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Frédéric Gros [org.

]
i'hilqJ/W Articro,
F, u11et:',UJ Pc1olo Adorno
Judith F!cvcl
Mrnic1pc1olu Fimic111i
Jcc111 -Fra11cois Prnclcc1u

Marcos Marcionilo
[tradução]

EPISl'EME

1. Foucault - A coragem da verdade


Frédéric Gros (organização)
Título original:
Foucault - Le courage de la véritl
SUMÁRIO
© Presses Universitaires de France, 2002
6, avenue Reille, 75014 Paris 7 Prefácio
ISBN: 2-13-052331-5 Salma Tannus Muchail
. CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. 11 Introdução: A coragem da verdade
F86 Frédéric Gros
Foucault : a coragem da verdade / Fr~d~ric Gros
(org.); Philippe Arti~res:.. [et ai.]; [tradução de 1 O INTELECTUAL ESPECÍF'ICO
Marcos Marcionilo ; prefácio de Salma Tannus
Muchail]. - São Paulo : Parábola Editorial, 2004 1 5 Dizer a atualidade: o trabalho de
(Episteme ; 1) diagnóstico em Michel Foucault
Philippe Arti~res
Tradução de: Foucault : le courage de la v~rit~
ISBN 85-88456-25-7 39 A tarefa do intelectual: o modelo socrátiéo
Francesco Paolo Adorno
1. Foucault, Michel, 1958-1916. 2. Filosofia
francesa - S~culo XX. 3. Verdade. 4. Coragem. 1.
Gros, Fr~d~ric. li. Arti~res, Philippe. Ili. S~rie. 2 METAFÍSICA DO COMPROMISSO
04-3024. CDD 194 6 5 O pensamento vertical: uma ética da
CDU 1(44) problematização
Judith Revel
8 9 O verdadeiro amor e o cuidado comum
com o mundo
P~rábola Editorial Mariapaola Fimiani
Rua Clemente Pereira, 327 1Ipiranga
04216-060 São Paulo, SP 3 A LUZ GREGA
Fone: [11] 6914-4932 1 6914-2797
131 O sujeito antigo de uma ética moderna
Fax: [11] 6215-2636
e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br Jean-François Pradeau
site: www.parabolaeditorial.com.br 155 A parrhesia em Foucault (1982-1984)
Frédéric Gros
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reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer
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ISBN: 85-88456-25-7

© Parábola Editorial, São Paulo, novembro de 2004


O PENSAMENTO VERTICAL
Uma ética da problematização
]UDITH REVEL

"Acreditava afastar-se e se encon tra


na vertical de si mesm o."
"A viagem rejuvenesce ~s coisas "
e envelhece a relação a s1 mesmo.
M. Foucault, "Usages des plaisirs
1
et techniques de soi", 1983 •

O trabalho filosófico •.de Mic hel Fouc ault


cobre trinta anos de escrita, de pesquisa, de ensin
o e
ade
de partilha do pensamento. Trinta anos cuja unid
problemática e cuja coerência às vezes difícil freqüente-
mente permanecem, mesmo hoje, no centro das críti-
an-
cas que lhe são feitas - como se não apenas as mud
-t
'
ças de campos de interesse e de instrumental conceitua
mas também uma relação simultaneamente complex
},

de
a
com a filosofia universitária e com algumas formas
engajamento direto e de militância impedissem, de uma
a
vez por todas, de conferir ao percurso foucaultiano
o
dignidade de um pensamento. A menos que o term
sar
"pensamento" não sirva, por sua vez, para lhe recu
a outra dignidade que é a da filosofia.
Que ninguém se engane. Certamente, desde ·m uito·
o
cedo, alguns comentadores preferiram adotar o term
in Dits et lcrits
l. M. Foucault, "Usages des plaisirs et techniques de soi",
IV, p. 545, Paris, Gallimard, 1994.
66 Judith Revel O pensamento vertical: uma ética da problematizaçao 67

"percurso"\ a fim de afirmar, apesar da oposição de militante e engajado - das prisões ao movimento gay
todos, a coerência essencial da pesquisa foucaultiana; e - , que, tendo rompido com o estruturalismo, extrapola
não é menos verdadeiro que o fizeram administrando o quadro da análise dos discursos para se interessar
no interior da cronologia dos escritos urna divisão bem pelas práticas e pelas estratégias, passa da arqueologia
precisa: a divisão interna parece na realidade o único para a genealogia, lança as noções de disciplina e de
meio de se opor à censura da dispersão. E assim nos controle e depois - mas aqui se trata de um verdadei-
encontramos diante de um Foucault que muitos ensaios ro ultrapassar? - de biopoder e de biopolítica, e tra-
de literatura crítica, depois, acabaram por construir: balha essencialmente eE.1 U_JTia analítica do__, poder; por
não um autor, mas três, ou até mesmo quatro - cada fim, um Foucault dos anos 1980, fundamental mente
qual com seu próprio quadro de referência e de perten- interessado pelos processos de .s ubjetivação e pela
ça, seus campos de interesse e seus eventuais emprés- redefinição de um modelo ético no quadro do que ele
timos, sua terminologia específica e suas aporias. nomeia de uma "ontologia crítica da atualidade", e que
Haveria, portanto, um Foucault anterior a Foucault, não hesita em redefinir seu trabalho como um "jorna-
da "Introdução" a Binswanger e de Doença mental e .. lismo" filosófico ou como uma problematiza ção histó-
personalidade, do fim dos anos 19503, cujo horizonte rica do presente.
é ainda essencialmente fenomenológico; depois, um
O que choca aqui é, na realidade, a extrema dificul-
Foucault definitivamente emancipado de sua formação
dade de justificar cada uma dessas passagens. Lembre-
inicial e que não apenas es<::reve a História da loucura
mos ~ue no momento da publicação de As palavras e
em 1961, mas que, no ano seguinte, modifica profun-
as coisas, uma das censuras mais recorrentes formula-
damente e rebatiza seu texto sobre a doença mental";
das,.co~tra a noção de episteme referia-se justamente à
um Foucault dos anos 1960, que publica seus primei-
ausenc1a de uma verdadeira análise da ruptura epistêmi-
ros grandes livros, lança as noções de arqueologia, de
ca, do deslocamento de uma episteme a outra. A mes-
episteme, de ordem discursiva e é completamente as-
sociado ao estruturalismo e à antipsiquiatria, à nova crí- ma censura poderia ser feita a essa leitura ao mesmo
tica e à influência (sucessiva ou simultânea?) de Nietzsche, tempo cronológica e divisória da produção foucaultiana·
de Bataille e de Blanchot; um Foucault dos anos 1970, é. cert? que a divisão .p ermite manter uma aparência d~
lmeandade no corpus, mas ao preço de uma ausência
2. Cf. H. Dreyfus e P. Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, ~uase t~t~ de transições, e pelo jogo de uma simples
Paris, Gallimard, 1984. 1ustap~s1çao das fases da pesquisa segundo a ordem de
3. M. Foucault, "Introduction", in L. Binswanger, Le Rlve et l'existence sucessao de seu desenvolvimento.
(trad. J. Verdeaux), Paris, Desclée de Brouwer, 1954, pp. 9-128, retoma-
do in M. Foucault, Dits et écrits I, pp. 65-119. A esse respeito, permito-
A ~ipótese q~e gos~arfamos de propor aqui é, ao
me indicar meu "Sur l'lntroduction à Binswanger", in Luce Giard (ed.),
Michel Foucault. Lire l'oeuvre, Grenoble, Jérôme Millon, 1992, pp. 51-56; c~nt~áno, a. seguinte: linearidade, continuidade , coe-
sobre a idéia de um "pré-Foucault", ver igualmente P. Macherey, "Awc renc1a e u~1dade não são termos equivalentes. Desse
sources de l'Histoire de la folie", Critique, n. 471-472: Michel Foucault: du ponto de vista, é _se~ dúvida significativo que o próprio
monde entier, Éd. De Minuit, agosto-setembro de 1986, pp. 753-774.
4. M. Foucault, Ma/adie menta/e et psychologie, Paris, PUF, 1962. Foucaul~ tenha indicado o pivô da única verdadeira
ruptura intelectual que reconhecia para si na leitura de
69
Judith Revel O peruamento vertical: uma ética da problematizaçilo
68

