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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Paulo Augusto Tamanini
(Organizador)

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HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia
do ensino de história, no Brasil
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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2019
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: Os Autores

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CATALOGAÇÃO NA FONTE

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2019
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 - E-mail: sac@editoracrv.com.br
Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br
Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Altair Alberto Fávero (UPF)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Ana Chrystina Venancio Mignot (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Anna Augusta Sampaio de Oliveira (UNESP)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Andréia N. Militão (UEMS)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Barbara Coelho Neves (UFBA)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Diosnel Centurion (Univ Americ. de Asunción – Py)
Celso Conti (UFSCar) Cesar Gerónimo Tello (Universidad Nacional

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Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional de Três de Febrero – Argentina)

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Três de Febrero – Argentina) Eliane Rose Maio (UEM)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Fauston Negreiros (UFPI)
Élsio José Corá (UFFS) Francisco Ari de Andrade (UFC)

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Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Gláucia Maria dos Santos Jorge (UFOP)

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Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Ilma Passos A. Veiga (UNICEUB)
Gloria Fariñas León (Universidade Inês Bragança (UERJ)

do
de La Havana – Cuba) José de Ribamar Sousa Pereira (UCB)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Jussara Fraga Portugal
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de La Havana – Cuba) Kilwangy Kya Kapitango-a-Samba (Unemat)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ) Lourdes Helena da Silva (UFV)
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são
João Adalberto Campato Junior (UNESP) Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira (UNIVASF)
Josania Portela (UFPI) Marcos Vinicius Francisco (UNOESTE)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Maria Eurácia Barreto de Andrade (UFRB)
Lourdes Helena da Silva (UFV) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
i

Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Mohammed Elhajji (UFRJ)


rev

Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Mônica Pereira dos Santos (UFRJ)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Najela Tavares Ujiie (UTFPR)
or

Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Nilson José Machado (USP)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Silvia Regina Canan (URI)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES) Sonia Maria Ferreira Koehler (UNISAL)
ara

Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Suzana dos Santos Gomes (UFMG)


Simone Rodrigues Pinto (UNB) Vânia Alves Martins Chaigar (FURG)
ver dit

Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA) Vera Lucia Gaspar (UDESC)


Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
op

Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)


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Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.



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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1
LEITURAS DE IMAGENS DE CUNHO VIOLENTO NO ENSINO

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DE HISTÓRIA: do estupor à aprendizagem 13

uto
Ana Meyre de Morais
Paulo Augusto Tamanini

CAPÍTULO 2
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REMEMORANDO O TEMPO ESCOLAR: uma ponte entre o
passado, presente e o futuro 21
Maria Aparecida Dias Lima
do
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Simone Maria da Rocha
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CAPÍTULO 3
PARA ALÉM DA SALA DE AULA: o uso do museu como espaço
de ensino-aprendizagem da história local 35
Anna Rafaella de Paiva Dantas
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rev

Cléia Maria Alves


Francisco das Chagas Silva Souza
or

CAPÍTULO 4
RELAÇÕES ENTRE ESPAÇO E ENSINO DE HISTÓRIA:
ara

potencialidades do museu para o ensino 47


Daniel Syllas Pereira Sousa
ver dit

Marcelo Bezerra de Morais


op

CAPÍTULO 5
IMAGENS ESTEREOTIPADAS E SOCIALMENTE
RECONHECIDAS. O NORDESTE NOS ATUAIS LIVROS
E

DIDÁTICOS DE HISTÓRIA 59
Enock Douglas Roberto da Silva
Paulo Augusto Tamanini
CAPÍTULO 6
A HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS. UM DESAFIO
DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS 69
Francinaldo Rita da Silva
Guilherme Paiva de Carvalho

r
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CAPÍTULO 7

uto
PALMILHANDO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CURSO DE
HISTÓRIA NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE – UERN 83

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Gislânia Dias Soares

a
Ocimara Fernandes Negreiros Oliveira
Paulo Augusto Tamanini

do
CAPÍTULO 8
aC
HISTÓRIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO

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Janaina Valéria Pinto Camilo são
PATRIMONIAL: as conexões com o ensino de História 93

CAPÍTULO 9
i
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (HQS) E A SUA RELAÇÃO
rev

COM A HISTÓRIA ENSINADA 105


or

Jonathan Diógenes Costa


Paulo Augusto Tamanini
ara

CAPÍTULO 10
ALUNO LOGADO, CIDADÃO CONECTADO: ensino de história e
ver dit

inclusão digital 117


Maria do Socorro Souza
op

Paulo Augusto Tamanini

CAPÍTULO 11
E

O PERÍODO DE REDEMOCRATIZAÇÃO NOS LIVROS


DIDÁTICOS DE HISTÓRIA. AS IMAGENS QUE CONCLAMAM


UM BRASIL DEMOCRÁTICO 133
Risalva Ferreira Nunes de Medeiros
Paulo Augusto Tamanini
CAPÍTULO 12
ARQUITETURA ESCOLAR E DISCIPLINARIZAÇÃO DOS
SENTIDOS. OS USOS DE IMAGENS DO PASSADO EM UM
COLÉGIO JESUÍTA NOS TEMPOS DA NACIONALIZAÇÃO
VARGUISTA 147
Rogério Luiz de Souza

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CAPÍTULO 13

uto
DIVERSIDADE E O ENSINO DE HISTÓRIA: mulheres no
processo de colonização através do filme “desmundo” 163
Silene Ferreira Claro

R
a
CAPÍTULO 14
IMAGENS DA MULHER NOS LIVROS DIDÁTICOS HISTÓRIA.

do
UM PRIMEIRO OLHAR 177
Vanusa Maria Gomes Noronha
aC
Paulo Augusto Tamanini
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CAPÍTULO 15
O ENSINO DE HISTÓRIA NOS GINÁSIOS VOCACIONAIS: uma
intridução ao debate (São Paulo, 1961-1969) 187
i

Yomara F. Caetano de Oliveira Fagionato


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SOBRE OS AUTORES 199


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INTRODUÇÃO

Πρόσωπο (Prôsopo) no idioma grego significa rosto, semblante, face.


A ideia de elaborar um livro que descrevesse um rosto da História Ensinada,
no Brasil, tornou-se em si desafiadora. Temas variados, perspectivas múltiplas,

r
objetos novos, fontes inéditas fazem da História Ensinada um rosto que se

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olha, buscando aperfeiçoar o que vê, no vasto reflexo da didática e do conhe-

uto
cimento interdisciplinar. A História, essa velha senhora preocupada com o
tempo que já se foi, ao olhar para si não busca um conformismo entorpecente
como aquele de Narciso. Ela acredita que o reflexo que a revela insinua mo-
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dificações, melhoramentos, mudanças, aperfeiçoamentos, em sala de aula.

a
Na tentativa de descrever esse rosto tão conhecido, ao mesmo tempo

do
tão púbere, a História aqui refletida quer ser aquela que passeia nas salas de
aula, procurando um lugar junto aos alunos, tão jovens e curiosos. Discentes
aC
que queiram se sentar junto à velha senhora do tempo e das coisas ditas para
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confabularem sobre algo que um dia também foi presente e que, agora, se
são
espelha nos Livros Didáticos. Rostos de promissores alunos e o rosto daquela
que busca outra vez, repaginar-se, para não parecer tão distante o lastro de
tempo que os separa.
i

Os Capítulos a seguir, compilados por professores-pesquisadores de va-


rev

riadas Instituições de Ensino Superior, tentam retratar esse rosto da História


Ensinada, sem se esquecer de sua natureza, propósito, função. Alguns feixes
or

de luz sobre as imagens que configura o saber iconográfico, outros, acerca


da historicidade da própria disciplina, outros, sobre os lugares de Ensino de
ara

História e técnicas etc. iluminarão este percurso que formata uma obra que
tenta grafar, descrever, discorrer sobre um rosto da História no tempo e nos
ver dit

espaços escolares.
A velha senhora, auxiliada pelos seus pesquisadores, deixa-se então
op

desvelar em seu rosto marcado pelas vicissitudes da própria área do conhe-


cimento que a custodia, para enfim, mostrar os múltiplos semblantes de cada
ser vido. Para além de se expor, ela desnuda a face de homens e mulheres
E

que tenta registar uma permanência nos espaços que a ela são outorgados.
Talvez, os futuros pesquisadores e professores, os alunos de hoje, enxerga-
rão o rosto da velha senhora transmutado pelo vigor da juventude que é sempre
bem-vindo nesse tempo das aparências, tão encantadoras, mas tão fugidias!

O organizador
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CAPÍTULO 1

LEITURAS DE IMAGENS DE
CUNHO VIOLENTO NO ENSINO DE
HISTÓRIA: do estupor à aprendizagem

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Ana Meyre de Morais
Paulo Augusto Tamanini

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Segundo Hannah Arendt (1970, p. 51) “[...] a prática da violência – como
toda ação, transforma o mundo, mas a transformação mais provável por causa
dela será de um mundo mais violento”. Porque as guerras, os conflitos, as sanções,

do
os encarceramentos e todas as formas de tolhimento de liberdade são práticas
aC
em que a violência se impõe, modificam, por consequência, as preocupações
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da História como ciência e disciplina. Deixando de lado a exaltação aos heróis


são
e às datadas cívicas, abandonando narrativas de consagração demasiadamente
nacionalista, se esquivando de olhar os acontecimentos como mera consequência
do andamento da economia, a História preocupa-se, na contemporaneidade,
i

com as engrenagens, com o desenvolvimento e andamento do agir humano


rev

no espaço e tempo. No conjunto dos objetos, interessa também para a História


arguir sobre os desentendimentos, os conflitos, as situações de violência que os
or

próprios homens e mulheres por vezes, se encontram. Como decorrência, este


novo paradigma de narrativas acerca do passado repercute também na seleção e
ara

escolha dos temas a serem abordados no Ensino História. Nessa complexidade


da discussão sobre os conflitos violentos, o Ensino de História permite que os
ver dit

alunos possam verificar e analisar os efeitos da violência, também a partir da


iconografia. Isto porque, as imagens também ensinam e fazem aprender!
op

Circe Bittencourt (2009, p. 50) assegura que “[...] o professor é quem


transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação fundamental
no processo de produção do conhecimento”. Desse modo, várias são as ferra-
E

mentas visuais de cunho pedagógico que potencializam a dinâmica do Ensino


de História, desde que ilustrações, gravuras, mapas, filmes, jogos etc. sejam
analisados como objetos potencialmente construtores de conhecimentos.
Contudo, na maioria dos livros didáticos, muitas imagens que abordam
momentos conflitantes apenas estão lá como coadjuvantes, reforçando este-
ticamente um texto. Ora, as imagens que abordam violências não deveriam
ser consideradas apenas como penduricalhos, preenchimentos de espaços ou
14

aditivos desalojados de um conjunto de ideias. Carregam em si conhecimentos,


informações que precisam ser levadas em conta. Mais que artefato visual, as
imagens no Livro Didático completam o aprendizado e, no tocante às de cunho
violento, revelam o ser humano também em suas vicissitudes, em suas cruezas
e como patrocinadores de agressões, brutalidades, intransigências. Mas, se
há os que impingem a violência, há também os que são vitimizados por ela.
Com o objetivo de discutir as possibilidades de uso da imagem de cunho

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violento em sala de aula no Ensino de História, este capítulo se servirá de

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duas ilustrações. A primeira, trata da imagem de uma menina correndo nua
após o bombardeio feito no período da Guerra do Vietnã, disponibilizada no
livro didático História sociedade & cidadania, de Alfredo Boulos Júnior.

