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A Motivação no Contexto de Sala de Aula

Jere Brophy1

O contexto de sala de aula difere consideravelmente das situações experimentais em que


se realizaram estudos sobre motivação humana em geral. Primeiro, a freqüência à escola é
obrigatória, e os conteúdos curriculares e atividades de aprendizagem são selecionados
prioritariamente com base no que a sociedade acredita que os alunos devam aprender, não com
base no que os alunos escolheriam ou teriam oportunidade para escolher. Do ponto de vista dos
alunos, seu tempo em sala de aula é devotado a um esforço nada espontâneo de dar conta de
exigências impostas externamente. Segundo, os professores em geral devem trabalhar com
classes de dezenas de estudantes e, portanto, nem sempre podem atender às necessidades
individuais de cada aluno. Como conseqüência, alguns alunos ficam por vezes entediados,
enquanto que outros, confusos ou frustrados. Terceiro, as salas de aula são ambientes sociais, de
modo que fracassos produzem freqüentemente não apenas desapontamento mas até humilhação
pública. Finalmente, incidem notas sobre o trabalho dos alunos nas tarefas e sobre o
desempenho nas provas, sendo que boletins são enviados periodicamente aos pais. No conjunto,
esses fatores tendem a fazer os alunos se preocuparem com focalizar sua atenção sobre as
exigências que devem ser atendidas com êxito, em vez de focalizarem os benefícios pessoais
que poderiam auferir das experiências de aprendizagem. É difícil sentir prazer numa atividade e
ter nela a sensação de fluir quando a atividade é obrigatória e a performance é avaliada,
especialmente se a pessoa não tiver plena confiança de que irá desempenhar-se com êxito.
Essas propriedades de toda sala de aula também impõem restrições às opções dos(as)
professores(as) para motivar os alunos. Professores(as) não são profissionais de recreação que
proporcionem experiências agradáveis mas não necessariamente educativas. Eles também não
são tutores que podem individualizar o currículo em atenção às necessidades e interesses de um
único aluno. Pelo contrário, devem trabalhar com classes mais ou menos numerosas e
concentrar-se em ajudá-los a atingir os objetivos curriculares. Tais limitações tornam irreal a
adoção da motivação intrínseca como objetivo prioritário de seus esforços diários por motivar.
Os professores podem proporcionar oportunidades freqüentes de escolha e de autonomia e
organizar o ensino e o feedback de modo que diminua seu controle sobre os alunos. Porém,
ainda permanece verdadeiro que os alunos têm que obrigatoriamente vir para a escola, na qual
devem dar conta de um programa em grande parte imposto pelos outros e seus esforços serão
avaliados e receberão nota.

1
Research on Motivation in Education: Past, Present, and Future. Em T. Urdan (Ed.) Advances in
Motivation and Achievement (Vol. 11: Achievement Contexts),p. 1-44, 1999. Tradução para uso restrito
por J.A. Bzuneck (2004).
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A motivação para aprender como objetivo dos professores

