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TJPA - 2º Grau

PJe - Processo Judicial Eletrônico

31/05/2021

Número: 0804690-43.2021.8.14.0000
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Órgão julgador colegiado: 2ª Turma de Direito Público
Órgão julgador: Desembargador JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO
Última distribuição : 25/05/2021
Valor da causa: R$ 444.000,00
Processo referência: 0800541-33.2021.8.14.0055
Assuntos: Abuso de Poder, Contratos Administrativos
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MENDES E MENDES ADVOCACIA (AGRAVANTE) DIORGEO DIOVANNY STIVAL MENDES DA ROCHA LOPES
DA SILVA (ADVOGADO)
VYCTOR ALBERTO DOS SANTOS TRINDADE (ADVOGADO)
PARA MINISTERIO PUBLICO (AGRAVADO)
Documentos
Id. Data Documento Tipo
5271675 31/05/2021 Decisão Decisão
18:55
Agravo de Instrumento nº 0804690-43.2021.8.14.0000 - PJE

Decisão

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão que determinou a


suspensão dos contratos administrativos (e a sustação das correspondentes ordens de
pagamento) firmados entre Mendes e Mendes Advocacia (Agravante) e o Município de São
Miguel do Guamá e a Câmara Municipal de São Miguel do Guamá.

O agravante alega, em suma, que não há qualquer irregularidade no processo de


contratação dos seus serviços, pactuados com inexigibilidade de licitação, pelo Município de São
Miguel do Guamá e pela Câmara Municipal de São Miguel do Guamá

Assim, requer o deferimento do efeito de suspensivo ao recurso. Ao final, pede o


seu provimento.

É o relatório necessário.

Decido acerca do pedido de efeito suspensivo.

Conheço do recurso, pois presentes os seus pressupostos processuais de


admissibilidade.

Os autos de origem cuidam de “tutela antecipada requerida em caráter


antecedente”, proposta pelo Ministério Público do Estado do Pará em face do Município de São
Miguel do Guamá, da Câmara Municipal de São Miguel do Guamá e de Mendes e Mendes
Advocacia.

Nessa demanda, o Parquet alega ter instaurado inquérito civil público para
apuração de possíveis irregularidades na contratação do escritório Mendes e Mendes Advocacia,
pactuada com inexigibilidade de licitação, pelo Município de São Miguel do Guamá e pela Câmara
Municipal de São Miguel do Guamá, e que estariam violando os princípios fundamentais da
administração pública e a lei de licitações.

Nesse sentido, argumentou o Parquet que a contratação se deu sem a


observância do inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, isso porque o agravante não teria
preenchido o requisito da notória especialização. Asseverou que o sócio que possuía certificação,
encontra-se licenciado do escritório, desde o ano de 2019, bem como impossibilitado de advogar,
tendo em vista que ocupa a presidência do IGEPREV.

Por outro lado, sustentou que que o sócio administrador, e restante, o único apto
a advogar, Sr. Diorgeo Diovanny Stival Mendes da Rocha Lopes da Silva não tem certificação
comprobatória do requisito da notória especialização, além de responder a ação penal nº
00015222220168140039, por supostamente praticar os crimes do art. 171, 168 inc. iii c/c art. 29 e

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69 do Código Penal Brasileiro, o que, afirma, demonstraria a falta de inidoneidade do mesmo para
tais serviços.

Ademais, reputou como ilegal o fato de o mesmo advogado prestar


simultaneamente serviço à Prefeitura Municipal e à Câmara de Vereadores do mesmo Município.
Além disso, aduziu que os valores contratados estão bem acima dos praticados no mercado.

O agravante, por sua vez, argumenta que possui a notória especialização exigida
pela lei de licitações. Nesse contexto, alega que tem atuação destacada na seara do direito
público, prestando serviços jurídicos a diversos munícipios do Estado, além de possuir em seu
quadro advogados com a competência necessária para tanto.

Afirma que a ação penal referida pelo Ministério Público ainda está em curso, de
modo que não pode servir de justificativa para caracterização de idoneidade, tendo em vista o
princípio da presunção de inocência consagrado pela Constituição da República.

Por outro lado, argumenta que os valores contratados estão compatíveis com os
praticados no mercado, não havendo, portanto, qualquer irregularidade nesse sentido.

