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MÓDULO DE:

FILOSOFIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

AUTORIA:

GABRIELE GREGGERSEN

Copyright © 2008, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil

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Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil
Módulo de: Filosofia e Políticas Educacionais
Autoria: Gabriele Greggersen

Primeira edição: 2008

CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS

Várias marcas registradas são citadas no conteúdo deste módulo. Mais do que simplesmente listar esses nomes
e informar quem possui seus direitos de exploração ou ainda imprimir logotipos, o autor declara estar utilizando
tais nomes apenas para fins editoriais acadêmicos.
Declara ainda, que sua utilização tem como objetivo, exclusivamente a aplicação didática, beneficiando e
divulgando a marca do detentor, sem a intenção de infringir as regras básicas de autenticidade de sua utilização
e direitos autorais.
E por fim, declara estar utilizando parte de alguns circuitos eletrônicos, os quais foram analisados em pesquisas
de laboratório e de literaturas já editadas, que se encontram expostas ao comércio livre editorial.

Todos os direitos desta edição reservados à


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A presentação

Cara/os alunas/os,

Bem-vinda/os a esse módulo de Filosofia e Políticas Educacionais. Espero que estejam


muito motivados e com grandes expectativas, pois neste módulo vamos compreender melhor
o papel da Filosofia e das Políticas de Educação.

O fim desse material não é estritamente acadêmico, mas antes didático, no sentido de
comunicar a filosofia numa linguagem informal, inteligível e prazerosa, sem a preocupação
com precisão e detalhe. O aluno mais versado em filosofia poderá se encarregar de
aprofundar os diversos pontos, em caso de necessidade e interesse, através dos textos de
apoio. Não se pretende formar filósofos, mas educadores com gosto pela filosofia, capazes
de se valer dela para incrementar e aprofundar a sua didática e ampliar o seu repertório com
conhecimentos elementares da filosofia e políticas educacionais.

Então, relaxe e deixe-me conduzi-los através dos principais pensadores e temas da história
da filosofia e das políticas.

O bjetivo

Despertar o gosto pela filosofia e sua prática cotidiana, através da reflexão crítica, da
capacidade contemplativa, desenvolvimento de habilidades e atitudes filosóficas, linguísticas,
científicas, artísticas, literárias, éticas, políticas e religiosas, sob a perspectiva político-
educacional.

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Então, espero que você não apenas aprenda, mas também consiga desfrutar e se divertir
nessas verdadeiras viagens e navegações que pretendemos empreender juntos nas
próximas unidades.

“Vejo” vocês na próxima!

Atenção! As atividades sugeridas no corpo do módulo são apenas para desenvolver o


seu autoestudo dirigido. Não haverá cobrança e nem há como nós, tutores, darmos
qualquer feedback a essas atividades. Mas elas serão fundamentais para seu preparo
para as atividades e avaliação on-line, mas principalmente para o seu preparo para a
prova presencial, pois muitas questões poderão reaparecer nessas avaliações.

E menta

Aproximação e estudo crítico das Filosofia, em seus vários campos com a Educação, com
foco no aspecto político social.

Reflexão filosófica sobre os principais temas que fundamentam a filosofia de todos os


tempos e lugares.

Aproximação e estudo crítico das principais correntes da reflexão filosófica com ênfase na
filosofia da educação e suas tendências, no Brasil e mundo.

S obre o Autor

Graduada em Teologia e Pedagogia, Especializada em Administração Escolar, Mestrado em


Filosofia da Educação e Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo;

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Pós-Doutora em História das Idéias Contemporâneas do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo;

Professora, coordenadora de projetos de Educação à Distância e autora na área de


Pedagogia e Filosofia.

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S UMÁRIO

UNIDADE 1 ........................................................................................................ 9
O quê, quando, como, onde .................................................................................................. 9
UNIDADE 2 ...................................................................................................... 16
Clássicos da Filosofia I........................................................................................................ 16
UNIDADE 3 ...................................................................................................... 24
O pensamento Aristotélico .................................................................................................. 24
UNIDADE 4 ...................................................................................................... 35
Clássicos da Filosofia III...................................................................................................... 35
UNIDADE 5 ...................................................................................................... 44
Clássicos da Filosofia IV: Do Renascimento à Modernidade .............................................. 44
UNIDADE 6 ...................................................................................................... 55
Lógica, é lógico! .................................................................................................................. 55
UNIDADE 7 ...................................................................................................... 61
A metafísica ........................................................................................................................ 61
UNIDADE 8 ...................................................................................................... 71
Filosofia da Ciência I ........................................................................................................... 71
UNIDADE 9 ...................................................................................................... 80
Filosofia da ciência II ........................................................................................................... 80
UNIDADE 10 .................................................................................................... 93
Epistemologia ...................................................................................................................... 93
UNIDADE 11 .................................................................................................. 102
Filosofia da linguagem ...................................................................................................... 102
UNIDADE 12 .................................................................................................. 109
Filosofia Analítica .............................................................................................................. 109
UNIDADE 13 .................................................................................................. 119
Filosofia e Literatura .......................................................................................................... 119

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UNIDADE 14 .................................................................................................. 126
Filosofia da Mente ............................................................................................................. 126
UNIDADE 15 .................................................................................................. 137
Estética e Arte ................................................................................................................... 137
UNIDADE 16 .................................................................................................. 146
Filosofia, Psicanálise e Religião. ....................................................................................... 146
UNIDADE 17 .................................................................................................. 155
Filosofia Política ................................................................................................................ 155
UNIDADE 18 .................................................................................................. 162
Filosofia da Educação ....................................................................................................... 162
UNIDADE 19 .................................................................................................. 170
Filosofia Ética I .................................................................................................................. 170
UNIDADE 20 .................................................................................................. 177
Ética II ............................................................................................................................... 177
UNIDADE 21 .................................................................................................. 189
Tendências e Políticas Públicas da Educação – Panorama Histórico............................... 189
UNIDADE 22 .................................................................................................. 200
Políticas Públicas da educação - Panorama Histórico Recente ........................................ 200
UNIDADE 23 .................................................................................................. 212
Políticas Públicas da Educação: Tendências Pedagógicas .............................................. 212
UNIDADE 24 .................................................................................................. 222
Políticas Públicas de Educação: Dando nome aos bois.................................................... 222
UNIDADE 25 .................................................................................................. 232
Políticas Públicas de Educação - A Aprendizagem como Processo ................................. 232
UNIDADE 26 .................................................................................................. 242
Políticas Curriculares e Afirmativas ................................................................................... 242
UNIDADE 27 .................................................................................................. 249
Políticas Curriculares e Afirmativas ................................................................................... 249
UNIDADE 28 .................................................................................................. 258
Realidades Políticas e a Avaliação ................................................................................... 258

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UNIDADE 29 .................................................................................................. 270
Pós-modernismo ............................................................................................................... 270
UNIDADE 30 .................................................................................................. 278
Questões da atualidade .................................................................................................... 278
GLOSSÁRIO .................................................................................................. 286

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 290

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U NIDADE 1
O quê, quando, como, onde

Objetivo: Compreender o significado e conceituação da filosofia.

O filósofo é “aquele que se encontra num quarto escuro”,

à procura de um gato preto que não está lá.

E ele o encontra..."

Guimarães Rosa

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Só para esquentar a cabeça e chegar à mesma conclusão de muitos pensadores, como
Marx, por exemplo, de que ela não passa de uma náusea, que só serve para ludibriar as
pessoas? Acontece que se não fosse pela sistematização de algumas ideias por homens
como Marx e Engels, entre outros, muitos acontecimentos da história não teriam se dado no
mundo (Revolução Russa, a Revolução Francesa, a Independência de Colônias, etc.).

Você também pode achar que a filosofia é reservada àquelas cabeças privilegiadas que
“sabem tudo”.

A verdade é que só é possível fazer filosofia, quando se tem consciência da própria


ignorância. Se não, se soubéssemos de tudo, para que gastar tempo e neurônios
filosofando?

As grandes perguntas da humanidade, para as quais ainda não se tem resposta, os mistérios
que trazem o espanto, são precisamente o que empurra o homem para a filosofia.

E sempre que nos deparamos com o desconhecido, temos medo e nos sentimos inseguros,
não é mesmo? O que diferencia o filósofo do homem comum e do cientista é que o filósofo
não foge dos mistérios, mas tenta encará-los, mesmo sem garantia de solução precisa e
resultados imediatos.

Pois é, sei que muitos de vocês têm certos temores da filosofia. Bem, eu lhes digo que não
poderia haver melhor condição para se ter sucesso num módulo como esse. Talvez você
fique mais tranquilo em saber disso - a filosofia aprecia e estimula em grande parte essa
atitude de susto e espanto.

Ela faz perguntas o tempo todo, pois parte do pressuposto de que nós, seres humanos não
temos domínio sobre a totalidade do real, Em princípio só pode entender a filosofia ou até
filosofar quem concorda com Sócrates, quando dizia: “Só se sei que nada sei!”.

Então, quer dizer que todo mundo filosofa quando faz perguntas sobre coisas que confessa
ignorar? Em princípio, sim. Principalmente, quando quiser entendê-las a fundo e em
comparação ao um todo.

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A filosofia não quer descobrir quem matou fulano como um detetive, mas qual a natureza do
assassinato e da morte em geral. Não quer desvendar a cura para determinada doença, mas
o que é ser doente, o que é ser sadio. Nesse sentido, todos nós filosofamos. Não o tempo
todo, é claro, mas em alguns momentos especiais, que tendem a passar como uma brisa de
vento numa tarde ensolarada.

Entretanto, a maioria das pessoas não se dá conta de que está filosofando e acha que só os
nerds, que vivem enfiados nos livros e a meio palmo do chão da realidade da vida “real”,
filosofam. E o que consideram realidade, normalmente se refere às coisas materiais, ao
mundo do trabalho e do consumo, enfim, ao visível e palpável “aqui e agora”,

Na verdade, quando Sócrates pronunciou essas palavras, que se tornaram célebres, ele o
fez porque algumas pessoas haviam perguntado ao Oráculo de Delfos quem ele considerava
ser o mais sábio de todos os seres humanos e ele respondeu que era Sócrates.

E qual foi a reação do sábio ao ficar sabendo disso? Ele


disse humildemente: “Só sei que nada sei”.

Com isso, ele demonstrava toda a humildade necessária


para a reflexão filosófica. Pois, quem é que precisa de
filosofia, se já é um espertalhão sabe-tudo? Sim, isso vale
também para você e para mim. Se você ou eu achamos
que não existem mistérios no mundo, podemos desembarcar imediatamente desse navio.
Pois ele é movido pela convicção de que “navegar é preciso” sempre! Esse, aliás, será o
nosso lema.

Como a filósofa brasileira Marilena Chauí (2000, 11-12), deixa claro em seu livro Convite à
Filosofia, que muito nos inspira, filosofar é refletir, mas não sobre qualquer coisa e sim, sobre
as grandes questões da vida:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos?
Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos,
dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos?

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2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que
queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que
pensamos, dizemos ou fazemos?

3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos?
Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?

Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, falar e agir?

E elas pressupõem a seguinte pergunta: Nossas crenças cotidianas são ou não um saber
verdadeiro, um conhecimento? Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: O que
é? Como é? Por que é? Dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que
nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, a significação ou a
estrutura e a origem de todas as coisas.

Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao pensamento,
aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade
humanas para conhecer e agir.

Então, a filosofia é um filosofar, ou seja, uma ação concreta, ao invés da condição daquele
que anda olhando para o céu e em um minuto cai no primeiro buraco à sua frente. O filósofo
alemão, Immanuel Kant, dizia que o filósofo é aquele que tem a cabeça aberta para o cosmo,
enquanto os pés permanecem firmemente fincados no chão. E nisso toda a filosofia oriental,
desde a chinesa até a greco-judaica, concordaria com a ocidental.

Por outro lado, não é apenas quando fazemos perguntas que nos flagramos filosofando.
Sempre que citamos algum provérbio popular, contamos uma história ou mencionamos
algum livro religioso ou de sabedoria, ou recitamos algum poema, estamos nos aproximando
“perigosamente” do campo da filosofia.

E ao mesmo tempo, quase sem querer, acabamos ingressando também no campo da


educação. Isto é, porque será que todos os pensadores da filosofia ocidental e o oriental
foram mestres educadores, sem exceção? Bem, por estarem engajados precisamente nisso
que chamamos de “grandes questões” da vida, também estaremos engajados em buscar

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respostas e com isso também as queremos compartilhar com outros seres em busca de
resposta.

Em suma, a filosofia sempre envolve esse elemento de abertura para a totalidade do real,
para o desconhecido, para o que se encontra e vai além do aqui e agora, da transcendência
em contraposição à imanência.

Mas a filosofia também acontece quando emitimos juízos de valor, ou consideramos algo
justo, belo, verdadeiro ou inteligente. Acontece ainda quando temos que decidir que
profissão escolher; com que tipo de pessoas andar; com quem se casar; ou mesmo, que
roupa usar; ou confiar ou não em uma pessoa determinada para fechar um importante
negócio.

Fazendo isso, usamos necessariamente algum padrão de comparação ou pressuposto.


Nesse sentido, como destaca o prof. Marco Antonio Franciotti, num dos textos propostos
para este estudo, a filosofia pode ser comparada com a geografia. Ou seja, ela se ocupa de
criar mapas orientativos da conduta e das decisões
humanas. Nesse sentido ela também se aproxima da
teologia, como ele tão bem destaca.

Sem a filosofia, o mundo fica preto e branco, pois


ninguém saberia distinguir as matizes de cor, seria
desprovido de mistérios e, portanto, de encanto, de
criatividade e de liberdade.

Seria vazio de expressões artísticas de todo tipo:


literatura, teatro, cinema, pintura, escultura, etc. Se não fosse pela filosofia, as cidades
funcionariam como uma máquina e não, como verdadeiras polis, ou seja, cidades, regidas
pela política, ou arte do bom convívio e pela cidadania, que é o respeito ao direito e espaço
do outro.

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O próprio ser humano se confundiria com um autômato. Sem filosofia, não haveria família.
Todos viveriam como iguais num mundo perfeitamente eqüitativo e massificado.

Todos tratariam os outros como número. Não haveria organizações com visão de futuro, não
haveria a conquista do espaço e outras conquistas da ciência. Não haveria amor, nem
amizade; muito menos fé e paz.

Sem a filosofia, nem sequer haveria as outras áreas do conhecimento, pois, se para
Aristóteles, a “teologia é a mãe de todas as ciências”, a filosofia é, no mínimo, o pai...

Está certo que a filosofia não acaba com as injustiças e não basta termos uma Declaração
Universal dos Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente decretados para
os termos realizados em ação. Mas já é alguma coisa. Como dizia o famoso educador Paulo
Freire, que, como todo bom educador, não estabelece grande diferença entre a educação e
filosofia: “a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa”.

Então, o quê é a filosofia mesmo? É claro que não existe uma definição precisa, mas uma
das coisas é saber perguntar com uma atitude crítica, que tem dois pólos: o da aceitação das
coisas que nos pareciam incompreensíveis e insólitas, e a da rejeição daquilo que se prova
absurdo ou sem sentido.

A crítica filosófica equivale, assim, a uma rede: tudo depende do tamanho da malha, como
lemos em “Dois modos de ser crítico” de Josef Pieper proposto para essa unidade.

Ela tem que reter o peixe que queremos pegar, mas também tem que deixar passar a bota
imprestável, que não serve para nada. Já o peixe que queremos fisgar presta para muita
coisa, até mesmo para o colocarmos num aquário e o ficarmos só admirando.

Mas haveria um momento certo para filosofar? Não, na verdade esse momento se dá de
repente, sem a gente tê-lo planejado: num passeio, numa conversa solta na cozinha, num
bate-papo da internet ou mesmo no ponto, esperando o ônibus chegar.

Mas na verdade, podemos localizar a origem da prática sistemática da filosofia na


Antiguidade, particularmente entre os povos orientais e os gregos. Pretendemos apresentar-

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lhes alguns dos clássicos da filosofia nas próximas unidades. Depois trataremos de assuntos
diversos, sem pretensão de que ninguém se torne expert em nenhum deles, não se
preocupem!!!

Então, a filosofia não é esse bicho de sete cabeças, com que alguns autores o pintam. Na
verdade muitas vezes querem reservar para si o direito a esse saber ou impedir que outros o
detenham. Nesse sentido, quem ainda não leu O Mundo de Sofia, de J. Gaadner, deveria
fazê-lo.

Não se trata de um livro acadêmico, mas perfeitamente compreensível. O autor pretende


fazer o contrário de alguns intelectuais indigestos, desmistificando e popularizando a filosofia
através da literatura de ficção.

É claro que você que passa mal só de ver a grossura de livros assim (e sem uma só figurinha
para refrescar...) terá as suas dificuldades no começo. Mas todas as leituras básicas e
complementares aqui propostas foram cuidadosamente selecionadas e certamente o farão
passar por experiências jamais vividas antes, e que o transportarão para tempos e lugares
que talvez nunca virá a ver de verdade.

E certamente você terá bem mais desenvoltura na conversa com seus amigos e superiores
se tiver lido muitos desses textos considerados clássicos do patrimônio da cultura comum a
toda a humanidade..

O que acharam da nossa primeira unidade?

Bem, ainda temos uma porção de textos para ler nesse módulo.

“Vejo” vocês na próxima!

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U NIDADE 2
Clássicos da Filosofia I

Objetivo: Situar historicamente e contextualizar a origem de alguns conceitos sobre o


pensamento filosófico e as maiores ideias e sabedorias de todos os tempos.

Olá minha gente,

Hoje vamos começar a nossa breve “viagem” para contextualização histórica da filosofia, a
começar pelas regiões encantadoras da filosofia clássica. Para isso, nós nos inspiraremos
em alguns clássicos da mitologia grega. Um dos fatores do nosso “encantamento” por essa
filosofia são os mitos que balizavam o
pensamento filosófico e as maiores ideias e
sabedorias de todos os tempos.

Mas é importante que você saiba que o estudo


de filosofia não é sinônimo de “história da
filosofia” ou dos “pensadores”, embora também
nos propuséssemos a tratar desse assunto ao
longo das unidades. Pois a história e os
pensadores ajudam a nos situar historicamente e
contextualizar a origem de alguns conceitos.

Se bem que em filosofia, mais do que em


qualquer outro campo do saber, nunca se sabe
ao certo a autoria das ideias, pois, no fundo,
ninguém é original. Como dizia Paulo Freire “ninguém ensina ninguém, todos aprendemos
em cooperação e interação uns com os outros”.

O universo da filosofia pré-socrática é muito vasto, vocês devem saber, e em grande parte
desconhecido pelos longos séculos que nos separam dele. Nada que pudesse ser esgotado
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em qualquer curso de infinita duração. Mas quem sabe consigamos despertar curiosidade
suficiente em você para que se aventure a fazer suas investigações e incursões, por sua
própria conta e risco e, por que não, um dia até estude a filosofia mais a fundo.

Bem, de acordo com o resumo dos “Principais períodos da Filosofia” de Marilena Chauí da
unidade passada, vamos começar pela filosofia grega. Outros a chamam de filosofia clássica
ou antiga. O período helenístico foi o áureo da cultura grega. É claro, que antes dela, já havia
toda uma filosofia oriental, com grande quantidade de pensadores. Infelizmente, os
ocidentais pouco sabem dela.

E a grande maioria dos filósofos dessa época eram também “educadores”, uma vez que
costumavam ter discípulos (até Jesus Cristo seguiu essa estratégia pedagógica e muito
filósofos a seguem até hoje) e fundar “escolas”.

Nesse sentido, um dos primeiros filósofos desse período de que se tem registro foi Tales de
Mileto (aprox. 580 a.C.), aquele que, dizem as más línguas, caiu num buraco, de tão “no
mundo da lua” que andava. Ele fundou a chama escola “jônica”, que era basicamente
“materialista” e procurava explicar o mundo todo, a partir da astronomia, a física, fenômenos
meteorológicos, fazendo investigações científicas, principalmente com substâncias. Assim, a
filosofia se “misturava” com a alquimia e a metafísica (calma, vamos estudá-la mais adiante).

O discípulo de Tales, Anaximandro (aprox. 611- 547 a.C), defendia a ideia de que tudo
tivesse se originado de um fluido invisível, intangível e infinito. Acreditava ainda que todos os
corpos fossem compostos por substâncias observáveis, antecipando teorias modernas sobre
a origem do cosmo. Sua teoria elucida as sensações de calor, frio, ocasionadas pelos
elementos da natureza, terra, ar e fogo.

Outro filósofo, que era defensor da ideia de uma substância primeira foi Anaxímenes,
seguidor da filosofia Jônica, que foi um dos primeiros a defender que a luz da lua é
proveniente do sol.

Ele defendia que essa substância primeira devia ter sido gasosa. As transformações da
natureza eram explicadas pela rarefação e condensação do ar. Ele foi o primeiro a identificar

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diferenças qualitativas em função de alterações quantificáveis, o que foi fundamental para o
desenvolvimento do que chamamos hoje de “método científico”.

Além dessa linha mais físico-química, temos a matemática. Lembram do famoso teorema
dos triângulos retângulos? Pois é, a fórmula da relação entre seus lados e seus ângulos
recebeu o nome de Pitágoras, em homenagem a esse filósofo.

Ao lado de Tales, Pitágoras (530 a.C.) foi uma das principais figuras do pensamento
matemático antigo. Ele fundou uma escola que tinha elementos mais religiosos e místicos, do
que propriamente filosóficos, procurando fazer a síntese entre o pensamento mitológico e o
científico, que já estava fazendo seus primeiros ensaios. Para os pitagóricos, a totalidade das
coisas pode ser reduzida a números, formas geométricas e a harmonia musical.

Do ponto de vista religioso, eles conceberam uma teologia reencarnacionista e uma ética
moralista, através da qual o corpo poderia ser vencido pela alma, de modo que a pessoa
pudesse evoluir para graus mais elevados de existência nas vidas futuras. Para eles os
corpos celestes seguem uma dança ou música, que pode ser
terapêutica para o ser humano. Com isso, contribuíram muito
para a matemática, a astronomia e a teoria musical.

De resto, podemos “classificar” (nunca faça isso de modo


absoluto) a filosofia entre epicuristas e estóicos. Como o próprio
nome diz, os epicuristas seguiam as ideias de Epicuro, aprox.
(341-270 a.C).

“Aproveitamos a “deixa” para comentar que em filosofia é bom


nunca pensar que um seguidor traduza todas as ideias do seu
“mestre” literalmente”. Por isso, costumamos chamá-los de “epígonos” (continuador das
doutrinas do seu “mestre”).

Epicuro fundou a sua escola em um jardim, o que era comum na época. Sua metodologia,
além de “ecologicamente correta” era também boa para a saúde física, já que o filosofar se
dava em movimento, ou seja, caminhando. Daí surgiu o nome de filósofos “peripatéticos”,

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que significa “filósofos andantes”. Basicamente, fundavam sua cosmovisão no princípio do
prazer. Dizem que grandes pensadores, como Marx e Nietzsche foram influenciados por
essa escola.

Já os estóicos (aprox. 300 a.C) estão no outro extremo da luta contra os desejos materiais e
busca dos ideais metafísicos e abstratos. Eles se inspiraram principalmente em Sócrates,
mas também nos céticos e seu moralismo, que beira o maniqueísmo.

Eu sei, são “ismos” demais para a sua cabeça. Concordo. Mas é bom conhecê-las, inclusive
para impedir cair nelas (ou quem sabe até, “aderir” a alguma delas, rsrsrs).

Mas vamos em frente. Outros dois pensadores importantes da época ocupavam


posicionamentos opostos sobre o estado “natural” das coisas. Um defendia a mudança,
como princípio geral e o outro, a permanência. Heráclito defendeu a ideia de que “você não
pode se banhar no mesmo rio duas vezes”.

Ele também acreditava que tudo havia se originado do fogo, mas de um criador inteligente.
Criou assim a teoria do Logos ou de uma Razão Criativa por trás de todas as coisas. Como
veremos na unidade sobre a Filosofia da Religião, sua tese era panteísta (crença de que
Deus está em tudo), posteriormente adotada pelos estóicos.

Todo tipo de mudança geraria paradoxos, que foram estudados por um discípulo seu,
chamado Zenão, considerado um dos fundadores do estoicismo. A preocupação dessa
escola com a consistência lógica da mudança nas coisas representou uma importante base
para a lógica científica.

Já os seguidores de Parmênides (aprox. 515 a.C), fundaram a chamada Escola de Eléia, que
defendia o estado de estabilidade esférica de todos os seres. Toda e qualquer mudança
dessa estabilidade é, segundo eles, contraditória e não-lógica. A única coisa de que se pode
ter certeza é da unidade do ser.

Temos no mundo grego pré-socrático ainda os pluralistas, que substituíram a ideia de uma
só substância pela de várias, que usualmente são a terra, o ar, a água e o fogo, que se

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combinariam e lutariam entre si. Com isso, o mundo sairia do caos e entraria nele novamente
num eterno retorno.

Pode-se considerar essa uma resposta alternativa e religiosa para a crença geral dos gregos
em deuses personificados, sendo Zeus o maior de todos.

Um de seus defensores, Anaxágoras, acreditava numa “teoria da evolução cósmica”, que


supõe que haveria uma mente mundial,
responsável pela mudança e evolução das
coisas.

Eles também desenvolveram uma teoria da


matéria, que influenciou outra escola, a dos
atomistas. Eles deram um passo a mais em
relação aos pluralistas. Inferiram que a matéria
se compõe de partículas ínfimas, chamadas de
átomos (que significa indivisível – hoje com a
teoria nuclear já sabemos que eles são, sim,
divisíveis), teoria essa bastante estudada por
Demócrito, cuja visão de mundo era totalmente
materialista.

Para ele, o átomo, daí o nome, é a menor partícula da matéria. Assim, as sensações de frio,
calor, gosto, cheiro são provocadas pela mudança de tamanho, forma e combinação de
átomos das coisas.

Ele também desenvolveu uma psicologia, fisiologia, teoria do conhecimento, ética e política
deterministas, seguindo as leis da física.

Mais uma palavra sobre os filósofos pré-socráticos, os já mencionados sofistas. Eles foram
os primeiros a se autodenominar professores. Isso não soa bem, não é? Já que atrelamos a
palavra “sofista” a “enganador”, “trapaceiro” e “malandro”.

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Mas na verdade eles introduziram uma metodologia bastante interessante para se filosofar.
Eles eram conhecidos como filósofos peripatéticos (isto é, não ensinavam numa sala de aula
de quatro paredes, mas enquanto andavam pelos bosques e campinas).

Eles tiveram um papel importante no desenvolvimento das cidades gregas de monarquias


puramente agrárias para democracias comerciais. Mas na medida em que esses
comerciantes novos-ricos tomavam o poder, sem a educação dos aristocratas, eles
passavam a contratar as aulas dos sofistas para se prepararem para a vida política e social.
Eles lhes ensinavam a falar em público e a fugir dos cobradores.

Apesar da sua contribuição para o desenvolvimento grego, entretanto, eles acabaram


adquirindo má-fama, por sua demagogia, mentiras e falta de ética.

Um deles, Protágoras, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. (E muitos


pensadores da atualidade pensam assim até hoje, já repararam? Bem, vamos deixar isso
para a última aula, certo?) Ou seja, cada um é responsável pelos seus atos e pela definição
do bem e do mal.

Eles negavam a existência de um conhecimento ou verdade objetiva, acreditando que tanto a


ciência natural quanto a teologia tinham pouca importância, por terem nenhuma influência
significativa sobre a vida cotidiana. Sua máxima era uma bastante conhecida entre nós: a do
mínimo esforço para o proveito máximo. Ou para os íntimos: a lei de Gérson.

Já no período clássico da filosofia grega, destacaram-se três


pensadores, sendo que um foi discípulo de outro.

O primeiro foi Sócrates (469-399), que viveu no auge da cultura e da


economia do império grego. Nesse período floresciam não apenas a
arte e a literatura, mas também a filosofia, pela relação de mestres e
discípulos que formavam as chamadas “escolas” de pensadores
que se reuniam nos mencionados jardins.

Reuniam-se frequentemente numa delas, a chamada “academia”, em homenagem ao seu


dono e doador, Academos (daí até hoje a palavra academia e seus derivados).

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Uma das discussões mais populares girava em torno de formas de argumentar melhor para
quem estava endividado ou precisava se apresentar aos tribunais por um motivo ou outro.

Por ensinarem as pessoas a se “safarem” de situações complexas, usando meios antiéticos,


o nome de “sofista” continua sendo pejorativo até os dias de hoje, pois, na verdade, eles
pouco se importavam com as grandes questões da vida, como a verdade, mas muito mais
com técnicas para alcançar os objetivos interesseiros de cada um valendo-se das “armas” da
retórica e da oratória.

Tudo indica que a figura de Sócrates, da qual se tem tão pouca certeza, quanto de outras, se
existiu mesmo ou passou de uma figura mitológica, abria uma exceção a essa regra. Mas
sua filosofia é amplamente reconhecida como válida para o campo da filosofia, ao contrário
de outras que até hoje se encaram mais como lendas, do que personagens históricos. Dizem
até que o método socrático, também chamado de "maiêutico", inspirou-se na mãe de
Sócrates, que teria sido parteira e teria financiado seus estudos e atuação como filósofo
"livre". Mas o que se pode dizer, para citar novamente Chauí (2000, 44, 45):

Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um
lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade
grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam ideias tão contrárias entre si
que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota:
Historicamente, há dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não
possuímos seus textos). Restaram fragmentos apenas.

Por isso, nós os conhecemos pelo que deles disseram seus adversários - Platão, Xenofonte,
Aristóteles - e não temos como saber se estes foram justos com aqueles.

Os historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do


espírito democrático, isto é, da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto
seus adversários seriam partidários de uma política aristocrática, na qual somente algumas
opiniões e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.

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Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e
dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que,
antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer
persuadir os outros, cada um deveria primeiro e antes
de tudo, conhecer-se a si mesmo.

A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava


gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego
da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.

Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a


condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período
socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de
seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade.

Sugerimos várias leituras para complementar essa unidade, o que fazemos em todas elas.
Entre as leituras desta unidade, recomendamos a leitura do famoso “Mito da caverna” que se
encontra na República de Platão, na versão de Marilena Chauí, bem como os demais textos
de Platão, atribuídos a seu mestre Sócrates.

Boa leitura e até a próxima unidade!

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U NIDADE 3
O pensamento Aristotélico

Objetivo: Conhecer o pensamento de Aristóteles, suas convicções, crenças, através dos


escritos feitos por Platão.

Minha gente,

Sei que vocês devem achar que com Sócrates e Platão e os contadores de histórias ou
mitologias que os antecederam, já temos filosofia suficiente para darmos conta da
Antiguidade. Errado!

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A diferença do mais importante discípulo de Sócrates em relação ao seu mestre foi que
Platão deixou um legado escrito, seu e do seu mestre, tanto que fica difícil diferenciar um de
outro nos seus escritos.

Sócrates acreditava que escrever as coisas faz com que elas se degradem e caiam no
esquecimento. Por isso nunca escreveu nada, da mesma forma que Cristo.

Ele saía pelas praças e ruas de Atenas, fazendo as perguntas que ninguém mais fazia.
Chauí (200, 45-46) registra um desses debates entre Sócrates e seus discípulos, em que ele
aponta para a importância de certos conceitos, discutindo, antes de tudo, o que eles são em
si (a coragem, a beleza, a justiça e a amizade). E com tais perguntas, ele conseguia o que
queria: fazer com que, através do espanto e do susto, eles descobrissem que, no fundo,
ignoravam todos esses conceitos que diziam conhecer. Esse também era conhecido como
método da ironia, que era parte integrante do seu método mais amplo. A ironia estava em
fazer os outros perceberem que, no fundo, não conheciam os conceitos sobre os quais
queriam discutir.

Pois é, assumindo a sua própria ignorância primeiro, ele conquistava autoridade para
convencer as outras pessoas (ou melhor, conscientizá-las) de que também não sabiam. Ele
descobriu que ninguém que pensa que sabe alguma coisa pode aprender. Então,
ironicamente, esse mesmo não-saber é o que faz as pessoas buscarem o saber, e, no final
das contas, saber alguma coisa, a parte boa da ironia.

E esse método de tirar as pessoas de sua zona de conforto para galgar o saber também foi
um dos diferenciais da pedagogia de Piaget e Vigotski, que são atualíssimos. Então,
surpreendia novamente quando, ao invés de responder a essas coisas, fazia novas
perguntas, levando seus interlocutores mesmo chegarem às respostas pretendidas, se é que
ele mesmo as tinha. Sua estratégia parecia ser antes, a do “só sei que nada sei”, buscando,
partindo da ignorância, chegar à essência, idéia, valor ou verdade das coisas, em
contraposição à sua opinião.

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Assim, suas perguntas sempre giravam em torno do fundamento último, da base das coisas,
não penas individuais e isoladas, sobre a ética de cada um, mas sobre o bem comum, sobre
as coisas relativas à cidadania e a boa convivência.

Com isso, é claro que ele não se tornava muito popular, diante dos sofistas que não estavam
nada contentes em ser lembrados de sua própria ignorância.

Tornando-se uma concorrência desleal, não apenas pelo seu método revolucionário e sua
ênfase na verdade das coisas, que os outros preferiam mais é falsear e contornar, mas o
pior: sem cobrar um tostão de seus discípulos, já que era financiado por sua mãe, que era
parteira. Sócrates se inspirou nela para dar nome a esse método das perguntas e do diálogo.
Maiêutica quer dizer isso mesmo – ajudar os outros a conceber a verdade das coisas.

Mas tudo isso são apenas boatos, que não têm fundamentação histórica certa comprovada.
Há quem defenda até que Sócrates e Platão não passassem de personagens lendários.

Em todos os casos, diz a história que esse seu jeito, ele incomodava também aos
governantes, já que fazia o povo pensar e
refletir, o que sempre representou uma
ameaça para eles. Então ele acabou sendo
acusado de várias coisas, que não cometeu,
não se defendendo em nenhum momento
contra seus acusadores:

Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”,


dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando
as acusações, e eu não as aceito.

Se eu me defender, o que os juízes vão exigir


de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu
prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia.

O julgamento e a morte de Sócrates são

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narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates,
feita por seus discípulos, contra Atenas.

Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de
seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles.

Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da
exposição de suas próprias ideias, poderemos apresentar como características gerais do
período socrático:

 A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos


comportamentos, das ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com
as questões morais e políticas.

 O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um


ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.
Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a
consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas,
alcançando o conceito ou a essência delas.

 Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação


se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a
verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios
próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo
o que investiguemos.

 A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas,
tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as ideias
e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos
quanto como cidadãos? (...)

 É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as
imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas
tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias.
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 As ideias se referem à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem
ser alcançadas pelo pensamento puro que afasta os dados sensoriais, os hábitos
recebidos, os preconceitos e as opiniões.

 A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual,


que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e
necessária.

 A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas,


mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o
pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

 A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo


fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e
trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e
Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas,
como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que
nunca alcançam a verdade plena da realidade.

Mas além de Platão e Sócrates, o mundo grego não teria sido o mesmo sem outra terceira
figura memorável Aristóteles, cuja grande diferença em relação a Sócrates e Platão é ter
desenvolvido um sistema completo dos saberes, ou seja, uma metafísica. Em outras
palavras ele criou uma física ou ciência que vai além (é esse o significado dos prefixos
“meta” ou “trans”) dela mesma, dando explicação a todo o universo e à essência das coisas.

Outra diferença importante é que Aristóteles superou o chamado dualismo de seus mestres.
Para ele as coisas não se dividem em dois extremos opostos: o estático e o dinâmico; o
mundo das ideias e o da matéria; o corpo e a alma; sendo que o corpo constitui o “cárcere da
alma”.

Platão preconizava que o corpo deveria ser domado pela alma como um cavalo xucro. Já
para Aristóteles, tudo, inclusive o corpo e a alma se constituem de um misto que se encontra

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entre dois extremos: o ato e a potência. Nada se encontra absolutamente estático entre eles
nem mesmo as ideias, ou principalmente elas.

Vamos dar um exemplo prático: Se eu segurasse uma pedra agora mesmo no ar, vocês
diriam que ela tem energia? “É claro que não, ela está parada!”, sugeririam alguns. Mas na
verdade, mesmo parada, a pedra contém energia, coisa que vocês deveriam ter aprendido
em suas aulas de física mecânica. Ts, ts, ts! Lamentável! Pois a física é para Aristóteles a
ciência que mais se parece com a filosofia e com a própria natureza, que para ele foi criada
do nada pelo Ato Puro, que é Deus.

A pedra tem, sim, uma energia, que se chama potencial. Basta uma coisa, para que ela se
manifeste em ato: abrir a mão. Não precisa nem jogar a pedra para cima, já que a força da
gravidade se encarrega de transformar a energia potencial em cinética sozinha.

Assim são as coisas do mundo: nem ato puro, nem potência pura e só. É preciso distinguir o
que é ato e o que, potência. Algumas características já se realizaram em ato, enquanto as
outras ainda se encontram em potência.

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É mais fácil observar essa dinâmica numa criança. Ela está constantemente desenvolvendo
potenciais, enquanto o adulto parece ter “congelado” em alguns aspectos. Realização Pura
de todas as potencialidades seria a perfeição, que só o Primum Móbile (Primeiro Movedor)
de todo o universo pode apresentar. Potência pura, quem sabe um feto, mas até esse já tem
energia potencial transformada em ação, desde que a vida surgiu nele.

Quanto à sua metafísica, Chauí (2000, 49-50) comenta que Aristóteles apresenta uma
verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em
todos os ramos do pensamento e da prática considerando essa totalidade de saberes como
sendo a Filosofia.

Esta, portanto, não é um saber específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer
todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que
conhece. Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos conhecimentos e práticas
humanas, ela também estabelece uma diferença entre esses conhecimentos, distribuindo-os
numa escala que vai dos mais simples e inferiores aos mais complexos e superiores. Essa
classificação e distribuição dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os
campos de investigação da Filosofia como totalidade do saber humano.

Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico, procedimentos
específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e prova. Cada
campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em grego, é episteme).

Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu campo
próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e exposição, de demonstração e de
prova; deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o pensamento,
independentemente do conteúdo que possa vir a ter.

O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo, chama-se
lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer
campo do saber. A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na
classificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja

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indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos
dela...

Mais adiante, ela nos fornece um quadro bastante resumido do sistema de ciências
desenvolvido por Aristóteles.

Vejamos, pois, a classificação aristotélica:

 Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto


é, as ações humanas cuja finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade
é a produção de um objeto, de uma obra.

São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa), economia (cujo fim é a
produção agrícola, o artesanato e o comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e
para o acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura,
escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc.

Em suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num


produto ou numa obra.

 Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que
têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma,
é o próprio ato realizado.

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São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para
alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem,
generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia,
honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é realizada pela vontade
guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum.

Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à
ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é
conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela,
a vida livre.

 Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam coisas que
existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas
pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa
contemplação da verdade.

O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de


nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política? São as coisas da
Natureza e as coisas divinas.

Aristóteles, aqui, classifica também por graus de superioridade as ciências teóricas, indo da
mais inferior à superior:

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1. Ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao devir: física, biologia,
meteorologia, psicologia (pois a alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural,
existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens);

2. Ciência das coisas naturais que não estão submetidas à mudança ou ao devir: as
matemáticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e
imutáveis);

3. Ciência da realidade pura, que não é nem natural mutável, nem natural imutável, nem
resultado da ação humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se daquilo
que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural, matemática, ética,
política ou técnica, para ser realidade.

É o que Aristóteles chama de ser ou substância de tudo o que existe. A ciência teórica
que estuda o puro ser chama-se metafísica;

4. Ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a finalidade de tudo o que existe
na Natureza e no homem. Vimos que as coisas divinas são chamadas de theion e, por
isso, esta última ciência chama-se teologia.

A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto na metafísica e na teologia, de
onde derivam todos os outros conhecimentos. A partir da classificação aristotélica, definiu-se,
no correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica, campo que só seria
desfeito no século XIX da nossa era, quando as ciências particulares se foram separando do
tronco geral da Filosofia.

Assim, podemos dizer que os campos da investigação filosófica são três:

1. . O do conhecimento da realidade última de todos os seres, ou da essência de toda a


realidade;

2. . O do conhecimento das ações humanas ou dos valores e das finalidades da ação


humana: das ações que têm em si mesmas sua finalidade, a ética e a política, ou a

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vida moral (valores morais) e a vida política (valores políticos); e das ações que têm
sua finalidade num produto ou numa obra: as técnicas e as artes e seus valores
(utilidade, beleza, etc.);

3. . O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto é, o conhecimento do


próprio pensamento em exercício.

Aqui, distinguem-se: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do


conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências
propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia.

Vai até aqui a segunda parte dos nossos “clássicos da filosofia”, pessoal! Mas na unidade
que vem tem mais!

Leiam os textos disponibilizados nessa unidade, participem do primeiro fórum do curso e me


aguardem para a próxima! Até lá!

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U NIDADE 4
Clássicos da Filosofia III

Olá minha gente,

A essa altura, você já deve ter se identificado com alguma linha clássica da filosofia ou
(espero) pelo menos simpatizado com algum pensador e detestado outros. E isso é
perfeitamente normal. Mas é melhor que você se esforce por se manter imparcial até o final
do curso – sei que é difícil, mas é importante que você dê ouvidos a todas as abordagens
possíveis, antes de tirar conclusões precipitadas. Quanto mais fizer isso, mais certeza terá
sobre a filosofia de vida, que quer adotar para si mesmo. Isso inclui aquela tendência que eu
estarei voluntária ou involuntariamente propondo nas entrelinhas desse curso. Então vamos
avançar mais um pouco.

Como dizia na unidade passada, três grandes


pensadores marcaram a filosofia clássica grega:
Sócrates, Aristóteles e Platão. Depois deles, do
século IV até o nascimento do cristianismo,
predominaram quatro escolas, que se dedicavam
principalmente às questões da ética e da religião:

A dos epicuristas, fundada em 306 a.C. por Epicuro,


funcionava no jardim de sua casa em Atenas. Ele foi
muito influenciado pela filosofia física dos atomistas,
implantando algumas modificações nela. Ao invés da movimentação aleatória dos átomos
em todas as direções, ele admitia o elemento do acaso e a imprevisibilidade na sua teoria
física, dando base para a doutrina do livre arbítrio. Ele valorizava a ciência apenas na medida
em que pudesse ser útil para a tomada da acondecisão e a defesa contra o medo dos

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deuses e da morte. O objetivo da vida humana - defendia ele - era de alcançar o máximo de
prazer, que para ele era sinônimo de ausência de sofrimento.

Os epicuristas, apesar de terem sido conhecidos por seus baixos padrões morais de vida,
levada despreocupadamente, tinham uma ética materialista que muito influenciou Marx em
suas teorias sociais e políticas. E se assistiram o filme Sociedade dos Poetas Mortos, terão
uma ideia de como eles pensavam, na figura daquele professor carismático, que vivia a
repetir: Carpe Diem – Viva o Dia.

Já a escola dos estóicos foi fundada em Atenas, por volta de


310 a.C., tendo sido precedida pelos cínicos, que rejeitavam as
instituições sociais e os valores materiais. A liberdade pode ser
conquistada apenas depois da negação da ambição ou busca
por riquezas e dedicação plena à razão e virtude. Essa escola
influenciou os maiores pensadores do império greco-romano.
Eles seguiam a filosofia de Heráclito, quanto aos quatro
elementos básicos de que se compõe a natureza e na sua
adoração do Logos, que consideravam ser a síntese da energia, lei, razão e providência da
natureza. Isso é possível na medida em que a razão humana faz parte da divina. Isso resulta
no universalismo, a ideia de que todos participavam de uma divindade única, abriu alas para
uma religião única, o cristianismo.

De outro lado, a escola dos céticos, muito influenciada pela dos estóicos e pela crítica dos
sofistas ao conhecimento objetivo, foi bastante forte desde o terceiro século, principalmente
entre os platonistas. Uma das suas ferramentas básicas, segundo Zenão de Eléia, era a
lógica, capaz de desconstruir de forma elegante qualquer positivismo. Sua doutrina básica é
que o ser humano não pode ter conhecimento sobre a realidade e que o caminho para a
felicidade, portanto, encontra-se na total suspensão do julgamento. Eles não acreditavam em
qualquer possibilidade de certeza.

Finalmente, o neoplatonismo, uma das escolas filosóficas e religiosas mais importantes como
contraponto ao cristianismo, foi fundado no terceiro século d. C. por Plotino e outro filósofo

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menos conhecido. Plotino fundou suas ideias sobre Platão, os pitagóricos e Filo, um filósofo
judaico que tentou a síntese do pensamento grego com o judaísmo. Para Plotino, o papel
principal da filosofia é de preparar os indivíduos para a experiência de êxtase no
relacionamento com Deus. Deus, ou o Um, o Logos, do qual emana todo o universo, por um
processo misterioso de superabundância de energia, encontra-se além da compreensão
racional, sendo a fonte da realidade.

O maior objetivo da vida é de purificar-se da dependência do conforto material, e por meio da


meditação filosófica, preparar-se para o encontro transcendental com Ele. Grandes
pensadores da Idade Média foram influenciados primeiro pelo Neoplatonismo, do que por
Platão, cujos escritos só lhes foram resgatados e trazidos anos mais tarde pelos árabes.

A essas alturas do campeonato, Cristo já havia surgido, cumprido sua missão e encarregado
seus discípulos de implantarem e expandirem o cristianismo pela terra. Os chamados “pais
da igreja” ou primeiros que sistematizaram a teologia cristã, realizando estudos profundos
dos filósofos pagãos. Com isso, estabeleceram um diálogo entre os mesmos e os
ensinamentos de Cristo e das Sagradas Escrituras. Dessa forma, é possível estabelecer
várias intersecções e sobreposições entre os mesmos, principalmente os neoplatônicos.

Santo Agostinho, que foi professor de retórica, oratória e filosofia em Roma e Tagaste,
passou de uma vida devassa e imoral para o cristianismo, sob a influência de sua mãe,
Mônica, que, apesar de cristã, ainda praticava diversos ritos greco-judaicos. Ele se destacou
no esforço de reconciliação do cristianismo com a filosofia pagã. Desenvolveu ainda um
sistema de pensamento, que se tornou base para diversas ciências modernas, como a
historiografia, a psicologia, a crítica literária e a psicanálise.

Sua influência fez com que o cristianismo sofresse forte influência do (neo)platonismo, pelo
menos, até o século XIII, quando o pensamento aristotélico se tornou predominante. Para ele
a filosofia e a religião são complementares e não opostas, e a fé é pressuposta à razão. Mas
a alma continua sendo supervalorizada em relação ao corpo.

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Agostinho, que é considerado iniciador não apenas da psicanálise, foi também da filosofia da
história, que via como uma luta dramática entre o bem e o mal, como se pode observar na
sua obra clássica, Cidade de Deus, mas não de forma dualista.

O livro de Fernando Meireles, que virou filme, inspirado em um bairro do subúrbio do Rio,
assim chamado, como vocês devem lembrar, pouco ou nada tem a ver com Agostinho, a não
ser o tema do mal, misturado com o bem numa realidade brasileira bem concreta.

Para Agostinho, existem três cidades: a cidade de Deus, que começa no aqui e no agora e
se cumpre no Reino de Deus; a cidade do mal, que começa igualmente aqui e termina na
perdição eterna; e a cidade mista, que é a que predomina na história. De acordo com
Agostinho, a verdadeira felicidade só pode ser obtida no além, na comunhão com Deus. A
pouca felicidade que podemos ter hoje, representa um aperitivo da que poderemos obter na
eternidade. Sua visão do tempo, memória e experiência religiosa interna inspirou grande
parte da metafísica e filosofia da religião posterior.

Depois dele, no séc. VI, Boécio reavivou o interesse


pela filosofia grega ao traduzir importantes obras,
principalmente Aristotélicas. Sua principal obra A
Consolação da Filosofia, tornou-se basilar para a
formação da filosofia cristã. No século IX houve uma
tentativa de interpretar o cristianismo à luz do
panteísmo neoplatônico.

Já no séc. XI, o reavivamento do pensamento


filosófico começou em decorrência do contato
crescente entre religiosos de diferentes partes do
mundo ocidental. As obras de Platão, Aristóteles e
outros pensadores gregos foram traduzidas pelos
estudiosos árabes e trazidas para a Europa. Filósofos muçulmanos, judeus e cristãos
interpretaram e esclareceram esses escritos, no esforço por conciliar a filosofia com a fé
religiosa e providenciar bases racionais para a fé cristã. O legado desses autores

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estabeleceu o fundamento do escolasticismo, que era criticado por não se interessar tanto
por novas descobertas, e mais pelo debate das grandes questões da vida.

Esse método é confundido ou substituído por aquele adotado pelos jesuítas na América
Latina e na Europa, depois da Idade Media, no período da contra-reforma, que infelizmente
levou o mesmo nome. O que foi sistematizado como Ratio Studiorum, com a lista dos “livros
proibidos” (que aparece no livro e filme O Nome da Rosa) preservava apenas a rigidez e
clima da época da “Santa inquisição”. A metodologia partia da quaestio disputata, muitas
vezes vindas do povo era discutida com claras regras de respeito à opinião e dignidade do
outro. Só após a lectio, ou leituras comuns de textos relacionados à questão, partia-se para a
discussão, primeiro, arrolando as posições a favor, e depois, contra a questão. Ao final, o
“mestre” encerrava com a determinatio, que era na verdade, uma provocação para mais
questões. Era, portanto uma educação bastante democrática, que deu base para a
democratização do ensino. A riqueza de tais debates levou à fundação das primeiras
universidades. Assim, o método de ensino-aprendizado nessa época era o da argumentação
dialética e dialógica, associada à filosofia neoplatônica e árabe, e à poesia judaica.

A visão contrária ao realismo escolástico, o nominalismo, defendia que somente os objetos


individuais e concretos existem e que os universais, as formas essenciais e as ideias usadas
para classificar as coisas, não passam de etiquetas, negando a existência de substâncias
intangíveis. O famoso romance Abelardo e Heloísa. Essa história dramática aparentemente
verídica ocorrida entre Heloísa e o filósofo Pedro Abelardo iniciou-se em Paris, no período
entre o final da Idade Média e o início da Renascença (séc. XII). Ela gira em torno da
polaridade entre nominalistas, vulgarmente conhecidos como materialistas e os escolásticos,
também conhecidos como idealistas. Acabou assim por criar uma síntese dialética, mais
conhecida por conceitualismo, que atribuía aos nomes um caráter particular e aos seus
sentidos, o universal. Com isso, pode fazer distinção entre a lógica e a metafísica, pelo que
estabeleceu as bases da escolástica e da síntese tomista, que acrescentou à influência
neoplatônica, a lógica, epistemologia e ética aristotélica.

O extenso período da Idade Média costuma ser dividido em três fases: a

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Patrística, ou Antiguidade Tardia, ou Idade Média Antiga, que vai do início no séc. V até o
séc. X; a

Alta Idade Média, que começa aprox. em 1.050, com as cruzadas, o


nascimento da cultura gótica e a superação do sistema feudal,
unificando a Europa; e a

Baixa Idade Média, que se estende do século XIV até o XV, pautada
pela luta política e desenvolvimento das ciências, além do surgimento
de uma nova espiritualidade, buscada no isolamento individual ou em
grupos, as chamadas ordens.

Os pensadores de maior destaque são, respectivamente, Santo


Agostinho e Boécio, para a primeira fase; São Abelardo e Santo Tomás de Aquino, para a
segunda – esse é o ápice com o surgimento das Universidades e campos do saber mais
sistematizados, embora ainda não fragmentados -; e Guilherme de Ockham. Na terceira fase,
marcada ainda em meados do séc. XIV pela Peste negra, expansão do comércio e o
surgimento de líderes messiânicos, era forte ainda o mencionado nominalismo, sobre a qual
Umberto Eco escreveu seu famoso O Nome da Rosa e que muitas vezes faz o público
reduzir todo período da Idade Média a essa fase final.

A escolástica destacou-se no período da Alta Idade Média como um


método de estudo e ensino bastante inovador e democrático.
Infelizmente ele foi posteriormente distorcido e esvaziado pelos jesuítas
e outros religiosos da contra-reforma. Ele era dividido em três fases:
lectio, disputatio e determinatio. Na lectio, todos liam uma determinada
quantidade de livros e autores, sagrados e profanos em comum,
levantando questões sobre eles ou colhendo questões teológicas
provenientes do povo. A disputatio, que vinha logo em seguida, era a fase do debate, em que
eram seguidas regras muito claras de respeito ao próximo e à verdade. O debate não
poderia ter prosseguimento, se não estivesse claramente fundamentado ou na autoridade ou
na razão. O mestre só interferia com conceitos e preleções no final, procurando fazer uma

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síntese entre os argumentos contra e a favor da coisa em disputa, mas que normalmente
levava a uma nova questão a ser discutida numa próxima aula.

Muitos anos mais tarde, o filósofo alemão Hegel viria a denominar esse método de
“dialético”, sendo suas fases da “tese”, da ”negação da tese” e da “negação da negação da
tese”. Outros epígonos passaram a chamá-las de “tese”, “antítese” e “síntese”.

Esse método combinava muito bem também com o


currículo da época pelo fato de ter sido altamente
“holístico”, composto pelas chamadas “artes liberais”, que
hoje poderiam ser chamadas de “competências e
habilidades” básicas para uma formação humana integral.
Ele resgatava e refletia o ideal de educação como paidéia,
palavra altamente complexa, cujo sentido já foi perdido
pelas línguas e culturas ocidentais, como deixou claro o
historiador alemão, Werner Jaeger.

Apesar desses pensadores importantíssimos para o avanço


do saber, que eram todos religiosos, a igreja medieval
costuma ser pintada como “vilã da história”.

O que os historiadores só descobriram recentemente é que, se não tivessem sido os


mosteiros e os monges estudiosos dos antigos escritos, que se preservaram nos lugares
religiosos, não teria havido renascimento. Isso é evidente, pois os mosteiros e monastérios
eram os únicos lugares que os bárbaros não ousaram invadir após a queda de Roma. O fato
de os seminaristas da época e candidatos à batina terem tido tempo e vontade de sobra para
o estudo e tradução desses documentos contribuiu muito.

