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Terceira e última edição...

5
1. Apresentação ............ 12
2. Obama quer que os
Estados Unidos sejam
conquistados pela Rússia
ou pela China ................ 17
3. A ecologia foi inventada
numa espécie de projeto
Manhattan .................... 22
4. Democratizar o ensino é
quase tão nefasto quanto
distribuir pedras de crack
na merenda .................. 26
5. Pecado é coisa de pobre
................................... 32
6. Chega de liberdade de
expressão! .................... 40
7. A imprensa é uma
ameaça à civilização e à
espécie humana ............ 44
8. As crianças são
programadas pela
psicologia e serão
programas pela engenharia
genética ....................... 48
9. Os fins justificam os
meios........................... 53
10. Desconstruindo Olavo
de Carvalho I ................ 63
11. Desconstruindo Olavo
de Carvalho II ............... 70
12. Sobre a física
aristotélica .................... 82
13. Sobre a física clássica
................................... 99
14. Sobre o ateísmo de
Newton ...................... 111
15. Sobre o darwinismo 118
16. Sobre Kant ............ 136
17. Herrar é umano ..... 157
18. Um pouco de filosofia
................................. 158
19. O tempo na primeira
antinomia de Kant ....... 160
20. A origem do universo
na física contemporânea
................................. 165
21. O tempo na física
contemporânea ........... 174
22. Sobre mim ............ 201
23. Papai Noel existe
mesmo!...................... 206
Terceira e última
edição
Este livrinho (formatado
para celulares) é mais do
que suficiente para mostrar
que o pensamento de Olavo
de Carvalho não pode ser
levado a sério.
Se o texto fosse maior ou
mais detalhado, isto não
mudaria a fé dos que se
proclamam olavettes.
Não é por falta de
argumento que Olavo
duvida da inércia.

5
Não é por falta de aviso
que Olavo insiste no
conceito de juízo
autoevidente provando que
Papai Noel existe.
A democracia permite que
Olavo de Carvalho escreva
e Tiririca deputeie.
Isto é bom porque só
assim um autor
desconhecido tem a
oportunidade de liderar a
lista dos livros mais
baixados da Amazon, nem
que seja por alguns dias,
para dizer o que pensa sem

6
pedir a permissão de
ninguém.
Pena que são poucos os
que realmente defendem a
democracia. Felipe Moura
Brasil, da Veja, escreveu o
seguinte:
A canalhada não
sossega enquanto não
calar de vez as vozes
discordantes. Está
difícil de aturar o
sucesso do filósofo
Olavo de Carvalho,
depois que o nosso
best seller “O mínimo
que você precisa saber
7
para não ser um
idiota” bateu a marca
dos 60 mil exemplares
vendidos. Na
incapacidade de
argumentar e debater,
os invejosos de
plantão querem é
derrubar a página em
que ele escreve para
impedir que sua
imensa “legião” de
alunos, leitores e fãs
tenham acesso às suas
palavras. Assim como
já aconteceu com
outras páginas de teor

8
conservador, como
“Meu professor de
História mentiu pra
mim”, seu perfil do
Facebook saiu do ar
nesta manhã e segue
indisponível.
Reinaldo Azevedo não
deixou por menos.
A questão agora é
saber se o Facebook
vai se tornar refém
dessas milícias.
E o que aconteceu com
minha conta do Facebook?
Foi tirada do ar!

9
Ainda bem que a rede
social tem meios de validar
um usuário. Já estou de
volta.
Com a palavra: Olavo de
Carvalho, Felipe Moura
Brasil e Reinaldo Azevedo.

10
11
1. Apresentação
Olavo de Carvalho está
para Newton, Darwin e
Kant assim como MC
Britney está para Bach,
Mozart e Beethoven.
Hoje na casa do seu Zé
vai rolar uma putaria /
Tava cheia de novinha
doida pra fazer orgia /
Uma fodia no chão
outra em cima da na
pia / Na casa do seu
Zé vai rolar uma
putaria

12
Nos primeiros capítulos
deste livro, apresento
alguns dos absurdos mais
evidentes do best seller O
mínimo que você precisa
saber para não ser um
idiota. Nos capítulos finais,
uso um pouco da filosofia
que se aprende na USP
para desmontar o
filosofismo que Reinaldo
Azevedo, Rodrigo
Constantino e outros
confundem com erudição.
Não é a razão que
conquista os louros,
mas a eloquência; e
13
ninguém precisa ter
receio de não
encontrar seguidores
para suas hipóteses,
por mais
extravagantes que elas
sejam, se for hábil o
bastante para pintá-las
em cores atraentes.
(HUME. Tratado da
natureza humana. São
Paulo: Unesp, 2009, p.
20)
Reinaldo Azevedo, aliás,
disse que O mínimo...
provocou um enorme
silêncio e que não debater
14
é uma das formas do
moderno exercício da
violência. Espero que ele
leia o meu texto da mesma
forma que costumo ler os
dele: concordando ou
discordando, sem imaginar
um inimigo do outro lado.
Na segunda edição,
acrescentei o capítulo 23
comentando uma discussão
que tive com Olavo de
Carvalho no Facebook, no
dia 8 de março de 2014. Na
discussão, duas coisas
ficaram óbvias. Primeira:
que a filosofia de Olavo de

15
Carvalho prova que Papai
Noel existe. Segunda: que
Olavo de Carvalho não tem
o equilíbrio emocional
mínimo para se aventurar
pela filosofia.

16
2. Obama quer que
os Estados Unidos
sejam conquistados
pela Rússia ou pela
China
Segundo Olavo de
Carvalho, Barack Hussein
Obama quer acabar com a
liberdade de expressão nas
transmissões radiofônicas
porque, com as televisões
absolutamente dominadas,
com o conservadorismo
insuficiente da Fox News, o
rádio se tornou o último

17
refúgio da cristandade, a
esperança derradeira da
civilização ocidental no país
mais poderoso do mundo.
Poderoso por enquanto,
porque Barack Hussein
Obama quer desarmar a
população e os militares —
a população para implantar
uma ditadura; os militares
para que os Estados Unidos
sejam conquistados pela
Rússia ou pela China.
O plano macabro tem o
patrocínio de bilionários
como George Soros, que,
entre outras maldades,

18
aposta na legalização da
maconha.
Nenhum jornal ou
canal de TV brasileiro
jamais informou que
Obama é um apóstolo
da Media Reform,
calculada para eliminar
a liberdade de opinião
no rádio, um defensor
ardente da proibição
total de armas de fogo
pela população civil
(na mesma linha que
Hitler adotou na
Alemanha), um
partidário fervoroso do
19
imediato
desmantelamento das
defesas americanas
antimíssil (portanto, da
rendição incondicional
ante qualquer poder
nuclear estrangeiro).
Ninguém jamais
informou que ele votou
contra a proibição de
matar bebês que
sobrevivam ao aborto,
e que é um discípulo
da “teologia da
libertação” na sua
versão mais radical e
extremada. Ninguém

20
informou que os
grupos que o apoiam
são círculos bilionários
globalistas aos quais
ele serve como agente
para a destruição da
soberania americana e
a imediata implantação
de um governo
mundial pelos meios
mais antidemocráticos
que se pode imaginar.

21
3. A ecologia foi
inventada numa
espécie de projeto
Manhattan
O projeto Manhattan
reuniu os maiores cientistas
do Ocidente para produzir a
bomba atômica, uma arma
tão absurda que ninguém
ousaria enfrentar.
Segundo Olavo de
Carvalho, um esforço
parecido, com dezenas de
intelectuais, produziu a
causa das causas, e assim
nasceu a ecologia.
22
Nos anos 1950, grupos
globalistas bilionários
— os metacapitalistas,
como os chamo,
aqueles sujeitos que
ganharam tanto
dinheiro com o
capitalismo que agora
já não querem mais se
submeter às oscilações
do mercado e por isso
se tornam aliados
naturais do estatismo
esquerdista —
tomaram a iniciativa
de contratar algumas
dezenas de intelectuais

23
de primeira ordem
para que escolhessem
a vítima das vítimas,
alguém em cuja
defesa, em caso de
ameaça, a sociedade
inteira correria com
uma solicitude de mãe,
lançando
automaticamente
sobre todas as
objeções possíveis a
suspeita de traição à
espécie humana.
Depois de conjeturar
várias hipóteses, os
estudiosos chegaram à

24
conclusão de que
ninguém se recusaria a
lutar em favor da
Terra, da mãe
natureza.

25
4. Democratizar o
ensino é quase tão
nefasto quanto
distribuir pedras de
crack na merenda
Segundo Olavo de
Carvalho, democratizar o
ensino é ruim.
A democratização do
ensino, abolindo as
barreiras econômicas,
deveria ter instituído
barreiras intelectuais
em compensação, para
impedir que a descida
26
do padrão social
trouxesse, de
contrabando, uma
queda do nível de
consciência. A nova
elite de pés-rapados
talvez fosse menos
numerosa, mas teria
superado em mérito e
qualidade suas
antecessoras. Na
verdade, o que se fez
foi o contrário: já que
o ensino é para todos,
por que haveria de ser
um ensino de elite?
Para qualquer um,

27
basta qualquer coisa. A
massa dos
neoletrados, lisonjeada
até as nuvens, corre às
escolas, às livrarias, à
mídia, aos teatros e
aos cinemas para
receber sua ração
diária de lixo, que ela
imagina superior à
educação de um nobre
do Renascimento ou de
um clérigo do século
XIII.
Segundo Olavo de
Carvalho, dizer que os
alunos merecem escolas
28
decentes, professores
dedicados e métodos de
ensino cativantes é quase
tão nefasto quanto
distribuir pedras de crack
na merenda.
Quando a criança de seis
anos de idade não percebe
a importância da educação
formal, o problema é dela.
O Estado não tem nada a
ver com isso.
A ideia de que a
educação seja um
direito é uma das mais
esquisitas que já
passaram pela mente
29
humana. É só a
repetição obsessiva
que lhe dá alguma
credibilidade. (...)
Educação é uma
conquista pessoal, e só
se obtém quando o
impulso para ela é
sincero, vem do fundo
da alma e não de uma
obrigação imposta de
fora. (...) Nessas
condições, campanhas
publicitárias que
enfatizem a educação
como um direito a ser
cobrado, e não como

30
uma obrigação a ser
cumprida pelo próprio
destinatário da
campanha, têm um
efeito corruptor quase
tão grave quanto o do
tráfico de drogas.

