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CAPÍTULO VI.

A Lâmpada do Cenário

Conhecimento Direto e Indireto

OS VERSOS DA seção da Lâmpada usam uma tela pintada como uma metáfora para explicar a consciência
quádrupla: (1) A consciência sem atributos (Nirguna Brahman). Apenas Nirguna Brahman é satya. (2) O Corpo
Causal Macrocósmico (Isvara, ou Antaryami). (3) O Corpo Sutil Macrocósmico (Hiranyagarbha). (4) O Corpo
Macrocósmico Denso (Virat).

Importância da Investigação (versos 1 a 17)

1 a 2. Antes que se termine uma pintura, ela passa por quatro estágios. Antes que o mundo apareça, ele
passa por quatro estágios ou estados (avasta).

3 a 4. (1) A tela branca pura (2) é endurecida com amido, (3) um esboço é desenhado e (4) as cores são
aplicadas em locais apropriados.
(1) A consciência ilimitada (chit) é (2) mergulhada em Maya, o controlador interno, e enrijecida em formas
distintas. Então Isvara, o artista, (3) faz um esboço de todos os Jivas (Hiranyagarbha) e adiciona corpos densos
coloridos (Virat) para completar a pintura. Virat significa "aquele que se manifesta e brilha em múltiplas
formas".

5 a 10. Começando com a consciência, existem muitas gradações de seres na criação, dos superiores aos
inferiores, até objetos inanimados. Esses Jivas refletem a consciência. São samsaris e estão sujeitos ao
nascimento e morte, prazer e dor. Os elementos materiais não refletem a consciência.

11. O reflexo-Jiva é afetado pelo prazer/dor com os quais se confunde, mas não a consciência, o ser. Esse
entendimento é chamado de conhecimento e é alcançado através da discriminação entre o reflexo (mithya)
e a consciência original (satya).

12. Portanto, deve-se sempre investigar a natureza do mundo, o eu individual e o ser original. Quando as
noções sobre o Jiva, Isvara e Jagat (mundo) são negadas, apenas a consciência pura permanece.

Definição de Investigação (Vichara)

Se sou ignorante, considero o mundo real e imagino que ele me afeta. Conhecimento é o entendimento de
que a crença de que os objetos são reais e contêm felicidade pertence à consciência refletida e não a mim, a
consciência original. De modo a promover o conhecimento, é necessária a investigação. É ouvir, refletir e
assimilar. Só funciona quando o desejo de experimentar o ser é convertido no desejo por
autoconhecimento, que por sua vez deve ser convertido em um compromisso vinculativo com o Vedanta.

Se você acha que a investigação é fechar os olhos e olhar para dentro, você está lamentavelmente enganado.
Você não pode ver seu rosto com os olhos abertos ou fechados, a menos que tenha um espelho. Para se
ver, você precisa do espelho do Vedanta, um espelho de palavras que revela o seu ser. Quando você se olha
no espelho, não vê o espelho; você se vê. Autoinvestigação é Vedanta. É uma prática de investigação, ao
longo da vida, acerca do mundo, do Jiva e do ser. A investigação nega o Jiva e o mundo, deixando apenas o
ser.

13. Mas a negação não destrói fisicamente os Jivas e o mundo; eles são compreendidos como meras
aparências. Caso contrário, quem dormisse ou desmaiasse estaria liberado.
Moksa não é uma mudança na experiência do mundo ou na aparência do mundo. É apenas um conhecimento
claro da diferença entre a consciência e sua aparência como o mundo. Não é a não-experiência do mundo, o
desaparecimento do mundo ou um estado místico atingido quando os sentidos são desligados ou
transcendidos. Vichara deixa o mundo e a sua experiência da dualidade intacta. A experiência da dualidade
não nega o conhecimento nascido da investigação.

A Não-Dualidade Não é um Estado

A não-dualidade não é um estado, porque todo estado tem um sujeito e um objeto. A não-dualidade é
conhecer a diferença entre conhecimento (vidya) e ignorância (Avidya).

Há uma crença comum proposta por alguns adeptos do “Caminho Direto” de que não há dualidade no sono
profundo e, portanto, o sono profundo é a não-dualidade (advaita). Pode ser uma forma particular de
experiência aparentemente não-dual, como certas epifanias e os samadhis do yoga, mas não é a não-
dualidade.

A noção de um estado não-dual deve-se a uma inferência não fundamentada. Indivíduos no estado de vigília
acreditam que a ausência da entidade do estado de vigília (Viswa vritti) significa que não há experimentador
no sono profundo e, portanto, trata-se do ser nesse estado. No entanto, se alguém é o ser em sono profundo,
também é o ser em vigília e no sonho. No entanto, o sono começa quando o Jiva do estado de vigília é
dissolvido por Isvara e imediatamente recriado como o Jiva do sono profundo (Prajna). Essa confusão pode
ser removida pelo estudo cuidadoso do Mandukya Upanishad, que afirma claramente que uma entidade sutil
(Prajna vritti) existe no sono profundo e é responsável pela experiência do ilimitado. Também aponta que
esse experimentador é ignorante da sua natureza como consciência. Embora duas palavras sejam usadas para
identificar as duas entidades experienciadoras em seus respectivos estados, elas se referem na verdade a um
Jiva que aparece em dois estados diferentes; é como uma pessoa que se comporta como um marido na
presença de sua esposa e um filho na presença de seu pai.

Moksa não é um estado não-dual, mas um entendimento claro. O "estado" não-dual, portanto, não é um
estado. É o ser experimentando a si mesmo (não dois), o que significa que não se trata, absolutamente, de
uma experiência. Portanto, está disponível apenas como conhecimento. Dizer que está disponível implica que
não está disponível em algum outro momento. Está sempre presente, por isso está sempre disponível. Sua
indisponibilidade é apenas devido à ignorância. Mesmo que a não-dualidade seja experimentada no sono
profundo, ela não tem utilidade para a entidade do estado de vigília, porque a entidade do estado de vigília
criada por Isvara experimenta a dualidade por definição. É necessário um truque de pensamento para
imaginar que o experimentador “não-dual” do sono profundo (Prajna) pode, de alguma forma, ser transferido
para o estado de vigília e trazer consigo sua experiência de não-dualidade. A aparição do Jiva imortal nos
papéis das entidades de vigília, do sono profundo e do sonho é controlada por Isvara, não pelo Jiva, não
importando o quão fervorosamente a entidade do estado de vigília queira experimentar a não-dualidade.

A crença na não-dualidade experimental é chamada de Yoga. Yoga é dualidade (dvaita) por definição. É preciso
que o ser seja real e o mundo seja real. A libertação dos dualistas envolve a eliminação gradual do mundo até
que apenas o ser permaneça.

Se isso é verdade, não há moksa para os iogues. Para moksa, você precisa entender que o mundo e o ser não
estão em conflito. Se você quer moksa experimental, precisa aperfeiçoar o nirvikalpa samadhi, mas ninguém
quer o nirvikalpa samadhi, porque se você o experimenta, não pode experimentar a sua vida. Se você não
estivesse aqui para estar aqui, não estaria aqui. Você não pode evitar a vida. Além disso, o samadhi termina
em algum momento e requer esforço. É impossível exercer esforço interminavelmente, assim o samadhi cessa
por esse motivo. A realidade é não-dual. Então você não pode ter dois objetos reais. Mesmo se houvesse dois
objetos reais, eles não poderiam ser removidos, porque a palavra "real" se refere a algo que não muda. Se
esse algo não muda, como pode ser removido?

Durante a fase de ensino do Vedanta (sravana), dois tipos de conhecimento são revelados. Avantara vakyam
refere-se a afirmações de que a consciência existe. Elas produzem conhecimento indireto (parokshajnanam).
Por exemplo, "O ser é a causa do mundo".
Mahavakyam são declarações que veiculam conhecimento direto (aparokshajnanam), por exemplo, "Você é
uma consciência ilimitada". Tais declarações não implicam tempo, espaço ou esforço. Quanto tempo leva
para a cobra desaparecer quando a corda é conhecida?

Mas o sravana não produz conhecimento direto se houver obstáculos. O conhecimento indireto não é moksa.
De fato, o conhecimento indireto é uma fonte de frustração, porque localiza o ser como se o mesmo estivesse
à parte do Jiva. O conhecimento direto “do” ser não é possível, porque o ser não se situa à parte do Jiva. A
preposição "do" implica dualidade. A investigação converte o conhecimento indireto em conhecimento direto,
fornecendo o raciocínio que resolve o problema da proximidade.

14. Libertação é uma convicção firme da irrealidade do mundo. Se a libertação fosse a não percepção do
mundo, não haveria liberação na vida.

15 a 17. A discriminação pode gerar conhecimento direto ou indireto. Também converte conhecimento
indireto em conhecimento direto. O conhecimento "a consciência é" é indireto; o conhecimento "eu sou
consciência" é direto.