Pois bem. Cediço que para que haja a antecipação dos efeitos da tutela em Agravo de
Instrumento é necessário demonstrar elementos que evidenciem o direito alegado, bem como
comprovar a possibilidade de a decisão agravada acarretar à parte grave dano ou de difícil
reparação.
Da análise dos elementos coligidos nos autos deste recurso, verifico, em caráter de cognição
sumária, a existência de evidências do direito alegado pelo agravante.
A contratação de serviços advocatícios pelos entes público deve se submeter, em regra, ao
processo licitatório, excepcionadas as situações em que se tratar de serviços de natureza singular
a ser realizado por profissional de notória especialização.
Na espécie, vislumbro nos documentos juntados pelo recorrente evidências quanto à sua notória
especialização em relação aos objetos dos contratos administrativos em questão.
Como se sabe, essa notoriedade constitui requisito indispensável à adoção do regime
inexigibilidade da licitação prevista no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:


(...);
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza
singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para
serviços de publicidade e divulgação;
(...).

Nesse sentido, verifico que o recorrente goza de destacada experiencia na atuação do direito
público, prestando serviços advocatícios a diversas prefeituras de municípios paraenses, tendo
em seus quadros advogados especializados nesse ramo jurídico (não apenas o sócio que se

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encontra licenciado do escritório). Ademais, o agravante é associado da Associação Brasileira de
Relações Institucionais e Governamentais.
De mais a mais, há nos autos certidão de capacidade técnica do agravante.
Com efeito, sobre serviços profissionais especializados, diz o artigo 13 da Lei nº 8.666/93:

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os
trabalhos relativos a:
(...);
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
(...).

Ademais, é evidente a natureza singular da “prestação dos serviços especializados em gestão de


governança pública, auditoria, due diligence, matriz de risco coorporativa, compliance e outros,
com ênfase na administração pública, nas demandas de interesse da Prefeitura Municipal de São
Miguel do Guamá -Secretarias integradas.”
Por outro lado, o Parquet sustenta a inidoneidade de um dos sócios do agravante pelo fato estar
respondendo à acusação em processo penal. Acontece que esse feito está em curso, ou seja,
ainda não houve trânsito em julgado. Logo, tal imputação (inidoneidade) é descabida, tendo em
vista o princípio constitucional da presunção de inocência.
No que concerne à afirmação de haver ilegalidade no fato de o mesmo advogado
prestar simultaneamente serviço à Prefeitura Municipal e à Câmara de Vereadores do mesmo
Município, entendo que tal afronta à ordem jurídica não procede, isso porque os objetos de cada
contrato são distintos.

Nesse contexto, o contrato com a Câmara Municipal de São Miguel do Guamá


tem por objeto a prestação de serviços advocatícios em questões administrativas e judiciais.

Já o contrato com a Prefeitura tem por objeto “prestação dos serviços


especializados em gestão de governança pública, auditoria, due diligence, matriz de risco
coorporativa, compliance e outros, com ênfase na administração pública, nas demandas de
interesse da Prefeitura Municipal de São Miguel do guamá - Secretarias integradas.

Essa distinção afasta, a princípio, potencial conflito de interesses na atuação do


agravante.

Com efeito, eventual conflito que se verifique na prestação efetiva dos serviços
pode ser denunciada às autoridades competentes, não sendo justo presumir, neste momento, a
má-fé dos contratantes para anular previamente os contratos com base em simples suposições
futuras.

Em relação aos valores contratados, de R$ 336.000,00 com a Prefeitura e de R$


108.000,00 com a Câmara Municipal, não tenho como afirmar categoricamente, neste momento,
se estão em patamares muitos superiores aqueles praticados no mercado, tendo em vista a
ausência de parecer técnico nesse sentido, até porque, em se tratando de serviços advocatícios,

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o menor preço pode não assegurar a qualidade do serviço que o objeto singular da contratação
demanda.

