolvimento no âmbito coletivo na medida
A produção imaginativa tem relação com a reali- em que é, fundamentalmente, atividade grupal,
dade. A criança elabora, a partir de objetos reais, o que demanda solidariedade, diálogo e respei-
situações que estão relacionadas ao seu contex- to. Brincadeiras e jogos que desenvolvam habili-
to sociocultural. Existe uma reciprocidade entre dades como atenção, concentração, observação e
imaginação e sentimentos, e isto se reflete no seu memória são muito bem-vindos como atividades
espaço de criação. O mundo imaginativo da crian- de sensibilização.
ça é evidente e se manifesta por toda a infância. A •• A seguir, algumas produções e manifestações
questão está em saber equilibrar fantasia e realida- culturais de diferentes regiões que poderão
de por meio da reflexão do seu fazer criativo. ser trabalhadas:
•• Para o trabalho com o teatro é de fundamental Em Artes Visuais: escultura, pintura, pintura corpo-
importância que o professor reconheça também o ral, artesanato, desenho, gravura, vestuário, tape-
desenvolvimento da linguagem dramática de seus
çaria, cenários teatrais, brinquedos, ilustração,
alunos, assim, adequando os desafios, pode contri-
charges, quadrinhos, desenho animado, fotografia,
buir para a sua ordenação, torná-la mais complexa
cinema, computação gráfica etc.
e elaborada. Nos anos iniciais, a brincadeira de faz
de conta é muito constante; potencialmente, há Em Dança: brincadeiras, jogos individuais e cole-
uma capacidade de teatralidade presente. Aqui, no tivos (correr, pular, esconder, brincar de ciran-
contexto do faz de conta, o significado das coisas das, amarelinha, mímicas etc.). Festejos regionais:
é estabelecido pela brincadeira, a criança age num quadrilha, samba de roda, bumba meu boi, capoei-
mundo imaginário, ainda que possam existir regras ra, maculelê, frevo, pau de fitas etc.
a serem seguidas. Tudo ainda está bem próximo Em Teatro: contação de histórias, peças teatrais,
da sua vivência cotidiana. Um pouco mais adiante, filmes, vídeos publicitários etc. Mamulengos,
começa a preocupar-se com a apresentação mais
teatro de marionetes, de vara, de máscaras, de
realista dos fatos, sendo também maior a sua capa-
fantoches, de sombra etc.
cidade de abordar temas mais gerais.
MÚSICA
do como qualquer evento auditivamente perceptível diversas manifestações e no discurso dos sujeitos, por
– nos cercam e nos exigem, a todo instante, posturas meio de seus usos e consumos entendemos que esta
e atitudes que são mais ou menos diferenciadas em produção humana torna-se instrumento de formação
função do nosso grau de “desenvolvimento musical”. socioeducacional e cultural para o cidadão, podendo
Assim, para além dos “sons”, a educação musical nos promover a ampliação do conhecimento musical.
E na escola...
O objetivo da Educação musical na escola é proporcionar ao educando a ampliação das experiências
musicais para a construção de uma base em termos criativos, racionais e motores,
desenvolvendo autonomia de explorar, improvisar e compor, ‘contemplando a pluralidade cultural dos
múltiplos contextos sociais, que assumem distintos significados e funções’ que se apresenta
de maneira extremamente diversificada a partir dos contextos onde é produzida.
QUEIROZ e MARINHO, 2009, p. 66; FIGUEIREDO, 2011, p. 5.
O trabalho com música deve ser desenvolvido por meio de estímulo ao contato com parâmetros
musicais, apreciação, performance, cultura popular e outros. Essa proposta leva ao conhecimento da
própria concepção musical e a vivência com o universo cultural-musical.
Sobre essa questão é preciso também um olhar cuidadoso. A escola é espaço de formação crítica,
então, todo o conteúdo trabalhado precisa receber um olhar atento, e com música não é diferente.
Ao escolher determinado repertório, de música de concerto ao popular, e mesmo o mais comercial,
deve-se atentar ao aspecto da contextualização, favorecendo a construção do pensamento crítico, a
experiência sensível e, obviamente, estar adequado aos interesses e à faixa etária. Levando em conta
tais considerações, nenhum gênero precisa ser, a priori, descartado.
Em algumas situações nos deparamos com letras – e não necessariamente com as músicas em si –
inadequadas, eticamente questionáveis, que com as crianças mais velhas, tal questão pode, inclusive,
ser motivo para reflexão. Uma pesquisa estética acerca dessas produções pode ser algo enriquecedor.
(continuação)
O professor que problematizar e promover a reflexão terá, certamente, possibilidade de utilizar dessa
variedade de música em sala de aula.
Algumas produções e manifestações culturais, relacionadas à infância e/ou às diferentes regiões, que
poderão ser trabalhadas em música são:
Canções folclóricas brasileiras e estrangeiras, às vezes presentes nas próprias brincadeiras. Trilhas
sonoras, jingles.
Ritmos brasileiros e afro-brasileiros: xote, baião, chorinhos, samba, ciranda, maracatu, merengue,
olodum etc.
Música indígena.
Aprender música significa integrar vivência, percepção e reflexão, visando à construção de expe-
riências mais elaboradas. Por meio do fazer musical, da apreciação e da performance, a música na
escola tem a proposta de dar acesso ao mundo musical. Não há intenção em formar concertistas, mas
ampliar o conhecimento musical dos educandos.
Ouvir diversos tipos de música, brincar de roda, aprender a cantar e/ou tocar uma música, criar
brinquedos rítmicos são atividades que estimulam, despertam e desenvolvem o gosto pela ativi-
dade musical.
Sendo assim, a música na escola deve permitir ao educando o contato com a apreciação, contextu-
alizando os materiais sonoros que envolvem os conteúdos desta área de conhecimento, levando o
conhecimento e a vivência musical prévios do educando para a sala de aula, considerando, portanto,
os usos e consumos musicais como um meio de expressão sociocultural e diversidade cultural.
Para que os objetivos sejam alcançados, o trabalho deve ser desenvolvido tendo em vista dois
momentos distintos na aproximação da criança com a música: o primeiro, mais de experimentação e
o segundo, de estruturação – que defina prioridades e crie uma base a partir da qual os processos de
criação se viabilizem.
Objetivos gerais
Proporcionar ao estudante experiências sensoriais,
afetivas, psicomotoras e cognitivas visando à cons-
trução de uma base em termos racionais, sensíveis e
motores.
Desenvolver uma atitude autônoma, de realização
e análise, com relação ao fenômeno sonoro, que lhe
dê acesso, no fazer musical, a níveis cada vez mais
complexos e significativos.
