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A documentação pessoal

Plano do capítulo 8:

 Introdução
 A ficha e o fichário
 A documentação bibliográfica
 A documentação temática
 A documentação geral

INTRODUÇÃO

As atividades de sublinhar, esquematizar e resumir textos, tais como foram apresentadas até
aqui, constituem preciosos auxiliares da leitura e exercem um papel de apoio inestimável à
análise e à síntese de conteúdos. Também já mencionamos a importância de qualquer
trabalhador intelectual – e nessa categoria incluem-se os estudantes em geral – formar sua
própria biblioteca, desenvolvê-la progressivamente e dela retirar grande proveito. Agora
devemos abordar a documentação pessoal, seus méritos, seus fundamentos e seu exercício
prático.

Para justificar os méritos da documentação pessoal basta um único argumento: a falibilidade da


memória. É verdade que em nossos dias já não se pode alegar tão frequentemente a carência de
fontes de consulta e informação para a realização de qualquer trabalho intelectual. As
universidades e faculdades estão distribuídas por quase todo o território nacional, com seus
corpos docentes e bibliotecas à disposição dos interessados; as editoras enviam números
crescentes de livros às livrarias, lançando quase diariamente obras originais ou traduzidas sobre
os mais diversos assuntos e especialidades; as bibliotecas públicas e especializadas já contam
com acervos razoáveis de publicações; e sempre há a possibilidade de uma consulta específica
aos centros de documentação existentes pelo mundo afora. Tudo isso é verdadeiro, mas não
invalida a necessidade de cada trabalhador intelectual possuir sua própria biblioteca. Da mesma
forma, e com mais razão, não invalida a prática da documentação pessoal, pois nela se encontra
ainda o melhor instrumento auxiliar de apoio à memória de maneira prática e imediata.

Ante a complexidade e a variedade das informações que recebemos diariamente, através do


estudo e dos mais diferentes meios de divulgação, seria pedir muito que a nossa mente fosse
capaz de reter tudo, mesmo que o fizesse com um mínimo de exatidão. Talvez não se possa
confiar a ela a retenção de até o essencialmente indispensável para o exercício de nossa
atividade intelectual. Assim, a resposta à natural da deficiência da memória é suprida pela
documentação pessoal sistemática. Sem ela o proveito do estudo corre sério risco de perder-se
com o tempo. Sem ela o intelectual está sempre sujeito a entrar em dúvida quanto à providência
correta a adotar no momento em que elabora um trabalho, desenvolve um estudo ou tem uma
ideia que requer fundamentação.

Há quem argumente que nessas situações é sempre possível recorrer-se a um centro de


documentação, uma biblioteca, uma fonte específica de consulta. Mas, vale perguntar aos
defensores desses argumentos: se a memória é falível, como ativá-la corretamente para que
encontre a fonte precisa do que necessitamos, no momento preciso em que é requerida?

A documentação pessoal supre a necessidade da informação prévia até mesmo para orientar a
pesquisa em outras fontes de consulta, estabelece um diálogo permanente com a memória e
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estimula constantemente a criatividade intelectual. A tudo isso, acrescenta ainda as vantagens de
ser prática (quando bem feita) e estar sempre à disposição.

Os estudiosos da sistematização da documentação pessoal costumam salientar a importância de


o seu exercício ser praticado constantemente no estudo e na aprendizagem, tornando-se um
hábito indissolúvel do estudo. Isso significa que se deve documentar ideias, leituras, aulas,
conferências, debates, seminários, experiências práticas, enfim, tudo o que é documentável na
área de interesse do estudante.

Obviamente não se pretende com isso afirmar que a documentação pessoal tenha de registar
tudo o que se estuda, aprende, lê ou escuta, mas apenas aquilo que tem importância
significativa. Uma documentação global, abrangendo tudo, seria inútil, pois requereria o
emprego das vinte e quatro horas de todos os dias somente para efetuar-se. Assim, a atitude a
adotar é considerar como documentável apenas o material que tenha real importância e utilidade
em função de nossa atividade intelectual, seja ela de estudos académicos ou de desenvolvimento
profissional.