Apesar de ser conhecida como Idade das Trevas, devido à Santa Inquisição, as ordens
mendicantes que pregavam a autoflagelação e as doenças que dizimavam populações
inteiras, os mil anos iniciados com a invasão da biblioteca de Alexandria – o marco do
império cultural greco-romano, terminando com a Queda do último pedaço do Império

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Romano, a Constantinopla - foi extremamente importante para o desenvolvimento posterior
da ciência e da tecnologia.

Nesse sentido, é difícil estabelecer uma linha clara de passagem da Idade Média para o
Renascimento. Muitos autores como Dante (A Divina Comédia), João Milton (Paraíso
Perdido) e pensadores como Erasmo de Rotterdam (Utopia) e Tomás A. Kempis (Imitação de
Cristo), embora fossem renascentistas, demonstram ainda fortes traços do pensamento
medieval, que também pode ser entendido como pensamento antigo e judaico cristianizado.
É claro que a discussão sobre o que deve predominar como critério de verdade - a tradição
da igreja e das Escrituras ou a razão - durou praticamente o período todo, sendo que o
triunfo da razão sobre a fé foi brindado pelos filósofos renascentistas e do Iluminismo ou
Época das Luzes.

Antes, tanto os antigos quanto os medievais olhavam para as coisas como quem está numa
casa, a mirar (daí vêm as palavras admiração e mirante) o céu estrelado lá fora, onde se
encontra o reino das divindades e entidades maravilhosas, vendo coisas que iam além do
mero “olhar”.

A diferença em relação ao homem renascentista e moderno, é que ele resolveu


simplesmente dar as costas para a janela e passar a ”olhar” somente para as quatro paredes
do seu próprio domínio doméstico e controlável, fazendo de conta que o que está lá fora não
existe, não interessa, ou não é passível de discussão pública ou científica. Ele simplesmente
não quer mais saber ou “falar sobre” a realidade externa ao “aqui e agora”. Nesse sentido, o
homem moderno fez predominar o nominalismo sobre o escolasticismo e a imanência sobre
a transcendência. Para Ockham não existe essência nas coisas. Elas são o que o homem vê
nelas, como as interpreta e como as chama. As coisas não passam de nomes, mais o menos
como Carlos Drummond de Andrade descreve o mundo consumista moderno no poema “Eu,
etiqueta”.

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É claro que a fé não é totalmente negada ou separada
da razão, isso seria simplesmente impossível ou uma
inversão das coisas. Um dos movimentos que trabalhou
contra a negação da transcendência foi o da Reforma,
cujos ideais eram, entre outros, a luta contra a venda de
indulgências e os absurdos da Santa Inquisição.
Batalhavam ainda pela tradução da Bíblia para o
vernáculo, e assim, pelo acesso a ela por toda gente do
povo. Mas, como lemos no texto de Chauí,
paradoxalmente o que os reformadores conseguiram foi
estabelecer uma separação definitiva entre fé e razão,
submetendo a última à primeira e promovendo o
ceticismo contra a ciência e a razão.

Na próxima unidade falaremos mais do período moderno. Por hora, leiam atentamente os
textos propostos, preparem-se para a primeira bateria de exercícios e até a próxima!

Para um resumo conciso e linha do tempo dos pensadores da educação, recomendamos a


Linha do Tempo da Filosofia, disponível em

<http://www.filosofia.com.br/bio_popup.php?id=%2055>. Acesso 30 Jan. 2012.

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U NIDADE 5
Clássicos da Filosofia IV: Do Renascimento à Modernidade

Objetivo: Estudar os filósofos que mediaram o pensamento medieval e o moderno, no


chamado Renascimento.

Olá minha gente!

Apostos para mais um emocionante estudo? Espero que sim, pois eu estou, e muito!

Comentamos na unidade passada acerca dos filósofos e pensamento medieval e suas


controvérsias entre materialismo e idealismo; fé e razão. Vamos nos dedicar agora aos
filósofos que tentaram fazer, por assim dizer, o “meio de campo” entre o pensamento
medieval e o moderno, no chamado renascimento.

Para começar, podemos citar René Descartes, filósofo e matemático, que simbolizava o
conhecimento como uma árvore, dotada de vários “ramos” do saber. O tronco, o que será?
Acertou quem disse “a Filosofia, é claro”! E a seiva para alimentar os ramos e as folhas, o
que é? Nada menos, do que a matemática.

Por outro lado, um dos detalhes em que ele não pensou foi que, se alguém um dia
resolvesse subir na árvore para se especializar em algum dos “ramos”, constatará duas
coisas: quanto mais subisse, maior seria o risco de queda, e maior a sua distância em
relação a outros ramos. Daí que ele tenha sido considerado um dos maiores céticos de todos
os tempos.

Na verdade, o Renascimento, termo cunhado pelo historiador Jules Michelet para se referir à
redescoberta do “homem mundano” (em contraste com o metafísico e religioso), teve seus
prenúncios já no séc. XIV na Itália, espalhando-se pelo resto da Europa nos sécs. XVI e XVII.

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Nesse meio tempo, a Europa feudalista medieval já se havia transformado em uma
sociedade urbana, dominada por instituições políticas centralizadas, com uma economia
comercial e educação laica.

Ela teve repercussões principalmente na arte, com grandes obras como as de Giotto, Virgílio,
Ovídio, Cícero e Sêneca. Os ideais de harmonia e proporção culminaram com o legado de
Rafael, Miquelângelo, Leonardo da Vinci, no séc. XVI.

Esses pensadores deram continuidade à


tradição gramática e retórica medievais do
tomismo, escotismo e ockhamismo, com sua
herança do aristotelismo e platonismo.

Essa época foi marcada por grandes avanços


e descobertas na matemática, na medicina,
com a tradução das obras de Hipócrates, com
as teorias de Copérnico e Kepler na
astronomia. A invenção da imprensa
representou uma verdadeira revolução
tecnológica e cultural, aumentando a
quantidade e acessibilidade de livros ao público, tornando o trabalho intelectual algo
colaborativo, ao invés de solitário. Na indústria bélica, deve-se lembrar da invenção da
pólvora.

O período é marcado principalmente pelas Grandes Navegações e a descoberta do Novo


Mundo; pelo fenômeno urbano, com o surgimento de cidades importantes como Florença,
Milão, Bolonha, Oxford e Cambridge, que já haviam sido traçadas na Alta Idade Média, em
que foram desenvolvidas técnicas de contabilidade e administração financeira e comercial.

A historiografia tornou-se, assim, um ramo da literatura, mais do que um campo próprio de


estudo. Trata-se de um movimento que se deu pela gradual adoção da cultura clássica e
antiga, como padrão universal de toda a cultura, rompendo com predomínio do pensamento
escolástico cristão. Também houve um renascimento dos pais da igreja, pois o objetivo era

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trazer a formação humanista clássica para todos os setores da vida social, inclusive o
eclesiástico.

Com isso, retomou-se a valorização do aperfeiçoamento do corpo e treino físico na


educação, bem como das artes. Fortaleciam-se ainda os valores da família como centro de
poder. Grandes e poderosas famílias como os Médici na Espanha, marcaram a história
dessa época de mudança decisiva de paradigmas.

Ao invés de compreender o universo criado, o objetivo da humanidade passa a ser o de


dominar a natureza pelo método científico, desenvolvido por Francis Bacon, cujo sistema se
tornou base da ciência e da tecnologia modernas. As ideias de liberdade e democracia
medievais foram mantidas e incrementadas pelo humanismo e pela teoria constitucionalista
inglesa.

Já os iluministas ou enciclopedistas, crivados pelos ideais da Revolução Gloriosa,


Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa preferiram mudar de metáfora.
O saber não era mais entendido como uma árvore, mas uma
fonte de luz, da qual emanam vários raios luminosos.

Adivinha, qual seria o nome dessa fonte? A razão humana é


claro, que dá nome a todas as demais coisas e que determina
sua verdade, realidade e bondade. Em outras palavras, o
homem se independeu completamente de Deus e da
transcendência, declarando sua total independência.

O século XVI foi marcado ainda pela Reforma, que modificou


em muito o pensamento ocidental, particularmente o liberal e
instituiu o protestantismo, como mostra Weber em A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo.

Sua tese básica nesse livro é que o cristianismo protestante se instalou logo após a reforma,
precisamente na Europa e nos Estados Unidos, onde o “Espírito” era o de que “tempo é
dinheiro”, ou seja, o que importa é produzir e render capital. Dessa forma, o cristianismo

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protestante, muito focado no trabalho, acabou legitimando uma classe de comerciantes e
industriais que estava especialmente interessada nas colônias africanas e nas terras
promissoras do Mundo Novo americano. Tanto, que a primeira constituição americana
expressa claramente os valores liberais do cristianismo.

Já em 1700 inicia-se a primeira Revolução Industrial na Grã Bretanha, onde mulheres e


crianças eram exploradas pela indústria mineradora, surge uma nova classe, a burguesa, a
dos que se valiam do lucro ou mais-valia dos trabalhadores que eram explorados ao máximo.

Na verdade, ela se estendeu até o século XX (1950) com as novas descobertas da ciência
sendo aplicadas à indústria e produção dos bens de capital. Nessa época, destacam-se os
inventores Benjamin Franklin, Thomas Edison, Graham Bell e Henry Ford, criador da primeira
linha de automóveis produzidos em série e de uma vasta filosofia liberal, além de Taylor &
Fayol, que muito contribuíram para a filosofia liberal adotada amplamente nos Estados
Unidos e na Europa em geral.

Um nome importante dessa época, o filósofo, botânico, pensador político, social e das artes,
além de eminente escritor, Jean Jaques Rousseau (1712-78), foi um dos precursores do
Iluminismo.

Com sua utopia Emílio, ele propõe uma educação totalmente livre de amarras sociais, junto à
natureza e longe da sociedade e Contrato Social, em que defende uma vida social apenas
regulada por convenções e contratos, ele forneceu a base ideológica para a Revolução
Francesa.

Por suas ideias pouco convencionais, ele foi bastante perseguido, fugindo de seu país e
fazendo amizade com o filósofo escocês David Hume, com o qual não demorou a brigar
também.

Sua vida moral e emocionalmente conturbada fica clara em uma de suas últimas obras:
Confissões. Além do direito, da educação, da psicanálise e da filosofia existencialista, as
obras de Rousseau influenciaram a filosofia política com sua ideia de liberdade individual e
sua luta contra os absolutismos da igreja.

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Muitos revisores de suas ideias, porém consideram-no totalitário em sua defesa das
liberdades individuais.

Outro filósofo importante do iluminismo foi o alemão Immanuel Kant (1724-1804), que
também era totalmente favorável à ideia de liberdade, particularmente na conduta e ética.
Em sua Crítica da Razão Pura, ele defende que existem dois tipos de filosofia: a analítica e a
sintética.

A analítica vem da razão pura e é abstrata. Mas


a sintética é a que vem da experiência e que
tem pressupostos a priori, ou seja,
pressuposições que são dadas e indiscutíveis,
como o tempo e o espaço, e que transcendem
a razão. Mas, usando a percepção, combinada
com a razão, é possível criar juízos sintéticos a
priori, o que depois também foi denominado
transcendentalismo.

Por seu racionalismo no estudo do fenômeno


religioso, Kant foi proibido de dar aulas sobre
esse assunto pelo rei da Prússia. Mas acabou
aderindo aos empiricistas, quando ele diz que
“foi acordado do seu sono dogmático” pelo
empiricista David Hume, que o fez
compreender que as coisas são
incompreensíveis pela razão e só podem ser apreendidas pela experiência.

Elas nem sequer existem, se não apenas como matéria prima para as sensações, que
existem na mente apenas como intuição que são julgadas e medidas pela percepção
apenas. Kant dividiu os a priori em quatro categorias: quantidade, unidade, pluralidade e
totalidade.

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Mas conceitos como o de liberdade e existência escapam a tais categorias, pois pertencem à
ética. Em A Metafísica da Ética, Kant defende que a razão é a autoridade final para a moral.

Somente os atos conscientes à razão podem ser considerados morais. Quem age bem por
medo da lei simplesmente ou de punição, não está sendo moral ou ético.

O princípio do bem agir para Kant era: “Aja da maneira que você possa considerar sua
atitude um imperativo categórico.” Ou “aja como gostaria que os outros agissem com você”,
um princípio bíblico bastante antigo.

Em sua Crítica da Razão Prática, ele reafirma a sua fé na liberdade individual fundamental e
que pode ter inspirado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma vez que em sua

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Paz Perpétua (1795), ele advoga o estabelecimento de uma federação mundial de Estados
Republicanos.

Não se trata de uma libertinagem, mas a liberdade de agir conscientemente, de acordo com
a lei. Kant teve uma grande influência sobre o seu discípulo, o filósofo alemão G.W.F. Hegel,
que por sua vez lançou as bases do marxismo.

O método dialético por ele lançado foi usado tanto por Hegel, quanto por Marx, como
decorrência do método de Kant, de pensar em termos de “antinomias” ou contradições.

Como se sabe, Hegel desenvolveu esse método naquele da tese, negação da tese (antítese)
e negação da negação da tese (síntese). Kant influenciou ainda o filósofo e poeta Johann
Fichte, que rejeitou a tese do seu mestre de que o mundo é dividido em partes objetivas e
subjetivas, desenvolvendo a filosofia idealista, que teve uma forte influência sobre os
socialistas do séc. XIX. Outro de seus discípulos J.F. Herbart, traduziu em prática as teses
Kantianas sobre a pedagogia.

A sangrenta Revolução Francesa, que se estendeu de 1789 até 1799, com seus ideais de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade e, teve forte influência da Constituição americana, mas
também da Revolução Gloriosa na Grã Bretanha.

Outros fatores também tiveram sua influência, tais como a luta pelo poder entre
monarquistas e republicanos, a fome e miséria da massa proletária em busca de condições
mais humanas de vida e a organização do sistema de ensino e das leis trabalhistas.

O iluminismo também teve várias consequências como organização da primeira assembleia


constituinte e a instituição da primeira república europeia, a que seguiram várias outras. Mas
na verdade, o que parecia uma revolução das massas mais pobres, acabou se tornando uma
batalha pela legitimação filosófica para a supremacia da nobreza, o chamado segundo
estado, que lutava o primeiro estado, o clerical, até a supremacia do que estava se formando
e tomando viria a ser chamado por Marx, a classe burguesa.

O que deve ter passado despercebido aos iluministas, também chamados de ilustrados, é
que eles não foram capazes de resolver o problema dos “ramos do saber” cartesiano, mas

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apenas lhe deram outra forma. Pois, na medida em que alguém persegue determinado raio a
partir de uma fonte de luz, ele também se distanciará em relação aos outros.

Não se pode negar que ao menos esse movimento, que também deu origem a outras
correntes, além da liberal, como a anarquista e socialista, estabeleceu ideais grandiosos para
a humanidade (liberdade, igualdade e fraternidade), que também tiveram suas repercussões
no Brasil, com a Inconfidência Mineira, muito em decorrência dos jovens que vinham estudar
na Europa e viriam a sofrer essas influências.

As universidades daqui só começaram a surgir no início do séc. XX, já que eram


consideradas um luxo, num país que se autoidentificava como sendo essencialmente
“agrário” e cuja ideologia era basicamente positivista, como dão a entender até hoje os
dizeres da bandeira: “Ordem e Progresso”.

Como se não bastasse o sangue jorrado no


confronto dos franceses que lutavam contra
o totalitarismo monárquico ou absolutismo
de Luiz XV e dos que defendiam os
interesses da burguesia emergente, muitas
práticas criminosas como a da exploração
de mulheres e crianças durante a Revolução
Industrial, tiveram seu papel na formação
das democracias republicanas, mais ou
menos estáveis que temos hoje.

Na contraparte da filosofia liberal burguesa,


outra revolução se desencadeia, mas agora
inspirada nas filosofias de Marx e Engels e
do anarquista Proudhon, seu opositor, a
quem é atribuído o termo “proletário” (aquele
despossuído que só tem é dono de um
“bem”, a prole).

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A humanidade teve que passar por duas grandes guerras para notar que a ciência não seria
a salvadora da humanidade e protetora dos interesses do bem estar geral da humanidade
(Wellfare State) que prometia, principalmente a filosofia dos “aliados”, mas que também
servia a interesses ou forças, que não eram absolutamente compartilhadas por todos.

Além da filosofia, a sociologia contribuiu muito para a denúncia dos limites reais da ciência e
do capitalismo, dando certo “espaço” para pensadores como os da Escola de Frankfurt
(Adorno, Habermas, Benjamin, entre outros), que desenvolveram a Teoria Crítica, baseada
em Marx. Mas a maioria desses críticos, da mesma forma que muitos autores, artistas e
cientistas contrários ao sistema tiveram que buscar o exílio.

Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida
como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas da razão: a razão instrumental e a razão
crítica.

A razão instrumental é a razão técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um
meio de liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e
desespero.

Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do


pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se
realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e
não as ideias de controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a
cultura. (Chauí, 2000, 60)

Já a psicologia, que pretendia descobrir todos os mistérios do self humano, hoje reconhece
que detém mais mistérios do que certezas e que o homem é mais emocional, espiritual e
imaginativo, do que o paradigma da razão fazia crer. Assim, particularmente a Segunda
Guerra Mundial pôs fim ao otimismo exacerbado e positivista em relação à ciência e
tecnologia.

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A fragmentação dos saberes e de olhares, bem como a
supremacia da subjetividade foram alguns aspectos do
pensamento humano dos mais destacados pelos filósofos
pós-modernos, principalmente durante e após os
movimentos estudantis de 1968, tais como Michael
Foucault, Deleuze e Durant, entre outros.

O que eles se encarregaram de fazer, em suma foi


estabelecer pontes entre os raios da fonte de saber da
razão, numa espécie de “teia” holística. Assim, passamos
da era do conhecimento - em que a matéria prima perfazia
70% dos produtos industrializados, contra os 30 % de
saber, invertendo a proporção anterior - para a era da rede
e das comunicações, onde o real compete com o virtual.

A filosofia praticada desde meados do século XIX e que perdura até os dias de hoje,
denominada filosofia contemporânea ou pós-moderna, é, assim, marcada pelo pluralismo e
multiplicidade de visões e perspectivas em todos os sentidos: político – temos desde
ditaduras até anarquias; religioso – o mundo se aterroriza com o fundamentalismo religioso,
mas reconhece cada vez mais a importância da religiosidade e fé; psicológico – temos desde
o psicologismo até a total negação do que diz respeito à psique ou alma; e cultural – temos
desde gangues e tribos urbanas, até colônias rurais conscientemente isoladas do mundo.

Dessa forma, é difícil ter uma visão do todo e até criar um nome adequado para o tempo
presente, sendo que o “pós-modernismo”, na verdade, não passa de uma solução muito
precária e limitada. É verdade que o modernismo sobrevive em todas as esferas, mas há
elementos de difícil definição, realmente diferentes nesse período, devido à novidade do
contexto.

O que dizer do fenômeno dos jogos de videogame e das últimas gerações de simuladores de
realidade virtuais? Como avaliar a chamada “globalização”, que muitos também questionam

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como sendo um fenômeno inovador, encarando-o antes, como uma decorrência da evolução
"natural" e cíclica do capitalismo e da visão de mundo liberal.

Muitos desses temas serão aprofundados nas próximas unidades. Leia com atenção os
textos acrescentados a essa unidade, particularmente a de Marilena Chauí, e continue a
fazer suas anotações no caderno virtual, ou em um lugar físico, bons estudos e até a
próxima!

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U NIDADE 6
Lógica, é lógico!

Objetivo: Compreender sobre o significado da lógica que é a reflexão sobre as regras do bem
pensar.

Olá minha gente,

Hoje, que encerramos nosso panorama geral do desenvolvimento da filosofia ao longo da


história, vamos agora começar a tratar dos temas próprios da filosofia.

Um dos mais antigos, que começou já na Antiguidade com os céticos, como vimos e depois
foi reformulado pelos positivistas, é a lógica, ou seja, a reflexão sobre as regras do bem
pensar.

Não se trata de nenhuma ciência, mas antes, de uma ferramenta ou técnica, que para os
gregos, que ainda não tinham indústria e tecnologia, assumiu quase que o sentido oposto,
era sinônimo de arte (techné).

E ela fazia parte das chamadas artes liberais, das quais já falamos na unidade sobre os
clássicos da filosofia. Elas representavam as ferramentas básicas do pensamento e do
saber.

A lógica fazia parte do trivium (Gramática, Retórica, Lógica), que se articulava ao quadrivium
(Aritmética, Música, Astronomia, Geometria) no currículo básico adotado nas escolas, com
algumas variações, até a Idade Média, que depois foi retomado por idealizadores da
Reforma como João Calvino e João Amos Comênio.

Pode-se afirmar ainda que a lógica é uma metalinguagem, ou seja, uma linguagem sobre a
linguagem, que tem as suas regras próprias, como em um jogo, certo?

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A primeira regra é a da não contradição. Ou seja, não posso dizer que algo é uma coisa e
que não é ao mesmo tempo. Por exemplo: não posso dizer que a parede é (totalmente)
branca e, ao mesmo tempo, que não é ou então, que está chovendo e que não está.

Ou está chovendo, ou não, não é lógico? Ou, não posso dizer que fulano é paulistano e ao
mesmo tempo é pernambucano. Ou ele é paulistano ou pernambucano, certo?

Outra regra é a dos silogismos, como nos explica a professora Marilena Chauí (2000 200):

O silogismo é um conjunto de três juízos ou proposições que permite obter uma conclusão
verdadeira. Trata-se de um método dedutivo no qual, de duas premissas, deduz-se uma
conclusão. Por exemplo:

Todos os homens são mortais.

Sócrates é homem.

Logo, Sócrates é mortal.

Esse é o exemplo clássico da lógica dedutiva, ou seja, daquela que parte de uma totalidade,
de uma regra geral, tida como universal, para se chegar a uma conclusão, do tipo:

Todo A é B

C é A_____

Logo, C é B

As duas primeiras proposições chamam-se premissas e a última, conclusão. Uma das coisas
que não se pode admitir jamais, mas que infelizmente se comete aos montes em artigos de
jornal ou revistas populares é a chamada falácia.

Ela pode acontecer de pelo menos duas maneiras: partindo de premissas falsas (pelo menos
uma) para se chegar à conclusão logicamente correta, no entanto, falsa. Exemplo:

Todo brasileiro é paulistano,

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Jorge é brasileiro,

Logo, Jorge é paulistano.

É lógico que somente por ser brasileiro, isso já não significa que Jorge é necessariamente
paulistano, não é mesmo?

Ou então:

Todo nascido em São Paulo é paulistano,

Jorge Bush é nascido em São Paulo,

Logo, Jorge Bush é paulistano.

Usando esses exemplos fica até engraçado, hehehe. O outro erro que não se deve jamais
cometer é a inversão da lógica na segunda premissa, como em:

Todo paulistano é brasileiro, (Todo A é B)

Jorge é brasileiro, (C é B)

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Logo, Jorge é paulistano (Então, C é A)

Note que, mesmo se a conclusão for verdadeira, e Jorge for de fato paulistano, trata-se de
um sofisma, pela forma como o argumento foi construído. É claro que existe um sem-número
de outras regrinhas e erros lógicos, mas esses são os mais frequentes. Infelizmente não
temos tempo para isso agora, snif, snif. O problema dessa lógica, que funciona muito bem, é
com as premissas absolutas, que parecem cada vez mais incertas e raras no mundo
contemporâneo.

A outra é a chamada lógica indutiva, que abrange todas as conclusões a que chegamos
unicamente pela experiência ou empiricamente, que é a grande maioria. Nesse caso, ao
invés de partir do todo para chegar à parte ou ao silogismo, parte-se da parte, do incidente
ou fato ocorrido, para inferir dele um princípio geral.

Vou dar um exemplo. Faz de conta que um cientista maluco queira testar a cor dos cisnes de
uma determinada região. Então, ele vai lá, arma a sua barraquinha de observação no meio
da floresta e começa a observar e contar: um cisne branco, dois cisnes brancos, três cisnes
brancos e por aí a fora, até chegar a uma amostra que considerou significativa: “um milhão
de cisnes brancos”.

Aí foi correndo publicar suas conclusões que lhe renderam vários prêmios e elogios dos
fomentadores das suas pesquisas: “Todos os cisnes são brancos”. Essa conclusão fez com
que recebesse os maiores louros acadêmicos, por ter sido esperto o suficiente para
patentear a descoberta.

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Mas o que ele não suspeitava é que ele estava à beira da sua ruína…

Veja, anos depois de o nosso cientista maluco ter chegado à sua brilhante conclusão
empírica, um de seus discípulos resolve repetir a sua experiência e eis que um dia, repara
em um cisne que, pasmem: ...tinha uma mecha cor de rosa na cabeça! Rsrs. Entendeu o
drama? O problema da lógica indutiva, apesar de ser bastante eficiente, é sua fragilidade.

Como vocês já repararam, um método interessante de se ensinar lógica é o estudo de caso.


Nele é apresentada uma situação ilustrativa e exemplar, um “caso” da lei geral que se quer
demonstrar.

Vamos dar o exemplo do raciocínio tendencioso e, portanto, falacioso. Certa pesquisa na


área de educação investigava o seguinte problema:

“Qual a melhor forma de tratar os problemas e dificuldades de aprendizagem das crianças


do sistema escolar paulista, provenientes do nordeste?“

Numa primeira olhada, a pergunta parece bastante pertinente. Mas se prestarmos mais
atenção e desdobrarmos a pergunta, notaremos que ela parte de um pressuposto, tratado
como se fosse absoluto: (Todas) as crianças nordestinas têm problemas de linguagem.

Além da problemática sobre a língua padrão, que é bastante debatida entre os linguistas
brasileiros, sobre a forma correta de falar, o que está em jogo aqui é o problema do
preconceito racista. Quem disse que toda a criança nordestina tem problemas com a língua
portuguesa?

Esse tipo de pergunta é irrefutável, precisamente por conter uma afirmação oculta, absoluta
e inquestionável. Com isso, ela é viciada, pois tende a justificar-se com seu próprio
pressuposto, que vira conclusão da investigação:

A criança nordestina deve ser tratada, porque tem problemas com a língua estabelecida
como padrão, por sua vez porque é nordestina. Sugere-se assim, que a melhor forma de
“tratar” o seu problema é fazer com que ela deixe de ser nordestina, o que nos levaria ao
extermínio de todas as crianças nordestinas rsrs.

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Você deve estar rindo, pois parece engraçado, mas é exatamente esse tipo de raciocínio que
está por trás da filosofia nazista, do totalitarismo, do terrorismo e do fundamentalismo
religioso. E também pode contaminar o pensamento científico, como no caso acima citado.

Outro exemplo é o do charlatão religioso, que diz:

Se você contribuir suficientemente para os cofres da igreja, alcançará a prosperidade.

Você alcançou a prosperidade.

Logo, precisa contribuir mais com a igreja.

E se por acaso, você não alcançar a prosperidade, a conclusão será a mesma, pelo que o
religioso garante a dele...

Essa lógica falaciosa não se aplica somente ao campo religioso, mas a qualquer um, que
prometa o que não pode garantidamente
cumprir, por um preço que você pode pagar: o
político, que promete vantagens pelo seu voto;
o cientista, que promete a solução para todos
os problemas da humanidade; o médico que
promete a cura até para a morte.

Essa é a lógica dos “ismos”, ou “agens”:


“politicagem”, “cientificismo”, “consumismo”,
“chantagem”, etc.

Mas fique tranquilo, que essas não são as


únicas lógicas existentes, e nem os cientistas,
os únicos seres inteligentes ou malucos do
planeta, como veremos nas próximas
eletrizantes unidades. Até lá!

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U NIDADE 7
A metafísica

Objetivo: Compreender que a metafísica é a parte da filosofia que pergunta indaga a


essência ou natureza própria das coisas, em especial, do ser humano .Saber que meta
significa algo que se encontra para além do ordinário.

Olá minha gente,

Depois do nosso papo descontraído sobre a lógica, vamos nos entreter agora com outro
assunto “cabeludo” para alguns, pois não parece ter muita serventia. Mas trata-se de uma
das áreas mais importantes e mais ameaçadas no mundo pós-moderno. A metafísica é a
parte da filosofia que pergunta coisas do tipo:

O que são as coisas nesse mundo?

O que é um sujeito e o que, um objeto?

O que é o ser? O que é o nada, ou melhor, o não-ser?

O que é a consciência? E a subjetividade? Existe subjetividade sem objetividade?

Em resumo: trata-se da famosa pergunta de Hamlet em Shakespeare “Ser ou não ser, eis a
questão”. O que vem antes, o “ser” ou o “existir”. Ou, qual a essência ou natureza própria das
coisas, em especial, do ser humano?

Parece estranho, mas até a linguagem publicitária já usou essa ideia. Lembram da frase de
propaganda de anos atrás, “Coca-cola é o que é”?

Para o grego, o nada é o não ser; no lugar de objeto, ele fala em ente; em vez de
consciência ou alma ou então, em psique, que en- forma o ego.

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A subjetividade como a entendemos hoje só passou a ser discutida a partir de Agostinho.
Antes dele, a realidade se limitava ao que existe fora de nós.

Como você deve saber, meta significa algo que se encontra para além do ordinário. Uma
metáfora, por exemplo, é uma expressão ou imagem que significa algo mais ou além do seu
sentido literal.

Outro exemplo é a metamorfose ou metanóia (transformação), o metabolismo e a


metanarrativa. Eventualmente, ela pode ser substituída por outro prefixo, que é o trans, como
em transformação e transcendente.

Aliás, a metafísica investiga essencialmente tudo aquilo que transcende a física, ou seja, que
supera a física.

Aliás, ela vem de uma indagação pelo ser e origem das coisas e de todo universo, ou seja,
inclui a cosmologia. No grego, ta meta ta physika significa
literalmente: os escritos catalogados após os escritos da física.

O próprio Aristóteles considerava-a como Filosofia Primeira,


cujo tema é o estudo do “ser enquanto ser”. E ser, em latim,
traduz-se por esse, de onde deriva a palavra essentia. Chauí
elucida muito bem, em que sentido a filosofia consagrou a
metafísica:

Que quer dizer “vir antes”? Para Aristóteles, significa estar


acima dos demais, estar além do que vem depois, ser superior
ao que vem depois, ser a condição da existência e do
conhecimento do que vem depois. Ora, a palavra meta quer dizer isso mesmo: o que está
além de, o que está acima de, o que vem depois, mas no sentido de ser superior ou de ser a
condição de alguma coisa. Se assim é, então a palavra metafísica não quer dizer apenas o
lugar onde se encontram os escritos posteriores aos tratados de física, não indica um mero
lugar num catálogo de obras, mas significa o estudo de alguma coisa que está acima e além
das coisas físicas ou naturais e que é a condição da existência e do conhecimento delas...

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Metafísica, nesse caso, quer dizer aquilo que é condição e fundamento de tudo o que existe
e de tudo o que puder ser conhecido. (Chauí, 2000, 268).

Por exemplo, quando discutimos a pobreza, a metafísica vai além para discutir o que é a
vida, em que sentido a fome e outras dificuldades sociais podem ameaçá-la e assim por
diante. Podemos dividir a história da metafísica em três períodos, a saber:

1. Período que vai de Platão e Aristóteles (séculos IV e III a.C.) até David Hume (século
XVIII d.C.). Nessa época, a filosofia preocupava-se com a realidade das coisas. Para os
antecessores de Hume, as coisas tinham existência própria e um sentido externo, ou
seja, independente.

Entretanto, não se trata de uma realidade que possa ser conhecida pela experiência
direta ou pela mera observação, mas apenas pela
razão pura e pela conceituação abstrata. Trata-se
ainda de um conhecimento sistematizado, que parte do
pressuposto de que haja distinção entre ser e parecer,
entre realidade e aparência, cuja compreensão
depende do entendimento daquilo que se encontra
para além dela.

2. Período que vai de Kant (século XVIII) até a fenomenologia de Husserl (século XX).
Nesse segundo período, parte-se do pressuposto de que as conceituações metafísicas
não passam de nomes que damos às coisas que percebemos e sentimos, mas que não
têm realidade própria. Kant, pensador chave desse período, propõe a impossibilidade de
compreensão da realidade em si. Assim, ela não passa de uma reflexão sobre a nossa
capacidade de reflexão e compreensão das coisas.

Ele negou tanto a existência de uma “razão pura” ou totalmente teórica, quanto de uma
“razão ‘puramente’ prática”, propondo a existência de uma interação entre teoria e prática.
As coisas só existem “para nós”, como são experimentadas na prática e trabalhadas pela
mente.

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São fenômenos que se revelam a nós. Os nomenos, ou seres em si, as essências não
nos são cognoscíveis, mas são dadas a priori. Kant inspirou vários outros pensadores
europeus e americanos, inclusive os contemporâneos que terminaram de colocar a
metafísica como que “entre parêntesis”.

3. Metafísica contemporânea vai dos anos 20 aos anos 70 do século passado (XX). Hoje,
alguns preferem chamar a metafísica de ontologia, ou estudo do ser (ousia). Outros a
consideram a arqueologia da relação homem-mundo. Ela investiga as formas de
existência dos seres, ou seja, sua estrutura. Também é discutida a relação entre ser e
essência das coisas que se nos apresentam pelos sentidos, pela linguagem,
intersubjetividade, imaginação, memória, reflexão, ação moral e política, prática artística,
pelas técnicas, etc.

Por ter rejeitado a discussão dos universais, a ontologia moderna e contemporânea é


muitas vezes chamada de estruturalista ou descritiva, uma vez que descreve a forma
como se vê e percebe o mundo.

Essa nova forma de perguntar iniciou-se, não por acaso, no séc. XVII, com o chamado
“racionalismo clássico”. A pergunta central passou a ser: até que ponto podemos
conhecer a realidade? Todos os demais campos da filosofia e dos demais saberes
dependem dessa pergunta como critério para chegar a alguma conclusão sobre seus
objetos de estudo, em contraposição ao realismo clássico, que perguntava diretamente
pela realidade circundante.

Parmênides, a quem já nos referíamos na primeira unidade, foi um dos primeiros a discutir a
questão do ser. Para ele, o que percebemos pelos sentidos é puramente ilusório, composto
de aparências. Também não temos conhecimentos, e sim, opiniões sobre as coisas. Assim,
o ser é sempre o que é:

idêntico a si mesmo, imutável, eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e


visível apenas para o pensamento. Foi Parmênides o primeiro a dizer que a aparência
sensível das coisas da Natureza não possui realidade, não existe real e
verdadeiramente, não é. Contrapôs, assim, o Ser (On) ao Não-Ser (me On),

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declarando: o Não-Ser não é. A Filosofia é chamada por Parmênides de a Via da
Verdade (aletheia), que nega realidade e conhecimento à Via da Opinião (doxa), pois
esta se ocupa com as aparências, com o Não-Ser (Chauí, 2000, 269).

Já a física para eles, ocupa-se das coisas mutantes, ou seja, das coisas que passam de uma
condição de existência para outra e que se movem. E se moverem, elas não passam do nível
da aparência, sendo menos reais do que aquilo que permanece. Portanto, a física dedica-se
a estudar o devir, que vem antes do ser: o frio e o calor; os corpos em movimento; a saúde e
a doença; o seco e o molhado; o dia e a noite; etc.

Em sua lógica, Parmênides afirmava que a condição para se dizer alguma verdade é que o
ser seja idêntico a si (uno e não múltiplo) e que não seja, ao mesmo tempo, não-ser,
evitando-se a contradição. O ser é a verdade e o devir é o “não-ser”, portanto é ilusório.

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Para Heráclito, o que existe é o devir. O ser é que é ilusório. Então eles representam dois
pontos de vista diametralmente opostos sobre a realidade e o ser.

Se pedíssemos para que observassem uma bola em movimento, por exemplo, Parmênides
diria que o que está vendo é uma bola, ou melhor, a essência dela. Heráclito, em
contraposição, diria que o que está vendo é um movimento e que a bola não passava de
aparência ilusória e provisória desse movimento.

Platão procurou traçar um meio termo entre os dois posicionamentos antagônicos, admitindo
que

...Parmênides está certo ao exigir que a Filosofia devesse abandonar esse mundo
sensível e passar a ocupar-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível
apenas ao puro pensamento. O verdadeiro é o Ser, uno, imutável, idêntico a si
mesmo, eterno, imperecível, puramente inteligível. Eis por que a ontologia platônica
introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de dois mundos inteiramente
diferentes e separados: o mundo sensível da mudança, da aparência, do devir dos
contrários, e o mundo inteligível da identidade, da permanência, da verdade,
conhecido pelo intelecto puro, sem qualquer interferência dos sentidos e das opiniões.
O primeiro é o mundo das coisas. O segundo, o mundo das idéias ou das essências
verdadeiras. O mundo das idéias ou das essências é o mundo do Ser; o mundo
sensível das coisas ou aparências é o mundo do Não-Ser. O mundo sensível é uma
sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do mundo inteligível das idéias ou
essências. Notamos, aqui, uma diferença entre a ontologia de Parmênides e a de
Platão. Para o primeiro, o mundo sensível das aparências é o Não-Ser em sentido
forte, isto é, não existe, não é, não tem realidade nenhuma, é o nada. Para Platão,
porém, o Não-Ser não é o puro nada. Ele é alguma coisa. O que ele é? Ele é o outro
(alienus) do Ser, o que é diferente do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos engana e
nos ilude, a causa dos erros. Em lugar de ser um puro nada, o Não-Ser é um falso ser,
uma sombra do Ser verdadeiro, aquilo que Platão chama de pseudo-Ser. O Não-Ser é
sensível. (Chauí, 2000, 270-1)

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O mito da caverna, que estudamos na segunda unidade é bem ilustrativo dessa concepção.
Mas Platão não concordava com Parmênides quando ele dizia que as essências são unas.
Para ele há tantas essências quanto há entes.

Com isso Platão estabelece um dualismo entre o quê ou quididade, a forma sensível de algo
e seu ser ou sua essência invisível e perfeita.

Este módulo, por exemplo, pode-se


dizer que tem um quê de filosofia,
mas não se pode dizer que se trata
de filosofia pura. Mas isso seria
inteiramente inadmissível para
Parmênides:

O sensível é, pois, uma imitação


imperfeita do inteligível: as coisas
sensíveis são imagens das ideias,
são não-seres tentando inutilmente
imitar a perfeição dos seres
inteligíveis.

Cabe à Filosofia passar das cópias imperfeitas aos modelos perfeitos, abandonando as
imagens ou aparências pelas essências, e as opiniões pelas ideias. O pensamento deve
passar da instabilidade contraditória das coisas sensíveis à identidade racional das coisas
inteligíveis, à identidade das ideias que são a realidade, o ser, o to on. Como passamos das
coisas sensíveis, das cópias, imagens ou opiniões às ideias ou essências? (Chauí, 2000,
272)

Eis aí uma pergunta quase insolúvel para os platônicos. Já Aristóteles nega o dualismo entre
mundo sensível (ilusório) e mundo das ideias (real), quando propõe que todos os seres,
exceto o Primum Móbile ou Ato Puro, são compostos de ato e potência. Ou seja, estão num
constante processo de “vir-a-ser”, que é o sentido mais profundo e transcendente do devir.

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1. Diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles não julga o mundo das coisas
sensíveis, ou a Natureza, um mundo aparente e ilusório. Pelo contrário, é um mundo real
e verdadeiro cuja essência é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança
incessante.

Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir como ilusões ou sombras do verdadeiro


Ser, Aristóteles afirma que o ser da Natureza existe, é real, que seu modo próprio de
existir é a mudança e que esta não é uma contradição impensável. É possível uma
ciência teorética verdadeira sobre a Natureza e a mudança: a física. Mas é preciso,
primeiro, demonstrar que o objeto da física é um ser real e verdadeiro e isso é tarefa da
Filosofia Primeira ou da metafísica.

2. Diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles considera que a essência


verdadeira das coisas naturais e dos seres humanos e de suas ações não está no mundo
inteligível, separado do mundo sensível, onde as coisas físicas ou naturais existem e
onde vivemos.

As essências, diz Aristóteles, estão nas próprias coisas, nos próprios homens, nas
próprias ações e é tarefa da Filosofia conhecê-las ali mesmo onde existem e acontecem.

Como conhecê-las? Partindo da sensação até alcançar a intelecção.

A essência de um ser ou de uma ação é


conhecida pelo pensamento, que capta as
propriedades internas desse ser ou dessa
ação, sem as quais ele ou ela não seriam
o que são.

A metafísica não precisa abandonar este


mundo, mas, ao contrário, é o
conhecimento da essência do que existe
em nosso mundo. O que distingue a
ontologia ou metafísica dos outros saberes

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(isto é, das ciências e das técnicas) é o fato de que nela as verdades primeiras ou os
princípios universais e toda e qualquer realidade são conhecidos direta ou indiretamente
pelo pensamento ou por intuição intelectual, sem passar pela sensação, pela imaginação
e pela memória.

3. Ao se dedicar à Filosofia Primeira ou metafísica, a Filosofia descobre que há diferentes


tipos ou modalidades de essências ou de ousiai.

Existe a essência dos seres físicos ou naturais (minerais, vegetais, animais, humanos),
cujo modo de ser se caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e desaparecer –
são seres em devir e que existem no devir.

Existe a essência dos seres matemáticos, que não existem em si mesmos, mas existem
como formas das coisas naturais, podendo, porém, ser separados delas pelo pensamento
e ter suas essências conhecidas; são seres que, por essência, não nascem não mudam
não se transformam nem perecem, não estando em devir nem no devir.

Existe a essência dos seres humanos, que compartilham com as coisas físicas o surgir, o
mudar e o desaparecer, compartilhando com as plantas e os animais a capacidade para
se reproduzir, mas distinguindo-se de todos os outros seres por serem essencialmente
racionais, dotados de vontade e de linguagem... E, finalmente, existe a essência de um
ser eterno, imutável, imperecível, sempre idêntico a si mesmo, perfeito, imaterial,
conhecido apenas pelo intelecto, que o conhece como separado de nosso mundo,
superior a tudo que existe, e que é o ser por excelência: o ser divino.

À essência, entendida sob essa perspectiva universal, Aristóteles dá o nome de


substância: o substrato ou o suporte permanente de qualidades ou atributos necessários
de um ser. A metafísica estuda a substância em geral. (Chauí, 2000, 277-278).

Aristóteles criou conceitos relativos ao ser cujas combinações propõem-se a dar conta ad
infinitum da totalidade do real (ou pelo menos, tentam dar). Resumidamente, então

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A metafísica investiga:

 Aquilo sem o que não há seres nem conhecimento dos seres: os três princípios lógico-
ontológicos (identidade, não-contradição e terceiro excluído) e as quatro causas
(material, formal, eficiente e final);

 Aquilo que faz um ser ser necessariamente o que ele é: matéria, potência, forma e ato;

 Aquilo que faz um ser ser necessariamente como ele é: essência e predicados ou
categorias;

 Aquilo que faz um ser existir como algo determinado: a substância individual
(substância primeira) e a substância como gênero ou espécie (substância segunda).
(Chauí, 2000, 281-282)

Mais adiante, a autora descreve os esforços dos cristãos, desde a Idade Média, até a
modernidade, de usar a metafísica para evangelizar o mundo. Na Idade Média, por exemplo,
criou-se a ideia de “transcendentais do ser”, ou seja, ideias que são equivalentes ao ser ou
derivadas dele, que seriam seis: a unidade (ou uno), o verdadeiro, o bom, o belo, o quê (ou
qüididade) e o real. Muitas vezes acontecem “coincidências” entre esses transcendentais no
nosso linguajar cotidiano. Por exemplo, quando queremos dizer que um trabalho é bom,
dizemos: “que belo trabalho” ou simplesmente “que trabalho?” ou “esse é o trabalho.”.

Quando dizemos para alguém “cair na real”, queremos dizer que é para ele ver “as coisas
como são”. Tomás de Aquino contribui para a metafísica ao conceber o hilemorfismo, ou
seja, a fusão da forma com a matéria.

Para ele, a realidade é cognoscível, mas apenas imperfeitamente ao olho humano. Se Deus
enxerga o mundo como nosso olho à luz do sol, nós o enxergamos como a ave noturna.

Ele é por demais luminoso para conseguirmos abarcá-lo por inteiro. Muito menos à realidade
criada. Daí a necessidade de dividi-lo em categorias. Mas os cristãos não são os únicos
religiosos a usarem a metafísica como base para suas doutrinas. Mais adiante, falaremos de
algumas religiões mundiais, sua metafísica, cosmovisão e ética. Até lá!

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U NIDADE 8
Filosofia da Ciência I

Objetivo: . Distinguir o que é ciência e senso comum; que os conhecimentos que veiculam
geralmente não se chamam ciência e sim, senso comum, pois não representam nenhum
método ou técnica, mas são meros meios de expressão do que o povo, de uma forma geral
pensa.

Gente boa,

Espero que depois dos “casos” que estudamos na aula passada, você tenha ficado mais
esperto com o que lê por aí nas revistas e jornais e com o que ouve na TV. Como
aprendemos anteriormente, vivemos hoje em meio a um grande emaranhado de
conhecimentos e uma pluralidade de saberes.

E os professores se sentem cada vez menos preparados para ministrar ou até administrá-los.
Os conhecimentos que esses meios veiculam geralmente não se chamam ciência e sim,
senso comum, pois não representam nenhum método ou técnica, mas são meros meios de
expressão do que o povo, de uma forma geral pensa.

Alguns séculos atrás, por


exemplo, achava-se que a terra
era quadrada, que o sol girava em
torno da Terra e que o mesmo era
menor do que o nosso planeta.

Hoje, grande parte das pessoas já


tem acesso aos conhecimentos
científicos veiculados pela escola
e meios de comunicação, porém,

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muitos ainda vivem mais baseados em pesquisas de opinião, boatos e lendas rurais e
urbanas, do que na ciência.

Acreditava-se inquestionavelmente na criação do ser humano e do mundo como ele se


encontra hoje, com sua estrutura familiar, ética e código de conduta, em sete dias, a partir do
nada.

Hoje, a ciência questiona isso tudo e propõe alternativas para tais crenças. Ela mostra que a
ideia de família, raça, economia e de educação são recentíssimas e não existiam há alguns
séculos atrás.

Chauí estabelece alguns sinais típicos dos conhecimentos que hoje denominamos senso
comum:

 São subjetivos, isto é, exprimem sentimentos e opiniões individuais e de grupos,


variando de uma pessoa para outra, ou de um grupo para outro, dependendo das
condições em que vivemos. Assim, por exemplo, se eu for artista, verei a beleza da
árvore; se eu for marceneira, a qualidade da madeira; se estiver passeando sob o Sol,
a sombra para descansar; se for boia-fria, os frutos que devo colher para ganhar o
meu dia. Se eu for hindu, uma vaca será sagrada para mim; se for dona de um
frigorífico, estarei interessada na qualidade e na quantidade de carne que poderei
vender;

 São qualitativos, isto é, as coisas são julgadas por nós como grandes ou pequenas
doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou velhas, belas ou feias, quentes ou frias,
úteis ou inúteis, desejáveis ou indesejáveis, coloridas ou sem cor, com sabor, odor,
próximas ou distantes, etc.;

 São heterogêneos, isto é, referem-se a fatos que julgamos diferentes, porque os


percebemos como diversos entre si. Por exemplo, um corpo que cai e uma pena que
flutua no ar são acontecimentos diferentes; sonhar com água é diferente de sonhar
com uma escada, etc.;

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 São individualizadores por serem qualitativos e heterogêneos, isto é, cada coisa ou
cada fato nos aparece como um indivíduo ou como um ser autônomo: a seda é macia,
a pedra é rugosa, o algodão é áspero, o mel é doce, o fogo é quente, o mármore é
frio, a madeira é dura, etc.;

 Mas também são generalizadores, pois tendem a reunir numa só opinião ou numa só
ideia coisas e fatos julgados semelhantes: falamos dos animais, das plantas, dos
seres humanos, dos astros, dos gatos, das mulheres, das crianças, das esculturas,
das pinturas, das bebidas, dos remédios, etc.;

 Em decorrência das generalizações, tendem a estabelecer relações de causa e efeito


entre as coisas ou entre os fatos: “onde há fumaça, há fogo”; “quem tudo quer, tudo
perde”; “dize-me com quem andas e te direi quem és”; a posição dos astros determina
o destino das pessoas; ingerir sal
quando se tem tontura é bom para a pressão; menino de rua é delinquente, etc.;

 Não se surpreendem e nem se admiram com a regularidade, constância, repetição e


diferença das coisas, mas, ao contrário, a admiração e o espanto se dirigem para o
que é imaginado como único, extraordinário, maravilhoso ou miraculoso. Justamente
por isso, em nossa sociedade, a propaganda e a moda estão sempre inventando o
“extraordinário”, o “nunca visto”;

 Pelo mesmo motivo e não por compreenderem o que seja investigação científica,
tendem a identificá-la com a magia, considerando que ambas lidam com o misterioso,
o oculto, o incompreensível.

 Essa imagem da ciência como magia aparece, por exemplo, no cinema, quando os
filmes mostram os laboratórios científicos repletos de objetos incompreensíveis, com
luzes que acendem e apagam, tubos de onde saem fumaças coloridas, exatamente
como são mostradas as cavernas ocultas dos magos. Essa mesma identificação entre
ciência e magia aparece num programa da televisão brasileira, o Fantástico, que,
como o nome indica, mostra aos telespectadores resultados científicos como se fosse
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espantosa obra de magia, assim como exibem magos ocultistas como se fossem
cientistas;

 Costumam projetar nas coisas ou no mundo sentimentos de angústia e de medo


diante do desconhecido. Assim, durante a Idade Média, as pessoas viam o demônio
em toda a parte e, hoje, enxergam discos voadores no espaço;

 Por serem subjetivos, generalizadores, expressões de sentimentos de medo e


angústia, e de incompreensão quanto ao trabalho científico, nossas certezas
cotidianas e o senso comum de nossa sociedade ou de nosso grupo social
cristalizam-se em preconceitos com os quais passamos a interpretar toda a realidade
que nos cerca e todos os acontecimentos. (Chauí, 2000, 316-7)

Mas o que, de fato, distingue o senso


comum da ciência? Na verdade, não
é tanto uma definição, pois hoje em
dia, está-se descobrindo a verdade
científica de vários saberes do senso
comum, como remédios caseiros,
plantas medicinais e conhecimentos
sobre a saúde e o cosmo. Trata-se
antes de uma atitude reflexiva e
crítica. Reflexiva, porque dá mostras
claras de consciência, coisa que os
animais não demonstram ter.

Mesmo o ser humano só começa a


se reconhecer, depois de certa idade
na infância, refletido no espelho. A
criança de colo e o animal não conseguem fazer isso porque não têm consciência de si.
Agostinho chamou essa consciência de “Mestre Interior”, Freud dividiu-a em “ego”,

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“superego” e “id”; Jung, de self. É esse mestre que consultamos quando avaliamos as coisas
de acordo com nossos padrões de julgamento.

A crítica, por outro lado, é a malha da rede, ou fibra do filtro pelo qual fazemos passar as
coisas: ela não pode ser fina demais, para reter o que não presta, e nem demasiado larga,
para deixar passar o que é válido e verdadeiro. Trata-se de um “desconfiômetro”, por assim
dizer, que transforma aparentes certezas em incertezas; afirmações em perguntas, soluções
em problemas.

Chauí estabelece os seguintes contrapontos do senso comum em relação ao conhecimento


científico:

 É objetivo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias das coisas investigadas;

 É quantitativo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de comparação e avaliação para


coisas que parecem ser diferentes. Assim, por exemplo, as diferenças de cor são
explicadas por diferenças de um mesmo padrão ou critério de medida, o comprimento das
ondas luminosas; as diferenças de intensidade dos sons, pelo comprimento das ondas

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sonoras; as diferenças de tamanho, pelas diferenças de perspectiva e de ângulos de
visão, etc.;

 É homogêneo, isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos, que são as
mesmas para fatos que nos parecem diferentes. Por exemplo, a lei universal da
gravitação demonstra que a queda de uma pedra e a flutuação de uma pluma obedecem
à mesma lei de atração e repulsão no interior do campo gravitacional; a estrela da manhã
e a estrela da tarde são o mesmo planeta, Vênus, visto em posições diferentes com
relação ao Sol, em decorrência do movimento da Terra; sonhar com água e com uma
escada é ter o mesmo tipo de sonho, qual seja, a realização dos desejos sexuais
reprimidos, etc.;

 É generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas


leis, aos mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma
estrutura. Assim, por exemplo, a química mostra que a enorme variedade de corpos se
reduz a um número limitado de corpos simples que se combinam de maneiras variadas,
de modo que o número de elementos é infinitamente menor do que a variedade empírica
dos compostos;

 São diferenciadores, pois não reúnem nem generalizam por semelhanças aparentes, mas
distinguem os que parecem iguais, desde que obedeçam a estruturas diferentes.
Lembremos aqui um exemplo que usamos no capítulo sobre a linguagem, quando
mostramos que a palavra queijo parece ser a mesma coisa que a palavra inglesa cheese
e a palavra francesa fromage, quando, na realidade, são muito diferentes, porque se
referem a estruturas alimentares diferentes;

 Só estabelecem relações causais depois de investigar a natureza ou estrutura do fato


estudado e suas relações com outros semelhantes ou diferentes. Assim, por exemplo, um
corpo não cai porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do campo
gravitacional onde se encontra – é por isso que, nas naves espaciais, onde a gravidade é
igual a zero, todos os corpos flutuam, independentemente do peso ou do tamanho; um

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corpo tem certa cor não porque é colorido, mas porque, dependendo de sua composição
química e física, reflete a luz de uma determinada maneira, etc.;

 Surpreende-se com a regularidade, a constância, a frequência, a repetição e a diferença


das coisas e procura mostrar que o maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um
caso particular do que é regular, normal, frequente. Um eclipse, um terremoto, um
furacão, embora excepcionais, obedecem às leis da física. Procura, assim, apresentar
explicações racionais, claras, simples e verdadeiras para os fatos, opondo-se ao
espetacular, ao mágico e ao fantástico;

 Distingue-se da magia. A magia admite uma participação ou simpatia secreta entre coisas
diferentes, que agem umas sobre as outras por meio de qualidades ocultas e considera o
psiquismo humano uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores (planetários,
astrais, angélicos, demoníacos) para provocar efeitos inesperados nas coisas e nas
pessoas. A atitude científica, ao contrário, opera um desencantamento ou
desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas
e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser
transmitidos a todos;

 Afirma que, pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do medo e das superstições,
deixando de projetá-los no mundo e nos outros;

 Procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias


em doutrinas, e destas em preconceitos sociais. O fato científico resulta de um trabalho
paciente e lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo
nem um mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o mundo. Os fatos ou
objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana,
mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Esta é um conjunto de
atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em métodos que
permitem e garantem:

 Separar os elementos subjetivos e objetivos de um fenômeno;

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 Construir o fenômeno como um objeto do conhecimento, controlável, verificável,
interpretável e capaz de ser retificado e corrigido por novas elaborações;

 Demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das


relações definidas entre os fatos estudados; a demonstração deve ser feita não só para
verificar a validade dos resultados obtidos, mas também para prever racionalmente novos
fatos como efeitos dos já estudados;

 Relacionar com outros fatos um fato isolado, integrando-o numa explicação racional
unificada, pois somente essa integração transforma o fenômeno em objeto científico, isto
é, em fato explicado por uma teoria;

 Formular uma teoria geral sobre o conjunto dos fenômenos observados e dos fatos
investigados, isto é, formular um conjunto sistemático de conceitos que expliquem e
interpretem as causas e os efeitos, as relações de dependência,

 Identidade e diferença entre todos os objetos que constituem o campo investigado.