31
5. Pecado é coisa de
pobre
Olavo de Carvalho é
conservador quando
assume a persona de
cristão fundamentalista
diante da ciência, mas se
faz de cortesão quando se
prostra submisso à nobreza
e à aristocracia.
Num tempo em que a
França era o país mais
cristão da Europa, Luís
XIV tinha nada menos
de 28 amantes, mas
sua rotina de trabalho
32
era mais pesada que a
de qualquer executivo
de multinacional. (...)
Já na Idade Média, os
encargos da defesa
territorial incumbiam
inteiramente à classe
aristocrática: ninguém
podia obrigar um
camponês ou
comerciante a ir para a
guerra, mas o nobre
que fugisse aos seus
deveres bélicos seria
instantaneamente
executado pelos seus
pares. (...) A classe

33
aristocrática era
liberada de parte dos
rigores morais cristãos
na mesma medida em
que pagava pela sua
liberdade com a
permanente oferta da
própria vida em
sacrifício pelo bem de
todos. A
democratização da
permissividade espalha
os direitos da
aristocracia por uma
multidão de recém-
chegados que de
repente se veem

34
liberados da pressão
religiosa sem ter de
assumir por isso
nenhum encargo extra,
por mínimo que seja,
capaz de restaurar o
equilíbrio entre direitos
e deveres. (...) A
liberação de massas
imensas de população
para o desfrute de
prazeres e requintes
gratuitos é uma das
situações psicológicas
mais ameaçadoras já
vividas pela

35
humanidade desde o
tempo das cavernas.
Segundo Olavo de
Carvalho, os empresários
são sempre bons, inclusive
os que roubam os
consumidores, os
trabalhadores e o governo.
Pelo que ele diz, quem cria
um site para vender
produtos fictícios e some
com o dinheiro movimenta
a economia e gera riqueza;
quem usa trabalho escravo
para desmatar ilegalmente,
no fim das contas, beneficia
o país.
36
O empresário pode dar
golpes em seus
fornecedores, vender
produtos fraudados,
sonegar o pagamento
devido aos operários,
ou então pode pagar
tudo direitinho e
vender produtos bons.
(...) Da atividade do
empresário, mesmo o
mais desonesto,
resultam sempre uma
ativação da economia,
uma elevação da
produtividade, a
expansão dos

37
empregos. Esses
resultados podem vir
em quantidade grande
ou pequena, mas têm
de vir
necessariamente, pela
simples razão de que
“empresa” consiste em
produzi-los e em nada
mais. (...) Um
empresário, honesto
ou desonesto, está no
auge do sucesso
quando pode, sem
prejuízo de seus
investimentos,
comprar mansões,

38
iates, carros de luxo,
jatinhos, jatões etc.
Ele alcança isso
quando se torna um
mega-empresário.
Para chegar a esse
ponto, ele tem de
deixar em seu rastro
fábricas, bancos,
plantações, jornais,
canais de TV e mil e
um outros negócios
dos quais vivem e
prosperam milhares de
pessoas.

39
6. Chega de
liberdade de
expressão!
Olavo de Carvalho odeia a
esquerda, mas não pelo
que ela tem de ruim.
Quando Richard Dawkins
combate o criacionismo,
por exemplo, um gulag
bem que faz falta.
Sem o campo de
concentração soviético, o
que resta é usar os
instrumentos democráticos
para solapar a democracia.
Se inúmeras igrejas
40
processassem Richard
Dawkins ao mesmo tempo,
a litigância de má fé
poderia inviabilizar
economicamente o
lançamento de seus livros.
O sr. Dawkins já
ultrapassou aquele
limite da truculência
mental e do desprezo
à verdade, para além
do qual toda a
discussão de ideias se
torna inútil. Não se
trata de provar nada
para o sr. Dawkins.
Trata-se de provar seu
41
crime perante os
tribunais. O dele e o de
inumeráveis
organizações
militantes, subsidiadas
por fundações
bilionárias, dedicadas a
fomentar por todos os
meios o ódio às
religiões. Todas as
organizações religiosas
que não se
mobilizarem para a
defesa comum não só
no campo midiático,
mas no judicial, devem
ser consideradas

42
traidoras,
colaboracionistas e
vendidas ao inimigo.

43
7. A imprensa é uma
ameaça à civilização
e à espécie humana
Thomas Jefferson no
século XVII:
Se eu tivesse de
decidir entre ter um
governo sem jornais e
ter jornais sem um
governo, eu não
hesitaria nem por um
momento antes de
escolher a segunda
opção. (VEJA, 27 de
janeiro de 2010)

44
Lênin no século XX:
Dar à burguesia a
arma da liberdade de
imprensa é facilitar e
ajudar a causa do
inimigo. Nós não
desejamos um fim
suicida, então não a
daremos. (VEJA, 27 de
janeiro de 2010)
Olavo de Carvalho no
século XXI:
Poucos fatos na
história foram jamais
tão bem averiguados,
testados e provados

45
quanto a falsidade
documental do
presidente americano
e o esquema de
dominação continental
do Foro de São Paulo.
(...) Ambos esses fatos
foram
sistematicamente
suprimidos do
noticiário por tempo
suficiente para que os
beneficiários da cortina
de silêncio
alcançassem, sob a
proteção dela, seus
objetivos mais

46
ambiciosos. (...) Por
isso, Daniel Greenfield
foi até eufemístico
quando, escrevendo no
Front Page Magazine
de David Horowitz,
afirmou que a grande
mídia é hoje “a maior
ameaça à integridade
do processo político”.
Ela tornou-se, isto sim,
uma ameaça à
inteligência, à
civilização, a toda a
espécie humana.

47
8. As crianças são
programadas pela
psicologia e serão
programas pela
engenharia genética
Se Olavo de Carvalho
fosse reconhecido como
autor de trash books, tudo
bem. Para alguns, seria
divertido.
Há quatro décadas a
tropa de choque
acantonada nas
escolas programa
esses meninos para ler
48
e raciocinar como cães
que salivam ou rosnam
ante meros signos,
pela repercussão
imediata dos sons na
memória afetiva, sem
a menor capacidade ou
interesse de saber se
correspondem a
alguma coisa no
mundo. Um deles
ouve, por exemplo, a
palavra “virtude”.
Pouco importa o
contexto.
Instantaneamente
produz-se em sua rede

49
neuronal a cadeia
associativa: virtude –
moral – catolicismo –
conservadorismo –
repressão – ditadura –
racismo - genocídio. E
o bicho já sai gritando:
É a direita! Mata!
Esfola! Al paredón! De
maneira oposta e
complementar, se
ouve a palavra
“social”, começa a
salivar de gozo,
arrastado pelo atrativo
mágico das imagens:
social – socialismo –

50
justiça – igualdade –
liberdade – sexo e
cocaína de graça –
oba! Não estou
exagerando em nada.
Talvez fosse divertido se
Olavo de Carvalho
escrevesse ficção, mas
parece que ele está mais
para Lafayette Ronald
Hubbard do que para
Stanley Martin Lieber — o
primeiro criou a religião
hollywoodiana chamada
cientologia; o segundo,
mais conhecido como Stan
Lee, criou o Homem-
51
Aranha, o Incrível Hulk e o
Homem de Ferro.
Hoje os governantes já
estudam como
programar
geneticamente a
conduta das gerações
futuras. Não se
contentam com o
poder destrutivo dos
demônios: querem o
poder criador dos
deuses.

52
9. Os fins justificam
os meios
Olavo de Carvalho não é
contra as revoluções. Diz
que é porque só considera
revolucionário o movimento
que nega o mundo perfeito
— onde democratizar o
ensino é sempre ruim;
onde roubar os
consumidores, os
trabalhadores e o governo
é sempre bom.
O movimento
revolucionário é o
flagelo maior que já se
53
abateu sobre a espécie
humana desde o seu
advento sobre a Terra.
(...) O socialismo e o
nazismo são
revolucionários não
porque propõem
respectivamente o
predomínio de uma
classe ou de uma raça,
mas porque fazem
dessas bandeiras os
princípios de uma
remodelagem radical
não só da ordem
política, mas de toda a
vida humana. (...)

54
Muitos processos
sociopolíticos
usualmente
denominados
“revoluções” não são
“revolucionários” de
fato, porque não
participam da
mentalidade
revolucionária, não
visam à remodelagem
integral da sociedade,
da cultura e da espécie
humana, mas se
destinam unicamente à
modificação de
situações locais e

55
momentâneas,
idealmente para
melhor. Não é
necessariamente
revolucionária, por
exemplo, a rebelião
política destinada
apenas a romper os
laços entre um país e
outro. Nem é
revolucionária a
simples derrubada de
um regime tirânico
com o objetivo de
nivelar uma nação às
liberdades já
desfrutadas pelos

56
povos em torno. (...)
Se, nesse sentido,
vários movimentos
político-militares de
vastas proporções
devem ser excluídos
do conceito de
“revolução”, devem ser
incluídos nele, em
contrapartida, vários
movimentos
aparentemente
pacíficos e de natureza
puramente intelectual
e cultural, cuja
evolução no tempo os
leve a constituir-se em

57
poderes políticos com
pretensões de impor
universalmente novos
padrões de
pensamento e conduta
por meios
burocráticos, judiciais
e policiais. A rebelião
húngara de 1956 ou a
derrubada do
presidente brasileiro
João Goulart, nesse
sentido, não foram
revoluções de maneira
alguma. Nem o foi a
independência
americana, um caso

58
especial que terei de
explicar num outro
artigo. Mas sem dúvida
são movimentos
revolucionários o
darwinismo e o
conjunto de
fenômenos
pseudorreligiosos
conhecido como Nova
Era.
Olavo de Carvalho não é
contra o extremismo. Diz
que é porque só considera
extremista quem não aceita
o mundo perfeito — onde a

59
liberdade de expressão
deve ser combatida.
Se esbarrasse na rua
com algum dos nossos
políticos ditos “de
direita”, eu lhe
perguntaria o
seguinte: “Você quer
destruir a esquerda,
destruí-la
politicamente,
socialmente,
culturalmente, de
modo que ela nunca
mais se levante e que
ser esquerdista se
torne uma vergonha
60
que ninguém ouse
confessar em público?”
(...) Quem precisa
ostentar moderação é
quem se envergonha
da sua própria opinião
ao ponto de admitir,
cabisbaixo e submisso,
que ela só vale alguma
coisa quando usada
em doses moderadas.
Em doses moderadas,
filhinho, até a
estricnina vale alguma
coisa. Só o que é
indiscutivelmente bom,
como a inteligência, a

61
beleza, a santidade ou
a saúde, vale tanto
mais quanto maior a
dose.