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A segunda, aborda o atentado de 11 de setembro de 2001, quando as Torres

a
Gêmeas foram atingidas, encontrado no livro História passado e presente,
de Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi. As imagens serão discutidas como

do
potenciais instrumentos que despertam no aluno a criticidade para aparelhá-lo
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perceptivelmente a enxergar a imagem não mais como simples adereço, mas
como uma forma narrativa eivada de informações que ensinam História.

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A leitura de imagens no Ensino de História
são
Como fontes não verbais, as imagens desempenham um relevante papel
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no processo ensino-aprendizagem, visto que auxiliam alunos, professores e
pesquisadores a se qualificar nas diferentes linguagens que o ensino demanda.
or

Se o Ensino de História leva os alunos a refletirem sobre as diferentes formas


de se dizer sobre um passado e como é, no presente, representado, textos e
imagens colaboram para essa proeza. Diante do desafio de se trabalhar pedago-
ara

gicamente com o material imagético é preciso perceber, já de início, a imagem


ver dit

não como apenas um mero apoio ou recurso didático secundário, mas uma
linguagem composta, o que requer reflexão crítica para sua decifração. Peter
op

Burke (2004, p. 17) diz que as “imagens, assim como textos e testemunhos orais,
constituem-se numa forma importante de evidência histórica”. A diversidade
iconográfica, compreende tipos diversos de imagens, e entre elas se encontram
as que registram os atos humanos, as que configuram suas crenças, ideologias,
E

modos de compreensão do mundo etc. Bittencourt (2009, p. 365) pontua que:

Os aspectos relevantes que pesquisadores têm destacado concentram-se


na forma de recepção da imagem e nas possibilidades didáticas para a
renovação dos métodos de ensino das diversas disciplinas escolares. Para
a História escolar existem algumas investigações voltadas essencialmente
para a análise de imagens tecnológicas e para o papel que desempenham
na criação de nova relação com o conhecimento histórico e o imaginá-
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 15

rio coletivo. A intenção maior é identificar como o aluno apreende as


imagens e suas representações.

Bittencourt (2009, p. 361) pontua também que muitos Historiadores vêm


se dedicando ao estudo das imagens e que estas, por sua vez, se tornaram
fontes importantes da pesquisa e do Ensino de História. A correlação entre
pesquisa e ensino faz com que os métodos de pesquisa dos historiadores acerca

r
de fotografias, por exemplo, possam servir também como método de Ensino

V
uto
de História mais atraente.
Para Santaella (2012, p. 80), que ao tecer sobre o ato de leitura de uma
fotografia, aclara que:

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Ler uma foto é lançar um olhar atento àquilo que a constitui como lingua-
gem visual, com as especificidades que lhe são próprias. Significa fazer
do olhar uma espécie de máquina de sentir e conhecer. Assim, uma vez

do
diante da fotografia, trata-se de buscar a unidade melódica de suas luzes,
linhas e direções, suas escalas e volumes, seus eixos e suas sombras, enfim,
aC
contemplar a atmosfera que ela oferta ao olhar, pois a significação imanente
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dos motivos e temas fotografados é inseparável do arranjo singular que o


são
fotógrafo escolheu apresentar.

Ao tecer sobre as imagens no Ensino de História, Circe Bittencourt (2009,


p. 360) ressalta sobre a proliferação de “imagens tecnológicas” como auxílio
i
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pedagógico, oriundos de máquinas ou de aparelhos eletrônicos, que pelo fato


dessas imagens possuírem características particulares são produzidas de modo
or

diferenciado. De modo independente da origem da imagem, a problemática


continua sendo exatamente a mesma: não perceber as ilustrações apenas como
secundárias, mas partícipe das narrativas.
ara

Dessa forma, o pesquisador tratará a imagem como um documento e o


ver dit

professor de História perceberá a imagem como um instrumento que facilita


a fluência de sua aula, aguçar a criticidade e auxiliar o aluno a pensar histo-
op

ricamente. Portanto, aprender a ler, interpretar, questionar materiais e fontes


imagéticas em uma perspectiva da didática da História é tornar o Ensino acerca
do passado uma realidade discursiva, capaz de relações textuais contemporâ-
neas que atestam linguagens producentes de conhecimento.
E

As imagens da violência e a prática pedagógica no Ensino de História

De acordo com Lucia Santaella (2012, p. 76), o ato de fotografar é uma


ação de escolha, obra de uma cautela seletiva, que depois do clique, o regis-
tro de uma fatia única e singular de espaço e tempo ficarão congelados para
sempre. Ainda, complementa Bittencourt (2009, p. 366): “[...] a fotografia
16

registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo presente que


logo se torna passado”.
Observemos a imagem a seguir:

Imagem 1 – Menina vietnamita

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Foto: Nick Ut/AP.

A imagem acima registra informações que aos olhos não podem ser
ara

negadas. O ponto de vista flagrado, não diz ser um instante casual, cintila
momento de dor. Essa fotografia é uma imagem icônica sobre a Guerra do
ver dit

Vietnã, disponibilizada no livro didático História sociedade & cidadania de


Alfredo Boulos Júnior1, na página 180, na seção de Atividades. Arranjada
op

na lateral direita da página, a imagem ilustra um dos quesitos dessa seção,


dividindo o espaço com outra ilustração e uma tabela que apresenta a taxa de
crescimento da China. Tal seção de atividades é referente ao capítulo nove
E

que aborda sobre os Movimentos sociais: passado e presente. Num tamanho


pequeno, sem legenda, apenas com o nome do fotógrafo, a imagem é uma
das mais famosas da Guerra do Vietnã. Capturada no dia 8 de junho de 1972
por Nick Ut, fotógrafo vietnamita, naturalizado estadunidense foi a imagem
que balizou sua carreira como fotógrafo.

1 BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História Sociedade & Cidadania: 3 º ano. 1. ed. São Paulo: FTD, 2013.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 17

Mas como usar pedagogicamente esse material imagético, em sala de


aula? Bittencourt (2009, p. 369) assegura que imagens fotográficas demudadas
em meios didáticos, beneficiam a introdução dos alunos no método de análise
de “documentos históricos”. Até porque, conforme ressalta Santaella (2012,
p. 87), “aquilo que vemos em uma foto não é uma imaginação, um sonho,
uma recordação, mas a realidade em seu estado de passado. Ela registra o
fato, o acontecimento”.

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Portanto, as imagens como os textos para a História têm seu papel: narrar,

uto
falar sobre, descrever sobre, relatar sobre. Mas não será um relato, um conto,
uma descrição, uma narrativa qualquer. Baseados nas fontes, o Historiador
e o professor trarão ao presente aquilo que se fala, se descreve e se narra de

R
um acontecido. Portanto é uma reconstrução de um instante do pretérito, em

a
que a linguagem tem papel fundante na aproximação de temporalidades dife-
rentes. Tão importante quanto narrar, relatar e descrever será refletir, buscar

do
compreender e entender; perceber e exercer a capacidade de pensar sobre
aC
os atos, as falas e a inteligibilidade que conduzem o percurso dos homens e
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mulheres nos diversos espaços sociais, em suas crenças e certezas, em suas


são
fragilidades e conquistas.

Imagem 2 – Atentado de 11 de setembro de 2001


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Fonte: Spencer Platt/Getty Images.


18

A imagem em destaque é de Spencer Platt, fotojornalista americano,


que se encontra na página 188 ilustrando uma a seção denominada Hora de
refletir, no livro História passado e presente2. Disposta na parte lateral direita
em tamanho pequeno, com nome do fotógrafo, sem legenda. Logo abaixo
dela um informe que diz:

A organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda coordenou a ação de 19

r
V
terroristas, que sequestraram quatro aviões comerciais de passageiros. Dois
desses aviões colidiram contra as torres gêmeas do complexo empresarial

uto
World Trade Center (Nova York), como se vê na foto, que desmoronaram.
Os atentados, ocorridos em 11 de setembro de 2001, foram responsáveis
pela morte de milhares de pessoas (AZEVEDO; SERIACOPI, 2016, p. 188).

R
a
A imagem está posta como se a fotografia não falasse, como se não fosse
um flagrante da realidade da ação humana destruidora. O recorte do momento

do
fez da imagem um documento histórico e uma fonte de imaginações. Até por-
que, como reforça Mauad (2004, p. 35): “[...] nunca ficamos passivos diante
aC
de uma fotografia: ela incita nossa imaginação”, logo, nos fazendo refletir

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sobre o que se passou. são
O registro fotográfico da conta de que se trata do dia em que o país de
maior potência econômica – os Estados Unidos da América – sofreu o maior
ataque na sua história. O clique que capturou esse momento, data de 11 de
i
rev
setembro de 2001, registrada na História como o dia em que ataques suicidas
foram coordenados pela AL Qaeda contra alvos civis, deixando como resultado
or

um número de mais de 2.500 mortos, aproximadamente.


Foram muitas as imagens dessa tragédia e em vários ângulos. Mas, a
fotografia de Spencer, é a que está na maioria dos Livros Didáticos de História.
ara

A violência de imagens de corpos queimados, mutilados, cobertos de fuligem


etc. é amenizada e substituída por uma iconografia-padrão. As diversas formas
ver dit

de violência explícitas acerca do atentado de 11 de setembro não foram expos-


op

tas nos manuais didáticos. Isto não quer dizer que elas não existiram. Daí se
conclui que as fotografias são mundos de afinidades mudas, densas, gélidas
(CIAVATTA, 2004, p. 45) e que obedecem a certas normativas e regras para
serem publicizadas, dependendo do lugar de exposição. E, tratando-se dos
E

livros didáticos, sabe-se de certos cuidados que as Editoras devem se atentar


para não ferir suscetibilidades. Caberá então, ao professor fazer as costuras,
as aproximações, preencher as lacunas que a imagem suprimiu. Decorre disso
que o professor se ocupará de leituras complementares, daquilo que está fora

2 AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História: passado e presente. 1ano/ Ensino Médio. 1. ed. São
Paulo: Ática, 2016.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 19

da imagem exposta; se arregimentará de outras informações para ensinar sobre


o tema com mais elementos.
Pensar sobre as questões que estão fora da imagem, ao mesmo tempo
que a tangenciam, abrirá possibilidades de se trabalhar a interdisciplinaridade.
Imagens de cunho violento podem ser também abordadas em sala de aula
porque trazem em si insights para se tratar dos temas correlatos. Ainda que a
pesquisa sobre imagens requer um aparato conceitual, metodológico, teórico

r
V
que possibilite o objeto iconográfico ir além de simples ilustrações, importa

uto
atentar para o que instrui Ivani Fazenda (2003, p. 70): “[...] o fato é que nem
sempre nos damos conta dessas parcerias”.