Utilizar o patrimônio sociocultural como base para
o ensino de música adequando usos, consumos e
discursos musicais, propondo reconhecer os diferen-
tes elementos estéticos, simbólicos e técnicos em
sintonia com os conteúdos preestabelecidos para o
processo de ensino e aprendizagem promovendo: (a)
Figura 2.25: Sesc no Acre
desenvolvimento cognitivo musical; (b) reconheci-
mento estético de experiências de produção, criação,
improvisação musical; e por fim (c) ampliar experiên-
A educação musical na escola tem o compromisso
cias de escutas de repertórios musicais diversificados.
de aproximar os cidadãos da prática musical com
escuta crítica e atenta dos materiais sonoros e dos diver-
sos repertórios musicais, executando, interpretando,
Objetivos específicos
cantando ou tocando algum instrumento, e do fazer 1º, 2º e 3º anos
musical, experimentando, criando, produzindo e impro- •• Desenvolver a percepção do fenômeno sonoro e
visando, percebendo sobre si e seu mundo sua expres- das formas pelas quais ele interfere em nosso coti-
são cultural, seus valores, crenças e suas vivências. diano e influencia nossa prática musical.
Diante dessa perspectiva, entendemos que a música •• Identificar os processos responsáveis pelo fenôme-
um elemento indispensável voltado para a forma- •• Explorar espaços a fim de perceber os sons ambientes
ção da criatividade, difundindo o multiculturalismo e na paisagem sonora, associando-os à fonte sonora.
•• Perceber a possibilidade de criar diversos gestos a •• Reconhecer a relação que existe entre o ritmo das
partir de diferentes sons produzidos pelo próprio músicas e canções e as danças vivenciadas no
corpo, por objetos e paisagens sonoras por instru- contexto familiar.
mentos musicais. •• Acompanhar diferentes andamentos com o corpo
•• Experimentar livre e orientadamente os diversos (intenso – moderado – lento), explorando todos os
materiais sonoros. planos de ação do movimento (alto, médio, baixo),
•• Assimilar a noção de diversidade cultural por meio elaborando e explicando diversas interpretações
da apreciação ativa de padrões rítmicos, melódicos diante de variados timbres de sons.
e harmônicos, criados, transformados ou incorpora- •• Criar e produzir materiais sonoros e instrumentos
dos por diversas culturas. musicais com materiais recicláveis.
•• Vivenciar procedimentos que revelem o corpo em •• Tocar e cantar músicas e canções pertencentes ao
movimento como uma ferramenta essencial no seu patrimônio cultural e da localidade.
aprendizado musical. •• Tocar e cantar músicas e canções pertencentes a
•• Perceber a possibilidade de criar diversos gestos a outros grupos culturais aos quais teve acesso, por
partir de diferentes sons produzidos pelo próprio meio de contatos familiares, meios de comunicação,
corpo, pelo corpo de outros seres, por objetos viagens, local de moradia, pesquisas, relatos etc.
e paisagens naturais e artificiais e por instru- •• Expressar corporalmente diferentes composições mu-
mentos musicais. sicais, identificando a intenção do gesto elaborado.
•• Perceber a possibilidade de imitar expressões •• Identificar a função crítico-social e estética das
faciais, gestos e sons produzidos por diferentes músicas e canções apreciadas (título, autor, intér-
pessoas e animais. prete e elementos formais, tais como som, silêncio
•• Perceber a possibilidade de inventar expressões e ruído).
faciais, gestos, vocalizes e sons a partir de ideias, •• Criar efeitos, sonoplastias e sequências sonoras
sentimentos e sensações. simples, dialogando com outras linguagens artísti-
•• Elaborar notações musicais simbólicas, analógicas, cas (poesia, artes visuais, teatro, dança etc.).
não convencionais, de modo a facilitar a compreen- •• Reconhecer a relação que existe entre o ritmo das
são do sistema tradicional. músicas e canções e as danças vivenciadas no
•• Participar ativamente da experiência rítmica desen- •• Identificar as principais características das músi-
volvida no ambiente escolar. cas e canções apreciadas (título, autor, intérprete e
•• Reconhecer a relação que existe entre o ritmo das elementos formais, tais como som, silêncio e ruído).
músicas e canções e as danças vivenciadas. •• Identificar as principais características das danças
•• Reconhecer a atribuição de preconceitos quanto apreciadas e vivenciadas (número de participantes,
aos jogos musicais e danças, posicionando-se criti- significado da dança, papéis e funções durante a
camente em relação ao fato. prática etc.).
Tais conteúdos estão relacionados à prática/ao fazer Performance. Refere-se ao processo de exploração
dos alunos em música – como expressão humana e sonora, por meio da improvisação, interpretação
manifestação coletiva – à apreciação e ao seu reco- e criação, livre e/ou contextualizada dos materiais
nhecimento como produto cultural e histórico. Então, sonoros por meio da prática instrumental e/ou vocal,
no conjunto, dizem respeito a fatos, conceitos, princí- abrangendo:
pios/procedimentos e habilidades/valores, atitudes Improvisação – Desenvolver a práxis da explora-
e sensibilidade. ção sonora.
A apreciação musical refere-se à escuta atenta e à Criação – Tornar esta exploração sonora em criação
interação com músicas de diversos gêneros e mani- musical, com sentido, movimento e contextualização.
festações sonoras. Tem como proposta a vivência
Interpretação – Desenvolver a leitura e a prática de
do cancioneiro folclórico brasileiro, o contato com o
dominar obras de outros compositores por meio da
universo de música de concerto com apreciação de
pratica vocal, corporal e instrumental.
obras de compositores estrangeiros e brasileiros.
Em relação ao contexto histórico-musical, é importan-
Para organizar melhor este formato, sugerimos proce-
te observar os critérios relacionados ao tempo em que
dimentos referentes ao ensino de música, a saber:
o compositor e o estilo musical se inserem, tais como:
Apreciação. Relaciona-se ao reconhecimento e/ou
•• Conhecimento da cultura e história de diversos
análise dos materiais sonoros diversos como produto fazeres musicais, por meio de seus movimentos,
cultural e histórico, abrangendo: de diferentes fontes de registro e divulgação e das
História da Música – Reconhecer os materiais sono- transformações tecnológicas.
ros brasileiros e estrangeiros. •• Reconhecimento dos produtores de música como
Análise – Contextualizar estes dispositivos, por meio agentes sociais em diferentes épocas e culturas.
Conteúdos em experimentação
Fenômeno sonoro (os elementos constitutivos do fazer musical):
som (qualquer evento acústico) e silêncio.
Exploração dos elementos da linguagem musical: som, silêncio,
altura, timbre, intensidade, duração, andamento, ritmo, melodia,
tempo, textura, escala, notação musical, improvisação, afinação,
orquestração, arranjo, composição, entre outros.
1º eixo: Experimentação
Ambiente sonoro (a ampliação do alcance de um trabalho na área
de música introduzindo o impacto social e ecológico gerado pela
produção sonora): paisagem sonora (os sons que nos cercam) e
poluição sonora (os sons que nos adoecem).
