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ESTUDO DE CASO: OS MISERÁVEIS*

Poderia ter acontecido em Paris, no século XVIII. No romance Os Miseráveis, Jean Valjean
rouba pão e é condenado a 19 anos de prisão. Mas, aconteceu em São Bernardo do Campo,
no final de 1995.

O operário J., 44 anos de idade, foi detido pelos guardas de segurança da Forjaria São
Bernardo, do grupo SIFCO. Levava dois pãezinhos, que, segundo a empresa, eram "três ou
quatro", furtados da lanchonete. J. foi chamado no dia seguinte ao departamento de pessoal,
para ser demitido. Fazia tempo suspeitava-se de J., o qual, uma vez apanhado, confessara que
sempre levava os pães, para comer durante o horário de trabalho, porque sofria de gastrite e a
comida do refeitório lhe fazia mal. O fato, havia muito tempo, era de conhecimento de seus
colegas e de seu chefe.

J. era agora um ladrão desempregado. Seus 20 anos de serviço sem repreensão na SIFCO
transformaram-se em nada. Foi para casa, dois quartos e sala, ao encontro da família, mulher e
dois filhos.

Para a administração de recursos humanos da SIFCO, o caso estava encerrado. Porém, no dia
seguinte, "os encrenqueiros do sindicato" começaram a fazer barulho na porta da fábrica. Num
comunicado ao público, a SIFCO informou que o metalúrgico J. cometera falta grave e havia
sido demitido por justa causa.

O caso chamou a atenção da imprensa e saiu nos jornais. A diretoria da SIFCO, sediada em
Jundiaí, São Paulo, viu o tamanho do problema e percebeu que castigar quem rouba pão é má
ideia desde que Victor Hugo contou a história de Valjean. Numa reunião, os diretores decidiram
voltar atrás, por causa da publicidade negativa. Alguns dias depois, novo comunicado nos
jornais informava que a SIFCO considerava a demissão do agora senhor J. "um fato isolado,
lamentável e equivocado". Ele estava sendo reabilitado e chamado de volta ao emprego.

Ao voltar, disse o senhor J.:

"Eu gosto da empresa. Tudo o que tenho foi dela que recebi. Não quero que ela seja
prejudicada."

QUESTÕES PARA DEBATE

1. Co
mente a decisão de demitir o senhor J. É certa ou errada? Por que?
Considero precipitada a decisão de afastar o funcionário sem antes tê-lo ouvido
nem ter mediado algum tipo de medida pedagógica.

Penso que não tenho elementos suficientes como para qualificá-la simplesmente
como certa ou errada: considero que seria importante saber se existia a
possibilidade de pedir na lanchonete aqueles pães, assim como se era possível
optar por alternativas no caso de que a comida do refeitório pudesse provocar
malestar ao trabalhador, por exemplo, no caso de ter algum tipo de restrição
alimentar (vegano, vegetariano, celiaco, intolerante, kosher, etc).

** Estudo de caso elaborado por Antonio Cesar Amaru Maximiano, da FEA-USP, com
base em relato de Elio Gaspari, publicado em O Estado de S.Paulo, 10.9.95. São
Paulo, março de 1996.
2. Co
mente a decisão da empresa, de reconhecer o erro e reverter a
decisão.
Pelo que consigo entender a empresa foi levada a tomar essa decisão pela
pressão do sindicato. Provavelmente foi revisado o histórico de desempenho do
funcionario, por parte dos gestores, e tenha sido nesse momento que eles se
deram conta do precipitado da decisão tomada

3. Se
você fosse diretor da empresa, diria algo ao gerente de recursos
humanos, que demitiu o senhor J.?
Certamente gostaria de ouvir as razões que o levaram a tomar a decisão da
maneira em como foi feita. Por outro lado, aproveitaria esse momento para extrair
de maneira coletiva a maior quantidade de lições que essa demisão provocou.

4. Se
você fosse o gerente de recursos humanos da fábrica, como teria
agido? O que ele deveria fazer agora, que a diretoria modificou sua
decisão?
Eu teria procurado escutar o trabalhador e me interessar pelo que estaria por trás
de levar ele a tomar algo sem pedir.
Certamente o gerente de recursos humanos deveria indagar como estão sendo
atendidas as necessidades alimentares dos trabalhadores. Caberia a ele
pesquisar se há trabalhadores com restrições alimentares, se é possível que a
comida seja mais do que “simplesmente comida”: se podem ser elevadas
sugestões de cardapios pelos trabalhadores, contemplando questões locais,
afetivas, etc, inclusive, submeter opções de cardapios para escolha e adoptar por
maioria. O acontecido pode ser aproveitado para tratar de questões sobre
educação alimentar.

5. Nas
empresas que você conhece, o que acontece se alguém levar os
pães que são distribuídos no restaurante?
Naquelas em que tive algum tipo de contato e fiz uso dos refeitórios não existia
restrição explicita em relação a sair do local com alimentos.

6. Co
mente os aspectos éticos e comportamentais deste caso.
O fato de pegar algo sem pedir deve ser abordado, sim, pois não se trata de um
ou dois pães e sim do fato. Se um conflito desta natureza é tomado como
oportunidade de aprendizagem, penso que isto poderá ser interpretado como
sendo parte da cultura organizacional e geraria mais confiança por parte de
gestores e trabalhadores: confiança em que os problemas podem ser discutidos e
procuradas soluciones pelo diálogo.

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