62
10. Desconstruindo
Olavo de Carvalho I
Olavo de Carvalho
emprega a palavra Bíblia no
sentido cristão.
A Bíblia tem de ser
relida o tempo todo
(...) atenção especial
para Mateus 11:1-6,
onde o próprio Jesus
ensina o critério para
você tirar as dúvidas a
respeito d’Ele.
E diz que a Bíblia (cristã)
é a semente de toda
cultura ocidental possível.
63
Um mito fundador não
é um “produto
cultural”, pela simples
razão de que ele, e só
ele, é a semente de
toda cultura possível.
Um mito fundador
constitui-se, em geral,
da narrativa simbólica
de fatos que
efetivamente
sucederam, fatos tão
essenciais e
significativos que
acabam por transferir
parte do seu padrão de
significado para tudo o

64
que venha a acontecer
em seguida numa
determinada área
civilizacional. Assim,
por exemplo, Northrop
Frye demonstrou que
todos os esquemas
narrativos conhecidos
na grande literatura
ocidental são variações
de enredos bíblicos.
Ora, os esquemas
narrativos da literatura
superior são os
padrões de
autocompreensão
imaginativa de uma

65
civilização. E os
padrões de
autocompreensão
imaginativa são, por
sua vez, os esquemas
de ação possíveis. A
Bíblia, mito fundador
da civilização
ocidental, está no
fundo de toda a nossa
compreensão de nós
mesmos e de todas as
nossas possibilidades
de ação. Fora disso,
não há senão
ideologia, erro,
loucura.

66
Se a Bíblia fosse a
semente de toda cultura
ocidental possível, as coisas
anteriores ao século I não
fariam parte da cultura
ocidental.
Mas fazem parte da
cultura ocidental a filosofia
grega (com Platão e
Aristóteles), a literatura
grega (da Ilíada e da
Odisseia), a escultura grega
(produzindo a Vênus de
Milo e inspirando o Davi de
Michelangelo).
Faz parte da cultura
ocidental o prédio Suprema

67
Corte americana, que tem
as colunas da arquitetura
grega e fica perto do
Capitólio, nome de um
templo dedicado ao deus
romano Júpiter.
Fazem parte da cultura
ocidental tanto o latim (que
nos deu o italiano, o
espanhol e o português)
quanto o grego, usado para
escrever o Novo
Testamento.
Não é verdade, portanto,
que a Bíblia esteja no fundo
de toda a nossa
compreensão de nós

68
mesmos e de todas as
nossas possibilidades de
ação. Sófocles conhecia
alguma coisa da condição
humana quando escreveu
Édipo Rei. Euclides ampliou
as possibilidades humanas
desenvolvendo a
geometria.
O texto de Olavo de
Carvalho não passa de uma
ladainha.

69
11. Desconstruindo
Olavo de Carvalho II
Discutir o aborto não é o
propósito deste capítulo,
apenas discutir os
argumentos quase infantis
de Olavo de Carvalho sobre
o tema.
Os adversários do
aborto alegam que o
feto é um ser humano,
que matá-lo é crime de
homicídio.
O texto começa com uma
tautologia. Se o aborto que
está em discussão é o que
70
ocorre na espécie humana,
o feto é um ser humano
tanto para quem acredita
que abortar é um crime,
quanto para quem acredita
que abortar é um direito.
Segundo o Houaiss, o feto
humano é um ser humano
com pelo menos três meses
de gestação porque, antes
disso, é um embrião.
Os partidários alegam
que o feto é apenas
um pedaço de carne,
uma parte do corpo da
mãe, que deve ter o

71
direito de extirpá-lo à
vontade.
Não é verdade que os
defensores da
descriminalização do aborto
partam do princípio de que
o feto é um pedaço de
carne qualquer. A situação
é muito mais complexa.
Primeiro é preciso discutir
como arbitrar o começo da
vida. Quando o cérebro de
alguém sofre um processo
de degenerescência
irreversível pelos critérios
da medicina, o coração que
está batendo pode ser
72
retirado e doado para
alguém que precise de um
transplante. O aborto do
anencéfalo e até o aborto
de um embrião sem o
sistema nervoso central
razoavelmente
desenvolvido talvez possa,
então, ser considerado.
No presente score da
disputa, nenhum dos
lados conseguiu ainda
persuadir o outro. Nem
é razoável esperar que
o consiga, pois, não
havendo na presente
civilização o menor
73
consenso quanto ao
que é ou não é a
natureza humana, não
existem premissas
comuns que possam
fundamentar um
desempate. Mas o
empate mesmo acaba
por transfigurar toda a
discussão: diante dele,
passamos de uma
disputa ético-
metafísica, insolúvel
nas presentes
condições da cultura
ocidental, a uma
simples equação

74
matemática cuja
resolução deve, em
princípio, ser idêntica e
igualmente probante
para todos os seres
capazes de
compreendê-la. Essa
equação formula-se
assim: se há 50% de
probabilidades de que
o feto seja humano e
50% de que não o
seja, apostar nesta
última hipótese é,
literalmente, optar por
um ato que tem 50%
de probabilidades de

75
ser um homicídio. Com
isso, a questão toda se
esclarece mais do que
poderia exigi-lo o mais
refratário dos
cérebros. (...) Dito de
outro modo: apostar
na inumanidade do
feto é jogar na cara ou
coroa a sobrevivência
ou morte de um
possível ser humano.
Admitindo que o feto seja
humano (porque ele é) e
deixando de lado qualquer
aplicação indevida dos
conceitos mais elementares
76
da estatística (porque não é
sempre que dois
acontecimentos
mutuamente exclusivos
têm probabilidades iguais),
o que Olavo de Carvalho
tenta dizer é que, na
dúvida, não devemos matar
a criança.
Se a intenção é proibir o
aborto, o argumento é
ruim.
Não foi por consenso que
foram adotados a
universalização da vacina, a
transfusão de sangue, o

77
transplante de órgãos, o
aborto em caso de estupro.
Na dúvida, a igreja pode
condenar à vontade, mas
os tribunais têm que
absolver. Não faz sentido
punir criminalmente uma
pessoa quando não
sabemos se ela cometeu
realmente algum crime.
Diante de tantas
dificuldades, o que resta é
a insensatez: o ataque que
transforma a discussão
numa luta do bem contra o
mal.

78
O abortista não
poderia ceder nem
mesmo ante provas
cabais da humanidade
do feto, quanto mais
ante meras avaliações
de um risco moral. Ele
simplesmente deseja
correr o risco, mesmo
com chances de 0%.
Ele quer porque quer.
Para ele, a morte dos
fetos indesejados é
uma questão de honra:
trata-se de
demonstrar, mediante
atos e não mediante

79
argumentos, uma
liberdade autofundante
que prescinde de
razões, um orgulho
nietzschiano para o
qual a menor objeção
é constrangimento
intolerável. (...) É claro
que, em muitos
abortistas, esta
vontade [de matar]
permanece
subconsciente,
encoberta por um véu
de racionalizações
humanitárias, que o
apoio da mídia

80
fortalece e a
vociferação dos
militantes corrobora.

81
12. Sobre a física
aristotélica
Os maiores nomes da
filosofia antiga são Platão e
Aristóteles; da filosofia
medieval: Agostinho e
Tomás de Aquino; da
filosofia moderna:
Descartes, Hume, Kant e
Hegel; da filosofia
contemporânea: Nietzsche
e Wittgenstein. Alguns
acrescentariam Hobbes e
Rousseau pela contribuição
à filosofia política. Eu
acrescentaria Thomas Kuhn

82
pela contribuição à filosofia
da ciência.
Todos estes pensadores
transcendem seu próprio
tempo, mas apenas na
medida do possível.
Platão descreve a criação
do mundo dizendo que o
demiurgo juntou o fogo, a
terra, a água e o ar.
É forçoso que aquilo
que deveio seja
corpóreo, visível e
tangível; mas,
separado do fogo, sem
dúvida que nada pode
ser visível, nem nada
83
pode ser tangível sem
qualquer coisa sólida e
nada pode ser sólido
sem terra. (...) Foi por
isso que, tendo
colocado a água e o ar
entre o fogo e a terra,
(...) o deus uniu estes
elementos e constituiu
um céu visível e
tangível. (PLATÃO.
Timeu. Universidade
de Coimbra, 2011.
p.100)
Tomás de Aquino usa
Aristóteles para justificar a
fé cristã numa época em
84
que a ciência (ciência
mesmo) simplesmente não
existe.
A mais extraordinária
dessas tentativas de
descrever a relação
entre Deus e o homem
e de adequar a plena
complexidade da
natureza humana a
uma teologia coerente
é indubitavelmente a
Summa teologica, de
São Tomás de Aquino.
(...) Além de
incorporar em sua obra
o que considerava ser
85
a totalidade do que era
verdadeiro e bem
demonstrado nas
fontes clássicas que
lhe eram disponíveis,
Aquino tentou
completar o quadro da
natureza e da vontade
humanas apresentado
por Aristóteles em sua
Ética a Nicômaco e
demonstrar sua
compatibilidade com as
doutrinas da religião
revelada. (...) O
triunfo do tomismo
teve, no entanto, vida