Nietzsche em 1953 5: não tanto porque a referência


geral a Nietzsche valha em si mesma como indicaç.ão
-
te~cc:im~e:n~to~é:_~ao~c
'
bra em urora , ocar a trombeta do acaso
,, ~lo~l;;.
~o~n!trá~'r~io~,~c~o:m~o:;:N~ieÍrtzs~c;h~e~n~o-
. ,, ~
1s 1 1cação da unidade de ue a "história anti a
suficiente, mas porque, efetivamente, nos anos segum-
tes, Foucal,llt não deixará de voltar a um aspecto espe- po a ora, e e essa corneta que fascina Foucault.
cífico do pensamento de Nietzsche, que é precisamen- Ora, interessante é que não é preciso esperar o
te o tema da descontinuidade6. início dos anos 1970 e a passagem explícita ao concei-
O descontínuo nietzschiano é, antes de tudo, o to de genealogia para poder ler o eco dessa influência
registro em que se afirma a singularidade dos aconteci- nietzschiana. Antes de ser genealógico, o pensamento
mentos contra a monumentalidade da História, contra foucaultiano é descontinuo - ou. mais exatamente, é
o reino das significações ideais e das teleologias inde- a ~descontinuidade que torna inevitável a assunção da
finidas: é a narrativa dos acidentes, dos desvios e das êlimensão ~ealógica: se a história genealogicamen te
bifurcações, dos retornos, dos acasos e dos erros que dirigida "toma a iniciativa de fazer aparecer todas as
"mantêm o que se passou na dispersão que lhe é pró- descontinuidades que nos atravessam", ela já está pre-
pria"7. O Nietzsche que interessa a Foucault é primei- sente em Foucault nos anos 1960 sob a forma de uma
ramente o das Considerações extemporâneas, que critica atenção extrema aos acontecimentos, ou seja, às ru tu-
o projeto de uma história que tenha por função "reco- orma de fatos
ras empora1s, mani estem-s
lher em uma totalidade fechada sobre si, a diversidade
' 1so ados ou pela emergência de novas convergências
enfim reduzida do tempo"8, ou seja, anular as múltiplas
epístêmicas gerais. que se dão sempre contra um fimdG-
figuras do despropósito e da separação, do salto e da
mudança - em uma palavra, do devir e da linearidade de ruptura. É exatamente isso que se encontra em
rompida. Voltar à imprevisibiJid~de singular do acon- Foucault desde as análises da História da loucura (o
.-- acontecimento que representa a emergência do binômio
5. Cf. D. Eribon, Michel Foucault, Paris, Flammarion, 1991: "Maurice razão/desrazão na idade clássica) e de As palavras e as
Pinguet contou a descoberta de Nietzsche por Foucault no litorial italia- coisas (a emergênc~a de uma rede disc~rsiva coerente
no, durante as férias do verão de 1953 (...): 'Vejo Michel Foucault, lendo
ao sol, na praia de Civítavecchia, as Considerações extemporanea,'' (p. 72).
que caracteriza as ciências humanas), até Pierre Riviere
6. Cf. os dois grandes textos que Foucault consagra exclusivamente a (a emergência de um caso de singularidade absoluta),
Nietzsche: "Nietzsche, Marx, Freud", Cahiers de Royaumont, t. VI, Paris, ou, mais tarde, _n a análise das sentenças de prisão (a
Éd. De Minuit, 1967; Nietzsche, pp. 183-Z00 (colóqufo de Royaumont,
julho de 1964), reimpresso em Dits et écrits I, pp. 564--599; "Nietzsche, emergência de traços de existências singulares); em
la généalogie, l'histoire", Hommage à 1ean Hy/)polite, Paris, PUF, 1971, nenhuma hipótese a análise estrutural - se é que ela
pp. 145-172, reimpresso em Dits et écrits II, pp. 136-156. Mencione-se
ainda um texto mais tardio no qual Foucault se explica sobre sua leitura
tenha alguma vez existido em Foucault - é concebível
de Nietzsche, insistindo precisamente na idéia de descontinuidade: sem uma eventualização extrema da história. É aí que
"Entretien avec Michel Foucault" (entrevista com Duccio Trombadori, compreendemos a perplexidade de Foucault ante sua
Paris, fim de 1978), ll contributo, 4° ano, n. 1, janeiro-março de 1980,
trad. fr. in Dits et écrits IV, pp. 41-95. assimilação ao estruturalismo nos anos 1960, sua von-
7. M. Foucault, "Nietzsche, la généalogie, l'histoire", Dits et écrits II, p. tade, dez anos depois, de tomar distância de uma histó-
141.
70
Judith Revel O pensamento vertical: uma ltica da problematiza
ção 71
ria social seriada e a muit as vezes reafirmad
a preo cu- se ocup a do dife rent e mov ime nto das prop
paçã o de enco ntra r no arquivo a possibilidade osiç ões e
de uma dos escólios: "Há algo com o duas Étic as coex
história sem sujeitos, que paradoxalmente deix istentes,
a ver a uma cons tituí da pela linh a ou o fluxo cont
emo cion ante desc onti nuid ade de suas vidas ínuo de
minú scu- prop osiç ões, dem onst raçõ es e coro lário s,
las. É por isso que, na realidade, não faz senti a outr a,
do exor- desc ontí nua, cons tituí da pela linh a queb rada
tar Fou caul t a justificar a passagem de uma epist ou pela
eme a cadeia vulc ânic a dos escólios" 13• Pode ríam os,
outra: a rupt ura é, em si mesma, um elem ento signi sem dú-
fican- vida, distinguir em Fou caul t um fenô men o
te porq ue mar ca a história com sua queb ra análogo, à
inter na, med ida que os grandes livros e os textos "per
assim com o eleva à dignidade do sentido o não- iféricos"
linear,
o deso rden ado, o despropósito. cont emp orân eos a ele e hoje retom ados na
edição dos
Dits et écrits - trate-se de artigos, prefácios ou
Mas o tem a do desc ontí nuo age igua lmen introdu-
te na ções a obras de terceiros, conf erên cias , artig
própria escrita: não só à medida que se trata os de jor-
de expe- nal ou entrevistas - man têm uma relaç ão simu
rime ntar uma fragmentação da narrativa filosófica ltane a-
, mas men te evid ente e cont radi tória . Com efeit o,
porq ue "é preciso lemb rar que Nietzsche esbo tudo se
çava ao passa com o se os textos periféricos fossem
mes mo temp o vários planos diversos; que ele ao mes mo
variava os tempo o laboratório dos livros - luga r ond e
projetos de seu grande livro; (... ) que ele conc os tema s
ebia a de pesquisa se dese nham , ond e os conc eitos
seqü ênci a de sua obra segundo 'técnicas' que se forjam
não se e onde os empréstimos apar ecem de man eira
pod e, sem ab surd1.dad e, pretend er reconsti·tu·u fi " 1º explícita
e xar . - e, depois de sua publ icaç ão, o luga r de
E Fouc ault acrescenta, em um comentário que sua crítica
pode- radical. Enco ntra mos essa relação de gênese/af
ríam os, por nossa vez, aplic ar perf eitam ente astamento
à obra em todas as obras de Fouc ault, e o cruz ame nto
fouc aulti ana: "Esperamos que as notas que de dois
ele pôde
deixar, ~om seus planos múltiplos, revelem regimes de escr ita que se cond icio nam e
aos olhos se abal am
do leito r todas as possibilidades de com bina reciprocamente, na realidade, impe de a fixação
ção, de de algo
perm uta, que cont êm agora para sempre, em que viesse a produzir a unidade da pesquisa
matéria concebida
nietzschiana, o estado inacabado do 'livro por com o um "motivo" ou com o um monograma
vir"' 11 do pensa-
men to foucaultiano. A contradição que pode have
Sobre esse ponto, duas observações. A primeira r entre
se os dois planos nada retira da coerência do proje
refere aos "planos múltiplos", ou seja, à iden to - ou
tificação
em Fou caul t de difer ente s níveis de escr ita.
Gill es
Dele uze propôs uma leitura da Ética de Spin 12 Ética e [ao) papel dos escólios na realização desse
plano : as duas Éticas"
oza que (pp. 313-322). Nesse ponto, Deleu ze observa: "Em
suma, os escólios em
geral são positivos, ostensivos e agressivos. Em
10. M. Fouc ault e G. Deleu ze, "lntroduction virtude de sua indepcn-
générale" às Oeuvres dencia acerca das proposições que eles duplicam,
philosophiques compl~tes de F. Nietzsche, Paris, dir~ ia que a Ética foi
Gallimard, 1967, t. V: Le simultaneamente escrita duas vezes, em dois tons,
gai savoir. Fragments posthumes (1881-1882), em duplo registro. E
texto extra, pp. 1-IV, realmente hd uma maneira ducon tlnua , cm que
reimpresso em Dits et écrits I, pp. 561-562. os escólios saltam de uns
aos outros, um ecoa o outro, se encontram no
11. lbid., p. 564. prefácio de tal livro ou
na conclusão de outro ainda, formando uma linha
12. G. Deleu ze, Spinoza et le probl~me de l'expression quebrada que atravessa
, Paris, Minuit, 1968: toda a obra em profundidade, mas que só aflora
o último apêndice do livro é consagrado ao "estud nesse ou naquele ponto
o formal do plano da (os pontos de quebra)" (p. 317, grifo meu) .
13. lbid., p. 318.
O pensam,nto wrtical: uma itica dei probl,matuaçao 73
n Judith Revel

