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- Doenças crônicas
Houve uma mudança de classificação. O velho conceito era doenças transmissíveis versus doenças
crônicas, baseado nos critérios de etiopatogenia das doenças. Hoje, baseado nos critérios de condições
de saúde, e na organização para o cuidado dos sistemas de atenção à saúde, as doenças são
classificadas em condições agudas versus condições crônicas. Neste sentido:
“As condições crônicas vão muito além das doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares,
cânceres, doenças respiratórias crônicas, etc.) ao envolverem doenças infecciosas persistentes
(hanseníase, tuberculose, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana/síndrome da
imunodeficiência adquirida - HIV/AIDS, hepatites virais, etc.); condições ligadas à maternidade e ao
período perinatal; condições ligadas à manutenção da saúde por ciclos de vida (puericultura,
acompanhamento dos adolescentes e monitoramento da capacidade funcional das pessoas idosas);
distúrbios mentais de longo prazo; deficiências físicas e estruturais contínuas (amputações, cegueiras,
deficiências motoras persistentes, etc.); doenças metabólicas; e doenças bucais.”
Fenômeno da “transição epidemiológica”: ocorre devido à mudança do padrão de mortalidade que afeta
a população. Anteriormente, no início do século passado, as doenças infecciosas eram as que mais
levavam ao óbito (~ 50%) enquanto que hoje, com as melhorias de condições socioeconômico-culturais,
a mortalidade é preponderantemente conseqüência das doenças crônicas não transmissíveis.
- As doenças crônicas não transmissíveis matam 41 milhões de pessoas a cada ano, abrangendo
72% de todas as mortes no mundo. O número de mortes por DCNTs está aumentando
globalmente.
- As doenças crônicas afetam mais pessoas em situação de baixa renda e exposta a fatores de
risco, e essas pessoas, quando afetadas pelas DCNT têm seu quadro piorado, pois elas gastam
muito do seu dinheiro com tratamentos a longo prazo. Ela se torna um problema global por isso,
porque como as pessoas gastam o seu dinheiro e agravam seu empobrecimento, a economia e
a qualidade de vida não melhoram.
- “Um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) lançado na quarta-feira (16)
mostrou que os países mais pobres do mundo podem ganhar 350 bilhões de dólares até 2030
aumentando os investimentos na prevenção e tratamento de doenças crônicas não
transmissíveis (DCNTs), como as doenças cardíacas e o câncer, que, juntos, custam 1,27 dólar
por pessoa a cada ano. Tais ações salvariam mais de 8 milhões de vidas no mesmo período. O
documento apontou que, para cada 1 dólar investido na ampliação de ações para tratar as
DCNTs em países de baixa e baixa-média renda, haverá um retorno à sociedade de pelo menos
7 dólares em aumento de empregos, produtividade e longevidade.” (isso tem muito a ver com o
quanto essas doenças são incapacitantes)
- “[...] o enfrentamento das DCNT passa pela governança e ações e políticas públicas voltadas
para a prevenção e redução dos fatores de risco, acesso aos cuidados de saúde, organização
da vigilância e monitoramento, além do enfrentamento dos determinantes sociais como a
redução da pobreza e da desigualdade social, temas estes que foram incluídos nos desafios do
desenvolvimento sustentável.”
“Os sistemas de atenção à saúde são respostas sociais deliberadas às necessidades de saúde da
população. Como consequência, deve haver uma forte sintonia entre a situação de saúde da população
e a forma como se estrutura o sistema de atenção à saúde para responder, socialmente, a essa
situação singular. A situação de saúde no Brasil caracteriza-se por uma transição epidemiológica
acelerada e por uma situação epidemiológica de tripla carga de doenças com forte predomínio relativo
das condições crônicas. Uma população em processo rápido de envelhecimento significa um crescente
incremento relativo das condições crônicas, em especial das doenças crônicas, porque elas afetam
mais os segmentos de maior idade.”