86
curta. Seu primeiro
inimigo sério foi o
humanismo do início
do Renascimento. Este
foi acompanhado por
revoluções na prática
da educação que
tendiam a tirar
autoridade intelectual
dos clérigos e conferi-
la às mãos dos
cortesãos e literatos; e
também por uma
gradual ascendência
de um espírito de
indagação científica
hostil à pronta

87
recepção do dogma
teológico. (SCRUTON.
Uma breve história da
filosofia moderna. Rio
de Janeiro: José
Olympio, 2008. p. 37)
Quando Olavo de Carvalho
se faz de escolástico
citando preceitos
aristotélicos e tomistas, seu
anacronismo mimetiza o
pensamento do século XIII
para discutir os problemas
do século XXI. Isto não é
filosofia.
Você lê nos manuais,
por exemplo, que
88
Galileu “superou” a
física de Aristóteles.
Durante quatro séculos
essa bobagem foi
repetida como verdade
terminal. Só por volta
de 1950 os estudiosos
perceberam que a
física de Aristóteles
não era uma física,
mas uma metodologia
científica geral, bem
mais sutil do que
Galileu poderia jamais
ter percebido, e muito
bem adequada às
necessidades da

89
ciência mais recente.
Os famosos erros
assinalados por Galileu
existiam, mas eram
detalhes secundários
que não afetavam de
maneira alguma o
conjunto da proposta.
A física de Aristóteles é o
estudo das coisas móveis,
das coisas que mudam (não
apenas de lugar). As coisas
móveis são explicadas por
quatro causas: a causa
material, a causa formal
(que tem a ver com a
essência), a causa eficiente
90
(que tem a ver com o
motor que deu início ao
processo de mudança) e a
causa final (que tem a ver
com a finalidade, com a
explicação metafísica ou
religiosa dos motivos que
levam uma coisa a
acontecer).
Com estas características,
a física de Aristóteles tem
um forte componente
qualitativo, diferente da
física de Galileu, Newton,
etc. que se preocupa
principalmente com os
aspectos quantitativos.

91
A física de Aristóteles
discute se uma coisa
precisa ser movida para se
mover, mas não descobre
uma única lei do tipo
s = s0 + vt.
Dizer que as coisas
precisam ser movidas não
acende uma lâmpada, mas
serve para provar a
existência de Deus — o que
é suficiente para quem
pode comprar uma
lâmpada no supermercado
enquanto diz acreditar que
Galileu não sofreu com a
Inquisição.

92
Entre muitas outras, a
lenda mais deformante
é talvez a de Galileu
Galilei como “mártir da
ciência”, fundador da
ciência experimental e
homem corajoso que
enfrentou a Inquisição
em nome do direito de
investigar a verdade.
Para começar,
qualquer pesquisador
sério da história das
ciências sabe que
Galileu nunca
raciocinou a partir de
dados experimentais,

93
mas de construções
matemáticas
hipotéticas que depois
ele legitimava com
pseudoexperimentos
puramente
imaginários, jamais
levados à prática, e
usados sempre como
meios de persuasão
retórica, nunca de
verificação. Os poucos
experimentos efetivos
que ele realizou foram
todos errados. (...) Em
segundo lugar, ele
jamais sofreu pressão

94
ou intimidação de
qualquer natureza.
(...) Por fim, a única
penalidade que a
Inquisição lhe impôs
foi de uma
benevolência quase
obscena, que hoje
soaria como
favorecimento ilícito:
ele foi condenado a
rezar uma vez por
semana, durante três
anos, os sete salmos
penitenciais, podendo
fazê-lo em privado,

95
isto é, sem nenhum
controle da autoridade.
Vale notar que a posição
de Olavo de Carvalho não é
a posição da Igreja
Católica, que, por mais
conservadora que seja, não
vive no século XIII.
O Papa Bento XVI
também entrou nas
celebrações dos 400
anos do primeiro uso
de um telescópio na
astronomia, pelo
cientista italiano
Galileu Galilei. (...)
Bento XVI disse que a
96
compreensão das leis
da natureza pode
estimular a
compreensão e
apreciação dos
trabalhos de Deus.
(...) A Igreja Católica
condenou Galileu, no
século 17, por apoiar a
teoria copernicana de
que a Terra girava ao
redor do Sol; os
ensinamentos
religiosos, naquela
época, colocavam a
Terra no centro do
universo. Em 1992, o

97
Papa João Paulo II
pediu desculpas,
dizendo que a
condenação de Galileu
foi um trágico erro.
(G1)

98
13. Sobre a física
clássica
Reinaldo Azevedo elogia
Olavo de Carvalho porque
este escreve bastante.
É autor, por exemplo,
da monumental — 32
volumes! — “História
Essencial da Filosofia”
(livros acompanhados
de DVDs). Alguns
filósofos de crachá e
livro-ponto poderiam
ter feito algo parecido
— mas boa parte
estava ocupada demais
99
doutrinando
criancinhas.
Mas quantidade não é
qualidade, como se pode
ver no texto em que Olavo
de Carvalho critica a
primeira lei de Newton,
texto disponível apenas na
internet.
Um dos paradoxos
inaugurais dos tempos
modernos está na
facilidade sonsa com
que a parte pensante
da Europa aceitou os
dois princípios da
mecânica newtoniana
100
— a eternidade do
movimento e a lei de
inércia — sem parar
por um instante sequer
para notar que eram
mutuamente
contraditórios. A física
antiga dizia que um
corpo, se não movido
por outro, tende a ficar
parado. Newton
contestou isso,
afirmando que a força
da sua própria inércia
mantém cada corpo
eternamente no seu
estado presente, seja

101
de repouso ou de
movimento retilíneo e
uniforme. Só há um
problema: se o
movimento é eterno,
não faz sentido falar
em “estado presente”
a não ser por
referência a um
observador vivo
dotado do sentido da
temporalidade.
Olavo de Carvalho coloca
um problema tipicamente
filosófico, mas comete o
erro primário de criticar
Newton por uma coisa que
102
Newton não escreveu, pelo
menos na obra-prima que
estabelece a mecânica
clássica: os Principia —
Princípios matemáticos da
filosofia natural.
Todo objeto
permanece em seu
estado de repouso ou
de movimento
uniforme numa linha
reta, a menos que seja
obrigado a mudar
aquele estado por
forças imprimidas
sobre ele. (HEWITT.

103
Física conceitual, p.
48)
Newton não fala nem em
movimento eterno, nem em
eternidade do movimento;
até porque, para Newton,
três coisas são eternas:
Deus e as duas sequelas da
existência divina — o
tempo e o espaço
absolutos.
E Newton não fala que o
estado de repouso ou de
movimento uniforme numa
linha reta seja infinito, mas,
se falasse, estaria falando

104
do infinito em potência, não
em ato.
Exemplo de infinito em
potência é a era cristã, que
começou há dois mil e
poucos anos e, pelo menos
para os propósitos desta
explicação, não acabará
nunca mais. Exemplo de
infinito em ato é o conjunto
dos números naturais
supondo que um deus
onisciente consiga
visualizar todos os números
de uma vez só.
Mas o texto de Olavo de
Carvalho é tão confuso que

105
merece um zero sem
maiores explicações.
Quando Olavo de Carvalho
diz que todo movimento é,
por definição, uma
mudança ocorrida dentro
de uma escala de tempo, a
expressão ocorrida dentro
de uma escala de tempo é
pura invencionice.
A contradição é tão
flagrante, que chega a
ser escandaloso que
durante tantos séculos
quase ninguém a
tenha percebido, ou
pelo menos assinalado
106
expressamente. Porém
a absurdidade
ostensiva continha
dentro de si outra
ainda pior. Todo
movimento é, por
definição, uma
mudança ocorrida
dentro de uma escala
de tempo
determinada. Se você
esticar indefinidamente
os limites do tempo,
não haverá mais
diferença possível
entre a mudança e a
permanência, entre o

107
acontecer e o não
acontecer.
O tempo absoluto,
verdadeiro e matemático de
Newton não tem relação
com qualquer coisa externa
e é inapreensível. O tempo
relativo, aparente e vulgar
é uma medida do tempo
absoluto por meio do
movimento. Ora, se o
tempo absoluto é
inapreensível, não é dele
que Olavo de Carvalho está
falando. Mas não é do
tempo relativo porque o
tempo relativo não pode
108
definir o movimento para
depois ser apreendido a
partir dele.
O problema com a
física de Newton é que,
quando um sujeito
aceita uma tese
autocontraditória como
se fosse uma verdade
definitiva, a
contradição não
percebida se refugia no
inconsciente e danifica
toda a inteligência
lógica do infeliz.
Quem duvida da inércia
pode pegar um ônibus e
109
seguir de pé com os braços
cruzados e os olhos
fechados.