recendo ao mesmo tempo corno prolongamento e trans-


melhor: ela a faz avançar, ao mesmo tempo, em um
posição da primeira.
jogo de relance permanente dos conceitos e temas da
pesquisa, porque é o descontínuo que é a caução da A segunda observação refere-se, ao contrário, ao
mobilidade do pensamento e de sua exigência. "estado inacabado do 1ivro por vir"'. A dimensão aberta
da obra não se lê apenas na tentativa de impedir a fixa-
Os exemplos disso são infinitos: basta lembrar a ção da pesquisa ou seu embalsamamento em uma posi-
estranha relação que se instaura, nos anos 1960, entre ção de saber - quem, é preciso esclarecer?, está ime-
uma descrição arqueológica dos discursos - sobre a diatamente associado ao exercício de um poder - ; é a
loucura, sobre a clínica, na constituição das ciências idéia da própria obra que é preciso destruir, à medida
do homem e da natureza - que não admite nenhuma que para haver obra é preciso que nada mais esteja
exterioridade (visto que o específico da organização "por vir". Da crítica da noção de autor 15 (que impõe
dos saberes a partir da idade clássica é justamente a outro tipo de acabamento e provoca a formação da
inclusão da alteridade: a razão como inclusão da dupla autor/obra) às disposições testamentárias de
desrazão, a taxionomia como previsão da exceção etc.), Foucault ("nada de obras póstumas"), é a mesma preo-
de um lado, e o estranho recurso a um "fora" 14 de cupação que subjaz à posição _de Foucault: impedir a
matriz blanchotiana que assombra ao contrário os tex- formação de um corpus, isto é, de uma soma unitária, de
tos "periféricos" da mesma época, de outro. Para ser uma configuração homogênea. Que o valor da proibi-
justos, seria necessário ressaltar a grande riqueza de ção de obras póstumas tenha sido acima de tudo
figuras desse "fora", alternadamente caracterizadas por perfÕrmativa é o que nos mostra claramente a decisão
reminiscências fenomenológicas ("experiência crucial"), recente de publicar os cursos do College de France.
pela influência de Bataille ("passagem ao limite", "trans- Não se pode negar que o projeto de manter o "livro por
gressão") ou pelo "fora" dos surrealistas ("esoterismo vir" no inacabamento impõe, além da impossibilidade
cultural"), como se se tratasse de lançar contra seu material de um novo livro de Foucault ser um dia publi-
próprio discurso - inevitavelmente portador de ordem cado16, .urna deontologia que respeita s~a exigência.
- uma palavra de desordem que lhe minasse a base e A menos que tudo isso seja mais superficial do que
a completude, isto é, o acabamento. Ou lembremos parece. Como escreve Foucault a propósito de Nietzsche:
ainda, dez anos mais tarde, o mesmo jogo que se ins-
taura, quando da publicação de Vigiar e punir, entre a 15. M._Fouca~lt, "Q~'est-ce qu'un auteur7", Bulletin de la Societé Française
noção de disciplina (núcleo do livro) e a de controle de Ph1losofh1e'. 63 ano, n . 3, julho-setembro de 1969, pp. 73-104
(nos textos imediatamente posteriores), a segunda apa- (co~erênc1a feita em 22 de fevereiro de 1969); reimpresso em Diá et
!cnts 1, PP· 789-821. Foucault ainda volta nesse texto a Nietzsche:
Quando se empreende, por exemplo, a publicação das obras de Nietzsche
14. Ver, por exemplo, "La pensée du dehors", Critique, n. 229, junho de onde se deve parar?" (p. 794). '
1966, pp. 523-546, reimpresso in Dits et écrits l, pp. 518-539, e mais 16. D~e ponto de vista, a não-publicação do 4º volume da História da
genericamente todos os textos consagrados à literatura nos anos 1960 sexualidade, Les aveux de la chair, decisão unânime da fam0ia Foucault,
in:lu~ive o ~ond Russel ( _1963) - único livro que constitui exceçã~ do editor (Gallimard), do Centre Foucault e do executor testam ._. ·
- é . difi
à lei dos livros e que funciona, como os textos periféricos, contra as nao m erente: o 11vro · faltante é precisamente _ e para se en... no,
outras obras publicadas. •1·1vro por vir
•". mpre - o
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\~~ mmi tegN gtll'lt\ ou d~ uma lei: n~ ~nfülo , q,,~
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u~nll\\'\11""~ OI 1th.1 t\ ~,·tm.:tdo mooófi.oo do }~l\m1\\IC\I~ e tdto que de um t~llso ~swlu·, t) uw futmm\fümo do
o i~'t) l1rn1\111tml'é t'e(meonlmm um l\'lttcito P"Nmtt:.-i--00111• tt n,10 ~ Hgcinm1ent@ difercn~. poi~ })ll~, 10 oonm\-
O ltml" d~, '-'"stontim_1hhtde sofrt, ulhts, \_ll'1U rio, tt1wmr--lht o ftmt ionllmtnto: o t Q~'O 6 t~i~m~ n-
refü,·muh,ç!fo ~~h'tlm"n,on~ inl'e1~s1.1ntc 110 fim doo ~u,oo oo o que \}i\.fflCC nlo qu~rcr volhu l>"-nl 1s m1lh1s de
1%0. ~ m&lh:.111 que iníl\lenei" nno upenus n furn\íl do nOMo qmtdro interpret'1tiw1 ou sejll, l)"nl fuhn como
discurso fllosôfico de l'i'ouc1mlt1 ums que se torm1 seu 11\mcault. o que se in,p& em mna singulllrid1dE- llb.._~
objet~ espectfico. O prt>blcmn de Fbuc1mlt se pnrccc. lut111 o que cscap1 i\ ordem e 11finna1 no 0011ttaR\_11>.-o
m, roítlidude, "ºque dtVémos enf1·t:mbn m, l~itum de dos processos de idcntific11çlo ~ de dissifica çlo
discursivos. o cxtrllordimtrio.
su11s pesquisas: u descontinuid1.1de e~-clui, 11pesnr de tudo,
Q unidude? Ou, pnm ser m11is e.'{nht: que tipo de unid;i- Basb, ouvir Foucault fular de Rll)•tnond Roussel: "'A
de a divcrsidllde - quando plemunentc l\SSutTtidn - é outnl Íllce dtt obra de Raymolld Rou~l dcseob~ um11
cnpui de produzir? O problema é tudo, menos secun- fon1u, de imQSin11çlto que nlto em fttcilmen~ conhe<::i-
dt\rio. Suu primeim formulnçlto explícitu esbt, sen1 da. Os jogos das Ina.prtssions d'Afriqutt os mortos de
d\\vidn, menos vincul11dn li reivindicllçlto dll dimenslto Locus solus nllo pertencem nem ao sonho nem ao fun-
llO mesmo tempo arqueológica (quer dizer: horizontal, tfstico. Eles estio mais próximos do 'extraordhu\rio' (...);
transversal) e eventual (que dizer: pontual) da história mas de um extntordim\rio mim\sculo1 artificial e imó-
nos primeiros livros - e aos problemas da{ decorrentes vel: maravilhas da natureza fora de tod" natura.a (... ).
- que ~ descoberta de certo m1mero de ºcasos" que Contudo o despropósito rousscliano não é bi~arrice da
vão alimentar o trabalho do filósofo nos textos perif6- imQSinaçlo: ~ o acaso dn linguagem inst.aurado em to-
ricos de que já fahunos. da a sua onipotência no interior do que ele diz." 1\ Re-
encontra-se llqui, al~m das teses do llcaso e do despro-
A noção de "caso" ~ extremnmente ambígua: ela
pósito que enfatiumos acim~, a recusa da fantasia pura
tradicionalmente designa, tanto no vocabulário corren- cm proveito de uma dimensão bem mais complexa: um
caso é sempre fundamentalmente real (ao contr4rio do
· 17. "Mlchcl Foucault et Olllcs Delcuao veulent l'tlndl'tl à Nietuche son "sonho", do "fanbistico", e das "bizarrices da imagina-
vr11I vlsage" (cmtN1vish1 com e, J1moud), Lt Fisuro LitHNire, n, 1065, 15
de setembro de 1966, p, 7, rclmpl'tlsso in Dita •t iorits 1, pp. 549-552, çlo"), mas um real que trnnsbordn1 e.xcede, desordena ,
l 8, Sobre esse terna, ver C. Duflo, L, ;,u, unt 1t1>1>roch1 1>hiloaot,hiqu,1 extrapola a "natureza"2º. Nesse sentido, Roussel repre-
Pliris, PUl1', 1977; ver t1mb6m C. Duflo, Lt ;111. Ot Pllacal e) Schiller, Paris,
PU11', 1997: "Aqui começa a verd@dell'll 1tutonoml11 que nlo ~ 11 verdadeira
indcpendencla da coaçlo, a liberdade deflnid11 positivamente e nllo m11is 19. M. l\'oucault, "Pomquoi rff<iitc-M>I\ l'ocu~ de Raymond Rouml7 Un
negativamente (, ..). Conclul-3e que a libcrtaçllo de tod1 coaçlo perma- p~cursem de notte littirature modeme", Lt Mondt, n. 6097, 22 de
nece em qualquer estado de coisas como a primeira caracterfstica de todo agosto de l96i, p. 9, reimpresso em Diti et krits l, pp. i21-4H.
jogo" (pp, 113-144). 20, O que Fouc:ault descreve como ml e como desordenado Ol\ cxtta-
ordimtrio se parece, desde os anos 1960, com o que C. Ocleu~ n~is
r O p,11111111,nlo v,rt/cal: uma ,1ica da probl,matitaçDo 77
76 /udlt/1 Rm/