Quanto à forma de documentar, a orientação geral indica que se usem fichas no tamanho
conveniente para conter as informações merecedoras de registo. (O hábito adquirido nos cursos
médios de proceder à documentação em cadernos não é recomendável por tornar a consulta
posterior pouco prática, quando não impossível.) Essas fichas serão organizadas em fichários,
cuja organização para consulta posterior pode variar muito de indivíduo para indivíduo. Como a
documentação pessoal deve, evidentemente, servir às necessidades pessoais, individuais, do
trabalhador intelectual, aqui só apresentaremos algumas sugestões de procedimento a título de
guia geral. Cada um as adaptará à sua própria conveniência e gosto.

Quanto à forma de classificação, é já tradicional a divisão em três grupos básicos assim


constituídos: documentação bibliográfica, documentação temática e documentação geral.
Veremos adiante em que consistem.

A FICHA E O FICHÁRIO

Toda a ficha de registo, também chamada de ficha de conteúdo, deve apresentar um cabeçalho
geral, informando claramente o título do documento e a fonte de onde foi obtido o material
registado. Ao ser preenchida, de preferência à máquina, deve-se prestar muita atenção na
transcrição dos dados essenciais da fonte (nome do autor, título da obra, capítulo, citação,
número da página de onde foi extraída a citação etc.), a fim de que sua função indicadora não
fique deturpada por erro de anotação. A fidelidade de indicação é condição indispensável para
esse tipo de documento.

No preenchimento da ficha de conteúdo com transcrições, anotações, esquemas, resumos e


nossas próprias ideias, é fundamental adotar-se um código de marcação, a fim de tornar
facilmente identificável a natureza do registo. Por exemplo, para essa finalidade Délcio Vieira
Salomon indica o uso de aspas (“...”) para os casos de citações diretas; o asterisco ao lado (*)
para a identificação de resumos; duas barras (/..../) para as ideias pessoais, distinguindo-as das
de outras pessoas. O interessado, porém, pode adotar qualquer espécie de marcação codificada
(sublinhar, cores diferentes, sinais convencionais etc.) que lhe parecer mais conveniente,
contanto que mantenha o mesmo código em todo o trabalho da documentação pessoal – caso
contrário as informações o confundirão e a documentação perderá uma parte considerável de
seu valor.
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Além das fichas de conteúdo é recomendável também a preparação das fichas de chamada, um
pouco mais altas, cuja finalidade é separar no fichário os diferentes temas de registo. Como
simples indicadoras de assunto, elas não devem conter mais que o título do assunto que separam
no interior do fichário.

A prática tem demonstrado que a organização do fichário por alfabetação é pouco funcional,
sobretudo por que impede que fichas sobre um mesmo assunto, mas com títulos diferentes,
permaneçam juntas. Há distintas maneiras de se corrigir esse inconveniente que obriga a
examinar todo o fichário para localizar-se a documentação completa sobre um mesmo assunto
ou assunto estreitamente correlato. Dentre elas, porém, a mais prática é o sistema indicado por
Délcio Vieira Salomon (op. Cit., p. 11-112), que consiste em uma mescla da alfabetação e do
sistema de classificação decimal.

O sistema decimal cataloga em 10 grandes áreas o universo do saber, cada uma das quais
podendo ser dividida e subdividida à vontade. Cada área recebe uma numeração, de modo que
as divisões e subdivisões são numeradas segundo um critério semelhante ao sistema decimal,
com a quantidade de números aumentando de acordo com a maior especificidade do assunto.
Por exemplo: o número 10.03.24 corresponderia à Filosofia (10), Filosofia da Ciência (10.03,
por ser a terceira divisão da Filosofia), Hipóteses da Filosofia da Ciência (10.03.24, por ser a
vigésima quarta subdivisão da Filosofia da Ciência). Naturalmente o sistema requer a
elaboração de todo um catálogo pessoal que sirva de índice para a correta numeração das
subdivisões, espécies etc.