Considerações finais
R
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Na historiografia tradicional, o conhecimento histórico só era possível

do
a partir da análise das fontes que se restringiam aos documentos escritos.
No entanto, com as transformações metodológicas, o pensar historiográfico
aC
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foi ampliado. As práticas sociais e culturais tornaram-se também objeto de


são
interesse da História. Afinal, são nas relações com a alteridade ou com se-
melhantes que o ser humano se revela em suas potencialidades. Interessa à
História conhecer essas potencialidades do ser humano no decurso do tempo,
discorrendo sobre as formas como as narrativas são construídas, estruturadas
i

e codificadas. Ao tomar a imagem como documento, a História serve-se de


rev

um método de pesquisa inovador e que repercute também na maneira como


or

se ensina a História. Por ser a imagem uma realidade captada ou imaginada,


ela não dispensará da ajuda de outros saberes para a construção de narrativas
acerca do que já foi, ou maneiras de se falar sobre um passado.
ara

As imagens aqui apresentadas são flagrantes de um mundo de relações


ver dit

sociais complexas, feitas por quem testemunhou instantes violentos que se


eternizaram graças à uma câmera fotográfica. As imagens, portanto, certificam
op

a presença humana ora dos fracassos, ora das vitórias. O fotógrafo é então a
testemunha, o elemento humano por trás de uma câmera que eternizou um
instante e que a História, em cada olhar o presentifica. Visualizar imagens
que remetem a situações de conflitos intensos é perceber a vida em suas der-
E

rotas, em suas fragilidades, em seus vazios e obscuridades. Ainda assim, a


imagem posta-se como documento que revela o ser humano em ação, como
protagonistas de suas escolhas, como ator e articulador de relações e sobre
quem a História vai arguir, no futuro. Em cada presente, e quando aplicadas
em sala de aula, caberá ao professor fazer as devidas contextualizações e
ressignificações da crueza de algo que uma lente outrora captou.
20

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Da Violência. Trad. Maria Claudia Drummond. Data


publicação original 1970.

AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História: passado e presente. 1

r
V
ano/ Ensino Médio. 1. ed. São Paulo: Ática, 2016.

uto
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos
e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

R
a
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Trad. Vera Maria Xavier

do
dos Santos; rev. técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
aC
CIAVATTA, Maria. Educando o trabalhador da grande “família da fábrica”:
A fotografia como fonte histórica. In: CIAVATTA, Maria; ALVES, Nilda

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são
(Org.). A Leitura de Imagens na Pesquisa Social: História, Comunicação
e Educação. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2004. p. 19-36.

FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Pau-


i
rev

lus, 2003.
or

MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História – Possibilidades de análise. In:


CIAVATTA, Maria; ALVES, Nilda (Org.). A Leitura de Imagens na Pes-
quisa Social: História, Comunicação e Educação. 1. ed. São Paulo: Cortez,
ara

2004. p. 19-36.
ver dit

SANTAELLA, Lucia. Leitura de imagens. São Paulo: Editora Melhora-


op

mentos, 2012.
E

CAPÍTULO 2

REMEMORANDO O TEMPO ESCOLAR:


uma ponte entre o passado, presente e o futuro
Maria Aparecida Dias Lima

r
V
Simone Maria da Rocha

uto
A arte de lembrar possibilita ao sujeito uma conexão com o tempo, in-

R
centivando a reflexibilidade das vivências motivadas pelas experiências de

a
vida e de formação. O conhecimento sobre histórias e experiências passadas
torna-se relevante para a compreensão dos rumos tomados pela educação do

do
presente, deixando previsíveis alguns acontecimentos futuros. Assim, temos
muito a refletir sobre a trajetória da educação e a construção da identidade
aC
docente, de modo a entender que a educação se reflete nos indivíduos provo-
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são
cando a necessidade de transformação e a superação do medo da mudança.
Rememorar as salas de aula antigas, as práticas pedagógicas dos profes-
sores, o processo de aprendizagem dos alunos pode contribuir na compreensão
de como aconteceu a transição entre a antiga escola e a nova escola, assim
i

como a ressignificação do ser professor, revelando o contexto histórico e co-


rev

nhecendo alguns processos que não completaram esse percurso de transição.


or

Para Bloch (2001, p. 61) “a fronteira entre passado e presente é um movimento


constante – essa fronteira se move de acordo com a compreensão humana
do passado”. Este fato apresenta a memória como responsável pela relação
ara

estabelecida entre o passado, presente e a expectativa do futuro.


ver dit

Nessa perspectiva, a história escolar do sujeito tem uma grande relevância


na constituição do esquema escolar e profissional de si tendo desdobramento
incisivos em suas formas de atuação. O ato de rememorar proporciona a
op

imersão de sentimento e de afeto intercalados entre a vida escolar na infân-


cia, ser aluno, e a escola de hoje, na dualidade de ser docente e de ser aluno
nas formações continuadas. A partir dessa contextualização utilizamos em
E

nosso trabalho a pesquisa de narrativas (auto) biográficas com ênfase no


grupo reflexivo. De acordo com a compreensão de Passeggi (2013), o grupo
reflexivo é um dispositivo pedagógico cujo objetivo é reunir um determinado
grupo social (estudantes, professores, profissionais liberais etc.) e o seu en-
gajamento em partilhar e colaborar com outro em atividades reflexivas que
visam a compreensão da historicidade de suas aprendizagens, de si mesmo e
do outro, enquanto sujeitos históricos. Esta colocação remete em conhecer as
22

ações dos sujeitos no passado, pois o tempo histórico condiz com os grupos
humanos, os quais são responsáveis pelas mudanças sociais e, também, são
modificados por elas.
Convidamos quatro professoras de uma escola do ensino fundamental da
rede municipal de ensino de Mossoró-RN para colaborar em nossas pesquisas,
priorizando as que já tiveram experiências em escolas públicas e privadas. As
professoras foram incentivadas a escrever sobre si, a rememorar e construir as

r
V
lembranças do seu tempo escolar, evidenciando as temáticas escola-família-

uto
-aprendizagem; a escola tendo como cenário o contexto inclusivo; a professora
no início de carreira e a professora que me tornei. Assim, a narrativa escrita
fornece no próprio movimento da sua escrita, fatos tangíveis, estados de

R
espírito, sensibilidades, pensamentos a propósito de emoções e sentimentos,

a
bem como atribuições de valores (JOSSO, 2004, p. 186).
Nosso objetivo centra-se nas reflexões e análises das narrativas e escritas

do
dos professores diante do cenário das salas de aula e do processo de ensino
aC
aprendizagem do passado, da infância; e sua relação, comparação ou reconhe-

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cimento de mudança com o contexto atual. Isto implica em um entendimento
são
sobre a atuação dessas professoras no que concerne aos seus processos de
ensino da contemporaneidade, seus desafios e a necessidade de experimentar
novos percursos enquanto profissionais.
i
rev
O tempo, o ensino, a memória e a narrativa
or

Para Bloch (2001) o tempo é o plasma que envolve os fenômenos como


lugar de sua inteligibilidade; é no tempo que entendemos os fatos históricos,
pois somente o contexto pode nos auxiliar a compreender os acontecimentos.
ara

O tempo histórico revela e organiza a trajetória de ensino no Brasil que de


ver dit

início estava sob responsabilidade das ordens religiosas durante o período


colonial. Porém, a constituição de 1824 reservou espaço para o surgimento
op

de um sistema nacional de educação, se consolidando o sistema público e o


setor privado de ensino, fortalecendo o processo de transmissão e sistemati-
zação advindo de uma educação formal dos conhecimentos, das sociedades
e das suas respectivas culturas. A partir da constituição de 1988 e a Lei de
E

Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96 o ensino passou a ter mais


investimentos e avanços na qualidade. Porém, ainda enfrentamos o desafio
do passado, pois diante das transformações e avanços dos setores da nossa
sociedade a nossa educação no que diz respeito ao ensino de algumas esco-
las continua a mesma do século passado, dificultando a universalização da
educação, um direito de todos.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 23

Conhecer as vivências e experiências das professoras em seu contexto


escolar referente ao passado e presente pode facilitar no processo de ressig-
nificação de sua prática, assim como, entender o que estamos reproduzindo
ou criando diante da necessidade do ensino. Nesse sentido, a rememorização
pode revelar atitudes que permitem a consciência de estarmos no presente, e
de já termos vivido um passado, sendo a memória um fio condutor do tempo
e compartilhamento de culturas. Recorremos a testemunhos para reforçar ou

r
V
enfraquecer e, também, para completar o que sabemos de um evento sobre

uto
o qual já temos alguma informação (HALBWACHS, 2006, p. 29). De certo,
temos muitas informações bibliográficas, e até algumas lembranças de como
eram as salas de aula e o processo de ensino, o que é relacionado as lembranças

R
a
da infância, muitas vezes fazemos essa relação e a comparação com os dias
atuais, no entanto, buscamos nesse trabalho fortalecer a memória individual

do
fazendo uso da memória coletiva.
Nas palavras de Halbwachs:
aC
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Se nossa impressão pode apoiar-se não somente sobre nossa lembrança,


são
mas também sobre a de outros, nossa confiança na exatidão de nossa evo-
cação será maior, como se uma mesma experiência fosse começada, não
somente pela mesma pessoa, mas por várias (HALBWACHS, 1990, p. 25).
i

Sendo exatamente nossa intenção a de narrar a sua própria história e de


rev

se reconhecer nas narrativas das outras pessoas, através do uso da memória,


or

de lembrar e rememorar alguns fatos da sua história de experiência de vida e


formação. Conforme afirma Passeggi (2011, p. 149):
ara

Entre um acontecimento e sua significação, intervém o processo de dar


sentido ao que aconteceu ou ao que está acontecendo. A experiência, em
ver dit

nosso entendimento, constitui-se nessa relação entre o que nos acontece


e a significação que atribuímos ao que nos afetou. Isso se faz mediante o
op

ato de dizer, de narrar, (re)interpretar.