Conhecer qual é o perfil das pessoas portadoras de DCNT, e quem são as pessoas que procuram os
serviços de saúde é essencial para o planejamento de ações futuras para reduzir os impactos deste
problema. Estudos demonstram que:
- Pessoas que possuem DCNT, comparadas a pessoas saudáveis: tiveram aumento de
internação, fizeram maior uso de serviços de saúde nas duas últimas semanas, deixaram de
realizar atividades por motivo de saúde, consultam mais médicos e com mais frequência, e neste
grupo, as mulheres são mais assíduas que os homens. Quando há associação de uma ou mais
DCNT, há um aumento ainda maior de todas essas variáveis, mas os homens são mais
internados. Portadores de DCNT utilizam mais serviços de saúde.
- Pessoas menos instruídas ficam menos aptas a trabalhar devido a ocupação profissional que
desempenham, e ficam mais internadas que pessoas com curso superior (talvez porque os
problemas fiquem agravados). Porém, fazem menos uso de serviços de saúde, e consultam
menos o médico.
- Esses dados geram as seguintes interpretações: o maior motivador para a procura e utilização
dos serviços de saúde é a necessidade resultante de sua situação e do conhecimento prévio de
sua doença (e por consequência, necessidade de controle dela).
- É a doença que gera a demanda por consumir serviços de saúde. Portanto, não há foco na
prevenção, por exemplo. Conhecer esse perfil é importante para delimitar qual tipo de estratégia
será utilizada: a consequência é uma oferta de serviços de saúde que só enxuga gelo, ao invés
de prevenir as DCNT. Quanto mais comorbidades associadas, maior a necessidade de procurar
serviços. O estudo identificou que as mulheres usam mais os serviços, tanto em consultas
quanto em internações, e relatam mais limitações em decorrência da DCNT.
- “Estudos comparando usuários exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS) com beneficiários
da saúde suplementar observaram menores frequências de realização de consultas médicas e
exames de rastreamento no primeiro grupo. A utilização média de usuários da saúde
suplementar é de 5,1 consultas por beneficiário de planos por ano, cerca do dobro do parâmetro
de consultas por ano previstos para a população geral (2 a 3 consultas por habitante/ano). O
SUS tem como princípios acesso universal, integralidade e equidade, o que garante o uso e
acesso de serviços pela população com menor escolaridade, renda e sem planos de saúde.
Entretanto, permanecem diferenças no uso de serviços que beneficiam quem tem planos. A
população com planos de saúde também pode ter maior oportunidade de acesso aos serviços,
por acessar tanto os serviços do SUS quanto os da saúde suplementar.”
Alternativas
Quanto a chefes de Estado, organizações, políticas e comércio: A estratégia orienta que a abordagem
das DCNT e seus fatores de risco associados deve ter abrangência intersetorial – saúde, educação,
agricultura e pecuária, desenvolvimento urbano e meio-ambiente, etc. – envolvendo, assim, diferentes
instituições da sociedade como instituições públicas federais, estaduais e municipais, empresas do setor
privado, academia, sociedade civil organizada e ONG’s, pois a maioria dos determinantes principais
destas enfermidades se encontram fora do setor saúde ou mesmo da alçada das instituições públicas. A
estratégia está estruturada em quatro linhas de ação: vigilância, política e promoção da causa
(“advocacy”), promoção da saúde e prevenção; cuidado integrado das DCNT e seus fatores de risco.
Neste sentido, entre as ações de melhor custo-benefício, estão o aumento dos impostos sobre o tabaco
e o álcool; a redução da ingestão de sal por meio da reformulação de produtos alimentares; a
administração de terapia medicamentosa e aconselhamento para pessoas que tiveram ataques
cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais; vacinação de meninas com idades entre 9 e 13 anos
contra o papilomavírus humano (HPV); e rastreio de mulheres com idade entre 30 e 49 anos para
câncer do colo do útero. (isso gera um dilema entre interferir no livre arbítrio das pessoas versus
melhorar as condições de vida delas. Saúde também tem a ver com o educar para o autocuidado).