Agora, consideremos a natureza do ser com o objetivo de atingir o conhecimento direto, que é o meio de
libertação.

Dos versos 18 a 21, Vidyaranya apresenta a principal metodologia de ensino, o ensino da consciência
quádrupla (chit chaturvidya prakriya).

Para fins de ensino, o ser é dividido em dois: para o Jiva e Isvara existe, como suporte, uma consciência original.
Dos quatro a seguir, Jiva e Isvara são mithya (reflexões), e os outros dois são pura consciência original, satyam
(kustata e Brahman). Kustata e Brahman são o mesmo, mas duas palavras são usadas para indicar duas
maneiras diferentes de se olhar o ser: (1) do ponto de vista do indivíduo e (2) do ponto de vista de Isvara.

Dizem que São Francisco, da perspectiva dos EUA, está na Califórnia, mas se você olhar do ponto de vista da
Rússia, dirá que está nos EUA. Em ambos os casos, São Francisco não se moveu. Há também uma confusão
entre Jiva e kutasta e uma confusão entre Brahman e Isvara. Portanto, a prática é discriminar Jiva e Isvara da
consciência. Para explicar essa prakriya, uma metáfora espacial é empregada.

Microcosmo
O espaço dentro de uma panela é cheio de água, a qual reflete o sol e as nuvens. Qual é a diferença entre os
dois espaços? Um é o espaço dentro do pote, no qual não aparecem o sol e as nuvens. Mas no espaço refletido
(o espaço feito de água) existem nuvens e sol. Um é espaço original; o outro, espaço refletido.

Macrocosmo
Imagine uma nuvem chuvosa com milhões de gotas de água, que criam milhões de reflexos do céu. Isvara é
a totalidade dos reflexos, isto é, os Jivas.

18. O conhecimento direto é a libertação da noção de individualidade. O conhecimento indireto não nega
o fazedor.

23 a 24. Na consciência imutável, Maya sobrepõe uma reflexão no Intelecto Macrocósmico, animada pelo
prana (energia). É chamada de Jiva, um ser vivo. Tal como o espaço em uma panela, que é ocultado pelo
espaço aquático que reflete o céu, a consciência impessoal ilimitada é aparentemente escondida pelo Jiva.
Esse princípio é chamado obscurecimento ou sobreposição. Uma pessoa se considera o reflexo, um
indivíduo.

Epistemologia ~ Ignorância, a Causa da Sobreposição


25 a 26. Sob a ilusão da sobreposição, o Jiva é incapaz de se separar das Cinco Bainhas e de realizar sua
natureza ilimitada. A não discriminação é provocada pela ignorância (Avidya), a qual é sem começo. A
ignorância tem duas funções: avarana, o poder de ocultar, e vikshepa, o poder de projetar. O poder de
avarana cria a ideia de que o ser não é ilimitado - ou que não existe. Avarana na forma de Avidya oculta o
ser, e vikshepa, o poder criativo, projeta nomes e formas.

27. Se um homem sábio perguntar a um homem ignorante sobre o ser, o homem ignorante dirá que não
existe tal coisa, o que prova a existência da autoignorância.

28. A experiência direta contradiz a crença de que a consciência, o ser, é ignorante da sua natureza.
O ser jamais permanece oculto.
Porque se trata de você, Você nunca é não consciente, nunca é não presente. Quando lhe dizem que você
é ilimitado, você sabe que é ignorante de si mesmo.

Aqui está o argumento do Não-Dualismo Qualificado (Vasishadvaita) contra o Vedanta não-dual


(Mayavada):
(1) A ignorância não pode ser localizada na consciência, porque ambos não podem existir simultaneamente.
(2) Sem ignorância, como pode haver ocultação do ser?
(3) Se não há ocultação, como pode haver projeção (vikshepa / adhyasa)?
(4) Se não há avarana nem vikshepa, como você pode dizer que samsara é uma projeção (adhyasa)?
(5) Portanto, o samsara é real.
(6) Portanto, você não pode obter moksa através do jnanam, porque o conhecimento não removerá
(cancelará) o que é real. O conhecimento apenas removerá a ignorância.
(7) Após o conhecimento do ser, você deve praticar bhakti porque bhakti dá libertação.
(8) Então, primeiro faça o karma, depois obtenha conhecimento e depois pratique bhakti, que causa moksa.

O argumento é simples e lógico, mas baseia-se na noção de que consciência e ignorância não podem coexistir.
É verdade que a ignorância e o conhecimento não podem coexistir na dualidade, mas a consciência não está
em conflito com o conhecimento ou a ignorância, porque estes permanecem na ordem aparente da realidade.

29. Se você basear seu autoconhecimento no testemunho dos sentidos, não concluirá que é uma consciência
não-dual. Se você não pode aceitar a lógica do Vedanta, como pode saber a verdade sobre si mesmo? A
experiência não pode refutar a existência da consciência, porque os meios de conhecimento em que se
baseia - os sentidos - não podem revelar a consciência.

Meios de Conhecimento Dependentes e Independentes

Os meios de conhecimento (pramanas) são independentes ou dependentes. Os órgãos dos sentidos são
um meio de conhecimento primário/direto independente para o campo dos objetos. A inferência depende
dos dados obtidos pelos órgãos dos sentidos. Portanto, o que quer que seja revelado pela inferência pode
ser corroborado ou corrigido pela experiência.

O Vedanta é um meio de conhecimento primário independente, que se baseia na revelação de palavras, não
nos sentidos, e não pode ser refutado por eles. A epistemologia dos órgãos dos sentidos não prova que há
ignorância da realidade, porque está situada na realidade aparente (mithya), gerada pela ignorância.

Quando você está sonhando, não sabe que está em um sonho; assim, não consegue sair dele. Se alguém no
sonho lhe disser que você está sonhando, você usará a lógica do sonho para argumentar que não está
sonhando. Hahaha

Mas a lógica dos sonhos não leva em conta o fato de que existe um estado de vigília, no qual se aplicam regras
diferentes.
O Vedanta prova a existência da autoignorância porque suas palavras não se baseiam no conhecimento dos
sentidos; elas são baseadas na revelação (experiência não gerada pelos sentidos). A revelação é gerada pelo
ser na forma de Isvara. Quando a mente é puramente Sattívica, a revelação do ser - ou de qualquer outro fato
- pode ocorrer. A escritura diz: “O conhecedor do ser atravessa o oceano do samsara”.

As escrituras não ensinam o autoconhecimento, a menos que haja ignorância. Se você deseja
autoconhecimento, você não será atendido ao escolher os sentidos e a inferência como seus meios de
conhecimento. O Upanishad afirma claramente que você é consciência ilimitada. Portanto, aceite as
escrituras para seu conhecimento de si mesmo. Assim como o conhecimento da gravidade é inevitável porque
a gravidade opera em todos os lugares - e é um aspecto íntimo da nossa experiência - o autoconhecimento é
inevitável porque o objeto do conhecimento, o ser, está presente em todos os lugares, inclusive onde a
gravidade não está.

A lógica não pode refutar o conhecimento adquirido pela experiência ou o conhecimento adquirido pelo
Vedanta. A lógica é para facilitar a assimilação de um meio primário de conhecimento. Como você pode usar
a lógica para questionar a existência da autoignorância, uma vez que a investigação incorreta de sua própria
experiência prova que você não sabe que é consciência?

A análise da própria experiência, usando as ferramentas lógicas do Vedanta, nos ajuda a interpretar
corretamente a experiência como o ser experimentando a si mesmo, provando que existe apenas um ser
ilimitado. Se existe apenas um ser, ele deve ser ilimitado, porque não existe um segundo ser para limitá-lo.

O argumento que compara esses dois meios de conhecimento parece implicar que as escrituras são
conhecimento que não é baseado na experiência. O único conhecimento essencial sobre o qual se baseia a
escritura é a afirmação de que a realidade é não-dual. É uma questão de experiência que a realidade é não
-dual, mas somente quando a percepção é suspensa e substituída por uma investigação junto às linhas das
escrituras. Escritura é conhecimento que acontece quando os meios usuais de conhecimento são suspensos
por qualquer motivo.

As revelações Upanishádicas originais aconteceram no tempo ou fora do tempo, conforme o caso. Mas que
elas aconteceram e continuam acontecendo significa que são baseadas na experiência. Elas são o
conhecimento nascido da experiência da consciência acerca de si mesma em associação com Maya. O
conhecimento não dual é valioso, porque transforma a relação de uma pessoa com o conhecimento obtido
pelos sentidos e causa uma mudança profunda no modo como essa pessoa se orienta na vida.

Não altera a percepção sensorial, mas aumenta-a com uma "percepção" mais ampla. Todas as mudanças são
experienciais. Se o autoconhecimento não tivesse impacto na experiência, o Vedanta teria morrido
milhares de anos atrás.

Se a interpretação da realidade está em harmonia com a natureza da mesma, revelada pelas escrituras, vive-
se feliz. Se confiarmos nos sentidos para interpretar a realidade, não viveremos felizes, porque os sentidos
fornecem um conhecimento incorreto da realidade.