O sistema misto evita o catálogo, permitindo que as próprias fichas de chamada constituam o
índice do fichário. Sua aplicação prática é bastante simples e não exige qualquer especialização
em documentação:

1. Para que as fichas de chamada possam ser usadas como classificadores-índices, devem
ser de dois tipos: um com saliência central para a inscrição do título dos géneros mais
abrangentes, outro com saliência lateral, com os títulos indicadores das divisões ou
classificações mais específicas dos grandes géneros abrangentes. Em outras palavras, o
sistema permite que o fichário fique classificado por meio das grandes secções
indicadas pelas fichas de saliência central. Por sua vez, essas secções receberão a
indicação de subsecções pelas fichas de saliência lateral- e cada ficha de subsecção terá
atrás de si o conjunto de fichas de conteúdo.
2. As fichas de chamada indicadoras das subsecções podem ser organizadas por meio da
alfabetação de seus títulos ou segundo uma classificação adequada à natureza da
documentação.
3. As fichas de conteúdo serão adequadamente distribuídas atrás das suas fichas
indicadoras de subsecção. Sua organização também poderá ser por alfabetação (de
acordo com o título) ou por outro critério adotado pelo interessado.

A DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

A documentação bibliográfica é formada pelo registo de informações específicas sobre livros,


revistas, apostilas, artigos de jornais e revistas, folhetos, teses de graduação etc. Ela deve ser
feita à medida que o estudante vai tomando contacto com os diferentes textos ou com
informações sobre determinados trabalhos escritos, tais como críticas, resenhas, apresentações

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etc., sobre determinado livro ou assunto que possa ser do interesse imediato ou mediato para a
sua atividade intelectual.

A ficha de conteúdo deve conter no cabeçalho o nome do autor ou autores, o título do texto
(livro, artigo etc.) fichado, o local da publicação, o nome da editora e demais informações
bibliográficas pertinentes à correta identificação do que se trata. Somente após esses dados é
que tem início o registo que se deseja fazer.

Muitas vezes a ficha de documentação bibliográfica é aberta e classificada no fichário com


apenas o registo de um mínimo de informações. Ela será paulatinamente completada à medida
que o estudante for ganhando maior familiaridade com o texto e submetendo-o às diferentes
etapas de sua análise. Considera-se ideal para esse tipo de documento que o registo final
corresponda ao resumo da análise temática do texto. Contudo, pode continuar aprofundando-se
para apresentar o resultado da análise interpretativa.

Como cuidado especial na anotação das fichas deve-se dar atenção para as várias informações
sejam acompanhadas pela indicação entre parênteses da numeração das páginas a que se
referem.

A DOCUMENTAÇÃO TEMÁTICA

A documentação temática tem a finalidade de coletar elementos para o estudo ou pesquisa


dentro de determinada área. No início ela pode ser orientada de acordo com a estrutura
curricular de uma disciplina específica ou de todo um curso. Se corresponder a todo um curso,
então cada disciplina deverá ter sua própria secção no fichário.

O registo temático é mais abrangente que o bibliográfico, pois a elecorresponde assegurar a


manutenção de informações não apenas extraídas de leitura, mas também de aulas, conferências,
seminários, trabalhos e debates de grupos de estudo etc. Nele devem igualmente constar as
ideias do estudante, para que não se percam com o passar do tempo. Por tudo isso o estudante
deve habituar-se a transpor para as fichas de conteúdo os apontamentos tomados em classe, e
fazê-lo de modo sistemático, a fim de tê-los à disposição para consulta no momento oportuno.

É recomendável que o preenchimento das fichas evite longas transcrições. A ficha deve
funcionar como lembrete; portanto, oferecer apenas informações resumidas. Se bem feita e
indicando corretamenteas fontes, tudo que se deseja dela é que seja breve, mas suficientemente
clara para permitir a compreensão de seu conteúdo em consulta realizada muito tempo depois da
data da anotação. Por isso, a extensão e a quantidade das transcrições não podem ser medidas
com réguas ou litros. Havendo real necessidade, é recomendável que os registos apresentem as
transcrições consideradas indispensáveis. A experiência pessoal de cada um é que determinará a
sua extensãoe quantidade em cada caso particular.

A DOCUMENTAÇÃO GERAL

Ao contrário das anteriores, a documentação geral não é feita em fichas, mas em pastas. Sua
função é a organização e preservação de documentos extraídos de fontes pouco acessíveis ou
perecíveis. Recortes de jornais e revistas, cópias xerocadas de capítulos, trechos de apostilas e
livros esgotados, folhetos, tabelas, estatísticas, mapas, gráficos etc., tudo isso constitui
documento complementar da bibliotecapessoal e deve ser cuidadosamente montado em folhas
brancas de papel de formato ofício. Essas folhas serão então organizadas em pastas e

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devidamente catalogadas por assunto. Sempre que for o caso, devem ter registo em ficha de
documentação bibliográfica ou temática para classificação no fichário.