Delimitar ou definir os fatos a investigar, separando-os de outros semelhantes ou
diferentes; estabelecer os procedimentos metodológicos para observação,
experimentação e verificação dos fatos; construir instrumentos técnicos e condições de
laboratório específicas para a pesquisa;
elaborar um conjunto sistemático de
conceitos que formem a teoria geral dos
fenômenos estudados, que controlem e
guiem o andamento da pesquisa, além de
ampliá-la com novas investigações, e
permitam a previsão de fatos novos a partir
dos já conhecidos: esses são os pré-
requisitos para a constituição de uma
ciência e as exigências da própria ciência.
(Chauí, 2000, 318-320)

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Assim, a ciência se destaca pelo compromisso com a verdade, baseada em pesquisas,
investigações metódicas e sistemáticas e na submissão das mesmas ao crivo da
comunidade acadêmica, que a testa com
todo o rigor. E o que distingue uma
teoria advinda do senso comum, por
exemplo, de que “todo político é
corrupto” (que é mais prática, do que
teórica, rsrsrs) de uma “teoria científica”?
Ao ver de Chauí, é o fato de se tratar de
um sistema ordenado e coerente de
proposições ou enunciados baseados em um pequeno número de princípios, cuja finalidade
é descrever, explicar e prever do modo mais completo possível um conjunto de fenômenos,
oferecendo suas leis necessárias. A teoria científica permite que uma multiplicidade empírica
de fatos aparentemente muito diferentes seja
compreendida como semelhantes e submetidos
às mesmas leis; e, vice-versa, permite
compreender por que fatos aparentemente
semelhantes são diferentes e submetidos a leis
diferentes. (Chauí, 320)

E então, conseguiu identificar alguns saberes que


você tem do senso comum? E os científicos? Às
vezes é difícil de distinguir, não é? E como essa
distinção é importante, particularmente para o
futuro professor, continuaremos com esse
assunto na unidade que vem. Até lá!

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U NIDADE 9
Filosofia da ciência II

Objetivo: Saber que antes de se tornar distintamente “científico”, o conhecimento humano foi
sistematizado, pelo pensador desde o primeiro período da história da filosofia: Aristóteles.

Minha gente,

Que bom “ver” vocês de novo! Bem-vindos a mais uma unidade eletrizante de Filosofia e
Políticas Públicas Educacionais

Lembram do que comentávamos sobre o esquema de classificação da ciência de Descartes?

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Na unidade passada, discutimos um pouco a diferença existente entre a ciência e o senso
comum. Mas essa distinção não veio do nada, ela mesma tem uma história.

A história da ciência acontece ciclicamente, como vemos no texto de Thomas Kuhn,


passando por pelo menos três fases, muitas vezes sobrepostas, quais sejam:

 A racionalista, para a qual a ciência é um conhecimento racional dedutivo e


demonstrativo que tinha a matemática por modelo de objetividade e exatidão, e que
perdura da Antiguidade até o século XVII;

 A empirista, para a qual a ciência é uma interpretação dos fatos, baseada em


observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, resultam na
definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento, tomando por
modelo de objetividade a medicina grega e da história natural do século XVII, indo que
vai da Antiguidade de Hipócrates e Aristóteles até o século XIX;

 E mais recentemente, desde o séc. XX, a estruturalista ou construtivista, que vê a


ciência como um constructo, que só pode ser tido como ciência, por mostrar-se
coerente; seguir modelos e ser capaz de superá-los. Essa nova concepção que
questiona a realidade externa e objetiva, na qual as outras duas acreditam, tem seu
modelo de objetividade depositado na ideia de representação e das verdades
científicas como dotadas de valor apenas aproximativo e descritivo e não exato ou
certo.

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Fonte: MASSONI, Neusa Teresinha e MOREIRA, Marco Antonio, “O Cotidiano da Sala de Aula de uma Disciplina de História E
Epistemologia Da Física Para Futuros Professores de Física” Porto Alegre: Instituto De Física – UFRGS recebido em 21.11.2005; aceito
Em 26.03.2007, disponível em

http://Www.If.Ufrgs.Br/Public/Ensino/Vol12/N1/V12_N1_A1.htm

Antes de se tornar distintamente “científico”, o conhecimento humano foi sistematizado, por


esse mesmo pensador que conhecemos na segunda unidade e que vem do primeiro período
da história da filosofia: o tal de Aristóteles. Como vimos anteriormente, ele se encarregou de
chamar a teologia de mãe de todas as ciências e a filosofia, de sua rainha.

Não é para menos que filosofia significa literalmente, amante (filos) ou devoto, da sabedoria
(sofia). Ele atribuía a ela o papel de ser a ciência de todas as ciências. E a ciência,
comparada a outros tipos de saber, como o senso comum, a arte e a religião, destaca-se por
ter uma positividade, ou seja, um objeto de estudo, e pelo uso de um método científico
sistematizado para dissecá-lo.

Um deles é a lógica, com a qual se imaginava poder comprovar a verdade das coisas. Em
seu Organum, que mais tarde foi chamado de Metafísica (para além da física), ele classifica
as ciências nas áreas já estudadas.

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Francis Bacon, o homem de estado e filósofo inglês, procura ampliá-las em seu Novum
Organum (1621).

Temos hoje uma distinção semelhante, mas bem mais complexa: ciências exatas, incluindo a
matemática, a geometria e as engenharias e suas subáreas; as ciências da natureza ou
naturais, como a biologia, medicina, química, física e suas subáreas; e as ciências humanas,
que envolvem a filosofia, a história, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a educação e
hoje até a teologia e suas subáreas.

Quanto às ciências naturais, é importante notar que ela estuda os fatos físicos e vitais
observáveis, estabelecendo leis que exprimem relações necessárias e universais entre eles.
Sua concepção de natureza é a de um todo articulado de relações e interdependências,
visando identificar as constantes entre as mesmas, aumentando assim a capacidade de
previsão dos fenômenos naturais. A experimentação e pesquisa constantes são as melhores
armas dos cientistas dessa área contra eventuais equívocos e seus métodos são
basicamente dois:

Hipotético-indutivo: O cientista observa inúmeros fatos variando as condições da


observação; elabora uma hipótese e realiza novos experimentos ou induções para confirmar
ou negar a hipótese; se esta for confirmada, chega-se à lei do fenômeno estudado.

Hipotético-dedutivo: tendo chegado à lei, o cientista pode formular novas hipóteses,


deduzidas do conhecimento já adquirido, e com elas prever novos fatos, ou formular novas
experiências, que o levam a conhecimentos novos. A lei científica obtida por via indutiva ou
dedutiva permite descrever, interpretar e compreender um campo de fenômenos
semelhantes e prever novos, a partir dos primeiros. (Chauí, 2000, 336).

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A grande luta atual desse campo é travada entre os que acreditam nas leis necessárias e na
realidade objetiva e os que crêem no acaso. Ambos têm um inimigo comum, o determinismo,
que pode ser assim resumido:

 Dado um fenômeno, sempre será possível determinar sua causa necessária;

 Conhecido o estado atual de um conjunto de fatos, sempre será possível conhecer o


estado subsequente, que será seu efeito necessário. Em outras palavras, o
determinismo afirma que podemos conhecer as causas de um fenômeno atual (isto é,
o estado anterior de um conjunto de fatos) e os efeitos de um fenômeno atual (isto é, o
estado posterior de um conjunto de fatos). (idem, idem)

Os deterministas acreditam ainda, que a causalidade é uma regra universal, um dogma. Para
citar apenas dois exemplos de determinismo, temos as teorias Freudianas, segundo as quais
todo o comportamento humano pode ser explicado com base em motivações e impulsos
sexuais recalcados e inconscientes ao sujeito.

Ora, se tais impulsos são inconscientes, como seria possível estudá-los ou sequer ter
alguma certeza sobre sua real existência? O outro é o marxismo ou materialismo histórico,
segundo o qual toda e qualquer sociedade vive em função do princípio da exploração da
mais-valia pela classe dominante e da luta de classes. Querer avaliar ou provar a existência
da ideologia e seu conteúdo é tão complicado quanto querer provar ou decifrar o
inconsciente.

Graças à física contemporânea, entretanto, temos resgatada a ideia de acaso e


indeterminação. Leia o texto de Chauí sobre esse assunto e veja como ele abalou toda a
ciência. Até o campo da matemática sofreu influências com a sua teoria dos fractais, bem
como pesquisas recentes da matemática aplicada ao webdesign, desenho industrial e
eletrônico e à informática.

Já as ciências humanas são por si só mais complexas, pois trata do ser humano, estudando
a si mesmo. Como ele pode ter certeza de alguma coisa a respeito de si mesmo, sem
recorrer a nada externo e sem interferir na coisa estudada e observada, principalmente

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considerando que essa coisa é ele mesmo? Até então, a filosofia limitava-se à atividade
auto-reflexiva.

E essa ideia é ainda recente, advinda do séc. XIX. De uma maneira geral, todas as ciências
humanas são “recentes”. Chegou o momento até em que se questionou a própria
possibilidade de se fazer ciência com esse objeto, pelo que todas as ciências humanas
ficaram sob suspeita, gerando uma “crise geral de positividade”. Ela ocorreu na
administração, na pedagogia, na psicologia (e acontece até hoje na psicanálise),
amenizando-se somente na pós-modernidade.

Como observar-experimentar, por exemplo, uma cultura e diferenciá-la da outra, sem incorrer
em viés e preconceito? Como perscrutar a consciência humana, o objeto da psicologia? Ou
investigar uma época passada, objeto da história?

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Vê-se por esses poucos exemplos, a dificuldade de aplicação direta do método científico
para o estudo do homem. Seria como querer realizar uma cirurgia em si mesmo, usando
nada mais do que um espelho. E a pergunta que não cala: “Como dar uma explicação
científica necessária àquilo que, por essência, é contingente,
pois é livre e age por liberdade?... Como transformá-lo em
objetividade, sem destruir sua principal característica, a
subjetividade?” (Chauí, 2000, 347)

Esses e outros desafios se colocaram às ciências humanas,


que apresentaram e continuam apresentando as seguintes
tendências, sendo que as últimas três causaram uma
verdadeira revolução, dividindo o campo em subáreas:

 Humanismo – a crença nos ideais da dignidade humana e na civilização, promovida


pela conduta ética e moral e pelas ciências naturais entendidas como controle da
natureza e como modelo para as ciências humanas.

 Positivismo – seu maior expoente é Augusto Comte, para quem as sociedades


evoluem de maneira piramidal e progressiva, sendo que a base da pirâmide são as
sociedades teológicas, que acreditam em um Deus, a parte intermediária é a
sociedade metafísica e o pico são as sociedades que acreditam na ciência, as
positivas.

“Comte enfatiza a idéia do homem como um ser social e propõe o estudo científico da
sociedade: assim como há uma física da Natureza, deve haver uma física do social, a
sociologia, que deve estudar os fatos humanos usando procedimentos, métodos e
técnicas empregados pelas ciências da Natureza.“ (Chauí, 2000, 347-348)

 Historicismo – Desenvolvido no final do século XIX e início do século XX, essa


tendência tem o idealismo alemão (Kant, Fichte, Schelling, Hegel) como precursor e
Dilthey, filósofo e historiador alemão, por expoente. Ele chamou as ciências humanas
de ciências do espírito ou culturais, enfocando com persistência a diferença entre
homem e natureza e entre ciências naturais e humanas.
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Elas não devem usar os mesmos métodos observacionais das ciências naturais, já
que as ciências humanas seguem uma “causalidade histórica” ou temporal. Os
defensores dessa linha acreditavam que todos os fatos sociais, psicológicos,
religiosos e políticos tinham as mesmas causas, alterando apenas a visão de mundo
de cada uma. Eles viviam em conflito entre o relativismo e a subordinação à filosofia
da história.

 Relativismo – os adeptos dessa linha não acreditam em leis universalizáveis ou em


absolutos. Seu principal expoente é Einstein, embora sua teoria fosse antes de tudo,
física. Ele constatou, por exemplo, que a velocidade de um corpo depende do seu
ponto de referência no espaço.

Afinal, tudo, essa mesa, esse prédio, você e eu, estamos sempre em movimento, uma
vez que vivemos em um planeta e um universo em movimento. Essa teoria foi quase
que imediatamente aplicada às ciências humanas, gerando alguns equívocos
históricos como o relativismo cultural e ético.

 Filosofia da História – os defensores dessa tendência acreditam em um processo


histórico universal, a que até a ciência se subordina. O sociólogo Max Weber inventou
a teoria de “que as ciências humanas – no caso, a sociologia e a economia –
trabalhassem seus objetos como tipos ideais e não como fatos empíricos.

O tipo ideal , como o nome indica, oferece construções conceituais puras, que
permitem compreender e interpretar fatos particulares observáveis. Assim, por
exemplo, o Estado se apresenta como uma forma de dominação social e política sob
vários tipos ideais (dominação carismática, dominação pessoal burocrática, etc.),
cabendo ao cientista verificar sob qual tipo encontra-se o caso particular investigado.”
(Chauí, 2000, 348)

 Estruturalismo – Essa tendência criou uma alternativa para que o mecanicismo das
ciências naturais fosse aplicado diretamente na pesquisa do ser humano, encarando
as realidades como estruturas, que se pode observar e descrever a partir “de fora”.

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E tais observações são relativas ao observador, que, ora enfoca uma perspectiva, ora
outra, sem que as duas sejam necessariamente contraditórias. Um dos maiores
expoentes dessa linha, que valoriza muito a percepção, foi o antropólogo C. Lévi-
Strauss, que também realizou pesquisas no Brasil.

Chauí descreve as estruturas como:

“sistemas que criam seus próprios elementos, dando a estes sentido pela posição e
pela função que ocupam no todo. As estruturas são totalidades organizadas segundo
princípios internos que lhes são próprios e que comandam seus elementos ou partes,
seu modo de funcionamento e suas possibilidades de transformação temporal ou
histórica. Nelas, o todo não é a soma das partes, nem um conjunto de relações
causais entre elementos isoláveis, mas é um princípio ordenador, diferenciador e
transformador. Uma estrutura é uma totalidade dotada de sentido. O modo como cada
um desses sistemas ou estruturas parciais se organiza e se relaciona com os outros

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define a estrutura geral e específica de uma sociedade “primitiva”, que pode, assim,
ser compreendida e explicada cientificamente.” ” (Idem, idem)

Uma vertente específica do estruturalismo é a do

Marxismo - De acordo com essa abordagem do ser humano, principalmente do ponto de


vista sócio-político, os fatos humanos são instituições sociais e históricas, organizadas em
superestrutura, a chamada ideologia, e infraestrutura, geradas pela luta de classes e pela
dominação, numa analogia à sobrevivência do mais forte na natureza.

Essa tendência trouxe uma grande contribuição particularmente à sociologia, à economia e à


história. A filosofia marxista influenciou fortemente a educação, na medida em que alguns
pensadores russos como Lênin e Illich (Sociedade sem Escolas) e Althusser, do lado
ocidental, desvendavam a escola como sendo um “aparelho reprodutor do Estado” e que
todo professor do sistema capitalista veicularia a ideologia da classe dominante.

Então, alguns defendiam melhor destruir o sistema existente, expurgá-lo, por assim dizer, e
voltar à educação primitiva familiar e no ambiente de trabalho. No Brasil, essa teoria
redundou na tendência crítico-social dos conteúdos, que procura encontrar, apoiado no
italiano Gramsci, uma síntese entre os conteúdos tradicionalmente ministrados e o
comprometimento do professor e da instituição com a causa dos trabalhadores e
despossuídos, funcionando como “intelectual orgânico”.

Outra vertente que fez grandes avanços na linha estruturalista foi a da Gestalt, com seus
experimentos de percepção figura-fundo. Um dos seus maiores expoentes, Victor Frankl,
desenvolveu o que chamou de “logoterapia”, ou terapia do sentido da vida e dos projetos
vitais. Dessa linha surgiram muitas filosofias que usam a dinâmica de grupo como método
filosófico e psicológico.

Fenomenologia – essa tendência acredita na objetividade das coisas, embora também


estabeleça uma diferença nítida entre a esfera ou região do humano e a da natureza.
Acontece que essa realidade só pode ser entendida em forma de fenômeno ou manifestação
e não, como meros fatos.

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Assim, ela garantiu às ciências humanas a existência e a especificidade de seus objetos
Para essa escola, a ciência não pode nem sequer ser simplesmente descritiva, pois já se
envolve desde o começo com a realidade observada. Então, tudo o que pode dizer, é como
as coisas se revelam ou manifestam, como sugeria a filosofia kantiana. Para isso, é preciso
primeiramente aproximar-se delas quase que inocentemente, para depois estranhá-las e de
certa forma, destruí-las, mas não sem antes reconstruí-las numa espécie de metamorfose.
Um dos ícones dessa tendência é o recentemente falecido filósofo francês Paul Ricoeur.

Com isso a fenomenologia “garantiu


às ciências humanas a existência e a
especificidade de seus objetos.”
(Chauí, 2000, 350)

Em resumo, a fenomenologia permitiu


a definição e a delimitação dos
objetos das ciências humanas; o
estruturalismo permitiu uma
metodologia que chega às leis dos
fatos humanos, sem que seja
necessário imitar ou copiar os
procedimentos das ciências naturais;
o marxismo permitiu compreender
que os fatos humanos são
historicamente determinados e que a historicidade, longe de impedir que sejam conhecidos,
garante a interpretação racional deles e o conhecimento de suas leis. Com essas
contribuições, que foram incorporadas de maneiras muito diferenciadas pelas várias ciências
humanas, os obstáculos epistemológicos foram ultrapassados e foi possível demonstrar que
os fenômenos humanos são dotados de sentido e significação, são históricos, possuem leis
próprias, são diferentes dos fenômenos naturais e podem ser tratados cientificamente.
(Chauí, 2000, 351)

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No Brasil, tais tendências só chegaram como produtos de importação. O positivismo foi o que
mais “pegou”, principalmente em épocas de ditadura. Mas foram particularmente os
educadores que “arejaram” um pouco o predomínio dessa visão de mundo, introduzindo
novas tendências de pensamento.

Entre eles é preciso dar destaque especial a Paulo Freire, por sua contribuição na luta por
um sistema educacional menos elitista e mais democrático no Brasil. Hoje as escolas têm
que concorrer com a mídia e sua filosofia globalizadora e massificadora, como acontece em
todo o mundo, mas sem a tradição filosófica dos países do primeiro mundo, introduzindo
ideias como a inclusão e o pluralismo nos currículos, inclusive o ensino religioso obrigatório,
porém não-proselitista (criador de prosélitos – adeptos), que tem causado tanta polêmica.

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Fonte: MASSONI, Neusa Teresinha e MOREIRA, Marco Antonio, “O Cotidiano da Sala de Aula de uma Disciplina de História E
Epistemologia Da Física Para Futuros Professores de Física” Porto Alegre: Instituto De Física – UFRGS recebido em 21.11.2005; aceito
Em 26.03.2007, disponível em http://Www.If.Ufrgs.Br/Public/Ensino/Vol12/N1/V12_N1_A1.htm

Leiam atentamente os textos adicionados a essa unidade e até a próxima!

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U NIDADE 10
Epistemologia

Objetivo: Compreender que o produto da mente metafísica é o objeto de estudo da


epistemologia: o saber ou conhecimento. A palavra epistéme significa isso mesmo:
conhecimento ou ciência.

Olá minha gente,

Tudo bem até aqui? Mesmo depois de tanto “papo-cabeça”?

Não sei se para acalmar os ânimos ou acirrá-los ainda mais, vamos conversar agora um
pouco sobre o produto dessa mente metafísica, que é o objeto de estudo da epistemologia: o
saber ou conhecimento.

A palavra epistéme significa isso mesmo: conhecimento ou ciência.

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Imagem disponível no link “Estudo Complementar”

Fonte: Massoni, Neusa Teresinha e Moreira, Marco Antonio “O Cotidiano Da Sala De Aula
De Uma Disciplina De História E Epistemologia Da Física Para Futuros Professores De
Física” (Classroom culture in a course on History and Epistemology of Physics for prospective
physics teachers), Porto Alegre: UFRGS, disponível em
<http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol12/n1/v12_n1_a1.htm> recebido em 21.11.2005;
aceito em 26.03.2007

Mas, antes de aprofundarmos esse ponto, é preciso nos perguntar, o que é o conhecimento
ou “saber”? Quem já assistiu a filmes como Matrix, Homens de Preto ou Trueman sabe o
quanto a relação entre o que percebemos e achamos conhecer da realidade e o que
acontece realmente é relativa.

Às vezes criamos “fantasmas” na nossa mente que nada têm a


ver com a realidade. Mas o que é saber, e o que, realidade?
Isso é muito importante para o professor, particularmente no
Brasil, em que precisamos lidar com tantos tipos de saberes e
diversidades culturais, não é mesmo?

Bom, primeiro é preciso distinguir entre o saber, a informação e o dado. Vamos usar o
exemplo da medicina. Quando vamos ao médico por motivo de doença, por exemplo, ele nos
pede informações sobre o que está havendo. Depois, ele pede para fazermos alguns exames
de laboratório, onde outros profissionais técnicos usarão dos seus saberes para levantar
dados a respeito da nossa saúde.

Quando voltamos ao médico, esse reúne as informações que lhe demos com os dados
colhidos no laboratório, formando um conhecimento a respeito da nossa condição que o leva
a um diagnóstico e uma prescrição de remédios ou uma recomendação de dieta alimentar,
etc.

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Dados e informações podem ser armazenados num chip e num computador, mas será que
os conhecimentos também? Até que ponto a internet, a enciclopédia, e a televisão
transmitem conhecimentos?

Ao que tudo indica, o que esses meios transmitem são no máximo informações, que podem
ou não ser transformadas em conhecimentos pelo seu receptor. Diga-se de passagem,
muitos professores infelizmente também não ultrapassam o nível da informação, se não, do
dado cru em suas aulas, tornando-se facilmente substituíveis por um computador...

Conhecimentos de verdade não são transmissíveis, nesse sentido mecânico. Eles são
construídos pela pessoa, num processo insubstituível. É como na alfabetização ou ir ao
banheiro: ninguém pode fazê-lo por você. Quem é que já ficou mais inteligente ou sabido de
um site da internet, que só contém informações? Aliás, tudo indica que quanto mais
informação, mais “poluição”, menos aprendizado e mais confusão.

Podemos comparar a diferença entre aquisição de informação e aprendizado de


conhecimentos com a alimentação celular. A alimentação que penetra passivamente pela
membrana externa da mesma, a chamada osmose, pode ser comparada a alguém que se
enche até a tampa de informações.

Já quem não apenas ouve passivamente, mas também “apreende” nesse processo é a
imagem da fagocitose, que é a alimentação ativa, em que se formam como que braços na
membrana, que “capturam” e trazem o alimento para dentro da célula.

Muitos educadores, como Jean Piaget e Lev Vygotsky, concebiam o conceito de aprendizado
como algo dinâmico e não passivo. Piaget estabelecia uma diferença, quanto ao processo
de aprendizagem, entre assimilação e acomodação, duas fases distintas e dialéticas do
processo de ensino-aprendizado. Já Vygostky introduziu o conceito de "zona de
desenvolvimento proximal", da qual falaremos mais adiante.

Aplicando essas imagens à criança, no caso da osmose, o educando absorve passivamente


as informações novas dentro de si.

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Na segunda, ele as “trabalha”, redundando em uma “apropriação” desse saber novo, que
passa a fazer parte integrada à sua estrutura cognitiva, dando um “salto” para uma nova
etapa do seu desenvolvimento cognitivo.

Um exemplo disso é o da criança que sabe realizar operações de somar e subtrair, mas não
sabe aplicá-las a situações-problema novas, ou a equações, com incógnita, portanto.

Ele terá captado ou memorizado informações, mas não terá adquirido nenhum conhecimento
novo. Além de mais complexo e mais “seu”, o conhecimento real, precisamente por fazer
parte do ser da pessoa, tem outras dimensões além da racional.

Uma delas é a dimensão ética: todo conhecimento tem uma moral, sem falar nos aspectos
metafísico e religioso.

Para entendermos melhor essas diferenças, é sempre útil partir do próprio nome,
cognoscere, conhecer em latim, que revela desde já uma relação íntima com a cognição.

Ela pode ser comparada com a relação que há entre inteligência e legere, ou seja, ler.

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Assim, a inteligência é mais precisamente intus legere: ler dentro das coisas, inteligir.

Conhecer, então, é usar a cognição para se apropriar de saberes, o que sugere uma
interação entre a razão, que denota a realidade interna, e a realidade externa. Mas, nesse
caso, o que fazer com a subjetividade, que pode ludibriar os nossos sentidos?

Como se lê no texto de Grayling, que também traz uma relação das maiores teorias do
conhecimento ou epistemologias de todos os tempos, todo conhecimento envolve a crença
ao menos numa verdade. Então não me alongarei sobre o assunto, mas apenas resumirei os
principais pontos.

Primeiro, existem aqueles - diria até que a grande maioria - que acreditam que o
conhecimento é produto exclusivo da razão humana, os racionalistas. Essa tese foi
defendida principalmente pelos filósofos do iluminismo. Por outro lado, há os que acham que
o conhecimento provém exclusivamente da experiência, os chamados empiristas.

Finalmente, temos os céticos, que simplesmente acreditam que não há conhecimento certo,
só dúvidas sobre a realidade. A única coisa certa para eles é a dúvida.

Importante notar que, além da razão, o conhecimento também envolve a percepção. De


acordo com Tomás de Aquino, por exemplo, e nisso, ele concorda com quem veio antes
dele, Aristóteles, não há nada na mente que antes não tenha passado pelos sentidos. Locke
e Hume também concordam que a mente
funciona a partir de estímulos externos e não se
nutre apenas de recordações pré-existentes na
memória, como queria Platão, para quem
“aprender é recordar”.

O problema é que a percepção às vezes leva ao


engano. E a mente também. Então, tanto os
racionalistas, quanto os empiristas vêem-se
defrontados com o mesmo problema, que é um
prato cheio para os céticos. Alguns deles chegam

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ao extremo de achar que nada exista ou possa ser afirmado como verdadeiro o que por sua
vez é uma afirmação com pretensões de verdade, fazendo-os cair em contradição. Incorrem-
nos no mesmo equívoco que os que afirmam que “tudo é relativo”, supondo que essa tenha
sido a grande invenção de Einstein.

O maior argumento contra os céticos nos parece ser o de Ryle, que lembra que só existem
moedas falsas, porque antes delas existiram as verdadeiras, ou seja, é preciso concordar
com os antigos e os pensadores da Alta Idade Média, que a verdade não depende apenas
da percepção humana, muito menos a realidade, e que ela também deve existir “lá fora”.

A dificuldade em captá-la perfeitamente não deve ser uma prova de sua não-existência. Essa
atitude seria até infantil (não posso ganhar sempre, então não quero mais jogar...rsrs).

Está certo que a dúvida sistemática, pregada por Descartes, mas já anunciada por Santo
Agostinho em seu “duvido, logo existo”, é um ótimo método para galgar ao saber. Mas ele
tem limites, que se mostram quando duvidamos da própria dúvida.

Outros filósofos, como Locke e Berkeley, que tentaram dar resposta ao ceticismo,
preconizaram uma espécie de idealismo, que vê no homem uma “luz interior”, beirando o
idealismo.

Outros ainda passaram a acreditar numa causalidade impessoal e mecânica, um a priori


dado ao homem que é transcendental. Ao homem resta apenas ler essa realidade a partir de
sua perspectiva, ou seja, como ela se manifesta os olhos dele.

Essa teoria, já mencionada anteriormente, também é chamada de “fenomenologia”. Tanto os


pensadores dessa corrente, quanto os da filosofia analítica propõem uma alternativa à ideia
de Deus como causador externo do que há de inteligível no mundo. E a proposta é um calar-
se (à moda de Wittgenstein e o círculo de Viena) sobre os assuntos que transcendem a
razão, como Deus e a própria existência das coisas.

No lugar de Deus e dessa verdade externa, então, são muitas vezes, como propõem
Durkheim e Dewey, são postas convenções coletivas. Pois o conhecimento para eles sempre
tem essa dimensão social e pública.

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O grande pomo da discórdia, com relação ao conhecimento humano é saber, se é que ela
existe em que medida ele pode coincidir com a realidade externa, se é que existe alguma e
não vivemos em um eterno e permanente matrix.

Pois, se nenhum ser humano está observando, quem é que nos garante que a floresta está
pegando fogo de fato? A solução de Descartes mesmo, o mais “cartesiano” de todos os
racionalistas, foi dizer que as coisas são cognoscíveis, porque existe um Deus bom que as
originou e comunicou. Afinal, o bem e a verdade têm que existir, pois quer acreditemos neles
quer não acreditemos, nós os utilizamos como contraponto do mal e da falsidade.

E se existe(m) esse(s) deus(es) bom (ns), então ele(s) não pode(m) estar ludibriando nossos
sentidos o tempo todo, o que seria absolutamente cruel. Assim, só o fato de pensarmos é
uma prova contundente de que existimos de fato e não estamos sonhando. Daí a famosa
frase: “penso, logo existo”.

Muito antes de Descartes, Tomás de Aquino o assumiu com todas as letras: a realidade
externa existe e nós podemos conhecê-la, porque Ele, o Criador, conheceu-a primeiro. Nós
conseguimos “ler” a realidade, porque Alguém, um Outro original, de fato, a “escreveu” e viu
“que era boa” antes de nós. A queda se encarrega de explicar os nossos ocasionais “defeitos
de vista”. Daí que seu “sistema”, tão pouco conhecido pelos filósofos contemporâneos, tenha
sido denominado “realismo moderado”.

A verdade das coisas, ou seja, da forma como foram criadas, então, não é apenas real, como
é boa e podemos alcançá-la, na medida em que nossa razão coincide ou concorda com a
razão (ratio ou logos) impressa por Deus nas coisas que criou. Isso vale particularmente para
o homem, criado “à imagem e semelhança” de Deus.

Mas é claro que não é necessário abraçar a epistemologia ou perspectiva cristã do mundo,
como a de Tomás de Aquino e tantos outros filósofos cristãos como Blaise Pascal, Paul
Ricoeur, Martin Buber, Josef Pieper, para citar apenas alguns, para se chegar à conclusão
de que, tanto racionalistas, quanto empiristas e céticos têm extrema dificuldade em levar as
suas teorias até o fim.

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Pouco importa se chamamos essa realidade externa de Primeiro Movedor, como o
denominou Aristóteles, de “transcendência”, “convenção coletiva” ou de “Deus”, como toda a
tradição do pensamento cartesiano. O que importa é evitar os absurdos a que os equívocos
antropocêntricos já levaram à humanidade, tais como o nazismo, a bomba atômica e mais
recentemente, o domínio do mundo pela tecnologia e mídia, desprovidas de “controles”
éticos externo - a chamada “globalização”.

Somente atentando para ela seremos sensíveis à realidade circundante, à pobreza, às


injustiças, à degradação ambiental, e aos poetas que, como Rubem Alves nos lembram em
seus contos e reflexões sobre a ciência e o conhecimento, que o saber autêntico, também
tem que ter sabor. É isso precisamente que distingue uma boa receita de uma boa comida e
um bom livro de receitas de uma boa cozinheira.

Tal saber-sabor é mais do que conhecimento, podendo ser denominado de sabedoria, que
acrescenta a ele a ética, a paixão da descoberta e o respeito pelo mistério e a
transcendência.

Você pode até discordar, mas essa é pelo menos a sabedoria que podemos detectar tantos
nas tradições de saber ocidental, quanto oriental e que ainda inspira muitos seres humanos

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do planeta a ter bom-senso de lutar por um mundo melhor e não permitirem certas
aberrações tomarem conta das sociedades humanas.

Não deixe, portanto, de ler os textos acrescentados a essa unidade e até a próxima!

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua
SALA DE AULA e faça a Atividade 1 no “link” ATIVIDADES.

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U NIDADE 11
Filosofia da linguagem

Objetivo: Compreender a importância da linguagem como fenômeno universal, e que deve


ser encarada como um patrimônio comum da humanidade, capaz de separar, mas também
de unir culturas e povos inteiros.

Cá estamos nós, (espero que) prontos para mais uma dose de filosofia! Até agora, você deve
ter ficado com mais perguntas, do que respostas sobre essa coisa de filosofar. Isso é bom.
Mas você também deve ter se perguntado, afinal, se filosofar é duvidar de tudo, que sentido
pode ter?

É muito mais fácil ficar no campo das certezas, que são muito mais práticas e nos deixam
bem mais confortáveis e relaxados, não é mesmo?

Pois é, aprendemos nas últimas aulas, coisas sobre a mente, o conhecimento humano e a
ciência, sobre as quais nunca tínhamos pensado antes. Nunca paramos para discutir
conosco mesmos, se a realidade existe mesmo, ou se ela é uma ilusão das nossas mentes.
Muito dessa confusão pode ser esclarecida, se atentarmos para a linguagem.

Sempre que eu me refiro a essa rosa, por exemplo, posso estar falando da rosa mesmo,
como objeto externo, ou de uma palavra que se soletra “r”, “o”, “s”, “a”, e que só tem sentido
inserida em um sistema lógico, ou um nome, que se entende por si só e cujo sentido é
imanente.

Os já mencionados nominalistas acreditam que as palavras não passam de “etiquetas” ou


“códigos de barras” que convencionamos pôr nas coisas, e que não são nada além de uma
cifra. A língua ideal para eles seria a que tem um nome específico para cada coisa, excluindo
nomes genéricos.

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Já os filósofos analíticos, como se pode ver pelo texto de Alston acrescido a essa unidade,
acham que a verdadeira natureza das coisas só aparece quando decodificamos o nome e
analisamos suas partes.

Uma de suas afirmações diz que a linguagem é um dos temas mais complexos e ambíguos
de toda a filosofia, o que, sem dúvida é correto. Depois ele faz a crítica à linguagem dos
filósofos que em geral é ininteligível para a grande maioria das pessoas, usando palavras
que só os filósofos podem entender, pondo em risco todo sentido de sua filosofia.

Por outro lado, restam ainda aqueles chamados realistas, consideram o nome das coisas
como relativo à coisa mesmo, agindo como um mediador (signo) de uma realidade externa e
não meramente autoevidente. Para eles, a palavra “rosa”, por exemplo, é dotada de um
sentido pela mente humana, que, no sentido literal remete à rosa mesma.

Mas ao mesmo tempo, para os realistas moderados, ela pode ir muito além dela, quando
aparece num poema, por exemplo, onde geralmente funciona como metáfora ou qualquer
outra figura de linguagem. Então se torna um símbolo, que transcende o significado material
do código, mas sem colocar em risco o sentido literal da rosa.

Para entendermos essa distinção, é preciso considerar a própria palavra linguagem. Logos
no grego, que significa “palavra”, ou mais especificamente, “verbo”. Ela traduz-se para o latim
por ratio, ou seja, razão.

Essa palavra aparece diversas vezes na


Bíblia, mas principalmente no Evangelho de
João, onde é comparada ao verbo criacional
divino, que teria se encarnado em Cristo: “No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no
princípio com Deus. Todas as coisas foram
feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do
que foi feito se fez.” (João 1.1-3).

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Assim, a linguagem é complexa e misteriosa, porque ela parece dar sentido ao próprio
homem. O que seria de nós sem ela? Simplesmente deixaríamos de ser humanos.

De onde ela veio, tanto a oral, quanto a escrita? Poderia ela ser reduzida a um conjunto de
sinais, que seguem determinadas regras gramaticais para se combinar?

Seria ela comparável ao código de trânsito, que basta “decifrar” para entender? Se fosse
assim, a gramática seria a mais importante das ciências, já que é a principal ferramenta para
tal “decifração”.

Mas então, por que ela é usualmente tão odiada nas escolas?

A atenção às palavras não é um interesse recente. Desde os gregos antigos, ela é estudada
a fundo. Tanto que temos hoje várias línguas “inventadas” como o esperanto, as linguagens
computacionais, a linguagem dos ícones, etc.

As linguagens chamadas “naturais” têm hoje uma “árvore” genealógica, como se vê na


figura. Daí que nos refiramos à “língua materna”, como sendo a primeira que aprendemos,
quando começamos a falar.

Não sei se vocês lembram a cena de um filme sobre a colonização dos Estados Unidos, O
Último dos Moicanos, em que um branco se comunicou com outro através de um bilhete.
Quando os índios, que evidentemente só conheciam a língua dos sinais de fumaça, mas
nenhuma escrita, entenderam o que estava acontecendo, adoraram o branco como a um
deus. E de fato, até hoje, depois de séculos de estudos da linguagem, não há um consenso
sobre a sua origem, quer falada, quer escrita.

Há os que defendem a origem da fala nos sons da natureza. No alemão, por exemplo, a
palavra para “trovão” é “Donner”, que parece mesmo com o som de um trovão. Tais ruídos
teriam sido imitados ao longo de muitos anos, até se instituírem como palavras.

Outros defendem a origem, a partir da necessidade pura de comunicação lógica e inteligível


entre os seres humanos, que a “inventaram”, como inventaram ou descobriram o fogo e a
roda.

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Há ainda os que acreditam na criação do homem pelo Logos divino, portanto, já propenso ao
uso da língua. Sua diversidade se torna ainda mais intensa depois da famosa história da
Torre de Babel.

De acordo com o filósofo judaico, Martin Buber, por exemplo, não só o homem, mas todas as
coisas têm em si essa natureza lingüística, que ele chamou de “Wortcharakter” (caráter
verbal).

Assim, o estudo da linguagem é análogo ao estudo do


próprio homem. É, portanto, uma ferramenta
importantíssima para a filosofia, como C.S. Lewis
demonstra no livro Studies in Words (Estudos em
palavras). E como Lohmann demonstra, as diferentes
formas de pensamento equivalem às diferentes
formas de linguagem.

Como fenômeno universal, portanto, a linguagem


deve ser encarada como um patrimônio comum da humanidade, capaz de separar, mas
também de unir culturas e povos inteiros.

Eu, que sou fui alfabetizada em duas línguas (português e alemão), sei muito bem como uma
língua pode unir e separar. Na verdade, ela molda o pensamento ao mesmo tempo em que é
moldada por ele.

Nesse sentido, o estudo da linguagem revela muito não apenas sobre o indivíduo e sua
psique, mas sobre toda a visão de mundo de um povo.

E o melhor método filosófico que os adeptos dessa outra linha descobriram foi o da
linguagem comum (bem ao contrário dos filósofos analíticos, cujos textos, em geral, não são
inteligíveis para o simples mortal). O que o brasileiro pensa, por exemplo, quando diz
“obrigado” ou “obrigada” e não simplesmente “mercy”, “thank you” ou “danke schön”? Ele
está dizendo: “estou obrigado (a) a lhe retribuir o favor algum dia”.

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Mais do que reconhecer com gratidão um favor prestado por outro, como no caso das
línguas francesa, inglesa e alemã, essa expressão de agradecimento vai além, quando a
pessoa afirma que está em dívida para com a outra.

Essa é uma das formas mais profundas de gratidão existentes entre seres humanos, embora
muitas vezes os falantes da língua portuguesa esqueçam isso, usando o termo mecânica ou
erradamente. Mas, se escavarmos fundo o sentido original da palavra, encontraremos
preciosos tesouros de sabedoria e cultura humana ocultos sob essa palavra.

Se não houvesse essa “origem” ou “tronco” comum, seria impossível explicar com base
somente na teoria de evolução, a equivalência por todo o mundo de inúmeros provérbios,
como “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” e até de narrativas como as dos
mitos e contos de fada ou mesmo de imagens, que Jung chamou de “arquétipos”. Tais
“coincidências” não podem ser explicadas inteira e exclusivamente pela ciência e muitos
cientistas, como o próprio Jung, admitem o fato com todas as palavras.

O filólogo de Oxford e autor de livros de ficção, J.R.R. Tolkien sempre dizia que a origem dos
contos de fada é tão misteriosa quanto à origem do próprio homem.

Estudos da linguagem desse tipo se mostram muito férteis para o campo da reflexão e crítica
filosófica, mais do que as análises fragmentárias e exaustivas. empreendidas pelos filósofos
analíticos. Ao invés de isolar o filósofo na sua cátedra, eles acabam aproximando-o do
homem comum e do poeta, a ponto de torná-los indissociáveis, como podemos observar
nessa poesia:

Antes do Nome

(Adélia Prado)

Não me importa a palavra, esta corriqueira.

Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,

os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",

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o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível

muleta que me apóia.

Quem entender a linguagem entende Deus

cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.

A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,

foi inventada para ser calada.

Em momentos de graça, infreqüentíssimos,

se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão

Puro susto e terror.

Recomendamos com relação a isso o livro PERFUMES, Poemas, (2004, Segunda Edição)
do (Poeta) Salvino Pires Sobrinho, veja resumo disponível em
http://www.revista.agulha.nom.br/scleite2.html, acesso em 13.09.2007.

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Outra crítica interessante, agora contra o nominalismo (que acha que o nome é a essência
da coisa e não apenas um indicativo para o que elas são de fato) é o poema “Eu, etiqueta”
de Carlos Drummond de Andrade. Ele mostra claramente, como o consumismo se expressa
pela moda de grifes, marcas e patentes, que acabam adquirindo um significado ideológico,
opressor e desumanizador, substituindo o sentido da pessoa. “Fulano é bacana, porque usa
tênis de tal marca.” Em Diálogo, temos a mesma crítica.

Mas, para ser coerente com o realismo moderado, é importante fazer distinção entre a
palavra ou verbo humano, que é secundário e não cria a partir do nada, e o verbo divino,
capaz de criar do nada. Recomendamos para essa compreensão que se leia o texto de São
Tomás de Aquino, “Sobre a Diferença entre a Palavra Divina e a Humana”, acrescentado nas
referências dessa unidade.

Muitos dos problemas concernentes à linguagem poderiam ser resolvidos, se atentássemos


um pouco mais para essa diferença, que explica nossa limitação em abarcar a totalidade do
real. Quando alguém se apaixona, por exemplo, não há carta de amor suficiente para
expressar tal sentimento em sua completude, para a frustração da pessoa que procura
expressá-lo.

Mas também recomendamos o de Chauí, que apresenta uma visão geral bastante
abrangente para a questão.

Nas próximas unidades, teremos uma ideia da diversidade de linguagens existentes,


principalmente as da arte, literatura e religião. Leia atentamente os textos sugeridos para
essa unidade e até a próxima!

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U NIDADE 12
Filosofia Analítica

Objetivo: Entender que o termo “analisar” alguma coisa, normalmente significa dizer que
vamos precisar de um tempo para observar e verificar detalhes, pressuposições todos os
ângulos da questão.

Olá minha gente,

Preparados para mais uma emocionante unidade?

Uma vez discutido o caráter problemático da linguagem, gostaríamos agora de nos


aprofundar no que o prof. Eduardo Chaves chama de “movimento”, mais do que uma
“escola” filosófica, que concentra toda a sua atenção na linguagem e lógica analíticas.

Mas o que é “análise” mesmo? Quando dizemos que vamos “analisar” alguma coisa,
normalmente queremos dizer com isso, que vamos precisar de um tempo para observar e
verificar detalhes, pressuposições e todos os ângulos da questão.

Quando analisamos algo, estamos aplicando o famoso método do nosso amigo Jack. Sim,
aquele mesmo, o “estripador”, que costumava dizer “vamos por partes”.

O grande problema desse método, entretanto, é que de tanto dividir, muitas vezes matamos
o sujeito no meio do caminho, ou seja, o próprio ser humano, que acaba sendo reduzido a
um código vazio de significado e relevância, a não ser para algumas poucas cabeças
privilegiadas.

Matamos também a própria filosofia, cuja tarefa é perguntar-se: “até que ponto sequer é
justificável falar em parte e todo, em conhecimento, em verdade na ciência, na psicologia, na
teologia, na estética, na moralidade?” E isso, aplicado a todas as ciências, cada qual, tendo
as suas “regras de campo”, ou de “jogo”, próprias.

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A filosofia analítica reúne elementos de empirismo, positivismo lógico, racionalismo, realismo
e anti-realismo, mas principalmente, de oposição à metafísica.

O principal expoente da filosofia analítica, que também pode


ser entendida por oposição à filosofia continental, inspirado
pelos precursores, o alemão Gotlob Frege e Bertrand
Russel, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein concentrou-
se nas formas e modos de funcionamento da linguagem. Foi
ele que inspirou o chamado “Círculo de Viena”, que
desenvolveu um método de rigorosa análise de conceitos e
descrições definidas, uma espécie de lógica, que tinha a
pretensão de poder ser aplicado a todas as demais
ciências. Uma das suas frases memoráveis é “sobre o que
não se pode falar, deve-se calar”. Isto é, a filosofia se limita explicitamente ao que pode ser
julgado com objetividade, excluindo do seu campo de estudo tudo o que é misterioso,
subjetivo ou transcendente.

Ele ingressou em Cambridge como discípulo de Bertrand Russel, em1912. Sua obra mais
conhecida, Tratactus Logico-Philosophicus, data de 1922. Foi na década de trinta que os
positivistas lógicos sistematizaram os pensamentos de Russel e Wittgenstein, organizando o
chamado “Círculo de Viena”.

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Mas eles também tinham adeptos em Berlim, Escandinávia e Polônia e em lugares isolados
dos Estados Unidos. Sua maior influência deu-se na Grã-Bretanha, onde acabou assumindo
o nome de “Filosofia linguística”, “Filosofia de Oxford” ou “Filosofia de Cambridge”, onde
perdurou até os anos sessenta. E domina até hoje na Grã-Bretanha, em seu sentido pré-
linguístico até os dias de hoje.

Essa linha defende que a realidade tem natureza mental e não pode ser totalmente
analisada, já que primeira impressão que temos dela nos é dada pela percepção, sendo,
portanto, de natureza subjetiva. Com isso, eles combatem os idealistas, que imaginam que
suas ideias podem ser traduzidas em verdades objetivas. Suas ferramentas principais são a
lógica e a matemática.

Não é para menos que os educadores costumam se afeiçoar mais às filosofias menos
abstratas e mais otimistas quanto ao que podemos conhecer sobre a natureza...

Juntos, Russel e Wittgenstein desenvolveram o que passou a se chamar “atomismo lógico”.


Toda a realidade pode, segundo eles, ser representada em forma de proposições lógicas,
seguindo critérios de verdade e realidade próprios. Elas são puramente formais e sem
sentido empírico ou prático. Só são consideradas asserções aquelas que se reduzem a
abstrações.

Com isso, estariam excluídas todas as proposições e frases poéticas, artísticas, religiosas,
por não se curvarem às regras lógicas, sendo de cunho mais emocional. Com isso,
estabeleceram um dualismo entre a filosofia, a arte e a metafísica, e com isso, também a
distanciaram da educação.

Os positivistas lógicos mais recentes negaram algumas proposições dos seus inspiradores.
Ampliaram a concepção de linguagem de Wittgenstein, incluindo a pictórica e representativa.
Contra Russell, voltaram a sustentar a realidade de corpos e mente, ainda que apenas como
constructos e não, realidades elementares. Também diversificaram os métodos de fazer
filosofia, acrescentando, por exemplo, o método histórico e contextual à lógica pura e
simples.

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Depois dos anos sessenta, essa escola praticamente desapareceu. Hoje sobrevivem alguns
pensadores como W. V. Quine, que se identificam com essa corrente, ainda que negando a
existência de uma clara distinção entre verdades analíticas e não analíticas, ou que a lógica
analítica seja o único critério de verdade existente.

Com seu "Dois Dogmas do Empirismo", publicado na década de 50, Quine acabou com o
positivismo lógico, fazendo com que a filosofia analítica se desdobrasse e fragmentasse em
várias direções: da filosofia da mente, que veio concorrer com a lógica e a filosofia da
linguagem anteriormente estudadas; da metafísica ou teologia analítica; da filosofia política
de John Rawls e de várias vertentes da ética.

Carl Popper foi outro pensador que muito contribuiu para o avanço da filosofia analítica,
demonstrando a fragilidade das proposições indutivas, e estabelecendo a refutabilidade,
junto com a relevância e a verificabilidade, como critérios de verdade científica.

O primeiro critério significa que as ideias, antes de se argumentar em cima delas, precisam
ser formuladas de tal maneira que possam ser refutadas.

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Exemplo: “Como os alunos deficientes lidam com o preconceito a que são expostos?” A
pergunta é irrefutável porque parte de uma verdade, posta como inabalável, de que o aluno
deficiente sofre preconceito. Por mais que isso seja verdade na maior parte dos casos, ela
não é necessária e nem uma regra inquebrável (graças a Deus, rsrs – se não fosse assim,
de que serviriam as escolas e os educadores????).

Então, para tornar a pergunta refutável, seria preciso perguntar: “Caso os alunos sofram
preconceito, como eles lidam com esse fenômeno”? Ou “Se tratadas com preconceito, como
as crianças deficientes lidam com ele?”.

Dadas essas condições, podemos então proceder à análise. Acontece que nem assim ela é
suficiente para dar resposta a questões como essa. O que lhe falta é o método contrário ao
da análise que é o da “síntese”.

O que os filósofos analíticos tendem a esquecer em meio a todo seu esforço analítico pela
dissecação da linguagem em seus mínimos detalhes, chegando ao extremo do positivismo
lógico, é a origem e natureza da própria linguagem.

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Isso não significa que a filosofia analítica não tenha seu valor.

Se considerarmos o logos como razão, toda linguagem é racional e, portanto, o positivismo


lógico seria um método extremamente adequado para analisá-la.

O problema, entretanto, é de perspectiva e do objeto a ser analisado, que na maioria das


vezes não parece nada lógico. Ou seja, quando analisamos alguma linguagem, seja ela qual
for, partimos do pressuposto de que haja falantes dessa linguagem, da mesma forma como
um predicado sempre pressupõe um sujeito.

O problema da filosofia analítica é que trata a linguagem como algo que se justifica por si só,
perdendo o seu referencial inalienável de subjetividade. Filósofos mais recentes, como
Searle e Michael Foucault (veja os textos propostos nessa unidade) procuraram resgatar
esse lado. Em sua chamada “arqueologia das palavras”, esse último pensador previu o fim a
que levam as filosofias analíticas e positivistas se levadas às últimas consequências, que é
nada mais é do que a dissolução do próprio homem.

Assim, por mais que devamos respeito à filosofia analítica – ou seja, da decifração das
palavras, de acordo com as regras da lógica - e seus defensores não podemos aceitá-la
como a única possível ou mais verdadeira e racional, como veremos nas próximas unidades.
Nem tão pouco foram eles os únicos a notar a importância da lógica e da linguagem.

O que restou da filosofia analítica em alguns meios filosóficos de hoje, é o respeito ao rigor
na argumentação, ao esclarecimento prévio do significado de palavras e o respeito à ciência,
como critério de verdade por parte de alguns filósofos.

E certamente isso é muito válido em particular para o educador, que muitas vezes se vê
confrontado com incompreensões conceituais, esquecendo que, antes de dar quaisquer
explicações é preciso deixar claros os conceitos a que se está referindo e analisá-los com
mais afinco.

Isso é importante inclusive para a metodologia científica. Quem pretende escrever um


trabalho considerado “acadêmico”, por exemplo, precisa dar muita atenção às palavras que

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emprega. Isso é mais importante no mundo pluralista em que vivemos hoje e devido à
diversidade cultural e religiosa em que nos encontramos no Brasil.

Muita discussão fútil poderia ser evitada se as pessoas envolvidas dessem mais atenção às
palavras e conceitos que estão usando, para não recair em reducionismos, determinismos e
redundâncias pré-conceituosas e tendenciosas. Estamos falando do velho problema do viés.
É claro que não podemos evitá-lo, enquanto tivermos uma subjetividade (graças a Deus
ainda não viramos robôs). Então, o melhor a fazer é explicitá-los o máximo possível.

Num trabalho acadêmico sugiro até que se esclareça a origem dos conceitos que se
emprega (também chamado de etimologia), de quem ou de que escolas são oriundos etc.
Pode-se usar a palavra cognição no sentido de Jean Piaget, por exemplo. Não se deve partir
do pressuposto de que o leitor do trabalho ou o aluno já tenha claro a que estamos nos
referindo.

Obviamente, jamais conseguiremos alcançar a clareza e lógica total, expurgando toda e


qualquer ambiguidade, devido à complexidade mesma da linguagem, que reflete a do ser
humano, como discutíamos na unidade anterior.

Mas certamente vale o esforço por “abrir o jogo” sobre os conceitos usados no trabalho
acadêmico. O mesmo vale para a nossa postura pedagógica em sala de aula, que não deve
ser menos “acadêmica”.

Outro exemplo de aplicação


da filosofia analítica à
educação são os métodos
de alfabetização tradicionais,
que se chamam sintéticos,
por seguirem o princípio de
“juntar as letras”. Na verdade
eles são analíticos, pois partem do pressuposto de que a linguagem se compõe de signos
que precisam ser decifrados pelo aluno.

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Para isso, as letras são divididas em partículas mínimas (letras), para galgar até as sílabas e
as palavras. Essa ideia continua presente no uso mais recente da palavra “letramento” no
lugar de “alfabetização”.

É claro que não estamos denegrindo o avanço nos estudos sobre o assunto, mas apenas
apontando para a permanência da ideia central de que é preciso partir das letras para se
alcançar o nível da leitura. Veja estudo exaustivo sobre o assunto em no site da editora
moderna, outro no site da editora Scipione, sobre o projeto, encerrado em 2007 e outro no
portal do Mec, com pesquisas mais recentes.