A revelação não se baseia no testemunho imediato dos sentidos. Por exemplo, o conhecimento da gravidade
não foi alcançado por se sentir a gravidade, mas por uma análise do comportamento de objetos em queda.
Conhecimento suficiente, reunido através dos sentidos ao longo do tempo, se acumulou inconscientemente
para fornecer uma visão da lei por trás do comportamento de objetos em queda. Não haveria conhecimento
se não houvesse experiência anterior a partir da qual raciocinar. Quando dizemos que o Vedanta não vem da
mente humana ou através dela, mas “para” a mente humana, não queremos dizer que nenhuma experiência
esteja envolvida. Revelação é experiência. Embora não seja uma pessoa, o Corpo Causal é consciente. Tem
uma lógica que não está embutida na experiência consciente humana. No entanto, sua lógica pode ser
revelada aos seres humanos e assimilada por eles se a mente estiver adequadamente preparada. Sabemos
que o Corpo Causal é consciente porque o mundo é projetado de maneira inteligente. O Corpo Causal - Isvara
- é o conhecimento que cria tudo. Ele também contém o entendimento de si mesmo e de como ele cria. E
revela esse conhecimento continuamente através de epifanias não-duais, que podem ser interpretadas
correta ou incorretamente.

Mais importante, esse conhecimento também é revelado através dos ensinamentos do Vedanta, que podem
ser interpretados incorretamente, mas assumindo que o aluno e o professor sejam qualificados, não haverá
interpretação incorreta. O autoconhecimento, como qualquer outro conhecimento, funciona. Não é preciso
tentar descobrir o conhecimento da produção de queijo, porque este já foi revelado. Não é necessário tentar
experimentar o ser para se obter o conhecimento acerca dele, porque o Vedanta vem revelando o ser há
muito tempo.

O instrumento da experiência também é o instrumento do conhecimento - o Corpo Sutil. A parte inferior - os


sentidos e as emoções - serve à experiência dos objetos, e a parte superior - o intelecto - é para o
conhecimento. O intelecto procura incansavelmente o conhecimento. Ele sabe que existe um ser e, em
determinado momento, precisa remover sua ignorância acerca dele. Como a tendência à experiência é muito
poderosa, o intelecto geralmente se condiciona a aceitar o conhecimento oriundo dos sentidos, mas logo
aprende seu erro.

Nesse momento, o Vedanta aparece de alguma forma, e o intelecto acredita que, embora o que o Vedanta
diga seja contraintuitivo - devido à sua longa experiência na dualidade - ele submete sua mente a esse
conhecimento. Se perseverar, não ficará desapontado.

30. A principal função do raciocínio é explicar as coisas claramente. Não se deve fazer mau uso disso.

Embora seja aparentemente lógico que a consciência e a ignorância sejam opostas, não há conflito, porque
elas estão em diferentes ordens da realidade. Na verdade, elas são boas amigas. A consciência sempre
iluminou amorosamente a ignorância.

Usamos mal a lógica porque não levamos em consideração nossos próprios vieses. Para chegar ao
conhecimento, o viés causado pela interpretação incorreta da experiência sensorial precisa ser
desconsiderado. Se você deseja ignorar seus preconceitos, submeta sua mente ao ensino. Você aprenderá a
raciocinar de maneira imparcial e removerá sua autoignorância.

Sobreposição ~ A Zona Intermediária

31 a 32. Que experimentamos a ignorância e seu poder obscurecedor é um fato. Consciência e ignorância
não estão em conflito. Se a consciência e o poder obscurecedor da ignorância fossem contraditórios, como
o obscurecimento poderia ser conhecido? Discriminação e ignorância não podem coexistir.

Você está ciente de que é ignorante de si mesmo - ou de qualquer objeto. Não há nada além da consciência,
então não há nada que possa obscurecê-la. Discriminação é conhecimento, por isso não pode coexistir com
a ignorância.

33. Na consciência/existência imutável original (kutastha), aparentemente encoberta pelo poder velador
da ignorância, são sobrepostos os Corpos Sutil e Denso, que produzem seres conscientes, os quais se
parecem com a consciência original, mas são na verdade reflexos, tal como a madrepérola, que parece ser
de prata.

34 a 35. Assim como a ideia da prata é transferida para a madrepérola, a existência e a individualidade
são transferidas da consciência original para os Jivas.

35. Assim como o exterior azul-escuro de uma concha de madrepérola, com sua face interna virada para
cima, não é conhecido, a ilimitação e a plenitude do ser são obscurecidas pela sobreposição.
Uma pessoa vê uma meia concha com o interior perolado e a face externa, preta, virada para a areia, e assume
que essa face externa é branca. Um objeto é parcialmente conhecido e parcialmente desconhecido,
dependendo da sua posição com referência ao sujeito, tornando-se um candidato à sobreposição. Da mesma
forma, se você olhar para um Jiva, pensará que se trata de um indivíduo limitado, porque o substrato no
qual ele é projetado encontra-se obscurecido. Você imaginará que o Jiva é incompleto, quando na verdade
é a própria plenitude.

No exemplo da cobra/corda, a corda tem três componentes: (1) é um objeto, (2) existe e (3) exibe a
propriedade de ser corda. Quando a percepção é errônea, o objeto e a existência não estão ocultos - você
sabe que é uma cobra e sabe que existe - mas a propriedade de ser uma corda está oculta (avarana). A corda
é deslocada pela cobra (vikshepa). Quando vikshepa está em jogo, as propriedades de ser um objeto e de
existir são transferidas para a cobra, de modo que uma cobra é experimentada.

Em todo objeto há existência, mas em toda cobra não há uma corda. A existência e a propriedade de ser um
objeto (N.T.: “thing-ness” no original) são universais, enquanto as propriedades de um objeto ser corda (N.T.:
“rope-ness” no original) ou serpente (N.T.: “snake-ness” no original) são mutuamente exclusivas.

A consciência ilimitada tem quatro componentes; dois são comuns e dois são mutuamente exclusivos. Os
componentes comuns são: (1) “am-ness”, ou individualidade (savamtvam) e (2) “is-ness”, ou realidade
(vastutvam). Quando ignoramos o ser, sabemos que somos conscientes e existimos, mas os dois outros
componentes, (3) bem-aventurança (ananda) e (4) desapego (asangatvam), estão ausentes.
Quando ignoramos o ser, a bem-aventurança (ananda) e o desapego são deslocados pela (a) individualidade
(Jivatvam), também chamada de ahamkara, ou aham tvam, "noção do eu", (b) a "noção de você" e (c) a
“noção disso ou daquilo”, nenhuma das quais desfrutada pela consciência. O “self-ness” das coisas e o “is-
ness” das coisas pertencem à consciência, e o resto pertence a Maya. Consequentemente, há conhecimento
parcial e ignorância parcial no samsara. Quando o Jiva dorme, a “noção do eu” é deslocada pela bem-
aventurança.

36 a 37. Assim como a prata é sobreposta à madrepérola, o “sentido do eu” é sobreposto ao ser.
Os samsaris pensam que experimentam o ser quando experimentam o ego, a “noção do eu”. Quando o Jiva
emerge do Corpo Causal pela manhã, no estado de vigília, o “senso do eu” surge simultaneamente com os
objetos, acompanhado, instantaneamente, pelo senso de propriedade (meu, teu etc). O Jiva pensa: “Eu sou
um ser humano e esses objetos me pertencem”. Essa é a base do samsara.

38. No exemplo, a madrepérola e a prata não são idênticas. Da mesma forma, nos seres humanos, a noção
de ser e a noção de ego não são idênticos. Em ambos, existe um elemento comum e também um elemento
variável.

Quando você diz "eu mesmo", a parte do ser é real. A propriedade de sermos o ser se aplica a todas as pessoas,
mas a palavra "eu" não pode ser usada para se referir a outras pessoas. Então o "eu" é sobreposto. Quando
você diz: "Isto é prata", o "isto" pertence à consciência, que é satyam, e a prata é sobreposta, que é mithya.
Maya os mistura.

39. As pessoas usam expressões como "Ele mesmo (himself) está indo", "Você mesmo (yourself) vê isso" e
"Eu mesmo (myself) sou incapaz de fazê-lo". Esses exemplos mostram que a consciência empresta a si
mesma a todos os objetos. "Ele", "você" e "eu" (“him”, “your”, “my”) são sobreposições ao Ser. A qualidade
de sermos conscientes pertence à consciência. Todos os indivíduos têm um ser. Portanto, a propriedade de
sermos o ser não é individual.

O Que a Bela e Inteligente Ignorância Faz


Retirei os versos 40 a 128, uma série de argumentos extensos e minuciosos, explicando por que muitas ideias
diferentes sobre o Jiva e o ser não estão em harmonia com os Vedas. Esses debates predominavam nos dias
de Vidyaranya, quando havia muitos intelectuais altamente inteligentes com ideias sobre a natureza da
realidade que não aceitavam a autoridade dos Vedas. A compreensão desses argumentos não é necessária
para moksa.

