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Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União

Gabinete do Procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA


UNIÃO

Com fundamento na competência conferida pelo art. 84 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 6º,
inciso XVIII, alínea “c”, da Lei Complementar 75/1993, e com os artigos 236 e 237, inciso VII, do
Regimento Interno do TCU, o Ministério Público oferece:

REPRESENTAÇÃO,

para apurar possível irregularidade na contratação, alegadamente emergencial, por parte do Ministério da
Saúde (MS), de empresa para fornecer serviço de atendimento automatizado por via telefônica, no valor
de R$ 46.800.000,00.

RESUMO DOS FATOS

Em 2 de abril último, o Ministério da Saúde, com base em dispensa de licitação, celebrou


contrato com a empresa Talk Telecom Comércio de Equipamentos de Informática e Serviços
Empresariais Ltda., para propiciar atendimento automatizado telefônico, em face da pandemia da covid-
19. O objetivo básico do acerto, ao que se entende, foi propiciar um sistema de filtragem e
direcionamento das chamadas telefônicas de cidadãos que viessem a buscar o serviço de atendimento pré-
clínico (telemedicina), este contratado poucos dias antes com a empresa Topmed, no valor de R$
144.009.900,00.
Como consta da documentação em anexo, o Ministério declara que procurou empresas
interessadas na tarefa, e que apenas duas acorreram à chamada, tendo sido contratada aquela que menor
preço ofereceu. Para tanto, encaminhou cópias de três pesquisas no Portal de Preços do Ministério da
Economia e uma pela ferramenta Google, todas sem sucesso; não explicou, porém, como chegou às duas
empresas que ofereceram proposta.
Por fim, o valor do contrato (R$ 46.800.000,00) corresponde à estimativa de cento e vinte
milhões de chamadas durante os seis meses de sua vigência, ou seja, vinte milhões de telefonemas por
mês. Como dito, trata-se de uma atividade prévia e subsidiária à de telemedicina, onde o Ministério
previu o número de um milhão e meio de atendimentos mensais. Assim, deduz-se que, de cerca de treze
chamadas para o serviço automatizado, apenas uma chegaria ao serviço de telemedicina.

CONSIDERAÇÕES

A contratação da Talk Telecom denota problemas bem semelhantes àquela que envolveu a
acima citada Topmed. Não por coincidência, o contrato do Ministério com a Topmed foi objeto de outra

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representação, por parte deste representante do Ministério Público (que tramita no TCU sob o número
018.717/2020-9), em face de sérios indícios de irregularidades.
Uma vez que ambas contratações se apoiam num único objetivo declarado, a saber,
contribuir para o isolamento social, o primeiro ponto em comum é que são meios quase ineficazes para tal
propósito. Como exposto na representação sobre a Topmed, o processo de telemedicina, pelo tamanho e
gastos em que incorre, não se presta a uma solução ad hoc, ou seja, limitada à orientação, atendimento e
monitoramento somente ao tópico Covid-19. A prática mundial indica que o atendimento pré-clínico é
incumbência de ordem permanente e universal. Sem a pretensão de interferir em decisões de ordem
política e técnica do Ministério, contudo permenece a competência do Parquet em fiscalizar gastos
inconsistentes com a motivação dos atos e contrato administrativos, sobretudo neste momento.
O segundo ponto em comum manifesta-se na inteira anuência e submissão do Ministério à
proposta que as empresas ofereceram. Cada ofício, cada despacho, cada minuta, seguem, religiosamente,
o que a empresa quer vender. Não se observam negociações, contrapropostas, discordâncias, mas apenas
a aceitação, praticamente incondicional, dos termos postos por pessoas jurídicas privadas. Pode-se mesmo
ir além: no caso da contratação de serviços de telemedicina, o Ministério, sem motivo aparente, quase
quadruplicou o preço por cada atendimento pré-clínico (de R$ 5,80 para R$ 21,33); no caso presente, de
atendimento automatizado, a contratada comunicou sua expectativa de trabalhar com cem milhões de
chamadas telefônicas, e assim, generosamente, o Ministério terminou por contratar cento e vinte milhões
de ligações.
O terceiro ponto coincide na tentativa meramente formal de procurar outros fornecedores
de serviço. Embora os contratos tivessem sido autorizados por dispensa de licitação, é dever de todo
gestor público empregar o esforço possível para tornar a aquisição a mais econômica possível, em face do
tempo que dispõe e da situação em que se encontra. Também aí a atuação ministerial ficou muito abaixo
do razoável. No contrato com a Topmed, alegou que não conhecia outra empresa, bem como que o
sistema de consulta de preços federal estava indisponível para consulta (curiosamente o contrato permitiu
a subcontratação, e só se faz isso caso se reconheça a existência de outras empresas capazes para a tarefa);
já no presente caso, foram feitas quatro pesquisas, três pelo sistema de preços federal (estava funcionando
naquele momento) e uma por ferramenta de busca na Internet. Descartando duas pesquisas que não
mostram o critério de busca (foram feitas por voz), restaram outras duas, realizadas utilizando-se o termo
estrangeiro chatbot. O sistema de preços público não retornou nenhum resultado sob esse critério, e a
ferramenta Google até que apresentou vários resultados, mas, ao que parece, não despertaram o interesse
do gestor.
Enfim, todos esses graves equívocos nos processos de contratação, naturalmente, vêm
surtindo efeitos perniciosos ao contribuinte. Segundo informação recente de 11 de maio atribuída ao
Ministério da Saúde (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/11/mp-tcu-ministerio-
saude-telemedicina-coronavirus-sobrepreco-manipulacao.htm), foram realizados 78.000 atendimentos de
telemedicina, ou seja, trancorridos 25% do prazo do contrato, não chegou a 1% da demanda contratada;
no caso da presente contratação, no mesmo prazo foram 911 mil telefonemas no atendimento
automatizado (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/13/investigacao-telemedicina-
telesus-coronavirus-911-mil-atendimentos.htm), menos de 0,8% do estimado, com a agravante, neste
caso, de que o Ministério se obrigou a pagar pelas 120 milhões de chamadas, ocorram ou não.

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Gabinete do Procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico

PROPOSTA

Por esta peça processual, o Representante do Ministério Público demanda seja conhecida a
presente Representação, para que o Tribunal apure as possíveis irregularidades cometidas pelos gestores
do Ministério da Saúde à época do ocorrido, e aplique, em sendo o caso, as sanções tipificadas na Lei
Orgânica e no Regimento Interno. Em razão da acentuada correlação entre este contrato e o referente ao
atendimento pré-clínico, objeto do mencionado processo TC 018.717/2020-9, sugere que ambos sejam
analisados em conjunto pela unidade técnica.
Informa-se, nesta feita, que cópia da presente Representação será encaminhada ao Exmo.
Sr. Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União, ao Exmo. Sr. Secretário-Executivo do Ministério
da Saúde, ao Sr. Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal e a representante do Ministério
Público Federal, para conhecimento e providências que porventura se fizerem pertinentes.

Ministério Público, em 14 de maio de 2020.


(Assinado Eletronicamente)
Marinus Eduardo De Vries Marsico
Procurador

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