Para dar outro exemplo de proposta educacional que pode ter sido influenciada por essa
escola, podemos citar David Ausubel e sua teoria de aprendizagem significativa.

Ele defendia que, no seu planejamento de ensino, o professor estabelecesse um “mapa


conceitual”, ou seja, definisse o conceito central no qual quisesse chegar e imaginasse os
subconceitos que levariam os alunos até lá, numa espécie de “árvore” ou “fluxograma”, que
vai dos conceitos mais familiares e simples, galgando até chegar ao conceito chave, valendo-
se de “subsunções”, ou seja, conectivos de significado entre os conceitos. Como por
exemplo: para se chegar ao conceito de educação, partir-se-ia dos conceitos mais simples
de ação e reação, de ensino e aprendizado e de assimilação e acomodação, numa espiral
ascendente, usando como conectivos as relações interativas que esses pólos têm entre si.
Ausubel criou ainda o conceito de “organizadores prévios”, que seriam aqueles
estimuladores significativos que o professor usaria para prender a atenção do aluno, mas
também para lançar os conceitos básicos dos quais partirá para “construir” o conceito chave.

A própria teoria de Piaget vale-se em grande parte da filosofia analítica, quando divide a
formação cognitiva da criança em “estágios”, que vão do concreto até o abstrato. A ideia de
“construção”, da qual procede ao “construtivismo” que tem muito também de herança do
estruturalismo, sugere essa divisão em partes, os tijolos, serão sobrepostos para formar um
todo, ou constructo, chamado conhecimento.

Já a filosofia de alfabetização de Paulo Freire parte de um conceito holístico da linguagem,


segundo o qual, a letra sozinha é desprovida de qualquer sentido, pelo que se torna vazia.

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O professor não deve inculcar letras ou famílias silábicas na cabeça da criança e sim, colocar
livros inteiros em sua mão. Partindo de “palavras geradoras” a criança mesma (ou adulto)
estabeleceria nexos significativos entre as palavras, que seriam divididas em sílabas, que por
sua vez seriam associadas às suas famílias, com as quais se formaria novas palavras, num
processo contínuo e não linear.

Podemos dizer que, de uma forma ou de outra, todas as ciências humanas se inspiraram na
filosofia analítica para procurar parecer mais “científicas”, tornando-se mais sistemáticas,
lógicas e lineares. Hoje as ciências humanas já não sentem, em geral, necessidade de seguir
o modelo lógico das ciências exatas, criando os seus próprios métodos e “positividade”.

Espero que esta unidade tenha feito você dar ainda mais atenção à linguagem, que leia
todos os textos e até a próxima oportunidade!

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U NIDADE 13
Filosofia e Literatura

Profa. Gabriele Greggersen

“Todo livro belo é um tipo de Bíblia” (Novalis)

“O Belo é a prova experimental

de que a encarnação é possível” (S. Weil)

Oi minha gente,

Gostaram das aulas sobre a filosofia da ciência, da linguagem e sobre a filosofia analítica?
Quem diria que dependemos tanto da filosofia, principalmente o educador, não é? Ela é um
dos mais valiosos meios de preparo do professor, ao mesmo tempo em que é um dom ou
dádiva, isso é, vale por si só, sem deixar-se submeter a fins utilitaristas. Um dos meios mais
poderosos dessa encarnação é a linguagem, dotada de autoria, enredo e moral, a literatura.
Ela tem um quê, que ninguém sabe muito bem definir, que encanta e arrebata nossa mente e
emoções, através da imaginação.

No dicionário de filosofia de Abbagnano, imaginação é equivalente a Phantasie e


Einbildungskraft, que no alemão quer dizer, respectivamente, fantasia e poder ou capacidade
de criar imagens internas. Para o autor, semelhantemente, o termo designa nada mais do
que “Em geral, a possibilidade de evocar ou produzir imagens, independentemente da
presença do objeto a que se referem” (Abbagnano,1998, p. 537).

Aristóteles também já estabelecia importantes distinções como, por exemplo, entre a


imaginação e a sensação, pois a imaginação pode existir sem sensações, como no caso do
sonho. Segundo ele a imaginação distingue-se ainda da opinião, pois não exige que se

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acredite nela. “Aristóteles considerou a imaginação como uma mudança (kinesis) gerada
pela sensação, semelhante a esta, embora não ligada a ela... Nesse sentido, a imaginação é
condição da apetição, que tende para alguma coisa que não está presente e da qual não se
tem sensação atual (ABBAGNANO, 1998, p.538).

Este conceito só foi alterado por Santo Agostinho que lhe atribuía funções múltiplas e
variadas. O mundo da imaginação é um mundo onde se pode fazer
praticamente tudo. É a terra do nunca, dos impossíveis no mundo
real. Ela é particularmente importante como via de comunicação
com o mundo interior e em especial com o nosso “mestre interior”,
como Agostinho chamou.

Santo Tomás, que se inspira em Santo Agostinho, embora não


tivesse se aprofundado no assunto, também concordava com esta
multiplicidade de funções do imaginário. A imaginação tem para ele
relação com o lúdico e o brincar, que não são o oposto de trabalhar, mas são necessários
para o trabalho e aprendizado significativo. Mas, como tudo que é humano, pode ser
corrompido e por isso, deve observar limites e regras claras.

Daí para frente o conceito de imaginação foi cada vez mais ampliado em suas funções,
consideradas mais e mais complexas. Com Sir Francis Bacon, a imaginação é posta lado a
lado com a razão e a memória, como bases essenciais para a poesia. Por outro lado, ele
também a associa às superstições e “ídolos”, que deveriam ser “expurgados” da mente. Em
Descartes, ela é vista ainda como algo fundamental para as atividades espirituais. Já em
Hobbes, ela é mais associada às atividades mentais e à sensação, à imagem corporal e à
falta de atividade do espírito (ócio). Mas ele também a associando à memória e à
experiência, que também dariam acesso ao intelecto e ao juízo.

Na filosofia dos séculos XVII e XVIII generaliza-se a noção de que a função da imaginação é
a de organizar as faculdades humanas, inclusive a racional e intelectual.

A partir de Fichte, [poeta e filósofo alemão], o idealismo romântico atribui à imaginação um


alcance bem maior: “a Imaginação é a ação recíproca e a luta entre o aspecto finito e o

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aspecto infinito do Eu, ou seja, o aspecto graças ao qual o Eu impõe um limite à sua
atividade produtiva e o aspecto graças ao qual o supera e distancia. (ABBAGNANO, 1998, p.
538-9)

Assim a imaginação permite criar uma dialética entre o tempo (kronos) e a eternidade
(kairós); a realidade e o insólito, que é assumida por toda a tradição estética e literária
romântica e idealista. Hegel, que era idealista, por exemplo, faz uma distinção entre
imaginação e fantasia, embora ambas se produzam no intelecto, a primeira é mais
reprodutora; enquanto a segunda é criadora do real. Foi sobre esta concepção de fantasia
que Hegel baseou o seu conceito de gênio.

Através da imaginação, podemos ver além das coisas do aqui e agora: a carreira, ao
olharmos para o diploma; o casamento, ao vermos o véu; mas também coisas forjadas pela
propaganda, como a virilidade, quando olhamos para o cowboy fumando Malboro. Pois à
imaginação “é confiada à representação das vivências como puros objetos de contemplação,
o que constitui a própria possibilidade da fenomenologia.” (ABBAGNANO, 1998, p. 539) Daí
a sua ambiguidade, podendo servir tanto para o bem, quanto para o mal.

Devido a esta capacidade de apreensão da essência das coisas e da sua verdadeira (ou
falsa) natureza é que Husserl considera a ficção a chave da fenomenologia, a que nos
referimos em unidades anteriores.

Também na tradição literária, muitos autores valeram-se de formas originais da ficção e da


imaginação, como meio para expressar críticas há seu tempo. Numa sociedade que se
queixa da ausência de referenciais humanos básicos, e da exploração desenfreada do
imaginário pelos produtos da mídia, qual seria o lugar e valor dos clássicos contos de fada,
com seu forte apelo imaginativo? Qual o sentido de se defender a veiculação de valores
humanos universais através da linguagem universal dos contos?

Precisamente nos momentos de maior crise de valores na história da humanidade que a


literatura parece assumir um papel de expressão da cidadania e dos bons costumes, por um
lado; mas também da ideologia dominante, por outro.

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Os clássicos contos cuja autoria se deve ao imaginário coletivo, e não a alguma classe social
específica, já que existem desde antes da formação da sociedade de classe, da mesma
forma como os mitos, podem ser consideradas grandes metanarrativas acerca do homem em
busca da preservação de sentido mais amplo da vida, valendo-se da linguagem do
imaginário. E eles têm uma função muito importante na cultura.

Comparemos a função da literatura imaginativa ao que ocorre com uma pessoa, perdida em
um deserto, que se depara com uma miragem. A grande maioria das pessoas deixa-se
induzir facilmente pela suposição de que não se trata de mais do que uma alucinação, ou
seja, um mero produto do desejo e da subjetividade humana, quando, na realidade, no
sentido literal da palavra, estamos falando de um fenômeno tão físico, que é possível até
fotografar miragens.

É claro que existe a possibilidade de se tratar de um delírio, provocado por um desejo


extremo, mas essa hipótese é bastante remota, em se tratando de um ser humano normal,
com todas as suas faculdades mentais intactas. A miragem, além de motivar e dar esperança
de sobrevivência à pessoa perdida no deserto, permite-lhe obter um rumo, um norte, uma
direção para continuar a sua caminhada. O limite da relação da miragem com a realidade
está na precisão da imagem. Ela sempre vem, de alguma forma, distorcida, duplicada, ou
deslocada no espaço, parecendo muitas vezes mais próxima e acessível, do que realmente
se encontra.

Alguns estudiosos vislumbram ao menos duas “funções” para as incursões pelo mundo da
imaginação: a esperança de sentido na vida, e a consequente motivação, e a orientação ou
norteamento ou indicação do rumo certo a seguir.

Já J.R.R. Tolkien, que não se atrevia a definir os contos de fada, por serem tão misteriosos
quanto a própria linguagem, resumia as funções dos contos de fada como sendo: consolo, ou
seja, o refrigério como num oásis de uma realidade muitas vezes vasta como um deserto;
escape de uma visão medíocre da vida e das pessoas; e cura de certos traumas e doenças
mentais.

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Essa descoberta parece ter sido a que motivou
grandes autores de todos os tempos como
Cervantes, Shakespeare, Júlio Verne, Alexandre
Dumas, Goethe, Guimarães Rosa, Machado de
Assis, Malba Tahan, Monteiro Lobato entre outros. A
certa altura de suas vidas, eles parecem ter
despertado para o poder da literatura imaginativa.
Passaram então consciente ou inconscientemente a
promover a cooperação entre imaginação, razão e
realidade dos fatos e essa, por sua vez com a
formação ética e moral. Ele usava o sítio até para ensinar história, geografia, gramática e
uma série de outros conteúdos escolares, pelo que foi bastante criticado.

Como dizíamos, há coisas na vida que não podem ser expressas em conceitos abstratos ou
sistemáticos. Mas como diz o nosso Ministro da Cultura, Gilberto Gil, em sua canção
“Metáfora”, temos uma saída, que é a poesia. Pois na “lata do poeta”, “tudo nada cabe”. Por
isso mesmo é que temos que ser vigilantes sobre o que deixamos entrar na lata.

Por esse seu caráter transcendente, a poesia, entendida como Dichtung, criação ou obra
poética, portanto, é a chave para entender as relações entre a filosofia e a literatura. Uma
não vive sem a outra. Não é que todo poeta seja já um filósofo, mas voluntária ou
involuntariamente, ele “filosofa”, pelo que sua poesia se torna rico substrato para o ensino-
aprendizagem da filosofia. Não que a poesia não apele também para a razão. Mas ela o faz
de modo significativo e vivo. A razão constroi ou executa a obra; cujo sentido ou arquitetura
foi tecida pela imaginação. Assim, a colaboração de ambas vai abrindo caminho para a
verdade.

Filósofos eminentes como Jean Paul Sartre (existencialista) e Durand (pós-modernista)


defendiam que a leitura imediata da realidade natural depende mais da imaginação do que
do intelecto, da mesma forma que uma casa bem feita depende mais do engenheiro e
arquiteto, do que do peão de obra (que pode ser a mesma pessoa, é claro).

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Mesmo que muitas vezes a visão romântica e encantada entre em choque com a dura
realidade da vida, o efeito do uso da imaginação será positivo no processo de ensino-
aprendizagem, pois ela efetuará uma ampliação da compreensão do real. Pode haver
realidade mais dura do que a da Gata Borralheira, ou da Bela em A Bela e a Fera? A
diferença está no final feliz que reflete o caráter transcendente da vida, que por mais difícil
que possa parecer, tem sempre alguma beleza, glória e esperança, que Paulo Freire
chamava de “boniteza da vida”. Assim, uma das funções da imaginação é de motivar,
sensibilizar, para o belo que há além do duro da vida, que é seu lado estético, como veremos
mais adiante. A razão encarrega-se então de selecionar, ordenar e as verdades alcançadas,
mas agora, de uma forma viva, significativa e esperançosa.

Pois a realidade não pode ser tão pobre, consumista, conformista e reducionista, quanto a
indústria cultural nos quer convencer. Nem tão pouco, tão “cor de rosa”, como faz crer
principalmente nossos jovens e adolescentes.

Se concordarmos que o conhecimento humano não dá conta da totalidade do real, teremos


que lutar para manter um espaço aberto para o mistério e a incerteza na nossa postura
educacional, que podem até produzir espanto e medo, mas também o encanto e a
esperança.

Podemos nos arriscar em dizer que a aprendizagem profunda e transformadora, com a qual
o educador e o filósofo devem se comprometer exige mais criatividade e fé, do que razão.
Mas o maior argumento em favor da imaginação é que até os mais céticos não resistem a
ela.

Bem, pessoal, espero que tenham apreciado essa aula sobre tema tão crucial, tanto para a
filosofia, particularmente a ética, quanto para a educação e que resolvam tirar o pó de cima
daquele livro esquecido no fundo da sua biblioteca que você sempre quis ler. Vejo vocês na
próxima!

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U NIDADE 14
Filosofia da Mente

Objetivo: Saber mais sobre a filosofia da mente, que chamamos de “mente”, “mundo interior”,
“cérebro”, “inteligência”, “cognição”, e o fascínio que exerce sobre o homo sapiens, por seus
mistérios e descobertas em torno do seu funcionamento, mas também por suas limitações e
vícios.

Olá minha gente,

Espero que vocês tenham lido todos os textos da unidade passada, pois esse módulo foi
criado numa sequência lógica, é claro, mas espero que não tanto, que se torne pesado.

Então, quem não leu, boiou. E agora não adianta


reclamar que “não está entendendo nada”, o que é uma
afirmação necessariamente falaciosa, a menos que você
não fale português ou que eu fale grego, ou melhor,
alemão.

Depois de termos falado da lógica como ferramenta do filosofar, da metafísica, da filosofia da


ciência e da literatura, vamos agora nos dedicar a uma parte específica da filosofia da
ciência, que parece estar tomando conta do cenário, desde, pelo menos, o séc. XVIII.

Pois é, ela remonta à dicotomia entre mente e corpo, pelo que vocês já devem ter lido na
aula dos clássicos antigos (particularmente no diálogo de Platão denominado “Filebo”), que é
uma briga de longa data.

Os partidários da mente acham que ela deve controlar o que Platão chama de “o cárcere da
alma”, o corpo. Os defensores do corpo afirmam que a mente deve dar liberdade de ação
aos instintos do corpo. Toda essa briga, acirrada pela guerra e os movimentos pacifistas dos
anos do pós - guerra era pós-freudiana aceitou com muita naturalidade a regra da “não-
repressão”.
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Essa dicotomia não se manifesta apenas no campo da ciência, em que grande parte dos
cientistas procura explicações fisiológicas e soluções bioquímicas para os problemas
psicológicos e até espirituais. Mas mesmo nessa era, muitas religiões como o budismo,
pregam a total negação do corpo, e a vida em um estado que denominam de “nirvana”, como
veremos mais adiante.

Os maiores pensadores do cristianismo, como o apóstolo Paulo, que teve a sua formação
filosófica aos pés de grandes mestres judaicos e gregos, já registraram a luta que se trava
entre corpo e mente quando diz: “Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei
de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha
mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado
homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7.22-24).

Quer chamemos de “mente”, “mundo interior”, “cérebro”, “inteligência”, “cognição”, ela


sempre fascinou o homo sapiens, por seus mistérios e descobertas em torno do seu
funcionamento, mas também por suas limitações e vícios. Estou curiosa para saber quando é
que teremos uma “filosofia do corpo”. Seria no mínimo de interesse amplo, como os escritos
mais filosóficos de Freud, que muito falava em Weltanschauung (visão de mundo), já
provaram.

O curioso, entretanto, é que quanto mais se dá vazão aos desejos e sentidos, mais a mente
e seu funcionamento entram em foco.

A partir das pesquisas de Darwin sobre a origem das espécies e sua teoria da evolução e as
subsequentes pesquisas genéticas. Hoje, em que estamos completando quase 150 anos do
lançamento do livro clássico no gênero, há quem acredite que a “origem das espécies” está
longe de ter sido “descoberta” e que existem ainda muitos mistérios em torno dela.

Muitos cientistas têm a humildade de reconhecer que, por mais explicações que possamos
encontrar explicações racionalistas e cientificistas para o surgimento da vida, a partir do
nada, o que coloco seriamente em dúvida, ninguém poderá explicar de onde surgiu o amor, a
intencionalidade e a criatividade, quiçá a própria ciência, sem um design inteligente.

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Por outro lado há os naturalistas, para os quais tudo,
inclusive a chamada “intencionalidade” e subjetividade,
pode ser reduzido às reações químicas e esquemas
genéticos. O egoísmo, um dos pecados capitais para os
cristãos, é explicado em termos fisiológicos, como sendo
decorrente de um vírus.

É claro que as descobertas da genética contribuíram e


muito para tal desenvolvimento. Pouco antes da primeira
guerra mundial, muitas dessas pesquisas redundaram em índices e escalas do que se
chamava na época de Q. I. (coeficiente de inteligência) e que davam sustento a teorias
nazistas a respeito da superioridade de certas raças sobre as demais.

Anos mais tarde, notaram-se, graças em grande parte aos antropólogos, que resolveram sair
de seus gabinetes e estudar os povos no seu “habitat natural”, que tais testes eram
totalmente enviesados linguística, ideológica e culturalmente, beneficiando em grande parte
os brancos ocidentais, e que colocavam negros, latinos e judeus em condições
automaticamente desfavoráveis.

Mais recentemente, os estudiosos da inteligência têm questionado essas formas de


mensurar a inteligência humana, ampliando o seu conceito para outros campos, menos
“naturalistas” e mensuráveis como a inteligência emocional, social, e artística. Fala-se hoje
muito em Q.E. ou coeficiente (de inteligência) emocional e até em Inteligência Multifocal. Não
citarei nomes e referências, pois até a autoria desses conceitos duvidosos do ponto de vista
científico é duvidosa nessa era de “copiadores” cibernéticos, rsrs.

Mas persistem as tentativas de simulação mecânica das funções da mente, havendo aqueles
que creem, para bem ou mal, que um dia, um simples “chip” poderá se encarregar de todas
as funções do cérebro e até mesmo, de superá-las.

E quem sabe o mundo acabasse realmente dominado pelas máquinas em um futuro não
muito distante. E essa história geralmente não tem o final feliz de um conto de fadas como o
de Pinóquio, que mostra um Gepeto “dominado” pela sua própria criação, um boneco de

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madeira, mas que para isso, teve que se transformar antes em um ser humano de verdade,
deixando de lado a dissimulação e a mentira.

Mas o que é a verdade, afinal de contas? O que, a vida? Quando ela começa? Parece que
todas as pesquisas em torno da mente insistem em apontar para essas perguntas radicais e
condicionais ou pressupostas ao avanço da tecnologia.

Assim, numa sociedade cada vez mais dominada pela tecnologia e o know how pragmatista,
ao mesmo tempo em que a palavra “inteligência” vem adquirindo um significado cada vez
mais abrangente, para além do puramente “racional”, surgem, no sentido inverso, tentativas
de aplicar à máquina as funções da chamada “inteligência artificial”.

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Ilustração 1 Fonte: Fialho (1998)

Temos aí, por exemplo, os chamados “farois inteligentes” e outras máquinas, que na
verdade, superam o paradigma binário, adotando o analógico.

Esse novo sistema permite às máquinas “raciocinar” de forma inversa, proporcional e mais
complexa do que no simples esquema 01010...

Quem sabe o setor que mais tenha se beneficiado com esse avanço da lógica binária para a
analógica tenha sido o das comunicações, com a introdução dos telefones celulares e o
advento da internet, que permitiu uma comunicação em rede, com abrangência global.

Mas também a genética e a medicina em geral têm tido avanços, com a substituição de
órgãos e descobertas de meios de cura, graças a experiências com células-tronco, que estão
sendo discutidas em nível governamental e jurídico.

Temos ainda as experiências com a clonagem e os transgênicos, que têm causado polêmica
ao redor do mundo, não apenas entre cientistas, mas também entre políticos e religiosos.

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Todos esses avanços representam desafios também para os filósofos e educadores, cuja
função mais uma vez, é a da reflexão crítica e da práxis transformadora, no sentido libertador
e não, de tirania tecnológica.

Até que ponto estamos diante da iminência de uma sociedade dominada pela ciência e pelos
autômatos? Que implicações têm a chamada “sociedade do conhecimento” ou “sociedade da
mente” para a vida humana individual e em sociedade? Estariam as utopias de autores de
ficção como Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo e George Orwell em 1984, ou mais
recentemente, filmes como Eu, robô ou Mulheres Perfeitas se tornando realidade?

Qual a legitimidade dos cientistas naturalistas, que divulgam o dualismo mente-corpo,


privilegiando a mente, no que ela possa ser simulada pela inteligência artificial? O que
exatamente acontece dentro das nossas cabeças e o quanto disso é correspondente aos
fatos? Existirá uma espécie de “mestre interior”, na concepção de Agostinho, ou de “teatro
interno”, como queria Descartes, ou ainda um Ego, Id e Superego, como Freud ou um self,
como Jung defendiam?

Como veremos nos textos de Putnam,


nada disso está claro nem para cientistas,
nem filósofos ou para os religiosos. A tese
da correlação psicofisiológica, ou seja, de
que todo estado ou função psicológica
interna corresponde a uma fisiológica
externa não faz qualquer sentido. Pois há
um comum acordo hoje de “que o
significado das palavras de uma pessoa
depende de coisas exteriores ao corpo e
ao cérebro da pessoa.”

Esse reconhecimento simples e quase


evidente, entretanto, gera uma série de
problemas, como, por exemplo, a

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problemática da fé que é tão “interna”, quanto o conhecimento e o saber racional.

Aliás, como educadora e apreciadora da teologia, tanto quanto da filosofia, ouso dizer que
não é possível construir um raciocínio com sentido e significado, se não partirmos de um
universal, de uma verdade absoluta, portanto, que tomamos por certa.

Por mais que a chamemos de apriorística, empurrando a questão para o campo da


metafísica e da religião, sem ela, estaremos literalmente construindo “castelos no ar”.

Vou dar um exemplo muito simples disso. Todos vocês já devem ter ouvido a afirmação de
que “tudo é relativo”. Acontece que a construção dessa frase é absoluta. Ora, como pode
uma frase absoluta afirmar que nada é absoluto?

Isso é uma contradição em termos, um círculo quadrado (para usar a expressão que
Heidegger usou para se referir, não a essa frase, mas à ideia de que possa haver alguma
filosofia cristã). O problema é que, se admitirmos apenas que “alguma coisa” ou “a maioria
das coisas” é relativa, não estaríamos contribuindo com grande novidade.

Assim, a briga entre os filósofos, cientistas e psicólogos sobre a mente sempre esbarra no
mesmo ponto, já discutido anteriormente: a linguagem e suas regras de comunicação. Se
analisarmos a palavra comunicação, notaremos que ela vem de comum. Isto é, se não
houvesse certas crenças comuns ao eu e ao outro, não haveria terreno comum, entre as
pessoas, capaz de gerar uma interlocução. Nem haveria meios comuns para se trocar ideias
de forma inteligível.

Muito menos, de construir civilizações e tecnologias, muito menos de arte (lembrando que
tekné para o grego significava arte, daí o artesanato, que, com a industrialização, acabou
virando artefato de linha de produção) e nem, de destruí-las.

Teríamos que ficar provando e convencendo o outro de todas as coisas o tempo todo, ad
infinitum, sem avançar em nada. Teríamos que estar constantemente “reinventando a roda”.
Se não fossem alguns absolutos inabaláveis, tais como o da vida, da justiça e do bem, nem
seria possível construir relacionamentos humanos, pois estaríamos constantemente
desconfiados das (más) intenções por trás de outro.

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Sem falar das línguas orientais, que são as mais complexas e semanticamente carregadas
de significações do planeta. Ela não é composta de letras e sílabas, mas de ideogramas.
Cada “letra” tem um significado holístico ou integral, denotando a totalidade da realidade.
Aliás, a linguagem dos ambientes de computador, com seus inúmeros ícones, funciona de
uma forma semelhante.

Mesmo se chamarmos tais absolutos de convenções, teríamos que nos perguntar


constantemente sobre a legitimidade delas. E certamente, a chamada evolução é um
argumento muito frágil para dar conta dessa legitimidade. Qual o critério para definir o mais
ou menos evoluído. A complexidade? O que é complexidade?

Não existe, como alguns filósofos pragmatistas tentam provar, um “mentalês” uma língua
exclusiva da mente, da mesma forma que não existe a telepatia, ou seja, a comunicação
direta de uma mente para a outra.

Da mesma forma em que estamos presos ao tempo e ao espaço, estamos atados a meios
para nos comunicar, locomover, avançar, aprender. Dominar tais meios é uma das maiores
artes tanto do comunicador, quanto do educador.

De acordo com o texto sobre a inteligência artificial, uma das diferenças entre a inteligência
artificial e a “natural” é que, enquanto a primeira tem uma sintaxe, ou regras puramente
gramaticais mecânicas e precisas, a segunda tem uma semântica para além da sintaxe, que
nem sempre é precisa.

Enquanto a primeira só tem uma intencionalidade atribuída (que provavelmente reflete a do


seu criador ou do grupo que a criou) a segunda tem uma intencionalidade intrínseca. A
primeira não detém algo chamado consciência e, portanto, nem responsabilidade, enquanto
a segunda tem ambos.

Como fica a filosofia do direito diante disso? Como se observa no clássico Eu, robô será que
deveremos contar com máquinas tão “inteligentes” que sejam capazes de cometer crimes no
futuro? Sim, porque se a criatura seguir o modelo humano, necessariamente será falha e
propensa às maiores maldades.

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E nesse caso, como seria o seu julgamento e punição? Então, fica aqui a minha sugestão de,
junto com os tais robôs inteligentes, criarmos também as prisões inteligentes para as
máquinas bandidas.

Pois ninguém provou até hoje que a tão indefinível inteligência seja sinônimo de eticidade,
caráter e incorruptibilidade ou infalibilidade. Sempre que uma máquina falha,
convencionamos falar em “falha humana”. Mas haverá produto da criatividade humana capaz
de refletir uma perfeição inexistente? Que outro tipo de falha pode haver numa máquina, que
não fosse humana? A diabólica? E que outro tipo de virtude? A divina?

Visto pelo ângulo inverso, alguns cientistas preveem que a nanotecnologia não apenas será
usada para introduzir minicomputadores nos nossos corpos, para destruir células
cancerígenas ou substituir glóbulos vermelhos, mas também para potencialmente introduzir
vírus mortais e exterminadores de toda a humanidade.

Quem costuma assistir documentários do National Geographic ou Discovery sabe que as


previsões mais otimistas dizem que o homem, se continuar “evoluindo” como no presente,
acabará com a humanidade em vinte e cinco anos. E os mais pessimistas, que acabarão
com toda a vida do planeta nesse mesmo espaço de tempo.

Já outros, definitiva e absolutamente otimistas, dizem que estaremos aproveitando o melhor


da tecnologia e dos robôs para podermos desfrutar do melhor que a humanidade jamais
poderia sonhar em ter. Mas o que é melhor?

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Quem disse que passar metade do dia enfiado no trânsito, enchendo as narinas de fumaça,
outra metade e meia diante do computador, sem saber muito bem o que fazer em meio ao
mar de informação e outra metade - que já nem sabe de onde tirar - desfrutando das
maravilhas de lazeres tecnológicos do mundo pós-moderno, é melhor do que passar uma
vida “naturalista”, à moda dos índios?

E a pergunta mais importante é: quem poderá desfrutar dessas maravilhas da tecnologia,


tendo em vista as disparidades sociais e tecnológicas que temos hoje? Para que servirão os
educadores e as instituições educacionais, a partir do momento em que bastar um chip
implantado no cérebro para ter acesso a milhões de informações e comunicar-se
telepaticamente com os outros?

A propósito, ouvi dizer que a mente oriental, funciona de maneira inversa à ocidental. Nos
ocidentais, o hemisfério direito é o mais “intuitivo”, “artístico” ou “emocional”, o esquerdo é o
racional. Os orientais veem tudo como num espelho.

Por quantas gerações isso perdura no caso de inculturação no mundo ocidental é outro
mistério... Mas também ouvi dizer que o mandarim será justamente a língua dos negócios do

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futuro, e que as grandes potências econômicas do mundo serão os “tigres asiáticos”. Mas
tudo isso não passa de profecias futuristas e utopia, não é mesmo? Ou alguém discorda?

Aproveite o fórum desta unidade para dar vazão ao que pensa disso tudo, principalmente a
suposta perda da interioridade e da alma humana com a excessiva automatização do mundo.
Estou curiosa...

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U NIDADE 15
Estética e Arte

“O Belo é a prova experimental

de que a encarnação é possível” (S. Weil)

Objetivo: Compreender a importância do estudo da estética e da arte no campo da Filosofia.


A arte envolve muito mais do que a razão. Ela envolve o lado emocional, intuitivo e
imaginativo da mente, com importantes implicações sobre o corpo. Esse último é
particularmente interessante para o estudo da estética.

Olá, gente boa,

Espero que você tenha lido todos os textos da unidade anterior e chegado a uma conclusão
sua, sobre o papel que dará à filosofia na sua vida pessoal e profissional. Mas espero que
ainda não a tenha fechado, pois ainda temos muito que conhecer e discutir, que pode fazer
você mudar totalmente de ideia.

E não se preocupe, quando isso acontecer, pois a filosofia é assim mesmo: quando você
acha que resolveu uma questão, logo vem a próxima para esquentar novamente a massa
cinzenta.

“Hoje” vamos nos dedicar a um capítulo muito importante da filosofia que é a teoria da arte
ou a estética (aviso aos navegantes: não estamos falando de dietas mirabolantes ou
cirurgias linfáticas ou plásticas), da qual a literatura foi um mero aperitivo, ou quem sabe até,
o pressuposto.

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Pelo menos é isso que nos fazem supor praticamente todas as civilizações letradas de que
se tem notícia. Mas mesmo as civilizações sem língua escrita têm em seu imaginário coletivo
um rico arsenal de histórias, lendas e contos.

A forma predileta que os gregos tinham para explicar as coisas: a origem do mundo, do
homem e da vida, eram os mitos, que em geral também eram contados, ou melhor, cantados
como, hinos, em forma a um tempo poética e musical.

Alguns historiadores sustentam que Homero, um dos maiores narradores de mitos de todos
os tempos, era cego e, portanto, teve que usar de muita criatividade e arte, para dar
expressão às suas histórias e visões de mundo.

É interessante notar que poiesis equivale ao alemão Schaffung, no sentido estético, ou


criação. A palavra tem a mesma raiz que o verbo schaffen – que significa realizar algum
projeto, empreendimento, ou pôr em ação uma idéia.

Ela se caracteriza por provocar em quem a contempla uma sensação ou sentimento de


admiração ou elevação, capaz de nos elevar ao que Kant costumava chamar de sublime.

Em O papel da teoria na estética, Morris Weitz (1956) elucida a relação da literatura com a
arte em geral:

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O que se verifica no caso do romance verifica-se também, penso eu, em todos os
subconceitos de arte: "tragédia", "comédia", "pintura", "ópera", etc., e verifica-se no caso do
próprio conceito de "arte". Nenhuma questão do tipo «É X um romance, uma pintura, uma
ópera, uma obra de arte, etc.?» permite uma resposta definitiva no sentido de um sim ou um
não baseado em fatos. A resposta à questão «É esta colagem uma pintura ou não?» não
assenta num conjunto de propriedades necessárias e suficientes da pintura, mas em saber
se decidimos ou não -- como de fato o fizemos -- alargar o termo "pintura" para abranger este
caso. O próprio conceito de "arte" é um conceito aberto. Novas condições (novos casos)
surgiram e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos
movimentos, que irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de
arte profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem
estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes para
a correta aplicação do conceito. Com o conceito "arte", as suas condições de aplicação
nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos podem sempre
ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que exigirá uma
decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em inventar um novo.”
E na conclusão “Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la como uma
definição, logicamente condenada ao fracasso, mas lê-la como sumários de recomendações
feitas com seriedade atender de determinadas maneiras a certas características da arte”.

Ao invés de tentarmos conceituar o que é


inconceituável, contaremos uma história
antiga que mostra em que sentido a arte de
criar sempre foi divina.

Estava Zeus no Olimpo, num fim de semana


extremamente tedioso, quando resolveu se
destacar dos demais por uma criação
realmente inovadora. Depois de tê-la
finalizado, ele convidou os seus colegas
divinos para um pequeno happy hour.

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Enquanto serviam os drinques e salgadinhos, ele disse:

- Gostaria de pedir a vossa atenção nesse solene evento. Uma das razões para eu tê-los
convidado, que mantive em segredo até agora, foi a criação que decidi realizar nesse fim de
semana, após uma violenta inspiração.

Todos se entreolharam com ar indagador. Instantes depois, sopraram as cornetas e uma


cortina vermelha foi erguida. Foi um silêncio de espanto geral. Vários minutos depois, ouviu-
se uma rajada de palmas entusiasmadas. Até que, momentos depois, quando os ânimos se
acalmaram, um dos mais tímidos deuses levantou a mão e disse gaguejante:

- Sr. Zeus, é muito linda a sua criação. Esse “cosmo” certamente é prova contundente de sua
superioridade infinita sobre todos nós.Tenho porém a observar que ela está com defeito e
fatalmente necessitará de um “recall”.

- Que defeito é esse? – quis saber o soberano alarmado.

- É esse ser aí que você cri..criou, e...esse antropos aí, eeeestá com dededefeito – disse ele.

- Defeito? Mas que defeito, homem de Zeus? – perguntou Zeus.

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- É que ele, ele, está com a memória avariada, não está vendo? Lembra de tudo quanto é
coisa: a final do campeonato de futebol, o nome dos jogadores do time escalado, o dia que a
sogra vem visitar a filha (para arranjar uma desculpa e não estar em casa) e até da conta do
banco! Mas ele se esquece de uma coisa fundamental!

- O que é? O que é? – todos inquiriram em coro.

- Ele esquece quem ele é!

- Nossa! – disse Zeus – Isso é mesmo muito grave. Ele fatalmente vai se matar!

Depois de pensar um pouco, ele decidiu:

- Já sei o que fazer! - E saiu para reunir as mais belas e inteligentes deusas, pedindo para
que elas lhe dessem o que tinham de mais belo e virtuoso. Depois pegou essas qualidades e
criou as musas, enviando-as para a humanidade.

- Isso – disse aos deuses


novamente reunidos – irá resolver
o problema. Pois as musas se
encarregarão de inspirar uma
espécie especial de seres
humanos, chamados de poetas,
que as verão, se inspirarão e
lembrarão toda a humanidade de
quem eles são.

Foi assim que surgiu a arte, como contemplação do belo que nos faz lembrar quem nós
somos. Mas atenção!

A arte e o belo são perigosos e não existem sem uma outra coisa.

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Essa é a história de dois outros deuses: Epimeteu e Prometeu. Um pensava antes e outro,
depois.

Só sei que eles se encarregaram de distribuir dons para todos os animais da terra. Como
eles deixaram o ser humano para o final, não sobrou nada. Então o Prometeu tentou dar um
jeito no estrago, roubando o que era mais precioso do Olimpo, que é o fogo e o distribuiu
entre eles. Ora, o fogo equivale ao techné, que pode ser entendido como técnica e tecnologia
ou arte. Zeus, quando viu aquilo, entendeu que mais uma vez a humanidade corria perigo e,
além de castigar Prometeu, resolveu enviar mais uma arte para a humanidade, que é a arte
política. Mas dessa falaremos mais adiante.

O que importa reter aqui é que o estudo da arte é a estética, que envolve um lado do belo,
mas outro do bem e outro ainda, do mistério, tangendo a metafísica. Assim, a arte envolve
muito mais do que a razão. Ela envolve o lado emocional, intuitivo e imaginativo da mente,
com importantes implicações sobre o corpo. Esse último é particularmente interessante para
o estudo da estética.

A arte certamente andou dividindo filósofos e educadores. Por um lado, ela é incentivada,
particularmente nas escolas que se dizem de linha “construtivista”, pois é considerada
condição essencial para a produção de saber. Por outro lado, poucos pais ficariam contentes
em descobrir um artista nos seus filhos ou os colocariam em escolas, como as Escolas
Walldorf, que seguem a filosofia antroposófica de Rudolf Steiner.

Assim, a arte, à semelhança de tudo que é ligado à imaginação e o lúdico costuma despertar
desconfiança nos pais e educadores. Isso se deve em grande parte à persistência da
predominância do racionalismo cartesiano no pensamento ocidental, como lemos nos textos
propostos para essa unidade.

E o que é mais importante: é visível a diminuição gradativa do espaço que se concede à arte
nos dias de hoje. Particularmente no Brasil, quem escolhe seguir carreira de músico, artes
circenses ou teatro tem grandes dificuldades para encontrar mercado ou é explorado. Assim,
os brasileiros mais talentosos acabam abandonando o Brasil e ocupando os espaços aberto
para a arte no Primeiro Mundo.

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O artigo sobre a função da imaginação, escrito pelo professor britânico George MacDonald
em 1867, que estudamos na unidade sobre a literatura, parte de uma crítica aos conceitos de
educação que promovem o ócio. Pois, se educar fosse meramente tornar a vida mais fácil,
prática e pronta para ser desfrutada, o homem estaria reduzido ao animal e suas habilidades
humanas, aos instintos.

MacDonald acreditava que a imaginação não significa nada mais, do que a capacidade de
imitar a mente do criador. Como Sócrates, Aristóteles e grande parte da tradição filosófica,
particularmente do mundo ocidental, ele acreditava que a capacidade criadora humana deve-
se à sua semelhança com o poder criador divino.

Daí que ela também seja chamada de criatividade, em especial, no que se refere à criação
de imagens. A sua função é dar forma ao pensamento, não uma forma sistemática ou
abstrata, mas simbólica, usando símbolos que os sentidos sejam capazes de captar. É
evidente que entre a criação humana e a criatividade divina há uma grande distância.

Enquanto Deus chama à existência e à vida, o homem é chamado a elas. O artista nada
mais é do que um imitador de modelos pré-existentes na mente criada ou no mundo
circundante. Aristóteles chamava isso de mimese. Deus é o protótipo, nós, o reflexo.

Nesse sentido, Aristóteles é totalmente criacionista em sua Poética. A originalidade das


criações humanas se faz apenas pelas formas de imitar, e pelo nível de envolvimento de
outras habilidades humanas como a visual, auditiva, e corporal e de dimensões como do
desejo e da emoção.

Enquanto nós temos Shakespeare como modelo de criatividade e arte, esclarece


MacDonald, Ele é o criador de Shakespeare. Enquanto nós temos ideias na cabeça, Ele nos
tem a nós e toda a realidade criada em sua mente. Enquanto nós precisamos das mediações
para expressar ideias, ele imprime a sua própria natureza na criação.

E as formas de mediação disponíveis aos seres humanos para expressar estas ideias são
infinitas, embora o homem sempre tenha a impressão de haver uma forma só e que a
imaginação se esgotasse na sua própria mente ou nas formas que a mente cria.

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O homem tem a tendência de
limitar o sentido das imagens
internas à imanência e esquecer-
se do seu aspecto transcendente.
Nesse sentido, toda autêntica obra
de arte tem algo de divino, ou pelo
menos, de sublime, como o
expressaria Kant.

Na visão de George MacDonald, o que o homem também ignora muitas vezes é que este
dilema entre ser criativo, mas não chegar a ser tão criativo, quanto o seu criador, pode ser
em parte superado, precisamente pela via da imaginação: “O homem precisa acender a luz
da lâmpada que existe na forma das coisas: a sua imaginação é a luz, não é a forma. Esta
luz que incide sobre a forma torna-a imediatamente visível, tornando-se ela mesma visível
através da forma”. (tradução própria, idem).

É claro que, por mais que


tentemos estabelecer os
limites entre o que se
considera arte e o que
não, temos que admitir
que certos critérios de
gosto e de moda variam
de tempos em tempos e
de cultura para cultura.

Certamente nem tudo que vem da cultura oriental é considerado bonito por um ocidental.
Mas certamente isso o impressionará de alguma forma, fazendo-o parar para contemplá-lo e
no mínimo achará exótico. O mesmo acontece no sentido inverso.

Isso tudo te faz pensar? Isso é bom, mas não se esqueça de que a arte, da mesma forma
que a poesia e a imaginação são ambíguas escapando, portanto, às convenções e critérios

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que se usa para considerar algo bonito. Então, devemos, no mínimo, atribuir-lhe o valor
devido.

Espero que aprecie todos os textos desta unidade e até a próxima!

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U NIDADE 16
Filosofia, Psicanálise e Religião.

Objetivo: Discutir os pontos de intersecção entre a filosofia, a psicanálise, particularmente a


freudiana e a junguiana, e a religião.

Olá gente boa,

Espero que estejam animados para mais uma emocionante unidade. Dessa vez discutiremos
os pontos de intersecção entre a filosofia, a psicanálise, particularmente a freudiana e a
junguiana, e a religião.

Para isso consultaremos vários livros, mas em especial um que minha criadora traduziu
recentemente, que compara C.S. Lewis, cuja vida já virou filme, Terra das Sombras,
estrelando Anthony Hopkins como ator principal, e criador das Crônicas de Nárnia, que já
viraram filme de Hollywood, e professor de crítica literária de Oxford e Cambridge, C.S. Lewis
(1898-1963).

Eles tinham em comum a morte de um dos pais na infância, um relacionamento difícil com o
pai, um passado ateu e um fascínio por temas relacionados ao desejo e à imaginação
(wishful thinking).

Embora fosse um pouco mais jovem do que Freud, Lewis é um exemplo típico da influência
ampla que esse autor teve quase que imediatamente sobre gerações inteiras e a tem até o
dia de hoje. Lewis é um dos poucos que ensaiou respostas às teorias freudianas.

Como se sabe, uma das maiores era que há no ser humano uma memória e desejo
arquetípico por um pai carrasco, que, por ter negado relações sexuais de qualquer um de
seus filhos da tribo com qualquer mulher e acabou sendo morto pelos próprios filhos.

Para Freud, o que chamamos de Deus não passa desse espaço vazio na memória, que nada
mais é do que a projeção de um desejo reprimido de reparação e felicidade.
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Em princípio, Lewis não tinha nada contra a
psicologia ou psicanálise, usada como um
instrumento, desde que ela não quisesse se
impor como visão de mundo, como o texto de
Timpanaro elucida. É importante ainda atentar
para algumas distinções. Pois há uma grande
diferença entre a fantasia no sentido filosófico,
no sentido psicológico e no religioso.

No sentido psicológico há três concepções de fantasia:

 Algo que resulta da ilusão, que a pessoa confunde com a realidade, mas que é causado
por um desejo reprimido.

 Um ideal ou ilusão “consciente”, ou seja, de quem “sonha” com algo, mas que sabe que
dificilmente alcançará em plenitude sozinho ou em vida. A pessoa se deixa seduzir
voluntariamente pela imagem da coisa desejada e com uma possibilidade remota de
alcançá-la. Trata-se de uma atitude egoísta, que busca a autosatisfação, mais do que
uma maior compreensão da realidade, via imaginação. Chamamos essas pessoas de
visionários ou idealistas.

 Algo que está presente nas atividades imaginativas despretensiosas, com a única
finalidade do prazer em usar a imaginação. As crianças costumam ter mais gosto pela
literatura fantástica, pois ainda se encontram menos contaminadas pelo racionalismo
adulto. Elas conseguem interpretar o realismo de sentido que há nas histórias e
normalmente não têm medo de encontrar o Lobo Mau no armário ou debaixo da cama.

Muitas vezes as crianças alcançam maior profundidade em suas incursões pelo mundo da
imaginação, usualmente quando estão em grupo. Elas são capazes de vivenciar o faz-de-
conta com grande realismo, sem, no entanto, confundi-lo com o real. Mas quando este
estágio é atingido, acionou-se algo mais do que mero devaneio: o que está se procedendo
agora é um constructo, uma invenção, em uma palavra, ficção (Lewis, C.S., 1996, 52-53).

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Esta concepção de fantasia como “canteiro de obras” é sem dúvida muito semelhante ao de
Piaget, mas é certamente mais abrangente, pois traz no seu bojo, não apenas uma
concepção da psique humana e uma teoria do desenvolvimento cognitivo, mas também uma
concepção de natureza e da existência humana. Por outro lado, este tipo de fantasia não foi
“feita para crianças” como muitos adultocêntricos acreditam.

... a associação entre fantasia (incluindo os Märchen [contos de fada]) e a infância, a crença
de que as crianças são os leitores mais adequados para este tipo de obra, ou que seja a
leitura mais apropriada para crianças é uma concepção moderna e local. A maioria das
grandes fantasias e contos de fada jamais foram escritas para crianças. O professor Tolkien
descreveu o estado real do caso ( Idem, 70).

Depois Lewis explica como os contos de fada simplesmente ficaram “fora de moda” entre os
adultos, devido principalmente ao racionalismo e ceticismo e por isso foram parar nas
creches e setores de literatura infantil das livrarias e bibliotecas. O fato é que eles não têm
nada de “infantil” e requerem muita maturidade para serem devidamente lidos e apreciados.

Os contos realmente fantásticos têm esta característica de concretizar os níveis mais


profundos da realidade que normalmente não são imediatamente visíveis, em outros
mundos. Para se evitar as distorções que a tendência totalitária da perspectiva psicanalista

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pode ocasionar, é necessário distinguir-se ainda outros conceitos fundamentais o da culpa e
da imaginação:

A imaginação tem duas formas de atuação, uma livre, e a outra


escravizada aos desejos do proprietário para quem ela tem que
providenciar gratificações imaginativas. Ambos podem ser pontos de
partida para obras de arte. A primeira forma de atuação, a ‘livre’
continua nas obras que produz e passa do estágio de sonho para o de
arte, por um processo que poderia ser legitimamente chamado de
‘elaboração’: trata-se de um poder de motivação que dá início à
atividade e que retrocede, assim que a máquina se põe em movimento, ou uma armação que
é retirada quando o prédio está pronto. (Lewis, apud Hooper, Walter, 1996, p. 565)

Já no sentido da moral, a psicanálise promove princípios semelhantes aos das religiões mais
comuns, tendo o mesmo objetivo de levantar as causas dos problemas de consciência do ser
humano. Com a diferença, talvez, de a psicanálise ser mais “tolerante”, do que a religião e
essa última propor não apenas uma explicação, mas também uma solução para esses
dilemas.

Enquanto a psicanálise se preocupa em oferecer matéria-prima para as escolhas do homem,


o cristianismo se preocupa com as escolhas em si mesmas em termos de acerto ou erro.

Quando uma pessoa faz uma escolha moral, há dois elementos envolvidos nessa decisão.
Um é o próprio ato de escolher; o outro são os diversos sentimentos, impulsos, emoções,
etc. que o “equipamento” psicológico dessa pessoa põe em jogo simultaneamente, e que
constituem por assim dizer a “matéria-prima”... Por mais que melhoremos a matéria-prima
das decisões humanas, sempre haverá um “algo mais”: a autêntica decisão livre – baseada
na nossa matéria-prima – entre pormos a nossa própria vantagem em primeiro lugar ou em
último. E esta decisão livre é a única coisa que diz respeito à moral. Um material psicológico
ruim não é pecado, mas doença. Não precisa de arrependimento, mas de cura (LEWIS, C.S.,
1997, 95-96.).

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Para o cristão, por exemplo, como é o caso de Lewis, mais do que a matéria-prima, o que
importa é o uso bom ou mal que fazemos dela. Não importa, se estamos falando do
comportamento sexual, social, profissional. A visão complexa e não dualista do bem e do mal
que Lewis revela aponta para toda uma ética da imaginação:

Não é tanto a grandeza ou a pequenez do ato externo o que realmente conta... Lembremo-
nos de que, como vimos acima, o caminho certo não conduz somente à paz, mas também ao
conhecimento. Quando uma pessoa vai melhorando, compreende com clareza crescente o
mal que continua a existir nela; em contrapartida, quando piora, apercebe-se cada vez
menos da sua maldade. Um homem moderadamente mau tem consciência de que não é lá
muito bom; um homem inteiramente mau considera-se um bom sujeito...Só podemos nos dar
conta da embriaguez enquanto ainda estamos sóbrios, não quando estamos bêbados. Da
mesma forma, as pessoas boas, além do bem, conhecem igualmente o mal, ao passo que as
más não conseguem discernir nem o bem, nem o mal (Idem, 99).

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Normalmente os psicanalistas subestimam a profundidade e complexidade do nosso
subconsciente, além de transformarem os seus pacientes em meros “casos interessantes”
pelo resto da vida. Para Lewis, Freud colocou um problema ilusório, que na verdade, pode
ser resolvido pela simples obediência à Moral Cristã.

A psicanálise, se prescindir da visão de mundo cristã, pode se tornar um substituto, pois, em


última instância, ela pretende fazer o mesmo que o cristianismo: “curar” o homem. Neste
sentido, ela até diz coisas que são bíblicas.

A crítica que Lewis faz frequentemente é que os analistas costumam dar tratamento clínico a
tudo, como se tudo fossem “doenças” e ninguém tivesse culpa real. Tanto que a palavra
pecado, tornou-se proibitiva na era pós-freudiana. Daí que enquanto a psicanálise
permanecer uma ciência (coisa questionada até os dias de hoje) e não tiver pretensões de
interpretação total, religiosa do mundo, Lewis não tem nada contra ela.

Outro conceito importante é o de self. Enquanto Freud tem uma visão unilateral, Lewis diz
que existem dois tipos de self: eu e mim. Trata-se de uma questão de intensidade. O mim
está mais interessado em alcançar o seu interesse, enquanto o eu quer fazer o outro feliz, o
que não exclui o amor por si mesmo. Pelo contrário, ninguém poderia amar ao próximo, se
odiasse a si mesmo. Paradoxalmente, porém, só conseguimos amar a nós mesmos, quando
“matamos” o nosso self.

Enquanto o mim é egoísta e centrado nos seus interesses, o eu está focado no processo de
auto-realização. Ele envolve sempre certa abnegação ou certa renúncia. Mas é melhor a
pessoa egoísta, consciente disso, do que o ascético total, que se considera um santo. Pois,
há duas forma de amor do self, uma egoísta, e outra, consciente de que necessitamos do
outro para encontrarmos o caminho da realização. A busca distorcida pelo self acaba no
egocentrismo e a certa, no ágape, que é o amor que sabe se sacrificar.

O ascetismo equivocado atormenta o self, o tipo adequado é o antídoto do egoísmo. Temos


que morrer diariamente: mas é melhor amar o self do que não amar nada, e ter
autocomiseração, do que não ter comiseração de nada (Lewis, C. S., 1996, 195).

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No entender de Dalfonzo (on line, 2002), um dos aspectos que distinguem Lewis de Freud é
o conceito de amor. Enquanto Freud tem uma acepção única, reduzida aos impulsos
sexuais, Lewis distingue quatro tipos de amor:

Como se sabe “Freud acreditava que o ‘amor sucal’ (genital) é o protótipo de toda a
felicidade... os impulsos sexuais são referidos como incluindo todos aqueles impulsos
meramente afetivos e amigáveis, a que costumamos dar o nome extremamente ambíguo de
‘amor’. Entre outras coisas, esta definição implica que o amor está, em última instância,
baseado na busca do prazer – uma questão de satisfazer o self. Talvez não seja tão
estranho que Freud se sentisse tão abandonado nos seus relacionamentos pessoais e
íntimos.

O que espero ter ficado claro, meus queridos alunos, é que a filosofia se vale muito da
psicanálise, particularmente de Freud e da psicologia em geral, que já foi uma disciplina
subordinada a ela, pelas descobertas que ela tem feito quanto ao funcionamento da mente,
sem a qual ninguém filosofa.

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Por outro lado, quando trata de desejos profundos, como aquele pela existência de Deus, a
psicanálise não tem como evitar o diálogo com a religião e é preciso que esse diálogo seja
igualmente “filosófico”, a não ser que ambos os lados cheguem a embates igualmente
dogmáticos e praticamente insolúveis.

Vivemos, hoje, um mundo pluralista, onde predomina o discurso inclusivista e igualitário. Ora,
mas se não houvesse o diferente, não haveria o igual. A luta contra a unidade e promoção
única do pluralismo traz a dissolução e o totalitarismo.

Não é o argumento contra o perigo de dogmatismo que impedirá jamais que as pessoas e
nem mesmo os cientistas ou ateus, tenham expressem a sua fé, não importa, em quê. Esse
é um direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como a
Constituição brasileira.

Agora, achar que é tarefa da filosofia impedir a fé de ter dogmas ou assertivas é a mesma
coisa que achar que a filosofia pluralista impedirá que a ciência deixe de ter seus enunciados
com pretensões de verdade ou de o totalitarismo religioso ou político tomar conta de certos
países. Ora isso não é dar poderes à própria filosofia, a ciência ou (pior) a política de estar
acima do perigo do fundamentalismo?

Todo dogmatismo, totalitarismo, fundamentalismo e até terrorismo tem uma filosofia. Seriam
estas pseudofilosofias? Como, nesse caso, a filosofia verdadeira pretenderia combatê-las?
Então, voltamos à estaca zero: filosofia, cosmovisão, dogma religioso ou credo político: será
que dá na mesma?