senta o ponto cego de As palavras e as coisas, ou seja, c;sbQçg_de _um .projeto, um parentesco ~ngíveJ22. Cada
o que se recusa à dupla classificação moderno de ciên- um dos escritores de que Foucault se ocupa representa
cias do homem e de ciências dn nahucza; assim como em si mesmo um mundo, mas um mu nd0 que ~ão
se recusam a ela, enfileirados nos escritos de Foucault apenas não declara, em moment:o algurri, a conscaen-
dos anos 1960, Sadc, Hõldcrlin, Nerval, Fluubcrt, cia que ele tem de si mesmo (Roussel ~ Roussel por
Mallarm~, Joyce, Kafka, Bataillc, Artaud cto. E como, aco,o ou dt1tmp1nha conaci,nt,m,nt, o acaso do en-
por sua vez, a ela se recusarão, em uma cxistencia nlo contr~ das palavras contra a ordem de discurso estabel~
mais apenas reduzida à produçlo de uma fala cxtraordi- clda?), mas que elimina toda possibilidade de definir
ndria (d la l,ttrw: fora da ordema do discurso), que se ma, um espaço qualquer de intersubjetividade - em uma
amplia para prdticas e estrat6gias de exlst8nch1, Pierre só palavra, um11 comunidade, mesmo estando ela redu-
Rivi~rc, Hcrculine Barbin e todos Oll "homens infamea" 21 zida a sua mais simples expressão. ~ ~•casos" liter4rios
que ASsoinbram na d~cada seguinte 01 arquivo• que sl!t_scm dt',vidn eYcntsll ainaulo.ros, ou seje, extraordimi-
Foucault examina meticulosamente. ili>J; JJW..do,.ta.l~m, , mais-banalmente - e sem dúvida
Voltcm03, cntlo, ao problema suscitado pel11 rela- ff)lif tngicamentc -: , "casos" individua.ia..scm CCCQlllPO-
çlo do dcsconUnuo e da unidade. Nlo h• d\lvida de ~'i.çlo possível, isto ~. frug11)Sntos, de solidAo. Essa impos-
que o que motiva, no fim do., anos 1960, o abandono sibilidaded e sair da dimensão individual ~ de tal modo
do campo de peaquisa filOllóftca que a literatura repre- via(vel que Foucault acaba por se ocupar, bem no fim
senta para Foucauh 6 a impoasibilidade de rcco1npor, clot anos 1960, de "casos" que cruzam a literatura com
a partir da descontinuidade extren1a dos "casos" algo a esquizofrenian: ora, no campo da escrita psicótica, a
que, para al~m de sua dimcndo pontual, se 11ssemo- impoaibilidade da unidade com o exterior 6 redobmd11
Jhaue a uma unidade: _µma coerencia tnmsversal, o
-
tarde ulln1lar, em SpblOII como "um pl1no do lmunenola": "Ao co11-
l:ri.rio, um plano de lmantncla nlo dltpõcl do 011111 dh11e11110 1u1llemontar:
por uma impossibilidade ainda mais profunda, que 6 a
da deaagregaçlo intcma do eu falantc. ju ct.o_~ solidao
da fala II cislo íntima do sujeito: a dcscontinuid~ a
o pl'OttllO de compoalçlo ~ 11Cr 1prtndldo om 11 mc1mu, 11lr1~1 du ~•peraGo atingiram o patol6gico2\
que ele cU, nequllo que ele cU. t um pl•no dei cum1lo1lçlo, nlo de
orpnl~lo 1wm do daenvolvlmcmto" (C, Otileu10, Splnora, l'hl/otot,hlt
pn1tltfw, Pari., PUP, 1970; «liçlo 1mpll!Kll I mod1ne•d111P11rl1, tdlllo1u 22. Pennlto-m1, acerct dlaao, reinoter a meu "Fouc111lt cl lll ll~l'lll\ll'tl'
de Mloult. 1981. p, 172), T•nlo cm ~buc:ault corno em Oelouae, f 11 ~~~~•une dlaparltlon", Lt 04Nt, n. 79, Parla, Calllmaro, m•~lnll
compoMÇlo que 11at>1 • Ofde.m ■o N N!CUNr • 011 1 e que produa o "1:1110",
21. Cí. M. Foucault, ~l,. vlt d11 homn,,a ln,-11111", lM C11hl1ra du n. cr., t>Or exemplo, Q bc,ltaalmo ~klU q110 ~011(11\lll conaaara • Jc.11-
rlwtmn, n. 2'i, U de l•ntlro de 1977, pp. 12-29, rtlmpro110 om 01ft ,1 Plorrc 8rluot, "Sept propoa nu lo 11ptltlmc •nao", ln J,..P, 8rl111t1t, w
I"'"'"'"'" loci4Jut, P1rl1, 'lehou, 1970, pp. 9-57, rohnpl'tll<l cm Uita tt
krjt, Ili, PP· 2J7-2J). f'olK!ault O r10t11 "Vldaa breve,, l'ffllOOlllradaa 10
lflllO em llvroe • doc11mc11101. F.nmf)/11, 11111 - dlfarcnlemenle daquilo
qut oe _.bl0t rHOlhl•m 110 curto do 1\1111 leltur11 - llo extmploa que
'°"" li, Pll, l 3-2S.
24, Sobrt1 11 problema du vatulótlluo como llmlt. d. wnttdo do ru tma
ltu4ím nwnoa l!ç6ot aobu, 11 quel1 meditar que efeltoe brme cuj1 Corç doa qu1droa rt1ttltlvoa d11 nrde111 do diacul'IO cf, G. Dclcmae "~ 1
1
11 t1lbit111 qtWe htltdillanttnte" (p, 2)7) - como " oa "~•tot" con• 'M>llion ou lc procod6", 111 t.'ritlqut tt ollnlftut, llaril, ltd. de Mlnl;lt. l~)s
1ltti...11 pnclurn,nlt lllNI dim,11110 pal'ldoul d• ,ampla nlo flXOtfl• O ~xlo \111\..mlldtdo • tthnp~o pu'llalmonte modlflc11d1 do p,.,,fiel~
piar•, !tio •• de •lntularldadea •beolutu •• nlo obt11nlt, re1l1 ("Eu qul1 •o vm l • , Wolfaon, l..t 110h1.t0 ti '" ld111u•, Plrla, (lllllimard l 970
que t0 lf..,_ 11mprt ele alettnclq mlt", lbld,, p, 239), que Dolcmao lnlltul1n1 "ltual de achlaolotlo", lu modlflea~ ll~ ~,~
ol1hmmte o t'tConhetlmonlQ, li 111111.e vlnh! 11no., do distlncll,, do uma
7H Judith R11'fll OP•""""'"'º wrtlca/: uma 1/lca da probltmal/1.aç/10 79