A experiência que tanto falamos não está explicita em anos de trabalhos,


mas com as vivências que afetaram o sujeito e suas atribuições a essa forma de
E

afetar, ou seja, a relação de algo que lhe foi proporcionado e o momento como
compreendeu esse percurso de experiência de vida e de formação. A imersão
no passado conduz movimentos de significação, principalmente a algumas
respostas de como estamos compreendendo e respondendo as exigências
proporcionada no ser professora e sua atuação nos dias atuais.
24

Movimento de rememorização: grupo reflexivo

Com a finalidade de aprofundar o sentido do ato de narrar e refletir suas


experiências, convidamos quatro professoras de uma escola do ensino fun-
damental da rede municipal de ensino de Mossoró-RN, a participar de um
grupo reflexivo, onde poderíamos rememorar, refletir e analisar trajetórias
da educação motivadas por três reflexões: a minha vida escolar, o início de

r
V
carreira, a professora que me tornei; analisando os percursos de interação es-

uto
cola-família-aprendizagem- nos processos de formação profissional, também
relacionando, a perspectiva inclusiva no contexto escolar. Realizamos três
encontros. O primeiro encontro se deu sob a forma de convite explicando a

R
a
proposta e o desenvolvimento do trabalho; o segundo foi o encontro de sen-
sibilização sob a relevância de rememorar o tempo, narrar e torna-se autor da
sua própria história de vida e formação evidenciando o percurso profissional

do
e a história de todo esse percurso. No terceiro encontro, formamos uma mesa
aC
redonda e desenvolvemos o trabalho reflexivo em três momentos: a escrita
de si, a socialização das escritas e a análise das reflexões.

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são
Narrativas (auto)biográficas: escrevendo, narrando e refletindo

Em um consenso dinâmico, as professoras decidiram os nomes fictícios,


i
rev

com vista a respeitar ao preceito de integridade física e preservação da imagem


social das docentes. Foram escolhidos pseudônimo referentes aos tipos de
or

flores, sendo assim denominadas: Jasmim, Margarida, Lírio e Orquídea, pois


segundo as professoras o jardim é um lugar para contemplar, refletir e relem-
brar sua beleza. A presença de vida não depende somente das circunstâncias
ara

do tempo, mas de quem cuida e cultiva, ou seja, do jardineiro. Nesse sentido,


vamos apresentar o terceiro momento do nosso trabalho, o grupo reflexivo.
ver dit

De início, quando as professoras estavam escrevendo sobre as questões


reflexivas propostas, percebíamos o quanto estavam concentradas, os gestos
op

davam para expressar o sentimento da satisfação de reviver, de rememorar


aqueles momentos. No momento da escrita lembraram de muitas coisas da
infância e ficavam ansiosas para escrever e não esquecer. Iniciando a nossa
E

socialização, a professora Margarida pediu para iniciar e ler a sua escrita:

[...] Comecei minha vida escolar aos sete anos, devido a problemas alérgicos
e respiratórios. [...] Meus pais tinham o ensino fundamental incompleto,
mas mesmo assim me ensinavam o que sabiam, minha mãe utilizava a
metodologia tradicional que enfatizava repetições. Quando fui pela pri-
meira vez para a escola me senti triste, desprotegida e insegura isso me
fez chorar desesperadamente. O fato da professora não ter valorizado esse
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 25

momento me causou ainda mais tristeza, sentia medo de conversar com


ela devido o seu semblante expressar muita seriedade e autoritarismo. [...]
Durante as aulas costumava não conversar, apenas ouvia as explicações e
orientações da professora, não tirava dúvidas, pois tinha medo de ser rotu-
lada de desatenta, dificilmente concluía as tarefas de sala, desenvolvendo
um sentimento de baixa auto-estima. O método tradicional favoreceu a
decodificação devido as atividades repetitivas, mesmo assim consegui ler
e escrever no final do primeiro ano, no entanto, o método não conseguiu

r
V
contribuir para a minha formação humana. Continuava tímida e sentia-

uto
-me incapaz de organizar a fala para interagir, a professora continuava
fria, distante exigente e sem considerar as singularidades de seus alunos
(MARGARIDA, 2019).

R
a
Nesta narrativa, a professora Margarida deu ênfase a fragilidade de sua
saúde na infância e essencialmente a sua primeira experiência com a instituição
escolar, a qual não foi tão satisfatória. Em sua fala, fica visível que o método

do
tradicional de ensino, no qual o/a professor/a cumpre o papel de transmissor
aC
de conhecimento e o/a aluno/a de depositário de informação era predominante
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na infância escolar de Margarida. O método tradicional surgiu na Europa por


são
volta do século XVIII e se tornou preponderante pelos séculos XIX e XX,
de modo que suas raízes ainda perduram no século XXI. Este fato remonta
a posição de Bloch (2001, p. 60) quando diz que: “O presente estaria ligado
i

em cadeia ao passado”, pois o presente é resultado dos acontecimentos do


rev

passado. Margarida prossegue, em sua narrativa, salientando a continuação


dos seus estudos e a escolha da profissão:
or

As exigências, a padronização e a visão homogenia das escolas dos anos


80 certamente prejudicou o desenvolvimento das minhas competências
ara

e habilidades necessárias ao letramento, pois era assim que me sentia até


o final do ensino fundamental. Já no ensino médio sentia-me mais livre e
ver dit

mais segura na metodologia dos professores. Gostava das discussões das


atividades, da produção de materiais pedagógicos. Descobri que era possui-
op

dora de um grande potencial, isto alimentou o meu sonho de ser professora.


Comecei a lecionar aos 16 anos quando ainda estava no magistério, depois
trabalhei em algumas escolas particulares, fui aprovada em dois concursos
públicos. [...] Como sempre busco me adequar as novas experiências, fico
E

feliz em contribuir para a formação do educando. Sempre tenho consciên-


cia das minhas limitações enquanto profissional, por isso tenho buscado
estudar e me capacitar a cada dia mais (MARGARIDA, 2019).

A narrativa acima deixa evidente que Margarida avalia o método tradi-


cional como insuficiente e causador de muitas das suas limitações no aprendi-
zado. Isto também condiz com os conceitos de Saviani (1988, p. 23) quando
“classifica o método tradicional como método intelectualista e enciclopédico,
26

visto que trabalha os conteúdos separadamente da experiência do aluno e das


realidades sociais”.
Mesmo assim, Margarida continuou no seu propósito de estudar, e
no decorrer do tempo se descobriu professora. A colaboradora da pesquisa
deixa transparecer sua satisfação em exercer a profissão e buscar novos
conhecimentos. Na sua última narrativa, Margarida fala sobre a inclusão no
contexto escolar:

r
V
uto
[...] O ensino tradicional não proporcionava oportunidades para aqueles que
não acompanhavam os padrões esperados, diante das dificuldades dos alu-
nos muitos nãos eram acompanhados individualmente, como as atividades
eram homogenias, alguns alunos eram castigados por não concluírem suas

R
tarefas, rotulados de desatentos e preguiçosos. Os alunos com deficiências

a
geralmente estudavam na APAE. Atualmente, como professora vejo que
ocorreram muitas mudanças no cenário inclusivo, as salas regulares re-

do
cebem alunos com deficiência e tem se esforçado na medida do possível
para atender as especificidades desses alunos. Apesar de contar com essas
aC
inovações as famílias não tem contribuído de forma significativa e muitas

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vezes os atendimentos são insuficientes. Atualmente sou professora de
são
uma criança autista e outra surda, isto tem sido um desafio, foi então que
resolvi estudar LIBRAS na mesma escola que minha aluna estuda, para
ela a primeira língua, isto tem contribuído significativamente em minha
prática (MARGARIDA, 2019).
i
rev

A professora lembra que antes as crianças não tinham a mesmas oportu-


or

nidades de ensino, ao contrário a exigência era que todos deveriam seguir o


mesmo ritmo, e isto implicava em exclusão, pois os alunos com dificuldades
não iriam conseguir, devido as suas limitações, e consequentemente seriam
ara

considerados fracassados. Margarida fala sobre os alunos com deficiência


e coloca que antes eles estudavam em uma escola especial, identificada na
ver dit

narrativa como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).


Exatamente porque nos anos 70 e 80 ainda vivíamos em um período de se-
op

gregação no ensino, de modo que é somente em 2008 que surgem as orien-


tações da política nacional da educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, a qual nos ajudou no processo de acessibilidade dos alunos com
E

deficiência nas escolas regulares. Porém, Margarida reconhece que tivemos


muitos avanços no cenário inclusivo, no sentido de que hoje a educação


consegue visualizar a sala de aula como diversidade e desenvolver ações que
favorecem a acessibilidade. Exemplo disso é a própria Margarida, que para
ampliar a acessibilidade de sua aluna surda, buscou a formação continuada
participando das aulas de LIBRAS junto com sua aluna Margarida, aprendendo
a segunda língua e sua aluna a primeira.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 27

As professoras ouviram Margarida e se reconheceram em algumas nar-


rativas. No momento em que Margarida estava rememorando aconteceu uma
verdadeira tempestade de lembranças, ocasião em que as professoras passa-
ram a compreender que também, mesmo sendo de uma forma bem particular
viveram muitos dos momentos narrados por Margarida. Na concepção de
Halbwachs (1990), a memória pode ser entendida como uma (re)construção
do passado realizada com o auxílio de dados do presente.

r
V
Dando continuidade nas reflexões, a professora Jasmim iniciou de uma

uto
forma bem sentimental falando da sua infância:

[...] Os meus pais eram semianalfabetos, porém conscientes da educação


formal na vida dos filhos, nos colocou muito cedo na escola, também nos
R
a
ensinou os valores morais e espirituais. Como era difícil a escola pública,
fomos estudar com uma professora particular para desasnar (aprender) na

do
leitura e na escrita. Era com muita alegria que íamos para casa das professoras
que ficava a poucos metros da nossa casa, aprendemos as letras através da
aC
carta do ABC (cartilha). Depois fomos estudar em outra escola, que também
funcionava na casa das professoras, mais distante de nossa casa. Lembro que
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são
lá era um salão e sentávamos em banco de madeira ao redor de uma grande
mesa e elas tomavam as nossas lições, usavam uma cartilha para ensinar a
juntar as sílabas, passava atividade no caderno de cobrir e copiar, também
atividades de algumas operações de matemática. Naquela época, ajudávamos
a nossa mãe nas obrigações de casa, mas também estudávamos e brincávamos
i

de subir em árvore, tomar banho de riacho... Mudamos para a cidade e minha


rev

mãe me matriculou em uma escola pública [...] Peguei sempre professoras


exigentes e controladoras, mas que contribuíram na minha formação [...]
or

Sempre fui uma aluna de ótimas notas e bom comportamento. [...]Passei no


vestibular para pedagogia, no início achava que não me identificava com
o curso, mas no decorrer dos períodos fui me encontrando e descobrindo a
ara

minha vocação para o magistério (JASMIM, 2019).