110
14. Sobre o ateísmo
de Newton
Segundo Olavo de
Carvalho:
Newton não espalhou
só o ateísmo pela
cultura ocidental:
espalhou o vírus de
uma burrice
formidável.
Mas Newton não é ateu.
Na Ótica, ele escreve:
[Deus] é mais capaz
por Sua vontade de
mover os corpos em

111
seu sensório uniforme
ilimitado [o espaço]
(...) do que nós somos
capazes, por nossa
vontade, de mover as
partes de nossos
próprios corpos.
(NEWTON. Ótica. São
Paulo: Abril Cultural,
1979. p. 56)
Na segunda carta de sua
correspondência com
Clarke, Leibniz escreve:
Encontra-se
expressamente no
apêndice da Ótica de
Newton que o espaço é
112
o sensório de Deus.
Ora, a palavra
“sensório” sempre
significou o órgão da
sensação [para uns o
cérebro, para outros o
coração]. (LEIBNIZ.
Correspondência com
Clarke. São Paulo:
Abril Cultural, 1974)
Na Enciclopédia das
ciências filosóficas, Hegel
escreve:
Segundo Newton, o
espaço é o sensório de
Deus. (HEGEL.
Enciclopédia das
113
ciências filosóficas em
compêndio, volume 2.
São Paulo: Loyola,
1997. p. 64)
Num livro em que
confunde o conceito de
sensório com o de éter, o
bispo fundador da
Comunidade Evangélica
Sara Nossa Terra escreve:
[Newton] dizia que o
espaço era o sensório
de Deus e, portanto,
poderia ser, por seu
caráter divino, o
agente transmissor das
forças gravitacionais.
114
(RODOVALHO. Ciência
e fé: o reencontro pela
física quântica. São
Paulo: Leya, 2013)
Mas nem os fatos, nem as
pessoas convencem Olavo
de Carvalho.
Newton não concebeu
sua teoria gravitacional
só para explicar
determinados fatos da
natureza — embora ela
ainda seja ensinada
assim à população
ginasiana —, mas
como parte de um
projeto abrangente de
115
destruir o cristianismo
trinitário e substituí-lo
por uma religião da
“unidade absoluta”, de
inspiração esotérica. É
preciso ser muito
sonso para não notar
aí o alcance da
ambição totalitária
subjacente.
A afirmação de que dois
corpos se atraem na razão
direta do produto de suas
massas e na razão inversa
do quadrado da distância
entre eles não destrói o
cristianismo, destrói apenas
116
as convicções excêntricas
de Olavo de Carvalho.

117
15. Sobre o
darwinismo
Olavo de Carvalho não
entende nem o
lamarckismo, nem o
darwinismo.
Darwin não inventou a
teoria da evolução:
encontrou-a pronta,
sob a forma de
doutrina esotérica, na
obra do seu próprio
avô, Erasmus Darwin,
e como hipótese
científica em menções
inumeráveis
118
espalhadas nos livros
de Aristóteles, Santo
Agostinho, São Tomás
de Aquino e Goethe,
entre outros. Tudo o
que fez foi arriscar
uma nova explicação
para essa teoria — e a
explicação estava
errada. Ninguém mais,
entre os
autoproclamados
discípulos de Darwin,
acredita em “seleção
natural”. A teoria da
moda, o chamado
“neodarwinismo”,

119
proclama que, em vez
de uma seleção
misteriosamente
orientada ao
melhoramento das
espécies, tudo o que
houve foram
mudanças aleatórias.
Que eu saiba, o mero
acaso é precisamente
o contrário de uma
regularidade fundada
em lei natural,
racionalmente
expressável.
Sobre Erasmus Darwin e
Lamarck:
120
O alicerce mais sólido
para uma teoria da
evolução anterior ao
século XIX
desenvolveu-se por
meio das pesquisas e
escritos de Erasmus
Darwin (1731-1802)
(avô de Charles
Darwin) e Jean-
Baptiste Lamarck
(1744-1829). Erasmus
Darwin era um médico
proeminente na
Inglaterra, sendo
conhecido também
como um pensador

121
radical e inovador. Sua
versão da teoria
evolucionista afirmava
que as espécies se
modificavam
adaptando-se ao meio
graças a algum tipo de
esforço consciente;
esse conceito tornou-
se conhecido como a
doutrina das
características
adquiridas. Jean-
Baptiste Lamarck,
contemporâneo de
Erasmus Darwin, foi o
mais conhecido dos

122
dois, e defendia uma
filosofia evolucionista
semelhante. (...) Em
sua obra publicada em
1809, Filosofia
zoológica, ele expôs
dois princípios que a
seu ver explicavam a
enorme variedade e
desenvolvimento das
formas de vida: os
órgãos aperfeiçoam-se
com o uso e
enfraquecem com a
falta de uso; essas
mudanças são
preservadas nos

123
animais e transmitidas
à prole. Por exemplo,
Lamarck acreditava
que as girafas têm
pescoço longo porque
se esticam para
alcançar folhas nas
árvores. Esse conceito
era uma espécie de
“darwinismo invertido”,
no qual a criatura
controla seu próprio
destino em vez de o
meio criar a criatura.
Eram conjecturas, sem
base em uma
abordagem ou

124
comprovação
científica. A versão
lamarckiana da
doutrina das
características
adquiridas era uma
combinação das ideias
do próprio Lamarck
sobre o plano de Deus
e da Escala do Ser de
Aristóteles. Lamarck
escreveu que a vida
ascendia a níveis mais
elevados para
aperfeiçoar a Criação.
(BRODY. As sete
maiores descobertas

125
científicas da história.
São Paulo: Companhia
das Letras, 1999. p.
234)
Sobre Charles Darwin:
Em posse das
observações de
Malthus [de que a
população humana e a
demanda sempre
excederiam a produção
de alimentos e outros
bens necessários],
[Charles] Darwin
aplicou-as às suas
próprias observações
sobre as espécies
126
vegetais e animais.
Reconheceu que o
potencial reprodutivo
das plantas e animais
excede
substancialmente a
razão necessária para
manter a população
dessas plantas e
desses animais em um
nível constante, porém
ainda assim o tamanho
dessas populações
permanece
razoavelmente
constante. Com base
nisso, Darwin concluiu

127
que as plantas e os
animais que
sobrevivem à acirrada
competição entre
todos os seres vivos
têm de ser mais bem
equipados para viver
em seu meio específico
do que aqueles que
não sobrevivem.
Predadores lutam por
território e presas,
animais de pastio
buscam as melhores
terras, a vida vegetal
compete por espaço no
qual expandir-se e

128
proliferar, os machos
de muitas espécies
lutam pelo direito às
fêmeas. Prevalecem os
mais rápidos, mais
fortes e mais espertos,
e essas características
vitais são herdadas por
seus descendentes. A
seleção natural
permite que as
mudanças que
favorecem a
sobrevivência sejam
passadas adiante e
elimina as mudanças
desfavoráveis. Embora

129
a ciência da genética
ainda não existisse,
Darwin presumiu que
qualidades essenciais
do ser sobrevivente,
fosse ele predador,
animal de pastio,
vegetal ou
conquistador da
fêmea, eram de algum
modo transmitidas em
sua semente. (BRODY.
As sete maiores
descobertas científicas
da história. São Paulo:
Companhia das Letras,
1999. p. 245)

130
Resumindo: Charles
Darwin não encontrou a
teoria da evolução pronta.
Desenhando: O acaso e a
seleção natural são dois
momentos distintos da
evolução. As girafas que
têm, POR ACASO, o
pescoço um pouco mais
comprido são favorecidas
pela SELEÇÃO NATURAL e
acabam gerando filhotes
que têm a tendência
(genética) de ter o pescoço
mais comprido.
Vale notar (porque o texto
citado não é tão claro em

131
relação a isto) que a
seleção natural não
privilegia os melhores no
sentido que Olavo de
Carvalho parece usar,
privilegia os mais
adaptados.
Numa área invadida por
predadores desconhecidos,
as presas mais covardes
talvez tenham mais chance
de sobreviver. Numa
população em que alguns
morcegos têm o cérebro
maior e outros têm os
testículos maiores, se a
vantagem dos primeiros

132
para sobreviver for
pequena e a vantagem dos
últimos para reproduzir for
grande, a seleção natural
privilegiará o tamanho dos
testículos.
Puramente farsesco,
no entanto, é o esforço
geral para camuflar a
ideologia genocida que
está embutida na
própria lógica interna
da teoria da evolução.
Quando os apologistas
do cientista britânico
admitem a contragosto
que a evolução “foi
133
usada” para legitimar o
racismo e os
assassinatos em
massa, eles o fazem
com monstruosa
hipocrisia.
Não é porque a natureza
apresenta aspectos
moralmente reprováveis
que devemos fingir que as
coisas não são como são. O
leão macho que toma o
território de outro leão
macho mata os filhotes do
perdedor para que as
fêmeas se ocupem apenas
da prole do leão que
134
venceu. Quando Darwin
descobre a seleção natural,
descobre uma regra que,
ou não foi deliberadamente
criada, ou foi
deliberadamente criada por
Deus.
Se o darwinismo foi usado
para legitimar o racismo e
os assassinatos em massa,
a religião também foi. E
nenhum dos dois deve ser
abolido por causa disso.

135
16. Sobre Kant
O curso de bacharelado
em filosofia da USP não é
enciclopédico. Não começa
com os pré-socráticos, não
discute dezenas e dezenas
de filósofos como as duas
mil e setecentas páginas da
História da filosofia de
Reale e Antiseri.
Tem aluno que lê Platão,
tem aluno que lê
Aristóteles; tem aluno que
lê Agostinho, tem aluno
que lê Tomás de Aquino;
tem aluno que lê Hobbes,
tem aluno que lê Rousseau.
136
Mas todos leem Kant.
Todos leem a Crítica da
razão pura.
O primeiro e o mais
básico dos limites
assinalados por Kant é
que o campo da
experiência está
circunscrito pelas duas
formas a priori da
sensibilidade, o espaço
e o tempo. Mas aquilo
que está num lugar
determinado está
também, a fortiori, no
infinito supraespacial;
e aquilo que ocorre
137
num instante
determinado acontece
também, a fortiori,
dentro da eternidade
— duas necessidades a
priori das mais óbvias
que, por si, dariam por
terra com os famosos
limites que a filosofia
crítica procurava
estabelecer.
O que Kant diz, muito
resumidamente, é que as
noções de espaço e tempo
são anteriores a qualquer
experiência (não é vendo o
tempo passar que você
138
percebe o que o tempo é) e
que toda experiência
acontece no espaço e no
tempo.
Olavo de Carvalho diz que
o que está no espaço está
no infinito supraespacial;
que o que está no tempo
está na eternidade; e que
tudo isto é muito óbvio.
O primeiro erro de Olavo
de Carvalho é imaginar que
os problemas do espaço e
do tempo se correspondem
com perfeição. O espaço e
o tempo podem ser
absolutos ou relativos,

139
finitos ou infinitos, mas a
noção de eternidade não
tem um equivalente como
este negócio chamado
infinito supraespacial.
Isto acontece, entre
outros motivos, porque a
relação que se estabelece
no espaço é entre sujeitos
(coisas) e a relação que se
estabelece no tempo é
entre predicados
(acontecimentos). Supondo
que o espaço e o tempo
sejam infinitos, por
exemplo, o espaço inteiro
existe, mas o tempo não —

140
porque, pelo menos em
princípio, o passado existiu
e o futuro existirá.
Quando se supõe que
Deus criou o espaço e o
tempo, a pergunta difícil é
o que Deus fazia antes da
criação?, não onde Deus
estava? porque, sendo
imaterial, não estava em
lugar nenhum.
Agostinho tratou da
primeira questão
mostrando uma eternidade
e um tempo
incomensuráveis entre si.
Deus é na eternidade (fora

141
do tempo) e o homem é no
tempo (fora da eternidade).
Mal comparando, Deus está
para o nosso tempo assim
como o autor de um
romance está para o tempo
vivido pelos personagens
da obra literária. Numa
passagem bastante
conhecida das Confissões,
Agostinho argumenta que
não faz sentido perguntar o
que Deus fazia antes de
criar o céu e a terra porque
antes diz respeito ao
tempo, não à eternidade
divina.