Estumos, pois, diante de mn impasse. Nl:lo obstante, relações (e quais?) podem se compor diretamente para
dois elementos vl\o intervir entre o firu dos unos 1960 formar uma nova relação mais 'extensa', ou se os pode-
e o início dos anos 1970, relançando no mesmo mo- res podem se compor diretamente para constituir um
vimento, de maneira cxtrnordinárin, u nnálise foucaultin- poder, uma potência mais intensa. Não se trata mais
na. O primeiro, pmamcnte teórico, é n publicação quase de utilizações ou de capturas, mas de sociabilidades e
simulltlneu, cm 1969 e l 970, de Lógica elo sentido e de comunidades. Como os indivíduos se compõem para
Diferct1çt1 o rupetição, ele Gilles Deleuze 25, nos quais formar um indivíduo superior, ao infinito? Como um
Foucault consagra um formidttvel urtigo em Critiqu,26• ser pode tomar um outro cm seu mundo, porém con-
O1 gue evidentemente choca -Foucault no discurso servando ou respeitando as relações e o mundo pró-
.
clcleuziano é a tentativa de definir um estatul'o ela di- prios? E a esse respeito, por exemplo, quais sito os
firençct qúescja precisamente a articuluçllo clu desconti- diferentes tipos de sociabilidade7"27 Dif-rença e repeti-
noictaãc com ã7mifülclcÇ( lii singularidade con;-~i- çao só fuz oferecer a reformulação teórica contemporã-
mensl1o do "comum" - em síntese, que se opõe simul- nea do problema spinozista da multitude: "Só fultava
l111Te8TilcTITc1\"S figu ras da ultcridaclc , como variante do ao spinozismo, para que o unívoco se tomasse objeto
nwsrno(aclêsrãiu ocomo inclusfo, pala razao, de seu de afirmação pura, girar n substftncia em tomo dos
outro: o espaço ela altcridude é ao 11~ 10 ten1P,o ad- modos (... ). A univocidade significa: o que é unívoco é
ministmao-no seiõêlaquílõ cõntru que ele ~ definido, e o próprio ser, o que é equívoco é o que dele se diz.
nifidarhenre circunscritO em Ümà relação de <lcrivaçüo Exatamente o contrario da analogia. O ser se diz nas
de sentiao TniCõ) e às figurus da singularidade como formas que não rompem a unidade de seu sentido, ele
_ -puros exerc(ç_Los .de..s.olidf!o. - - -· se diz em um só e mesmo sentido atnl~ de todas as
suas formas - por isso opusemos ~s categorias noções
O ponto de partida de Deleuze é uma referencia
de ?utra m1t.ureza. Mas aquilo de que ele se diz difere,
evidente a Spinozn: "Mas, agora, trata-se de saber se as
aqmlo de que ele é dito é a diferença em si mesma.
NUo é o ser nn4logo que se distribui nas caregorias e
11ltamAliv11 fundamcnt11I: ou II crrtic11 (isto 6, 11 possibilid11dc de recompo- reparte um lote fixo aos entes, mas os entes ~ rtptirttnn
,içllo e de artic11l11çao d11 subietivid11de fAl11ntc em um c:oniunto que
"Otcuc c:omunid11dc"), ou ll c:l(nlc:11 (isto 6, 11 dcsagreg11çao plllológica do no •spaço do ~-.r unívoco aberto por todas as fom1as. A
cu fiiltmte). A lomAdll de consclenci11 de Dclcuze 6 m11is hudh1 que II de aberhmJ pertence essencialmtnht e) univocidade"is. A
l•buc1mlt. E11qu11nto os dois volumes de C,1pitalia1110 , 1,quiio(rt11ia, substancia spinozista é para Deleuze o conjunto d"
.escrilos em col11borAçllo com F61ix Ou11tlllri (O anti-ldipo, em 1972, e
Mil piai&, cm 1980) aind11 traiam da esqui1ofreni11 como fom,a eminente ~11o~os •m s1~a difertnça; 1nelhor: é preciso preferir à
de desordem e de descontinuid11de - o que Deleuze e C1111ttari chamam 1dé1a de umdade, necessariamente redutora porque
de "m4quinas de guerna" - , Foucault 11b11ndo1111 esse tipo de hipótese fechada, a de univocidade como coe~ncia a~rta.
desde o início dos anc» 1970.
25. C. Delcu11e, Losiqu, du 11111, P11ris, ltd. de Minuit, 1969; Di/flrtnct A refc~ncia a Spinoza nilo aparece cm Foucault.
,t ~pitit/011, Paris, PUF, 1970.
26. Mlchel Foucault, "The11trum philc»ophicum", Critique, n. 282, no- Mas nno há dúvida de que a amfüse dcleuziana provo-
vembro de 1970, pp. 885-908, republicado cm Dits ,t krlts li, pp. 75-
99. Sobre o t-cxto de Foucault, cf. J. Rcvcl, "Foucault lcctcur de Deleuze: 27. C. Dcleuac, Spinwu, Philoso#)hi« ptotiqu«, op, eit., p. 169.
de l'6cart la la di1T6rence", Critiqu,, 11. 591-592, agosto-setembro de 1996. 28. C. Oclcu,c, Oi~,.,tt1t tt r#p#tition. op. dt., p. 188. Grifu meu.
80 fudith Revel O pensamento vertical: uma ética da problematização 81