Ao contrário do que pensa ainda a grande maioria dos cientistas e acadêmicos,


particularmente no Brasil, como tão bem elucida o então diretor da Faculdade de Filosofia da
UFSC, razão e fé só podem ser distintas para “fins didáticos”, não na realidade dos fatos.

Da mesma forma como não podemos distinguir os princípios da ética (a poiesis para
Aristóteles) e conduta humana e a política (ou educação ou práxis em Aristóteles), a menos
que queiramos entrar num processo dificilmente reversivo de degradação e corrupção da
sociedade.

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Nenhum conhecimento existe sem pontos de partida absolutos, muito menos fundamentos,
mesmo que provisórios. E um dos pressupostos inabaláveis não ditos, dos quais o professor
parece partir nesse pequeno esterço de Chesterton é que toda a qualquer fé tem que ter
dogmas, não é fé. A nosso ver, existe uma pequena diferença entre ter dogmas claros, e
refutáveis, e ser dogmático no sentido de um fundamentalismo desprovido de crítica e rigor
racional.

Num país que se gaba por ser democrático e tolerante com todas as crenças e religiões
minhas experiências nesse campo sempre têm sido desastrosas, pois não tenho medo,
muito menos vergonha de assumir a minha postura religiosa, mesmo correndo sério risco de
somente por isso ser chamada de dogmática e ser reprovado em muitos meios acadêmicos
por nenhum outro motivo que não o religioso.

E vejo acontecer o mesmo com colegas que professam outras religiões... Pergunta-se: que
espécie de democracia e pluralismo ou tolerância religiosos são esses? Agora, você pode
ser de outra opinião e estou curioso para conhecê-la.

Leia atentamente os textos da aula de hoje e façam os testes para você mesmo conferir o
que assimilou até aqui. Vemo-nos na próxima unidade!

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U NIDADE 17
Filosofia Política

Objetivo: Compreender o verdadeiro significado da palavra político Ela vem do grego polis,
que nada mais quer dizer do que “cidade”. Então, o político é simplesmente o habitante da
cidade, ou o “cidadão”. Portanto, políticos somos todos nós.

Minha gente!

Sejam muito bem vindos a mais uma emocionante e eletrizante aula.

Infelizmente muita gente diz que não gosta de falar do assunto dessa aula, pela flagrante
corrupção presente no setor, particularmente no Brasil. Temos até piadas sobre os que
chamamos de “políticos”, a quem costumamos dar a culpa a 99 % das coisas negativas que
acontecem na sociedade, não é mesmo? E isso é muito cômodo, não é verdade?

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Mas vocês vão pensar diferente quando atentarem para a origem da palavra “política”. Ela
vem do grego polis, que nada mais quer dizer do que “cidade”. Então, o político é
simplesmente o habitante da cidade, ou o “cidadão”. Portanto, políticos somos todos nós.

Mas também são as coisas que compõe a cidade: a propriedade, as instituições e suas leis e
ações, como lemos no texto de Chauí. Para o homem grego, a política era nada mais, nada
menos do que o espaço do debate e da reflexão públicas. Não se tratava na época do
domínio e exercício de um conjunto de técnicas e de poderes burocráticos, mas de um modo
de ser no mundo e que abrangia todos, a não ser escravos, estrangeiros e mulheres, não
considerados cidadãos.

A polis, para o cidadão grego, era praticamente o que é o Reino de Deus para o cristão,
desde os primórdios do cristianismo, ou de reino de Davi (Terra Santa) para os judeus.
Desconfio que a consciência disso também tenha inspirado Agostinho a escrever o seu
famoso Cidade de Deus.

Daí que para Sócrates o político ideal fosse o filósofo, ideia essa concretizada por Platão no
mito da caverna e realizada, em parte, por Aristóteles, que foi mestre de Alexandre, filho do
imperador Felipe. Foi nessa época aparentemente que ele desenvolveu seu pensamento

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político. Em suma, a política seria a contraparte coletiva da ética, cujo objetivo é a busca da
felicidade individual.

Acontece que hoje em dia estamos muito longe dessa visão holística e filosófica da política,
que se reduziram os jargões e lugares-comuns, resumidos na ideia básica de que “todo
político é corrupto e ladrão”.

A expressão “sociedade civil” cunhado pelos filósofos humanistas, particularmente Hobbes,


Locke e Rousseau, embora já esboçado pelos antigos, é tipicamente moderno, como tão
bem percebido pela filósofa alemã, Hannah Arendt, que foi aluna de Heidegger, Husserl e
Jaspers. Para ela, a marca da modernidade é a substituição do espaço público pelo social,
enquanto o político ficou suspenso, reservado a uma corporação chamada de “políticos”.

Ela inicia um dos seus clássicos, A Condição Humana, com uma indagação sobre o papel do
conhecimento na modernidade, cuja tendência é concentrar-se na racionalidade subjetiva, a
soberania das classes dominantes, através da imposição da sua ideologia, e seu divórcio do
pensamento reflexivo, dominado pela tecnocracia. Assim, ela começa com a filosofia política,
para acabar no campo da antropologia filosófica, discutindo o conceito mais amplo da
condição humana.

No lugar do conceito de exploração, de Marx, entretanto, Arendt sugere o de ação humana


como condição de pluralidade e relação dialógica pela qual o indivíduo desenvolve a sua
verdadeira identidade na esfera pública. Com isso, ela também resgata o conceito de
responsabilidade do indivíduo pelo que ocorre no mundo circundante, que não se explica
exclusivamente com base na luta de classes.

Ao ver de Arendt, o racionalismo é um grande equívoco da humanidade que está na raiz de


todo tipo de totalitarismo (fenômeno que se tornou central na sua obra, Origens do
Totalitarismo, Entre o Passado e o Futuro), irresponsabilidade e indiferença com as coisas,
particularmente com a política, que podemos observar até hoje nas sociedades.

Essa experiência de pensamento, longe de ser reduzida à razão, envolve também o âmbito
espiritual, já que se trata de uma experiência imaterial. Como a política é a experiência da

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felicidade coletiva e essa só pode ser atingida pela virtude, ela também é o instrumento por
excelência do bem na sociedade. E como o mal, para o grego, se encontra na limitação, o
papel do político é precisamente o de impor limites.

O caráter imaterial do pensamento traz à tona a importância da metáfora para exprimir o


“inexprimível” da realidade, por assim dizer, e o predomínio do mundo das aparências, sobre
o empiricamente observável.

Daí a importância da linguagem e particularmente da linguagem poética, que fez Arendt


afirmar que a filosofia teve que frequentar a escola de Homero, pois, segundo Heidegger, a
poesia é “vizinha” do pensamento. Assim a condição humana é marcada por uma dupla
abertura: para o mundo e para a transcendência.

No sentido político, todas as formas de totalitarismo têm em comum a negação da liberdade


e abertura para o transcendente, enquanto a política sensata abre espaços para a verdadeira
experiência de ser-desse-mundo, de maneira responsável.

Nesse sentido, ela tem um papel importantíssimo e valioso, sendo ao mesmo tempo bastante
perigosa, precisamente quando estimula a capacidade de interpretação ou quando essa
ultrapassa os limites estabelecidos. Assim, a literatura representa um convide à
reconsideração sobre o que estamos fazendo, principalmente no campo da ética e da
política. Não é para menos que todas as ditaturas se preocupam com a censura e controle
do que se cria e apresenta no campo da literatura e da arte ou cultura em geral.

Se olharmos pela perspectiva do cristianismo, que deu continuidade à cultura greco-judaica e


romana, vemos que a filosofia da igreja primitiva – aquela primeira que se formou após a
morte de Cristo e que foi ferozmente perseguida pelos imperadores romanos - sempre foi
“comunista”, ou seja, composta de vida em comunidade, sem acepção de pessoas. E ela
sempre teve um livro em seu centro como fundamento: a Bíblia.

Seus membros compartilhavam absolutamente tudo muito antes de Marx sequer ter nascido.

Todas as pessoas são eternas, diz C.S. Lewis, ninguém é medíocre, pois todos os seres
humanos são criaturas de Deus, portanto eu não posso tratar ninguém como se fosse igual a

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todo mundo. Por outro lado quando eu trato a desigualdade da pessoa como ela deve ser
tratada, quando eu valorizo o que a pessoa tem de mais próprio, mais tipicamente dela, aí é
que estarei trabalhando em prol da igualdade.

Quando eu reconheço o outro como infinitamente outro é que posso tratá-lo como igual.
Mesmo entre homens livres e iguais esse princípio precisa ser mantido, pois não é possível
que todos mandem ao mesmo tempo, mas devem revezar-se segundo outra cronologia ou
critério. O importante é que eles sejam legítimos e justos.

Infelizmente essa filosofia foi sucumbindo, de modo que o que se diz “cristão” hoje em dia
esteja muito mais associado a uma filosofia liberal e neoliberal, do que a uma filosofia
comunista.

Essa filosofia comunista era absoluta novidade para os gregos, que acreditavam no que
Aristóteles dizia sobre a igualdade e desigualdade entre os homens:

Efetivamente, todos os homens se apegam à justiça, mas só avançam até certo ponto
e não dizem qual é o princípio de justiça absoluta em seu todo. Pensa-se, por
exemplo, que a justiça é igualdade – e de fato é, embora não o seja para todos, mas
somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade
pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles
que são desiguais entre si. (Aristóteles, Política, 92)

Em outra parte, ele apresenta um raciocínio ainda mais contundente: “uma vez que pessoas
iguais em uma só qualidade não devem ser consideradas iguais em todas, nem as desiguais
a respeito de uma só qualidade devam ser consideradas desiguais em todas, segue-se que
todas as formas de constituição fundamentadas numa igualdade ou desigualdade
generalizadas são desvios da constituição ideal.” (Idem, 102)

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Parece complexo
demais? A sociedade
grega era assim. Uns
eram considerados
“mais iguais” do que
os outros, os
chamados
aristocratas.

Pois bem, em resumo


o que ele diz é que
existe uma igualdade
por princípio, mas essa igualdade por princípio não anula certas desigualdades, e mais, se
eu anular essas desigualdades menores, acabarei pondo a própria igualdade em risco. Por
exemplo: como posso me identificar com uma pessoa que é igual a mim em tudo? Seria
como me confundir com ela e não me identificar.

Assim, resumidamente, desde Aristóteles, há um consenso sobre os três regimes políticos


existentes (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas
(tirania, oligarquia, demagogia/anarquia). Nenhum governo usurpado pode ser legítimo ou
justo para ele. Para ser legítimo, ele
deve ser reconhecido ou conquistado.

Vamos ver o que diz um jornalista que


era um grande defensor da visão cristã
do mundo, G. K. Chesterton (2007):

Todos os direitos constantes da


declaração da independência dos
Estados Unidos da América
fundamentam-se no fato de que Deus
criou todos os homens iguais e isso é

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correto, pois se eles não tivessem sido criados iguais, certamente teriam se desenvolvido de
forma desigual, nunca se terá base suficiente para defender a democracia, a não ser através
da doutrina acerca da origem divina do homem.

Bem, essa afirmação é um tanto complicada nos dias de hoje, pois como ficam as teorias
evolucionistas nessa história? Então esse jornalista, declaradamente cristão foi bem ousado,
quando disse que ou você acredita em uma origem eterna, transcendente do ser humano, ou
sua busca pela igualdade está furada.

Mas não só é verdade que há crenças fundamentais que unem os homens, como é certo que
desde que uma diferença nela seja bem definida essa mesma diferença também pode uni-
los, uma fronteira ao mesmo
tempo em que separa, possibilita
a união e cooperação. “Com o
céu limpo", diz Chesterton, “os
homens podem caminhar pela
beirada do abismo; com nevoeiro
os homens afastar-se-ão da
ravina que os separa, ou seja,
acontece o mesmo com a religião
[e a política], ela pode unir as
pessoas, pode fazê-las se
valorizarem como iguais, mas
também pode separar. O limite é
tênue.”.

Polêmico, não? Ou será tão evidente, que fica difícil de engolir? Nesta unidade você terá
muita chance para o debate, tanto no fórum, quanto no exercício dissertativo. Mãos à obra e
até a próxima!

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U NIDADE 18
Filosofia da Educação

Minha gente,

Chegamos a um dos pontos altos da nossa caminhada, pois a educação é um dos mais
importantes capítulos da filosofia e da política a começar pelas questões que dizem respeito
à educação familiar. A experiência comprova que, se eu fizesse uma enquete, grande parte
de vocês concordaria que o principal papel do educador, em especial o da escola, tem por
incumbência “transmitir”, “passar”, “veicular” ou até “transportar” conteúdos para o aluno,
como se fosse um arquivo de computador a ser enviado como ondas de rádio, nas quais o
aluno tem que se sintonizar.

Costumo dizer aos meus alunos e alunas que quem passa alguma coisa lá em casa sou eu,
e são roupas, não conhecimentos. Será que o ensino e aprendizagem acontecem como a
transmissão de ondas magnéticas ou de arquivos via e-mail, de forma mecânica e de mão
única? Tais imagens e metáforas, muito recorrentes no nosso cotidiano mostram a força de
duas escolas, que predominam na prática de sala de aula, que é a do ensino tradicional, com
roupagem tecnicista, que vem combinado ao discurso, mais do que prática construtivista.
Usualmente ele só em tese, pois tudo muda a partir do momento em que o professor fecha a
porta da sala de aula, passando a ser o “dono” da palavra.

Mas antes de entrarmos nos detalhes dos pensadores e escolas educacionais que aí estão
que você pode conferir no arquivo “Tendências Pedagógicas” e no livro Educação e
Democracia, de Demerval Saviani, faz-se necessário primeiro uma pequena “escavação” das
palavras envolvidas, cuja importância conhecemos nas aulas de filosofia da linguagem e
filosofia analítica.

A palavra educação remonta ao conceito de paidéia, embora já tivesse perdido grande parte
desse significado no mundo ocidental. Ela foi cunhada pelos gregos, embora haja indícios de
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ideia equivalente na Bíblia e, portanto, na cultura judaico-cristã. O alemão Werner Jaeger,
por exemplo, dedicou uma obra considerável e bastante conhecida (Paidéia – Ed. Martins
Fontes) ao tema que já havia sido resgatado anteriormente pela Idade Média.

Afirma ele, que a palavra é tão ampla e complexa, que não possui equivalente nas línguas
ocidentais. Trata-se um conceito ainda não fragmentado de educação, no sentido
transcendente e holístico de Bildung ou formação humana. Ela envolve não só a dimensão
intelectual e de informação, mas também a artística ou estética e imaginativa, a emocional, a
física, a político-ideológica, a espiritual, enfim, o ser humano na sua integralidade. Na
concepção dos gregos, tratava-se do “ideal coletivo de homem”, ou seja, o máximo que o
cidadão poderia ser para o bem da “venerada” e “cultuada” polis ou cidade.

Assim a palavra está muito ligada também à


“cultura” no sentido bem amplo e geral. Daí que
uma filosofia da educação autêntica seja, ao
mesmo tempo, uma antropologia filosófica.

Tal concepção antiga expressa-se através de um


currículo ou programa das já mencionadas “artes
liberais”, concebido na antiguidade e
reaproveitado até a Reforma, que era
extremamente holístico. O falando do trivium
(gramática, retórica, dialética) e do quadrivium
(aritmética, geometria, astronomia, música), do
qual já falamos anteriormente, quando
discutíamos na educação na Antiguidade e Idade
Média.

Esse currículo interdisciplinar dispensava qualquer “livro didático”, uma vez que os gregos já
dispunham de uma rica mitologia ou de contos imaginativos de poetas como Homero e
Hesíodo, da mesma forma como os judeus possuíam o Antigo Testamento e suas histórias.
Quem é que não fica fascinado com essas histórias? Quem precisa de mais alguma coisa

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para aprender o que tem que ser aprendido? Tanto que temos versões das mesmas até os
dias de hoje. Dessa forma, a educação assume um papel político, pelo simples fato de
privilegiar alguns conteúdos, que correm pelo rio da educação e não a outros, que ficam por
assim dizer, na “margem”, menos propenso a ser distorcido pelos interesses ideológicos,
sejam eles tradicionais, neoliberais idealistas (escola nova – otimismo pedagógico) ou até de
“progressistas”, para servir ao interesse da sociedade em geral, mas sem ao mesmo tempo
pretender “neutralidade”. Sem querer mudar o mundo, como Saviani destaca em sua teoria
de curvatura da vara de Lênin, Guattarri, com sua “Revolução Molecular” e Paulo Freire, com
suas várias “pedagogias” (“do oprimindo”, “da autonomia”, “da esperança”), mas
principalmente com a Pedagogia dos Sonhos Possíveis, onde é enfático em insistir que “a
educação não pode tudo, mas pode alguma coisa.” A proposta de Antônio Gramsci de
educador como “intelectual orgânico”, que muito inspiraram Saviani em sua teoria crítico-
social dos conteúdos, também pode ser acrescido a essa linha.

Outra raiz menos remota da palavra


“educação”, do latim educatione, quer dizer
aperfeiçoamento, polidez, cortesia,
instrução ou ensino. Ela está intimamente
relacionada à edu-cere, literalmente
“colocar para fora o ser”. Significa ainda
desenvolver habilidades e competências
físicas, intelectuais e morais. A palavra
pode ser sinônima também de instruir,
doutrinar, ambientar, ou então, pode
equivaler à habilidade do autodidata, de adquirir dotes intelectuais, de instruir-se ou de
educar-se a si mesmo.

Temos ainda o sentido negativo de “domesticar” ou “doutrinar”.

Nesse sentido, a educação se aproxima de outra palavra, a didática, que vem do grego
didaktiké e significa a arte, ciência ou modo prático de ensinar. A didática viria a se tornar
uma das principais disciplinas do campo “científico”, inaugurado na era moderna,
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denominado Pedagogia. Lembramos que pedagogo era na sociedade grega o escravo que
“conduzia” a crianças para a escola e assim, para o saber. Enquanto a didática se encontra
bem no cerne da pedagogia, a educação necessariamente a transcende, já que não se deixa
reduzir a limites metodológicos rígidos. Ela simplesmente acontece, envolvendo vocação,
motivação e coração para além da técnica, aproximando-se, por esse aspecto, da arte e da
filosofia.

Assim, idealmente, a educação envolve uma responsabilidade ou compromisso e uma


vocação intencional e realizada com excelência, por todas as instituições sociais,
particularmente a família, mas também a igreja e a organização ou instituições em geral, que
concorrem para a formação da pessoa humana. Nada como a consulta a outras línguas para
entendermos a distinção entre didática e educação.

Infelizmente hoje, grande parte desse sentido ideal, perdeu-se e as instituições acabam
adotando o que chamamos de “Currículo oculto”, ou seja, um conteúdo ideológico, para além
do explícito, que se pauta ainda pela fragmentação (seriação) e pela linearidade. Como
pudemos ver então, as palavras educação e didática têm hoje ramificações de sentidos
variados, assumindo, inclusive, sentidos pejorativos de pedantismo e enciclopedismo, que
põe em dúvida o seu valor moral. Portanto, o sentido mais remoto do ser didático na maioria
das línguas é também o mais utilizado, qual seja o de ser “chato” ou excessivamente
“sistemático”.

Na verdade, a "didática“ está em íntima relação com o substantivo feminino grego didaché,
que quer dizer "magistério“. Até bem pouco tempo atrás, os cursos de formação de
professores levavam esse nome, sendo substituídas mias tarde pelos cursos de ensino
Normal Superior. Já na Roma antiga, a palavra para crianças, didicoi, também podia ser
aplicada a jovens delinquentes.

Surge daí outra grande questão: como teria se dado esta passagem do sentido da “arte ou
ciência” para o do “ensinamento da doutrina”; do “manual de instruções” para apoiar a
formação de pessoas carentes de formação, de maneira cada vez mais individualista e
fragmentária que temos hoje?

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Supõe-se que essa perda de significado pode estar por trás de boa parte da ambiguidade e
falta de positividade da didática: por um lado, ela envolve vocação, paixão, criatividade de
artista e por outro, ela aponta para caminhos ou métodos claros e objetivos para corrigir e
disciplinar a ovelha que anda fora do aprisco.

Além dessa polaridade entre a criação e a condução por vias de acesso mais ou menos
seguras a um destino pretendido ou intencional, um dos maiores clássicos da educação,
Israel Scheffler (1974).1, aponta para outra polaridade envolvida no conceito: a da
conservação ou da tradição, por um lado, e da transformação, por outro.

A pluralidade e ambiguidade dos conceitos


do campo educacional em geral são para
ele nada mais do que reflexo da
complexidade própria do seu “objeto” de
estudo, o ser humano. Longe de nos fazer
desanimar, entretanto, ela nos convida ao
diálogo, ao exercício da reflexão crítica e
da tolerância.

Quanto mais complexo o objeto, mais


importante é a promoção de uma
linguagem simples e comunicativa para
veiculá-lo. Daí a importância da busca de
ilustrações e metáforas alternativas para
os diferentes conceitos relacionados à
educação, adotados por educadores
europeus como A. Nóvoa e Scheffler.

“Ensinar”, por exemplo, pode ser


comparado a escrever uma carta. Ninguém
sabe se a carta foi “boa” enquanto não tiver uma resposta positiva. Trata-se assim de uma

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tentativa e esforço que exige uma resposta positiva: o aprendizado. O ato de ensinar, que
envolve continuidade, depende intrinsecamente assim, de feedbacks constantes entre
professor e aluno; aluno e aluno, e de todos os demais envolvidos.

Como Rubem Alves gosta de usar, ensinar pode ainda ser comparado com o cozinhar, ou
seja, uma ação que envolve arte e técnica a um só tempo. Finalmente, o educador também
pode ser comparado ao médico, pois envolve não apenas um diagnóstico prévio, mas
também a colaboração do paciente na ministração da medicação adequada para a volta à
saúde.

Da mesma forma que no ato de cozinhar e cuidar da saúde dos outros o ato de ensinar só
não é suficiente para completar ou ocasionar o aprendizado. Para o ensino ter sido “real”, é
preciso que se tenha alcançado a mudança de comportamento almejada, sob certas
condições. É preciso, usando termos de Paulo Freire, que seja transformador e libertador.
Para a cozinheira ou mestre-cuca, isso normalmente se expressa em palavras e
exclamações de prazer daqueles que provam a comida.

Também está embutido na ideia do ensino o


fator tempo. Ninguém duvida que seja
fundamental para um professor levar em conta
esse elemento para o sucesso de todo o
processo de aprendizado. Daí a importância, na
didática, da sequência e duração de cada fase
do método empregado. Além dos grandes
pensadores clássicos da filosofia, que se
preocuparam de forma mais ou menos intensa
pela educação, temos os clássicos dedicados a
essa área específica. Poucos tentaram
sistematizar uma proposta de maneira tão completa como João Amos Comênio, criador do
primeiro livro didático e também da primeira proposta metodológica educacional e da filosofia
educacional que chamava de Pansofia.

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O que temos depois são escolas, que agregaram a pedagogia às descobertas das ciências
naturais e humanas, como dimensão a ser considerada. Elas podem ser classificadas em
várias tendências pedagógicas, sendo que ninguém as segue exclusiva ou completamente
(veja novamente o quadro-resumo nos textos complementares). Qualquer classificação
rígida nessa área seria danosa, devido a sua não possibilidade de delimitação clara.

A grande questão para o educador agora, diante desse pluralismo é: qual é a minha
alternativa? Tenho que tratar meus alunos como iguais. São as chamadas “políticas
afirmativas” articulando-se às propostas educacionais.

Com isso, os professores precisam manter-se atualizados tratar de novos assuntos, como os
“Temas transversais”, em novas linguagens como libras e braile?

Resta aí uma pergunta delicada: até que ponto os educadores devem assumir grande parte
do que era reservado ao foro familiar, como a orientação sexual e religiosa Recomenda-se
efetivamente que não sejam proselitistas ou tratarem seus alunos com preconceito, quando,
como ocorre com qualquer ser humano, é evidente que os têm? Será que isso por outro lado
não se torna uma nova versão de tirania e manipulação? O educador vê-se muito nesse
dilema já que a sociedade impõe e exige algumas coisas que a família não cumpre mais. A
sociedade quer que a escola resolva todos os problemas de aprendizado e disciplina, só que
ao mesmo tempo os professores estão de mãos amarradas, porque não podem emitir
opiniões morais, éticas, religiosas. Eles são instruídos a se despir do que muitas vezes lhes é
mais precioso e a que têm direito como qualquer outro cidadão, adotando uma postura de
neutralidade e exigindo dos alunos o mesmo. Muitas vezes, principalmente nas escolas
particulares, para evitar problemas com pais, diretoria, etc., o educador deve evitar sequer a
falar de princípios da vida e da existência, para não serem acusados de doutrinação.

Um reformador da educação espanhola, A. L. Quintás (2006), é de grande ajuda para


compreendermos o que vem a ser “manipulação”. Ele diz em resumo, que manipular é tratar
o outro como se estivesse em um nível de existência inferior ao seu, ou seja, é subestimar,
desmerecer, não tratar com apreço merecido, não apreciar a pessoa como ser humano que
é. E essa depreciação acontece em geral, através da linguagem verbal e não-verbal:

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A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas também, o mais arriscado. É
ambivalente: a linguagem pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, difusora da verdade
ou propagadora da mentira. A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir
a verdade, e proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão. Basta
conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada, mas astuta
pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não estiverem de sobreaviso.
Para compreender o poder sedutor da linguagem manipuladora, devemos estudar quatro
pontos: os termos, o esquemas, as propostas e os procedimentos (idem).

E essa postura costuma voltar-se de novo para seu autor, na forma de sofrimento dobrado, o
que muitas vezes o leva a rebaixar ainda mais o nível em um ciclo vicioso e autodepreciativo.

Pessoas assim, manipuladas-manipuladoras normalmente assumem uma postura em sala


de aula que Paulo Freire “batizou” de educação bancária. Ou seja, o professor dá seu ponto
na lousa e se sente com a “missão cumprida”. Ele, como “dador” de aula maioral e que
controla todo o processo de ensino-aprendizagem, despejando seus saberes na lousa e na
mente dos alunos e deixa por sua conta, “trocar” o “cheque” em miúdos. Não raro, trata-se
ainda de um “cheque sem fundos”. Esse é um dos ranços do sistema educacional brasileiro
devemos combater e, de resto usar dos melhores conhecimentos trazidos por cada uma das
tendências.

Espero que leia o que puder/mais lhe interessar do material acrescentado a essa aula e até a
próxima!

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U NIDADE 19
Filosofia Ética I

Objetivo: Compreender a relação existente entre ética e valor e que esta tem relação direta
e indireta com a educação.

Olá pessoal,

Nesta unidade vamos falar de um dos mais importantes assuntos da filosofia e que tem mais
uma vez relação direta e indireta com a educação. Já que é tão importante, subdividirmos o
tema em duas unidades!

Antes de nos aprofundarmos nas diferentes teorias, como sempre, vale a pena uma pesquisa
etimológica. A palavra ética vem do latim ethos, que significa costume, e é sinônimo de
mores, no grego.

De acordo com o Aurélio, trata-se do "estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta
humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a
determinada sociedade, seja de modo absoluto." Ou seja, embora o comportamento moral se
confunda em grande parte com a
ética, por estar nela inserido, este
não dá conta da abrangência do
conceito, pois, além do
comportamento, a ética envolve
um juízo, ou seja, um julgamento
entre o bem e o mal.

Nesse sentido, Vázquez (apud,


NASH, Laura L. 1993, p. 121)
esclarece qual a relação entre
esses dois conceitos:
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Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos
problemas morais da vida cotidiana, que são os que nos apresentam nas situações
concretas.

O ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento moral dos


indivíduos ou da comunidade. Mas a função fundamental da ética é a mesma de toda teoria:
explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos
correspondentes...

Mas o campo da ética nem está à margem da moral efetiva, nem tampouco se limita a uma
determinada forma temporal e relativa da mesma.

Assim, a ética, longe de reduzir-se a um moralismo simplista de uma lista de coisas que se
“pode” ou “não pode” fazer, não se limita absolutamente ao comportamento, que é regulado
pelas convenções sociais, mas abrange algo que procede do reconhecimento de um valor
objetivo intrínseco às coisas.

Nesse sentido, o tão usado e abusado "código de ética", adotado hoje pela maioria das
entidades de classe e empresas, é simplesmente contraditório, já que a ética não pode se
reduzir a nenhum conjunto restrito de regras.

Mas qual a relação entre ética e moral, que por sua vez está ligada aos valores? O estudo
exclusivo dos valores tem outro nome, chamado de axiologia.

Para Aristóteles, a ética está ligada a ethos (costume), ou seja, a ação que se repete por ser
considerada moral, e à poiésis. A ética, para ser verdadeira, tem que se fundar na intuição e
transcendência, da qual depende também o ato poético, inspirado pelas musas, como vimos
na narrativa da criação do mundo.

Elas lembram os poetas do que são os homens, e assim, são ricas em orientações éticas. A
moral, por sua vez, é a práxis equivalente, a aplicação inalienável da “ética teórica”.

Também os valores, como o da família, da convivência social, do trabalho em equipe, que


sem dúvida estão em crise, não são próprios das coisas, mas constructos sociais. Eles

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normalmente se baseiam na experiência, mas também se orientam pela cultura. Toda cultura
pode ser diferenciada pelos seus valores próprios.

Um dos valores do meu povo, por exemplo, é a disciplina e subordinação, que se expressa
com rigidez Já o americano valoriza muito mais a conduta autônoma e criativa.

Os valores nos fazem estabelecer listas de


prioridades que normalmente guiam as nossas
decisões cotidianas. Por outro lado, o fato da
ética estar ligada a valores, não quer dizer, que
ela seja puramente subjetiva e relativa, pelo
contrário, o valor das coisas guia-se, em última
instância por grandes referencias éticos
universais.

O trabalho em equipe entre bandidos, por


exemplo, que provam essa capacidade no
assalto a um banco, não pode ser considerado
louvável. Ou a disciplina na exploração
desenfreada do trabalho humano.

Assim, a ética não se limita ao mero costume ou à simples convenção social e valores de
uma cultura, mas está ligada a referenciais, que por sua vez, dependem de critérios, que,
embora atribuídos socialmente por pessoas, precisam ter uma dimensão mais ampla,
objetiva e permanente, sem a qual seria simplesmente impossível falar em "direitos
humanos", por exemplo.

Tais direitos não podem ser impostos ou codificados por um computador, mas dependem da
educação, entendida como conscientização autônoma. Tendo em vista o desnorteamento
ético que observamos na maior parte das escolas, que tendem ao relativismo moral, de
acordo com alguns profetas mais pessimistas, estaremos mecanicizando cada vez mais a
sociedade, fazendo-a ingressar num processo de extinção da própria espécie que pode ser
irreversível.

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Assim, para fins didáticos o estudo da ética é dividido em dois campos: da ética geral, que
trata das grandes questões universais, como “o que é liberdade?”, “o que é o bem e o mal?”,
etc; e da ética específica, ou aplicada ao dia a dia, no caso, ao cotidiano em geral, das
empresas, que pode ser denominada de "moral".

Acontece que esses dois planos encontram-se intimamente mesclados na realidade da vida
e a maioria das pessoas procura esquivar-se ao máximo do grande dilema humano, que é o
lidar com a diversidade moral, sem pôr em risco a unidade ética, como elucida Valls:

a ética tem pelo menos também uma função descritiva: precisa procurar conhecer,
apoiando-se em estudos de antropologia cultural e semelhantes, os costumes das
diferentes épocas e dos diferentes lugares. Mas ela não apenas retrata os costumes:
apresenta também algumas grandes teorias, que não se identificam totalmente com as
formas de sabedoria que geralmente concentram os ideais de cada grupo humano. A
ética tem sido também uma reflexão teórica, com uma validade mais universal (Idem,
11-12).

Embora o "espírito do tempo" (Zeitgeist) tendesse mais à negação dos princípios universais,
por uma pretensa "tolerância" e aceitação "democrática" da diversidade dos modos de vida
humanos, muitos princípios da ética encontram-se implícitos na sabedoria dos povos e do
que costumamos chamar de “bom-senso”.

Certos comportamentos parecem


indiscutivelmente "bons", "desejáveis" ou
"nobres", enquanto outros são tão
"deploráveis", "desprezíveis" e
"degradantes", que não requerem maiores
explicações. Podemos ver exemplos disso
nos jornais diários de todo o mundo. Isso
também pode ser observado no dia a dia
do trabalho.

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A professora Nash destaca alguns desses princípios universais no contexto organizacional:

... a concordância sobre os ideais [modernos como ganhar dinheiro] não significa
concordância sobre sua aplicação. O aborto, por exemplo, pode ou não ser considerado um
ato de justiça, amor ou respeito pelos outros. O trabalho duro, quando em excesso, pode ser
considerado como danoso à família, muito embora sua intenção seja a expressão de um
compromisso. A honestidade à custa de carreira pode ou não, ser vista como uma barganha
aceitável, mas é importante notar que, apesar de não haver acordo nas aplicações
específicas, os termos têm significado. O idealismo ético não é totalmente relativo, mesmo
em uma América pluralista (...). Os diversos grupos que pesquisei nunca sugeriram que seus
ideais éticos centralizavam-se, digamos, no hedonismo sádico, na exploração desenfreada
ou na discriminação violenta. Muito embora tais valores, às vezes, influenciem o pensamento
gerencial, eles não são aclamados como atos de integridade... Nessas bases, é possível
usar essa lista de valores como ponto de partida de minha discussão. Após ter trabalhado
com cerca de duzentos códigos de ética corporativa..., depois de entrevistas com,
literalmente, milhares de executivos, após analisar artigos pró e contra as empresas na
imprensa em geral, eu sugeriria que, de forma geral, os mesmos padrões de decência
conduzem as definições de nossa sociedade para a integridade nos negócios.

Assim sendo, uma descrição geral da integridade nos negócios compreenderia os seguintes
valores básicos.

 *Honestidade - precisão ao avaliar e representar qualquer atividade relevante para ela.

 *Confiabilidade - ser consistente nas ações com os valores que se defende. Isso implica
desde cumprir consistentemente as alegações do seu produto até punir os empregados
que não honram os padrões que você alega serem integrantes da empresa.

 Justiça - equilibrar os direitos dos diversos grupos com consistência e boa vontade.
Embora as empresas divirjam fortemente quanto aos limites de sua responsabilidade para
com seus parceiros em relacionamentos não-comerciais, parece haver mais consenso
sobre as manifestações comerciais da ética: justiça significa adotar uma ética que não
tenda totalmente nem para o comprador nem para o vendedor (Idem, p. 32-33).
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Hoje, embora a ética seja algo bastante procurado, há uma discrepância nítida entre o vivido
e o recomendado, entre "ser" e o "dever ser". É a lei conhecida no Brasil como “Faça o que
eu digo, mas não faça o que eu faço”. Muitos vivem de forma simplesmente amoral, sem
quaisquer pruridos e poucos entendem o conceito de ética, no seu sentido completo. Mais
raros ainda a praticam, muito devido às influências histórico-sociais, como nos mostra o
Professor Álvaro Valls (199 47):

A reflexão ético-social do século XX trouxe... outra observação importante: na massificação


atual, a maioria hoje talvez já não se comporta mais eticamente, pois não vive imoral, mas
amoralmente.

Os meios de comunicação de massa, as


ideologia, os aparatos econômicos e do
Estado, já não permitem mais a existência
de sujeitos livres, de cidadãos conscientes
e participantes, de consciências com
capacidade julgadora. Seria o fim do
indivíduo?

Assim, a ética tem mais a ver com um


estilo de ser e viver, do que com atos
isolados. Em palestra recente, este mesmo
professor frisou a importância de, antes de
mais nada, o educador ser um exemplo de postura ética em sala de aula, explicitando os
seus valores.

Pois já não se pode mais falar em "neutralidade", quando se trata de valores universais. Ou
os valores éticos existem e nós os assumimos, ou valerá a lei da selva, do mais forte e do
fazer o que bem se entende.

Outro conceito que é mister resgatar neste contexto é o de religião. Para Valls já não é mais
possível querer escapar desta questão que é fundamentalíssima para a compreensão do ser

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humano e da sua eticidade e essencial para a formação integral do homem, como veremos
em unidades futuras.

Espero que essa unidade o tenha feito pensar sobre essa palavra muito falada e infelizmente
tão pouco praticada. Aguardo vocês para a próxima!

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U NIDADE 20
Ética II

Objetivo: Entender criticamente que a formação ética necessariamente passa pela educação
e pela cidadania.

Minha gente,

Bem vindas/os a mais uma unidade!

Na verdade estamos complementando a conversa da aula passada, falando um pouco da


chamada “ética clássica”, ou “ética das virtudes cardeais”, assim denominadas, porque
servem como norte, da mesma forma que os pontos cardeais, numa sociedade que vive
dizendo que não tem tempo, mas na verdade tem é preguiça para tratar de questões
profundas e comprometedoras com essa.

É claro que hoje existe


uma diversidade de
outras éticas, como se
pode inferir pelo material
acrescentado a essa
unidade. Mas optamos
conscientemente por ela,
precisamente por ser
“clássica”, que, ao lado
dos PCN sobre ética,
podem servir de pontos de referência norteadores da prática pedagógica.

Mas não basta publicar leis, por mais belas que pareçam no papel, sem se preocupar com o
seu ensino.

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A formação ética necessariamente passa pela educação e pela cidadania. E ela tem que ser
tão incisiva e vivencial, que não apenas arranque velhos paradigmas equivocados, como os
extremos do mero moralismo e do relativismo moral, pela raiz.

Isso significa mexer com o cotidiano e com os hábitos diários das pessoas, que atualmente
são dominados e reféns pela
mídia.

Criadas por Aristóteles, as


quatro virtudes cardeais foram
retomadas por vários autores
ao longo da história, desde os
medievais, até os modernos e
contemporâneos por seu
caráter universal.

Eu também as escolhi porque podem muito bem ser usadas como metodologia de estudo de
contos ou histórias, que, como vimos anteriormente:

1. Justiça ou Equidade:

Trata-se de uma das virtudes mais cobiçadas por todo o mundo e uma contra a qual a maior
parte das pessoas se queixa, quando sentem sua falta. Infelizmente, quando se fala em
justiça hoje, muitos a confundem ou limitam ao sentido forense, dos advogados e
legisladores, ligados ao chamado “Ministério da Justiça”. O filósofo e teólogo alemão, Josef
Pieper, assim a define:

“A justiça já foi chamada também ‘arte de conviver’, uma formulação que por sua vez pode
também ser mal-interpretada, como se não se tratasse de nada mais do que de arranjar-se
com os outros”. Não é isso, no entanto, o que se quer dizer, e sim, mais propriamente, um
conviver em que cada um recebe o que lhe é devido...

E assim, nos casos devidos, deve novamente entrar no lugar da Justiça (impossibilitada de
realizar-se) outra coisa: a piedade. A atitude de honra e de respeito (não realizado apenas

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interiormente) que diz: ‘Devo-te algo que não posso pagar, e manifesto que estou consciente
disso através dessas atitudes. ’ Quando nos sabemos assim agraciados e endividados diante
de deus e dos homens, não pautamos tão facilmente nossa vida pela atitude de
reivindicações que pergunta: ‘O que me é devido?’” (PIEPER, Josef, on line, 1999).

 A virtude da justiça está presente numa história ou conto quando:

 Alguém é lesado por dano ou perda, com o consequente prejuízo.

 Alguém reconhece, assume ou paga uma dívida.

 Alguém é devidamente recompensado.

 Alguém é devidamente punido.

2. Fortaleza, coragem ou perseverança:

Estamos lidando aqui com aquele indivíduo que é fraco e consciente de sua fraqueza, mas
que resiste bravamente. Por exemplo, aquela pessoa que sabe que está com câncer, mas
que não entrega os pontos e continua a sua vida normalmente, quando possível. Aquela
mulher trabalhadora, abandonada pelo marido e que se desdobra para oferecer uma vida
confortável para os filhos, etc. Pieper assim a define:

“Fortaleza, heroísmo, vitória: tais conceitos sempre são pensados em bloco....


o bem não se impõe por si mesmo, como opinam os liberalismos, para que sito
ocorra, há necessidade do empenho da pessoa. Empenhar-se pela realização
do bem contra o poder do mal (que às vezes também poderá ser um super-
poder), eis aí circunscrito de forma bem completa aquilo que perfaz o ato da
virtude da Fortaleza...E nós, tarde nascidos começamos a perceber porque os
antigos consideravam a parte essencial da Fortaleza o resistir, e não o atacar.”
(Idem).

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A virtude da fortaleza manifesta-se numa história quando:

 Alguém executa um plano de resistência contra um poder maligno.

 Há uma luta entre um personagem mais fraco e bom, contra um mais forte e mau.

 Alguém manifesta um ato de heroísmo ou martírio.

 Alguém se empenha ao máximo em um projeto, sacrificando-se para o bem de outra(s)


pessoa (s) ou causa.

3. Temperança, moderação ou autocontrole:

Essa virtude poderia ser resumida como sensatez ou saber como defender-se contra a
autodestruição. É mais fácil reconhecermos a falta dela, do que ela em ação. Quando um
motorista pega o volante, depois de ter tomado umas “cervejas”; quando uma mulher se
arrisca a andar desacompanhada por uma rua escura que sabe ser perigosa; quando alguém
bebe ou fuma ou toma drogas, come sem encontrar o limite, etc.

Há quem diga que ser temperante é, em uma palavra, ser sóbrio e equilibrado ou assertivo,
Ter mansidão ou domínio próprio. O contraponto disso é o descontrole, o excesso, a
exagerada busca da satisfação dos próprios desejos. “Trata-se na verdade, de que
justamente as forças do ser do homem orientadas por natureza para a autoconservação,
aperfeiçoamento e realização, são aquelas mesmas forças que podem também desnaturar-
se para a autodestruição." (Idem)

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A virtude da temperança está presente numa narrativa quando:

 Alguém desfruta de algo sadio e com prazer, sem exageros.

 Há uma tentativa de sedução do heroi, apelando para o desejo.

 O heroi controla algum impulso primeiro, ou adia uma decisão apressada.

 Alguém abre mão de um “direito” ou de desfrutar de algo em vista de algo muito


melhor ou para preservar-se.

4. Prudência, sabedoria, ou discernimento:

Esta é considerada a maior de todas as virtudes, pois ela é demonstrada por aquele que fica
com o pé firmemente fincado na realidade e a mente, aberta para o cosmos. Trata-se
daquela pessoa que consegue ver as coisas como são, sem recair num materialismo cego,
nem num idealismo que vê tudo cor-de-rosa, alienado do real.

.Trata-se do bom-senso, de quem manifesta uma “incorruptível ‘busca da verdade’ a respeito


de situações nas quais costumam estar fortemente envolvidos fatores de interesse pessoal.
O que importa, portanto, é fazer calar nossos interesses – e, talvez também ouvir o outro,
possivelmente um oponente.

Quem não consegue isto, ou não está disposto a isto, jamais chegará a ver a realidade
como ela é... Consiste em
transformar aquilo que foi visto, a
verdade das coisas, em diretriz do
próprio querer e agir. Só então se
perfaz a virtude da Prudência, que
com razão foi definida como ‘ a arte
de decidir-se corretamente’ (Idem).

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Ora, numa sociedade em que em tese, não existe mais a verdade, apenas as verdades, é
cada vez mais difícil encontrarmos pessoas verdadeiramente sábias.

 A virtude da prudência está presente na história quando:

 Um dos personagens mostra capacidade de observação e de ouvir (o inimigo).

 Alguém busca investigar a “verdade verdadeira” acerca de algum evento.

 Alguém resolve mudar de comportamento, após descobrir uma verdade.

 A história é cheia de descrições bastante concretas e plásticas da realidade,


mostrando detalhes extremamente simples, cotidianos e humanos.

C.S. Lewis (1889-1963) observa que como o próprio homem, as virtudes cardeais
encontram-se decaídas, refletindo a dialética do querer o bem, mas de não ser capaz de
realizá-lo totalmente.

Quando o homem quer demais o bem, tende a recair no vício pela via do exagero. Podemos
ver esse fenômeno na mãe superprotetora, no diretor centralizador, no patrão paternalista,
no perfeccionista...

A virtude da prudência é em Cristianismo Puro e Simples, a primeira lembrada por Lewis,


como sendo o ‘espírito infantil’ (que todos, de alguma forma, ainda abrigamos dentro de nós):

A prudência é o bom senso, é o se dar o trabalho de considerar o que se está fazendo e qual
a consequência. Hoje em dia, a maioria das pessoas dificilmente consideraria a prudência
como uma das “virtudes”. Pois Cristo disse que só poderíamos entrar no Seu Reino se nos
tornássemos crianças, e muitos cristãos têm a ideia de que, desde que sejamos “bons”, não
faz mal serem tolos. Mas isso é um engano. Em primeiro lugar, a maioria das crianças
demonstra uma grande “prudência” sobre as coisas em que estão interessadas, e as
consideram bem sensatamente. Em segundo lugar, como indicou o apóstolo Paulo, Cristo
nunca pretendeu que devêssemos permanecer crianças na inteligência; ao contrário, Ele nos
disse que fôssemos não somente “Símplices como as pombas’ mas também ‘prudentes
como as serpentes” (...). Se você está querendo tornar-se um cristão verdadeiro, advirto-lhe
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que está embarcando em algo que vai exigir todo o seu cérebro e tudo o mais (...) o
Cristianismo em si mesmo é um processo de aprendizado. (Lewis, 1952, p. 42-43, grifo
nosso).

Notamos aqui a função pedagógica diretamente envolvida na ética.

A educação, que lida também com a formação do caráter, tem tudo a ver com a ética,
embora lamentavelmente alguns professores, que não são exemplo de conduta para
ninguém, e alunos e diretores o tenham esquecido. Josef Pieper compara a Prudência como
uma espécie de decisão de "abrir o olho“ para as coisas, enxergando-as, mas principalmente
para si mesmo. Por isso dizemos, quando alguém está sendo insensato: “vê se se enxerga”,
“caia na real”.

De certa forma, todo o aprendizado envolve uma ampliação de horizontes da visão. É claro
que enxergar o mundo à volta não passa do primeiro passo. O segundo é deixar guiar-se nas
suas decisões e ações pelo visto, que é a arte da tomada de ação e da coerência com ela na
prática cotidiana. Somente homens e mulheres maduras atingem tal sabedoria de ação.
Como lemos na Bíblia: “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo
o teu corpo será luminoso;” (Mateus 6.22) Esta virtude é ainda mais importante para quem
quer que desempenhe papel de liderança, e tomada de decisão, na família ou no trabalho.

Quanto à temperança, Lewis comenta:

A temperança é, infelizmente, uma dessas palavras que, mudaram de sentido. Ela


agora normalmente significa total abstinência à bebida alcoólica. Mas nos dias em que
a segunda virtude cardeal era a ‘temperança’ cristã, ela não tinha este significado (...).
O cristão pode achar conveniente renunciar a toda espécie de coisas por motivos
particulares: o casamento, comer carne, tomar cerveja, ou ir ao cinema; mas se
começar a dizer que essas coisas são más em si mesmas, ou desprezar os que dela
se servem, está no caminho errado. (Lewis, 1952, p. 43).

Assim, a temperança realça o sabor próprio e característico de cada um, com todas suas
potencialidades. O mesmo vale para a fortaleza que é por Lewis descrita como a virtude que:

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inclui duas espécies de coragem: a que enfrenta um perigo e a que suporta o sofrimento.
‘Fibra’ talvez seja a palavra moderna que mais se aproxime deste vocábulo. O leitor verá,
certamente, que não se pode praticar nenhuma das outras virtudes por muito tempo, sem
que esta entre em jogo (Idem, p. (44.).

Não se trata, portanto, de uma "força bruta“. Mas daquela força que surge nos momentos de
fraqueza. Pieper a identifica com uma espécie de “heroísmo“ ou “valentia”, como o de um
mártir, ou o heroi do trânsito que tem que "enfrentar“ a hora do rush com coragem.

Num artigo separado, Lewis discute em que sentido o conceito de “cavalheirismo” ou código
de honra da época dos gentlemen, que entendiam a virtude como algo bem difere do
conceito moderno de “heroi” (sem deixar de ser tão ou mais necessário do que no passado).
Ele é nobre, no sentido ético, sem deixar de ser simples:

O rei é sempre um homem de carne e osso, um homem familiarizado com sangue, rostos
esmagados, lábios abertos e corpos decepados. Por outro lado, é um homem delicado,
quase feminino, de fino trato, gentil, modesto e discreto (...).Poderíamos até pôr em questão
a relevância deste ideal para o mundo moderno. Mas ele é terrivelmente relevante. Pode não
estar sendo praticado - a Idade Média já falhou notoriamente em seguir este ideal - mas é,
sem dúvida praticável, tão praticável quanto à necessidade que um homem sente por água,
para não morrer no deserto. E o que é pior: isto indica o fato natural de que o real ideal
humano, nunca terá sido totalmente conquistado, e ninguém jamais poderá conquistar
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realmente, sem que haja a mais árdua disciplina. Isto já foi refutado pela história e
experiência. (1987, p.13-14).

Vemos aqui uma séria crítica contra contos e desenhos animados do tipo japoneses ou
mesmo de Walt Disney em que as virtudes são tão exaltadas que os herois aparecem
desprovidos de defeitos, medos ou ansiedades.

Quem é que poderia alcançar um ideal desses. E que heroísmo existiria numa pessoa que
não tem medo de nada. Por outro lado, o mal é tão depreciado, que todos se sentem
melhores, pois, afinal, ninguém é tão mal assim quanto o vilão da história. Os filmes, livros e
videogames de sucesso hoje em dia são todos assim: maniqueístas, não dando espaço ao
meio-termo da pessoa nem tão perfeito e nem tão má, ou invertem tudo, transformando o
bandido em heroi.

Lewis denuncia o conceito de heroi totalmente distorcido nas escolas e livros didáticos, que
idealizam os “grandes homens” da história, esquecendo-se do barbarismo por eles
cometidos, durante as suas batalhas. Esquecem ainda do lado delicado e sensível de todo
heroi (como podemos observar em memoráveis herois sheakespearianos, como Hamlet).

Além de temperante, o perfeito cavaleiro medieval tinha um extremo senso de justiça, num
sentido que: "significa muito mais do que o que acontece nos tribunais. É aquilo a que nos
referimos quando dizemos que determinado procedimento é ‘certo’: inclui honestidade,
reciprocidade, veracidade, fidelidade aos compromissos, todo esse lado da vida" (1952, p.
(43, 44).

Ainda na Idade Média, Tomás de Aquino, re-significa as quatro virtudes de Aristóteles, de


acordo com uma perspectiva cristã, acrescentando a elas, outras três, que denominou
“teologais”, a fé, a esperança e o amor, introduzindo a ideia de direito de resistência ao
poder, posteriormente desenvolvido pelos reformadores, retoma e re-significa todas as sete
virtudes.

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Lewis aproveita esse esquema de sete virtudes, quatro humanas e três transcendentes e
divinas. Há uma só virtude que não pode ser exagerada. Agape, um dos quatro amores
(Lewis, Os Quatro Amores, p 28 ss.), ou amor espiritual, conceito tão amplamente trabalhado
por Lewis que mereceria um estudo à parte. Lewis comenta que:

Caridade significa amor. Chama-se Agape no Novo Testamento para distinguir se de Eros
(amor sexual), afeição (cordialidade familiar) e Philia (amizade). Então há quatro tipos de
amor, todos bons em seu próprio lugar, mas Agape é o melhor porque é o tipo de amor que
Deus tem por nós e é bom em todas as ocasiões (...). Veja bem, Agape é dedicação total e
sem nada em troca. (Lewis, 1988, p. 438)

O amor representa a porta comum que interliga sensibilidade ética, estética e o lado
emocional do ser humano. O amor ágape revela-se nas Crônicas de Nárnia, por exemplo,
pelo tratamento afetuoso, paterno mesmo e sacrificial que Aslam dispensa às crianças em O
Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas, obra inicial das famosas Crônicas de Nárnia.

Mesmo o amor erótico, que leva ao caminho do romantismo, da adoração da mulher amada,
uma vez frustrado, pode ser o começo do retorno a Deus, que é a fonte do verdadeiro amor,
do qual os demais não passam de mero reflexo. Como podemos ver, da mesma forma que o
próprio homem, sempre tende ao desequilíbrio e exagero, todas as virtudes, exceto o amor
agape, necessitam em algum momento de uma conversão, uma volta ao equilíbrio original.

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Pois, quando nos fixamos, quando cedemos a impulsos obsessivos acabamos com o "bom
gosto" estragado. Pois "não há nada que tire tanto o gosto da boa comida caseira, do que a
lembrança de um mau alimento enfeitiçado" (Lewis, 2003, p. 37).

Tal fixação acaba sempre na decepção (desilusão) e solidão. O mundo moderno todo sofre
deste vício, que já revelava seus sintomas nocivos à sociedade na época de Lewis, quais
seja:

a crescente exaltação da coletividade e a indiferença em relação às pessoas. As


fontes filosóficas provavelmente são Rousseau e Hegel. Mas o caráter geral da vida
moderna com a sua organização impessoal é mais potente do que qualquer filosofia
(...). Nada a não ser um Outro pode ser amado e um Outro só pode existir para um Eu.
Uma sociedade, na qual ninguém tem consciência de si mesmo como pessoa
diferente das outras pessoas; na qual não há a quem dizer Eu te amo, é, de fato,
imune contra (o pecado) do egoísmo, contudo, não por amor. Uma sociedade assim
seria tão insípida e inodora quanto uma garrafa de água. (Lewis, 1975, p. 83-84)

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Usemos, a modo de conclusão, uma passagem do livro de provérbios que todos nós
pertence:

Aceitai o meu ensino, e não a prata, e o conhecimento, antes do que o ouro escolhido.
Porque melhor é a sabedoria do que jóias, e de tudo o que se deseja nada se pode comparar
com ela. Eu, a Sabedoria, habito com a prudência e disponho de conhecimentos e de
conselhos. O temor do SENHOR consiste em aborrecer o mal; a soberba, a arrogância, o
mau caminho e a boca perversa, eu os aborreço. Meu é o conselho e a verdadeira
sabedoria, eu sou o Entendimento, minha é a fortaleza. Por meu intermédio, reinam os reis, e
os príncipes decretam justiça. Por meu intermédio, governam os príncipes, os nobres e todos
os juízes da terra. Eu amo os que me amam; os que me procuram me acham. Riquezas e
honra estão comigo, bens duráveis e justiça. Melhor é o meu fruto do que o ouro, do que o
ouro refinado; e o meu rendimento, melhor do que a prata escolhida. Ando pelo caminho da
justiça, no meio das veredas do juízo, para dotar de bens os que me amam e lhes encher os
tesouros. (Provérbios 8:10-21)

Bem, espero que vocês leiam todos os textos sobre esse importante tema e realizem as
tarefas finais sem maiores traumas, e mais do que apaixonados pela tal da sabedoria!