Um objetivo motivacional viável dos professores para o dia-a-dia das classes é buscar o
desenvolvimento e a manutenção da motivação para aprender com as atividades acadêmicas.
Isto é, devem fazer com que os alunos considerem tais atividades significativas e merecedoras
de envolvimento, buscando obter os benefícios de aprendizagem, achem ou não interessantes
tais atividades ou prazerosos os processos.
Acredito ser útil que os estudiosos da motivação na educação enfatizem (e eduquem
outros a enfatizar também) a motivação para aprender em oposição à motivação para o
desempenho. Há uma distinção entre aprender e performance. Aprender diz respeito a
processamento da informação, buscar sentido e avançar na compreensão ou domínio, o que
acontece quando alguém está adquirindo conhecimento ou habilidade. Já a performance refere-
se à demonstração de conhecimento ou habilidade, depois que foram adquiridos. Estratégias
motivacionais devem incidir sobre o uso de estratégias de aprendizagem do aluno (como tomar
notas em classe, fazer aplicações, fazer resumo pessoal etc.), as quais têm por foco e ajudam o
processamento da informação enquanto aprendem, o que é bem diferente de se proporcionar
incentivos pela boa performance final.
A motivação para aprender pode ser considerada ou como uma disposição geral ou
como um estado específico de uma situação. Enquanto disposição, é uma tendência duradoura
de valorizar o aprender e de envolver-se nos processos com esforço, buscando a aquisição de
conhecimentos e habilidades. Já em situações específicas, configura-se um estado de motivação
para aprender quando os alunos se engajam intencionalmente numa determinada tarefa
acadêmica, assumindo seus objetivos e buscando aprender os conceitos ou dominar as
habilidades por ela proporcionadas. Um aluno que possua uma acentuada disposição para
aprender tende a fazer essas coisas de modo rotineiro, como se possuísse um esquema de
aprendizagem motivada toda vez que entra numa situação de aprendizagem. Porém, mesmo os
alunos que não possuam tal motivação para aprender como uma disposição geral podem revelar
tal motivação em situações específicas pelo fato de o professor ter provocado seu interesse ou
tê-los feito ver a importância do conteúdo ou da habilidade (Deci et al., 1991). Os alunos que
são motivados para aprender não necessariamente acham as tarefas intensamente prazerosas ou
excitantes, mas abraçam-nas com seriedade, acham-nas significativas e as valorizam,
esforçando-se por auferir delas os benefícios esperados.
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Otimizar (não maximizar) a intensidade motivacional

Um tópico relacionado com a sala de aula é que a motivação para a aprendizagem diz
respeito primariamente à qualidade do engajamento cognitivo dos alunos numa atividade de
aprendizagem, e não à intensidade do esforço físico que a ela devotem ou ao tempo que
utilizem. As tarefas de sala de aula são cumpridas com mais eficácia quando a motivação estiver
num nível ótimo de intensidade, em vez dos níveis mais baixos ou mais altos. Altos níveis de
excitação maximizam a performance em tarefas simples, porém são níveis menos elevados de
excitação que maximizam a performance, quando se trata de tarefas mais complexas. Quando se
trata de arrombar uma porta ou de vencer uma corrida de 50 metros, ajuda estar com altíssimo
nível de vontade, mas esse nível será contraproducente se a tarefa consistir em resolver um
problema que exija concentração mental sustentada e reflexão.
Este último caso caracteriza a maior parte das atividades de aprendizagem em sala de
aula. Os alunos têm mais probabilidade de lidar com tais tarefas com êxito quando sua
motivação for positiva (ou seja, quando eles se envolvem na atividade livres de distrações, de
ansiedade e de medo do fracasso) e não necessariamente alta em sentido absoluto. Eles estão
alertas e orientados para o aprender, não altamente excitados ou preocupados com vencer uma
competição ou receber uma recompensa. Tentativas de incrementar ainda mais a motivação
serão provavelmente contraproducentes, especialmente se elas envolverem pressões sobre os
alunos que os tornam desnecessariamente ansiosos e dependentes ou ostensivamente
controlados e competitivos. Queremos desenvolver disposições que durem a vida inteira, não
necessidades neuróticas.
O princípio de que a motivação será otimizada quando sua intensidade estiver no nível
das exigências da tarefa está na mesma linha de diversos pontos de concordância e
esclarecimentos teóricos desenvolvidos nos últimos anos pelos especialistas na área da
motivação na educação, expostos a seguir.
1. Precisamos considerar não apenas a quantidade de motivação mas o seu foco e a qualidade
(por exemplo, a orientação à meta aprender é preferível às metas performance, que por sua
vez são preferíveis à meta evitação do trabalho).
2. A motivação refere-se a uma experiência subjetiva que consiste em determinadas cognições
e afetos relacionados com uma tarefa, que ocorrem tanto na fase anterior ao seu início como
durante sua execução e nas reflexões que se lhe seguem. Assim, por exemplo, os alunos
podem sentir autonomia quando se engajam numa tarefa que não seja prazerosa e quando
existam pressões para se engajar nela.
3. A motivação não pode ser equiparada nem à aprendizagem nem à performance, e uma
motivação ótima não garante performance mais elevada.
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4. Já que a motivação é uma experiência subjetiva, são necessários instrumentos de auto relato
para medi-la diretamente. As medidas de observação do comportamento durante o
engajamento nas tarefas são medidas apenas indiretas da motivação. Medidas do
desempenho não são medidas de motivação, nem mesmo aproximadas, uma vez que tal
resultado é também influenciado pelos conhecimentos prévios, aptidões, vida estressada e
diversos outros fatores além da motivação.
5. Motivar alunos para se engajarem nas atividades acadêmicas, em especial, motivar para
aprender não é o mesmo que controlar seu comportamentos através de “cenouras e
chicotes”. Aprendizagem motivada não se reduz à submissão conseguida através de controle
comportamental.
6. Como regra geral, o planejamento de estratégias motivacionais a serem usadas em classe
deve visar a estabelecer e manter disposições desejáveis duradouras, como ocorre, por
exemplo, com a meta de realização aprender. Isto implica dever-se evitar o uso de
estratégias de motivação ou de controle comportamental que possam estimular um esforço
extraordinário apenas no momento, mas que minam a motivação persistente para aprender.