ver dit

Jasmim apresenta em sua narrativa a dificuldade do acesso as escolas


públicas, isto demonstra como foi importante a motivação dos pais para a vida
op

escolar da professora. No momento em que Jasmim fala a palavra “desasnar”


as outras professoras reconhecem que também seus avós e pais falavam esta
palavra, principalmente quando os alunos apresentavam dificuldades para
E

aprender. Os pais, que na época tinham melhores condições financeiras contra-


tavam professoras para ajudar nesse processo, ou do contrário pedia a alguém
da família para auxiliar. A professora conta em detalhes como era o espaço
físico da escola, em nossa memória logo vem o cenário de escolas tradicio-
nais, com ensino nas cartilhas repetitivas, também, constata-se a evidência
das disciplinas de português e matemática, e a ausência das disciplinas como
história, geografia, ciências etc. Diante disso, ela continua em suas narrativas:
28

Iniciei a minha carreira do magistério em uma escola particular de Mosso-


ró-RN, não tive muitas dificuldades, a turma tinha um bom nível de apren-
dizagem, os pais eram presentes na vida dos filhos, tinha uma supervisora
sempre me auxiliando pedagogicamente, tinha material disponível, porém
o método de ensino era tradicional, seguíamos o livro didático. Em 1986
fui aprovada no concurso público para professor do estado, ao assumir a
vaga no estado fui trabalhar na função de orientadora educacional. [...]
Em 2000, após aprovação do concurso no município fui trabalhar em uma

r
V
escola da zona rural distante há mais de vinte quilômetros da cidade, foi

uto
uma experiência diferente, pois estava há vários anos trabalhando com
alunos com outro nível de ensino. A escola funcionava em um galpão,
sem a mínima estrutura física, em dois turnos e com duas salas de aulas,
separados por tabiques (parede divisória de madeira), na época não tinha

R
coordenação pedagógica, era por polo, mesmo enfrentando dificuldade

a
com acesso a transporte, falta de material, eu gostava muito de trabalhar
nessa escola [...] Fiquei trabalhando lá por dois anos, depois construíram

do
uma nova estrutura e permaneci até cinco anos. Consegui uma escola na
cidade e estou há muitos anos trabalhando na mesma escola, com muita
aC
satisfação e afetividade. [...] Com relação a inclusão tive pouca experiência,
quando trabalhava na zona rural tive um aluno surdo e ele se comunicava

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são
por gestos, a turma me ajudava, naquela época não havia intérprete nem
formação em LIBRAS, alguns anos depois é que tive a oportunidade de
fazer um curso de formação continuada em LIBRAS. De modo geral,
considero que houve um avanço muito grande de inclusão escolar, hoje
as salas são bem diversificadas, mais acessibilidade tanto no espaço físico
i
quanto no pedagógico, também a implantação do atendimento especiali-
rev

zado e de programas de auxiliares, tudo isso ajuda na real efetivação da


or

inclusão escolar (JASMIM, 2019).

Conforme retrata a narrativa acima, percebemos que Jasmim fala sobre


ara

duas realidades acerca das instituições escolares com as quais teve contato,
a escola pública e a escola privada. Ela apresenta a escola particular como
ver dit

tendo materiais pedagógicos, coordenador, boa participação dos pais e alu-


nos com bom comportamento, ao mesmo tempo apresenta uma experiência
op

vivenciada em uma escola da zona rural do município que residia, a qual


apresentava dificuldade de locomoção, estrutura física precária, falta de
apoio pedagógico e falta de material. Porém, ela compara que nas duas
E

predominava o método tradicional, salientando que gostava muito das duas


escolas, sentia satisfação em ensinar.
Com relação a inclusão, a professora retrata a dificuldade de trabalhar
pedagogicamente os alunos com deficiência, principalmente naquela época em
que não tinha o apoio pedagógico e nem formação, ela exemplifica contando
que no início da carreira teve uma aluna com surdez e tanto a aluna como
todos da sala se comunicavam através de gestos, mas com o passar dos anos,
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 29

a professora reconhece que houve avanços das práticas inclusivas na educa-


ção. Jasmim conseguiu fazer cursos de LIBRAS e mais alguns relacionados a
inclusão. Ela cita o apoio dos auxiliares de sala e do atendimento educacional
especializado como essencial na contribuição do processo de inclusão escolar.
Nesse momento, as outras professoras refletiram sobre a importância de incluir
e universalizar o ensino para todos.
Continuando o nosso processo reflexivo, a professora Orquídea reforçou

r
V
a importância da prática colaborativa do/a professor/a, auxiliar de sala, pro-

uto
fessora do atendimento educacional especializado e a família. Ela iniciou suas
narrativas evidenciando o seu afeto desde a infância com a profissão docente,
expressando amorosidade com a educação em cada narrativa.

R
a
Morava na zona rural e aos cinco anos fui morar com a minha tia na ci-
dade, estudei na alfabetização com uma professora maravilhosa, eu era

do
uma aluna muito dedicada gostava muito de estudar e também de ajudar
as professoras a escrever a tarefa na lousa [...] Brincava de ser professora,
aC
cresci nesse pensamento, a minha mãe era professora. Na adolescência
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comecei a dar aulas de reforço, depois consegui um emprego na secretaria


são
de educação da minha cidade, quando faltava uma professora eu fazia
questão de substituir [...] Terminei a faculdade, com uma filha pequena
fiquei desempregada, ociosa até receber um convite para trabalhar em
uma escola particular, eu lembro que mesmo com o salário atrasado eu
i

trabalhava valorizando todas as experiências e consentimentos, não desisti,


rev

ao contrário eu sempre acreditei na educação. [...] Com o passar dos anos


fui aprovada em dois concursos públicos e me tornei uma professora que
or

busca cotidianamente conhecimento para aprimorar a prática pedagógica,


realizando, assim, o meu sonho de infância. Em todas as etapas da educação
básica que estudei as turmas eram separadas, os alunos fortes dos alunos
fracos na aprendizagem, também não tinha aluno com deficiência, vivía-
ara

mos o tempo da segregação. Hoje nas escolas que leciono esse cenário é
diferente, a sala de aula é diversificada e temos alunos com deficiências,
ver dit

onde contamos com o apoio de auxiliares (ORQUÍDEA, 2019).


op

Orquídea teve várias experiências na educação que a tocou de forma


positiva, mesmo diante dos desafios, a professora sempre valorizou o ato de
ensinar e aprender. Em seus momentos reflexivos ela fala que teve seu salário
E

atrasado, sendo exatamente nesse momento que todas as professoras refletiram


a desvalorização da profissão de/a professor/a no Brasil, no que concerne
a remuneração, a falta de estrutura das salas, a formação continuada entre
outros. Relatando que esse é um contexto histórico e que muitas mudanças
sociais causaram a desvalorização do trabalho docente perante a sociedade.
Atualmente, o professor enfrenta desafios como incluir na diversidade, cursar
formações continuadas para acompanhar as informações e as tecnologias, e
30

principalmente saber lidar com a violência presente nas escolas, que é real-
mente, uma das grandes preocupações atuais.
A professora Lírio iniciou esclarecendo a todas que estava sensibilizada
com aquele momento e que a memória das colegas tinha estimulado as lem-
branças do seu tempo escolar. [...] Isto significa que, antes de ser falada ou
escrita, existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de infor-
mações na nossa memória (LE GOFF, 2003, p. 421). Lírio também inicia a

r
V
escrita de si demonstrando o seu afeto pelos estudos:

uto
[...] Morava em uma cidade pequena do RN, meus pais eram pobres e tive
minhas primeiras lições escolares com meus avós. [...] Quando fui para

R
uma escola já conhecia o alfabeto e escrevia o meu nome, a escola era

a
como se fosse a minha segunda casa, era quieta e atenta as aulas, sempre
tirava dez. Na época, a escola tinha muitas normas e tudo devia ter or-
ganização e obediência: filas, cantar o hino e respeitar a todos da escola

do
chamando de senhoras e senhores, principalmente os professores. As vezes
lembro de todas as dificuldades que passei, essas lembranças me trazem
aC
saudades, principalmente a certeza de que gerou muita aprendizagem,

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como dizia a minha mãe: “Aprendeu a ser gente”. O curso de pedagogia
são
não foi uma opção minha, mas do meu pai. Terminei a faculdade e não
surgiu nenhuma oportunidade de lecionar, aproveitei o momento e fiz
duas especializações. Realizei um concurso público em minha cidade e
fui aprovada. Quando entrei na sala de aula, me senti muito bem e com o
i
passar do tempo descobri que estava realizada profissionalmente, apesar
rev

dos desafios eu permaneço a perseverar e ativa na tarefa de ensinar. [...] No


passado a exclusão acontecia nas salas de aula, ocasionada pela questão
or

de aprendizagem e também financeira, pois alguns alunos eram muito


pobres e não tinha condições de permanecer na escola, quando permane-
cia eram inferiorizados por aqueles que tinham dinheiro. Na sala, lembro
ara

de ter estudado com uma aluna que sofria de epilepsia, no momento das
convulsões a gente tinha medo, mas depois todos respeitavam e ajudavam
ver dit

na lição (LÍRIO, 2019).

Em suas reflexões, Lírio coloca que sua opção pelo magistério teve a
op

influência de seu pai, mas quando ela começou a lecionar veio a certeza que
estava na profissão certa, de que deveria perseverar na opção de ensinar e
compartilhar saberes. Nas reflexões das professoras percebe-se visões que
E

demonstram e reforçam a premissa de que entre os séculos XIX e XX as


mulheres eram presença massiva na profissão docente. A profissão docente
ainda hoje é constituída por um número significativo de mulheres, princi-
palmente na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
O professor está mais presente nas salas do fundamental dos anos finais,
ensino médio e nível superior. A professora Lírio coloca que: Existia e ainda
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 31

existe um determinado preconceito social de homens assumindo a sala de


aula de crianças, principalmente na educação infantil. Para algumas pessoas,
ensinar as crianças pequenas passa a ser associado a uma tarefa semelhante a
realizar cuidados maternos, ou seja, um trabalho tipicamente para mulheres.
Sendo compreendido principalmente ao cuidado com as crianças, exigia
menos formação e mais vocação. Sobre a inclusão, Lírio relembra que o
fator econômico favorecia a permanência e o modo como os alunos seriam

r
V
tratados em sala, sendo assim, vestígios do método tradicional onde segundo

uto
Libâneo (2010, p. 8): “discrimina os pobres, levando o abandono escolar e a
resistência violenta dos alunos” se mostrava recorrente.

Considerações finais
R
a
Por meio do ato de rememorar preservamos fatores relevantes para a

do
formação da essência humana, tomamos consciência do tempo, de já ter-
aC
mos vivido um passado e com isso entender, através do contexto histórico
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os acontecimentos do presente, de modo a multiplicar conhecimentos em


são
um tempo futuro. De fato, algumas memórias não surgiram no momento
reflexivo, o que na verdade é normal, pois não conseguimos registrar tudo
o que ocorreu num dado momento, não só no plano individual, mas também
no plano coletivo. concordamos com Pollak (1989) quando ele diz que a
i
rev

memória é seletiva e depende dos valores do indivíduo, do momento his-


tórico e dos interesses do grupo social, que sempre remetem aos conflitos
or

de definição das identidades.