Até outro dia!

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua
SALA DE AULA e faça a Atividade 2 no “link” ATIVIDADES.

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U NIDADE 21
Tendências e Políticas Públicas da Educação – Panorama Histórico

Objetivo: Estudar de forma critica as tendências pedagógicas, de acordo com seu


posicionamento político, já considerado inalienável da postura pedagógica, didática e
filosófica do professor e das instituições de ensino.

Olá Gente boa,

Nessa unidade, voltaremos a falar em história, pois é praticamente impossível falar em


“política”, sem antes fazer uma consulta, nem que básica, de como ela se desenvolveu no
Brasil.

É claro que não vamos falar das tribos


milenares da Amazônia, sobre as quais não
se tem quase registro e infelizmente
também não da educação indígena,
embora essa fosse uma pesquisa bastante
útil. Pena que tão poucos intelectuais se
interessam pela nossa própria história, em
especial a pré-história e a história antiga.
Euclides da Cunha, Câmara Cascudo e
Sérgio Buarque de Holanda foram
exemplares nisso, mas praticamente não têm herdeiros (a não ser talvez Florestan
Fernandes e Alfredo Bosi e mais alguns pensadores isolados).

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O máximo que podemos voltar no tempo por hora é aos jesuítas, que foram os primeiros a
tentar criar um sistema de ensino no Brasil e o fizeram tão bem que acabaram por controlá-la
por dois longos séculos (110 anos pelo menos, até a expulsão da ordem do Brasil, em 1759).

Como dizíamos nas primeiras aulas, no primeiro período colonial em que a educação estava
à mercê dos jesuítas, que praticamente detinham o monopólio sobre a educação no país,
praticamente inexistiam políticas públicas da educação. Ela era simplesmente deixada a
cargo da igreja. E essa ordem católica seguia os ditames da “escolástica” reinterpretada na
contra-reforma, que pouco ou nada tinha a ver com a escolástica da Alta Idade Média. A
escolástica jesuíta resumia-se a regras rígidas do que era ou não permitido fazer com hora
para tudo, num verdadeiro cronograma de estudos minucioso, sem falar da lista dos Librum
Proibidum. O “escolasticismo” jesuíta, que infelizmente foi o único que ficou marcado na
memória dos brasileiros, era extremamente rigoroso e rígido. As aulas eram tipo “magister
dixit”, ministradas e avaliadas de forma punitiva, criando todo um rol de personagens hoje
quase folclóricos como o bedel que tinha o papel controlador e delator os colegas que
estivessem infringindo alguma das ditas regras. Era a época da palmatória e do “ajoelhar-se
no milho”, que se preservou principalmente nas cidades interioranas e nas escolas rurais,
durando até hoje em alguns lugares.

A política era tipicamente colonialista, sendo que o Brasil se via como celeiro agrário do
mundo. A educação, particularmente a média e superior era vista como “luxo” e “despesa”
quase dispensável. Com a expulsão dos jesuítas do país, a educação ficou por vários anos
praticamente à deriva.

E é claro que esses se pautaram, além das Sagradas Escrituras, no que estudaram e
aprenderam na Europa, procurando, através da contra-reforma, dar resposta aos primeiros
pensadores a sistematizar a educação como disciplina, como Comênio e Ratíquio, ambos
muito influenciados pela Reforma. Ali, entraram em contato com a filosofia de Rousseau
(iluminista), que defende a autonomia do aluno, seu interesse e seu afastamento das más
influências da sociedade. Pestallozzi procurará traduzir as teorias naturalistas e
evolucionistas para a educação infantil. Mais tarde esses movimentos inovadores da
educação passarão a se chamar “escolanovistas”, como elucida Castro (on line 2001).
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Não é coincidência que a era do liberalismo e do capitalismo, da industrialização e
urbanização tenha exigido novos rumos para a Educação. Na burguesia dominante e
enriquecida, a Escola Nova vai encontrar ressonância, com seus ideais de liberdade e
atividade. É preciso considerar, no entanto, que já se iniciam as novas doutrinas
socialistas que ao final do século vão ser progressivamente dominadas pelo
marxismo. Na prática, o século assiste ao despontar dos poderes públicos com
relação à escola popular, aos debates entre a escola laica e a confessional e às lutas
entre orientações católicas e protestantes, em países atingidos pela Reforma.

A lenta descoberta da natureza da criança que a Psicologia do final do século XIX


começa a desvendar sustenta uma atenção maior, nos aspectos interno e subjetivo do
processo didático. Numa relação que só pode ser plenamente compreendida como de
reciprocidade, uma nova onda de pensamento e ação faz o pêndulo oscilar para o
lado do sujeito da Educação. O movimento doutrinário, ideológico, caracteriza-se por
sua denominação mais comum: Escola Nova, também Renovada, Ativa ou
Progressista, conforme as vertentes de sua atuação. Contrapõe-se, pois, a
concepções consideradas antigas, tradicionais, voltadas para o passado.

Na Europa como nos Estados Unidos, podem-se arrolar tendências diferentes: a


psicopedagogia com CLAPARÈDE, FERRIÈRE, BOVET; a medicina pedagógica com
MONTESSORI e DECROLY ou a sociopedagogia de FREINET, DEWEY,
KERSCHENSTEINER e COUSINET. A base psicológica é predominantemente
funcionalista, mas afastando-se tanto do pragmatismo americano quanto das
influências do associacionismo; no entanto, os fundamentos sociológicos divergem,
indo da linha social-democrata à socialista.

Já Oliveira (2004) deixa claro que a confluência de três fatores gerou o capitalismo europeu:
a Revolução Industrial inglesa (aprox. XVIII); o Iluminismo francês, que significou uma
democratização; e a revolução educacional que ainda estava em processo pelo menos até o
final do século XX. Ele se propõe a analisar as implicações desses movimentos no Brasil,
com especial destaque à hegemonia católica sobre os primórdios da educação brasileira. No
século XVIII, ele constatou “17 colégios e seminários, 25 residências e 36 missões, sem
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contar os seminários menores e as escolas de alfabetização presentes em quase todo o
território.”(idem, on line)

Em meados do século, o primeiro-ministro de Portugal, que também


levou a fama de ter expulsado os jesuítas e assim de ter simplesmente
“extinguido” o “sistema” existente, Marquês de Pombal, empreendeu
várias reformas. Outra medida foi da introdução das ciências práticas no
currículo, e reformando a metodologia completamente, tornando-a mais
uniforme e o ensino, mais utilitário o pragmático do que introspectivo, com forte influência do
positivismo. Mas todas essas novidades deram-se no contexto do “despotismo esclarecido e
enciclopedismo francês”. Nessa época, afirma o autor que:

O Estado tentou assumir, pela primeira vez, os encargos da educação, mas os


mestres leigos das aulas e escolas régias, recém-criadas, se revelaram incapazes de
assimilar toda modernidade que norteava a iniciativa pombalina.

Por conta ainda desta intervenção, registra-se a primeira mudança no que diz respeito
aos custeios da educação no Brasil. Até 1759, as escolas mantidas pelos jesuítas
eram financiadas pelas contribuições dos usuários e Igrejas, através de doações. A
partir de então, institui-se o tributo de subsídio literário, imposto por alvará régio e com
vigência até o início do século XIX. Por outro lado, a manutenção, por parte dos
padres católicos, de colégios para formação de sacerdotes e de seminários para a
formação do clero secular, fez com as características da educação colonial se
perpetuassem. Os novos mestres-escolas e os preceptores da aristocracia rural foram
formados ainda pelos Jesuítas, sendo, de certa forma, mantenedores de sua obra
pedagógica: os mesmos objetivos, os mesmos métodos, a permanência do apelo à
autoridade e à disciplina; o combate à originalidade, à iniciativa e à criação individual.
Somente com a chegada da família real e da corte lisboeta, em 1808, a paisagem
cultural do Brasil começaria a mudar. O país passa a viver um ambiente de efusão
cultural, em que se destacam a criação do Museu Real, do Jardim Botânico, da
Biblioteca Pública e a Imprensa Régia. No setor educacional, surgem os primeiros

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cursos superiores, embora baseados em aulas avulsas e com um sentido profissional
prático. (idem, on line)

As escolas mais destacadas do período foram a “Academia Real da Marinha” e a “Academia


Real Militar” (que se transformou na Escola Militar de Aplicação), cujo perfil de egresso era
evidentemente profissionais para seguir a carreira nas forças armadas ou engenheiros civis.
Já o embrião das primeiras faculdades de medicina foi lançado no Rio de Janeiro e na Bahia.

A visita de uma missão cultural francesa permitiu a criação, em 1820, da Real Academia de
Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. A abertura dos portos e a vinda da família
real ao Brasil permitiram a instauração de um processo de autonomia e criação de novas
faculdades.

A educação do período colonial, conclui Xavier (1980, p. 22), ficou reduzida a algumas
poucas escolas e aulas régias. “E o
Brasil, saindo da fase joanina com
algumas instituições de educação elitária
(escolas técnicas superiores), chegou à
Independência, destituído de qualquer
forma organizada de educação escolar”.
A partir do governo de D. Pedro I, inicia-
se um processo de transferência de
poder para um mesmo grupo de
beneficiários, com acréscimo dos
“letrados” aos cargos administrativos e
políticos para o preenchimento do
quadro funcional do Estado. As
Faculdades de Direito, de São Paulo e
Recife, criadas em 1827, passam a
formar os futuros funcionários do

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governo. Em 1834, um Ato Adicional do Imperador promove uma das primeiras políticas de
descentralização administrativa, conferindo às Províncias o direito de legislar sobre a
instrução pública e de promover estabelecimentos próprios, excluindo os de níveis
superiores, o que vai possibilitar uma dualidade de sistemas, com a superposição de poderes
(provincial e central) relativamente ao ensino primário e secundário. Ao poder central ficou
reservado o direito de promover e regulamentar a educação no Rio de Janeiro e a educação
de nível superior, em todo o Império. Às Províncias foi delegada a incumbência de
regulamentar e promover a educação primária e média em suas próprias jurisdições
(ROMANELLI, 1999). Com o ensino secundário destinado a preparar candidatos ao ensino
superior, o seu conteúdo acabou por ganhar um caráter propedêutico. Nas províncias, o
sistema escolar não passou da tentativa de reunião das antigas aulas régias em liceus, de
forma desorganizada. Motivo: um falho sistema tributário e a consequente falta de recursos.
(idem, on line)

Desde a colonização, continua ele, a educação primária fica em segundo plano, sendo
relegada a pessoas (mestres-escolas) que não se deram bem profissionalmente e que não
tinham formação adequada, muito menos para o magistério. A educação, por mais que
tivesse partidários idealistas, não sai do nível do discurso na Assembleia constituinte e
legislativa. Só o projeto de desenvolvimento do nível superior estava avançando, embora
muitos o considerassem um luxo, uma vez que tinham o Brasil por um país de vocação
agrária e não competitivo com países do primeiro mundo, com a sua indústria bem mais
desenvolvida.

A estrutura geral do ensino ficou da seguinte forma: o


poder central encarregou-se do ensino superior em
todo o País e os demais níveis ficaram a cargo das
províncias — com exceção do Colégio Pedro II,
nomeado em homenagem ao nosso segundo
governante imperial, que deveria servir de modelo às
escolas provinciais. A carência de recursos e a falta de interesse das elites regionais
impediram a organização de uma rede eficiente de escolas. No balanço final, o ensino

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secundário foi assumido, em geral, pela iniciativa particular, especialmente pela Igreja. O
ensino primário, novamente, ficou abandonado do Estado, boa parte do ensino secundário
ficou a cargo da iniciativa privada (...) Ao final do Império, o quadro geral do ensino era o
seguinte: poucas escolas primárias (com 250 mil alunos para um país com cerca de 14
milhões de habitantes, dois quais 85% eram analfabetos), liceus provinciais nas capitais,
colégios particulares nas principais cidades, alguns cursos normais e os cursos superiores
que forjavam o projeto elitista (para formação de administradores, políticos, jornalistas e
advogados), que acabou se transformando num elemento poderoso de unificação ideológica
da política imperial. Como assevera Carvalho (1980, p. 64), “no Brasil imperial, como na
Turquia de Ataturk [...], a educação era a marca distintiva da elite política. Havia um
verdadeiro abismo entre essa elite e o grosso da população em termos educacionais”... Na
transição republicana, com a adesão de parte da elite intelectual aos ideais do liberalismo
burguês, é atribuída à educação a tarefa heróica de promover a reconstrução da sociedade.
A primeira Constituição da República, de 1891, institui o sistema federativo de governo e,
consequentemente, a descentralização do ensino. Em seu artigo 35, itens 3º. e 4º., reservou
à União o direito de criar instituições de ensino superior e secundário nos estados e prover a
instrução secundária no Distrito Federal. Aos estados competia prover e legislar sobre a
educação primária, além do ensino profissional (que compreendia, na época, as escolas
normais de nível médio para moças e as escolas técnicas para rapazes).

Era a consagração do sistema dual que vinha do regime anterior, ampliando a distância entre
a educação da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a
educação do povo (escola primária e escola profissional) (idem on line).

Nessa época, houve uma série de mudanças no quadro social brasileiro, com chegada de
imigrantes da Europa e do Japão, entre outros lugares, e a formação de uma estratificação
social mais complexa e consciente. Acontece que o sistema escolar estava longe de
conseguir dar conta dessas mudanças, sendo seriamente ameaçada em suas estruturas.
Entre as tentativas de reforma política e escolar nessa época podemos citar a de Benjamin

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Constant, que era tão complexa que foi recebida com desconfiança pelos dirigentes e
acabou se perdendo.

Em 1925, no governo de Arthur Bernardes, ocorre a reforma Rocha Vaz, última tentativa no
período de se instituir normas regulamentares para o ensino, cujo mérito foi buscar
estabelecer, pela primeira vez, um acordo entre a União e os estados para a promoção da
educação primária e para a eliminação dos exames preparatórios e parcelados. Todas essas
reformas, além de frustradas, representaram posições isoladas dos comandos políticos; não
foram, em nenhuma hipótese, orientadas por uma política nacional de educação e acabaram
por perpetuar o modelo educacional herdado do período colonial. Com isto, podemos afirmar
que durante os primeiros anos da República a importação da ideologia liberal atuou de forma
difusa: ao mesmo tempo em que validou um arranjo político em favor de uma parte da elite,
produziu um imediato ressurgimento das propostas para a adequação da estrutura
educacional aos desígnios de uma nova ordem “democrática” em implantação. Somente a
demanda para a ampliação da oferta de ensino de elite (o médio e o superior) às classes
médias em ascensão foi atendida pela União, difundindo-se a ideologia da ascensão social
pela escolarização. Mais do que por exigências econômicas e sociais, a mobilização em
torno destas propostas se deu pela instabilidade política num período de rearticulação das
elites. O atendimento desta demanda funcionou como canalização das insatisfações sociais,
o que explica o sucesso e a incorporação dos pressupostos educacionais liberais em todas
as camadas sociais. A expansão das oportunidades e a reforma das instituições escolares
representavam um custo menor às elites do que a alteração da distribuição de renda e das
relações de poder e, além disso, acalmava as frações mais combativas das camadas
médias. (idem, on line).

Na Europa e EUA, já surgem os idealizadores da educação mais voltada para o social, com a
proposta de John Dewey

que propunha um modelo escolar de cunho reformista, necessário a uma sociedade


com tendências a produzir privilégios e desigualdades, mas que subsiste pela
expectativa de mudança e ascensão social. Pelo vislumbre da democracia e do
progresso, atendendo às aspirações das classes médias e, em parte, ao
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conservadorismo da classe dominante, o pensamento escola-novista foi assimilado
por vários educadores brasileiros, com divergências apenas no que diz respeito à
orientação geral (revolucionária-reformista ou conservadoramente democrática),
mantendo um horizonte comum na interpretação das funções da escola, consolidando-
se em uma ideologia educacional que influenciará o desenvolvimento do ensino
brasileiro.

Os grandes protagonistas do escolanovismo no Brasil foram os pensadores que assinaram o


Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova no Brasil (1932), que também foram seus
propagadores: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes e até Paulo
Freire assinou, embora sua filosofia educacional tomasse outros rumos mais para frente.

Como podemos inferir do restante do artigo de Oliveira, muitas outras propostas e reformas
foram feitas no Brasil, principalmente as chamadas LDB’s (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação). Mas sempre numa perspectiva de democracia “descritiva” ou como “forma de
governo” e não de ações afirmativas e transformadoras, mesmo entre os “pioneiros”:

Sobrevivia, desta forma, uma concepção elitista com a renovada defesa da necessária
formação de “líderes condutores”, a mesma prioridade dos jesuítas no início do
processo de desenvolvimento da estrutura educacional brasileira. Assim, fora a Igreja
Católica, que se opunha ao ensino laico e ao monopólio estatal (em descarte no
próprio Manifesto), nem mesmo a fase mais autoritária do período varguista, durante o
Estado Novo que se inicia em 1937, deixou de incorporar o ideário e a retórica escola-
novista. As primeiras impressões da Igreja sobre a Revolução de 1930 foram de
precaução e assombro: significava a vitória do Movimento Tenentista, cerne de
“perigosas” ideias, baseadas na associação do liberalismo com o positivismo,
propositora da substituição da moral religiosa pela crença nos poderes da técnica e da
ciência como critérios para organização da vida e da ação social. É deste movimento
que saíra, por exemplo, o maior mito do socialismo brasileiro, o comunista Luís Carlos
Prestes. Na esfera educacional, a subida de Getúlio Vargas ao poder, na visão da

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Igreja, representava o fortalecimento dos ideais escola-novistas, que com a defesa do
ensino laico e da escola pública colocavam em risco o predomínio das escolas
confessionais. Nas palavras de Alceu Amoroso Lima, militante católico, o movimento
revolucionário poderia ser definido pela “obra da Constituição sem Deus, da escola
sem Deus, da família sem Deus” (...). Mas logo se consolidava o novo regime e a
Igreja não tardaria em encontrar o seu espaço. A referência para a ação vinha do
movimento mineiro de renovação católica, que já na década de 20 estabeleceu fortes
laços com os grupos sociais em ascensão, sem deixar de corroborar antigas ligações
com o poder político conservador. O próprio Alceu Amoroso Lima, expoente deste
movimento, reconhecendo uma “corrente racional, tradicional e cristã” entre os
revolucionários de 1930, clama aos católicos à luta pela incorporação de suas
reivindicações no futuro estatuto político do país... Desta forma, embora não
concretizassem plenamente o “plano de reconstrução nacional” proposto pelos
pioneiros da Escola-Nova, justificavam-se dentro do seu espírito geral as
ambiguidades presentes no Manifesto, atendendo ao novo que podia brotar, mas
preservando a tradicional estrutura dualista, elitista e acadêmica do ensino brasileiro
— pelo menos, afirma Xavier (1980), é o que se pode concluir das exposições de
motivos dos ministros Francisco Campos e Gustavo Capanema e das leis que
organizaram o sistema público brasileiro nas décadas de 1930 e 1940.

Em suma, foram precisos quatro séculos para que a educação


deixasse de ser puramente elitista, com exceção de algumas
escolas “experimentais” e “confessionais”, voltadas para a
formação de burocratas e profissionais liberais. Faltou no Brasil
uma revolução social mais séria para dar fundamento sólido ao
sistema de ensino. Um exemplo disse foi o ideal de universidade
Ilustração 2 - Máquina de
Ensinar que Fernando de Azevedo tinha para a USP, colocando a
Filosofia com o núcleo de um sistema de faculdades que girariam em torno da mesma, em
seguindo um modelo sistêmico. O modelo nunca foi efetivamente implantado e ficou no

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papel, fazendo predominar o modelo catedrático e departamental, que temos até hoje nas
universidades.

Bem pessoal, por “hoje” é só, mas na aula que vem, retomaremos esse panorama a partir de
meados do século XX aos dias de hoje. Até lá!

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U NIDADE 22
Políticas Públicas da educação - Panorama Histórico Recente

Objetivo: Estudar de forma critica o panorama histórico da educação no Brasil,


contextualizando-o e localizando-o histórica e geograficamente

Gabriele Greggersen

Olá gente boa,

Espero que tenham digerido bem a aula passada em que começamos a tratar do complexo
problema das Políticas Públicas da educação. Não é de se estranhar
que o clima de “otimismo pedagógico”, que imperava até pouco antes
do Golpe Militar, com a criação da ANPED (Associação Nacional de
Pesquisas Educacionais) e a organização de uma massa crítica,
capaz de pensar a educação de maneira mais sistemática,
organizando movimentos de educação popular. Esses movimentos
foram totalmente extirpados com o fechamento de instituições de pesquisas pedagógicas e
reformulação da LDB de 1961, que era humanista e assistencialista, em que ainda vigia o
“otimismo pedagógico”, substituindo-a pela de 1971, com caráter claramente elitista.

Uma maneira fácil de notar o predomínio da tecnocracia no tratamento de questões


educacionais nesse país são os dirigentes: ministros e secretários da educação, reitores de
universidades públicas (e privadas), etc. Pode-se contar nos dedos os que realmente eram
educadores na prática. Embora não tivesse sido formado em pedagogia, o presidente
Fernando Henrique Cardoso, que ensinou muitos anos na USP foi uma rara exceção. Não
podemos deixar de fora também a atual Secretária de Educação Básica, Maria do Pilar
Lacerda Almeida e Silva, que passou mais de três décadas dando aulas na rede pública de

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ensino (o que não significa já que seja formada em educação propriamente dita). O fato é
que, embora o pedagogo seja aquele autorizado a dar palpite em todas os demais campos
do saber que lidem com o ensino, todos os demais campos acham que têm algo a dizer
sobre a educação, enquanto nós, educadores, nos mantemos confortavelmente calados
(com exceção das chamadas reuniões pedagógicas que já mudaram de nome inúmeras
vezes, mas normalmente mantém a sua ineficácia para a solução efetiva dos problemas.
Sem falar da falta de continuidade que os demais campos políticos brasileiros também
sofrem. É espantoso o número de ministros de educação que já tivemos e raros os que
permaneceram mais de um ano no poder.)

Então, vamos nos debruçar mais um pouco sobre a história de meados do século XX.
Oliveira (2004) comenta:

A posterior e progressiva organização da estrutura educacional brasileira terá três


momentos marcantes: o de expansão da demanda social, durante a Primeira
República, cuja melhor expressão será o movimento escola-novista; o de
consolidação, através das reformas Francisco Campos (1931-1932) e Gustavo
Capanema (1942-1946); e o terceiro momento, de crítica e balanço, no pós-1946, que
culmina com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, em 1961, pelo governo João Goulart.

No entanto, em todos estes momentos históricos irá predominar a assistência ao


ensino das elites e o despropósito com a universalização da educação popular,
condição necessária para a consolidação da democracia brasileira. Somente na
década de 1990, durante os dois governos do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, é que o desenvolvimento do ensino fundamental será estimulado a ampliar
de forma efetiva as oportunidades de acesso, ainda que em termos qualitativos
continue a demandar esforços significativos — sem contar os desafios que significam
o baixo atendimento na educação infantil e a difícil questão do ensino médio,
principalmente o da rede pública que não consegue preparar seus alunos para o
ingresso universitário.

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A esperança é que a partir de uma nova conjuntura política essa importante dívida
social seja resgatada para que o Brasil finalmente possa ingressar no rol das nações
que oferecem a sua população o maior legado da civilização ocidental: o direito a uma
educação que sirva não só para a reprodução material e o desenvolvimento
econômico, como também para a elevação sociocultural que permita a construção de
uma identidade nacional soberana e solidária – a base de uma sociedade mais justa e
democrática.

A polarização entre o ensino católico e protestante; e entre o confessional e laico não são as
únicas controvérsias existentes no
sistema de ensino brasileiro, que
desde seus primórdios oscila entre
pólos opostos: maior ênfase na
socialização ou então na
individuação; na tecnologia ou na
arte; enfim na qualidade para
poucos ou na democratização; na
centralização ou descentralização,
como se fossem mutuamente
excludentes, parece agora rumar para uma síntese. Talvez uma das polarizações mais
essenciais seja aquela entre teoria e prática na educação básica, fundamental e média, mas
principalmente na de ensino superior, em que o perigo de elitização através do “funil” da
abstração e da linguagem excessivamente acadêmica, reservada a poucos especialistas.

Todas essas contradições e ambiguidades entram em crise por praticamente todo o mundo,
com propostas “universais” como a Declaração dos Direitos Humanos e as propostas de
“Educação para todos”, de órgãos como da UNESCO, e movimentos de “educação para
todos” como o de Jomtien, que praticamente exigem uma visão menos polarizada ou
fragmentária e mais holística e dialética da educação.

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Entretanto, mais recente (todas as anteriores pendiam para a postura liberal), desde a
promulgação da LDB 9394/96, antes mesmo da Constituição de 1998, não se pode mais
fazer essa polarização de maneira tão clara. Leia esse outro resumo bem didático para
reforçar a respeito do desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil. O professor
Délcio acrescenta a essas ainda as chamadas “Tendências Pedagógicas pós-LDB 9.394/96”.
Vejamos o que ele diz:

Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n.º 9.394/96, revalorizam-


se as idéias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Um dos pontos em comum entre esses
psicólogos é o fato de serem interacionistas, porque concebem o conhecimento como
resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto. De acordo com ARANHA
(1998), o conhecimento não está, então, no sujeito, como queriam os inatistas, nem no
objeto, como diziam os empiristas, mas resulta da interação entre ambos. Para citar
um exemplo no ensino da língua, segundo essa perspectiva interacionista, a leitura
como processo permite a possibilidade de negociação de sentidos em sala de aula. O
processo de leitura, portanto, não é centrado no texto, ascendente, bottom-up, como
queriam os empiristas, nem no receptor, descendente, top-down, segundo os inatistas,
mas ascendente/descendente, ou seja, a partir de uma negociação de sentido entre
enunciador e receptor. Assim, nessa abordagem interacionista, o receptor é retirado
da sua condição de mero objeto do sentido do texto, de alguém que estava ali para
decifrá-lo, decodificá-lo, como ocorria, tradicionalmente, no ensino da leitura. As idéias
desses psicólogos interacionistas vêm ao encontro da concepção que considera a
linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo e das modernas teorias
sobre os estudos do texto, como a Lingüística Textual, a Análise do Discurso, a
Semântica Argumentativa e a Pragmática, entre outros.

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E o autor conclui que as tendências liberais (tradicional,
renovada e tecnicista) nunca se comprometeram de fato
com a mudança social, contribuindo para a reprodução do
status quo e tornando-se “aparelhos reprodutores do
Estado” por assumirem uma postura de “neutralidade”
político-social. As chamadas posturas “progressistas”, ao
contrário, acentuadas com a nova LDB, contribuíram, e
muito para o avanço da reforma social. No entanto, ao que
tudo indica, continuamos com uma educação à qual se
está longe de dar prioridade político-social - já que as
questões sociais são tratadas separadamente e em outras
instâncias - e refém das políticas internacionais,
principalmente de financiamentos do Banco Mundial e do
Bird. Sem falar do desnorteamento da grande maioria dos
educadores diante de propostas avançadas como dos PCN transversais (temas como ética e
sexualidade), os de inclusão social e digital e as várias mudanças e inovações nos sistemas
de avaliação do rendimento escolar e de financiamento da educação têm ocasionado, como
poderão ler na última aula dedicada a esse assunto.

Pelo menos os filósofos têm visto tais iniciativas com certa reserva, vendo as ditas teorias
“interativistas” e outros modismos com certa reserva e crivo crítico. Perguntam-se até que
ponto tais teorias podem não passar de reflexo de uma visão
reducionista da realidade educacional, por demais complexa.
Não se pode precisar até que ponto as chamadas posturas
“liberal” ou “progressista” têm influência sobre a tendência
pedagógica de cada um, apesar de admitirmos que existe, de
fato um “currículo oculto” por detrás das diferentes posturas em
sala de aula, bem como nas entranhas das instituições
educacionais.

Assim, depois de quase duas décadas praticamente mortas em

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termos de pesquisa e ação educacional no Brasil, rendida que estava a um discurso
meramente denunciatório, grandes esperanças foram investidas na década de 90.
Particularmente após a promulgação da nova LDB em 1996 e as iniciativas do banco
mundial, em especial com a implantação do Fundef (Fundo de Manutenção do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério), colhem-se novas esperanças em torno da
educação. Esse fundo estadual que vincula automaticamente parte dos recursos ao Ensino
Fundamental, já tem sinalizado avanços de acordo com as últimas avaliações de âmbito
nacional, principalmente no ensino básico. Essa iniciativa se insere no processo de
descentralização do sistema de ensino, projetado no final da década de 80 e executado, em
parte, na de 90, em que se consolida a tendência também à municipalização dos serviços
educacionais. Pela lei, 60% das verbas do Fundef devem ser aplicadas na remuneração do
Magistério e na capacitação de professores leigos.

O Fundef vincula 15% dos impostos. Os outros 10% dos 25% que devem ir para a
Educação precisam ser aplicados pelos Estados no Ensino Médio. O problema é que
alguns deles investem muito no Ensino Superior. Mais uma vez, a questão é de
coerência na distribuição das verbas. Não sou contra o Estado investir em
universidades, contanto que o Ensino Médio esteja bem. Priorizar o Ensino Superior é
uma atitude elitista. (idem)

Na perspectiva de Rodriguez (2001, on line), a primeira descentralização do setor


educacional e suas consequências deram-se entre 1988-1996:

O primeiro período do processo de descentralização educacional pode ser resgatado


resumidamente da seguinte maneira: a descentralização fiscal para estados e
municípios, iniciada na década de 1980, aumentou a disponibilidade de recursos
nessas instâncias governamentais.

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O grande problema, porém, é que

Para poder acompanhar esta tímida expansão da oferta no ensino fundamental, por
parte dos municípios, foi necessário recorrer a toda uma série de artifícios contábeis
para cumprir as disposições constitucionais de gasto. Encontram explicação nestes
artifícios todas as formas de desvio na execução orçamentária dos recursos da
educação para outras atividades dos poderes públicos. Foi este, durante a década de
1990, um dos principais problemas apontados pelos foros educacionais. E foi a partir
deste cenário que a União encontrou legitimidade para intervir nacionalmente na
política educacional. Assim, após a resistência de quase uma década dos prefeitos
municipais e governos estaduais para conduzir um processo articulado de
descentralização da oferta educacional entre as esferas governamentais, houve a
intervenção do governo federal por meio da Emenda Constitucional nº 14/96 e da lei
9324/96, as quais concretizam um novo cenário de coordenação do processo. Não há
intermediação política e a burocracia é mínima. O dinheiro é distribuído
automaticamente para as redes municipais e estaduais de cada unidade da Federação
de acordo com o número de alunos matriculados no Ensino Fundamental segundo o
censo do ano anterior. Em 1998, o Fundef movimentou 13,3 bilhões de reais e, em
1999, a previsão é de 14,1 bilhões. Entretanto, ele hoje atende apenas o ensino
fundamental, devido à fratura no sistema educacional brasileiro provocado pela nova
LDB (Capítulo II, Seção I a V e artigo 8 1º), embora existam projetos para ampliação
para a pré-escola e a educação de jovens e adultos, que ficaram fora do cálculo per
capita. Assim, houve uma fuga de fundos para a educação infantil, para o ensino
fundamental e um recuo da oferta de serviços educacionais no nível dos municípios
(idem).

Mais adiante o autor mostra o outro lado da autonomia dos municípios sobre a
educação, que hoje, tende a ser novamente centralizada (diz-se até que a
CAPES vai assumir o sistema da avaliação da rede de educação
fundamental...):
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A forte autonomia política dos municípios herdada de 1988, a total autonomia
financeira dos sistemas municipais de ensino na atual reforma e a falta de foros de
discussão político-institucional apropriados retiram dos estados a capacidade de
articular políticas educacionais estaduais, ou de coordenar os processos de correção e
ajuste das desigualdades geradas pelo próprio Fundo. Assim, deixaria de existir, aos
poucos, um sistema estadual de educação que seria substituído por múltiplos
sistemas municipais diversos e possivelmente desiguais. Este outro tipo de fratura
institucional não é de menor relevância que o anterior (idem).

Para dar conta desse problema, especialmente quanto à oferta de vagas de suplência, foi
preciso recorrer ao veto presidencial, contra a vontade política da maioria, que apoiava o
fundo.

Rodriguez mesmo explica o que entende por “descentralização selvagem” ou


descoordenada, que não levou em conta, nem combateu as diferenças regionais:

Falamos em fratura do sistema de educação básica, porque todos os níveis de ensino


deveriam ser planejados e articulados, no seu crescimento, de forma integrada pelo
sistema público como um todo. O "efeito" do Fundo é o contrário: a focalização
exacerbada dos recursos no ensino fundamental se faz às custas da exclusão dos
outros níveis de ensino (Oliveira, 1999). (idem)

Outro problema destacado pelo autor é que a maior parte do fundo é canalizada para os
municípios menores, com menor capacidade administrativa e poder para negar a
municipalização, como fizeram as cidades de Campinas, Londrina e Maringá, além da
histórica falta de compromisso da União com o ensino fundamental.

Existia um destacado argumento redistributivo nas justificativas para promulgação da


Lei 9424/96, que aventava a ideia de que o Fundo teria três impactos decisivos no
sistema educacional:

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- Reduziria as desigualdades de oferta desse nível de ensino no âmbito nacional.

- Elevaria os índices de qualidade da oferta desse nível de ensino.

- Iria estruturar um verdadeiro sistema descentralizado de ensino.

O governo federal tem realizado várias manobras para burlar esta responsabilidade. A
primeira manobra deu-se quando da promulgação da Emenda constitucional que
constitui a base para implantação do Fundef. Através dela o governo federal reduziu o
percentual dos seus recursos vinculados que deveriam ser aplicados no ensino
fundamental. Este percentual caiu de 50%, segundo regia o artigo 60 das disposições
transitórias da Constituição de 1988, para 30%. Este fato representou uma contradição
no discurso oficial, já que depois de encampar a política dos organismos
internacionais que declaram a necessidade de priorizar o ensino fundamental no Brasil
e estabelecendo esta prioridade na política educacional do país, o governo federal
tomou uma medida que diminui a sua responsabilidade (idem)

Para fazer passo com as mudanças no quadro da educação brasileira, que felizmente vem
melhorando em termos de índices de crianças alfabetizadas e frequentadoras das escolas,
desde 1999, com o PEC 112, extinguiu-se o Fundef, criando o Fundeb, que além receber as
transferências do Fundef, passa a ter destinados 25% da receita tributária própria: IPTU,
ISS, ITBI e IRRFSM.

Para visualizar melhor as novidades trazidas pelo novo fundo, aproveitamos a seguinte
tabela, disponível em

http://74.125.47.132/search?q=cache:ie5mTWLI-
PcJ:ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf+fundef+e+funde
b&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Ou no link “Estudo Complementar” da sua sala de aula.

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Isso até seria compreensível, se tudo estivesse às mil maravilhas com a educação, mas há
deputado que defende que é preciso investir no mínimo 7% do PIB nela para resolução dos
problemas mais urgentes.

Além da falta de iniciativa para a busca de novas formas de financiamento da educação no


Brasil, outra forma de se isentar da sua responsabilidade é desrespeitar o mínimo per capita,
estipulado em R$ 423,45 por ano, pagando muitas vezes apenas R$ 315,00, além de se dar
ao direito de intervir nos municípios, através dos chamados Conselhos de Acompanhamento
e Controle Social (Cacs). Tais medidas ao menos estão
dando conta de outro problema histórico, que sempre foi
a heterogeneidade na coleta de dados e as estatísticas
a respeito do sistema de ensino que inviabilizava a
pesquisa em grande parte e a visualização de um
quadro realista da situação e evolução do processo.

A meu ver, paradoxalmente, os Cacs são órgãos que reforçam a tendência à centralização
que nunca foi totalmente abandonada no Brasil, paradigma esse que temo que nem mesmo
tenhamos maturidade suficiente, em termos culturais, sociais e cidadania, para quebrar.

Apesar de a nova LDB ser fruto da reflexão filosófica de uma só pessoa, o falecido Darcy
Ribeiro, sem dúvida ela apresenta várias inovações interessantes. Vamos enumerá-las:

 A promoção do desenvolvimento de Projetos Político-Pedagógicos ou Projetos


Pedagógicos de Curso, com ampla participação da comunidade e todos os
participantes da instituição de ensino, no lugar dos burocráticos e autocráticos Planos
Escolares, que não passavam de formalismos;

 A substituição dos Guias Curriculares tecnocráticos e impostos de cima, pelos PCN


(Planos Curriculares Nacionais) e das Diretrizes Curriculares para as instituições de
ensino superior, como resultado de amplas discussões nas entidades de classe;

 O aumento da autonomia das Universidades, e mais flexibilidade em relação às


instituições isoladas;

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 Implantação dos sistemas de avaliação de promoção automática e a criação do
SINAES e consequente maior controle sobre o aumento desenfreado das faculdades
isoladas e melhora do sistema de cobrança de planos de carreira e promoções,
baseadas em titulação;

 O incentivo à criação de órgãos internos às IES, responsáveis pela autoavaliação


contínua, visando à redução do intervencionismo do INEP e outros órgãos externos
nos mesmos;

 Implantação de leis que promovam a inclusão social, digital, racial e para pessoas
portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida (conf. Decreto 5296, de 02 de
dezembro de 2004);

 Implantação de programas de inclusão social e digital;

 Ampliação da rede de educação à distância com a implantação da Universidade


Aberta;

 Implantação do Prouni,

e tantas outras iniciativas, que mostram a boa vontade do governo em melhorar suas
políticas públicas da educação, embora a mesma ainda não seja assunto premente e que
continue sofrendo forte interferências de órgãos externos como o FMI e o Banco Mundial.

O fato é que, por mais diversidade que tenhamos nas filosofias educacionais e nas posturas
em sala de aula, não há como negar a predominância das tendências neoliberais, tanto no
discurso, quanto, mais intensamente ainda, nas práticas pedagógicas.

Na próxima unidade, falaremos um pouco mais sobre as diversas “tendências de ensino” que
disputam espaço no cenário educacional de hoje. “Vejo” vocês por lá!

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É claro que o Fundef já teve melhorias inquestionáveis com o Fundeb, que aumentou a
percentagem de participação de estados, municípios e governo federal na educação.
Acontece que ainda há muita margem para "empurra-empurra" de responsabilidades nesse
verdadeiro jurisdicismo que temos no Brasil em termos de legislação do ensino e que
certamente poderá ser aproveitada pelos mais espertos

Para visualizar melhor as novidades trazidas pelo novo fundo, aproveitamos a seguinte
tabela, disponível em

http://74.125.47.132/search?q=cache:ie5mTWLI-
PcJ:ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf+fundef+e+funde
b&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

ou como se pode ver por esse quadro tão bem elaborado pelo próprio governo:
<ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf>

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U NIDADE 23
Políticas Públicas da Educação: Tendências Pedagógicas

Objetivo: Estudar de forma critica as tendências pedagógicas, de acordo com seu


posicionamento político, já considerado inalienável da postura pedagógica, didática e
filosófica do professor e das instituições de ensino.

Prof. Gabriele Greggersen

Olá gente boa,

Para introduzir essa aula, gostaria que você lembrasse nesse instante de um professor que
você já teve e que considera de “boa didática”. Do que você lembrou? Seu uso de recursos
técnicos, o material didático que ele usava, um ou outro conteúdo, ou da sua “cara”, seu
rosto, “seu jeitão”?

Certo, você se lembra da segunda alternativa. Nesse sentido, a didática envolve toda uma
“postura” e forma de abordagem que o professor tem das coisas. Ou seja, você se lembra da
filosofia de trabalho daquel(a)e(s) profess(a)or(res), que também envolve uma ideologia, ou
visão política e uma visão de mundo. Certamente ser um bom professor envolve ainda
talentos e vocação. Assim, existem tantas “didáticas”, quanto existem professores.

Historicamente, podemos classificar alguns desses “jeitos” ou “estilos” em grandes correntes.


A maioria delas persiste até hoje, outras foram praticamente extintas. Mas nenhuma delas
pode ser encontrada “pura” em nenhuma sociedade. O que é mais usual encontrar, em
especial nas escolas mais “modernas” é um discurso “construtivista”, combinado com uma
prática tradicional maquiada.

O professor Délcio Barros da Silva oferece um excelente resumo dessas tendências


pedagógicas, que podem ser inicialmente separadas em “conservadoras” e “progressistas”.

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Nosso resumo das tendências pedagógicas baseia-se em MASETTO, Marcos. Didática: a
sala como Centro. São Paulo, FTD, 1997. De uma maneira bastante sumária, poderíamos
dividir as tendências pedagógicas, de acordo com seu posicionamento político, já
considerado inalienável da postura pedagógico, didática e filosófica do professor e das
instituições de ensino.

A. CONSERVADORAS

Tradicional

Centraliza a ação no professor e no ideal do magister dixit. A relação professor-aluno baseia-


se na dominação do sabedor sobre a tábula-rasa, que é o educando (incl. Rousseau, Locke,
Herbart, Decroly, Montessory, Pestallozzi, etc.).

 O método tradicional parte do pressuposto de que ensinar é transmitir


conhecimentos. Logo, aprender é assimilar ou absorver conhecimentos.

 A função da escola é de ser um agente preparador, que auxilia o aluno na


inicialização ao caminho cultural.

 A educação é bancária, conteudista, estática e unilateral.

 O conteúdo é preparativo para a vida, pautado pelo enciclopedismo, intelectualismo e


racionalismo, sendo desenvolvido pelo aluno através de exercícios repetitivos.

 O método serve para despertar o interesse do aluno, uso de verbo, giz e ponto na
lousa, exercícios de aplicação padronizados e de raciocínio no final da aula, seguindo uma
sequência lógica preparada previamente pelo professor.

 A relação professor-aluno é autoritária.

 A filosofia parte dos pressupostos a da tábua rasa, do exercício, da abstração, da


repetição mecânica e do elitismo (democratizar é baixar a qualidade de ensino).

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 Enfatiza-se o espaço da sala de aula, onde os alunos recebem instruções, ensinadas
pelo professor.

 Os conteúdos e informações têm que ser passados de forma eficiente, sendo


reproduzidos e imitados como modelos.

 Bom professor é o que fala muito e bem, o conteúdo verbalizado deve ser
memorizado.

 Preocupa-se com a sistematização dos conhecimentos apresentados de forma


acabada.

Comportamentalista/Behaviorista/Skinneriana

 Baseada na ideia de que a técnica poderá substituir a competência do professor,


garantindo, por si mesma, a aprendizagem. Inclui-se aqui o behaviorismo (Skinner), as
"máquinas de ensinar“, o moderno “ensino à distância”. Baseia-se no princípio do
estímulo e da resposta e na visão evolucionista do conhecimento.

 Ensinar consiste num arranjo e planejamento de condições externas que levam os

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estudantes a aprender. É de responsabilidade e compromisso do professor garantir o
bom comportamento do aluno.

 Os elementos mínimos a serem considerados no processo de ensino são: o aluno;


objetivos de aprendizagem; o planejamento estratégico, (que garantirá o sucesso da
aprendizagem), e alcance dos objetivos.

 Aprender é adotar o tipo de comportamento esperado dos alunos, o qual foi adquirido e
mantido por estímulos (condicionantes) e reforçados, respondendo positivamente a
certos estímulos (elogios, notas, graus, pontos positivos, prêmios, reconhecimento dos
colegas, vantagens, esperanças de ascensão social e sucesso profissional).

 A escola serve para modelar o comportamento, organizar, adquirir habilidades, atitudes


e informações específicas.

 A educação é a porta para o progresso, civilização e sucesso profissional.

 O conteúdo é regido pelas leis naturais, competência, precisão de informações,


eficiência e objetividade.

 Os métodos devem ser autoinstrutivos, através de manuais, livros didáticos, máquinas


de ensinar, multimeios, ensino programado e modular, instrumentos de avaliação.

 A relação professor-aluno é técnica e profissional focada na qualidade do produto final.


O professor é o coordenador das atividades e o aluno, o executor.

 Filosofia pressupõe a organização, o controle, o respeito às leis naturais e a motivação.

 Alguns expoentes: B. F. Skinner, Ivan Pavlov.

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Humanista ou Não-Diretiva

Funda-se na liberdade e poder auto-organizador do aluno. O professor é mero auxiliador da


criança (Neil, Makarenko, Illich, etc.). Podemos acrescentar nessa tendência ainda a
Tendência Institucional, em que o professor é o conselheiro do grupo, que tem uma
capacidade auto-organizadora e terapêutica (incl. Lobrot, Lapassade, Lebfebvre, Snyders,

Carl Rogers, etc.)

 Ensinar é facilitar a aprendizagem através de uma prática terapêutica. O ensino centra-


se na pessoa do aluno, o que implica orientá-la para sua própria experiência para que,
dessa forma, construa a sua própria ação.

 Aprender é interagir com os demais participantes de modo a provocar envolvimento


pessoal e suscitar mudanças no comportamento e nas atitudes.

 A escola é vista como meio de formação de atitudes e valores humanos,


autodesenvolvimento e realização pessoal.

 Educar é considerar a pessoa em sua sensibilidade e sob o aspecto da realização


pessoal e de potencialidades, que passam a ser incluídas efetivamente na
aprendizagem. É o educando que avaliará o sucesso ou fracasso da mesma.

 Os conteúdos são vistos como meio para facilitar a aprendizagem e despertar o


interesse e a experiência do aluno.

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 Os métodos são válidos na medida em que servem para a conscientização do aluno e
da pesquisa e descoberta autônoma, não-diretiva.

 A relação professor-aluno é democrática, confiante, aberta e participativa, respeitadora,


valorizadora do eu.

 Pressupostos filosóficos são a centralização no aluno, a autonomia e a psicanálise.

 Entre os inspiradores dessa tendência, podemos citar A.Neil, Rogers, Ausubel,


Alexander S. Neil e Rudolf Steiner, fundador das escolas Waldorf.

Cognitivista, Piagetiana Ou Escolanovista

A tendência muito influenciada pela Escola Nova centra-se no aluno e na sua ação. O
enfoque da educação passa do ensino para a aprendizagem. A qualidade de todo o processo
depende do planejamento mais apropriado, de acordo com objetivos adequados ao nível e
fase do aluno (incl. Piaget, Dewey e todas as metodologias construtivistas). Há uma
valorização do Método Clínico - seu principal aspecto é o da reconstrução do raciocínio
construído pelo aluno, com vistas à determinação do estágio em que ele se encontra e
superação do mesmo. Os professores que seguem essa linha costumam pedir aos alunos a

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virem até a lousa, ou ir até eles para que expliquem o seu raciocínio, mesmo que errado,
para não punir o aluno por seus erros, mas fazer com que aprendam com eles (também
chamado de método de ensaio e erro).

 Ensinar é provocar o educando a sair de sua posição acomodada e desafiá-lo a atingir


um novo patamar no seu desenvolvimento cognitivo. É despertar o interesse e a
experiência do aluno.

 O ensino é baseado no ensaio e erro, na pesquisa, na investigação, na solução de


problemas por parte do aluno e não na aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas,
definições, etc. Assim, a primeira tarefa da educação consiste em desenvolver o
raciocínio.

 O ponto fundamental do ensino, portanto, consiste em um processo e não em produtos


de aprendizagem.

 Aprender é “aprender a aprender” de forma significativa. A aprendizagem só se realiza


realmente quando o aluno elabora seu conhecimento. Isso porque conhecer um objeto é
agir sobre ele e transformá-lo.

 O mundo deve ser reinventado.

 A escola serve para adaptar o indivíduo às exigências de sua realidade. Como retrato da
vida, ela representa uma experiência construtiva.

 O mais importante na educação é a organização do conhecimento, o processamento

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das informações e os comportamentos relativos à tomada de decisões.

 Representantes: E. Ferreiro

B. PROGRESSISTAS

Sociocultural, Crítica (dos Conteúdos), Libertária ou Progressista

A escola do mundo capitalista é vista como reprodutora da ideologia dominante, mas isto não
a isenta de seu compromisso de administração dos conteúdos, que são patrimônio comum
da humanidade, com a conscientização crítica e libertação do aluno (incl. Gramsci, Marx,
Paulo Freire – em sua fase final, Saviani, etc.). Segundo o professor Saviani, da Unicamp, os
professores que seguem essa tendência não devem ver o conteúdo como algo secundário,
priorizando o debate sobre temas políticos e polêmicos. Pois quando isso acontece (e
acontece muito, principalmente em aulas de EJA - Educação de Jovens e Adultos), trata-se
de uma pedagogia Problematizadora, ou seja, parte de um problema ou uma
problematização, da qual se extrai um “tema gerador”, extraído da realidade circundante, que
demanda respostas e ações transformadoras. Funda-se ainda no desvelamento de
pretensas "tramas ocultas“ que ameaçam manter o aluno na ignorância e alienação, por meio
da crítica negativa (até de si mesmo)

 O ensino é visto como dialeticamente ligado à aprendizagem. Uma situação de ensino-


aprendizagem, entendida em seu sentido global, deve procurar a superação da relação
opressor-oprimido, através de condições como

 Solidarizar-se com o oprimido, o que implica assumir a sua situação;

 Transformar radicalmente a situação objetiva geradora de opressão.

 A educação problematizadora busca o desenvolvimento da consciência crítica e da

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liberdade como meios de superar as contradições da educação tradicional.

 A educação é um constante ato de desvelamento da realidade, um esforço permanente,


através do qual os homens vão percebendo criticamente como estão sendo no mundo.
Neste processo, os alunos deverão assumir desde o início o papel de sujeitos criadores.

 A escola é vista como meio de difusão de conteúdos vivos e concretos, que servem ao
interesse comum e social; de democratização de conhecimentos e transformação
histórica das consciências e das relações de trabalho, rumo ao exercício da cidadania.

 Os conteúdos servem para dar acesso ao patrimônio cultural comum da humanidade,


tornando o educando um “cidadão do mundo”. É responsabilidade do professor dar
acesso a tais conteúdos pois o educando tem direito a iguais oportunidades de
crescimento profissional e pessoal.

 Os métodos mais comuns são os do “diálogo desigual”, dar acesso, explicitação de


objetivos, dialética da continuidade-ruptura, debate e compreensão de temas ligados ao
cotidiano social. As aulas são organizadas em forma cíclica seguindo o esquema ação-
compreensão-ação-síntese.

 A relação entre educador e educando é cooperativa, pois ambos são sujeitos de um


processo pelo qual crescem juntos, porque 'ninguém educa ninguém, ninguém se
educa. Os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo' (Paulo Freire).

 Os pressupostos dessa tendência resumem-se ao marxismo, à ética do esforço próprio,


à filosofia do intelectual orgânico socialmente engajado, da estrutura cognitiva e do
comprometimento com resultados.

 Os grandes inspiradores dessa vertente são: Paulo Freire, Snyders, Saviani,


Makarenko, Gramsci, Freinet, etc.

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Da nossa parte, acrescentaríamos os seguintes métodos, uns mais "populares“ do que
outros:

Método Maiêutico – concebido por Sócrates em homenagem à sua mãe, que era parteira,
caracteriza-se pelo diálogo com o aluno, desafiando-o ao questionamento e busca da
verdade.

Método Escolástico - caracteriza-se pelo equilíbrio entre as ideias e as ações, entre a teoria e
a prática, a escuta e a palavra, o insight e a sabedoria.

Pedagogia dos amthal - baseia-se no potencial educacional milenar dos exemplos, contos
populares, provérbios, parábolas, etc. e na sabedoria dos antigos.

Como se pode ver, nenhuma das tendências é “boa” ou “má” em si, já que se trata de
posturas metodológicas. Já discutimos anteriormente que o procedimento metodológico faz
parte das atividades-meio e não atividades-fim da sala de aula.

Enfim, meus/minhas car(a)os amig(a)os, teríamos assunto para mais um curso, se


focássemos somente nesse tema, mas acho que não é essa a nossa proposta. Daí que nos
concentremos nele em apenas seis unidades, a começar por esta.

Então, espero que tenham gostado dessas “mal traçadas linhas” e que leiam todos os textos
propostos para essa unidade. Até a próxima!

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U NIDADE 24
Políticas Públicas de Educação: Dando nome aos bois

Objetivo: Identificar o cenário político-pedagógico mais recente e compreendê-lo mais a


fundo. Conceitos e discussão dos conceitos de Direitos Humanos e Cidadania.

Gente boa,

Tudo preparado para darmos mais uma olhada no assunto “políticas públicas”? Eu sei, nem
todos vocês, eu diria até uma minoria, gosta do assunto por sua complexidade e
comprometimento. Hoje em dia, estamos mais interessados em parecermos “politicamente
corretos”, do que sermos realmente politicamente engajados.

Para começo de conversa, a constituição Federal Brasileira diz que a educação é um direito
inalienável de toda a criança brasileira e uma obrigatoriedade cuja responsabilidade recai
sobre os pais ou tutores adultos.
Também a LDB confirma esse direito
e obrigatoriedade, regulamentando o
sistema de ensino, principalmente, no
que diz respeito à sua qualidade, ou
seja, aos aspectos administrativos,
políticos e pedagógicos.

Mas o que é educação? De acordo


com o Dicionário do Ministério da
Educação é Cultura (1981, 389)
educação é “instrução; civilização;
formação das faculdades intelectuais;

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polidez, cortesia”. Já “educar” é mais abrangente “Estimular, desenvolver e orientar as
aptidões do indivíduo, de acordo com os ideais de uma sociedade determinada; aperfeiçoar e
desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais de; ensinar; instruir; domesticar,
adestrar”.