Coleta de sons, paisagem sonora; exploração sonora: sons dos
animais, vozes diversas, sons retirados do próprio corpo batendo
palmas, as mãos sobre o corpo etc., cantigas que têm como tema
os focos trabalhados; escutar e descobrir sons; canto.
Produção sonora (os meios a partir dos quais são gerados e
amplificados os sons): vibração, onda; ressonância, conceitos de
acústica trabalhados por um entendimento prático.
Fazer musical (tocar ou cantar, individualmente ou em grupo).
Práticas musicais: a voz como instrumento musical,12 o corpo como
instrumento musical (a percussão do corpo), os objetos
como instrumentos musicais (a percussão dos objetos cotidianos),
os instrumentos musicais (familiares ou não ao grupo).
Conteúdos em estruturação
Fazer musical (tocar ou cantar individualmente ou em grupo):
ritmo e prática de conjunto.
Selecionar e combinar sons.
Escutar, interpretar e compreender peças musicais instrumentais.
Assistir a apresentações musicais.
processos formais ou intuitivos), não é possível ajudar •• Movimentos envolvendo deslocamento do eixo do
os alunos a desenvolver estas habilidades, sendo corpo, simples e precisos, tendem a equilibrar tensão
imprescindível o investimento na formação continu- e relaxamento, permitindo um maior controle corpo-
ada da equipe docente para contribuir com a ação ral. Esses movimentos trabalham necessariamente o
pedagógica em educação musical. equilíbrio, que traz a noção de regularidade e, assim,
possibilita o aprendizado da pulsação – cuja função
•• A apreciação musical que normalmente se constitui
em uma música é precisamente marcar o tempo a
em uma das atividades de ensino deve considerar
intervalos regulares e definir a estrutura rítmica. A
a presença de diversificadas escutas, sejam elas
percepção dessa pulsação diretamente associada
de repertório brasileiro e/ou estrangeiro, sobretu-
ao movimento corporal permite que algo essencial-
do partindo da valorização do discurso musical do
mente abstrato como o tempo possa ser “mapeado”,
educando no qual é construído e constituído a partir
de suas vivências, crenças, valores e significados. 13 Verificar propostas pedagógicas musicais: Dalcroze, Kodály,
Orff, Martenot, Liddy Mignone, Willems, Villa- Lobos e Ciavatta.
•• Deve pensar, introduzir e dinamizar no cotidiano da 14 Verificar propostas pedagógicas de: Schafer, Paynter, Cseko,
sala de aula propostas pedagógico-musicais, elabo- Green e Koellreutter.
pois, dessa forma, passa a ser concreto, palpável. O pode ser uma preciosa ponte para a abordagem da
processo de mapeamento, então, encaminha uma questão melódica.
organização racional e corporal do fazer musical que •• No desenvolvimento da noção de afinação, no
possibilita tanto o entendimento prático quanto o trabalho com melodias, é preciso tornar palpável a
teórico. Durante toda a sua formação, será por essa altura de um som. E certamente isso vai se dar por
organização corporal e mental que o aluno poderá se meio da prática vocal, possivelmente utilizando-se
aproximar com extrema naturalidade tanto da escrita nosso vasto repertório de canções. Entretanto, esse
quanto do improviso e da composição. é um ponto muito delicado, pois sem um equilíbrio
•• Apesar da importância do corpo no estabelecimen- entre realização e análise entre cantar e, ao mesmo
to de uma relação com o som, o foco deve estar tempo, adquirir ferramentas para pensar este
sempre na música. Os exercícios musculares podem cantar, o trabalho corre o risco de não se tornar uma
fornecer referências decisivas para o movimento ferramenta de criação, objetivo maior de qualquer
corporal, mas apenas o movimento musical, que dá trabalho de iniciação artística.
vida à frase musical e nos chega por meio de uma •• O som deve soar. Não há como trabalhar com músi-
articulação entre audição, organização e realização, ca sem que haja um espaço físico onde ela possa
pode, afinal, ser um guia confiável. soar sem impossibilitar o funcionamento de outras
•• O Brasil possui uma riqueza de padrões rítmicos aulas, ou sem que haja um acordo, ou uma tolerân-
dificilmente comparáveis, mesmo em termos de cia, da equipe de professores.
mundo, por isso parece imperativo que todo este •• Um trabalho de iniciação musical conduzido, ou não,
trabalho rítmico esteja inteiramente relaciona- por um especialista, não deve visar a este ou àque-
do com um profundo conhecimento dos padrões le tipo de realização, mas sim à construção de uma
culturais criados, transformados e/ou assimilados. base e à conquista de inúmeras possibilidades; a
Samba, maracatu, baião, xote, afoxé, alujá, ciranda e abertura de uma porta para a rítmica como um todo
tantos outros podem e devem ser trabalhados por e para uma real aproximação com o universo sonoro.
meio de uma prática de percussão vista não como
•• A proposta de inserir a educação musical nos
um fim em si, mas como um inigualável meio para
anos iniciais (1º ao 5º ano) será consolidada a
uma profunda experimentação rítmica, em que
partir de estudos da equipe acerca dos pensado-
podemos isolar a questão rítmica sem desconec-
res e educadores musicais brasileiros e estrangei-
tá-la do processo de aprendizagem musical como
ros, considerando que o processo de educação
um todo. É importante acrescentar que este tipo
musical no contexto da educação formal ganhou
de trabalho, mesmo centrado na percussão, pode
um novo remo em sua história, adotando novas
encaminhar todos os outros aspectos da prática
tendências e propostas no fazer musical. A fim
musical (timbre, registro, articulação, intensida-
de ampliar o ensino de música nas escolas,
de, fraseado, forma etc.). Uma preocupação que
EDUCAÇÃO
FÍSICA
nasceram vários conhecimentos e representações que sua atitude torna-se mais espontânea, expressan-
foram se recodificando ao longo do tempo, constituin- do suas subjetividades. Logo, o caráter utilitário ou
do a cultura corporal de movimento. Algumas dessas lúdico, expressando eficiência ou prazer, é dado pela
práticas corporais foram assimiladas pela Educação intenção do praticante ao agir corporalmente. Isto fica
Física como os jogos, as brincadeiras, as danças, as bem claro quando observamos as diferentes finalida-
lutas, as ginásticas e os esportes, que adotam um des presentes nas ações de um desportista e de um
sentações de diversos aspectos da cultura humana. A concepção de cultura corporal de movimento compre-
Os movimentos apresentam importância especial, em ende os conteúdos e as capacidades a desenvolver
função de um universo ao qual o homem é solicitado como produtos socioculturais, possibilitando o acesso e
a conhecer e a se apropriar, construindo uma enorme a participação a todo cidadão, estando desprovida das
E na escola...