As reflexões conduzidas pelas professora mediante narrativas de experiên-
cias de vida e formação, permitiram compreender que muitas das vivências de
ara

sua infância, seja no contexto escolar ou familiar, ainda persistem em algumas


ver dit

realidades do presente, e que tanto a escola privada quanto a escola pública


devem se desprender do passado, daquele passado que persistia em reproduzir
op

a divisão social de classe, a desigualdade perante os direitos de aprendiza-


gens dos alunos, para viver um presente significativo em nossa educação. De
acordo com as reflexões das narrativas, as professoras abordam os métodos
de ensino do passado como ineficiente para o aprendizado e a formação hu-
E

mana, com isso, fica visível que para aperfeiçoar as suas práticas elas buscam
novos conhecimentos, formações continuadas, compartilhamento de saberes e
afetividade para compreender a singularidade de cada aluno. Sobre a inclusão
todas reconheceram avanços, principalmente com a implantação das políticas
de educação na perspectiva inclusiva. Legalmente superamos a segregação
com relação ao ensino dos alunos com deficiência, porém ainda temos que
lutar por muitas conquistas e superar alguns desafios diante de uma sociedade
32

cheia de preconceitos. A valorização do professor, emerge as discussões sobre


a qualidade da educação, evidenciando questionamentos, os quais recorrem a
ponte histórica entre passado, presente e a expectativa do futuro.
Nesse sentido, o grupo reflexivo possibilitou o reconhecimento da rele-
vância do percurso de histórias de vida e de formação das professoras na sua
infância, uma vez que elas conseguiram ressignificar as vivências do passado,
compreendendo que muitos momentos foram experimentados de acordo com

r
V
o contexto histórico, ou seja, as transformações sociais, políticas e econômicas

uto
mudam substancialmente as concepções e os paradigmas educacionais. A partir
das reflexões, as professoras entraram em um processo de reinventar-se, de
dar sentido a tudo que viveu, valorizar as oportunidades hoje e esperançar no

R
amanhã dias melhores, de forma que todos possam fazer parte desse processo:

a
a escola, os alunos, os saberes e o professores. De acordo com Passeggi (2011)
o ser humano tem a capacidade de ressignificar as experiências, configuran-

do
do-os como seres autopoéticos porque são capazes de se reinventar.
aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 33

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ver dit

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez; Autores


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E
ver dit
sã or op
ara aC
rev R
i são V
do
a uto
r
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CAPÍTULO 3

PARA ALÉM DA SALA DE AULA:


o uso do museu como espaço de ensino-
-aprendizagem da história local

r
V
uto
Anna Rafaella de Paiva Dantas
Cléia Maria Alves
Francisco das Chagas Silva Souza

R
a
Atualmente, uma das grandes preocupações dos professores está no fato
de os alunos, por muitas vezes, sentirem dificuldades em compreender os

do
motivos pelos quais estudam História. Em alguns casos, isso ocorre quando
aC
as abordagens em sala de aula evidenciam fatos que são muito distantes da
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realidade vivenciada pelos discentes e, como consequência disso, o reconhe-


são
cimento enquanto ser histórico torna-se mais difícil de ser compreendido.
O professor de História, como mediador do saber escolar, é responsável
por criar estratégias de ensino-aprendizagem que favoreçam a inserção do
i

aluno na produção do conhecimento e, assim, o possibilite a compreensão de


rev

que a História não é algo que se refere apenas ao passado, mas que ela está
direta ou indiretamente relacionada com vivência do presente.
or

Assim, buscamos discutir as possibilidades que os espaços museo-


lógicos podem favorecer nas reflexões a respeito da identidade e cultura
ara

local/regional. Faz-se necessário conduzir uma percepção de que conhecer


os museus, enquanto espaços que guardam memórias, promoveriam uma
ver dit

aproximação dos educandos com fatos históricos locais, bem como o olhar
sobre diferentes fontes históricas que são disponibilizadas, para que, dessa
op

maneira, possam entender que a história atual é também resultado de acon-


tecimentos do passado.

Ensino de História e História Local: reflexões sobre o processo


E

de ensino-aprendizagem

Nas últimas décadas, as pesquisas no campo do ensino de História ganha-


ram muita notoriedade. Os debates nessa área de atuação propuseram novas
reflexões, materiais e propostas teórico-metodológicas que visavam transfor-
mar os procedimentos na relação de ensino-aprendizagem dessa disciplina.
36

Com o processo de redemocratização, após o período do regime militar


(1964-1985), o país passou a vivenciar um novo contexto educacional. Segundo
as palavras de Schmidt (2007), “[...] na segunda metade da década de 1990,
com a publicação pelo Ministério da Educação brasileiro, dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, novas indicações de concepções, conteúdos e meto-
dologias passaram a ser incorporadas, oficialmente, ao ensino de História”
(SCHMIDT, 2007, p. 189).

r
V
As discussões também davam ênfase no papel da História, enquanto

uto
componente curricular, para contribuir na formação de alunos autônomos,
partícipes e emancipados. Não cabia mais à sala de aula se restringir a um
espaço de reprodução de conteúdo, mas a um lugar no qual a troca de sabe-

R
res entre os alunos e os professores pudesse favorecer a construção de novas

a
reflexões sobre a vida prática.
Assim, tornou-se indispensável discutir e refletir sobre os objetivos e as

do
propostas curriculares da História. Aos poucos, tais propostas foram influen-
ciadas pelas diversas tendências historiográficas, e, com isso, muitos pesqui-
aC

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sadores direcionaram-se para novas temáticas de estudo ligadas à história da
são
cultura e do cotidiano, o que viabilizaram a revisão das abordagens históricas
mais tradicionais que eram trabalhadas no contexto escolar. Nesse aspecto,
os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados em 1997, expressam que:
i
rev
A apresentação do processo histórico num eixo espaço-temporal euro-
cêntrico, seguindo um processo evolutivo, sequencial e homogêneo, foi
or

denunciada como produto pronto e acabado, redutor da capacidade de o


aluno se sentir na condição de sujeito comum, parte integrante e agente da
História, e restritivo ao discernimento da diferença entre o conhecimento
histórico produzido por estudiosos e as ações dos homens realizadas no
ara

passado. Introduziu-se, na mesma época, a preocupação em desenvolver nos


estudantes domínios procedimentais de pesquisa histórica no espaço escolar
ver dit

e atitudes intelectuais de desmistificação das ideologias, da sociedade de


consumo e dos meios de comunicação de massa (BRASIL, 1997, p. 27).
op

O documento aponta a necessidade de se repensar currículo tradicional


da disciplina História. Além disso, destaca a relevância da identificação, por
E

parte dos estudantes, acerca da sua própria formação enquanto ser histórico e
político, pois, é comum perceber, na sala de aula, a resistência na desconstrução
dos estereótipos e a desvalorização da memória dos grupos locais.
Diante disso, estimular as capacidades do educando no sentido da refle-
xão, observação e posicionamentos, frente à realidade vivenciada, tornaram-se
características indispensáveis do processo ensino-aprendizagem da História.
As práticas interdisciplinares passam a serem incentivadas no sentido de
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 37

contribuir para a compreensão da diversidade humana, emergindo na pers-


pectiva do diálogo entre os saberes e da integração das ciências.
No contexto atual, a interdisciplinaridade vem buscando romper com o
caráter de fragmentação dos saberes e estimulando um olhar diverso sobre a
realidade, permitindo ao educando compreender melhor a relação entre o todo
e as partes. Como afirma Japiassu (1994, p. 1): “O saber em migalhas revela
uma inteligência esfacelada. O desenvolvimento da especialização dividiu

r
V
ao infinito o território do saber. Cada especialista ocupou, como proprietário

uto
privado seu minifúndio de saber, onde passa a exercer [...] seu mini-poder”.
Porém, o autor esclarece que o incentivo à interdisciplinaridade

R
[...] não se trata de tentarmos buscar uma superdisciplina ou uma espécie

a
de super-ciência capaz de dar conta da complexidade dos problemas. Os
“óculos” de uma disciplina são totalmente impotentes para estudar os

do
problemas em sua complexidade. Creio ser ilusória a atitude pretendendo
que uma abordagem interdisciplinar construirá uma nova representação
aC
do problema que seria muito mais 40 adequada no absoluto, vale dizer,
independentemente de todo critério particular. Por exemplo, não é ver-
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são
dade que a pura associação de abordagens da biologia, da psicologia, da
sociologia, etc. pode nos fornecer uma “ciência” interdisciplinar da saúde
e que seria mais adequada, mais objetiva e mais universal, pois exami-
naria muitos mais aspectos do problema. Tal abordagem interdisciplinar
não cria uma espécie de “super-ciência” mais objetiva que as outras. Ela
i

simplesmente produz uma nova abordagem, uma nova disciplina, um novo


rev

paradigma. Portanto, ao tentarmos criar uma “super-abordagem”, apenas


recriamos uma nova abordagem particular. É assim que nascem as novas
or

disciplinas (1994, p. 1).

A partir dessas novas reflexões, muitas propostas de ensino tomavam


ara

como ponto de partida a realidade prática e vivência dos alunos. Essa estratégia
ver dit

era uma das formas de inserir os educandos no processo de aprendizagem de


forma ativa, para que, assim, pudessem trazer suas vivências e, ao mesmo
op

tempo, incorporarem a estas outras abordagens.