Quanto ao desafio do SUS brasileiro: transição demográfica acelerada + tripla carga de doenças
(concomitância de doenças crônicas, doenças infecciosas e causas externas). Além disso, o SUS, na
realidade, é descentralizado e os sistemas de atenção à saúde são fragmentados. Com isso, não
cumpre com as demandas de um modelo ideal de abordagem às condições crônicas (proativo,
contínuo, integrado). Isto só pode começar a ser solucionado através da alternativa das redes de
atenção à saúde.
Relembrando: os elementos principais da rede de atenção à saúde são população + estrutura
operacional + modelo de atenção à saúde. Esta rede deve trabalhar visando
o atendimento humanizado e integral da população adscrita. Dentro deste
modelo, há o modelo específico para condições crônicas. Diante disso, são
propostos o CCM (Chronic Care Model), o modelo da pirâmide de riscos e o
MACC (Modelo de Atenção às Condições Crônicas). Este último é
considerado o mais adequado para o SUS brasileiro.
CCM: É necessário tratar estas pessoas que buscam o acesso a internações
e consultas médicas agravadas por problemas crônicos. É preciso oferecer a
estas pessoas de situação socioeconômica desfavorável e baixo nível de
instrução, a equidade e o acesso integral dos serviços de saúde, e depois de sanadas as suas
urgências, o acompanhamento dos casos. Entretanto, pensar uma política de oferta de serviços de
saúde que só enxuga gelo é temerária, pois se não houver enfoque na prevenção e controle das DCNT,
a situação só irá ficar mais complicada. Uma alternativa para isso é promover a educação em saúde
como algo aplicável ao contexto brasileiro, empoderar os sujeitos e desenvolver neles uma relação de
co-responsabilidade, pois estas são doenças de caráter multifatorial.
Modelo da pirâmide de riscos: identifica três níveis de intervenções, segundo o grau de complexidade
da condição de saúde. No nível 1, estão 70 a 80% dos portadores de uma condição crônica e que
apresentam boa capacidade para o autocuidado e uma condição simples, bem controlada e com um
baixo perfil de risco geral (p. ex., pessoas portadoras de hipertensão de risco baixo e médio). No nível 2,
estão 20 a 30% dos portadores de uma condição crônica complexa, até mesmo de mais comorbidades,
com certo grau de instabilidade ou um potencial de deterioração de sua saúde, a menos que tenham o
suporte de uma equipe profissional (p. ex., pessoas portadoras de hipertensão de risco alto ou muito
alto). Finalmente, no nível 3, estão 1 a 5% da população que são pessoas com condição crônica ou
comorbidades altamente complexas e baixo grau de autonomia (p. ex., pessoas com várias doenças
crônicas em situação de risco alto, como pacientes com pé diabético em estágio avançado; pessoas
usuárias frequentes de serviços de urgência e emergência, como portadores de insuficiência cardíaca
de difícil manejo; ou pessoas moradoras de rua, etc.).
Porém, este modelo da pirâmide de riscos é pouco aplicável no Brasil, pois grande parte da população
portadora de DCNT acessa os serviços de saúde quando já há um agravamento do quadro clínico. Essa
pirâmide idealizada, portanto, não condiz com a realidade brasileira.
Referências bibliográficas
- ABRALE. OMS: controle de doenças crônicas não transmissíveis gera retornos financeiros e de saúde. Disponível em
<https://www.abrale.org.br/abrale-noticias/336-oms-controle-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis-gera-retornos-financeiros-e-de-saude> acesso em
20/04/2020
- DUNCAN, Bruce B. (Org.) et al. Medicina Ambulatorial. s/l: Artmed, 4 ed, 2013, 124-129 p.
- MALTA, Débora C. et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no
Brasil. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 1:4s
- OPAS/OMS Brasil. Conceito. Disponível em
<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=569:conceito-doencas-cronicas-nao-transmisiveis&Itemid=463> acesso em
20/04/2020