Do ponto de vista cristão, a educação é sempre algo que diz respeito à formação do homem
integral, do homem visto como totalidade, criado à imagem e semelhança de Deus. Tanto
para o grego, quanto para o judeu e o cristão, a educação é entendida como paidéia, ou seja,
Bildung no alemão (Bild – imagem), que é a formação segundo uma imagem, modelo ou
ideal, que põe para fora o ser (e- para fora; cere – o ser), o ser como pessoa e cidadão. E um
elemento fundamental nessa formação é que ela inclua as grandes questões da vida, ou
seja, uma cosmovisão (o que é a verdade?, a realidade interna e externa?, a morte, a
felicidade?, etc.). Numa perspectiva cristã, é o despertar do ser como design inteligente, de
uma criatura da forma como foi “bolada” ou “forjada” por Deus. É isso que fundamenta a
diversidade e alteridade entre os indivíduos, já que Deus pode se projetar numa quantidade
infinita de imagens. Mas é isso também que fundamenta sua igualdade, que é uma das
finalidades da educação, como elucidava o jornalista britânico, G. K. Chesterton (1874-1936):

Todos os direitos constantes da Declaração de Independência dos Estados Unidos da


América fundamentam-se no fato de que Deus criou todos os homens iguais; e isto é
correto, pois, se eles não tivessem sido criados iguais, certamente teriam se
desenvolvido de forma desigual. Nunca se terá base suficiente para defender a
democracia, a não ser, através de uma doutrina acerca a origem divina do homem....
Não só é verdade que uma crença une os homens, como certo é que, desde que uma
diferença nela seja bem definida, essa mesma diferença também faz uni-los. Uma
fronteira determina união. Sucede exatamente o mesmo com a política. A nossa
imprecisão política divide os homens, não os une. Com o céu limpo, os homens
podem caminhar pela beira de um abismo; com nevoeiro, afastar-se-ão milhas da
ravina que os separa.” (on line, Chesterton, 2000).

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Assim, como se pode observar no clássico de Chesterton, Ortodoxia, recentemente lançado
em edição centenária pela editora Mundo Cristão, restaurar as bases da fé cristã, que é a
principal missão do educador cristão, é o mesmo que lutar por valores universais como a
coragem, a fé, a justiça, a democracia, a liberdade. Tais valores dão sentido à existência de
cristãos e não cristãos. Nesse sentido, explica ele, nenhuma educação pode ser desprovida
de dogmas, do contrário ela se torna hipócrita, desnorteada e desvirtuada, e totalmente sem
base. Por outro lado, a necessidade de parâmetros ou diretrizes claras não significa
necessariamente dogmatismo, que é tão deplorável quanto a falta de paradigmas. Quanto
mais universais forem essas diretrizes, ou grandes princípios da vida, melhor para a
coletividade. As autoridades governamentais felizmente já notaram a necessidade de tais
“dogmas” ao publicar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes
Curriculares dos cursos de graduação.

Nessa mesma linha “mistificadora”, há quem diga, e eu tendo a concordar em parte com
essa visão, que o educador que encara o seu papel social e individual como “sacerdócio”,
acaba se tornando nada mais do que um reprodutor da ideologia dominante, deixando-se
explorar e manipular passivamente. O mesmo vale para a instituição chamada “escola”. Por
outro lado, se aplicarmos essa ideia de forma determinista, acabaremos nos lançando em um
ciclo vicioso intransponível, recaindo numa abordagem meramente denunciatória e
negativista da educação.

Em um de seus primeiros livros, Pedagogia do Oprimido, o educador cristão Paulo Freire,


embarcou nessa “onda” pessimista quando esteve no exílio. Já em Pedagogia dos Sonhos
Possíveis, ele não se cansa de repetir: “a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa”.
Achar que pode ela tudo era o pensamento da época do chamado “otimismo pedagógico”,
em que “estudar” era sinônimo de “ser alguém na vida”. E essa “alguma coisa” é a missão é
o campo missionário do educador, especialmente do educador cristão, como veremos mais
adiante. Como essa “alguma coisa” é predominantemente oferecida pela escola secular,
então a escola é o campo missionário primordial do educador, embora não fosse o único. Daí
a importância do educador contextualizado inserir-se no seu tempo, para fazer as demais
instituições educacionais cooperarem numa mesma direção.

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Felizmente, as autoridades governamentais já perceberam a
importância de as escolas terem uma missão e uma visão
institucional, inseridos em um Projeto Político-Pedagógico,
inspirando-se nos grandes empreendimentos. E para o nosso alívio,
também reconheceram a necessidade, em um país que se considera
historicamente cristão, reinstituir o ensino religioso nas escolas públicas, embora ninguém
saiba muito bem como fazê-lo em um contexto que de discurso “pluralista” e “ecumênico”. O
que se esqueceu foi de onde surgiu toda essa história de missão. Não estaria já na hora de
nós, educadores, lembrar-nos disso e assumir esse tão difícil, mas glorioso papel?

Da mesma forma que defende o direito de toda criança à educação, a Constituição Federal
defende o direito à liberdade de expressão da fé religiosa, bem como a sua livre prática.
Então, depois de termos nos perguntarmos sobre o que é educação, é preciso perguntar-nos
agora, a que tipo de educação todos têm direito.

A professora livre docente da FEUSP, Maria Vitória Benevides (2000), defende que a
manutenção da igualdade e do estado de direito não depende tanto da lei, mas muito antes
de um projeto educacional mais amplo, que chama de "Educação para a Democracia" (EPD)
e que começa pela formação dos líderes de governo:

A EPD na dimensão de formação de governantes significa, concretamente, a


preparação para o julgamento político necessário à tomada de decisões. Trata-se de
enfrentar problemas - dos mais variados tipos - e o critério para o julgamento será
sempre o da justiça - decorrente dos valores da liberdade, da igualdade e da
solidariedade. Logo, a EPD é uma formação para a discussão, para a argumentação,
com o pressuposto da tolerância.

Infelizmente, porém, palavras como “manipulação”2 e seu antônimo, “tolerância”, como tantas
outras palavras do discurso educacional moderno, encontram-se bastante desgastadas pelo

2
De acordo com o Dicionário do MEC, manipular é “relativo ao manípulo romano, soldado que fazia parte do
manípulo, preparar com a mão; preparar com corpos simples (medicamente); engendrar; forjar” Já um dos
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tempo. O que vem a ser tolerância, palavra esta que é tantas vezes associada à igualdade?
Quem sabe a melhor estratégia para nos aproximarmos desse conceito seja a via negativa,
perguntando-nos o que tolerância não é.

Em primeiro lugar, a tolerância não pode ser entendida como omissão ou esquiva diante da
constatação da diferença, nem se trata de algum tipo de relativismo. Pelo contrário,
Benevides (idem) elucida que a verdadeira tolerância depende, antes de tudo, de uma
saudável capacidade de crítica (reconhecimento das contradições) e de argumentação:

A virtude da tolerância, aliada à arte da argumentação, não significa levar ao extremo


o temor do etnocentrismo e bloquear todo julgamento ético em nome do relativismo
cultural. Pascal já ironizava a distinção entre verdade e erro, conforme se estivesse de
um ou de outro lado da linha dos Pirineus. Mas o respeito à diferença não significa
esterilidade de convicções. Ao relativismo cultural, Karl Popper opõe o pluralismo
crítico, no sentido de que a velha ética, fundada no saber pessoal e seguro,
decorrente da autoridade, deve ser substituída por uma nova ética, fundada na ideia
do saber objetivo e, necessariamente, inseguro. Necessitamos de outras pessoas para
o descobrimento e correção de nossos erros - especialmente de pessoas que foram
educadas em culturas diferentes - e isso conduz à tolerância, o que não implica na
aprovação incondicional de práticas que violentam nossos próprios valores.... O que
não significa, evidentemente, propugnar algum tipo de uniformidade cultural. A própria
educação, segundo ele, deveria garantir o direito à informação, permitir a hipótese de
que, talvez, outros povos ou setores sociais numa mesma sociedade, podem ser
beneficiados por conhecerem formas alternativas de vida, concepções diferentes das
suas raízes. E ter, enfim, a liberdade de escolher. Nesse sentido, a educação para a
democracia é entendida como a educação para saber discutir e escolher (idem).

sentidos de “manípulo” é “pequena estola pendente do braço esquerdo do sacerdote, quando diz a missa.”
(1981, 694)
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Ora, essa capacidade argumentativa, não é inata, pelo contrário, ela é construída pelo
diálogo e pelo debate. Vemos aqui novamente a associação existente entre a igualdade de
direitos e a educação ou formação cultural da pessoa humana.

A desigualdade entre os seres humanos, ao contrário do que pressupõem os debates da


atualidade, não é um mal em si.
Para evitar as contradições entre a
alteridade e a identidade,
insuportável para o pensamento
reducionista e linear do mundo
contemporâneo, a valorização das
diferenças e do que há de especial
em cada um foi re-batizada e
exalta com outro nome: o chamado
“pluralismo” e o “multiculturalismo”.
Laing chamava esta necessidade
de distinção do ser humano de “busca pelo infinitamente outro". Todo ser humano precisa
desse deparar-se com o outro para lembrar-se de si mesmo. Se todos fossem iguais, não
passariam de uma massa informe, desprovida de personalidade e humanidade e não
sentiriam a necessidade nem da igualdade, nem da diversidade. Podemos chamar esse
fenômeno também de diversidade.

O poeta grego Píndaro, autor do famoso adágio “Torna-te o que tu és”, narra em um dos
seus mais belos poemas a história de quando os deuses apresentam a sua grande solução
para dar conta do único defeito encontrado na magnífica criação de Zeus em todo o Cosmos:
o homem. Sua avaria era o fato de que é um ser "esquecidiço", por definição. Não esquece o
dia do pagamento, do telefone da namorada, e de cobrar aquele devedor. O que esquece
são as coisas importantes da vida, e o que é pior, esquece o mais importante de tudo: quem
ele é. A solução que Zeus encontrou foi angariar os melhores dons junto aos deuses do
Olimpo para criar as musas, e enviá-las aos poetas com a missão de inspirá-los a lembrar-se
e fazer lembrar a humanidade de sua própria identidade. Ele sugere que o esquecimento não

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é um mal em si. De fato, seria impossível reter tudo na memória e é até importante
esquecermos certas coisas na vida. O caso começa a ficar problemático quando o homem se
esquece, além do número de telefone da sogra e da reunião de condôminos, de que não é
Deus e de que, tendo limitações sérias, precisa humildemente apelar para a ajuda externa
humana e divina. Nesse sentido, a educação é facilitadora, por excelência.

Mas quando o educador se esquece de seu papel, e se põe no lugar de Deus, torna-se
autoritário, tirano e manipulador. O mesmo acontece com o sistema educacional, quando as
decisões a respeito da educação são tomadas sem a devida participação dos envolvidos.

No entender de um dos reformadores do sistema de ensino espanhol, A. Lopes Quintás


(2002), a palavra “manipulação” temida por toda pessoa envolvida com educação hoje em
dia. Ela não está relacionada a alguma tolerância barata, que simula uma
pseudoneutralidade e pouco caso com as grandes questões da vida, como o sentido da vida,
o bem e o mal, Deus, e tudo o mais, com as quais todo educador deveria estar
comprometido. Pelo contrário, manipular está relacionado ao menosprezo ou desprezo do
outro, a não lhe dar o valor devido:

Manipular equivale a manejar. De por si, únicamente son susceptibles de manejo los
objetos. Un bolígrafo puedo utilizarlo para mis fines, cuidarlo, canjearlo, desecharlo.
Estoy en mi derecho, porque se trata de un objeto. Manipular es tratar a una persona o
grupo de personas como si fueran objetos, a fin de dominarlos fácilmente. Esa forma
de trato significa un rebajamiento de nivel, un envilecimiento. Esta reducción ilegítima
de las personas a objetos es la meta del sadismo. Ser sádico no significa ser cruel,
como a menudo se piensa. Implica tratar a una persona de tal manera que se la rebaja
de condición.

O pior tipo de manipulação que se vê na sociedade em geral hoje é a erótica, em que uma
pessoa trata a outra como objeto sexual, sem qualquer compromisso. Um nome mais
moderno para isso é assédio, que pode ser sexual ou moral. O autor explicita que os
manipuladores usualmente são pessoas bem próximas das vítimas no cotidiano, que querem

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vencê-las, sem preocupar-se em convencê-las, dando as mais refinadas razões ou motivos
para o que querem que façamos por elas. Usam e abusam das mais sutis táticas para atingir
o que bem querem. Assim, a manutenção da igualdade, está intimamente ligada, não
somente à educação, mas também aos valores que a norteiam:

Democracia é o regime político fundado na soberania popular e no respeito integral


aos direitos humanos. Esta breve definição tem a vantagem de agregar democracia
política e democracia social. Em outros termos, reúne os pilares da "democracia dos
antigos" - tão bem explicitada por Benjamin Constant e Hannah Arendt, como a
liberdade para a participação na vida pública - aos valores do liberalismo e da
democracia moderna, quais sejam, as liberdades civis, a igualdade e a solidariedade,
a alternância e a transparência nos poder (contra os arcana imperi de que fala
Bobbio), o respeito à diversidade e a tolerância. Educação é aqui entendida,
basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades
de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o
que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para
conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas
(Idem).

Entre esses valores, crenças e mentalidades, destaca-se precisamente "a virtude do amor à
igualdade, de que falava Montesquieu, e o consequente repúdio a qualquer forma de
privilégio" (idem). Essas virtudes não se fundam nalgum pressuposto de que o homem seja
bonzinho, pelo contrário. C. S. Lewis (1993, 43) lança alguma luz sobre essa questão:

Creio na igualdade política. Mas é possível ser democrata por dois motivos opostos. Você
pode pensar que todos os homens são tão bons que merecem participar do governo, e tão
sábios, que a comunidade necessita de seus conselhos. Em minha opinião, essa é a falsa e
romântica doutrina da democracia. Por outro lado, você pode acreditar que os homens
caídos são tão perversos, que nenhum deles pode receber poder desmedido sobre seus
companheiros.

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Como representante e portador desses valores, o professor,
particularmente o cristão, compromete-se com o tratamento
igualitário dos seus alunos, mesmo porque, como dizia C.S. Lewis
(1993, 23):

Não existe gente comum. Você nunca falou com um simples mortal. As nações, as culturas,
as artes, as civilizações – essas são mortais, e a vida delas está para a nossa como a vida
de um mosquito. Mas é com criaturas imortais que brincamos, trabalhamos e casamos, e a
elas que desdenhamos, censuramos ou exploramos – horrores imortais ou esplendores
perenes. Não significa que devamos ser perpetuamente solenes. Precisamos divertir-nos.
Mas nossa alegria deve ser aquela (aliás, a maior de todas) que existe entre pessoas que
sempre se levaram a sério – sem leviandade, sem superioridade, sem presunção.3

Para evitarmos o tratamento das pessoas como ordinárias, ou seja, a manipulação, à moda
da mídia, do comércio, de muitas relações de trabalho e políticas, Quintás sugere três
estratégias: 1. Manter-nos atentos e não sermos ingênuos; 2. Pensar com rigor, usando
todos os recursos da lógica e da argumentação 3. Ser criativo, principalmente no
estabelecimento de novas relações humanas. Acrescentaríamos a isso o estímulo ao recurso
à literatura e à participação da cultura, que, como dizíamos, tem muito a contribuir para a
cidadania e o cumprimento da nossa missão.

Ninguém menos do que Paulo Freire (Freire, 2001, 108-109) insistia que “é esse o outro
papel do educador, que é o de convencer, e não apenas de ficar em sua opinião e sim de
mostrar que a sua opinião é mais do que uma opinião, é uma verdade que se pode aceitar.”

A distinção entre teoria e prática; entre ensino e ação transformadora; entre informação e
conhecimento vivo, é um dos maiores problemas que assolam a educação moderna em
geral, mas principalmente a secular em todos os níveis de ensino. Daí a importância de

3 A tradução mais literal, a nosso ver, seria “ Não há pessoas ordinárias” ( “ There are no ordinary people.” )

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fazermos diferença nesse campo com uma proposta de educação mais integral, holística,
dialógica e dialética e voltada para a totalidade do ser humano e das coisas.

Em suma, creio que a missão mais urgente do educador é assumir efetivamente o papel que
lhe é próprio, principalmente nas grandes cidades, que é primeiramente o debate sobre as
grandes e ao mesmo tempo mais esquecidas questões da vida: a verdade, a realidade, o ser
humano, a morte, Deus e a história. A escola seria o melhor fórum para esse debate e
campo para essa tarefa missionária premente. E a melhor maneira de evocá-los é através do
lúdico e da imaginação, despertados pelos jogos cooperativos, os jogos estratégicos e a
literatura imaginativa. E não importa, onde isso seja feito, mas a família, a escola e a igreja
devem ser as primeiras instâncias a proporcionar oportunidades para tanto.

Afinal, não é por acaso que muitas pessoas até hoje se alfabetizam em
casa e nem que Deus escolheu um livro para se manifestar, livro este
que encanta leitores de todo o mundo com o seu lirismo, e ao mesmo
tempo, com o seu realismo. Daí que o cristianismo seja conhecido
como a “religião do livro”.

Bem, espero que tenha curtido esse módulo, espero que leiam todo o
material dessa aula e fiquem com Deus!

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U NIDADE 25
Políticas Públicas de Educação - A Aprendizagem como Processo4

Objetivos: Identificar as novidades trazidas pela Escola Nova e pelos cognitivistas Piaget e
Vygotsky.

Gabriele Greggersen

“Dai a ênfase que dou (...) não propriamente à análise de métodos e técnicas em si mesmos, mas ao
caráter político da educação, de que decorre a impossibilidade de sua neutralidade.”

(Freire, Paulo, Ação Cultural para a Liberdade, 1976)

Parece até que o assunto “Políticas Públicas da Educação” não tem nada que ver com a
educação na prática de sala de aula e na
organização do trabalho pedagógico.

Mas, de acordo com a citação acima de do nosso


saudoso Paulo Freire, não se pode deixar nunca de
ser político quando se lida com educação. O
tecnicismo para ele é uma das ilusões em que o neo-
liberalismo quer que caiamos.

Vamos dar o exemplo da alfabetização. O que


acontece quando uma criança aprende a andar ou
falar? Será o mesmo que andar de bicicleta, mesmo
depois de adulto? Apesar de parecer repentino, trata-

4
Todos os autores aqui citados podem ser pesquisados no portal brasileiro da filosofia e no wikipédia.
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se de um processo de amadurecimento, que se dá no meio do caminho da formação do ser
humano ou de seu “aperfeiçoamento”. De uma maneira geral só nos damos conta dele
quando já passou. Muitas vezes ele envolve breves momentos de “pico” ou de “heureca”,
que representa o “salto” de que nos fala Vygostky, da “zona de desenvolvimento proximal”
para um novo patamar ou “estágio” de desenvolvimento cognitivo.

O fato é que o aprendizado não acontece de uma hora para a outra, mas sim, num processo
contínuo e dialético. Como veremos mais adiante, as visões sobre como esse processo se
dá são muito variadas e determinam as técnicas e ferramentas que o professor escolherá
para tanto. Daí que hoje se falasse mais em “letramento”, do em alfatização, entendendo
esse como sendo um processo que se estende por toda a vida consciente e inconsciente.
Podemos aprender até dormindo e sonhando.

Para cristãos, como Paulo Freire, Maria Montessori e tantos outros, o aprendizado é um
verdadeiro "milagre", mas que também conta com elementos humanos importantes. A Bíblia
diz que Cristo mesmo aprendeu e se aperfeiçoou (Lucas 2:40).

.Um dos maiores pensadores da aprendizagem foi Piaget, um médico que desenvolveu o
que chamou de “método clínico”, a partir de experiências com os seus filhos. Estabeleceu
então sete estágios de desenvolvimento cognitivo, que têm por base a herança genética ou
biológica. Essa ênfase fez com que ele entrasse em conflito com um pensador, que vivia do
lado oriental do globo, e que tinha idéias semelhante às dele, só que a partir de uma base
social. Embora nunca tivessem se encontrado, Piaget e Vygostky (ou Vigostki), um
representante do pensamento liberal e outro, do
marxista, trocavam cartas e acabaram
influenciando um ao outro.as de cartas,
principalmente, no que diz respeito à base
primeira para o desenvolvimento cognitivo, que
para Piaget é basicamente genético-biológico,
mas que evidentemente também sofre
influências externas do meio social; e para

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Vygotsky é essencialmente social, os dois pensadores acabaram identificando mais pontos
em comum do que diferenças.

Mais do que o pensador russo, Piaget marcou todo o pensamento educacional desde o
movimento da já mencionada Escola Nova. Essa influência manifestou-se de formas
diferenciadas na Europa; onde houve confluência com a escola do Gestalt; nos Estados
Unidos, marcado pelo pragmatismo; e na América Latina, conhecida pelas teorias libertárias.
Na Europa destacou-se o filósofo e psicólogo cristão Victor Frankl, com sua logoterapia ou
método paradoxal de aprendizado, que diz, em resumo, que é a falta que traz o acréscimo.
Ou seja, só aprendo, na medida em que me conscientizo de que ignoro. Essa é uma forma
nova de chegar à conclusão antiga do “sei que nada sei” Aristotélico. Aristóteles, da mesma
forma que os pesquisadores da teoria cognitivista, acreditam, que para avançar no
aprendizado (entendido no sentido lato), a criança ou adulto deve, antes de tudo, sair de sua
“zona de conforto”, conscietizando-se de lacunas no seu cabedal de conhecimentos. O
homem já nasce com um déficit impregnado, que são as suas limitações, das quais precisa
ser “libertado”. Daí que surgiram, na mesma época as tendências libertárias na educação,
em paralelo com a “teologia da educação”, da qual um dos grandes educadores fundadores
foi Rubem Alves. Agostinho já dizia que só é capaz de praticar um bem de forma consciente,
quem conhece o mal e consequentemente, sua própria limitação. “Duvido, logo existo”, dizia
ele, muito antes de Descartes, que reformulou a frase para “penso, logo existo”, e o advento
do racionalismo moderno.

Na América Latina, temos a escola de Emília Ferreiro, discípula de Piaget, e Paulo Freire em
suas várias fases: da escolanovista, passando pela progressista "Pedagogia do Oprimido";
até a mais equilibrada da “Pedagogia da Esperança”, “Pedagogia da Autonomia” e
“Pedagogia dos Sonhos Possíveis”.

Nos EUA, vemos a influência de Piaget em muitas escolas pragmáticas como as de Dewey,
para quem se aprende fazendo. Além de John Dewey, cujo proclamador no Brasil foi Anísio
Teixeira, o autor menos conhecido, Ausubel, procurava se afastar do tecnicismo ou
comportamentalismo, aproximando-se mais da teoria do Gestalt, com seu conceito de
“aprendizagem significativa”: só se aprende o que faz sentido para nós. E faz sentido tudo o
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que está ligado à nossa vida, história e tudo com que nos identificamos. Seguiremos essa
linha daqui para frente.

Agora que já estamos conscientes de que toda a metodologia é resultados de uma postura
filosófica e ideológica (por que não dizer também religiosa? ), podemos distinguir os
seguintes procedimentos na área da educação que dizem respeito à metodologia:

Lembrando que procedimento de ensino nada mais são, do que ações, processos ou
comportamentos planejados para dar acesso aos elementos que permitam ao aluno
modificar sua conduta, em função dos objetivos. Trata-se das formas de intervenção
dinâmica na aula, estimulando a mobilização de esquemas operatórios de pensamento e
participação do aluno, que se manifestam nas habilidades de classificar, seriar, relacionar,
analisar, reunir, sintetizar, localizar no tempo e no espaço,
representar, conceituar e definir, provar, transpor, julgar, induzir,
deduzir, etc.

Os procedimentos de ensino devem facilitar a re-construção do


conhecimento pelo aluno, por isso devem ser diversificados e
flexíveis. É preciso, assim, distinguir entre:

Técnica – operacionalização do método. Ilustração 3: Froebel

Método – caminho para se atingir um determinado resultado previsto, ou seqüência de


operações com vistas a um determinado fim almejado. É chamado também de estratégia de
ensino.

Colocados esses conceitos básicos, podemos estabelecer mais as seguintes distinções:

Métodos verbais tradicionais (baseados na epistemologia associacionista.

Métodos ativos (baseados nas pesquisas da psicologia do desenvolvimento, principalmente o


construtivismo e a teoria cognitivista).

De forma muito semelhante às tendências pedagógicas, podemos subdividir os


procedimentos de ensino-aprendizagem em individualizados; socializados e sócio-

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individualizados. Os precursores dos primeiros, sendo: J.J. Rousseau, Pestallozzi, Froebel,
Montessori e Herbart.

Tais procedimentos também podem ser classificados como

1. Procedimentos individualizantes:

 Aula expositiva – apresentação do assunto; introdução do novo conteúdo, a partir do


que a criança já conhece e experienciou; estabelecer clima favorável; ser claro e
preciso, partindo de idéias gerais, como pontos de ancoragem ou de fatos particulares
ou problemas; relacionar as idéias de modo ordenado; destacar e fixar as idéias mais
importantes, dar exemplos esclarecedores, estimular a participação, dialogando com
os alunos; finalmente, sintetize as idéias.

Recomendações gerais: Usar linguagem simples, desembaraço e entusiasmo, usar


humor, e lançar mão de audiovisuais, Ter sensibilidade com a classe, intercalar a
exposição com exercícios. Trata-se da construção e estabelecimento de pontes entre
o universal e o particular; entre o novo e o já sabido – aprendizagem significativa.

 Método Montessory – baseia-se na concepção ‘vitalista’ de homem e de mundo e,


além da vitalidade, nos princípios de liberdade, atividade e individualidade. Promove a
educação dos sentidos, do movimento e da inteligência, a prática da autodisciplina, a
capacidade de concentração e a realização de exercícios da vida prática.

 Centros de interesse – globalizador, interdisciplinar, ao integrar as


atividades discentes e os conteúdos , fazendo-os convergir para o
mesmo centro ou eixo de trabalho cognitivo. Partem do interesse
do educando, que é o principal elemento afetivo para a aquisição
de conhecimentos e aproveitam os fatos de sua vida cotidiana.
Ilustração 4: Material
Esse método foi criado por Ovídio Decroly. Nos centros de Dourado
Montessoriano
interesse, há três etapas básicas na abordagem de cada grande
tema ou assunto; observação, associação e expressão.
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 Métodos intuitivos ou audiovisuais (baseados na teoria do Gestalt)

 Ensino Programado (baseado na reflexologia e psicologia comportamental ou


behaviorista) – trata-se do método empregado pela maioria dos primeiros cursos à
distância, principalmente os que faziam uso principal do correio.

2. Procedimentos Socializantes:

 Uso de jogos – cria


atmosfera de motivação
que permite ao aluno
participar ativamente do
processo. É uma atividade
natural ao homem,
envolvendo sentimentos e
intuição. Trata-se de um
elo integrador entre
aspectos motores,
cognitivos, afetivos e
sociais. Permite à criança
organizar o mundo à sua
volta, inclusive assuntos que ela não consegue trabalhar formalmente, além de
permitir incorporação de atitudes e valores. Permite reproduzir e recriar o meio
circundante. Esse tipo de procedimento pode ser facilitado com uma brinquedoteca na
escola, que estimule não apenas a criatividade, mas que também permita os seus
benefícios sociais, como o trabalho em equipe, mas também os coletivos e individuais
de desenvolvimento do raciocínio estratégico.

 A dramatização facilita a assimilação e aquisição de conceitos e princípios ferais, a


partir do concreto. Desenvolve habilidade de analisar levantar problemas e buscar
soluções.
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 Trabalho em grupos permite o diálogo e troca de idéias, formando hábitos de estudo e
convívio social, principalmente em torno de temas da atualidade ou das notícias do
jornal. Daí a importância, para além da biblioteca, de uma hemeroteca.

 O Estudo de casos é uma variação da técnica de solução de problemas, partindo de


uma situação real, dentro do conteúdo abordado, para análise e proposta de
alternativas de solução, aplicando a teoria na prática. Só que as situações são reais
ou baseadas na realidade.

 O Estudo do meio é o uso de forma direta do meio natural e social circundante, do


qual o aluno participa. Utiliza-se de entrevistas, excursões e visitas como formas de
observar e pesquisar diretamente a realidade, coletando dados e informações para
análise e interpretação posterior.

3. Procedimentos sócio-individualizantes:

 Método da descoberta: a partir de situações experimentais e de observação, os alunos


formulam conceitos e princípios usando o raciocínio indutivo.

 Método da solução de problemas é uma variante do método da descoberta,


apresentando ao aluno uma situação problemática para os alunos proporem
alternativas de solução, a partir do que já sabe ou do que foi aprendido em aula.

 Movimento Freinet – Valorização da


expressão espontânea do aluno e incentivo
à produção escrita de textos livres. De
acordo com esse sistema, o aluno é
estimulado a expressar-se, a interagir,
cooperar, comunicar e corresponder-se
com outros. O objetivo principal é
desenvolver os meios de expressão oral e

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Ilustração 5: C. Freinet
escrita em uma atmosfera de espontaneidade, e explorar a natural curiosidade e
atividade dos alunos.

 Método dos projetos – estabelecimento claro de visão ou justificativa ou missão,


objetivos tangíveis e verificáveis ao final do processo, baseada em atividades
conscientes e intencionais do aluno ... O projeto é gerado, a partir de um problema
concreto e se efetiva na busca de soluções práticas. As prefeituras, a partir das
orientações recentes dos PCN’s, têm incentivado esta metodologia nas escolas.

 Método das unidades didáticas – o conteúdo é desenvolvido por unidades amplas,


significativas e gerais, integradoras de conteúdos diversos de uma ou diversas
disciplinas à prática individual e social. Permite assim, a associação dos
conhecimentos à vida cotidiana.

Nenhum desses métodos é infalível ou rígido. Todos eles admitem uma ampla variedade de
combinações. O que se deve evitar ao máximo, são as incoerências entre a metodologia, os
procedimentos e o discurso e a visão de mundo por trás do mesmo.

Há, para além dessas metodologias e recursos, certos critérios que podem ser adotados
para a seleção dos procedimentos:

1. Adequação aos objetivos e ao processo de ensino-aprendizagem;


2. Natureza do conhecimento a ser reconstruído;
3. Características e estilo de aprendizagem dos alunos;
4. Condições físicas e tempo disponível.
5. Facilidade de clareza e organização do trabalho pedagógico;
6. Estímulo às estruturas cognitivas e sua aplicação ao conteúdo.

Entre as técnicas mais usadas no ensino universitário, podemos citar as seguintes:

 Técnicas expositivas:

Para programar uma aula expositiva o professor pode fundar-se em algum dos métodos
acima expostos, e não deve esquecer-se de que, como no caso da exposição artística, trata-
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se de expor algo concreto (a própria realidade, que é a maior obra de arte do universo!) e
deixar as elucubrações e devaneios a cargo do aluno.

 Dinâmicas de grupo:

A dinâmica de grupo não substitui o conhecimento ou qualquer conteúdo, mas apenas


auxiliar a sua assimilação, através da dinamização do trabalho pedagógico.

A principal vantagem das dinâmicas de grupo, além da sua fundamentação em importantes


descobertas e pesquisas científicas, é que permite introduzir o lúdico e o maravilhoso em
sala-de-aula, que funciona como espécie de “porta” para o conhecimento do mundo e de si
mesmo. Com isso valoriza-se tanto o aluno, quanto o próprio conhecimentos, tornando-o
mais significativo e assim, mais facilmente assimilável e memorizável.

Outro aspecto crucial é o desenvolvimento da autonomia do aluno e do espírito coletivo e


cooperativo, além dos valores fundamentais da ética. Por isso, ao aplicar este tipo de
técnica, o professor deve estar muito bem fundamentado numa filosofia consistente e Ter
claros os objetivos que deseja atingir. Em outras palavras, é preciso que ele mesmo tenha
uma postura ética coerente e que seja suficientemente humilde e prudente, a ponto de
reconhecer os limites da sua própria ação pedagógica.

As técnicas de dinâmica de grupo tradicional5 são as mesmas aplicadas também na área de


Recursos Humanos6. No nível superior e de pós-graduação, conforme Andrade
(1997)devemos acrescentar alguns eventos científicos aos métodos didáticos (seminários,
mesas redondas, comunicações, etc.).

Além das técnicas tradicionais, usadas também na pesquisa


acadêmica, podemos citar os seguintes jogos e técnicas grupais,
que podem ser pontuados e registrados em tabelas de pontos
cumulativos para cada grupo, tais como o sociograma, a técnica

5
Ver quanto ao assunto ainda Godoy, 1988.
6
Veja alguns exemplos em Carvalho, 1996.
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do arquipélago e da copa, debatedores e ouvintes, sessão de peritos e interrogadores,
quebra-gelo, jogo de palavras, dramatizações, bingo, agitação de problemas e busca de
soluções, etc .7

Enfim, minha querida gente, tudo isso é bom e útil, mas não podemos esquecer que tudo
parte de uma postura ideológica e política e que até mesmo a democracia não é algo que se
nasce sabendo, mas também algo que se aprende. Então, só nos resta citar o bom e velho
Guimarães Rosa: “Mestre não é aquele que ensina, mas aquele que, de repente, aprende”.

Até a próxima!

7
Conf. Antunes, s.d., 43 ss.
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U NIDADE 26
Políticas Curriculares e Afirmativas

Objetivo: Conhecer sobre a escola entendida como comunidade e sobre uma das mais
recentes tendências da pedagogia comunitária, muito ligada às ideias de Paulo Freire e à
recente pedagogia dos projetos.

Continuando nossa conversa sobre Políticas Curriculares e Afirmativas

Numa época, que se destaca pela falta de respeito pelo patrimônio comum da humanidade;
em que obras são roubadas a troco de nada e pessoas protestarem pela retirada dos
outdoors de propaganda das ruas, por alegarem que sejam obras de “arte”, quando na
verdade estão contribuindo para a poluição visual, num atentado ao bem coletivo e público,
sua essência continua comum às sociedades.

Desde 1948, após as grandes guerras foi possível estabelecer uma Declaração Universal de
Direitos do Homem. Pelo menos dois dos seus artigos dizem respeito à arte e cultura.

Um dos seus artigos se refere explicitamente à arte, seus benefícios e ao direito de proteção:

Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de
qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor (Artigo XXVII).8

Esse direito está muito ligado a outro, no que tange a cultura:

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização,
pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e

8
Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/direitoshumanos.htm

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recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua
dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (Idem, Artigo XXII).

É claro que esses direitos precisam de mediadores, sendo a educação um dos mais
importantes. Mas a arte certamente se torna um aliado do educador nessa tarefa de
promover o acesso e usufruto do patrimônio cultural comum da humanidade, no qual, por sua
vez, insere-se todo o tipo de arte.

Tais “leis” têm pretensões de universalidade porque supõem que praticamente todas as
civilizações letradas de que se tem notícia concordariam com ela. Mas mesmo as civilizações
sem língua escrita têm em seu imaginário coletivo um rico arsenal de valores e morais
equivalentes, expressos em histórias, lendas e contos.

O leitor atento poderá ler essas “leis universais do bom senso” nas suas entrelinhas. Nesse
sentido, literatura e arte são transdisciplinares.

Gusdorf (1995, 15) define a “transdisciplinaridade” nos seguintes termos:

Mais nova, mais fascinante, pelo menos na


ordem linguística, é a noção da
transdisciplinaridade; ela enuncia a ideia de
uma transcendência, de uma instância
científica capaz de impor sua autoridade às
disciplinas particulares; ela talvez designe
um foco de convergência, uma perspectiva
de mirada que juntaria o horizonte do
saber, segundo uma dimensão horizontal
do saber, segundo uma dimensão
horizontal ou vertical, as intenções e preocupações de diversas epistemologias. Pode-se
tratar de uma metalinguagem ou metaciência, mas, na estratégia do saber, a ordem
transdisciplinar define uma posição-chave, da qual sonharam tomar posse todos os que as
ambições do imperialismo intelectual atormentam.

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Por mais difícil de definir que a arte possa ser uma coisa é certa, como já dito alhures, ela
pressupõe uma leitura e releitura, que coloca o artista em comunhão com seu público de
maneiras misteriosas e na sua grande maioria surpreendentes, já que escapam a uma
explicação racional ou sistemática.

Em outras palavras, os efeitos da arte para quem a aprecia são transcendentes e tão
profundos, que fazem com que não haja obra que se possa se completar sozinha, fazendo
com que essas relações apreciador-arte sejam tantas, quantos são os apreciadores e,
portanto, sejam únicas e irreproduzíveis.

Mais do que uma leitura “solitária”, uma obra solicita uma resposta dialógica daquele que a
aprecia. Nesse sentido, pode-se entender toda educação artística com uma alfabetização. E
entendida como texto, toda obra de arte pressupõe uma interpretação, uma hermenêutica.
No caso das artes visuais, Freedman (2005, 138-139) aproxima esse fenômeno do que
acontece na literatura:

Um aspecto importante da cultura visual em educação refere-se à integração intergráfica que


ocorre na mente das pessoas quando encontram imagens (Freeman, 1994). Pode-se dizer
que essa integração dá-se no espaço entre imagens de forma similar ao que os teóricos da
literatura chamam de intertextualidade, que envolve a referências feitas pelo leitor a outros
textos quando lendo um novo texto.

Ninguém como Barbosa (2005, 145-146) para declará-lo abertamente: em última instância,
ninguém cria coisa alguma. Tudo o que fazemos são releituras:

Quem sabe fosse, ainda mais complexa, pelo envolvimento maior com a subjetividade.
Japiassu a define nos seguintes termos

1) Arte como fazer/trabalhar/construir;

2) Arte como conhecimento; e

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3) Arte como sentimento/expressão... Em resumo: o conhecimento-Arte é uma área de
estudo-pesquisa-ação que movimenta a cognição e a afetividade das pessoas de maneira
intensa e “ativa.” (2004, on line)

Um dos elementos complexos é a própria demarcação nos estreitos limites de uma disciplina
escolar, como esclarece a professora Ana Mae Barbosa em entrevista recente à TV da
Câmara. Ninguém sabe ao certo, se ela deve denominar-se “arte-educação” (com ou sem
hífen), arte/educação, educação artística, artes, etc., o que atinge profundamente a
identidade do profissional que a ela se dedica. Mas qual a raiz e origem da arte e sua
educação?

Uma das provas cabais da impossibilidade de definição clara e precisa nas culturas
ocidentais da educação no sentido greco-judaico está descrita no livro do historiador Werner
Jaeger, que faz uma “escavação” da palavra usada pelos judeus e gregos para ela: paidéia.

Só o tamanho do livro, necessário para exprimi-lo espanta qualquer um. Ela abrange não
apenas informações e conteúdos, nem apenas o que consideramos “competências” ou
“habilidades”, em alta no discurso sobre a educação nesses dias, mas tudo o que diz
respeito ao ser humano enquanto tal: inteligência, imaginação, cuidado com o corpo, com a
natureza, com as coisas espirituais, com especial ênfase na arte.

Em última instância, lembra um estudioso da filosofia, todos esses dualismos remontam


àquele existente entre a contemplação e a criação. Heidegger, por exemplo, acreditava que
em “última instância, a arte, salvaguarda criadora da verdade na obra, na medida em que
deixa advir à verdade na obra, na medida em que deixa advir a verdade do ente, com
fidelidade e respeito, é Dichtung, ou seja, poesia. Se toda a arte em sua essência é Dichtung,
é evidente que esse termo não designa apenas a poesia enquanto gênero literário, embora
esta (em particular em Höldering, o poeta da poesia) ocupe um lugar essencial no
pensamento heidggeriano. A poesia, com efeito, é a obra da linguagem. Ora, a linguagem
não é um simples instrumento de comunicação.

Em sua essência, a linguagem abre o espaço do Ser que os entes vão ocupar e onde
podem, portanto, reencontrar-se o vazio e o silêncio. A poesia, na medida em que, por ela a

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linguagem reencontra a sua essência, que é dizer o Ser de todos os entes, é pensamento.”
(Lacoste, 86, 90)

Não é por acaso que o


pensamento para o grego,
logos (que, aliás, equivale a
ratio ou razão, no latim), nada
é do que a força criadora de
coisas; a força da imaginação
criativa; o verbo que se
encarna (como no Evangelho
de João 1.1 ss).

Antes dessa brilhante síntese, Lacoste lembra que a filosofia da arte deve incluir um estudo
da mimese, do simulacro ou da capacidade do que Kant (e Marilena Chauí) chama de
“imaginação reprodutora”, ou seja, o instinto humano de reproduzir se não um modelo
imediatamente presente, ao menos a memória que se tem dele.

Daí a necessidade de bons modelos para a “produção” da arte, pouco importando que eles
sejam “miméticos”. O fato é que toda a produção criadora, em ambos sentidos, gera uma
espécie de espanto, “perturbação” que nos coloca em um estado que beira o encantamento
ou feitiço, como o exprime Lacoste (1986).

O grande conflito ocorre entre os que adotam uma postura platônica e idealista, para quem a
arte nada mais é, do que imitação e projeção da verdadeira realidade e só serve para o
engano, como se pode inferir do Mito da Caverna.

Os que se voltam para a realidade como ela é (mas com o detalhe de que essa verdade,
para Platão, é a das ideias, em detrimento daquelas do corpo) são os verdadeiros filósofos:
aqueles que vivem no mundo das ideias. Nesse sentido, a obra de arte, que simula beleza,
distrai o ser humano da verdadeira beleza que está na essência das coisas que, por sua vez
é imaterial. Um exemplo disso é o deus grego Eros:

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Eros é o amor da Beleza: amor da beleza dos corpos, da beleza do espírito, das leis e das
ciências, enfim, da própria Beleza (Banquete, 210-211). As artes não desempenham nenhum
papel nessa purificação do desejo, mas Eros, esse demônio “hábil como um feiticeiro,
inventor de filtros mágicos” (203 d) e, portanto, um pouco sofista, não será uma espécie de
artista divino? (Platão, apud Lacoste, 86, 20).

É interessante notar que poiesis, que se encontra no livro de Gênesis, na narrativa da


criação do ser humano, equivale ao alemão Schaffung, no sentido estético, ou criação.

A palavra tem a mesma raiz que o verbo schaffen – que significa realizar algum projeto,
empreendimento, ou pôr em ação uma ideia. Ela se caracteriza por provocar em quem a
contempla uma sensação ou sentimento de admiração ou elevação, capaz de nos elevar ao
que Kant costumava chamar de sublime. Em O papel da teoria na estética, Morris Weitz
(1956) elucida a relação
da literatura com a arte
em geral:

O que se verifica no caso


do romance verifica-se
também, penso eu, em
todos os subconceitos de
arte: "tragédia",
"comédia", "pintura",
"ópera", etc., e verifica-se
no caso do próprio
conceito de "arte".

Nenhuma questão do tipo «É X um romance, uma pintura, uma ópera, uma obra de arte,
etc.?» permite uma resposta definitiva no sentido de um sim ou um não baseado em fatos.

A resposta à questão «É esta colagem uma pintura ou não?» não assenta num conjunto de
propriedades necessárias e suficientes da pintura, mas em saber se decidimos ou não --
como de fato o fizemos -- alargar o termo "pintura" para abranger este caso.

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O próprio conceito de "arte" é um conceito aberto. Novas condições (novos casos) surgiram
e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos movimentos, que
irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de arte
profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado.

Os estetas podem estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias


e suficientes para a correta aplicação do conceito. Com o conceito "arte", as suas condições
de aplicação nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos
podem sempre ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que
exigirá uma decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em
inventar um novo.” E na conclusão “Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la
como uma definição, logicamente condenada ao fracasso, mas lê-la como sumários de
recomendações feitas com seriedade para atender de determinadas maneiras a certas
características da arte”.

Bem, minhas/meus querida/os, acho que hoje conseguimos abrir algumas perspectivas bem
mais esperançosas para a educação, apesar das políticas, não é mesmo?

Então, não deixe de fazer os exercícios, ler todas as unidades e esclarecer eventuais
dúvidas que possam ter ficado.

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U NIDADE 27
Políticas Curriculares e Afirmativas

Gabriele Greggersen

Olá pessoal,

Talvez um ou outro de vocês tenha pensado: isso é por demais teórico, quando é que vamos
falar da sala de aula?

Posso entender a ansiedade de alguns de se voltarem para a prática e finalmente conhecer


as soluções oferecidas pela filosofia para encarar os desafios do cotidiano escolar. Mas onde
pararíamos, se nos limitássemos a receitas prontas, que podem até funcionar por um tempo,
mas que não serão de grande ajuda, quando você estiver diante de uma situação imprevista.
Não podemos agir mecanicamente em sala de aula, não é mesmo? Para evitar os perigos do
agir desprovido de reflexão crítica é que precisamos da filosofia e dos ideais, principalmente
na educação, não é mesmo? Isso não significa que devamos ter um posicionamento ingênuo
e alienado do cenário político que nos rodeia.

Hoje vamos falar sobre a escola entendida como comunidade e sobre uma das mais
recentes tendências da pedagogia comunitária, muito ligada às ideias de Paulo Freire e à
recente pedagogia dos projetos.

Desde a promulgação de LDB 9394/96, que certamente está


longe de ser perfeita, têm surgido propostas politicamente
sérias e animadoras na educação, principalmente no
contexto mais amplo da educação multicultural, e de
políticas afirmativas de inclusão em todos os campos do
saber escolar, como por exemplo, no da arte-educação.

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A arte do cotidiano e a da comunidade, inspirada em Paulo Freire e sua denúncia da
chamada “educação bancária”, focaliza

...o caráter emancipatório que a arte/educação baseada na comunidade pode


assumir... Valorizar as ligações intrínsecas entre a arte e a vida cotidiana constitui a
base de uma arte/educação democrática, porque envolve o reconhecimento de várias
práticas artísticas sem distinguir entre o erudito e o popular. Dentro dessa orientação,
a arte/educação baseada na comunidade busca privilegiar a arte que já existe na
comunidade em que a escola se situa, confrontando o que John Dewey considerava
uma reação quase que hostil a uma concepção de arte ligada às atividades diárias da
pessoa em seu ambiente. Essa hostilidade a uma ideia de “arte associada aos
processos da vida cotidiana é um comentário patético, um tanto trágico, sobre as
nossas experiências comuns da vida” (Bastos, in Barbosa, 2005, 228).

Diante do pluralismo cultural que vivemos no Brasil e no mundo de hoje, acreditamos que a
atenção para outras realidades/culturas, seus problemas, expressões e soluções positivas
para combater os já tradicionais dualismos na educação. Temos grande número de
oportunidades para atentarmos para o outro, o diferente com a recompensa de conhecermos
melhor a nós mesmos, desenvolvendo a nossa própria identidade. Essas diferentes leituras
também ajudam a combater o mais do que odioso preconceito e atitudes de rejeição do
diferente. Porque a arte não se contenta com nada menos do que com a verdadeira
totalidade do real, ela é tão importante para o combate a todas essas ideologias totalizantes.

Embora a arte e a educação já tenham sido usadas inúmeras vezes na história para servir a
interesses perversos e totalitários, a arte contêm no seu bojo um potencial subversivo e
revolucionário. Por isso mesmo é que os governos estão por demais atentos para ela.

Muitos diriam que os PCN, inclusive de artes, limitam-se a ser outra iniciativa imposta de
cima, como os antigos Guias Curriculares, que nada têm a ver com a realidade de sala de
aula, numa nova tentativa velada de legitimar o status quo e hegemonia das classes
dominantes. O currículo é uma das armas mais poderosas que os governantes têm para

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controlar o que se ensina na escola e quem ficará margem, lembrando que a palavra
currículo lembra o curso de um rio que corre em uma só direção, deixando às margens os
que não se deixam levar pelas correntezas (daí a origem da palavra “marginal”).

Como elucidam Barra e Moraes (2007, 23), segundo a teoria crítica:

A estrutura da sociedade tem sido subordinada à força do capital, transformando a


liberdade humana em pura abstração filosófica, já que não se podem realizar nas
relações materiais... A ideologia do trabalho eficiente, com qualidade e eficácia é uma
reprodução exata do sistema dominador, de onde a racionalidade técnica é sua
primeira expressão.

Tal manipulação e opressão também têm reflexos sobre a


arte e seu ensino, gerando uma contradição quase gritante
entre a promessa de uma sociedade livre, democrática,
inclusiva e economicamente sadia, quando na verdade ela se
torna escrava do consumismo desenfreado e pouco
consciente. Autores brasileiros como Demerval Saviani, Marilena Chauí e Bárbara Freitag
têm traduzido as teorias dessa escola para a realidade brasileira, que é ainda mais atual
levando em conta o domínio da tecnologia e da pedagogia tecnicista. Esses autores tendem
a interpretar a chamada “pós-modernidade” como mais uma expressão velada da lógica
neoliberal, já que não houve ruptura econômica no modelo produtivo. Por isso, não havendo
revolução, não se pode falar em uma 'nova era'... Para Chauí, a sociedade do conhecimento
está articulada com as transformações do capital, que produziram a intensa circulação de
informações através da competição de conhecimentos. As forças produtivas no sistema
capitalista desempenham força e expressão pela lógica do serviço, em que a acumulação
flexível caracteriza-se como capital financeiro, substituindo o capital produtivo. Na prática,
isso significa mais conhecimento, informação e maior acesso a bancos de dados, números,
transações. (Barra e Moraes, 2007, 25)

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Entretanto, essa é apenas uma abordagem possível da cultura artística e em especial, da
mídia. Como aponta Souza (2000), por exemplo, ela tem contribuído muito para o ensino da
música e certamente também tem permitido acesso de pessoas com necessidades
educativas especiais (que inclui os deficientes e pessoas excluídas por motivos sociais,
emotivos ou comportamentais) à arte e seu ensino. Essa tendência ou “onda” de
"inclusibilidade", que tem dominado o campo educacional certamente é uma das novidades
boas trazidas pela “pós-modernidade.”

Mas o melhor fruto das artes sobre a vida dos indivíduos e coletividades é gerado pela
experiência com o desconhecido, o misterioso, o sublime, decorrente dessa abertura para a
totalidade do real, provocada pela arte.

Não se pode dizer que pessoas que tiveram as artes incluídas no seu currículo sejam
pessoas “melhores” do ponto de vista moral, e muito menos que fossem mais “humanas”. O
que se pode dizer é que por natureza a arte tem embutida a interdisciplinaridade, e diria até
transdisciplinaridade e a interculturalidade. Isto é, ela remete, não sem conflitos, além de si
mesma para valores que pertencem a toda a humanidade. Somente quando os professores e
alunos têm um real encontro para desenvolver um projeto que convence e entusiasma a
todos, podemos falar de interdisciplinaridade.

Mas o que é interdisciplinaridade? Para usar um exemplo da química, ela acontece quando
dois ou mais reagentes químicos têm um encontro “revolucionário”, valendo-se de uma fonte
energética comum para realizar uma troca de estruturas químicas, geradora de dois produtos
completamente novos. Nenhum deles poderia produzir tal coisa sozinhos. É o que acontece
inclusive na arte, quando o apreciador “completa” a obra ao desfrutar dela.

A diferença na educação é que normalmente esse fenômeno só acontece intencionalmente e


após muito planejamento e debate entre pessoas humanas. Como você deve ter
desconfiado, essa não é uma coisa fácil de alcançar, por vários motivos. Um deles, é que
não conhecemos a composição dos reagentes em profundidade. Ou então, temos medo do
que possa acontecer se os misturarmos e acabamos contentando-nos, por segurança, com
meras misturas de substâncias. Outros empecilhos são a falta de compromisso com

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resultados ou de paciência e humildade para “deixar as coisas acontecerem” depois do
devido planejamento. Finalmente, temos ainda o individualismo, o brilhantismo e a ganância
pelo controle da situação no processo de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, podemos considerar a arte um reagente poderosíssimo, ao mesmo tempo em


que pode ser um produto. E já que ela está presente na cultura, quer a escola e os
educadores engajados a incentivem, quer não, então, ela não pede licença para fazer e
acontecer.

Assim, a arte é um dos mais importantes aliados do professor e do aluno nessa jornada. Sua
presença nos currículos é sinal de
engajamento político pedagógico a favor de
uma formação integral.

Numa época, que se destaca pela falta de


respeito pelo patrimônio comum da
humanidade; em que obras são roubadas a
troco de nada e pessoas protestarem pela
retirada dos outdoors de propaganda das
ruas, por alegarem que sejam obras de “arte”,
quando na verdade estão contribuindo para a
poluição visual, num atentado ao bem coletivo
e público, sua essência continua comum às
sociedades. Desde 1948, após as grandes
guerras foi possível estabelecer uma
Declaração Universal de Direitos do Homem.

É claro que esses direitos não são garantidos instantaneamente, necessitando de


mediadores adequados. A educação um dos mais importantes. O repertório intercultural de
histórias e clássicos de todos os tempos é outro. A própria apreciação de qualquer tipo de
obra humana envolve uma “alfabetização do olhar”. Nesse sentido ela envolve uma releitura,
mais do que simples leitura, como tão bem esclarece Barbosa (2005, 145-146), nos moldes

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freireanos: ninguém ensina [ou cria] alguma coisa. Em última instância o que fazemos são
releituras:

O que quer dizer releitura? Reler, ler novamente, dar novo significado, reinterpretar, pensar
mais uma vez. Mais uma fez fui levada a refletir sobre minha experiência. Sou artista plástica
e trabalho muito com apropriação e citação, algo muito próprio de nossa contemporaneidade
pós-moderna ... Em minhas aulas, nunca peço ao aluno para fazer algo em frente à obra que
está sendo discutida. Trabalho com a memória visual, quase sempre com mais de um artista,
para que possam comparar, mesclar, pensar melhor sobre as questões propostas. Mais uma
vez isso é uma questão de escolha, de metodologia de trabalho do professor. É ele quem
deve escolher com que artista ou
artistas vai trabalhar.