Os debates com relação à realidade social, expressos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, foram relevantes para a incorporação da História
Local no ensino de História de maneira autônoma. Schmidt (2007) expõe que
E

[...] a História Local foi tomada como um dos eixos temáticos dos conteúdos
de todas as séries iniciais da escola fundamental e como perspectiva metodo-
lógica em todas as séries da escola básica. O objetivo era que a adoção dessas
perspectivas pudesse contribuir para a construção da noção de pertencimento
do aluno a um determinado grupo social e cultural. [...] A História Local foi
valorizada também como estudo do meio (SCHMIDT, 2007, p. 189).
38

O estudo do meio social permite ao aluno compreender a própria reali-


dade vivenciada. Caracteriza-se como um elo entre a identidade do sujeito e
o espaço que ele vive elucidando sua historicidade bem como a preservação
dos traços culturais da comunidade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
apontam que “[...] no caso do estudo do meio, uma paisagem histórica é um
cenário composto por fragmentos, suscitadores de lembranças e problemáticas,
que sensibiliza os estudantes sobre a participação dos antigos e modernos

r
V
atores da História, acrescentando-lhes vivências e concretudes para a sua

uto
imaginação” (BRASIL, 1997, p. 90).
Bittencourt (2009) explica que os estudos referentes ao meio social
assumem uma tarefa de propiciar vivências sociais com diferentes grupos e,

R
ao mesmo tempo, estimula a interdisciplinaridade nas propostas de ensino.

a
Para as disciplinas de História, Geografia e Artes o “meio social e físico”

do
corresponde a um laboratório de ensino. A sociedade, em suas relações
temporais e espaciais, normalmente apresenta por textos escritos ou pela
aC
iconografia, situa-se em outra dimensão e profundidade ao ser observada

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diretamente, pois neste caso surge a oportunidade de dialogar com pessoas,
são
identificar construções privadas e públicas, atentar para fatos cotidianos que
geralmente passam despercebidos e transformá-los em objeto de estudo,
de análise, de descoberta (BITTENCOURT, 2009, p. 274).
i
É importante salientar que os Parâmetros Curriculares Nacionais, com
rev

relação à disciplina História, apresentam alternativas para que haja uma me-
or

lhor compreensão dos alunos em relação ao estudo da memória coletiva e à


construção do conhecimento histórico. Aliado a isso, evidenciam também a
importância do trabalho pedagógico através de depoimentos orais bem como
ara

outros tipos de fontes. Para Thompson (1992, p. 217),


ver dit

O trabalho de campo em história oral propicia o ingresso na vida de


outras pessoas e com isso cria uma experiência humanizada profunda e
op

comovente. Ela estimula o trabalho coletivo, fomenta e estreita as rela-


ções entre as pessoas de uma comunidade, fazendo com que olhem para
dentro e percebam que a comunidade carrega uma história multifacetada
de trabalho, vida familiar e de relações sociais.
E

Levando em consideração que a história oral é um método capaz de trazer


para nossa realidade uma perspectiva dos acontecimentos do passado, tanto o
professor como o aluno, podem considerar que outros documentos, além dos
escritos, trazem informações que não são encontradas nos livros didáticos.
Além disso, os relatos orais possibilitam o reconhecimento de laços de iden-
tidade e/ou diferenças entre os indivíduos, grupos e classes. Numa dimensão
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 39

de tempo, isso permite que o aluno identifique os aspectos culturais e de luta


existentes entre as classes sociais, favorecendo, assim, o discernimento das
suas características e contextos históricos.
O processo de construção de identidades vincula-se às memórias cole-
tivas da localidade, uma vez que permite a ligação entre gerações passadas e
futuras. Nessa interação entre os indivíduos, as memórias preservadas servem
para fortalecer os laços referentes à ideia de pertencimento sobre o local.

r
V
A construção da identidade social relaciona-se com a consciência que se

uto
tem de si mesmo. De acordo com Neves, (1997, p. 15), “[...] essa consciên-
cia supõe um reconhecimento do mundo no qual se existe e atua”. Assim, a
construção da identidade social é compreendida quando o sujeito se reconhece

R
como ser pertencente a determinado grupo social e a sua localidade.

a
Nessa perspectiva, é relevante o desenvolvimento de práticas pedagógicas
que retratem, na sala de aula, a história pessoal e dos grupos de convívio dos

do
educandos, pois, assim, favorecerá a construção das identidades e a compreen-
são das relações que os cercam. Um forte elo para o desenvolvimento dessas
aC
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práticas consiste no estudo sobre a importância dos museus e outros espaços


são
locais, que auxiliem na percepção da história desses grupos.
Os bens culturais e históricos de uma localidade contribuem para a
construção das identidades culturais, por isso, o estímulo à valorização da
memória coletiva é “imprescindível na medida em que esclarece sobre o
i

vínculo entre a secessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha”


rev

(FERNANDES, 2013, p. 134).


or

Assim, a valorização do patrimônio histórico, no qual inclui aspectos cul-


turais, artísticos, arqueológicos e naturais, torna-se indispensável para fins didá-
ticos do ensino de História. Entretanto, Fernandes (2013) aponta uma reflexão:
ara
ver dit

Vale ressaltar que o patrimônio histórico-cultural não constitui apenas um


acervo de obras raras ou da cultura de um passado remoto e distante, nem
serve tão só para lembrarmos nostalgicamente os tempos idos. A valori-
op

zação e o conhecimento de um bem cultural, que testemunha a história


ou a vida do país, pode nos ajudar a compreender quem somos, para onde
vamos, o que fazemos, mesmo que muitas vezes pessoalmente não nos
identifiquemos com o que este mesmo evoca, ou até não apreciemos sua
E

forma arquitetônica ou seu valor histórico (FERNANDES, 2013, p. 134).

Em muitas cidades brasileiras, existem museus ou fundações que se


dedicam à preservação do patrimônio histórico e cultural local. O professor
pode organizar uma visita a esses espaços para que os alunos possam ter con-
tato com os tipos de fontes históricas (jornais, fotografias, objetos), que são
disponíveis nessas localidades e identificar se estas contemplam a memória
40

de todos os grupos sociais. Essas análises podem contribuir para discussões


em sala de aula sobre as memórias que são mais evidenciadas e aquelas que
são deixadas à margem da historiografia local.

O museu como instrumento pedagógico para o ensino de História

Uma das temáticas pertinentes à discussão sobre o ensino de História na

r
V
atualidade, refere-se ao uso de fontes históricas como instrumento pedagógico

uto
para a construção do conhecimento. O uso didático de fontes históricas constitue-
-se como um instrumento pedagógico relevante por favorecer o desenvolvimento
intelectual dos alunos, através de situações concretas do passado.

R
Nesta perspectiva, o uso do espaço museológico no ensino de História,

a
constitui-se como um importante aliado que auxilia na construção do conhe-
cimento histórico e aprendizagem do aluno. Desse modo, “[...] os objetos

do
de museu que compõem a cultura material, são portadores de informações
sobre costumes, técnicas, condições econômicas, ritos e crenças dos nossos
aC

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antepassados” (BITTENCOURT, 2009, p. 353).
são
Sobre o papel dos museus na atualidade, Abud, Silva e Alves (2010,
p. 127), definem como:

[...] um espaço complexo, convergem diferentes dimensões e processos da


i
produção do conhecimento: coleta, pesquisa, guarda, conservação e comuni-
rev

cação [...] como espaço de produção de conhecimentos aberto ao público, sua


função é adquirir, conservar, pesquisar, comunicar e exibir evidências materiais
or

do homem e de seu ambiente para fins de pesquisa, educação e lazer. Assim o


papel sociais dos museus é definido, na atualidade, por sua função educativa.
ara

Neste sentido, o espaço do museu passa a ser visto como um lugar de


conhecimento, que não se limita apenas a exposição de objetos significativos
ver dit

do passado, mas como um espaço constitutivo da memória e da história que


remetem às tradições identificadas pelo grupo com suas marcas distintivas,
op

específicas e identitárias.
Para Pierre Nora, os museus de história constituem-se em lugares de me-
mória, porque assumem a tarefa de difundir determinada versão dos eventos
E

do passado e perpetuar a memória de um indivíduo ou grupo social. “São


lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e fun-
cional, simultaneamente, somente em graus diversos” (NORA, 1993, p. 21).
Desse modo, a cultura material e simbólica presente nos espaços museo-
lógicos, contribuem para a compreensão das experiências sociais e históricas
dos sujeitos, possibilitando a reflexão e a construção de possíveis interpre-
tações sobre os processos e os eventos históricos evocados pelos objetos em
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 41

exposição, constituindo-se como um fator imprescindível para a constituição


da memória e preservação do passado.
Para Bittencourt (2009), os museus e suas exposições possuem uma ação
educativa, uma vez que possibilita o desenvolvimento de análise, crítica e
curiosidades, despertando no aluno, um olhar de indagação sobre o passado,
e assim, aumentando o conhecimento sobre os homens e sua história.
Assim, ensinar História tomando como base, os objetos da cultura ma-

r
V
terial expostos no museu, contribuem para a observação, descoberta, análise

uto
e transformação dos conceitos históricos apresentados na sala de aula, pois:

[...] visitar museus é um exercício de cidadania, pois possibilita o contato

R
com temas relativos a natureza, sociedade, política, artes, religião. Leva a

a
conhecer espaços e tempos, próximos e distantes, estranhos e familiares, e
a refletir sobre eles; aguça a percepção por meio da linguagem dos objetos
e da iconografia, desafia o pensamento histórico com base na visualização

do
das mudanças históricas, permitindo repensar o cotidiano (ABUD; SILVA;
ALVES, 2010, p. 136).
aC
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são
Desse modo, o uso do museu como espaço pedagógico propicia opor-
tunidades concretas de significados, pois possibilita ao aluno refletir sobre o
seu papel na sociedade, contribuindo para a construção da identidade cultural
e o exercício da cidadania. Para Schmidt e Cainelli (2007), ensinar História é
i

ultrapassar os muros da escola, é pensar o mundo além da sala de aula.


rev

É necessário abrir os ambientes de aprendizagem histórica a outros espaços,


or

levando os alunos a refletir sobre o seu cotidiano, o que pode ajudá-los


a entender como no passado esse cotidiano interferiu na vida de outras
pessoas. Quando aprendem história, os alunos estão realizando uma leitura
ara

do mundo onde vivem, e assim, o tempo presente pode se tornar o maior


laboratório de estudo para a aprendizagem em história. [...]. Ao visitar um
ver dit

museu histórico, abre-se para o aluno um campo de possibilidades sobre


os s sentido da história materializada nos objetos, desde seu nascimento,
sua morte e transformação (SCHMIDT; CAINELLI, 2007, p. 150-151).
op

A compreensão dos museus como espaços pedagógicos, possibilita que


o aluno se aproprie dos saberes e dos valores culturais de sua comunidade,
E

reforçando a capacidade crítica, curiosidade e questionamentos, visto que,


as exposições museológicas como recursos discursivos do passado, não são
algo pronto, mas em construção (PACHECO, 2010).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de
História, o uso das fontes históricas a partir de visitas a exposições e aos museus,
consistem em um dos principais métodos auxiliares nas pesquisas escolares,
pois propiciam aos estudantes, um contato direto com documentos históricos,
42

incentivando-os a construírem suas próprias observações, interrogações, especula-


ções, indagações, explicações e sínteses para questões históricas (BRASIL, 1997).
Neste contexto, as exposições museológicas abrem possibilidades para
que o ensino de História ultrapasse a ideia de memorização dos conteúdos e
de que os livros didáticos são as únicas fontes do conhecimento. Desse modo,
o educador poderá exercer o seu papel de mediador, ao adotar práticas que
reforçam a capacidade crítica do aluno, instigando e despertando a curiosidade

r
V
para a construção do conhecimento.

uto
O educador, ao adotar práticas educativas que conduzem a criticidade
dos alunos, remetem a ideia de que ensinar não é transferir conhecimento,
conforme menciona Paulo Freire. Para este autor: “Quando entro em sala de

R
aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas

a
dos alunos, às suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da
tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir conhecimento” (1996, p. 47).

do
O uso do museu na sala de aula, possibilita ao aluno, novas leituras e
interpretações da cultura material, e que através desses mecanismos possam
aC

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perceber a inexistência de verdades absolutas e a diversidade de interesses e
são
discursos e suas representações dentro das sociedades.
É importante ressaltar que, a aula no museu, exige um planejamento das
atividades, é necessário decidir quais habilidades, conceitos e conhecimentos
serão trabalhados e as atividades a serem desenvolvidas. Almeida e Vascon-
i
cellos (1999) apontam algumas sugestões ao planejar uma ação didática numa
rev

exposição museológica:
or

Definir objetivos da visita; selecionar o museu mais apropriado para o


tema a ser trabalhado; ou uma das exposições apresentadas, ou parte de
ara

uma exposição, ou ainda um conjunto de museus; preparar os alunos


para a visita através de exercícios de observações, estudo de conteúdos e
ver dit

conceitos [...] elaborar formas de dar continuidade a visita quando voltar


à sala de aula e avaliar o processo educativo que envolveu a atividade,
a fim de aperfeiçoar o planejamento, em seus objetivos e suas escolhas
op

(ALMEIDA; VASCONCELOS, 1999, p. 114).