142
Eis a minha resposta
àquele que pergunta:
“Que fazia Deus antes
de criar o céu e a
terra?” Não lhe
responderei (...)
“Preparava (...) a
geena [o inferno] para
aqueles que
perscrutam estes
profundos mistérios!”
(...) Se pelo nome de
“céu e terra” se
compreendem todas as
criaturas, não temo
afirmar que antes de
criardes o céu e a terra

143
não fazíeis coisa
alguma. Pois, se
tivésseis feito alguma
coisa, que poderia ser
senão criatura vossa?
Oxalá eu soubesse
tudo o que me importa
conhecer, como sei
que Deus não fazia
nenhuma criatura
antes que se fizesse
alguma criatura! (...)
Como poderiam ter
passado inumeráveis
séculos, se Vós, que
sois o Autor e o
Criador de todos os

144
séculos, ainda os não
tínheis criado? Que
tempo poderia existir
se não fosse
estabelecido por Vós?
E como poderia esse
tempo decorrer, se
nunca tivesse existido?
(...) Se antes da
criação do céu e da
terra não havia tempo,
para que perguntar o
que fazíeis então? Não
podia haver “então”
onde não havia tempo.
(AGOSTINHO.
Confissões. São Paulo:

145
Nova Cultural, 1999.
p.320)
Embora seja muita
informação para pouco
espaço, não dá para
duvidar que o que Olavo de
Carvalho diz ser óbvio não
tem nada de óbvio.
Mais falaciosa ainda é
a refutação kantiana
do argumento de Sto.
Anselmo. Sto. Anselmo
diz que a existência de
Deus é autoevidente
por mera análise, de
vez que o Ser infinito e
necessário não poderia
146
ser privado da
existência, sendo toda
privação uma
limitação, contraditória
portanto com a
infinitude, e a
possibilidade mesma
de uma limitação
sendo uma
contingência,
contraditória com a
necessidade.
O argumento de Anselmo
é o seguinte:
O insipiente há de
convir igualmente que
existe na sua
147
inteligência “o ser do
qual não se pode
pensar nada maior”,
porque ouve e
compreende essa
frase; e tudo aquilo
que se compreende
encontra-se na
inteligência. Mas “o ser
do qual não é possível
pensar nada maior”
não pode existir
somente na
inteligência. Se, pois,
existisse apenas na
inteligência, poder-se-
ia pensar que há outro

148
ser existente também
na realidade; e que
seria maior. Se,
portanto, “o ser do
qual não é possível
pensar nada maior”
existisse somente na
inteligência, este
mesmo ser, do qual
não se pode pensar
nada maior, tornar-se-
ia o ser do qual é
possível, ao contrário,
pensar algo maior: o
que, certamente, é
absurdo. Logo, “o ser
do qual não se pode

149
pensar nada maior”
existe, sem dúvida, na
inteligência e na
realidade. (ANSELMO.
Proslógio. São Paulo:
Nova Cultural, 1973. p.
102)
O que Kant diz é que a
suposta existência
necessária de Deus não
passa de uma existência
pensada. Não é porque
penso no ser que existe
necessariamente que ele
existe necessariamente.
Kant dá por
pressuposto, nessa
150
objeção, que nossa
mente pode criar como
mera hipótese o
conceito de um ser
absolutamente
necessário, ou seja,
que este conceito pode
ser um mero
“conteúdo” do
pensamento.
Sim.
Ou seja: o conceito do
ser necessário seria
apenas
hipoteticamente
necessário.

151
Não: o conceito do ser
necessário seria apenas
uma hipótese.
Só que, para esse
conceito ser apenas e
exclusivamente uma
criação da nossa
mente, sem qualquer
realidade objetiva, ele
teria de ser
necessariamente
hipotético, ou seja,
teria de excluir
totalmente a
possibilidade de ser
mais que mera
hipótese. Ora, esta
152
exclusão é
autocontraditória.
Kant não diz que Deus
não existe. Diz apenas que
o argumento ontológico não
prova esta existência.
Mais que logicamente
certo, o argumento
ontológico é
autoevidente.
Não é.
Denomino
autoevidente o juízo
que não pode ter uma
contraditória unívoca,
ou seja, cuja
153
contraditória não é
sequer formulável sem
o vício redibitório da
ambiguidade. Que eu
saiba, esta
característica dos
juízos autoevidentes
não tinha sido
ressaltada até agora.
No caso, qual a
contraditória do juízo
“O ser necessário
existe
necessariamente”? É
“O ser necessário
inexiste
necessariamente” ou

154
“A existência do ser
necessário não é
necessária”?
Impossível decidir.
Qual a contraditória do
juízo Papai Noel existe
necessariamente? É Papai
Noel inexiste
necessariamente ou A
existência do Papai Noel
não é necessária?
A contraditória do
argumento de Sto.
Anselmo é
informulável. Rejeitar
portanto esse
argumento é abdicar
155
do senso mesmo da
unidade do discurso, é
cair na linguagem
dupla que terminará
por nos levar aonde
chegou Kant.
Papai Noel existe!

156
17. Herrar é umano
Espero ter errado pouco,
nos argumentos e no
português, mas gostaria de
deixar claro que este não é
um livro filosófico.
A filosofia de verdade é
detalhista e trabalhosa.
Começa com os autores
consagrados e só depois
segue em frente. A Crítica
da razão pura dialoga com
Leibniz e Hume citando
Platão, Aristóteles,
Descartes, Hobbes, Locke.

157
18. Um pouco de
filosofia
Quem quer dar os
primeiros passos na
filosofia pode começar com
a primeira parte de Uma
breve história da filosofia
moderna de Roger Scruton,
com as Meditações
metafísicas de Descartes e
com a segunda parte de
Uma breve história da
filosofia moderna de Roger
Scruton. Começar com Kant
(Crítica da razão pura,
Crítica da razão prática,

158
Crítica do juízo) ou Hegel
(Ciência da lógica,
Fenomenologia do espírito)
é impraticável.
Os capítulos seguintes
mostram dois trechos da
primeira antinomia de Kant
e um pouco do que já
escrevi.

159
19. O tempo na
primeira antinomia
de Kant
Tese: O mundo tem um
começo no tempo.
Admita-se que o
mundo não tem um
começo no tempo; até
qualquer instante dado
decorreu uma
eternidade e deu-se,
por conseguinte, o
decurso de uma série
infinita de estados
sucessivos das coisas
no mundo. Ora, a
160
infinitude de uma série
consiste precisamente
em nunca poder ser
terminada por síntese
sucessiva. Sendo
assim, é impossível
uma série infinita
decorrida no mundo e,
consequentemente,
um começo do mundo
é condição necessária
da sua existência.
(KANT. Crítica da razão
pura. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2001)

161
Antítese: O mundo não
tem um começo; é infinito
no tempo.
Suponhamos, com
efeito, que o mundo
tem um começo. Como
o começo é uma
existência precedida de
um tempo em que a
coisa não é, tem que
ter decorrido
previamente um tempo
em que o mundo não
era, ou seja, um
tempo vazio. Ora, num
tempo vazio não é
possível o nascimento
162
de qualquer coisa,
porque nenhuma parte
de um tal tempo tem
em si, de preferência a
outra, qualquer
condição que distinga
a existência e a faça
prevalecer sobre a não
existência (quer se
admita que essa
condição surja por si
mesma ou através de
uma outra causa).
Podem, por
conseguinte, começar
no mundo várias séries
de coisas, mas o

163
próprio mundo não
pode ter começo e é
pois infinito em relação
ao tempo passado.
(KANT. Crítica da razão
pura. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2001)

164
20. A origem do
universo na física
contemporânea
A teoria do big bang parte
de duas constatações
empíricas. A primeira diz
que as galáxias estão se
afastando umas das outras
e que o universo, portanto,
está em expansão. A
segunda diz que existe uma
radiação cósmica de fundo
e que esta radiação mostra
que o universo se comporta
como se fosse um corpo
negro homogêneo com 270
165
graus negativos de
temperatura.
Estes fatos, interpretados
pelos modelos teóricos
derivados da relatividade
geral, sugerem que o
universo esteve
concentrado num único
ponto há pouco menos de
14 bilhões de anos e que,
neste ponto, com volume
zero e densidade de
energia infinita, foram
criados o espaço e o tempo.
Se o Timeu (de Platão) e o
Gênesis (da Bíblia) falham
categoricamente na

166
tentativa de explicar o
começo de tudo, o big bang
não deixa por menos. O
que a teoria diz é que
rodando o filme da
expansão do universo para
trás, o todo ocupa um único
ponto antes de
desaparecer.
Rodando o filme para trás,
no entanto, o universo tão
pequeno quanto se queira
não chega ao tamanho de
um único ponto porque o
ponto, por definição, é
adimensional.