– Qual disciplina ensina esse tal professor Caramelo?
– Caramelo é, na verdade, um professor multidisciplinar. Ensina todas as disciplinas do currículo e, mais
ainda, ensina ética e postura, solidariedade e compaixão. Se olharmos o horário, consta que suas aulas são
de Educação Física, mas em verdade a matéria-prima de Caramelo é uma solução holística, que do corpo vai à
mente, da disciplina dos movimentos evolui para o saber refletir e buscar pesquisar
Coleção como bem ensinar – Educação Física e Didática
Este trecho trata de uma reflexão que poderá contribuir com aqueles que, não sendo especialistas,
precisam dar conta da disciplina, inserida no currículo dos anos iniciais. Uma inquietação presente no
trabalho com Educação Física gira em torno do status da própria disciplina, transformando-se apenas
em válvula de escape para o peso da rotina enfadonha das obrigações/tarefas em sala de aula – como
(continuação)
tão bem sente Guilherme, personagem da história Minhas férias, pula uma linha, parágrafo (GRIBEL,
1999), em sua reflexão sobre a volta às aulas:
Depois da aula de Português vinha aula dupla de Educação Física. A maior sorte que se pode ter num primei-
ro dia de aula é ter aula dupla de Educação Física. Dá até para ficar contente de ter voltado para a escola. E
dá até para acreditar quando a nossa mãe fala que essa é a melhor época de nossa vida (GRIBEL, 1999, p.19).
Não teria, a priori, nada errado em o menino adorar a aula de Educação Física, o problema está na
realidade a qual isso se aplica: quando este “adorar” decorre do fato de todo o restante na escola ser
desinteressante e, portanto, pouco motivador. Na Literatura, especialmente, na infantil, não faltam
personagens que vivem esse “dilema”, com os quais as crianças rapidamente se identificam. O que
diríamos da Escola de Vidro, de Ruth Rocha (1986). Nessa escola, onde todos assistem às aulas em
vidros padronizados, se libertar só era possível na hora do recreio e nas aulas de Educação Física:
[...] Mas aí a gente já estava desesperado, de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos
outros. [...] as meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. E na aula de Educação Física elas ficavam
atrapalhadas, não estavam acostumadas a ficarem livres não tinham jeito nenhum para Educação Física
(ROCHA, 1986, cap. 3).
Há, nesse contexto, no mínimo, duas preocupações subjacentes que merecem destaque: a impossibi-
lidade de uma abordagem interdisciplinar, na medida em que existe – e para muitas crianças – de um
lado, o desprazer e de outro a Educação Física. Relacionar esses polos parece difícil, pois se corre o risco
de tudo virar enfadonho à medida que, em geral, o que tem valor social quando se pensa a Educação é
o peso, a seriedade da lição, e a quantidade! A segunda preocupação, que está relacionada à primeira,
é o reforço do estereótipo, que reduz a significação e a amplitude da disciplina, associada que está
apenas ao lazer. Trabalhando na perspectiva dessa amplitude, ou se quisermos a partir desta visão holís-
tica, – “que do corpo vai à mente, da disciplina dos movimentos evolui para o saber refletir e buscar
pesquisar” – o desafio parece estar em não fazer com que as aulas de Educação Física percam o encan-
tamento ao tentar garantir às crianças experiências de movimento desafiadoras e adequadas.
Diferente do que muitos imaginam, há muito trabalho do cérebro e desenvolvimento da inteli-
gência quando se trata de movimento corporal: “Não há mente sem corpo e a atividade esporti-
va é tão mental quanto uma atividade somente reflexiva” (SELBACH, 2010, p. 29). Isso quer dizer
que o lugar ocupado pelo corpo em determinado espaço social está diretamente relacionado
às atividades motoras do sujeito, o que influencia na percepção que vai construindo do mundo.
(continuação)
Em tais atividades, temos uma interação entre o sistema perceptual e o motor. “Dessa forma, quando
um professor procura ajudar os músculos e aprimorar os movimentos de seu aluno está involuntaria-
mente também ajudando a saúde de seu cérebro” (SELBACH, p. 24).
Ainda pensando a crônica e o professor Caramelo, parece claro que a questão fundamental, ao tratar-
mos de Educação Física é a Educação de Movimentos, que, especialmente, na escola não deve estar
associada a uma atividade técnica simplesmente, mas também cultural. E é por isso que ele provoca os
alunos a descobrir no jogo que jogaram as associações com as “jogadas” sempre presentes na História
que se aprende, nas Ciências que se vive. O modo como o corpo é usado, como os movimentos são
realizados para a resolução de problemas – aqui entendidos como desafios – é intrínseco ao código
de um grupo, é cultura. Essa inteligência corporal utilizada habilmente na busca de solução para os
desafios chama-se inteligência cinestésico-corporal, algo comum a todos, mas que poderá ser mais ou
menos desenvolvida, dependendo da história e das habilidades de cada um. Há pessoas que fazem de
seu corpo instrumento valioso de comunicação e expressão.
Os conteúdos pertinentes à área da Educação Física, principalmente os jogos e os esportes, são
compostos por regras, que possibilitam o convívio estreito entre afetos e sentimentos com a racionali-
dade e a cognição, tendo em vista que as emoções afetam as ações corporais e desequilibram constan-
temente as decisões racionais. Assim, constantemente, o autocontrole está em jogo, dialogando com
as expressões afetivas, com as regras e gestos e com as diferentes relações interpessoais, possibili-
tando o contato com a sua própria imagem, pelas reações desencadeadas nos outros e no meio social
imediato. Diferentes aspectos subjetivos são constantemente intercambiados, discutidos e transfor-
mados – tais como agressividade, desrespeito, descontrole – por meio do empenho físico e do uso dos
recursos táticos, enfim, o estudante vai se engajando, discutindo e ressignificando os procedimentos
éticos nas práticas da cultura corporal.
Os recursos e estratégias pedagógicas de valorização das construções coletivas e participativas na
elaboração e transformação das regras e estruturas de funcionamento de jogos e brincadeiras, por
exemplo, são formas de inserção real, calcadas em ações concretas que privilegiam a construção da
cidadania sem que seja necessário o emprego de ações autoritárias, muito presentes nos apelos disci-
plinares, controladores do comportamento e limitadores da estruturação moral do sujeito.
(continuação)
Para essa educação dos movimentos – intencionando o desenvolvimento da inteligência corporal,
também como forma de ampliar o conhecimento sobre a própria cultura1 – seria estéril se os conte-
údos de regras, táticas, força não fossem acrescidos de reflexões em torno da ética, do desempenho,
da estética etc. – quanta beleza e graça um corpo em movimento pode revelar, por exemplo! É impor-
tante o professor apostar em uma participação coletiva na construção de um projeto de ensino, não
abrir mão de trocar com os seus pares, de buscar relações entre a Educação Física e as outras áreas do
conhecimento e, como mediador, salientá-las para os seus alunos, provocá-las, a partir de suas inter-
venções desafiadoras.