129. Como os efeitos de Avidya são óbvios, sua existência não pode ser negada. Se o autoconhecimento
destrói a ignorância, não se pode dizer que ela realmente exista.
Não existe da perspectiva do ser, mas existe da perspectiva do Jiva - até que seja removida pelo
autoconhecimento. O autoconhecimento destrói a ignorância de um indivíduo (Avidya), mas deixa intacta
Maya, a qual continua a iludir todos os demais.

130. Do ponto de vista das escrituras, Maya aparentemente existe. Ao nível do empírico (vyavaharika), é
indefinível e, para as pessoas comuns (pratibhasika), é real.
O ser não está incluído nesta lista, porque não há Maya do ponto de vista do ser.

131. Maya faz com que o mundo apareça no estado de vigília e desapareça no estado de sono profundo,
do mesmo modo que uma imagem pintada em uma tela é oculta quando a tela é enrolada e revelada
quando é desenrolada.

132 a 154. Maya é uma grande maravilha. Embora possa ser inferida, não pode ser entendida com o
intelecto humano, porque aparentemente torna possível o impossível. Cria o Jiva e Isvara, e faz o Jiva
pensar que é limitado. Faz o mundo parecer muito real e atraente. É como uma pequena semente que se
desenvolve em uma enorme árvore ou um ser humano que provém de um esperma e um óvulo. Quem pode
entender como ou por que essas coisas acontecem? É um espetáculo fascinante para os iluminados e os
não iluminados.
Argumentar contra Maya não a altera, mas ela pode ser destruída por uma investigação sistemática. A última
frase é uma referência a uma disputa permanente no mundo védico, uma admoestação àqueles dualistas que
argumentam que Maya é apenas uma teoria, não um fato. Os vedantinos que aceitam os ensinamentos de
Shankara são chamados desdenhosamente de Mayavadis, pessoas fascinadas pela ideia de Maya.

Jiva e Isvara

155 a 156. As escrituras dizem que o Jiva e Isvara são reflexos em Maya. Isvara é como o reflexo do céu em
uma nuvem de chuva, e o Jiva é como o reflexo do céu em uma poça. Os Jivas são as inúmeras gotas que
constituem a nuvem.
Uma nuvem de chuva se constitui de bilhões de pequenas gotas; cada uma reflete o céu da consciência. Isvara
aparece como inúmeros Jivas na criação. Isvara está nublado porque está escondido dos sentidos e só pode
ser conhecido por inferência. Que Ele existe é óbvio, mas a Sua natureza não é clara. O Jiva é conhecido
diretamente pela percepção - assim como o céu, que pode, inconfundivelmente, ser conhecido em um lago
cristalino. O Jiva é conhecido ao se analisar o seu comportamento.

157 a 159. As escrituras dizem que a consciência pura, impessoal e ilimitada é Isvara, o controlador de
Maya. É onisciente, a causa do universo e é a Bainha da Felicidade, "o Senhor de todos". A onisciência e
outras qualidades da Bainha da Felicidade não devem ser postas em dúvida, porque as afirmações das
escrituras estão além da disputa e porque tudo é possível em Maya.
As escrituras não são filosofia, a contenda de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. É conhecimento
revelado e deve ser entendido como tal - ou não.

160. Como ninguém tem o poder de alterar o mundo dos estados de vigília e sonho, projetados a partir da
Bainha da Bem-Aventurança, esta pode ser chamada de o governante de tudo.

Vasanas, Corpo Causal, Macrocosmos

161. Na Bainha da Bem-Aventurança, estão as vasanas e os desejos de todos os seres vivos. Porque ela
conhece todas as vasanas, é onisciente.
Isvara é consciência em associação com Maya. Está ciente de tudo. É a mente que cria todo o campo da
existência.

163 a 164. Isvara, a consciência que ilumina a Bainha da Bem-Aventurança, é chamado de controlador
interno (antaryamin), já que ativa e controla as funções das outras bainhas, começando com o intelecto. O
intelecto não conhece Isvara, mas Isvara conhece o intelecto.
Isvara não controla imbuído de desejos e medos, como os humanos controlam. Ele "controla" por sua
presença. Tudo inconscientemente se alinha com Isvara porque Ele é a fonte de tudo. Ele controla como um
ímã controla as limalhas de ferro.

165 a 168. Tal como os fios que permeiam e constituem a causa material de uma camisa, o Governante
Interno causa e pervade todo o universo. Assim como os fios são mais sutis que o tecido, e as fibras dos fios
mais sutis que os próprios fios, o Governante Interno encontra-se onde termina essa progressão do denso
para o sutil.

169 a 170. Quando as linhas se contraem ou se expandem, o tecido se contrai e se expande. Não existe
independentemente das linhas. Da mesma forma, os seres do mundo são transformados por Isvara de
acordo com suas vasanas e as ações que fluem deles.

171. No Bhagavad Gita, Sri Krishna diz: “Ó, Arjuna, o Lorde permanece no coração de todos os seres e, pelo
Seu Maya, os faz girar, como se estivessem acoplados a uma roda.” (Gita, XVIII: 61)
Isvara os faz dançar a Sua música como marionetes de cordas. Os Jivas equivalem a robôs, impotentemente
atraídos e repelidos, aqui e ali, por suas vasanas/desejos.

172 a 174. “Todos os seres” na passagem acima significa os Corpos Sutis e Densos de todos os Jivas. Por
causa da íntima associação de Isvara com o intelecto em constante mudança, parece que Isvara muda à
medida que os pensamentos mudam.
Mas Isvara é a consciência imutável.

173. A "roda" refere-se ao corpo e às outras Bainhas. “Acoplados a uma roda” significa que os Jivas pensam
que são fazedores. "Girar" significa que, impelidos por suas vasanas, eles fazem as mesmas boas e más
ações repetidas vezes.
A roda do desejo e da ação é chamada de samsara chakra. Os Jivas são apenas programas elaborados por
Isvara para manter a criação funcionando.

175. Isvara controla os Jivas e o comportamento dos objetos físicos.

176. “Eu sei o que é a virtude, mas não é minha tendência praticá-la. Eu sei o que é vício, mas desistir dele
não cabe a mim, e sim a Isvara. Eu faço o que me diz certo "deus" assentado em meu coração." ~
Duryodhana, no Mahabharata.
Este verso deixa claro que o Jiva não é o fazedor, e sim Isvara.

177. Não interprete este verso como significando que o esforço individual é desnecessário para a libertação,
pois Isvara transforma os corpos de acordo com a maneira pela qual é invocado.
Isvara transforma a mente e o entendimento do investigador de acordo com sua investigação e os esforços
que dela ocorrem. A ideia de Isvara como Governante Interno é reconhecidamente utilizada para justificar a
não-ação com referência a práticas espirituais conducentes à libertação.

178. Isso não contradiz o fato de Isvara fazer com que tudo aconteça, porque quem conhece Isvara como o
controlador da vida não está apegado aos resultados da ação.
O karma yoga, que é prática espiritual característica da cultura Védica, baseia-se no fato de Isvara, o campo
da ação, controlar os resultados. É uma atitude de não apego aos resultados.
179. A tradição de ensino, o Varaha Purana e o Bhagavad Gita declaram que o conhecimento do desapego
do ser é a causa da libertação. As verdades das escrituras vêm da consciência, não dos seres humanos.

180 a 181. As escrituras afirmam que o "temor" a Isvara faz com que as forças da natureza operem.
As forças da natureza incluem as forças que operam na psique, o Corpo Sutil. Quando você não segue as
regras, os dharmas estabelecidos por Isvara, você se sente culpado e espera punição. O temor não é
infundado. Mas a palavra "temor" significa apenas que todos os objetos são controlados por Isvara.

182. Isvara cria e remove o Corpo Causal, o Criador do mundo.


A palavra "Isvara" refere-se a Paramatma, consciência original sem princípio, além do seu papel como Criador
do mundo. Às vezes, o texto se refere a Paramatma como Isvara em seu papel de Criador do mundo. O
relacionamento entre Eles será explicado em breve.

183 a 184. O mundo permanece em potencial como impressões em Isvara, que o traz à existência de acordo
com o karma dos seres. A criação é como o enrolar e o desenrolar de uma tela pintada. Se a tela for
enrolada, a pintura não será visível. Da mesma forma, quando o karma dos seres se esgota, o karma
retorna à forma de semente (vasanas) e os Jivas desaparecem em Isvara, que por sua vez desaparece em
Paramatma.
Depois de algum "tempo" - não há tempo do ponto de vista de Paramatma - a tela é desenrolada e o mundo
e os Jivas aparecem mais uma vez. Esse "ciclo" se repete interminavelmente. Jivas são apenas projeções de
Isvara - nomes e formas que não são reais. Eles vêm e vão de acordo com os ditames de Isvara.