ca pela primeir a vez nele o registro em palavras do ler os "casos" que o fascinam?; como pode haver um
problem a que assombra suas pesquisas há mais de dez discurso filosófico sobre os acontec imentos ?; como se
anos. "Pe!}semos na diferença. Geralme nte. se a analisa pode falar ·filosoficamente do descont ínuo?). Trata-se,
como a diferenç a de algo ou em algo; por . trás dela, na realidade, de redefinir uma ontologia "onde o ser se
alé':11 ?~la, mas para dar-lhe suporte, dar-lhe um__l!!gar, diria, do mesmo modo, de todas as diferenças, mas só
delimita-la e, portanto , dominá-la, põe-se, com o con- se diria das diferenças" 31 •
ceito, a unidade de um ênero ue ela parece fracionar
_em espécie s (domin ação orgânic a o · conceit o Por fim, os temas da descontinuidade e da diferença
aristotélico ; a diferença toma-se então o que deve ser geram em Foucaul t um último tipo de análise, que só é
es ecificad o no intenor tematizado nos últimos anos de sua pesquisa, mas que já
conceito , sem transõorcta:r
,para além dele" 29: o que pedimos ao pensam en o de se faz presente em filigrana no texto de 1970 consagrado
Foucaul t é precisam ente que dê conta de sua própria a Deleuze . Trata-se da noção de problematização.
unidade como fundo das diferenças que nele atuam. Com efeito, nos dois últimos anos de sua vida,
Tratamo s o exercício do pensam ento como se se tratas-
se da produçã o de um conceito30• Ora, o que Foucaul t
busca, ao contrári o, dizer é que, mais que buscar o
1 Foucaul t utiliza cada vez mais freqüen temente o termo
"proble matizaç ão" para definir sua pesquis a. Por
"proble matizaç ão" ele n_ã o enlende a re-prese ntação
comum sob a diferença, é necessário pensar diferencial- de um objeto preexístente nem a criação pelo discurso
mente a diferen ça, quer dizer, restitui r-lhe uma de um objeto que não existe, mas o "conjun to de prá-
positividade que lhe é própria e, em uma virada que vai ticas discursivas ou não-discursivas que faz algo entrar
contra toda lógica clássica, dela fazer o fundo do co- no jogo do verdadeiro e do falso e o constitu i como
mum. O desafio se toma por isso mesmo considerável objeto para o pensam ento (seja sob a forma da reflexão
e ultrapassa de muito nosso simples problem a de parti- moral, do conheci mento científico, da análise política
da (como ler Foucault?; ou ainda: como Foucaul t pode ~tc.)" 32 • A história do pensam ento se interessa por ob-
1etos, por regras de ação ou por modos de relação a si
29. M. Foucault, "1n_eatrum philosophicum", Dits et écrits II, pp. 87-88. à medida que os problematiza: ela se interrog a sobre
30. A crítica do conceito como totalidade fechada na realidade não é
nova: baste-nos pensar no Wittgenstein das Investigações filosóficas e no
sua forma historic amente singular e sobre a maneira
deslocam ento que ele opera: a idéia de "semelha nça familiar" com que eles represen taram em uma época dada certo
wittgensteiniana entre jogos de linguagem é na realidade a exata formu- tipo de resposta a certo tipo de problem a. Foucau lt
lação do que pode ser um conceito· "aberto", isto é, ao mesmo tempo
recorreu à noção de problem atização para distingu ir
coerente e irredutível à unidade. Wittgenstein, como Spinoza, jamais é
citado por Foucault, mas o problema da "política da citação" do filósofo radicalmente a história do pensam ento, ao mesmo tem-
mereceria, somente ela, uma pesquisa complexa. Portanto, acrescentemos po, da história das idéias e da história das mentali da-
simplesmente um terceiro nome à lista dos filósofos cuja ausência, para-
des. Enquan to a história das idéias se interess a pela
doxalmente, faz sentido: M. Merleau-Ponty. Há no último Merleau-Ponty
(de Signos a A prosa do mundo) a tentativa expHcita de definir a articu- análise dos sistemas de representação que subjaze m, ao
lação do singular e do comum ou, em outros termos, da diferença e da
unívocidade. O conceito de que Merleau-Ponty se serve é, desse ponto 31. lbid., p. 91.
de vista, revelador: é, mais uma vez e muito antes de Deleuze aplicá-lo 32. M. Foucault, "Le souci de la verité", Magazine littéraire, n. 207, maio
a Spinoza, o conceito de "expressão". de 1984, republicado em Dits et écrits N, pp. 646-648.
o pcnsam, nto v,rtical: uma Mica da probl,mati%açao 83
Judith R.vel
82