Nesse contexto é válido citar o seguinte precedente do Superior Tribunal de


Justiça:

DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO EM RESP. ACP POR IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PELO ENTÃO
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PASSOS/MG PARA AUXÍLIO JURÍDICO EM PERÍODO
DE ASSUNÇÃO DE MANDATO. PRETENSÃO JULGADA IMPROCEDENTE PELA
CORTE DE ORIGEM. ACÓRDÃO REFORMADO NESTA CORTE SUPERIOR POR
DECISÃO MONOCRÁTICA, PARA CONDENAR OS DEMANDADOS ÀS SANÇÕES DA
LEI 8.429/1992. PRETENSÃO, NESTE AGRAVO INTERNO, SE RESTABELEÇA O
ACÓRDÃO DAS ALTEROSAS. DE FATO, O TRIBUNAL DE ORIGEM, COM ESTEIO NO
QUADRO EMPÍRICO REPRESADO NO CADERNO PROCESSUAL, ATESTOU A
NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS E A SINGULARIDADE DO
SERVIÇO, RAZÃO PELA QUAL A CONTRATAÇÃO SE ENCARTA EM INEXIGIBILIDADE
DE LICITAÇÃO. CONDUTA ÍMPROBA INEXISTENTE. AGRAVO INTERNO DAS
PARTES DEMANDADAS PROVIDO PARA DESPROVER O APELO RARO DO AUTOR
DA AÇÃO. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se resulta em ato de improbidade
administrativa a contratação, sem prévio procedimento de licitação, para assessoramento
jurídico de Prefeito, que estava a assumir mandato. 2. De início, é de se registrar o art.
5o. do Código de Ética da nobre profissão de Advogado (Resolução 2/2015, do Conselho
Federal/OAB), segundo o qual o exercício da Advocacia é incompatível com qualquer
procedimento de mercantilização. 3. Efetivamente, submeter a contratação do serviço
advocatício a procedimento licitatório é estabelecer a lógica de preço e de técnica a
questões que, enxergadas sob a ótica do mercado, perdem o seu valor. Sobre esse tema,
vale conferir a tese do Professor MICHAEL SANDEL na obra O que o dinheiro não
compra (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012). Certas situações, quando
encaradas sob a perspectiva de compra e venda, se subvertem, isto é, no caso do
serviço advocatício, o elemento confiança, que integra o conceito de melhor
técnica, se perde quando se busca um profissional pelo menor preço a partir da
licitação. Consequentemente, não se alcança a chamada proposta mais vantajosa
para a Administração Pública, que nem sempre é a mais em conta. 4. Por
consequência, pode-se dizer que todas as vezes em que o Administrador Público
convoca diretamente um Advogado para um serviço específico, a singularidade está
automaticamente vertida na relação, uma vez que a confiança, por ser elemento
integrativo fundamental entre Parte e Advogado, torna, por si só, única a contratação. 5.
Mesmo que não se adote essa linha interpretativa, esta Corte Superior tem a diretriz de
que a contratação direta de serviços de Advocacia deve estar vinculada à notória
especialização do prestador do serviço e à singularidade do objeto contratado (hipóteses
incomuns e anômalos), caracterizando a inviabilidade de competição (Lei 8.666/93 - arts.
25, II e 13, V), avaliada por um juízo de razoabilidade (AgRg no AgRg no REsp.
1.288.585/RJ, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 09.03.2016). 6. Na presente demanda,
o Tribunal de origem, ao analisar os elementos factuais e probatórios que se represaram
no caderno processual, atestou que os profissionais tinham notória especialização (fls.
1.219) e desempenharam serviço singular (transição de governo), razão pela qual a
contratação estava dentro das exigências previstas na Lei 8.666/1993. 7. Há, no acórdão
das Alterosas, informações suficientes a que esta Corte Superior mantenha o decreto
absolutório, pois, constatada a notória especialização do Advogado e a singularidade dos

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serviços, não se pode concluir que a declaração de inexigibilidade de processo licitatório
seja causa material de ato ímprobo. A decisão agravada merece reproche. 8. Agravo
Interno das partes implicadas provido para desprover o Apelo Raro do autor da ação.
(STJ - AgInt no AgRg no REsp: 1330842 MG 2011/0109678-0, Relator: Ministra REGINA
HELENA COSTA, Data de Julgamento: 07/11/2017, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJe 19/12/2017 RSTJ vol. 249 p. 319). (Grifei).

Dessa forma, estão presentes os elementos previstos no artigo 300 Código de


Processo Civil necessários à concessão da tutela recursal de urgência.

Desse modo, defiro a tutela antecipada recursal para determinar a manutenção


dos contratos administrativos firmados entre o escritório MENDES E MENDES ADVOCACIA E
CONSULTORIA com a PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL DO GUAMÁ (contrato nº
08/2021) e com a CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL DO GUAMÁ (contrato nº 08/2021).

Intime-se o agravado para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal.

Após, conclusos.

JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO

Desembargador Relator

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