185. A criação e a destruição do mundo são comparáveis ao dia e à noite, aos estados de vigília e sono e à
abertura e ao fechamento dos olhos.
Este verso apresenta a criação através de uma metáfora não temporal. Diz que a criação é instantânea. A
metáfora temporal é mais fácil de entender porque todos os nossos processos de pensamento são
condicionados pela ideia de tempo. Mas tende a sugerir que esforço e tempo estão envolvidos para nos
livrarmos das Cinco Bainhas, enquanto a metáfora da projeção – na qual se acende a luz do projetor e o filme
aparece instantaneamente na tela - facilita a compreensão de como a investigação pode, de imediato,
dissolver as Bainhas.

186. Devido à natureza de Maya, a ideia de que a criação começou, que evolui e que as propriedades dos
objetos pertencem aos objetos não está correta.
A ideia de que a criação é um objeto substancial real, e que as propriedades dos objetos pertencem aos
mesmos não está correta, porque a criação, os objetos e suas propriedades são projeções não substanciais.
Sabemos disso porque a investigação de acordo com as linhas das escrituras resolve tudo isso na consciência.

187 a 189. Isvara, aparecendo como o Tamas de Maya, é a causa dos objetos inanimados, e aparece como
os Jivas em virtude do Sattva de Maya. Faz com que os Jivas se comportem de acordo com suas impressões
interiores, espirituais ou mundanas, morais ou imorais.

A Relação entre Isvara e a Pura Consciência

190 a 192. Embora a consciência seja livre de Gunas, alguns textos levam em consideração a sobreposição
mútua da criatividade de Isvara na consciência (Paramatma); portanto, sob esse enfoque, a consciência é
considerada a causa.
A distinção entre o ser, a pura consciência, e o ser como Isvara, o Criador, é difícil de entender. Paramatma
significa pura consciência. Isvara é pura consciência associada a Maya, caso em que "se torna" um criador,
muito embora não perca seu desapego e se envolva em sua criação.

193. Se um pedaço de pano é endurecido com amido, o amido se torna um com o pano; assim, pelo processo
de sobreposição mútua, os ignorantes concebem Isvara como sendo o mesmo que a pura consciência.
Eles são um, mas não o mesmo - assim como seus pensamentos são você, mas você não é seus pensamentos.
194. Assim como os ignorantes, que imaginam ser azul o céu, aqueles a quem falta discernimento não veem
a distinção entre a consciência e Isvara.

195. Ao investigar de acordo com os ensinamentos dos textos Védicos, entendemos que a consciência é sem
associações e incondicionada por Maya, enquanto Isvara é o Criador condicionado por Maya.
Para que Isvara exista, você precisa de Maya primeiro, porque não há Criador ou ideia de criação na
consciência, a qual é livre de objetos.

196. Os Vedas dizem que consciência é existência e plenitude. Eles dizem que a fala e outros órgãos não
conseguem entendê-la; assim, ela é sem associações.
Não há Maya na consciência, porque a consciência é não-dual. Maya é um poder independente e dependente
da consciência!

197. Outras escrituras dizem que Isvara, o Senhor de Maya, cria o universo, enquanto o Jiva é controlado
por Maya. Então Isvara, associado a Maya, é o Criador.
Esse é um assunto tão sutil que o texto parece se contradizer. No verso 195, diz que Isvara é condicionado
por Maya, e neste verso diz que Isvara é o Senhor de Maya. Isto é devido à limitação das palavras. Se a criação
é uma projeção, ela acontece de uma só vez e, portanto, nada precede qualquer outra coisa; portanto, não
há condicionamento. Isvara e Maya são apenas duas palavras que revelam os fatores envolvidos na criação
para que esta possa ser negada. De fato, o relacionamento de Maya e Isvara não é a solução, assumindo que
você saiba que você, o ser, é o conhecedor independente de ambos.

198. Quando deseja ser muitos, Isvara, conhecido como a Bainha da Bem-Aventurança (o Corpo Causal
Macrocósmico), se transforma na Mente Total, o Corpo Sutil Macrocósmico, assim como o estado do sono
se transforma no estado dos sonhos.

199. As Escrituras descrevem a criação tanto como evolutiva como instantânea. Não há contradição,
porque o mundo dos sonhos às vezes surge gradualmente do sono profundo, mas outras vezes surge
instantaneamente.
Se a criação evolui, um fator precederá outro em uma sequência lógica. Se você disser que o primeiro fator
foi Isvara ou Maya, isso não importa, desde que você entenda que existe uma causa primeira. Se a palavra
Isvara se refere ao ser, consciência original não criada, este não faz parte da cadeia de causalidade, portanto
não é a causa primeira. No entanto, às vezes, o ser é incluído na cadeia de causalidade porque Maya não é
possível sem a consciência original não criada. Na verdade, o ser sempre é não associado a Maya, embora
Maya esteja sempre associado a ele.

200. O Corpo Sutil Macrocósmico (Hiranyagarbha) é a totalidade de todos os egos, ou “sensos do eu”. É o
tecido que resulta dos fios que o compõem. É dotado dos poderes de vontade, desejo e cognição.

201 a 203. O Corpo Sutil Macrocósmico evolui lenta e indistintamente a princípio, assim como um objeto
parece tomar forma à primeira luz da manhã, como esboços preliminares a lápis em uma tela branca ou
um tenro broto de milho na primavera.

Adoração a Isvara

204. No estágio final da evolução, o Corpo Sutil cria o Corpo Denso Macrocósmico. É chamado de Virat.
Nesta fase, o mundo parece distinto e brilhante, que nem objetos em plena luz do dia ou figuras em uma
pintura a óleo - ou o fruto de uma árvore totalmente madura. Em Virat, todos os corpos densos são vistos
claramente. Todos os objetos materiais são instrumentos para o uso dos Jivas.

209. De qualquer forma que Isvara seja invocado, o adorador obtém a recompensa apropriada através
dessa forma. Se o método de adoração e a concepção dos atributos de uma divindade (objeto) adorada
forem de alta ordem, a recompensa também será de alta ordem; caso contrário, não.
O mundo é o templo, a igreja, a mesquita de Isvara. Todas as ações dos Jivas podem ser entendidas como
"adoração" a Isvara na forma de alguma "deidade" - significando aqui um aspecto sutil da criação que controla
objetos densos. Essas forças sutis são personificadas na religião Védica como divindades, mas a ideia é muito
prática e simples: se você quer uma casa, pegue um machado, corte uma árvore, serre-a em pranchas de
madeira, etc. – todos instrumentos de Isvara - e presto chango - uma casa aparece! Se você quer grandes
bíceps, vá ao templo de Isvara, a academia de musculação, e malhe ferro. Se você quer uma mente pura,
assuma a atitude do karma yoga e Isvara lhe dará uma mente pura. Isvara dá tanto resultados materiais como
espirituais, de acordo com a natureza das ações de uma pessoa. Veja o Bhagavad Gita (IV: 11).

Moksa Somente Vem Através do Conhecimento da Realidade

210. A libertação, no entanto, só pode ser obtida através do conhecimento da realidade. O sonho não
termina até que o sonhador acorde.

211 a 214. Na consciência não-dual, todo o universo na forma de Isvara e Jiva - e todos os objetos animados
e inanimados - aparece como um sonho. Maya criou Isvara e Jiva, a Bainha da Bem-Aventurança e a Bainha
do Intelecto, respectivamente. Todo o mundo experienciável é uma criação de Isvara e Jiva. Desde a
determinação de Isvara em criar, até Sua entrada nos objetos criados, a criação é apenas Isvara. O estado
de vigília, a servidão e a libertação, o prazer e a dor são as criações do Jiva. Aqueles que não conhecem a
natureza da consciência não-dual, sem associações, especulam inutilmente sobre os papéis de Jiva e Isvara,
os quais são criações de Maya.
O conhecimento de que tudo é Isvara deve destruir os sensos de autoria, de propriedade e de fazedor do Jiva,
e liberá-lo do samsara. É o mesmo que libertação.

215 a 218. Endossamos aqueles que são dedicados à verdade e nos compadecemos daqueles que não o são,
mas jamais nos desentendemos com aqueles que não compreendem. De adoradores dos objetos, como a
relva, aos seguidores do Yoga, todos têm ideias incorretas sobre Isvara. Dos materialistas Charvaka aos
seguidores do Sankhya, todos possuem ideias confusas sobre o Jiva. Como eles não sabem que a realidade
é a consciência não-dual, permanecem enganados. Eles não encontram alegria neste mundo e nem
liberação dele. Alguns dizem que essas filosofias representam graus de evolução e desfrute do mais baixo
ao mais alto, mas qual a utilidade de avaliá-las? Elas estão todas em Maya. Um homem pobre que sonha
que é rico não tem acesso à riqueza dos seus sonhos quando acorda.
Charvakas são materialistas que apenas aceitam a percepção como um meio válido de conhecimento e dizem
que o propósito da vida é o prazer dos sentidos. Sankhya é uma filosofia dualista que aceita dois princípios
eternos (reais) distintos, consciência (Purusha) e matéria (Prakriti).