As abordagens psicomotora, construtivista, desenvolvimentista e crítica constituíram perspectivas de
pensamento e prática para a Educação Física Escolar, se desdobrando em diversas propostas peda-
gógicas, frutos dos contextos políticos, dos avanços das pesquisas acadêmicas e das práticas desen-
volvidas pelos professores nas escolas. O que se pretende, no entanto, é que as ações relacionadas à
Educação Física estejam integradas à proposta político-pedagógica da escola, sejam coerentes com o
conjunto das ações educativas propostas.
Entende-se que a maior expectativa do trabalho da Educação Física como cultura corporal não é dar
ênfase à aptidão física e ao rendimento padronizado, que desconsidera as diferenças individuais. O
enfoque da abordagem proposta é mais abrangente na medida em que valoriza e considera os aspec-
tos sócio-históricos de cada atividade trabalhada, como também o contexto no qual os alunos estão
inseridos e as competências motoras individuais, independentemente do nível de habilidade que
apresentem. Logo, o fundamental é dar acesso às práticas corporais, colaborando para que cada indi-
víduo construa o seu estilo pessoal de participação. O que aqui se propõe, fundamentalmente, é o
estímulo ao convívio social, ao autoconhecimento, à autovalorização e à expressão de sentimentos,
afetos e emoções.
Para a concepção dos objetivos do trabalho de Educação Física, deve se considerar os conhecimentos
adquiridos pelas crianças em outros espaços que comportem práticas que envolvam o movimento
corporal, especialmente atividades lúdicas e expressivas: sociabilidade, tolerância frente a situações
adversas, construção de regras e adequação dos materiais e dos espaços às circunstâncias reais, parti-
cipação nas decisões que envolvem a organização do grupo e escolha das atividades.
1 Cultura que se manifesta nos jogos, danças, esportes, lutas, ginásticas etc.
descontextualizadas e sem teor construtivo. Os produ- peração, manutenção e melhoria da saúde coletiva.
tos da cultura corporal de movimento são moeda forte •• Solucionar problemas de ordem corporal em dife-
no mercado, conquistando consumidores de diferen- rentes contextos, regulando e dosando o esforço
tes idades e camadas sociais, por intermédio dos noti- em um nível compatível com as possibilidades,
considerando que o aperfeiçoamento e o desen-
ciários das revistas, jornais e telejornais. Logo, torna-se
volvimento das competências corporais decorrem
necessário, na escola, discutir e construir estratégias
de perseverança e regularidade e devem ocorrer de
de trabalho com os alunos que confrontem a cultura
modo saudável e equilibrado.
da exclusão e a do consumo induzido.
•• Conhecer a diversidade de padrões de saúde, bele-
za e estética corporal que existem nos diferentes
grupos sociais, compreendendo sua inserção •• Interessar-se pela pesquisa como forma de apro-
dentro da cultura em que são produzidos, analisan- fundar a leitura da gestualidade, envolvendo o
do criticamente os padrões divulgados pela mídia e levantamento de questões acerca da temática, e a
evitando o consumismo e o preconceito. busca pelas fontes de investigação necessárias.
•• Conhecer a história de cada uma das práticas corpo- executá-los como também modificá-los ou inventar
rais propostas nas aulas, reconhecendo-as como outras formas de expressão diante de uma situa-
produção humana. ção-problema.
•• Conhecer os efeitos da hidratação no organismo •• Conhecer a história de cada uma das práticas corpo-
durante a realização de atividades físicas, inclusive rais propostas nas aulas, reconhecendo-as como
durante as aulas de Educação Física. produção humana.
•• Reconhecer as alterações provocadas pelo esforço •• Analisar a importância da aprendizagem dos conhe-
físico (cansaço, elevação dos batimentos cardíacos) cimentos específicos da Educação Física no seu
e saber por que elas ocorrem. cotidiano (dentro e fora da escola) e como eles
podem modificar ou não as suas ações e interações
4º e 5º anos
nos diferentes tempos e espaços.
•• Vivenciar as práticas corporais, referentes aos
conteúdos culturais da Educação Física (jogos,
•• Participar da organização de atividades lúdicas de
movimento corporal, escolhendo e organizando as
brincadeiras, esportes, danças, ginásticas e lutas),
equipes e cuidando dos materiais utilizados.
valorizando a ludicidade, a inclusão (respeitando as
diferenças) e a socialização. •• Conhecer, por meio das práticas corporais de
movimento, suas habilidades e a maneira como
•• Conhecer e perceber, de forma contínua, seu corpo, as emprega, construindo noções do que pode ser
suas possibilidades de movimento, buscando supe-
aperfeiçoado pela dedicação pessoal.
rar os limites e ampliar as potencialidades.
•• Conhecer atividades de cultura corporal de movi-
•• Conhecer as regras, referentes ao tema da aula, e os mento de outras culturas, discutindo suas particu-
seus objetivos, respeitando-as e (re)construindo-as
laridades e valores sociais dentro de sua realidade.
de acordo com suas próprias necessidades e possi-
bilidades de movimentos, com as necessidades do •• Valorizar a cultura popular do movimento como
grupo, com a disponibilidade de material e espaço. instrumento da expressão de prazer, alegria, afeti-
vidade, de cada um.
•• Compreender os movimentos como linguagem, o
porquê de os mesmos serem realizados em cada •• Participar da organização de pequenos eventos
prática (de acordo com o material, com o espaço e que envolvam jogos, brincadeiras, danças, lutas
com a participação ou não do colega), relacionan- e demais atividades corporais, construindo uma
do-os ao conteúdo da aula, sendo capaz de não só consciência crítica dos valores.
1º eixo: Conhecimento
sobre o corpo
vam as expressões corporais. Citando alguns: danças devem contemplar os aspectos sociais pertinentes às
regionais como samba, baião, bumba meu boi, maraca- práticas corporais, no que diz respeito às suas dimen-
tu; danças urbanas como rap, dança de rua e de salão; sões socioculturais, de lazer e de manutenção da
encaminham suas observações e críticas, para aprendem a lidar com bonecas, miniaturas de
que não interfiram no desempenho e no interesse utensílios domésticos, participam de brinca-
daqueles que estejam com uma ou mais dificulda- deiras de roda, brincam com cordas e elásticos.
des. A identificação dos diferentes desempenhos Consequentemente, os meninos desenvolvem as
individuais dos alunos deve ser tratada sem taxa- coordenações específicas do manuseio de bolas,
ções, evitando assim a geração de discriminações e agilidade, força e velocidade, ao passo que as
rotulações que desestimulem a aprendizagem. meninas tornam-se mais habilidosas em ativida-
•• Em função das atribuições estabelecidas pelas des que solicitam movimentos associados a ritmos
diferentes culturas, que ditam papéis e funções e equilíbrios com objetos, geralmente utilizados
aos homens e às mulheres, as práticas corporais pelas mãos. À medida que a escola não reproduz
masculinas e femininas foram se constituindo em a cultura tradicional e encaminha alternativas para
repertórios de atividades específicos a cada sexo, que ambos os sexos entrem em contato com todo
resultando numa grande diferença de competência o repertório possível, torna-se geradora de cultura,
entre os gêneros em diversos tipos de atividades. fundando novos paradigmas para as práticas entre
Assim como os meninos desde cedo são apre- os gêneros, aproximando-os por meio deste espa-
sentados às bolas, piques e raquetes, as meninas ço privilegiado de interação.