Aconselha-se que a montagem nas folhas de papel de formato ofício observe o cuidado de
deixar espaço suficiente para a anotação completa da origem do documento. Ou seja, nenhum
documento deve ser montado em pasta sem estar devidamente identificado com o nome do
artigo ou obra de onde foi extraído: do jornal ou revista em que foi publicado; da conferência,
do seminário ou ciclo de estudos em que foi apresentado ou discutido; o nome do autor ou
autores, a data da publicação e a página ou páginas que ocupava na fonte original.

SILVEIRA BUENO, Francisco


A arte de escrever
Saraiva, São Paulo, 1949,p. 101
Causas do estilo áspero
´´Entre as mais comuns, notamos: 1) a repetição frequente dos ´´quês`` ; 2) a pontuação
exagerada; 3) as ligações defeituosas; 4) a falta de leitura poética, em voz alta; 5) a sequencia da
sibilante ´´s``; 6) a sucessão de palavras fortes``.
Fig. 8.1 – Exemplo de ficha de conteúdo.

Fig. 8.2 – Exemplos de fichas de chamada.

VERDADE CIENTÍFICA
´´A ciência jamais persegue o objectivo ilusório de tornar finais ou mesmo prováveis suas
respostas. Ela avança, antes, rumo a um objectivo remoto e, não obstante, atingível: o de sempre
descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais, e de sujeitar suas respostas, sempre
provisórias, a testes sempre renovados e sempre mais rigorosos``.
Popper, K. A lógica da pesquisa cient., p. 308

´´Embora não possa alcançar a verdade nem a probabilidade, esforço por conhecer e a busca da
verdade continuam a ser razões mais fortes da investigação científica``.
Idem, Ibidem, p. 506

Fig. 8.3 – Exemplo de ficha de documentação temática.

LINGUISTÍCA
JAKOBSON, Roman
1973 Linguística e comunicação
São Paulo, Cultrix, 6 ed.
162 p.
Tradução de Isidoro Blikstein e José Paulo Paes

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Prefácio de Isidoro blikstein
O livro trata das relações da Linguistíca com a linguagem dos antropólogos; aspectos
linguistícos da tradução; a Linguística e a teoria da comunicação etc. Traz bibliografia em nota
de rodapé apenas.
Dar especial atenção ao cap. ´´A procura da essência da linguagem``.

Fig. 8.4 – Exemplo de ficha de documentação bibliográfica.

QUESTÕES PARA AUTO-AVALIAÇÃO

Se você realmente compreendeu o conteúdo deste capítulo, tente responder às questões


apresentadas abaixo. Para melhor aproveitamento, selecionealgumas delas como tema para um
trabalho, ou como assunto para discussão com alguém.

1. Pode-se confiar na retenção da memória para pelo menos guardar o indispensável para o
exercício da atividade intelectual?
2. Que vantagens oferece o esforço de preparar uma documentação pessoal?
3. É possível dizer-se que a documentação pessoal dispensa inteiramente o uso da
memória? Porquê? Ela é infalível?
4. É desejável registar tudo o que se conhece na documentação pessoal? Por quê?
5. De que maneira deve ser preparada a documentação? Existe alguma orientação prática
nesse sentido? Se existe, qual é?
6. Que diferença há entre preparar a documentação em fichas ou em cadernos? Qual das
duas é mais prática?
7. Existe algum tamanho padronizado para as fichas de conteúdo?
8. Qual é a diferença entre uma ficha de conteúdo e uma ficha de chamada?
9. Quais são os elementos que devem constar do preenchimento de uma ficha de
conteúdo?
10. Qual é a principal objeção contra a organização do fichário pela simples ordenação
alfabética das fichas?
11. Há alguma vantagem em se possuir dois tipos de fichas de chamada? Em que consiste?
12. Quais são as diferenças básicas entre a documentação bibliográfica e a documentação
temática?
13. Que elementos são anotados nas fichas de documentação bibliográfica e nas fichas de
documentação temática?
14. Que benefício traz a preparação de uma documentação geral?

In” Galliano, A. G. (1979) O Método Científico: Teoria e Prática. S.


Paulo: Editora Mosaico, pp .99- 104

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