. já é com pleta men te explícito: "Qu al é a resp


mesmo tempo, aos discu mportamentos e osta à
rsos e ao~ co análise ergu nta? O prob lema . Com o resolver o prob
que a história das mentalidades se interessa pela lema ?
h' besl ocan do a perg unta . O prob lema escapa
das atitudes e dos esquemas de comporta~ento, à lógica
a is- do terceiro excluído, pois ele é uma multiplic
. l idade dis-
tória do pensamento se intere ssa pe a maneira com que l persa: ele não será resolvido pela cla~ e~ d~
se constituem problemas para O Pensamento e pe as ~stin ção
estratégias que são desenvolvidas para lhes dar respo t da idéia cartes_iana, visto que é uma 1dé1a distin
ta-obs-
s a. cura; ele desobedece à seriedade do negativo hege
Com efeito "várias respostas podem ser dadas liano,
a um visto que é uma afirmação múltipla; ele não se
mesmo conju ' nto de d'fi ld d E na maioria das vezes, subm ete
i icu a es.
respostas diversas são efetivamente dadas. Ora, o que à contradição ser-não-ser, ele é. É preciso pens
se ar pro-
deve compreender é o que as torna simultaneamente blem atic ame nte, mais que perg unta r e resp
'd d onde r
. o ponto diale ticam ente n 35 • A prob lema tizaç ão é, port
possíveis: em que se enraíza sua simultanei a. e; anto , a
o solo que pode alimentar umas e outras em su_a prática da filosofia que corr espo nde a uma
di~~:- ontologia
sidade e, por vezes, a despeito de suas contradiçõ da diferença, ou seja, ao reco nhec imen to da desc
es . ontinui-
O trabalho de Foucault é assim reformulado nos t~rm dade com o fund ame nto do ser.
~s
de uma pesquisa sobre a forma geral de problematizaç
ao Por outr o lado , esse esfo rço de prob lema tizaç
correspondente a uma época dada: o estudo dos ão
modos não é, em absoluto, um anti-reformismo ou
de problematização - ou seja, "o que não é n~m um pessi-
cons- mismo relativista: ao mes mo temp o, porq ue
tante antropológica , nem variação cronológic_a ele revela
-:- é um real apego ao prin cípio segu ndo o qual
ortanto a forma de· analisar, em sua forma histo o hom em
P nca-
mente singular, questões de a1cance gera1"3i . é um ser pensante - de fato, o term o "problem
atização"
é particularmente utilizado no com entá rio que
Ora O termo de problematização implica duas Fouc ault
' faz ao texto de Kant sobre a questão do Ilum
conseqüências. Por um lado, o verdadeiro exer . inism o -
cício e porq ue, com o ele mes mo o dest aca, "o
crítico do pensamento se opõe à idéia de uma que tent o
busca fazer é a .história das relações que o pens ame
metódica da "solução": a tarefa da filosofia não é nto man -
resol- tém com a verdade; a história do pens ame nto
ver - incluindo a substituição de uma solução enqu anto
por pensamento de verdade. Todos os que dize m
outra -, mas "problematizar"; não é reformar, que para
mas
instaurar uma distância crítica, fazer atuar o "afas mim a verd ade não existe são espíritos simp
ta- listasn 36 •
. mento", reconhecer os problemas. Desse ponto Descontinuidade, diferença, mult itude , problema
de vis- tização
ta, o texto que Foucault consagra a Deleuze em definem um novo vocabulário da filosofia com
1970 o pensa-
men to da verdade, corno cora gem da verdade.
33. M. Foucault, "Polemics, Politics and Problematizations"
, in P. Rabinow, Agora voltamos de costas. Resta-nos com pree
The Foucault Reader, New York, Pantheon Books, 1984, nder
reimpresso sob
o título "Polémique, politique et problématisations", in
Dits et krits N, por que Fou caul t subs titui os "casos" liter ários
pp. 591-599. cuja
univ ocid ade ele não cons egui u reco mpo r,
34. M. Foucault, "What is Enlightenement7", in P. Rabin
ow, The Foucault
e que se
Reader, New York, Pantheon Books, 1984; trad. fr.: "Qu'e
st-ce que les
lumi~res?", in Dits et lcrits N , pp. 562-578. 35. M. Foucault, 'Theatrum philosophicum", Dits
et lcrits II, pp. %-91.
36. M. Foucault, "Le souci de la vérité", Dits et lcrits
IV, pp. 6'16-6i8.
84 /udith Revel O pensamento vertical: uma ética da problematizaçao 85