A evolução ocorreria apenas no samsara. E nele você não pode evoluir, porque se trata de um sonho. Ou você
está nele ou está fora. Se você dorme acorrentado em uma prisão e sonha que está livre, ao acordar a
liberdade dos seus sonhos não se aplica ao estado de vigília. Nenhuma filosofia de mithya, elevada ou não,
o libertará.

219. Portanto, os investigadores não devem se envolver em disputas sobre a natureza do Jiva e Isvara, mas
devem, ao invés disso, praticar a discriminação para que a verdade da consciência seja percebida.

236 a 237. Maya é uma vaca que realiza desejos. Jiva e Isvara são seus dois bezerros. Beba o leite da
dualidade como desejar, mas não há diferença entre Jiva e Isvara. O espaço entre um objeto e outro objeto,
e o espaço dentro de um objeto são o mesmo.
Como Jiva e Isvara são apenas ideias que aparecem na consciência não-dual, são ambos produtos de Maya.
Parecem ser diferentes porque o intelecto está preso na dualidade. Ambos pertencem a mithya.
A realidade é satya e mithya; isto é, "ambos/e", e não "ou/ou". Diferentes tipos de ignorância ainda são
ignorância. Ou se a palavra Isvara se referir à consciência original não criada, também não há diferença. Isvara
e Jiva, todos os objetos subjetivos e objetivos, nada mais são do que a consciência não criada original,
pervadindo duas ideias. São ferramentas de ensino, nada mais.
238. A realidade não dual, conforme revelada pelas escrituras, existia antes da criação. Ela existe agora e
continuará a existir quando a criação se for. Após a libertação do Jiva, Maya continua a operar, mas não
afeta os liberados.
É assim porque "o libertado" não é limitado nem liberado. Ele ou ela é o ser. O ser nunca esteve aprisionado.

239. Alguém que diz que o mundo é mithya, e ainda assim se envolve em atividades mundanas com a ideia
de que ele pode ganhar algo, não é iluminado. Aquele que sabe "eu sou consciência" é livre para agir ou
não. O conhecimento transcende a ação.
Pode parecer que uma pessoa iluminada está iludida porque suas vasanas continuam a operar quando o ser
é conhecido como o seu ser, mas o senso de autoria não existe mais; portanto, embora a ação ocorra, não há
escravidão à ação.

240. Os ignorantes estão convencidos de que o pesar mundano e a felicidade celestial são reais, de modo
que não veem a natureza não dual da realidade, nem acreditam que ela exista.

Dualidade e Não Dualidade

241. Uma pessoa é limitada ou livre de acordo com sua ideia de realidade. A iluminação é puramente
conhecimento da realidade.

242. Se você acredita que a realidade não-dual não é experienciada diretamente, você está incorreto,
porque a realidade é auto-evidente como a consciência em múltiplas formas.
Tudo o que é experimentado na consciência é a consciência na forma de objetos; portanto, a não-dualidade
é experienciada sempre. Simplesmente não é conhecida pelo que é, porque os indivíduos se identificam com
o corpo. Se o ser se identifica com o corpo, a não dualidade se parece com dualidade.

243. Tanto a dualidade quanto a não-dualidade são parcialmente conhecidas. Se alguém infere a dualidade
do conhecimento parcial, por que não inferir a não-dualidade do conhecimento parcial?
Todos sabem que são conscientes, mas nem todos sabem que são ilimitados. Como não há evidências de que
você seja separado da consciência ilimitada, por que supor que é quando poderia assumir que não?

244. (Dúvida): A dualidade contradiz a não-dualidade. A dualidade é a experiência de todos, então como
você pode inferir a não-dualidade?
O Jiva assume que os sentidos interpretam a realidade como ela é. Não examina a natureza da sua experiência.
Considera o corpo como o ser, vê os objetos como algo que não o corpo e não percebe que seu corpo é um
objeto como qualquer outro corpo. Portanto, ele acha que os objetos estão separados dele. Ele pensa que o
corpo é um elemento material fixo e não percebe que a experiência do corpo é apenas o pensamento do
corpo presente na consciência a qualquer momento. Se estendesse seu raciocínio ainda mais, veria que o
pensamento do corpo é feito de consciência, e que a consciência de que é feito - e a consciência do
observador - são a mesma.
É incomum, no entanto, esperar que um Jiva normal faça essa inferência sem ensinamento.

245. A dualidade é apenas aparentemente real porque é um produto do Maya. Então, quando a dualidade
é negada, o que resta é a não-dualidade.
A dualidade não contradiz a não dualidade, porque não estão ambas na mesma ordem de realidade. A não
dualidade inclui a dualidade. Se você entender que a experiência ocorre no Corpo Sutil e que o Corpo Sutil
não é separado da consciência, você entenderá que os objetos não estão separados do ser.

246. O mundo inteiro é um produto de Maya, que é inescrutável. Não duvide. A realidade é consciência
não-dual.
A melhor resposta ao argumento de que a experiência prova a dualidade é incentivar o buscador a avaliar
honestamente os benefícios - que são nulos se você quiser moksha - de se viver com a crença de que a
realidade é uma dualidade. Para termos fé na não-dualidade, devemos aprender a pensar a partir da
plataforma não-dual até vermos que a não-dualidade é um fato.
A Prática do Conhecimento

Normalmente, o conhecimento não é algo a ser praticado. Sua mente está aberta, você percebe alguma coisa
e o conhecimento surge na mente sem esforço. Depende do objeto, assumindo que seus sentidos estejam
funcionando apropriadamente. O autoconhecimento, no entanto, é único porque a autoignorância é
reconhecidamente obstinada. Ela não apenas persiste, mas também resiste.

A autoignorância - "sou pequeno, inadequado e incompleto" - tem se disfarçado de autoconhecimento por


toda a vida. Em geral, não se torna "ignorância" de repente, na primeira vez em que você ouve o Vedanta.
Você ouve a verdade - “sou completo e totalmente adequado para lidar com qualquer coisa que a vida tenha
a oferecer” - e a reconhece, e é enlevado por ela. Após a euforia inicial, a ignorância volta. Se você deseja
que o conhecimento permaneça, é necessário praticá-lo. Praticá-lo significa conscientemente mantê-lo em
mente e aplicá-lo diligentemente a todas as projeções que surgirem, inspiradas na autoignorância, até que
todas essas projeções sejam negadas.

247 a 248. Se a crença de que a dualidade é real acontecer de novo e de novo, negue-a reiteradamente até
que desapareça. Continue praticando até que o sofrimento pare e uma sensação de paz e liberdade ocorra.
É mais difícil praticar a dualidade do que não-dualidade.
Negue-a afirmando: “Sou completo e pleno, consciência não-dual sem ação, e sou tudo o que existe.” Negue-
a contemplando os ensinamentos repetidamente até que seu significado seja revelado. Você obtém
benefícios imediatos da prática do autoconhecimento porque seu pensamento - e, portanto, suas ações -
se harmoniza com a realidade. Seu pensamento determina sua experiência; consciência mais pensamento é
experiência. Reconheça o pensamento dualista e o arranque fora. Ele cria conflito.

251. Se a sobreposição da dualidade na realidade não dual criar vasanas que fazem com que você aja de
modo oposto à sua natureza não dual, cultive vasanas que não entram em conflito com a natureza não
dual da realidade, discriminando repetidamente o ser dos objetos que nele aparecem.
Aja imbuído pelo conhecimento, não pela emoção. A emoção é o Corpo Causal, seus gostos e desgostos,
empurrando você aqui e ali. Perceba o valor de não conseguir o que deseja. Daquilo que você quer, Isvara
não irá salvá-lo.

Não Acredite No que Você Pensa

252. Não discuta com a afirmação de que apenas o raciocínio demonstra a irrealidade da dualidade e a
verdade da não-dualidade. Examine sua experiência também, porque você experimenta a não-dualidade
o tempo todo.
A prática deve ser consistente e intensa até que a mente pense naturalmente a partir da posição de sua
verdadeira natureza: consciência plena e completa, sem ação. A investigação deve continuar, sejam as
circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis. Se você subtrair a maneira dualista de pensar da sua experiência,
ou seja, se não acreditar no que pensa, verá que sempre está experimentando somente a consciência não-
dual - com ou sem a ajuda de objetos.