167
Por outro lado, dizer que
os corpos celestes estão se
afastando é diferente de
dizer que o espaço ou o
espaço-tempo estão em
expansão. Dizer que o
tempo é algo em si já é
temerário. Dizer que o
espaço-tempo surgiu num
momento que, no fim das
contas, é tão mágico
quanto o momento da
criação do mito platônico
ou da religião cristã não se
justifica.
Esse modo de
descrever a criação, os
168
momentos iniciais do
universo, tem seu
análogo em diversas
religiões que
identificam em suas
cosmogonias o tempo
mítico/mágico no qual
os deuses se
debruçaram para além
de suas atividades
usuais a fim de
empreender a criação
do mundo. Na
comunidade judaico-
cristã, em particular, a
ideia de um começo
único e singular

169
pareceu a muitos –
incluindo o Papa Pio
XII – uma descrição
científica da criação do
universo bastante
aceitável e até
desejável, posto que
de fácil adaptação aos
ensinamentos de livros
religiosos
fundamentais, como a
Bíblia. (NOVELLO. Do
big bang ao universo
eterno. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010. cap. 1)
As teorias do universo
eterno dizem que a história
170
do universo não começa no
átomo primordial previsto
pela teoria do big bang: ou
a expansão atual do
universo tem infinitos
séculos ou o momento
mágico de 14 bilhões de
anos atrás foi apenas o
ponto de inflexão mais
recente de um universo que
se expande e se retrai
também há infinitos
séculos.
Não é razoável, no
entanto, imaginar que um
tempo infinito tenha
transcorrido porque o

171
infinito é problemático até
na abstração da
matemática.
Wittgenstein pergunta,
por exemplo, se o conjunto
dos infinitos números
naturais existe de fato ou
não passa de uma regra
geradora de números
indefinidamente grandes.
De forma semelhante,
mas paradoxal, poderíamos
perguntar se Deus
conseguiria somar todos os
números naturais – porque
o resultado esperado seria
um número natural maior

172
do que cada um dos
números somados, ou seja,
um número natural que
Deus não conseguiu colocar
na soma proposta
inicialmente.

173
21. O tempo na
física
contemporânea
A mecânica quântica não
explica o que o tempo é
porque apresenta
resultados tão
contraintuitivos que tende a
ser reconhecida apenas
como um modelo que
funciona. Não é fácil
compatibilizar o realismo
científico com situações
típicas da mecânica
quântica, como a do fóton

174
que às vezes é partícula, às
vezes é onda.
Um sistema quântico
ou exibe aspectos
corpusculares
(seguindo trajetórias
bem definidas), ou
aspectos ondulatórios
(como a formação de
um padrão de
interferência),
dependendo do arranjo
experimental, mas
nunca ambos ao
mesmo tempo.
(PESSOA JR. Conceitos
de física quântica. São
175
Paulo: Editora Livraria
da Física, 2003. p. 18)
Bohr e Heisenberg
propõem que a realidade
corpuscular e a realidade
ondulatória coexistem até
que uma seja obrigada a se
manifestar. Einstein, Planck
e Schrödinger não se
convencem.
Em 1935, Schrödinger
preocupava-se com a
interpretação de
Copenhague. Ele podia
ver que ela funcionava,
num nível pragmático,
para sistemas
176
quânticos como
elétrons ou fótons. Mas
o mundo em volta,
ainda que, bem no
fundo, fosse apenas
uma massa fervilhante
de partículas
quânticas, parecia
diferente. Buscando
uma forma de deixar a
diferença mais clara
possível, Schrödinger
apresentou um
experimento mental no
qual uma partícula
quântica tinha um
efeito dramático e

177
óbvio sobre um gato.
Imagine uma caixa
que, quando fechada,
seja impenetrável a
toda e qualquer
interação quântica.
Dentro dela, coloque
um átomo de material
radiativo, um detector
de radiação, um frasco
de veneno e um gato
vivo. Agora feche a
caixa e espere. Em
algum momento o
átomo radiativo sofrerá
decaimento, emitindo
uma partícula de

178
radiação. O detector
está acionado de tal
maneira que ao
registrá-lo provoca a
quebra do frasco,
liberando o veneno no
seu interior. Isso mata
o gato. Na mecânica
quântica, o decaimento
de um átomo radiativo
é um evento aleatório.
Do lado de fora,
nenhum observador
pode dizer se o átomo
decaiu ou não. Se
decaiu, o gato está
morto; senão, está

179
vivo. Segundo a
interpretação de
Copenhague, até
alguém observar o
átomo, ele está numa
superposição de dois
estados quânticos:
decaído e não decaído.
O mesmo vale para os
estados do detector,
do frasco e do gato.
Logo, o gato é uma
superposição de dois
estados: vivo e morto.
(STEWART. Dezessete
equações que
mudaram o mundo.

180
Rio de Janeiro: Zahar,
2013. p. 301)
O paradoxo do gato (entre
outros) demanda
explicações complexas que,
quando colocadas em
cheque, demandam
explicações ainda mais
complexas, num processo
interminável.
Kant diz que a metafísica
é dogmática porque não
examina suas próprias
possibilidades antes de
especular sobre Deus ou
sobre a liberdade. A física
contemporânea é mais
181
dogmática que a
precedente neste aspecto.
O desfecho é que a
função de onda do
gato não precisa
colapsar para
contribuir com uma
observação clássica
única. Ela pode
permanecer totalmente
inalterada, sem violar
a equação de
Schrödinger. Em vez
disso, existem dois
universos coexistentes.
Num deles, o gato
morre; no outro, não
182
morre. Quando você
abre a caixa, há
correspondentemente
dois vocês e duas
caixas. Um deles é
parte da função de
onda de um universo
com um gato morto; o
outro é parte de uma
função de onda
diferente, com um
gato vivo. Em lugar de
um mundo clássico
único que de algum
modo emerge da
superposição de
possibilidades

183
quânticas, temos uma
vasta gama de mundos
clássicos, cada um
correspondendo a uma
possibilidade quântica.
(STEWART. Dezessete
equações que
mudaram o mundo.
Rio de Janeiro: Zahar,
2013. p. 308)
O mais razoável é
considerar que o tempo, na
mecânica quântica, seja
apenas a variável t das
equações da mecânica
quântica – uma
representação, um modo
184
bastante específico de
pensar.
A mecânica quântica
(...) descreve o
comportamento dos
átomos e das
partículas
subatômicas, e nos
revelou um mundo
microscópico em que
espaço e tempo se
manifestam apenas
como variáveis
matemáticas, e onde
conceitos como
medição e realidade
física perdem seu
185
sentido habitual.
(HACYAN. Física y
metafísica del espacio
y el tiempo. Cidade do
México: Fondo de
Cultura Económica,
2011. Introdução)
O tempo da relatividade é
relativo porque tem uma
relação (no sentido
matemático do termo) com
a velocidade do referencial
adotado, relação que se
expressa pelas
transformações de Lorentz
na relatividade restrita e
pelas equações de campo
186
de Einstein na relatividade
geral.
Rigorosamente falando, a
relatividade não diz o que o
tempo é, diz como ele
funciona, tornando
igualmente válida a crítica
que fizemos à mecânica
quântica.
As coisas que são
indescritíveis na
matemática e
experimentalmente
inverificáveis não são
objeto de estudo nem da
relatividade em particular,
nem da física

187
contemporânea de maneira
geral.
Além disso, embora os
resultados da relatividade
não sejam tão estranhos
quanto os da mecânica
quântica, o tempo da
relatividade é apenas uma
das dimensões da
abstração matemática que
é o espaço-tempo.
A teoria da relatividade
especial [ou restrita],
de 1905, foi o ponto
culminante de uma
longa aventura do
pensamento,
188
unificando a descrição
da física, ao fundir o
espaço tridimensional
ao tempo e formar
uma nova unidade
chamada estrutura
espaço-tempo. A
geometria desse
espaço-tempo consiste
em uma configuração
rígida, imóvel, capaz
de servir de arena ou
pano de fundo para
todos os processos
físicos. Na relatividade
geral, matéria e
energia sob qualquer

189
forma influenciam as
propriedades
geométricas do espaço
e do tempo. Tudo se
passa como se o
espaço-tempo fosse
uma substância com
propriedades elásticas
afetadas pelos corpos
materiais, produzindo
sulcos e reentrâncias
nessa estrutura,
modificando assim o
movimento dos corpos
em interação.
(NOVELLO. Do big
bang ao universo

190
eterno. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010. cap. 3,
comentário C)
O espaço-tempo não é
algo que possa ser
encontrado, como o bóson
de Higgs. É uma estrutura
tão verdadeira quanto as
esferas do sistema do
mundo ptolomaico.
Para explicar os
movimentos
planetários, os
astrônomos criaram
sistemas de círculos
(ou esferas) que se
movem sobre outros
191
círculos (ou esferas). O
círculo principal
associado a cada astro,
que serve de base para
o movimento dos
outros círculos
menores, é chamado
deferente (ou seja:
transportador). O
centro do deferente
poderia coincidir com o
centro da Terra ou ele
poderia ser excêntrico.
Os círculos ou esferas
menores, que se
apoiam sobre o
deferente, são

192
denominados epiciclos.
Um movimento
relativamente simples
pode ser descrito por
um deferente com um
único epiciclo. Outros,
mais complexos,
exigem vários epiciclos
– um se apoiando
sobre o outro.
(COPÉRNICO.
Commentariolus. São
Paulo: Nova Stella,
1990. p. 52)
Não seria um despropósito
se a dilatação do tempo
propalada pela relatividade
193
fosse questionada. No
clássico experimento do
múon, por exemplo, a
dualidade partícula-onda é
desprezada; o decaimento
aleatório é tomado como
relógio; e a teoria que
sustenta as medições
realizadas é justamente a
teoria que o experimento
se propõe a provar.
Estudos mais
detalhados têm sido
feitos envolvendo
partículas instáveis
chamadas múons, que
são criadas na alta
194
atmosfera, a uma
altura em torno de 60
km, quando raios
cósmicos de alta
energia colidem com
moléculas do ar.
Experimentos
realizados em
laboratório revelaram
que os múons
estacionários decaem
com uma meia-vida de
1,5 μs, isto é, metade
dos múons decai em
1,5 μs, enquanto a
metade dos que
restaram decairá no