O professor e a tarefa de motivar os alunos

A perspectiva educacional sobre motivação tem como foco os professores como pessoas
que buscam influenciar a motivação de seus alunos no contexto da sala de aula. A tarefa dos
professores é desenvolver a motivação dos alunos para aprender e induzi-los a engajar-se nas
atividades acadêmicas com uma orientação para aprender, trabalhando contra a ênfase na
freqüência obrigatória, nas notas e em muitos outros aspectos da escolarização que favorecem a
orientação à performance na maioria dos alunos. Além disso, dada a razão aluno/professor, o
professor deve ater-se maximamente a estratégias que possam ser usadas com a classe inteira,
individualizando aqui e ali quando surgirem oportunidades para tanto. Entretanto, dificilmente
seria capaz de implementar um programa de motivação ótima que atinja cada aluno em
particular.
Pesquisadores e professores, bem como qualquer pessoa que lide com os desafios
motivacionais em sala de aula, devem pensar em trabalhar com tais desafios em termos
probabilísticos e não em termos determinísticos, como sugere certa pesquisa psicológica. As
recomendações aos professores, baseadas em pesquisa, não incluem garantias seguras de que
uma dada estratégia será bem sucedida com todos os alunos ou de que será bem sucedida todas
as vezes com um mesmo aluno. Entretanto, o embasamento empírico para tal recomendação
permite uma sólida confiança de que o uso das estratégias sugeridas levará a maioria dos alunos
individualmente, e até a classe como um todo, a chegar mais próximo de um padrão ótimo de
motivação do que se tiverem sido usadas outras estratégias.
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Um mudança de foco sobre o professor como agente que influencia a motivação dos
alunos não implica que os alunos sejam todos iguais ou que responderão automaticamente e de
modo previsível a determinadas estratégias. Uma certa estruturação do ambiente e um
condicionamento discreto sempre estão envolvidos na criação de um ambiente de aprendizagem
ótimo em sala de aula. Porém, a maioria das estratégias motivacionais implementadas pelo
professor é melhor descrita como um processo de socialização e não de condicionamento, o que
envolve uma negociação de entendimentos partilhados, em vez de uma transmissão direta de
atitudes motivacionais e de crenças de professor para aluno. Os alunos têm suas agendas
pessoais que coincidem apenas em parte com as de seus professores, e as experiências anteriores
acumuladas acarretarão diferenças em sua disposição para aceitar o que os professores lhes
dizem, e em seu comprometimento com metas específicas. Mesmo assim, todos os alunos são,
em certo grau, abertos à ressocialização de atitudes e crenças sobre si próprios e sobre a
aprendizagem escolar. Neste caso, os professores exercerão esse seu papel com uma
combinação de modelação, ensino direto e apoio ao engajamento dos alunos em atividades que
incluem atenção aos resultados motivacionais e aos de aprendizagem.

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