253. (Dúvida): A consciência é misteriosa. (Resposta): Não dizemos que a consciência não é misteriosa, pois
é eterna.
Na verdade, não há nada de misterioso na consciência. É tão clara quanto o nariz no seu rosto. A ignorância,
no entanto, a faz parecer misteriosa. O mito do ser misterioso é perpetuado por escrituras que não foram
depuradas e pelas palavras de professores não qualificados. A linguagem hiperbólica em relação à
iluminação, tão excessiva na literatura espiritual, é pouco mais do que pornografia espiritual, porque
apresenta a consciência como um incrível estado transcendente, quando na verdade é extraordinariamente
comum – é por causa da consciência que sabemos o que sabemos. Somente a consciência é sempre
experimentada por toda entidade experienciadora.
254. A ausência da existência/consciência nunca é experimentada e, portanto, a consciência é eterna.
Que a inexplicável origem do mundo (dualidade) seja experienciada como parece significa que a dualidade é
aparentemente real. Este verso discute a dualidade, não Maya. Diz que a dualidade tem não-existência
prévia, não que Maya tenha não-existência prévia. Maya não tem uma prévia não-existência, porque é sem
começo. No sono profundo, a dualidade está ausente, mas aparece com a ocorrência do estado de vigília.

Qualquer coisa produzida a partir de outra coisa é aparentemente real. A dualidade é produzida a partir de
Maya e, portanto, aparentemente real. A consciência não tem uma não-existência prévia, porque para
testemunhar sua ausência, ela deveria estar presente. A única outra categoria existente, a matéria, também
não pode testemunhar a ausência da consciência, porque é um produto inerte de Maya. Portanto, não se
pode provar que a consciência tenha estado, alguma vez, ausente. A sua não-existência anterior também não
pode ser inferida, porque você não pode inferir algo, a menos que aquilo a partir do qual esse algo é inferido
tenha sido experimentado anteriormente. Você não pode inferir a fumaça do fogo, a menos que ambos
tenham sido consistentemente experimentados anteriormente. Se a ausência da consciência nunca foi
percebida, nunca pode ser inferida.

Minha ausência também não pode ser provada pelo Vedanta, porque o Vedanta diz que a
consciência/existência é eterna.

255. A dualidade do mundo fenomenal é como uma panela antes de ser modelada em argila. Está
potencialmente lá, mas não é real. Maya gera os nomes e formas a partir da consciência sem forma por
um processo inexplicável.
É impossível entender algo que existe em um momento e não existe no próximo. A aparência do mundo é
misteriosa, não o ser, o iluminador do mundo.

Desde de que existe, a ciência está confiante de que descobrirá a origem do universo, mas recentemente
parece que está prestes a admitir que a origem do cosmos é inexplicável.

256. A consciência é sempre experimentada por mim como o eu. E a irrealidade impermanente dualista de
todo o resto é diretamente experimentada como objetos em mim.
Porque a dualidade é mithya, é tão boa quanto inexistente e não me afeta em nada. A presença da experiência
da dualidade não compromete meu status não-dual, porque a dualidade é mithya; portanto, não preciso
remover a não-dualidade. Eu só tenho que remover a crença de que a dualidade afeta meu status não-dual.

A crença de que eu deveria entrar no nirvikalpa samadhi, ou obter a experiência do "quarto estado", tem
base na ideia de que a realidade não é dual no sono profundo e é dual no estado de vigília. Este é um dos
mitos mais perniciosos e persistentes do mundo espiritual. Eu sou a consciência não-dual quando acordo,
sonho e durmo.

A Pessoa Liberada

257. Às vezes, as pessoas iluminadas parecem insatisfeitas, apesar do autoconhecimento.


Não é incomum que pessoas recém-iluminadas caiam ocasionalmente sob o domínio de suas vasanas e,
eventualmente, busquem experiências. Obter o conhecimento é uma coisa, aproveitar os seus frutos -
liberdade do desejo - é outra. Até que suas vasanas se tornem não vinculativas, algum apego permanecerá,
motivando a ação.

Esse fato é responsável pela noção “vasana kshaya” de iluminação, que afirma que apenas a remoção de
todas as vasanas é iluminação. Infelizmente, essa situação só acontece na morte, então não poderia haver
libertação enquanto alguém estivesse vivo. Dar vazão às próprias tendências é opcional para alguém cujo
senso de individualidade não foi completamente destruído pelo autoconhecimento. Quando o
autoconhecimento é firme, no entanto, a individualidade é definitivamente reconhecida como mithya, o que
significa que o indivíduo é tão significativo quanto inexistente. Se uma pessoa iluminada parece insatisfeita,
é porque continua a agir de acordo com a sua programação. É muito difícil determinar se uma pessoa está
agindo a partir de um estado de satisfação ou insatisfação, particularmente uma pessoa desapaixonada.
Como a maioria das ações é motivada pela insatisfação, é natural supor que esta motive toda a ação. Os
iluminados têm desejos que não se opõem ao dharma. Portanto, seus desejos são benéficos e criativos.

260. Outra passagem das escrituras afirma que os "nós do coração" - os desejos e medos criados pela
ignorância - são afrouxados quando o verdadeiro conhecimento surge.
Embora definitivamente valha a pena apreciar a natureza de soma zero da dualidade - para todo ganho, há
uma perda - você não abandonará completamente seus desejos e medos sem entender que é íntegro e
completo. Somente esse conhecimento oferece a você a total confiança para viver sem eles.

261. Devido à falta de discriminação, os tolos consideram o ego como o ser e pensam: "Eu quero isto ou
aquilo".
O intelecto diz: "Eu penso"; a mente diz: "Eu sinto"; e o ego diz: "Eu quero". Embora definitivamente valha a
pena apreciar o fato de que os objetos não são a fonte da alegria, a discriminação é o entendimento de que
o ser é sempre pleno.

262. Quando se percebe que o ser e o ser refletido são diferentes, desejos e medos não têm efeito.
O ser está sempre pleno, o ego sempre vazio. Confundir o ser refletido com o ego dá credibilidade aos desejos
e medos.

263 a 264. Pela força do karma frutificante, um conhecedor (Jnani) será visitado pelo desejo por objetos,
mas isso não o compele à ação.
Quando sua identidade muda do ser refletido para a consciência completa e imutável, você fica indiferente
ao desejo, à doença e às condições mutáveis da vida, porque o desejo, a doença e a mudança são conhecidos
como mithya.

265. Mesmo antes do autoconhecimento, o ser imutável é sempre não afetado pelo desejo. A realização de
que você é sempre livre do desejo torna satisfatória uma vida insatisfatória.
O desejo é uma declaração de falta, nada mais. Uma pessoa realizada sabe que nada pode ser ganho ou
perdido, porque a consciência é tudo o que existe. Está sempre presente. É o ser de tudo. O surgimento de
cada desejo é uma oportunidade de voltar a atenção para o conhecedor. Ao investigar e entender a natureza
do conhecedor, fica claro que o ser é livre do desejo. Quando você vê que é pleno e livre, o jogo dos desejos
em você perde seu poder vinculativo.

266. O “nó da ignorância” faz com que Rajas e Tamas dominem a mente.
Tamas e Rajas tornam a mente medrosa e lasciva, monótona e ativa, respectivamente. Quando o Corpo Sutil,
o instrumento da experiência, cai sob o feitiço dessas duas energias, o Jiva esquece que é livre e,
mecanicamente, evita e persegue objetos.

267. Do ponto de vista do corpo, dos sentidos, da mente e do intelecto, não há diferença entre os ignorantes
e os iluminados quando se envolvem em ação ou se abstêm dela.
Do ponto de vista do ser, também não há diferença. Do ponto de vista de uma pessoa autoignorante, a
diferença é grande. Este verso serve ao propósito de afirmar que a iluminação não é igual à santidade. No
entanto, isso não sugere que as pessoas iluminadas violem o dharma à vontade.

268. Assim como tanto uma pessoa religiosa celibatária quanto uma pessoa mundana ingerem comida, os
sábios e os ignorantes agem.
Ambos são consciência, mas apenas um sabe o que significa ser consciência. Muitas pessoas no mundo
espiritual sabem que são consciência, mas não sabem o que significa ser consciência (plena, completa e
satisfeita). Consequentemente, elas ainda são incomodadas pelo samsara. Samsara não se trata de ações no
mundo material. Samsara é uma condição psicológica negativa provocada pela crença de que o ser é
incompleto e que os objetos vão completá-lo. Os objetos parecem desejáveis ou indesejáveis devido aos
gostos e desgostos do Jiva.
269 a 270. O Bhagavad Gita diz que uma pessoa sábia, cujos desejos e medos foram tornados não
vinculativos, não desgosta do que se apresenta e nem anseia pelo que não está presente - mas permanece
desinteressada em relação aos objetos. Não diz que os sábios estão livres do desejo, apenas que seus
desejos não são vinculativos e estão em conformidade com o dharma. Se você argumentar que eles estão
desinteressados porque os órgãos dos sentidos estão fracos, responderemos que alguém desinteressado
da vida é doente, e não sábio.
O ser não é apenas livre do desejo; é livre para desfrutar dos desejos que surgem nele - embora não seja
realmente um desfrutador. Na medida em que é capaz de agir, seja se abstendo ou perseguindo desejos, sabe
muito bem que nada do que acontece irá mudar isso. Mas tal fato significa inação? Sim e não. O Gita diz:
“Quem vê ação na inação e inação na ação é sábio.” Você não está fazendo algo quando pensa que está. Você
não está evitando a ação quando não está fazendo nada. Vista de outro ângulo, a libertação é simplesmente
uma questão de se entender a relação entre ação, inação e aquilo que é livre da ação.