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lam no cotidiano escolar, e, em parceria, desenvolven- um ressignifica de modo particular o que vai apren-
do práticas de investigação-formação. dendo, experimentando.
Sabe-se que é responsabilidade da escola a formali- Cativar e ser cativado são posturas fundamentais
zação e a sistematização de conteúdos. Neste sentido, neste processo e que não prescindem de sensibi-
espera-se que o educador se aproprie do conheci- lidade, intuição, criatividade e também de aporte
mento produzido pelas diferentes áreas e as suas teórico que consubstancie práticas. Cativar e ser cati-
didáticas de modo crítico e consistente. Sua busca por vado demanda comunhão com o outro, com o seu
saber mais é o que poderá garantir a consciência, a saber/fazer; demanda abertura, disponibilidade para
lucidez e a previsão do processo educativo que, por compreender outras lógicas, valores e entendimentos,
sua vez, torna-se motor de novos conhecimentos, na como diz o poeta: “Para enxergar as coisas sem feitio, é
medida em que o educador também aprende enquan- preciso não saber nada” (BARROS, 2003, p. 54). Cativar
to ensina. Aprende, inclusive, a ver o diferente de cada e ser cativado demanda intimidade, “o tamanho das
indivíduo na construção do coletivo e é justamente coisas há que ser medido pela intimidade que temos
com o seu conhecimento que irá permear o saber de com as coisas. Há de ser como acontece com o amor”
cada um. (BARROS, 2003, p. 54). Cativar e ser cativado deman-
A questão fundamental e que se impõe é que nada da confiança (fiar com), demanda aproximação afetiva,
neste processo será possível se o educador não se que em nada se relaciona ao estereótipo da professo-
inquietar, não se sentir instigado com os desafios ra-tia e, sim, ao reconhecimento do outro, como sujei-
que se apresentam. Para que se assuma autor de seu to, em sua singularidade, no reconhecimento de sua
trabalho – e não apenas informante das propostas dos cultura e de seus saberes aí construídos. Talvez, nesta
livros didáticos e dos currículos oficiais, simples apli- perspectiva, é que resida a força das palavras de Tardif
cador de modelos preestabelecidos – ele precisará ser (2005, p. 31): “Todo trabalho humano sobre e com
capaz de cativar e ser cativado. Somente nesta condi- seres humanos faz retornar sobre si a humanidade de
ção de autoria é que poderá colocar-se como partici- seu objeto”.
pante do processo coletivo que tem como exemplo Por outro lado, a construção de um aporte teórico pelo
a construção dos projetos políticos pedagógicos e docente pressupõe reflexão sobre a própria prática,
seus desdobramentos. Dessa forma, os processos de firme comprometimento, para que não se corra o risco
formação apresentam um aspecto compartilhado e de espontaneísmos, tal como ensinara Freire (2001,
p. 24), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria
pode ir virando blá, blá, blá, e a prática, ativismo”. infantil, um desejo de descobrir o mundo – o mundo
Isso porque qualquer transposição didática deverá 2
real, de indivíduos em suas tramas, de onde emergem
envolver interseção entre conhecimentos das áreas infinitas e interessantes questões. Nesse sentido, os
específicas, conhecimentos pedagógicos e conheci- conteúdos a serem trabalhados na escola poderão
mento da experiência escolar, o que não acontecerá representar também temas históricos, questões cultu-
sem comprometimento sociopolítico. rais, políticas e sociais, o que requer do professor
Tais saberes sempre estarão relacionados às escolhas estudo, pesquisa, participação e autoria, porque o que
e às negociações (sobre: o quê? Como? Quando? Para estará em jogo não é mais uma série de atividades
que ensinar?) que, como se vê, dizem respeito a, no escolarizadas que não fazem sentido em lugar algum,
mínimo, três complexidades entretecidas: apenas na sala de aula e para o professor.
1. Os conhecimentos das áreas que se “escolhe” ensi- Estarão as crianças tendo acesso ao direito de conhe-
nar – são esses conhecimentos que num espaço cer? Essa pergunta deve ser imperativa na constru-
específico, a escola, se tornam “objetos” da inter- ção de todo projeto político-pedagógico. Conhecer
venção pedagógica.
tem uma implicação não apenas cognoscitiva, mas
2. Conhecimento escolar, nas mais diferentes didáti- também estética e ética, que não podem ser descon-
cas, nas práticas de ensino e nas reflexões sobre a
sideradas, não se trata simplesmente de copiar e
aprendizagem.
repetir o que o professor pretendeu ensinar e depois
3. Cultura local, valorizando as especificidades regio-
intenciona verificar.
nais e disseminando-as no ambiente escolar.
Conhecer sugere beleza porque implica transforma-
Como garantir que, desta teia, práticas significativas
ções, aprendemos e já não somos os mesmos; conhe-
para os estudantes, portadores de um conhecimen-
cer implica também se transformar em melhor pessoa,
to relevante para suas vidas, aconteçam, efetiva-
porque necessariamente precisamos reconhecer o
mente? Como torná-las uma realidade e, de fato,
outro na construção do nosso conhecimento. Comu-
uma experiência?
mente se esquece que nenhum conhecimento tem
Trabalhar nesta perspectiva requer, entre outras coisas,
força atemporal: tudo se transforma ao longo do
que os conteúdos não sejam tratados à revelia do
tempo. Muitos conhecimentos que, aparentemente
grupo e de seus interesses. Diferentemente da ideo-
não “servem” para nada são altamente formadores
logia constituída em torno de a criança gostar de um
tais como aprender a dialogar, conquistar a autonomia
mundo encantado, mítico, pode-se sem muito esforço
perceber a realidade de que existe outra ansiedade
necessária para a construção de uma postura de estu- tico-pedagógico realmente comprometido com o ser
dante adequada, por exemplo. A troca entre amigos humano, com o trabalhador em formação.