revelaram, segundo esse ponto de vista, um impasse. senciais: por um lado, trata-se de sair da ordem estri-
Mencionávamos acima dois elementos que relançaram tamente discursiva (de fato, a partir dos anos 1970,
a formulação do problema da descontinuidade bem no Foucault se interessará não apenas pelos discursos, mas
início dos anos 1970. O primeiro é evidentemente a também pelos saberes, pela estratégias e pelas práti-
leitura de Deleuze. Mas o segundo é de natureza com- cas); por outro, é necessário reformular o problema
pletamente distinta: é a participação no Grupo de ln- não mais no nível estritamente individual dos "casos",
formação sobre as Prisões· (CIP), ou seja a descoberta mas no nível, bem mais difícil, da ação coletiva. Assim
de que uma prática de resistência, longe de ser o resul- como a unidade não é o unívoco, o individual não é
tado da partilha de diferenças singulares e isoladas (os o singular: só ao .preço dessa distinção é que podemos
"casos"), é, ao contrário, aquilo que pode produzi-las. sair da aporia "literária".
Não é preciso buscar na agregação de sujeitos falantes A segunda tem um alcance indubitavelmente maior:
ou atuantes a causa ou o fundamento de uma comuni- cada reformulação teórica, isto é, cada nova problemati-
dade, mas descrever a maneira com que a prática co- zação está fundamentalmente ligada, em Foucault, a
mum - seja ela linguageira ou política - produz
uma prática, quer dizer, a um engajamento na atuali-
subjetividades da diferença, ou seja, existências
dade. Temos uma dupla confirmação desse mecanis-
irredutíveis à linearidade e à normatividade da ordem
mo: por um lado, a presença no percurso de pesquisa
estabelecida. O comum tem de diferente em relação ao
de Foucault de um certo número de experiências que
consenso o fato de não se tratar de um fundamento
atuam como "detonadores" do pensamento: a estada
dado: ele é uma produção37 •
em Sainte-Anne nos anos 1950, o GIP nos anos 1970,
Podemos tirar duas conclusões de tudo isso. A pri- a revolução iraniana no fim dos anos 197038, o proble-
meira refere-se ao próprio movimento do pensamento ma da homossexualidade (isto é, dessa estranha relação
de Foucault. Enquanto, em um filósofo como Deleuze, com o mesmo que não é um: nisso ainda se encontra o
a elaboração teórica de conceitos exige ser aplicada ao tema da diferença jogado contra o da identidade) nos
real - o conceito de diferença precede sua eventual anos 1980. Poderíamos até levar a hipótese mais longe:
utilização prática -, em Foucault, são a prática e o se é a prática que dá conta das "passagens" foucaultianas
engajamento na atualidade que geram, ao mesmo tem- ou seja, da descontinuidade coerente do pensament~
po, a problematização filosófica e o instrumental concei- ~e ~ou~~ult a _contrario de uma leitura divisora cujos
tua} que decorre disso. A experiência política do GIP hm1tes Ja mencionamos, não se pode dizer o mesmo da
permite, por exemplo, reinvestir o velho problema teó-
rico da transgressão efetuando dois deslocamentos es- ~8. !?uanto a esse ponto, seria preciso fazer um discurso complexo que
mfehzmente não podemos encarar aqui. É evidente que a reformulação
37. A distinção é, por exemplo, fundamental para a compreensão do mal- da r~lação com o político (isto é, a problematização do comum como
entendido que está no núcleo do debate - abortado - entre Foucault multitude de singularidades resistentes) sob a forma de uma ética deriva
e Habermas, no início dos anos 1980. Ver, a esse respeito, H. Dreyfus em grande _parte da reflexão que o episódio iraniano suscita em Foucault
e P. Rabinow, "Habermas et Foucault. Qu'est-ce que l'âge d'homme?", - em particular, por meio da problematização das noções de resistência
Critique, n. 471-472: Foucault: du monde entier, op. cit., pp. 857-872. e de ~ublevação. Quanto a esse ponto, cf. os numerosos textos sobre
0
Irã reimpressos em Dits et écrits III.
O pensamento vertical: uma ética da problematização 87
Judith Revel
86
mudança. Enfrentar a questão da atualidade significa,
velha questão das passagens de uma episteme a outra? pois, definir o projeto de uma "crítica prática na forma
De fato; esse é o tipo de análise ao qual Foucault teria de transposição possível"41 • Lá, o termo utilizado por
recorrido para explicar, por exemplo, a passagem à Foucaúlt ainda é "diferença". Enfim, tudo isso só é pos-
biopolítica pelo nascimento do liberalismo no início sível porque nós pomos em jogo o pensamento filosófico
do século XIX, ou quando ele insistir na noção de na ~tualidade - o famoso "jornalismo filosófico" de que
governabilidade: é-se sempre tomado em uma prática Foucault gostavá de falar - e por meio da atualidade.
de si e dos outros, e é a mudança dessa prática que Haveria mais bela definição de prática que esta?
produz efeitos de verdade, quer dizer, deslocamentos
ou rupturas epistêmicas. Kant não busca entender o presente a partir de
uma totalidade ou de um acabament o futuro. Ele busca
A outra confirmação vem de uma referência extre-
uma diferença: trata-se, mais uma vez, da busca da
mamente presente na reflexão foucaultiana dos últimos
diferença que caracteriza não apenas "a atitude da
anos, que o filósofo faz ao texto de Kant, "O que é o
modernida de", mas o ethos que nos é próprio, quer
Iluminismo?" 39• No centro do texto de Kant, há o pro-
blema da atualidade como marca de passagem à dizer, a problematização filosófica. A filosofia só é uma
modernidade. Para Kant, pôr a questão da pertinência ética à medida que ela se dá como pensamen to da
a sua própria atualidade é - comenta Foucault - diferença ou ainda, o que dá no mesmo, como pensa-
interrogar essa atualidade como um acontecimento cujo mento do comum. E, da mesma maneira, a extraordi-
sentido e singularidade é preçiso exprimir, e pôr a nária coerência do pensament o de Foucault só se dá
questão da pertinência a um "nós" c~rrespondente a no ~sco de si, ou seja, na coragem da problemati zação
essa atualidade, ou seja, formular o problema da comu- contínua de sua própria posição. "Acreditava afastar-se
nidade da qual fazemos parte. Reencontramos, portan- e se encontra na vertical de si"42 : a coragem e a digni-
to, os temas que já ressaltamos: acontecimento, singu- dade do filósofo é essa verticalida de.
laridade, comunidade. Mas é preciso também entender
que, se retomamos hoje a idéia kantiana de uma
"ontologia crítica do presente", é não apenas para
compreender o que funda o espaço de nosso discurso,
mas também para delinear seus limites. Assim como
· Kant "busca uma diferença: que diferença ele introduz
hoje com relação a ontem?""°, devemos, por nossa vez,
buscar resgatar, fora da contingência histórica que nos
faz ser o que somos, possibilidades de ruptura e de

39. O índice dos DitJ et écrits permite destacar 12 ocorrências entre 1981
e 1984.
40. M. Foucault, "What is Enlightenment7", DitJ et écrits, IV, pp. 562- 41. Ibid.
578. Grifo meu. 42. M. Foucault, "Usages d l ..
es P a1S1rs et techniques de soi", op. cit.

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