Com isso, o artista restitui ao


professor o seu devido lugar, ao
mesmo tempo em que institui uma
liberdade vigiada na expressão
artística:

As novas gerações precisam


conhecer o que aconteceu no
mundo, e no mundo da arte, para
que possam se conhecer melhor
culturalmente. Um povo precisa
ter domínio de sua cultura.
Também precisam saber
expressar-se, não com um grito
da alma e sim um expressar embasado, pensado. Um expressar que junte o conhecimento
com os sentimentos. (Idem, 149)

Daí que a alfabetização artística envolva, antes de tudo, valores tais como o respeito pela
dignidade das pessoas, a justiça, a liberdade, a moderação, a solidariedade, a amizade, a

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coragem e tantos outros, que por sua vez são pura filosofia que provém da capacidade de
admiração. Como elucida o prof. Jean Lauand, com base na letra de uma música popular,
“Força Estranha”, de Caetano Velloso, é o espanto filosófico que está na raiz tanto da arte,
quanto da filosofia. E tudo isso, mediatizado pela leitura poética da realidade, vista como um
todo:

A admiração filosófica não é suscitada pelo ´nunca se viu tal coisa´, por aquilo que é
anormal ou sensacional... Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não
diário, o mirandum, eis o princípio do filosofar. Nesse ponto, como dizem Aristóteles e
S. Tomás, o ato de filosofar se assemelha à poesia”. A letra de “Força Estranha” nos
fala da arte e do artista, de seus temas, condição e missão: o que o poeta vê, como o
vê e expressa. E o que se diz é que o tema e a inspiração da arte procedem da
admiração das coisas simples que o poeta vê e – aí está o seu dom – repara: “Eu vi o
menino correndo, os cabelos brancos na fronte do artista, a mulher preparando outra
pessoa...” Note-se que “O tempo parou”, ou a “ausência de tensão do futuro”, é a
caracterização que filósofos (como Von Hildebrand ou Pieper) utilizam para falar da
contemplação da verdade ou da beleza. E quem quer que no caminho, na estrada da
vida não esteja totalmente cego para essa luz sentir-se-á arrastado – é a experiência
relatada desde a Antiguidade por todos os genuínos poetas – por uma estranha força
que o compele a externar (“por isso essa voz tamanha”) essas maravilhas. Quando
essa manifestação é de ordem primordialmente estética recebe o nome de arte e seus
cultores têm o curioso dom da eterna juventude, por muito que o tempo não pare. (on
line, 1981/82).

Então, como um dos campos abrangidos pela educação, entendida como paidéia, a arte não
poderá ser menos complexa. Quem sabe fosse, ainda mais complexa, pelo envolvimento
maior com a subjetividade.

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Em última instância, lembra um
estudioso da filosofia, os dualismos
presentes na educação remontam
àquele existente entre a contemplação
e a criação. Heidegger, por exemplo,
acreditava que em “última instância, a
arte, salvaguarda criadora da verdade
na obra, na medida em que deixa
advir à verdade na obra, na medida
em que deixa advir a verdade do ente,
com fidelidade e respeito, é Dichtung, ou seja, poesia. Se toda a arte em sua essência é
Dichtung, é evidente que esse termo não designa apenas a poesia enquanto gênero literário,
embora esta (em particular em Höldering, o poeta da poesia) ocupe um lugar essencial no
pensamento heidggeriano. A poesia, com efeito, é a obra da linguagem. Ora, a linguagem
não é um simples instrumento de comunicação. Em sua essência, a linguagem abre o
espaço do Ser que os entes vão ocupar e onde podem, portanto, reencontrar-se o vazio e o
silêncio. A poesia, na medida em que, por ela a linguagem reencontra a sua essência, que é
dizer o Ser de todos os entes, é pensamento.” (Lacoste, 86, 90)

O grande conflito ocorre entre os que


adotam uma postura platônica e
idealista, para quem a arte e a
educação não passam de imitação e
projeção enganosa da verdadeira
realidade (vide o Mito da caverna) e os
que se voltam para o que transcende a
realidade do aqui e agora, muitas
vezes conflituosa e penosa. Como em
toda a situação de conflito, a filosofia
nos convida a adotar uma postura pró-

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ativa e assertiva para além da denúncia.

Bem, minhas/meus querida/os, acho que hoje conseguimos abrir algumas perspectivas bem
mais esperançosas para a educação, apesar das políticas, não é mesmo? Então, não deixe
de realizar as atividades e provas, ler o que mais lhe chamar a atenção nos textos
complementares e participar dos fóruns.

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U NIDADE 28
Realidades Políticas e a Avaliação

Gabriele Greggersen

Gente boa,

Cá estamos mais uma vez para insistir no tema Políticas Educacionais. Depois de termos
abordado alguns aspectos políticos envolvidos na educação, discutiremos hoje assunto não
menos político, mas acima de tudo humano e, portanto, não menos “cabeludo”, a avaliação.

Quando um belo dia fui convidada a falar sobre a esperança, no contexto da educação atual,
pensei em fazer interagir três variáveis
educação, crise e mudança. Ninguém
como o saudoso Paulo Freire para falar
desse assunto. Como deu muito certo,
vou trilhar mais ou menos o mesmo
caminho.

Vamos começar por alguns dados


atuais sobre educação. No site do
IBGE lemos que:

Em 2000, 5,8 milhões de brasileiros de


25 anos ou mais de idade tinham o
curso superior concluído e proporção
de brancos com este nível de ensino é
cinco vezes maior que a de pretos,
pardos e indígenas. A nova publicação
temática do Censo 2000 sobre

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educação revela que, entre a população de 25 anos ou mais de idade (85,4 milhões), 5,8
milhões concluíram o curso superior (graduação, mestrado ou doutorado), o equivalente a
6,8% (Tabela 1.13). Em relação a 1991, o crescimento foi de 17,2%, uma vez que da
população de 25 anos ou mais (67,2 milhões), 3,8 milhões (5,8%) eram graduados ou pós-
graduados (Fonte: Site do IBGE, disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/02122003censoeduc.shtm, 2007, acesso
em 13/07/2008.

O Sabe (Sistema de Avaliação da Educação Básica), de nível federal, realizado em 2005


revela que 43,1% dos alunos do terceiro ano do ensino médio obtiveram notas inferiores a
250, que é o padrão utilizado para a oitava série pela secretária de Estado da Educação de
São Paulo. Uma das maiores dificuldades detectadas é com a interpretação de textos, que é
uma das habilidades mais evoluídas da cognição humana, conforme alguns pensadores
como Jean Piaget. Essa incapacidade de entender o texto no contexto e de transcendê-lo
manifesta-se também na matemática, onde o índice de desempenho também é menos do
que satisfatório.

Se deixarmos o ensino particular de fora da estatística, o quadro piora bastante, pois o


desempenho de alunos da rede pública é 21,2 % inferior ao da particular. As explicações
mais comuns para esse quadro são a falta de remuneração adequada e o excesso de
trabalho dos professores, que não deixam de ser fatores interconectados. Quanto a isso,
Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da USP, elucida que uma das
explicações é a descontinuidade administrativa, ou seja, as iniciativas são tomadas, mas não
são amadurecidas e superadas. Diz ele ainda que, apesar de não ser contra a promoção
automática, o que acontece é que ela foi muito mal discutida e implementada. Comenta
ainda que muitos apostam no novo sistema do SAEB para sanar esses problemas, pois é no
início da escolarização que as coisas se definem, principalmente no nível da alfabetização.

Ou seja, mesmo se confiarmos na transparência dos dados sobre investimento em


educação, a pergunta que não quer calar é até que ponto e em que medida o investimento
intensivo em educação tem efeitos "curadores" sobre os problemas sociais brasileiros. Isto é,
nem todo país que investe em educação e tecnologias educacionais tem esse investimento
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revertido em benefício social e econômico. Outra questão que fica é: Por que, mesmo
investindo em educação em muitos países, a questão social parece não acompanhar no
mesmo passo ou apenas lentamente, como no caso de Cuba e outros países da América
Latina e muitos países da antiga União Soviética, que têm sistemas educacionais de
excelente qualidade, mas sofrem inflação, desemprego e miséria?

Por mais que os índices de escolaridade possam melhorar, admitindo que as pessoas
estejam começando a se conscientizar de que a educação é importante e de que precisam
se educar e atualizar-se constantemente, as coisas parecem não se reverter em benefícios
sociais na mesma proporção. As realidades socioeconômicas brasileiras são por demais
disparatadas para se obter dados que reflitam o tamanho da desigualdade.

Em nível superior, vemos aí a proliferação de cursos tecnólogos de dois anos de duração,


faculdades novas sendo criadas e cursos livres até para a terceira idade, mas, ao mesmo
tempo, não há o acompanhamento que se espera na área social. Mais recentemente
estamos na eminente ameaça de retorno à tão odiosa inflação. De quem é a culpa? Da crise
global? Da elevação dos preços internacionais dos alimentos? Não, afirmam alguns, tudo se
explica pelo preço internacional do petróleo, ou então pela crise da economia americana,
pelas especulações nas bolsas, etc. Cada um tem uma explicação diferente. Então, os
índices de avaliação da educação no país têm melhorado e onde fica a economia? É claro
que a relação educação-economia não é assim tão direta.

Por outro lado, também podemos citar bons exemplos de correlação positiva entre educação
e economia. Temos aí a Alemanha, o Japão (que eram considerados a “vitrine” do mundo
ocidental nos anos da Guerra Fria) e a Coréia que investiram prioritariamente em educação e
obtiveram seu retorno desejado. No caso do Brasil uma coisa é triste, mas certa: educação
nunca foi prioridade nacional, nem mesmo nos regimes mais populistas.

Fala-se muito em “Projetos Político-Pedagógicos” (PPP) ou mais recentemente em Projetos


Pedagógicos Institucionais (PPI), mas que, se não forem construídos coletivamente e com
base em muita reflexão e debate, tendem a não passar de versões renovadas dos antigos
planos escolares, que não serviam meramente de lastro burocrático entre governo e escolas.

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Outro projeto governamental que tem agitado as escolas e os professores gira em torno da
máxima da “inclusão social”, que é a ideia de que pessoas, que normalmente são excluídas
das escolas, empresas e sociedade em geral, tais como deficientes, pessoas de classe
social mais baixa, negros, amplamente chamados de “portadores de necessidades especiais”
passem a figurar como incluídos ou socializados. É claro que essa iniciativa já estava
demorando a chegar, mas isso é claro que exige dos professores todo um preparo e
atualização, para os quais muitas vezes não têm tempo ou oportunidade. As polêmicas cotas
nas universidades para pessoas que se autodeclaram negras fazem parte dessa onda de
“inclusão social”.

Trabalho há algum tempo com Educação à distância e acredito nos benefícios que a internet
pode trazer no combate às desigualdades e à democratização do conhecimento. Mas até
que ponto isso realmente melhora a educação das pessoas e sua qualidade de vida? As
formas de acesso à grande rede são tantas hoje, que até é possível conectar-se a ela das
mais diversas maneiras. Mas até que ponto a presença de um computador com acesso à
internet reflete as condições sócio-econômico-político-educacionais reais? Ou seja, em que
medida esses índices refletem a realidade? Elas são resultado de algum tipo de
levantamento, que nos convida a uma interpretação, uma leitura e avaliação da realidade.

Mas o que vem a ser avaliação? No contexto escolar, a palavra “avaliação” normalmente
lembra “prova”, palavra geradora
de sensações e recordações nada
agradáveis na maior parte das
pessoas.

O que usualmente se esquece é


que a palavra está relacionada em
primeiríssima instância a valor. O
momento da avaliação é, nesse
sentido, o de aferição ou
verificação do valor do que foi

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aprendido (o que também reflete o que foi “ensinado”, não é mesmo?). O problema é que
muitos usam esse “índice” ou cálculo matemático para atribuir um valor ao aluno, ou seja, um
ser humano e seu conhecimento, que na verdade, são incomensuráveis. Vejam só que
contradição! Ora, considerando as coisas assim, ao pé da letra, teríamos que mudar
totalmente nosso sistema e procedimentos avaliativos, não acham? Então, lá foi o governo
estabelecer novas e inovadoras maneiras de avaliar, já que o professor mesmo parecia ser
incapaz de fazê-lo. Inventaram então, a começar pelo Ensino Superior, os polêmicos
provões.

O mais recente e respeitável SINAIS (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior)


busca responder a muitas dessas questões. Trata-se de um sistema de avaliações externas
das Instituições de Ensino Superior (IES), que envolve visitas de comissões de professores
“contratados” como consultores pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Pedagógicas) os chamados “avaliadores ad hoc” in loco (no local). Não preciso mencionar o
verdadeiro clima de pavor que as tais visitas geram nas instituições visitadas...

Isso se deve em grande parte a uma


falta de tradição em avaliação da
parte das instituições, que no exterior
já a vêem com naturalidade. E a
insegurança geral se dá mais pela
falta de experiência com avaliações
institucionais do que outra coisa.

Para evitar o desconforto com os


provões, eles foram substituídos pelo
ENADE (Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes). Com
os problemas identificados no ensino
superior, percebeu-se que sua origem
devia encontrar-se nos níveis

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anteriores.

Com isso, criaram-se os ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), provas aplicadas aos
alunos de ensino médio, e o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico). Para
esclarecer melhor o sentido dessas novas ferramentas, lê-se no portal do MEC:

O exemplo do que já ocorre com os alunos do ensino fundamental e do ensino médio,


as crianças de seis a oito anos também serão avaliadas na escola. Portaria do
Ministério da Educação cria a Provinha Brasil, instrumento de aferição do desempenho
escolar a ser implantado nos municípios e no Distrito Federal. Com a Provinha, o MEC
pretende verificar se os alunos da rede pública são efetivamente alfabetizados aos oito
anos. Se isso não ocorrer, serão criadas as condições para corrigir o problema, com
aulas de reforço. A meta do MEC é que nenhuma criança chegue à quarta série do
ensino fundamental, aos nove ou aos dez anos, sem domínio da leitura e da escrita,
como ocorre hoje em muitos municípios. A Provinha Brasil, que será voluntária para os
municípios, deve ser aplicada pelo professor. Ela avaliará os conhecimentos
adquiridos pelos estudantes nos três anos iniciais do ensino fundamental, que
compreende o ciclo de alfabetização. Para que os gestores municipais entendam o
funcionamento da Provinha e seus objetivos, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) vai distribuir um caderno de orientações e definir
critérios para a participação das redes públicas.

Devemos reconhecer assim, o esforço do governo brasileiro em buscar soluções para a


questão avaliativa. E a filosofia pode ajudar mais do que se possa imaginar, pelo “garimpo”
do sentido mais profundo dessa palavra, como empreendemos acima.

Como bem lembra Luckesi, trata-se de um momento de expressão do amor que se tem pelo
aprendizado e pelos sujeitos envolvidos no processo educacional.

Entre as muitas propostas que já li em livros, artigos e comunicações científicas a


nomenclatura para se referir ao fenômeno é diversificada: avaliação de competências,

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avaliação de habilidades, avaliação de conteúdos, avaliação institucional, avaliação
diagnóstica, avaliação formativa, autoavaliação, enfim, uma para cada gosto.

Em meio a essa selva de siglas, nomenclaturas e modismos, podemos encontrar pepitas no


meio do turbilhão de cascalho
que parece assolar a
temática.

Segundo Cipriano Luckesi,


um dos maiores educadores
brasileiros da atualidade, a
avaliação é um processo
complexo que envolve uma
intencionalidade ou uma
tomada de consciência. Para
ser efetiva, ela precisa estar
intimamente relacionada a
uma atitude de abertura
reflexiva e crítica, mais imparcial possível. Deve-se evitar pensá-la como meio punitivo de
exercício do poder em sala de aula, mas como algo que começa no planejamento:

Assim, planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados
satisfatórios. Enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia
os redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação. A avaliação
é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação,
subsidiando sempre sua melhora... Em decorrência de padrões histórico-sociais, que se
tornaram crônicos em nossas práticas pedagógicas escolares, a avaliação no ensino
assumiu a prática de "provas e exames"; o que gerou um desvio no uso da avaliação... A
avaliação necessita, para cumprir o seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar
a construção da aprendizagem bem-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça
é de que a avaliação deixe de ser utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre
os destinos do educando, e assumir papel de auxiliar o crescimento.... Ninguém cresce sem
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ação e a ação contém dentro de si uma disciplina. Cada um tem sua disciplina própria que
necessita ser descoberta e seguida se se quer aprender e crescer com ela. A avaliação é
uma forma de tomar consciência sobre o significado da ação na construção do desejo que
lhe deu origem. Só a entrega à disciplina do ato permite uma cura, ou seja, a construção
satisfatória dos resultados desejados. (Luckesi, 1994, 165-6).

De acordo com a nossa experiência, de fato, se a avaliação não for uma via de mão dupla,
um processo que envolve atribuição de valor ou apreciação, “estima”, não apenas no sentido
de aferição quantitativa, perderá todo o seu sentido essencial.

Se consultarmos o famoso Aurélio, descobriremos que avaliação é, antes de tudo, um "ato" e


que, somente por isso já envolve uma dimensão inalienavelmente humana e, portanto,
político-ideológica. Assim não existe avaliação neutra ou infalível. Em segundo lugar, trata-se
de "apreciação e análise" e em terceiro lugar, do "valor determinado pelos avaliadores." Ou
seja, avaliar não é um meio de “depreciar” e “impressionar” o aluno, através de "pegadinhas"
(ou verdadeiras "ciladas") para expor as suas ignorâncias, mas um meio para reconhecer o
seu valor enquanto ser humano em desenvolvimento.

A metáfora do ourives é muito interessante nesse sentido. O ouro, já em seu estado puro,
tem um enorme valor. Mas, se ele for tratado, passando por um lento, incisivo e "quente"
processo de purificação, tornar-se-á ainda mais precioso. Somente então é que estará pronto
para ser usado para adornar o homem e seu meio e ser “manuseado” por mãos "familiares" e
“conhecedoras” o bastante de sua natureza para aferir o seu valor. No mundo pós-moderno,
em que mal se acredita numa “natureza” humana, como avaliar um exemplar dessa
“espécie”? E se não existem verdade, como avaliar uma prova, principalmente tipo
“verdadeiro” e “falso”? Só se for “de brincadeirinha”...

Consequentemente, a avaliação passa a ser vista não como um ato isolado, e sim, como um
processo contínuo, que exige planejamento, preparação, competência, sabedoria e
conhecimento não apenas do conteúdo, mas mais do que isso, do aluno enquanto ser em
formação, tarefa essa que nunca foi fácil ou redutível a questionários e formulários. Para

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além do instrumento e da medição quantitativa, importa ao professor empenhar amor e
dedicação nesse trabalho.

Luckesi (entre outros) defende que uma verdadeira avaliação é sempre um ato amoroso.
Isso não exclui a dimensão técnica e objetiva. Pelo contrário, o autor valoriza os instrumentos
criados para a coleta de dados e dá dicas para seu aperfeiçoamento. Mas isso sem perder
de vista seu sentido mais profundo:

O mandamento "ama o teu próximo como a ti mesmo" implica um ato amoroso que,
em primeiro lugar, inclui a si mesmo e, nessa medida, pode incluir os outros... Defino a
avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por
si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir
avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado,
incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma
situação, para, então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe
suporte de mudança, se necessário. (Idem, 171-2.)

Todos nós avaliamos e somos avaliados o tempo todo. Quando nos levantamos pela manhã,
estimamos se vai ou não chover, quanto tempo levaremos para nos aprontar; consultamos
nosso estômago a respeito do café da manhã, aferimos a adequação da roupa que iremos
usar etc. Mas o que acontece quando, ao invés de coisas temporais, avaliamos alguém?
Quando a/o avaliamos, pesamos a estima que temos por ela ou ele.

G. Snyders (1916), professor de Ciências de Educação da Universidade de Paris, Sorbonne,


já defendia em A Alegria na Escola, que a avaliação, coerente com todo o clima e cultura da
escola, deveria ser um momento de encorajamento e apreciação, pois ela é, antes de tudo,
um investimento de altíssimo risco. O autor aproveita ainda para lembrar que, quando
falamos de avaliação, temos que explicitar e consultar o padrão do que consideramos bom,
melhor e máximo que o aluno possa atingir. Mais do que isso, temos que nos perguntar que
aluno é esse que pretendemos formar, qual o “perfil de egresso” que teremos de ter (que é
um importante componente do Projeto Pedagógico). Qual é o grau máximo de

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aperfeiçoamento em cada disciplina? Qual o mínimo? Teremos que falar, portanto, em
critérios, consultando uma tábua de valores, capaz de nos orientar.

E principalmente a escola é um mundo rigoroso, pois um de seus papéis é avaliar. Os


riscos da avaliação forma denunciados centenas de vezes: risco de infantilizar,
desesperar, imobilizar; o aluno sentindo-se atacado se contrai, entra dentro de si. Aqui
o esforço é essencial para que cada pessoa seja comparada a si mesma muito mais
que confrontada com os outros. Mas a escola não renuncia à avaliação enquanto se
interessa por fazer o aluno viver na convicção que tem progressos a realizar, que ele
lá está para realizar progressos; além de fazê-lo sentir que suas produções estão a
esta ou àquela distância dos sucessos de referência. Nada é equivalente, existem
critérios de valores, uma hierarquia de valores... Não há ‘bom professor’ que torne
tudo fácil – ou melhor o bom professor não é aquele que tornaria tudo fácil seja pelo
seu encanto, seu carisma, seja pela virtude iluminadora de suas interpretações;
provavelmente o bom professor é aquele que fornece os meios e a vontade de se
medir em relação ao difícil. A escola é difícil para todos, certamente em níveis muito
diferentes; mas quando não se reduz mais a cultura às boas maneiras, ao bem falar,
nem mesmo ao sucesso nos exames, em resumo ao bom tom e àquela famosa
‘distinção’, parece que ela nunca é imediata, natural, impregnação direta do meio;
nunca é como o ar que se respira... Para que a criança triunfe, é preciso confiança em
si, coragem – encorajamento; mas também cada passo à frente aumenta a confiança
em si. A criança tem necessidade de obter vitórias – e constatar que em alegria, elas
supercompensam bem as provas. (Snyders, 1988, 204-5).

Outro autor que se dedicou à questão é Celso Vasconcellos. Ele arrola mais de 27 erros
lógicos no tratamento da avaliação. Um deles é a ideia fixa de que mudar significa sempre
melhorar: “Antes de mudar o sistema da avaliação a escola precisa pensar bem, pois se, de
fato ele melhorar, vai causar desemprego para muita gente que sobrevive do estrago que a
nota faz nos alunos: professores particulares, empresas de aula de reforço, clínicas de
recuperação, psicólogos, psicopedagogos, etc.” (Vasconcellos. 1993, 18).
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Após tocar na polêmica possibilidade de um sistema escolar sem notas, ele declara que
denunciar só não basta. Diria que esta é a parte mais fácil. O que interessa mesmo é a
postura diante do problema, a disposição de transformar a realidade que aí está. Ele
apresenta seguinte desafio à reflexão: “Afinal, qual o nosso papel: cumprir o programa, ou
comprometermo-nos com a aprendizagem do aluno?... o maior objetivo do professor não
deve ser o de saber o quanto o aluno sabe, mas o de garantir a aprendizagem de todos.”
(Idem, 48-9.)

Em Se eu finjo que ensino,você finge que aprende, Hamilton Werneck fala do famoso "pacto
da ignorância", onde o professor urubu, não vê a hora de lançar-se sobre a sua carniça, o
aluno. Em contraste, o verdadeiro mestre é o garimpeiro, que, no meio do lodo, e após
lançar-se no meio da correnteza do rio, depois de muito abaixar-se e procurar é
recompensado com a descoberta do esperado diamante.

Noutra obra de título sugestivo, Prova, Provão: Camisa de força, Werneck usa e abusa da
arte da fábula para descrever a postura de alguns educadores (personificados em certos
animais como O macaco, a serpente, o pavão, etc.) diante da tarefa melindrosa e desafiante
da educação. Depois da sátira, ele sugere o resgate de alguns valores éticos, capazes de
contrabalançar o individualismo e outros “ismos” que assolam o cenário educacional não
apenas no Brasil. Usando a criação como metáfora para a importância da reflexão a começar
do professor, ele conclui:

Se Deus pudesse errar, certamente corrigiria seus erros. ... em Gênesis, capítulo 1,
versículos 1 e seguintes, está a descrição da obra da criação. Ali encontramos a auto-
avaliação de Deus ao final de cada momento, de cada período de sua obra. Faça-se a
luz e a luz foi feita e Deus viu que era boa... Da criação dos animais ao ser humano
Deus viu que tudo era bom, que sua criação era boa. No versículo 31 do capítulo 1 do
livro de Gênesis está escrito: E viu Deus todas as coisas que tinha feito e eram muito
boas. De maneira sequenciada Deus se auto-avaliou, passo a passo, dia a dia,
mostrando, numa interpretação ampla da linguagem pedagógica da Bíblia, que
devemos avaliar nossos trabalhos com os alunos a cada passo. (Idem, 129-130).

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Deus, que não erra, sabe muito bem como aproveitar os erros dos seres humanos e
transformá-los em chances para o aprendizado e aperfeiçoamento. Esse é um dos grandes
paradoxos de Seu método de ensino. A metáfora da criação nos mostra que a verdadeira
avaliação é aquela que não se quer como a palavra final, embora só Ele seja Soberano para
fazer uso dela. A boa avaliação, que se aplica a toda a educação, portanto, é a que mantém
em seu horizonte um bem maior. Por mais que, em última instância, esse bem não tenha
preço...

Fique com Deus e forte abraço a todos!

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U NIDADE 29
Pós-modernismo

Olá pessoal,

Agora que discutimos quase tudo que há para se discutir em filosofia (rsrs), vamos falar um
pouco do que povoa a mente dos filósofos da chamada “pós-modernidade”, ou seja, dos que
vieram das duas Grandes Guerras para cá.

Embora não fosse possível delimitar essa corrente com precisão, podemos dizer que o “pós-
modernismo”, é a crítica de tudo do que estudamos até aqui no pensamento ocidental:
realidade, razão, saber, sujeito, objeto, história, espaço, tempo, liberdade, necessidade,
acaso, natureza, homem, religião
e tantos outros temas, que muitos
tinham como certos.

No cenário político, os anos 60 e


70 trouxeram várias novidades. O
homem conquista a lua, diversas
comunidades alternativas se
formam e os estudantes de todo o
mundo mobilizam-se em prol de
bandeiras com da “paz e amor”,
da “Nova Era” democracia, e da
ecologia. Os jovens da época
encarnavam a cultura pop, que
passa a reivindicar a “revolução de

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verdade” no pensamento humano, em vista da falência dos promissores Projetos como os do
*Welfare State", que pareciam só levar à autodestruição e à guerra. Surgem várias bandas
de conteúdos político-ideológicos, os Beatles, Os Carpenters, Os Rolling Stones e no Brasil,
os clássicos da MPB.

A chamada “filosofia continental” começa a destacar-se, englobando vários filósofos do


continente europeu (Alemanha e França), como Edmund Husserl, Martin Heidegger, Michel
Foucault, Maurice Merleau-Ponty, Jacques Derrida e Giles Deleuze. Seu método predileto, o
desconstrucionismo, foi aplicado como estratégia de análise à literatura, linguística, filosofia,
direito e arquitetura. Se linha faz frente até os dias de hoje com a tendência Analítica, a que
dedicamos uma unidade a parte.

Thomas Kuhn em seu Estrutura das Revoluções Científicas nos convida a uma nova visão
da história. Ela não forma uma linha reta evolutiva, mas se dá em ciclos progressivos. Ela
avança até que chega uma hora em que os paradigmas vigentes saturam e são refutados,
pelo que se passa para outro patamar de pensamento, numa espécie de “saltos” de um nó
de uma imensa rede de significados para outro. E para cada um dos nós, o próprio sentido
da vida e a razão são re-significados. Como tão bem resume a Profa. Marilena Chauí:

Dizem eles que uma teoria (filosófica ou científica) ou uma prática (ética, política, artística)
são novas justamente quando rompem as concepções anteriores e as substituem por outras
completamente diferentes, não sendo possível falar numa continuidade progressiva entre
elas, pois são tão diferentes que não há como nem por que compará-las e julgar uma delas
mais atrasada e a outra mais adiantada. Assim, por exemplo, a teoria da relatividade,
elaborada por Einstein, não é continuação evoluída e melhorada da física clássica, formulada
por Galileu e Newton, mas é outra física, com conceitos, princípios e procedimentos
completamente novos e diferentes. Temos duas físicas diferentes, cada qual com seu
sentido e valor próprio. Não se pode falar num processo, numa evolução ou num avanço da
razão a cada nova teoria, pois a novidade significa justamente que se trata de algo tão novo,
tão diferente e tão outro que será absurdo falar em continuidade e avanço. Não há como
dizer que as ideias e as teorias passadas são falsas, erradas ou atrasadas: elas
simplesmente são diferentes das outras porque se baseiam em princípios, interpretações e
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conceitos novos. Em cada época de sua história, a razão cria modelos ou paradigmas
explicativos para os fenômenos ou para os objetos do conhecimento, não havendo
continuidade nem pontos comuns entre eles que permitam compará-los. Agora, em lugar de
um processo linear e contínuo da razão, fala-se na invenção de formas diferentes de
racionalidade, de acordo com critérios que a própria razão cria para si mesma. A razão grega
é diferente da medieval que, por sua vez, é diferente da renascentista e da moderna. A razão
moderna e a iluminista também são diferentes, assim como a razão hegeliana é diferente da
contemporânea. (Chauí, 2000, 105)

Assim, o que os filósofos clássicos


e medievais chamavam de razão,
não passa hoje de “coerência
interna”. Isto é, quanto mais
absurda e sem sentido que possa
parecer, uma teoria, ela será
aceitável, desde que seja
coerente. Ora mas coerente com o
que, se não com uma teoria
anteriormente considerada
verdadeira. Enquanto não
considerarmos alguma coisa
absolutamente verdadeira, não poderemos construir qualquer raciocínio dotado de sentido,
caindo no irracionalismo (negação da razão). Vem daí também o chamado “relativismo
cultural”, ou seja, cada cultura tem o seu próprio bem, justiça e racionalidade, que não
podem ser questionados por nenhum critério universal.

Nesse contexto, não é de se estranhar a crise na educação e o desnorteamento dos


professores diante de “propostas” que respondem perguntas que eles nem tiveram a chance
de se fazer.

Um dos primeiros precursores desse pensamento é o existencialista niilista (nihil= nada)


Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Esse filósofo, poeta e filólogo sempre foi uma
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figura desafiadora, provocativa e complexa. Uma das suas mais conhecidas declarações,
“Deus está morto”, causou verdadeiros alardes entre os filósofos e teólogos. É curioso
observar o fato de seu pai ter sido pastor luterano, falecido quando ele contava cinco anos de
idade. Apesar de brilhante, ele vivia doente, com dores de cabeça e problemas de vista.

Ele estava convencido de que os valores tradicionais “escravizam” o ser humano,


particularmente os do cristianismo, tornando-o “gado” nas mãos de quem detêm o poder. Os
valores tradicionais da gentileza e da bondade são para os fracos e tolos, que se tornam
submissos aos poderosos. No esforço de superar os valores tradicionais, Nietzsche cria a
imagem do super-homem, que é capaz de criar o sentido da sua própria vida, sem ter que
invocar um ou vários deuses.

Propõe-se que o super-homem seja criador de uma moralidade mestre que reflete a força e
autonomia de quem se independeu de todos os valores, a não ser aqueles que lhe façam
sentido pessoal. Esses são movidos pelo desejo de poder, que não é simplesmente o poder
sobre os outros, mas sobre si mesmo, que seria condição para a liberação da criatividade e
originalidade. Entre os homens que serviram de modelos para o super-homem de Nietzsche
contam-se: Sócrates, Jesus, Leonardo da Vinci, Miguelangelo, Shakespeare, Goethe, Júlio
César, e Napoleão.

Alguns críticos interpretaram a ideia de super-homem como uma proposta de retorno à


sociedade estratificada entre senhores e escravos. Mas outros já acham que essa é uma
interpretação falsa e equivocada. Então, a melhor estratégia para encarar Nietzsche,
concordo plenamente com a professora Rosana Suarez em artigo recente, é o viés
humorístico, encarando suas afirmações como sátiras.

Nietzsche foi um dos inspiradores do existencialismo, esta tendência persiste cada vez mais
diversificada até hoje, marcando seu espaço na filosofia continental. O que tem em comum
com a pós-modernidade é a afirmação da subjetividade e da moral individualista, ou seja,
cada um deve julgar o certo e o errado por si e não, segundo padrões aceitos como
universais.

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O filósofo dinamarquês, Soren Kierkegaard, um dos primeiros a se autointitular
existencialista, enfatizava a importância de cada um seguir sua própria vocação, pela qual
pode dar sentido à sua vida e até a sua morte. É o indivíduo que decide o que é bom e
verdadeiro para si e lhe atribui sentido a cada instante da vida. Tanto existencialistas como
os filósofos continentais põem em dúvida o cientificismo e a possibilidade do pensamento
puramente “sistemático”, como padrão para a condução da vida humana e da própria
filosofia, preferindo confiar na intuição imaginativa, através de histórias, parábolas, ditos
populares, entre outros, para expressar seu pensamento.

O irracionalismo e a ênfase na subjetividade e na liberdade do indivíduo foram as duas


maiores heranças legadas pelos existencialistas ao pensamento pós-moderno.

Junto com os valores universais, ambos também negaram a existência de qualquer natureza
fixa no ser humano. Como bem expressou o filósofo existencialista francês, Jean Paul Sartre,
a existência precede a essência das coisas. Portanto, não adianta perguntar-se, como faziam
Sócrates e Jesus Cristo, o que é o bem, a liberdade, a justiça, mas é preciso viver a cada dia
as suas circunstâncias (como dizia o existencialista cristão, Unamuno) e decidir sobre o que

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fazer ou deixar de fazer a cada passo da existência. O argumento básico dos existencialistas
é que, somente tomando decisões livremente é que podemos nos comprometer e ser
responsáveis pelas nossas ações.

Os existencialistas em geral também pensam que a existência inclui uma Angst (medo,
angústia ou náusea) existencial, que, para as versões agnósticas, levam ao nada, e para as
cristãs, ao contrário, pode nos levar a Deus

A primeira opção seria reservada aos mais corajosos no


entender de Heidegger. Embora muitos filósofos
existencialistas fossem cristãos, como Pascal (1623-62),
bem antes de Nietzsche, Kierkegaard (1813-1855), e
Unamuno (1864-1936), a maior parte deles declara a
independência intelectual e existencial do ser humano
em relação aos universais e a Deus. Heidegger chega a
afirmar que uma filosofia cristã é um “círculo quadrado”,
de quem não quer admitir a pura contingência do
universo. A palavra “Angst” é por ele usada para o
reconhecimento da total liberdade de escolha do
indivíduo a cada instante da vida.

Os filósofos existencialistas cristãos tendem a usar no lugar do pensamento sistemático e da


ideia de náusea, o método paradoxal, qual seja o de negar algo, a fim de afirmá-lo, como já
mencionamos no exemplo das laranjas podres de outra unidade. Elas só podem ser
constatadas assim em contraste a um estado anterior em que estavam boas.

Como esse tipo de debate depende mais de fé do que da razão, muitos filósofos e poetas
optaram, consciente ou inconscientemente por expressar suas ideias a respeito através da
literatura, do teatro do absurdo e da pintura surrealista, como Dostoievsky, que faz um dos
personagens dos Irmãos Karamazov (1879-80), dizer “Precisamos amar a vida mais do que
o sentido dela”.

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Na literatura brasileira, Guimarães Rosa expressa esse pensamento em outros termos. Ao
fazer o seu personagem principal de Grandes Sertões Veredas, afirmar que “o sentido da
vida não está no começo ou no fim, mas no meio do caminho”.

O tema do nonsense ou absurdo está presente numa infinidade de filmes da atualidade como
Matrix, Homens de Preto ou mesmo a série infantil Harry Potter.

O que resta do
existencialismo de outrora
talvez fosse o senso do
efêmero, da
transitoriedade e de certo
surrealismo digital. Muitos
pensadores de hoje
desacreditam da própria
palavra “pós-modernismo”
pela sua vacuidade e
lamentam a falta de
“grandes pensadores” e
“grandes ideais” nos
nossos dias, que nem sequer tiveram a capacidade de conceber um nome original.

Certo, a partir de pesquisas de opinião é que, se perguntarmos às pessoas comuns sobre as


“grandes questões da vida”, muitos responderão atônitos que à morte segue o nada, ao
mesmo tempo em que acreditam em Deus. Ao mesmo tempo em que acreditam numa
realidade “lá fora”, os critérios de verdade e justiça tendem a ser deixados por conta dos
cientistas. Ou seja, vivemos numa era de pluralismo, contradições de pensamento e
desnorteamento filosófico e ético. Quem sabe esteja na hora de retomarmos caminhos
aparentemente “perdidos”, como o da literatura e do estudo mais atento dos pensadores do
passado, para construirmos novos reconhecimentos filosóficos, sem negar as velhas e
sempiternas questões debatidas pelos filósofos de todos os tempos?

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E você? Já teve a sensação de falta de sentido na vida ou de que alguma coisa deve estar
errada, sem conseguir precisar o que seja? Já parou para pensar sobre as grandes questões
da vida? Então espero que esse curso o tenha ao menos feito pensar, em especial no
contexto educacional, com o que teremos alcançado nosso objetivo.

Até a próxima e última unidade!!

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U NIDADE 30
Questões da atualidade

Oi gente boa,

Preparados para a nossa aula de encerramento? Quanta saudade! Aliás, as palavras


“obrigad(a)o” e “saudade” são exemplo de palavras que não se pode traduzir para nenhuma
outra língua. A primeira expressa o grau máximo de gratidão, aquela pela qual não se
registra apenas o favor, como fazem os franceses (mercy), ou se agradece, que vem de
agrado, por sua vez tem a ver com apreciação (colocar o preço) e avaliação (dar o aval),
como fazem os alemães (danke schön), de onde derivou o inglês (thank you). O
“obrigad(a)o” significa que se está em dívida em relação ao outro. Outro bom exemplo da
língua portuguesa é a palavra saudade, deixo-o por conta de poetas sensíveis como
Fernando Pessoa, Gregório de Matos Guerra* e tantos outros.

Nessa unidade faremos uma síntese de que estudamos até aqui, a começar pelo próprio
sentido da filosofia, como algo que inicia com a perplexidade diante das grandes questões da
vida (como a fazer uma síntese, de encerrar um curso que nos interessa muito, etc, rsrs).

Depois de abordamos alguns clássicos que


marcaram esse campo do saber em todos os
tempos, passamos para as disciplinas filosóficas
mais conhecidas: a lógica, a metafísica
(infelizmente quase extinta hoje em dia). Demos
também uma olhada na filosofia da ciência, na
epistemologia e filosofia da linguagem, que por sua
vez nos levou até a filosofia analítica. Mais ou

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menos no meio do curso, demos uma “respirada” para analisar as relações entre literatura e
filosofia, que não são poucas, a mente e a filosofia e a arte (outra disciplina infelizmente
quase extinta hoje, haja vista os roubos recentes de obras famosas de museus, aos quais
não é dada a devida atenção. Debruçamo-nos em seguida sobre a filosofia da religião,
atentando para o que dizem as maiores e mais conhecidas religiões mundiais. Finalmente,
chegamos ao existencialismo e à pós-modernidade que a tudo questiona e tenta desconstruir
e declarar o fim da racionalidade e a autonomia do ser humano em “tecer” o seu próprio
sentido na vida, sem necessidade de transcendência. Basta abrir o jornal para ver diversas
expressões da necessidade de transcendência das pessoas no mundo moderno (violência,
indisciplina, individualismo, etc.)

Então, o que nos “resta” debater (como se fosse possível encerrar o assunto...) são alguns
temas recentíssimos... E com isso pretendemos fomentar a esperança de que a filosofia,
apesar de ser pouco procurada por verdadeiros vocacionados nos nossos e noutros tempo,
por suas poucas perspectivas de retorno econômico, não morrerá, enquanto ainda formos
capazes de fazer perguntas.

Por mais que o jornalismo predatório e sensacionalista procure substituir o questionamento


filosófico profundo e sistemático, tanto que já é considerado o “quarto estado”, as mentes
(ainda) não podem ser totalmente controladas. Perguntamo-nos, até que ponto a filosofia
sobreviverá a esses concorrentes muitas vezes “desleais”, como o cinema, as revistas, a
internet. Tudo dependerá novamente da nossa habilidade em não deixar morrer as grandes
questões da vida. Então, vamos levantar apenas alguns temas da atualidade, que podem
nos manter no debate saudável e construtivo para a humanidade:

1. A bioética

Como se sabe, a genética é hoje um dos campos da ciência que mais rapidamente se
desenvolve por todo o mundo. Experiências como de clonagem de animais e com as
chamadas “células-tronco”, recolocam a questão sobre a vida e a possibilidade de criar nova
vida, a partir da replicação de células. O que se sabe por enquanto é que as experiências já

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realizadas com clonagem, desde a primeira ovelha Dolly de uma forma ou de outra não
foram coroadas de sucesso ou por má-formação ou por doenças seguidas de morte. Os
religiosos têm se colocado contra esse tipo de experiência, porque têm desafiado a ordem
estabelecida nesse mundo quanto à vida: tanto a sua produção, quanto sua extinção. Por
outro lado, as experiências com células tronco têm trazido soluções inesperadas para várias
doenças congênitas.

Então, a genética certamente é uma área da ciência importante para o futuro, mas que
precisa ser controlada para não servir à própria destruição do homem com novos tipos de
vírus ou doenças nunca antes vistas, como ocorrido anteriormente com a infecção do homem
por vírus animais. Qual será o sentido de futuramente podermos escolher a cor de olhos,
cabelo e até mesmo traços do caráter de nossos filhos? Que futuro lhes estará reservado
num mundo que, de acordo com cúpulas internacionais sobre ecologia, estará condenada a
se autodestruir em pouco tempo, se não por uma guerra mundial sem precedentes, com
armas biológicas e químicas, ou destruição da natureza?

2. A vida na era digital

Muitos adultos das gerações anteriores aos computadores digitais que tiveram que aprender
muito para acompanhar tais avanços olham com espanto para as novas gerações. Elas
praticamente já nascem com o computador embaixo do braço. Ao invés de brincar com as
velhas pipas e peões, correm risco constante de se viciar em jogos eletrônicos e videogames
com conteúdos muitas vezes inapropriados para a idade.

Vemos nos jornais crimes cometidos por jovens e crianças nas escolas e nos lares e ficamos
nos perguntando que espécie de consciência, autonomia e liberdade é essa que cria
pessoas que se sensibilizam mais com um carro do ano, que com a fome no mundo e
parecem não se importar com nada que acontece para além de suas quatro paredes? Será
que estaremos caminhando para a realização das piores profecias de autodestruição da
humanidade, previstas por autores de ficção como Mary Shelley (Frank Stein), Rachel
Carson (Primavera Silenciosa – livro que praticamente deu início ao movimento ecológico),

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Aldous Huxley (Admirável
Mundo Novo), H.G. Wells
(A Máquina do Tempo), e
mais recentemente Isaak
Asimov (Eu, robô) e Philip
K. Dick (O caçador de
Andróides – estudo que
inspirou os filmes Blade
Runner)? Se concordarmos
com as novas profecias do
National Geografic ou
Discovery, em breve os
robôs serão tão idênticos aos seres humanos, que não saberemos diferenciar máquinas de
clones e seres humanos. Até que ponto poderão essas formas pseudo-humanas colaborar
ou destruir a raça humana?

Que dizer do aumento absurdo de adolescentes grávidas numa época em que a educação
sexual passou a ser atribuída não mais às famílias desmanteladas, mas às escolas e à
mídia, sendo muitas vezes realizada nas ruas? Tudo indica que os habitantes dos grandes
conglomerados humanos estão sendo cada vez menos “humanos”, apesar do gritante
humanismo de discurso. Quem são os herois ou até deuses de um século, que se diz tão
independente da transcendência e dos grandes nortes éticos da própria humanidade?

3. Perspectivas sociopolíticas para o futuro do planeta.

Somos bombardeados todos os dias com notícias nos jornais e revistas sobre as
perspectivas futuras de um mundo globalizado, onde o capital exerce força cada vez maior e
mais concentrada nas mãos de menos pessoas. A mídia molda a forma cada vez mais
individualista e materialista de pensar das pessoas. O que dizer dos direitos sociais
conquistados pelos trabalhadores com derramamento de sangue, que estão sendo lenta,

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mas firmemente sendo roubados dos trabalhadores de hoje? Com toda essa histórica crise
financeira será que a hegemonia dos Estados Unidos chegou ao fim de fato? Com os
atentados cometidos contra eles e a aparente falta de perspectivas do seu intervencionismo,
particularmente nos países islâmicos? E o que dizer da ameaça ou já declarada recessão em
vários países e queda no crescimento de suas economias?

Que dizer dos países asiáticos, a quem muitos predizem que pertencerá o futuro por sua
preponderância quantitativa e rápido avanço tecnológico?

E que futuro terá a América Latina diante desse quadro de “globalização”? Será que entrará
no jogo ou deixará passar a sua hora de jogar?

Até que ponto podemos criticar os países asiáticos exploradores e “exportadores” da mão de
obra e com a ameaça aos sonhos de uma sociedade realmente democrática e justa nesse
mundo? Ou estaremos caminhando para o paraíso na Terra criado pelas novas tecnologias e
a cyber cultura? Então, a conclusão a que chega Marilena Chauí ainda faz sentido:

... Os direitos econômicos e sociais conquistados pelas lutas populares estão em perigo
porque o capitalismo está passando por uma mudança profunda. De fato, tradicionalmente, o
capital se acumulava se ampliava e se reproduzia pela absorção crescente de pessoas no
mercado de mão-de-obra (ou mercado de trabalho) e no mercado de consumo dos produtos.
Hoje, porém, com a presença da tecnologia de ponta como força produtiva, o capital pode
acumular-se e reproduzir-se excluindo cada vez mais as pessoas do mercado de trabalho e
de consumo. Não precisa mais de grandes massas trabalhadoras e consumidoras, pode
ampliar-se graças ao desemprego em massa e não precisa preocupar-se em garantir direitos
econômicos e sociais aos trabalhadores porque não necessita de seus trabalhos e serviços.
Por isso o Estado do Bem-Estar Social tende a ser suprimido pelo Estado neoliberal,
defensor da privatização das políticas sociais (educação, saúde, transporte, moradia,
alimentação). O direito à participação política também encontra obstáculos. De fato, no
capitalismo da segunda metade do século XX, a organização industrial do trabalho foi feita a
partir de uma divisão social nova: a separação entre dirigentes e executantes. Os primeiros

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são os que recebem a educação científica e tecnológica, são considerados portadores de
saberes que os tornam competentes e por isso com poder de mando. Os executantes são
aqueles que não possuem conhecimentos tecnológicos e científicos, mas sabem apenas
executar tarefas, sem conhecer as razões e as finalidades de sua ação. São por isso
considerados incompetentes e destinados a obedecer. Essa forma de organização da divisão
social do trabalho propagou-se para a sociedade inteira. No
comércio, na agricultura, nas escolas, nos hospitais, nas
universidades, nos serviços públicos, nas artes, todos estão
separados entre “competentes” que sabem e “incompetentes”
que executam. Em outras palavras, a posse de certos
conhecimentos específicos tornou-se um poder para mandar e
decidir. Essa divisão social converteu-se numa ideologia: a
ideologia da competência técnico-científica, isto é, na ideia de
que quem possui conhecimentos está naturalmente dotado de
poder de mando e direção. Essa ideologia, fortalecida pelos
meios de comunicação de massa que a estimulam diariamente, invadiu a política: esta
passou a ser considerada uma atividade reservada para administradores políticos
competentes e não uma ação coletiva de todos os cidadãos.

Não só o direito à representação política (ser representante) diminui porque se restringe aos
competentes, como ainda a ideologia da competência oculta e dissimula o fato de que, para
ser “competente”, é preciso ter recursos econômicos para estudar e adquirir conhecimentos.
Em outras palavras, os “competentes” pertencem à classe economicamente dominante, que,
assim, dirige a política segundo seus interesses e não de acordo com a universalidade dos
direitos. Outro obstáculo ao direito à participação política é posto pelos meios de
comunicação de massa. Só podemos participar de discussões e decisões políticas se
possuirmos informações corretas sobre aquilo que vamos discutir e decidir. Ora, como já
vimos, os meios de comunicação de massa não informam, desinformam. Ou melhor,
transmitem as informações de acordo com os interesses de seus proprietários e das alianças
econômicas e políticas destes com grupos detentores de poder econômico e político. Assim,
por não haver respeito ao direito de informação, não há como respeitar o direito à verdadeira
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participação política. Os obstáculos à democracia não inviabilizam a sociedade democrática.
Pelo contrário. Somente nela somos capazes de perceber tais obstáculos e lutar contra eles
(Chauí, 583-4).

Longe de querer desanimá-los com tanta filosofia, espero que tenhamos alcançado nossos
objetivos, motivando-os à prática da reflexão continuada e da busca por alternativas criativas
e esperançosas que ela é capaz de gerar. Não deixamos, pois a filosofia morrer, em
nenhuma das suas formas de expressão, inclusive as digitais e cibernéticas. Pois, já que
todos têm que ter alguma filosofia de vida, sem exceções, é melhor que você mesmo saiba
qual é a sua!

Encerro então, com essas surpreendentes e motivadoras palavras, de quem pouco se


poderia esperar ouvi-las:

Antes de prosseguir em meu caminho e lançar o meu olhar para frente


uma vez mais, elevo, só, minhas mãos a Ti na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas de meu coração, tenho dedicado altares festivos
para que, em Cada momento, Tua voz me pudesse chamar. Sobre
esses altares estão gravadas em fogo estas palavras: 'Ao Deus
desconhecido'. Seu, sou eu, embora até o presente tenha me
associado aos sacrílegos. Seu, sou eu, não obstante os laços que me
puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-
lo.

Eu quero Te conhecer, desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades
a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante, quero Te conhecer, quero servir
só a Ti.

[Friedrich Nietzsche]

Bem, pessoal, chegamos ao final da nossa jornada. Aos até aqui chegados, meu abraço e
votos de que esse curso tenha sido o mais proveitoso possível, e que renda muitos frutos
pela frente Deus os acompanhe!

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Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua
SALA DE AULA e faça a Atividade 3 no “link” ATIVIDADES.

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G LOSSÁRIO

Agnosticismo A suspensão da crença em relação à existência de Deus. O


agnosticismo forte é a ideia de que nunca poderemos
descobrir se Deus existe ou não. Aquele que suspende a
crença em relação à existência de Deus: nem acredita que
Deus existe nem que Deus não existe.

Anacrônico Oposto a cronologia; contrário aos usos da época a que se


refere; avesso aos costumes de hoje.

Anacronismo Confusão de datas quanto a acontecimentos ou pessoas

Analógico Fundado na, ou que tem analogia.

A priori, a posteriori Uma distinção entre modos de conhecimento. Conhecemos a


priori uma dada proposição quando não recorremos à
experiência para a conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe
a priori que 23 + 12 = 35 quando faz um cálculo mental, não
recorrendo à experiência. Conhecemos a posteriori uma
dada proposição quando recorremos à experiência para a
conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe a posteriori que o
céu é azul quando olha para o céu e vê que é azul.
Considera-se, tradicionalmente, que a lógica, a matemática e
a filosofia são disciplinas a priori porque têm por objeto
problemas cuja solução implica recorrer ao pensamento puro.
A história, a física e a economia, por exemplo, são disciplinas
a posteriori porque têm por objeto de estudo fenômenos que
só podem ser conhecidos através da experiência; por
exemplo: para saber em que ano Buzz Aldrin e Neil

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Armstrong foram à Lua é necessário consultar documentos
históricos; para saber qual a taxa de inflação em Portugal em
2003 é necessário consultar dados econômicos.
2. Diz-se que um argumento é a priori quando todas as suas
premissas são conhecíveis a priori; e diz-se que é a posteriori
quando pelo menos uma das suas premissas só pode ser
conhecida a posteriori. Não se deve confundir o a priori/a
posteriori com o analítico/sintético, nem com
necessário/contingente.

Ateísmo A afirmação de que Deus não existe.

Cognitivismo estético Perspectiva filosófica acerca da arte, segundo a qual ela tem
valor na medida em que serve para aumentar o nosso
conhecimento. O cognitivismo estético é uma teoria
funcionalista (ou instrumentalista), pois reconhece que a arte
tem uma função, ao contrário do esteticismo. Um dos mais
destacados defensores do cognitivismo estético é o filósofo
americano Nelson Goodman.

Confirmação Num bom argumento indutivo, as premissas confirmam a


conclusão num grau elevado. Por exemplo, se observamos
muitos corvos e constatamos que não há um único que não
seja negro, encontramos assim dados que confirmam a
hipótese de que todos os corvos são negros. Obviamente,
não podemos ter a certeza de que esta hipótese é
verdadeira, mas à medida que vamos observando cada vez
mais corvos negros a probabilidade de a hipótese ser
verdadeira (isto é, o seu grau de confirmação) vai
aumentando.

Digressão Desvio de rumo ou de assunto

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doxa Para Sócrates, tudo o que não era uma definição absoluta,
algo que não tinha uma definição absolutamente abrangente
e invariável, simples opinião. Oposto de episteme

Episteme Para ele não era a ciência que conhecemos, nem a que
Aristóteles estabeleceu - a paciente observação e copilação
de dados específicos, juntamente com a organização destes
dados de modo a formar sistemas gerias de conhecimento.
Para ele era apenas definição, a definição absoluta.

Epistemologia Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das


ciências já constituídas, e que visa determinar os
fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivos delas.

Gnosiologia - parte da Filosofia que estuda os limites da


faculdade humana de conhecimento e os critérios que
condicionam a validade dos nossos conhecimentos.

Gnosticismo Sistema teológico e filosófico cujos sectários se arrogavam


um conhecimento sublime da natureza e dos atributos
divinos.

Hodiernidade Modernidade, os dias de hoje

Ontologia (ontológico) Parte da Filosofia que trata do ser enquanto ser, i.e., do ser
concebido como tendo uma natureza comum que é inerente
a todos e a cada um dos seres, independentemente do modo
pela qual se manifesta.

Prolegômenos Exposição preliminar dos princípios gerais de uma ciência ou


arte

Propedêutica Prolegômenos, de uma ciência; ciência preliminar.

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Conjunto de estudos que antecedem, como um estágio
preparatório, os cursos superiores.

Psicagonia Entre antigos gregos, cerimônia religiosa de invocação de


almas dos mortos.

Teologia Estudo das questões referentes ao conhecimento da


divindade, de seus atributos e relações com o mundo e com
os homens, e à verdade religiosa. O estudo racional dos
textos sagrados, dos dogmas e das tradições do
Cristianismo.

Aparece pela primeira vez em Platão (Republica),


significando "o discurso dos deuses". 1

Teismo Concepção acerca da natureza de Deus que defende serem


as seguintes as suas características ou atributos: é o único
criador do universo, é omnipotente (pode fazer tudo), é
omnisciente (sabe tudo), é livre e é infinitamente bom. Esta
ideia de Deus está associada às grandes religiões
monoteístas e a discussão acerca da existência de Deus tem
sido, em grande parte, a discussão acerca da existência de
um Deus com estas características. É o Deus teísta que está
em causa quando, em filosofia, se discute o argumento
ontológico, o argumento cosmológico, o argumento do
desígnio, e o problema do mal.

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