e parceiros fomenta o crescimento, a autonomia e a Um projeto político-pedagógico não pode ser compre-
responsabilidade, consigo mesmo, com o outro, além endido simplesmente como um documento formal
de alimentar os sonhos, parte integrante e fundamen- que só alguns poucos “iluminados”, especialistas,
tal de nosso desenvolvimento emocional. estão autorizados a produzir, e como algo totalmente
Ao longo desta Proposta Pedagógica algumas proble- distinto do que acontece no cotidiano da escola. Os
matizações foram trazidas no sentido de fazer do diferentes planejamentos feitos pelos professores; as
conhecimento uma aventura. Buscar o diálogo entre atividades desenvolvidas e os materiais seleciona-
as áreas curriculares, desenvolver projetos apontan- dos; os projetos de trabalho; as reuniões periódicas,
do possíveis interconexões entre os conhecimentos os conselhos de classe,3 a discussão sobre as condi-
produzidos pela humanidade, potencializar a condi- ções concretas de trabalho; as trocas de experiências,
ção de participação e autoria dos estudantes, são os grupos de estudo; a diversidade de registros, rela-
apostas necessárias. É fato que tais proposições se tórios, diários e sua socialização; as festas, as feiras,
afirmam num projeto que é coletivo, de uma equipe, os encontros pedagógicos; todos esses elementos
de uma comunidade escolar. Não pode se tratar de sedimentam e dão contornos a um projeto político-
algo particular, tampouco é de exclusiva responsabili- -pedagógico. Tal projeto precisa – mesmo em caráter
dade dos especialistas em Educação – gestores, coor- processual – ser organizado, formalizado pelas equi-
denadores, orientadores – tomar decisões acerca de pes para que possa, inclusive, ser socializado com
um Projeto de Ensino. A estes, o desafio de envolver outros grupos, com outras instituições, se for o caso.
os demais profissionais, de mobilizar para a formação, Assim é que poderá dialogar com outras comunidades,
de desenvolver projetos, só será efetivo se atender a no bairro, na cidade, no país; assim é que manterá a
todo um complexo de relações humanas que respon- sua vitalidade, o seu frescor.
da à produção de relações educativas e culturais, bem
3 Os Conselhos de Classe têm fundamental importância no
como a afirmação da cidadania de todos os envolvidos
processo educativo. Isso se não forem assumidos burocraticamente,
no processo. Trata-se também de pensar a interação apressadamente, reduzidos a um tempo/espaço em que,
simplesmente, notas e conceitos são divulgados. Terão uma função
de grupos maiores que os de trabalho – com toda a
pedagógica se forem praticados como tempo/espaço de discussão,
comunidade escolar – em torno de um projeto polí- de socialização de olhares acerca de cada estudante e de seu
percurso. Quando se lança mão de uma perspectiva de avaliação
processual e formadora, é necessário redimensionar também os
encontros em que tal avaliação se fará problematização. Assim,
os momentos que se fizeram tradicionais na escola – como os
conselhos – numa perspectiva transformadora – devem ser
ressignificados.
Ao registrar, por exemplo, o professor organiza o seu Percebe-se, então, que um desafio desta natureza não
trabalho, refletindo de modo contínuo sobre o seu fazer deve ser assumido como obrigação e sim como neces-
com os desdobramentos e fundamentações que lhes sidade de ação política e pedagógica para reinvenção
são inerentes. Com a prática do registro está, por um do espaço coletivo; como uma necessidade de forma-
lado, se distanciando do tempo/espaço de sua atua- ção teórica, técnica e cultural do grupo e, desta forma,
ção, o que lhe permite trazer à tona, mais pontualmen- como uma necessidade de transformação, porque põe
te, uma série de interlocuções, inclusive as teóricas; em marcha processos de repensar, refazer, rediscutir,
por outro lado, ao registrar, experimenta uma aproxi- reavaliar, ressignificar o ensinar e o aprender. Para isso,
mação afetiva, ao fazer do registro um refletir sobre o no entanto, não há fórmulas, receitas ou manuais que
que remeterá a ações com outras comunhões. Assim, possam ser consumidos. A tessitura de um projeto e os
novas ações poderão ser planejadas a partir de um seus processos – porque é indispensável a prática de
registro reflexivo, ajustado e cuidadoso. Por meio dele, revisitá-lo – só se darão no encontro, num estar junto,
as possibilidades de troca entre a equipe e também com grupos de estudo, planejamento, registro, rela-
com os estudantes e suas famílias são potencializadas. tos de experiência – porque a tematização da prática,
Tantas vezes, o que se vê é justamente o contrário desta da experiência, é um saber legítimo a ser discutido,
construção coletiva. Para o cumprimento de determi- investigado – enfim, com compromisso e sensibilida-
nação legal, projetos são “produzidos” a despeito dos de para perceber os interstícios e as artimanhas dos
saberes, conhecimentos e práticas, enredados nos dife- saberes cotidianos e comunitários. Neste sentido, mas
rentes contextos escolares, desconsiderando, assim, vale a recomendação de Santos (1989, p. 95) “de sem
os sujeitos envolvidos. Em muitos casos não se tem sair do mar, refazer o barco, tábua por tábua”.
mais do que projetos estéreis, às vezes, compilações Certamente que formação acadêmica, contato com
de outros documentos que não cumprem mais do que as pesquisas em educação, (re)conhecimento crítico
uma função burocrática. Ao contrário, o projeto polí- dos documentos e das propostas oficiais e vivências
tico-pedagógico precisa expressar as diferentes vozes culturais subjazem os diferentes projetos e intenções
do cotidiano escolar. Com uma observação ao que diz a de formação continuada, porém não se deve esquecer
própria LDB, logo se verifica que para sua elaboração o que o espaço do trabalho docente, o espaço da escola,
que está em jogo é uma responsabilidade coletiva – de também é formador e não deve ser desperdiçado, ou
todos os profissionais que atuam na escola. seja, as práticas cotidianas devem ser tematizadas.