Louca Sabedoria, Doença da Iluminação

271. As pessoas altamente inteligentes que equiparam o autoconhecimento à doença da indulgência dos
sentidos são realmente notáveis pela clareza de seu intelecto! Na verdade, não há nada impossível para
elas!
O Swami se presta a um pouco de sarcasmo. Mas é verdade que o autoconhecimento destrói a identidade
desfrutadora/consumidora. Esse é um ataque verbal direcionado aos gurus da "louca sabedoria", que
afirmam que a iluminação lhes dá licença para a autoindulgência sem se preocupar com o dharma. No mundo
espiritual moderno, a insanidade da "louca sabedoria" não parece ter a força que teve vinte anos atrás, tendo
se transformado no conceito mais educado e benigno de "celebração da vida". Interesses dessa tendência –
a de se usar a espiritualidade de modo a se justificar a indulgência dos sentidos - formam legiões.

272. Os textos antigos falam de pessoas sábias que são totalmente renunciantes e não realizam nenhuma
ação, assim como pessoas iluminadas que apreciam os prazeres dos sentidos.

273 a 274. Os sábios que desistem dos objetos não estão necessariamente reprimindo suas necessidades.
Eles evitam certos objetos porque sabem que o contato intencional causa apego. Os que estão ligados aos
objetos estão sempre preocupados. Os não apegados desfrutam de felicidade. Se você quer ser feliz, desista
do apego aos objetos.
Para os iluminados, todos os objetos são o ser. Se você se considera um Jiva, um objeto é outra coisa que não
o ser. É ignorância pensar que a ausência de objetos pode fazer alguém feliz. Os renunciantes costumam se
orgulhar de sua renúncia. Desistir das coisas não é liberdade real. Desistir daquele que abre mão dos objetos,
o que só é possível com o autoconhecimento, é liberdade. Autoconhecimento é saber por que os objetos não
são satisfatórios. A verdadeira liberdade é plenitude, e não o vazio. A verdadeira renúncia é deixar de lado a
ideia: "Eu sou um desfrutador". Quando você deixa de lado a necessidade de desfrutar, o verdadeiro prazer
começa.

275. Aqueles com mentes Tamásicas e Rajásicas não entendem a essência das escrituras e são livres para
pensar no que gostam. Os sábios entendem a importância das escrituras.

As Três Virtudes

276 a 277. A indiferença aos desejos por objetos mutáveis, o conhecimento da realidade e a renúncia da
ação se reforçam mutuamente. Geralmente, todos os três são encontrados juntos, mas nem sempre. Suas
origens, natureza e resultados diferem.

278. O desapego é o resultado da compreensão de que a alegria derivada dos objetos é impermanente.
Produz aversão à busca por objetos e um senso de independência deles.
A felicidade dependente de objetos não é liberdade, porque cria desejo.
279. O autoconhecimento é obtido ao se ouvir, refletir e meditar sobre a natureza da realidade.
É a discriminação entre o que é real (consciência) e o que é aparentemente real (os objetos que se apresentam
à consciência). Evita novas dúvidas. Surgem muitas outras incertezas quando se duvida que o ser é completo.
O autoconhecimento deve ser aplicado às dúvidas que surgem todos os dias.

280. Limite as atividades mundanas, controlando a mente.


A mente é controlada pela observação e objetividade, não pela força de vontade. Observe o desejo de agir e
determine se o mesmo é ou não de interesse da sua investigação e depois aja - ou não. A cessação da ação
não é o objetivo da investigação. É necessário reduzir ações desnecessárias, baseadas em desejos frívolos,
para se obter uma mente calma. Atividades que acalmam a mente, no entanto, devem ser cultivadas.

281. O conhecimento da realidade é o mais importante, pois é a causa direta da libertação. O desapego e
a renúncia são auxiliares necessários.
O conhecimento da realidade não é apenas o conhecimento de si mesmo como pura consciência, mas o
conhecimento da relação entre a consciência e os objetos que aparentemente estão nela. É praticamente
inútil saber "Eu sou consciência", sem entender a ilusão da realidade aparente, porque o ser aparente (ilusão)
continua a existir quando o autoconhecimento acontece. A libertação é para o ser aparente. O ser é sempre
livre.

282. Se essas virtudes são altamente desenvolvidas, são o resultado de uma vasta reserva de mérito. A
ausência de qualquer uma delas é o resultado de algum demérito.
O mérito é o resultado de ações realizadas em harmonia com a própria natureza relativa de uma pessoa e
com as leis que operam no campo do dharma. Aparece na forma de uma mente clara e feliz. O demérito é
causado por ações autoinsultantes que não contribuem positivamente para a situação em que a pessoa se
encontra.

283. Sem o conhecimento da realidade, mesmo o desapego perfeito e a renúncia total das ações mundanas
não levarão à libertação. Alguém dotado de desapego e renúncia, que falha em obter autoconhecimento
nesta vida, renasce em mundos superiores em virtude de grande mérito.
Se um investigador morre antes de adquirir autoconhecimento devido à falta de qualificações, ele estará bem
situado para continuar seu caminho no próximo nascimento. A perda do corpo não afeta o karma
transmigratório do Jiva. Isso explica por que certos indivíduos demonstram pouco interesse pelo mundo
desde tenra idade e entram no fluxo da vida espiritual sem perseguir os objetos comuns: carreira, família, etc.
Na verdade, se a realidade é não-dual, não há renascimento.

Os versos concernentes à reencarnação geralmente são apresentados com o objetivo de incentivar o Jiva a
não abandonar a sua discriminação.

Ainda estou por encontrar uma pessoa preocupada com o que ela será na "próxima" vida. A "próxima" vida
é apenas a expressão contínua do karma que restou da última vida. O Jiva eterno é o mesmo, mas a pessoa
que o Jiva acredita ter sido não existe mais. Ela morre com o corpo porque é apenas uma identidade baseada
na minha história; a soma total das experiências que aconteceram na vida atual. Na próxima vida haverá um
novo corpo, mas o Jiva assume uma nova personalidade porque o tempo, o local e as circunstâncias - a partir
das quais ele pode configurar uma identidade - serão diferentes.

Se o Jiva sobrepusesse, na próxima vida, a identidade que possuía na última, sofreria imensamente. Sim, é
um jogo de cartas marcadas, mas o Jiva precisa de uma nova oportunidade para aprender a lição que não
aprendeu na última vida. É por isso que a memória é zerada por Isvara. De fato, não há “próxima” vida, ou
vida “passada”. Só existe vida agora. É melhor interpretar o nascimento como a identificação com o
pensamento/sentimento que aparece na consciência a qualquer momento, e a morte como a não
identificação com os impulsos que surgem na consciência, mantendo o fluxo kármico.

284. Se o desapego e a renúncia são imperfeitos, mesmo que o autoconhecimento seja firme, os
sofrimentos aparentes não terminam imediatamente devido ao carma frutificante.
O conhecimento é "completo" quando as vasanas são tornadas não vinculativas e o senso de autoria,
eliminado. A afirmação “sofrimentos aparentes não terminam imediatamente” implica que o Jiva é
interiormente livre, mesmo que “superficialmente” o desapego e o recolhimento ainda não sejam perfeitos.

285. O desapego é a forte convicção da futilidade de se buscar desejos, incluindo o desejo por experiências
espirituais. Ficamos livres quando sentimos a identidade com a consciência tão fortemente quanto uma
pessoa comum a sente com o corpo físico.

286. A renúncia da ação manifesta-se em graus, de pequenas renúncias à completa indiferença aos
assuntos mundanos.

287. As pessoas iluminadas diferem umas das outras em termos de comportamento devido à natureza de
seu karma frutificante.
Isso não deve fazer com que se duvide da verdade do autoconhecimento. É preciso uma pessoa sábia para
reconhecer uma pessoa sábia. Discriminação e sabedoria, não comportamento (estilo de vida), é a marca
dos iluminados. Não há regras que governem o estilo de vida dos sábios. No entanto, eles seguem
naturalmente o dharma porque suas vasanas vinculantes foram purificadas pelo fogo do autoconhecimento
e conformadas ao dharma (as leis naturais do Lorde).

288. As pessoas iluminadas se comportam de acordo com seu karma frutificante, mas todas gozam do
mesmo conhecimento e da mesma liberdade.
O prarabdha karma manterá seu movimento de inércia para os Jnani. O comportamento deles será uma
resposta natural ao seu prarabdha. Aparentemente, todos os Jnanis vão se comportar de maneira diferente
quando encontrarem seu prarabdha. Mas todos gozam da mesma liberdade como um ser consciente, livre
da identificação com o prarabdha.

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