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VISITA DOMICILIAR: UMA TÉCNICA DE REVELAÇÃO DA REALIDADE

AMARO, Sarita (UERGS) 1

Palavras-chave: realidade - visita domiciliar – técnica profissional

     1. INTRODUÇÃO

     A visita domiciliar é uma técnica que vem se popularizando rapidamente, 


acompanhando a crescente ação de grupos governamentais e não governamentais, assim
como a ação voluntária, nas comunidades. A visita domiciliar é uma atividade de campo
realizada no meio familiar ou comunitário em que se insere o indivíduo focal do
atendimento. É também uma prática profissional, investigativa ou de atendimento,
realizada por um ou mais profissionais,  junto ao indivíduo em seu próprio meio social
ou familiar.

     Afastar o mito de que se constitui uma atividade meramente empírica, bem como
oferecer subsídios para que o seu desenvolvimento ocorra sobre bases éticas, humanas e
profissionais, é nosso propósito. Nesse sentido, com base na experiência da autora como
assistente social e professora extensionista, apresentaremos nesse trabalho reflexões,
relatos, recomendações e ilustrações voltadas a potencializar a execução da técnica da
visita  

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Conduzindo a visita domiciliar

a. Ética, uma condição indispensável

    A ética e o respeito são princípios e condições fundamentais à realização da visita


domiciliar. O fato de ser realizada no ambiente domiciliar ou particular, por si já clama
por uma série de atenções e considerações éticas, relativas ao direito a privacidade e
sigilo profissional. A par disso, há situações que se revelam na visita e exigem uma ação
propositiva e afirmativa do profissional, que em certos casos podem salvar vidas. É o
caso de uma orientação relativa a realização de um exame de HIV, do registro de uma
ocorrência policiar, de um exame de corpo-delito ou o uso com recomendação médica
da pílula do dia seguinte no caso de um relato de uma situação de risco, como um abuso
intrafamiliar.  Negar-se ou  ser reticente a oferecer uma orientação dessas, em tempo
hábil e em meio a oportunidade do relato na visita, representa uma infração ética, por
omissão de socorro ou negligência. De modo mais corriqueiro, mas não menos
importante, a ética ou sua falta se releva na interação e diálogo entre visitador e
visitado. Considerando a subjetividade de cada ser, é comum que o quadro de valores
seja distinto. Essa característica divergente deve ser tomada como valor e não como
obstáculo.
    b)  A relação profissional na visita domiciliar
 

    Em se tratando de uma visita domiciliar a relação estabelecida entre quem visita e
quem é visitado tem significativa importância.

    Primeiro porque, ambos, se afiguram sujeitos do processo, dotados de razão, emoção


e subjetividades em interação constante. Em segundo lugar, porque  é a relação que
possibilitará a expansão e livre expressão do sujeito visitado, colaborando ou
obstaculizando o desenvolvimento da visita.

    A empatia, o respeito mútuo, a horizontalidade e a atitude de não-julgamento do


pesquisador acerca do conteúdo do que é relatado ou apresentado, são os condutores
indispensáveis da visita.  
 

c) Três perguntas chaves: por que, quando e com quem? 


 

Por que visitar?  

     Deve haver racionalidade e planejamento  à organização de uma visita. Não esqueça


que, antes de tudo, a visita domiciliar serve ao  alcance de um objetivo. Desde o
momento em que se projeta a visita até sua efetivação, estamos planejando  uma melhor 
aproximação da realidade do sujeito ou grupo que se pretende observar ou atender. Ir à
visita com uma idéia ou roteiro preliminar das informações que você pretende obter é
indispensável. O roteiro sobre o que perguntar ou investigar deve ser feito e colocado
em prática.

     A participação do profissional na visita deve estar orientada e ao mesmo tempo


limitada ao  objetivo da visita.   Isso não significa uma condição de rigidez, imposta ao
profissional, ao visitar.  Longe disso, representa um critério para que preserve a
qualidade e profissionalismo na visita, respeitando o tempo e assunto/atendimento
programado.  

Quando visitar? 

     Convém evitar realizar visitas em feriados e horários inapropriados, bem como


verificar antecipadamente a disponibilidade de transporte da instituição para levar o
profissional até a residência a ser visitada, são medidas simples que asseguram um 
mínimo de organização. È fundamental que se defina com o sujeito a ser visitado se a
data e horário escolhido lhe são favoráveis. 

     O esforço do profissional é atender o cidadão, respeitando sua rotina familiar e


pessoal, desorganizando o mínimo possível seu  cotidiano. Assim, antes de falar com o
sujeito a ser visitado, recomenda-se apenas o agendamento “preliminar” de um ou dois
horários estratégicos, os quais serão definidos em conjunto com a pessoa visitada.
     Visitas “surpresa”, além de invasivas e desagradáveis, revelam-se manifestos de uma
cultura autoritária, fiscalizatória e disciplinar e, por essa razão , devem ser banidas da
prática do profissional que visita.  

Com quem visitar? 

     Enquanto  um procedimento profissional, a visita, difere de uma reunião ou encontro


de amigos, em que “sempre cabe mais um”, não importando quem. A visita requer,
portanto, profissionalismo e isso não é encontrado em atitudes espontaneístas ou
oportunistas.

     Em vista disso, sempre que necessário, privilegie a companhia de profissionais para
fazer a visita. Evidentemente a presença destes outros profissionais deve ser anunciada
antecipadamente e justificada: mais que  uma “companhia”,  ela deve representar a
observação de algum aspecto que seu acompanhante convidado domine mais que você..

     E, por fim, lembre-se que não é recomendável que o número de visitadores seja
superior ao das pessoas visitadas. Em visita domiciliar não se leva toda a equipe até a
casa da pessoa, mas apenas aquele ou aqueles dois ou três (no máximo) profissionais
implicados no diagnóstico ou atendimento.Uma olhadela, dias antes,  no prontuário da
família que será visitada, poderá ajudar na decisão de quantos profissionais podem
participar do atendimento. Muitas vezes, em casebres que mal cabem os próprios
familiares, uma visita de mais de um profissional é inviável e causa constrangimentos
aos moradores. 
 

    3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

    A caminho da finalização da visita, surgem algumas questões. Uma delas é que nem
sempre se sabe ao certo se foi capaz de captar  a realidade do outro e compor um
diagnóstico efetivamente amplo e imparcial.

    Exatamente porque a realidade é complexa, ela patrocina de alguma forma o encontro


da realidade do outro com a sua, provocando a redefinição de paradigmas que falam de
vida, de morte e do que é necessário para ser feliz.

    O fato da  realidade do outro se revelar para você ou não  depende, antes de tudo, de
planejamento, manejo técnico e predisposição. Capturar a realidade dentro de seu
quadro social e cultural específico exige do profissional o interesse e organização para
ver os elementos difíceis, intrigantes e  conflitantes da realidade, por mais estranhos que
eles possam parecer a nossa razão.

    A questão  que se coloca é: até que ponto estamos aptos a ver tais elementos?
Acredito que  é preciso coragem e  coerência para romper com uma visão parcial e
falsificadora da realidade. Se assim o fizermos a visita domiciliar se revelará num
recurso essencial à abordagem de diferentes profissionais, sobretudo aqueles ligados às 
áreas da saúde, educação e assistência social. 
 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
1. AMARO, Sarita. Visita domiciliar: orientações para uma abordagem
complexa. In: Desaulniers, J. (org) Fenômeno, uma teia complexa de relações.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
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17. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1972.
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