Os espaços escolares tecidos e aprendidos no cotidia- É reiterando o valor deste compromisso que as diretri-
no são potencialmente produtores de nossa formação, zes do Sesc se alinham:
também imprescindíveis fontes de capacitação para o
O trabalho educativo está voltado para o desenvolvi-
enfrentamento e superação dos desafios que as reali-
mento integral dos indivíduos, mediante a melhoria da
dades escolares nos colocam e que as políticas oficiais
compreensão do meio em que vivem, maior percepção
não dão conta [...]
de si mesmos, elevação sociocultural das suas condi-
As ações políticas destinadas à formação contínua de ções de vida e desenvolvimento de valores próprios de
professores não devem desprezar, desde o início de uma sociedade em mudança e que o façam partícipe
seus processos de elaboração, o significado e a poten- ativo desse processo (SESC, 2008, p.15).
cialidade dos espaços e tempos cotidianos das próprias
escolas (VICTORIO FILHO, 2002, p.75). Diferente do que se pode supor, não são os modismos
pedagógicos, no que diz respeito à estrutura curricular
Assumir o compromisso com a Formação Continuada
e organizacional que darão conta dos desafios que se
pressupõe periodicidade nas ações e, portanto, um
impõem, produzindo, necessariamente, transforma-
compromisso da Coordenação Pedagógica para ouvir
ções eficazes no ensino, gerando bons resultados na
e reconhecer as necessidades da equipe. Será uma
aprendizagem. Isso apenas será possível com o alcan-
forma de valorização dos profissionais de Educação se
ce de uma qualidade no saber-fazer, que, como já dito,
for assumida também como uma ação política de quali-
passa por uma formação teórica, cultural e científica,
dade e propositiva, comprometida com a formação
articulada ao cotidiano do professor. Segundo Libâneo
humana, tal como podemos ler nas diretrizes do Sesc:
(2002, p. 17), a Pedagogia justamente se distingue
Para garantir qualidade, duas atitudes devem ser
permanentemente reforçadas e favorecidas no corpo “por estudar o educativo na sua globalidade, inclusi-
dos servidores de todos os níveis. A primeira delas é ve para integrar os enfoques parciais das Ciências em
o exercício intenso da criatividade na busca constante função de uma aproximação global e intencionalmen-
de melhores serviços, de novas técnicas, de soluções
te dirigida aos problemas educativos”.
originais que resultem em maior qualidade e resulta-
dos melhores (SESC, 2008, p. 18). A falta desta formação integrada4 minimizará as possi-
bilidades de o professor realizar uma análise crítica
O exercício intenso da criatividade está na ordem do
de seu fazer pedagógico, podendo encerrá-lo ao seu
dia das prioridades, especialmente porque a contem-
mundo pessoal. Por outro lado, desvincular tal forma-
poraneidade aponta para muitos desafios. Desafios
ção de suas demandas práticas pouco contribuirá no
que se tornarão ainda mais complexos se o compro-
sentido de melhoria de seu saber-fazer, que impli-
misso for com a participação da escola na construção
ca, refletindo sobre a prática, desenvolver compe-
de uma sociedade que inclua todos, a partir de outra
tências nas diferentes didáticas (LIBÂNEO, 2002).
configuração social, cultural, política e econômica.
Os conteúdos sistematizados aprendidos na escola, ampliar a leitura de mundo. O professor só pode ofere-
por exemplo, são instrumentos valiosos para a leitu- cer aos seus alunos aquilo de que dispõe; se não é
ra do mundo e sendo o educador mediador deste “competente” como usuário da língua, curioso, crítico,
processo precisa estar seguro do domínio deles. generoso, aberto a lidar com a realidade não poderá
Também não se pode esquecer – e é notável – que o cultivar, oferecer isso ao seu aluno; não poderá fazer
processo histórico relativo às últimas décadas esteve da escola um lugar fecundo para tal embate, para a
relacionado ao desenvolvimento de tecnologias que, construção de alguma discursividade transformadora.
em muitos aspectos, se diferenciaram das condições Sendo assim, dificilmente poderá participar de qual-
anteriores. Estando tal processo implicado em trans- quer projeto coletivo, porque não será capaz de se
formações radicais em vários aspectos, tem a sua colocar também no lugar de quem aprende.
construção relacionada às formas de pensamento e Um projeto de Formação Continuada deve partir do
ação, enfim, às maneiras do viver, das relações entre pressuposto de que a escola será sempre uma orga-
os seres humanos, produtores de cultura e, destes, nização aprendente e valorizar os saberes que ali se
com as outras formas de vida do planeta. Intrínseco constroem. Também não pode perder de vista que no
ao desenvolvimento dessa base material tecnológica, cenário da contemporaneidade, novas necessidades
muito se tem produzido de reflexão sobre as formas e expectativas se impõem, demandando outros bali-
de comunicação pelas Tecnologias da Informação e zamentos com os quais é preciso lidar: pós-moder-
Comunicação (TICs); sobre os modos de conhecer nidade, multiculturalismo, educação das diferenças
e como isso tudo chega à escola. No entanto, sabe-se culturais, TICs, conhecimento em rede etc. Diante de
que não basta introduzir os materiais multimidiáticos tais desafios, é que uma formação integrada – que leve
para que as transformações necessárias aconteçam em conta os conhecimentos específicos, os conheci-
porque, naturalmente, eles não podem sustentar uma mentos pedagógicos, as dimensões política e cultural
nova perspectiva na relação professor-aluno, ou seja, – deve ser pensada. As ações devem ser realizadas e
não há ilusões, o uso de novas tecnologias para ensi- contribuírem para que o docente possa interagir com a
nar e aprender, por si só, não é expressão de quali- realidade na qual está inserido e com o grupo escolar,
dade e democratização da prática social reconhecida partilhando experiências, discussões, e buscar atua-
como educação. lizar seus conhecimentos construídos, inserindo-se
É preciso estar claro que ao abordar a cultura como num contexto interdisciplinar.
um dos eixos dessa formação continuada integrada, Nesta perspectiva, e é preciso reiterar, não deverão ser
não se está tratando de uma cultura livresca, simples- os educadores meros espectadores deste processo de
mente, mas de uma disposição que é necessária para formação, mas também pesquisadores no desafio de
aprimorarem o seu saber-fazer, desta forma, atitude e Talvez a mais ousada intenção e a maior importân-
habilidade de pesquisa são fundamentais. Uma polí- cia de um projeto de ensino transformador passem
tica de formação comprometida com a vida cidadã por um aprender a ver, e para isso necessita-se de
precisa intencionar a valorização do docente como educadores – “para habituar o olho à calma, à paci-
sujeito, em seu projeto de vida, que almeja realizar-se ência, a deixar-que-as-coisas-aproximem-se-de-nós:
como profissional e cidadão. aprender a aplacar o juízo, a rodear e abarcar o caso
Nenhum projeto de Educação, nenhuma propos- particular a partir de todos os lados” (NIETZSCHE apud
ta pedagógica pode ter a pretensão de se tornar um LARROSA, 2002, p. 32). Assim é que tantos educado-
conjunto de ideias acabadas. Muitas dúvidas sempre res não descuidam de ensinar/aprender multiplican-
permearão qualquer processo de construção, aliás, as do as perspectivas, o número de olhares – com afeto,
dúvidas são essenciais em qualquer empreendimen- amplitude e problematização. Um ensaiar e perguntar
to humano que vislumbre a transformação do sujei- marcará sempre o caminhar, com olhos e perguntas
to e sua atuação na realidade, ainda mais quando se novas para tratar do que ainda pode ser desconhecido
desdobram em educação, em relação de conhecimen- e desafiador na relação com o mundo.
to e de amor.
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