195
próximo 1,5 μs e assim
por diante. Os
decaimentos podem
ser usados como um
relógio. Os múons
movem-se pela
atmosfera a uma
velocidade bem
próxima da velocidade
da luz (...) portanto
(...) apenas 1 em
1.040 múons deveria
chegar ao solo.
Todavia, de fato, os
experimentos
revelaram que
aproximadamente 1

196
em cada 10 múons
chegava ao solo. (...)
Essa discrepância
deve-se à dilatação
temporal. (KNIGHT.
Física: uma abordagem
estratégica, volume 4.
São Paulo: Bookman,
2009. p. 1159)
Se o tempo na mecânica
quântica é apenas o que se
tem nas equações daquela
metade da física, o tempo
da relatividade é o tempo
das transformações de
Lorentz (na relatividade
restrita) e das equações de
197
campo de Einstein (na
relatividade geral).
Nos três casos, o que se
tem não é uma descrição
com pretensões
ontológicas, apenas uma
ferramenta que funciona
para os problemas que
cada pedaço da física se
dispõe a resolver.
Quando os físicos
contemporâneos têm um
problema que envolve
dimensões reduzidíssimas
(menores do que um
átomo), usam a mecânica
quântica, suas fórmulas e a

198
variável tempo que estas
fórmulas expressam.
Quando estes mesmos
físicos têm um problema
que envolve velocidades
próximas à velocidade da
luz, usam a relatividade
restrita ou a relatividade
geral. A relatividade restrita
tem cálculos mais simples
porque não considera a
existência de campos
gravitacionais. A
relatividade geral tem
cálculos mais complexos e
só é usada quando os
campos gravitacionais não

199
podem ser
desconsiderados.

200
22. Sobre mim
Tenho 44 anos e sou um
consultor de informática
especializado em pesquisas
de remuneração e no
gerenciamento eletrônico
de documentos.
Pela Escola Técnica
Federal de São Paulo, sou
técnico em processamento
de dados. Pela
Universidade Mackenzie:
tecnólogo em
processamento de dados,
licenciado para o ensino
médio e especialista em
didática do ensino superior.
201
Pela Universidade de São
Paulo: bacharel e
mestrando em filosofia.
Não gosto do PT, nem
morro de amores pelo
PSDB. Em 2012, pedi o
impeachment de Dias
Toffoli.
HÉLIO RICARDO DE
SOUZA PIMENTEL (...)
vem (...) representar
pelo impeachment do
Ministro JOSÉ
ANTONIO DIAS
TOFFOLI, do Supremo
Tribunal Federal, por
crime de
202
responsabilidade,
consoante os fatos de
conhecimento público
a seguir descritos. (...)
Esperava-se que o
Ministro DIAS TOFFOLI
se afastasse do
processo, declarando-
se suspeito, pela
absoluta falta de
isenção para julgar
fatos criminosos
imputados ao seu ex-
chefe, especialmente
porque certas condutas
criminosas teriam sido
praticadas no âmbito

203
da Casa Civil no
mesmo período em
que o representado
exercia função de
confiança no referido
órgão. (...) Ora, em
razão do cargo que
ocupava e da
proximidade com o
principal réu do
processo, o
representado poderia,
circunstancialmente,
ter figurado como réu
ou testemunha desse
caso, de tal sorte que
sua opção de julgar o

204
Mensalão se afigura
indefensável, moral e
juridicamente. (...)

205
23. Papai Noel existe
mesmo!
Quando Olavo de Carvalho
diz que Obama é um
partidário fervoroso (...) da
rendição incondicional
[americana] ante qualquer
poder nuclear estrangeiro,
o absurdo é grande demais
para ser levado a sério;
grande demais para se
formular um argumento
contrário. Quando diz que
sou um analfabeto
funcional, que me mandar
à merda é pleonasmo, que

206
sou um bosta, que tenho
problemas mentais, seu
objetivo é inviabilizar o
debate transformando a
discussão que poderia ser
filosófica em molecagem. É
por isso que insisto na
discussão do conceito de
juízo autoevidente.
O capítulo 16 mostrou que
Olavo de Carvalho
considera autoevidente
todo juízo que não pode ter
uma contraditória unívoca.
No caso, qual a
contraditória do juízo
“O ser necessário
207
existe
necessariamente”? É
“O ser necessário
inexiste
necessariamente” ou
“A existência do ser
necessário não é
necessária”?
Impossível decidir.
O capítulo 16 mostrou
também que, segundo a
filosofia de Olavo de
Carvalho, o juízo Papai Noel
existe necessariamente é
tão autoevidente quanto O
ser necessário existe

208
necessariamente ou X
existe necessariamente.
Olavo de Carvalho sentiu
o estrago que a questão
pode fazer em sua fama de
filósofo e tentou rebater os
argumentos.
www.facebook.com/ola
vo.decarvalho/posts/1
0152217393637192
Primeiro fez considerações
que não dizem respeito ao
conceito de juízo
autoevidente.
O sr. Hélio Pimentel é
manifestamente

209
incapaz de perceber a
diferença entre o
conceito universal de
um ser necessário e o
nome de um ente
contingente qualquer.
O conceito de “ser
necessário” postula por
si mesmo a existência,
cabendo portanto,
como contraditória do
juízo modal que afirma
a sua necessidade,
seja negar o modo,
seja negar a validade
do conceito mesmo; e
o juízo “o ser

210
necessário não existe
necessariamente” tem
inevitavelmente esse
duplo sentido. Do
mesmo modo, “a = a”
afirma
simultaneamente, seja
a identidade de dois
signos abstratos, seja
a dos entes que eles
designam, mas,
quando dizemos “a ≠
a”, é impossível
discernir de imediato,
da simples formulação
da sentença, se
estamos afirmando a

211
existência de uma
autocontradição no
próprio ente designado
por “a” ou, ao
contrário, uma simples
denominação equívoca
que nomeia com um
mesmo signo dois
entes diversos. Por
isso é que digo que os
juízos auto-evidentes
não têm uma
contraditória unívoca.
Depois, desdenhou meus
argumentos.
Para contestá-lo, o sr.
Pimentel cria o juízo
212
“Papai Noel existe
necessariamente” e diz
que pode ter duas
contraditórias: “A
existência de Papai
Noel não é necessária”
e “Papai Noel
necessariamente
inexiste”. Donde ele
conclui, com ares
triunfantes, que meu
método leva à
conclusão de que Papai
Noel existe.
Depois, desviou o foco da
discussão.

213
Há obviedades que não
deveria ser necessário
explicar, que deveriam
ser apreendidas
intuitivamente, num
relance, por uma
espécie de instinto
lógico que todos os
seres humanos têm. A
tragédia do
analfabetismo
funcional é justamente
que ele bloqueia esse
instinto e coloca em
seu lugar o
automatismo das
combinações verbais

214
postiças que, aos olhos
do seu inventor, têm a
força probante de
verdadeiras
demonstrações lógicas,
quando na verdade só
provam uma completa
incapacidade de
raciocinar. Num
primeiro instante, uma
dessas combinações
pode confundir
momentaneamente o
ouvinte desprevenido,
que antevê nelas algo
de errado mas nem
sempre sabe dizer de

215
imediato onde o erro
está. Neste caso, é
preciso decompor o
juízo imbecil nos seus
elementos para que a
imbecilidade apareça,
com todo o seu
esplendor, à plena luz
do dia. É por isso que
digo que discutir com
imbecis pode
aprimorar a nossa
expressão verbal,
obrigando-nos a
transpor em palavras o
que antes estávamos
acostumados a

216
apreender somente
num relance intuitivo
mudo.
Por fim, tentando ou
fingindo argumentar, disse
uma coisa óbvia (sobre a
diferença entre Deus e
Papai Noel) e chegou à
conclusão de que só existe
uma contraditória para a
proposição Papai Noel
existe necessariamente.
Ao contrário do
conceito de “ser
necessário”, o conceito
de “Papai Noel” não
implica, por si mesmo,
217
a existência. É o
conceito de um ente
que pode existir ou
não existir. Logo, um
juízo modal que
qualifique a sua
existência como
contingente ou
necessária só pode ser
formulado DEPOIS
QUE A EXISTÊNCIA
DESSE ENTE TENHA
SIDO AFIRMADA
COMO REALIDADE
EMPÍRICA. Portanto, a
afirmação “Papai Noel
existe

218
necessariamente” só
pode ser contraditada
por um juízo que
negue a necessidade
dessa existência, não a
existência mesma,
como acontece na
contraditória de “o ser
necessário existe
necessariamente”. Dito
de outro modo, em “o
ser necessário existe
necessariamente”, o
modo decorre
logicamente do próprio
conceito, de maneira
que, pela mesma

219
negativa, pode-se
negar seja o modo,
seja o conceito. Isso
não acontece na
sentença “Papai Noel
existe
necessariamente”. A
contraditória desta
última só pode negar a
modalidade, não a
existência. “Papai Noel
existe
necessariamente” tem
uma e uma só
contraditória, “A
existência de Papai
Noel não é

220
necessária”, e não
duas.
Ao vivo, no Facebook,
Olavo de Carvalho mudou
de ideia. Confrontado
algumas vezes com a
questão, disse que a
proposição Papai Noel
existe necessariamente não
faz sentido — quando é
óbvio que a proposição é
apenas falsa.
Assim, Papai Noel existe
necessariamente (que tinha
uma e uma só
contraditória) passou a não
ter contraditória nenhuma.
221
Hélio Pimentel: Você
disse que “o juízo que
não pode ter uma
contraditória unívoca”
é autoevidente. Esse
juízo [do Papai Noel]
tem ou não tem a tal
contraditória unívoca?
Olavo de Carvalho: Se
você não percebe isso
IMEDIATAMENTE, você
tem problemas
mentais.
Hélio Pimentel: Sim ou
não?

222
Olavo de Carvalho:
Que estupidez! Um
juízo non sense não
tem contraditória
NENHUMA, porque não
diz nada.

FIM

223

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