Os projetos de educação em espaços museológicos, necessitam de um


E

aprofundamento pedagógico, não basta apenas expor o acervo, é necessário


contextualizá-lo. O professor precisa explorar os significados dos objetos como
uma forma de qualificar sua função social de guarda, pesquisa e divulgação da
memória, instigando ao aluno a oportunidade de observar, questionar, refletir
e elaborar novas narrativas.
A aula no museu não deve ser vista apenas como uma “aula passeio”, mas
um aprofundamento dos conteúdos trabalhados. Desse modo, é importante
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 43

que os alunos percebam que os objetos não são apenas guardiões da memó-
ria, mas portadores de uma informação sobre o passado, que possibilitam a
construção do conhecimento histórico.
De acordo com Abud, Silva e Alves (2010), durante a aula no museu, é
importante que a exposição seja explorada de diversas maneiras, tais como:
o levantamento de hipótese e identificação, a investigação, a relação entre o
mundo das coisas e as pessoas que as produziram, a interpretação da linguagem

r
V
dos objetos e o momento da reinvenção, de dar significados às informações,

uto
críticas e conhecimentos construídos durante o trabalho.
É importante ressaltar que, a volta para a escola também é um momento
em que os alunos explicitam questões, dúvidas e curiosidades. Portanto, é

R
importante que o professor utilize recursos e linguagens diferenciadas, tais

a
como, rodas de conversas, levantar novas questões e propor pesquisas sobre
os temas de interesses dos estudantes (ABUD; SILVA; ALVES, 2010).

do
Desse modo, o uso do museu na sala possui um potencial educativo,
aC
tendo em vista que não devemos considerar apenas a atenção centrada nas
exposições, mas um recurso didático, capaz de promover a sensibilidade do
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são
aluno, incitando à construção de um conhecimento histórico crítico e reflexivo.

Considerações finais
i
rev

Diante do exposto, podemos inferir que o uso do museu como espaço


pedagógico, é um importante aliado na construção do conhecimento histórico,
or

principalmente para o ensino de História Local, pois os objetos museais são


portadores das tradições, costumes e crenças sobre o passado dos grupos retra-
tados. Essas informações contidas nos objetos, possibilitam ao aluno a cons-
ara

trução de ideias e conceitos históricos sobre as identidades e a memória local.


ver dit

Neste sentido, os museus constituem-se como lugares de memória, que


devem ser utilizados nos espaços escolares, como uma forma de despertarmos
op

nos alunos o interesse pela a História Local, o sentimento de pertença e à pre-


servação do patrimônio histórico, que muitas vezes enfrenta sérios problemas
em relação à preservação e o descaso pelo poder público, impossibilitando o
acesso aos visitantes.
E

Desse modo, compreendemos que o museu não é apenas um espaço do-


tado de um acervo para ser exposto, mas também uma instituição de pesquisa,
produção de saberes e conhecimentos. Contudo, os espaços museológicos para
sobreviverem institucionalmente, é necessário que haja interesse por parte dos
órgãos governamentais e privados, no que diz respeito à adoção de medidas e
investimentos que possuam contribuir na preservação do patrimônio cultural.
44

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E

E
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CAPÍTULO 4

RELAÇÕES ENTRE ESPAÇO


E ENSINO DE HISTÓRIA:
potencialidades do museu para o ensino

r
V
uto
Daniel Syllas Pereira Sousa
Marcelo Bezerra de Morais

R
a
Grande parte da história do ser humano se constituiu na busca pela con-
quista de novos territórios. Nos primórdios de sua aventura, a procura cons-

do
tante por alimentos e a busca por abrigo e proteção para enfrentar as longas
noites e os perigos ocasionados pelos animais fizeram dele uma espécie que
aC
vagava pelo mundo, aventurando-se por regiões desconhecidas e inóspitas.
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De acordo com Blainey (2008, p. 9) “em cada região desconhecida, tinham de


são
adaptar-se a novos alimentos e precaver-se contra animais selvagens, cobras
e insetos venenosos”. O espaço onde ele se instalava não tinha significado,
servia apenas como amparo às suas necessidades vitais.
i

Segundo Harari (2016, p. 87) “tudo isso mudou há cerca de 10 mil anos,
rev

quando os sapiens começaram a dedicar quase todo seu tempo e esforço a


manipular a vida de algumas espécies de plantas e animais”. A conquista pela
or

terra e pela propriedade privada proporcionou a fixação dos seres humanos em


espaços agora demarcados. Exercer o seu domínio pela terra estava no rol das
ações que se estabeleciam sobre novas relações sociais. Como nos mostra Harari
ara

(2016, p. 89), “assim que isso ocorreu, eles abandonaram alegremente a vida
ver dit

espartana, perigosa e muitas vezes parca dos caçadores-coletores, estabelecen-


do-se em uma região para aproveitar a vida farta e agradável dos agricultores”.
op

O espaço por eles habitados, nesse processo, passou a ter novo signifi-
cado: de propriedade, de intimidade, de importância para o desenvolvimento
de um grupo de pessoas. Os espaços deixaram de ter uma ligação ínfima com
E

os nômades, passando a fazer parte agora de sua memória. Esses territórios


passaram a assumir a unidade autêntica da vida de cada sujeito ali presente.


Os espaços tornaram-se parte dos sujeitos, assim como os sujeitos são
transformadores desses espaços. Assumem, a partir daí, uma relação de ex-
periências, de identidade e de pertença expressa por uma devoção e apego
por todas as coisas que fazem parte desse enlace, tanto as coisas materiais,
como as simbólicas.
48

A história é marcada pelos acontecimentos e pela produção humana so-


bre esses. As ações, construções, atitudes e comportamentos são marcas nas
memórias e os sujeitos as carregam para outros lugares e outros tempos. Os
espaços foram transformados, modificados, valorizados, tornando-se objeto
íntimo de sua essência enquanto constitutivo de sua formação.
É no percurso de suas aventuras que os sujeitos constroem suas memó-
rias e toda a sua produção cultural. É na experiência de sua vida, junto com

r
V
outras tantas experiências, que os sujeitos evoluem e constroem suas me-

uto
mórias coletivas, produzindo, também daí, histórias (HALBWACHS, 2006;
ALBUQUERQUE JR., 2009).
A experiência produzida pelos sujeitos é repleta de significados e cons-

R
truções que, muitas vezes, tornam-se valoráveis para gerações futuras, trans-

a
formando-as em conhecimentos necessários para compreender as trajetórias
que proporcionaram toda a produção cultural. De outro modo, buscam com-

do
preender o que foi pensado, decidido, construído, alterado, imaginado para
a constituições das significações de um presente, remetendo, muitas vezes e
aC

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portanto, aos artefatos do passado, aos espaços, às memórias, constituindo
são
espaços que recontam esses processos, como os museus.
Percebemos, assim, os espaços como parte das estruturas erguidas pelos
sujeitos em suas relações com os fatos históricos, e ainda os museus como
esses espaços que buscam a produção de memórias para gerações seguintes.
i
Aqui propomos estabelecer aproximações entre o espaço e os museus como
rev

lugares de memória, para refletir possibilidades para o ensino de História,


or

posto que vislumbramos nesses espaços um potente meio de constituição da


noção de de sujeito histórico. Para isso, discutiremos algumas compreensões
teóricas sobre as noções de história e espaço, apresentaremos a Casa Museu
ara

Máximo Rebouças como um espaço que proporciona memórias, e faremos


ver dit

uma aproximação das potencialidades da mobilização desse espaço para o


ensino de história.
op

Espaço e História: percepções sobre a produção do


conhecimento histórico
E

A busca por uma outra definição de espaço, tanto questionada por Massey
(2008) em Pelo espaço: uma nova política da espacialidade, nos remete a
imaginar associações com outras áreas do conhecimento. Assim, estabelecer
essas aproximações leva-nos a compreender as possibilidades de produção
do conhecimento histórico.
Seguindo a perspectiva de Massey (2008) sobre espaço, temos que ele
deixa de situar-se na ordem conceitual do que é estático, fixo, imóvel, como
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 49

também limitada visão simplista de superfície, extensão territorial e passa a


assumir um novo cenário.

O espaço é uma dimensão implícita que molda nossas cosmologias estrutu-


rantes. Ele modula nossos entendimentos do mundo, nossas atitudes frente
aos outros, nossa política. Afeta o modo como entendemos a globalização,
como abordamos as cidades e desenvolvemos e praticamos um sentido de
lugar. Se o tempo é a dimensão da mudança, então o espaço é a dimensão do

r
V
social: da coexistência contemporânea de outros (MASSEY, 2008, p. 15).

uto
As aproximações que pretendemos do espaço com o conhecimento
histórico vão além das construções territoriais e físicas de um determinado

R
lugar no tempo, passam a atravessar aspectos da produção da subjetividade,

a
das trajetórias, dos percursos elaborados pelos sujeitos em cada jornada e em
cada período da história. São construções simbólicas, experiências, memórias,

do
bem como a produção cultural, linguagens, crenças, costumes.
aC
Nesse sentido, visualizamos o espaço como uma dimensão estruturante
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possível para a produção da história. É no caminhar e nas trajetórias das rela-


são
ções humanas e de toda a produção cultural que a história lança sua âncora em
campo próprio para compor a sua característica fundamental enquanto ciência.
Os espaços, assim, assumem sua dinamicidade no processo histórico. Para
Massey (2008, p. 35) “o espaço é igualmente vivo e igualmente desafiador”.
i
rev

Ele não é algo engendrado. O conceito que o completa permanece atrelado a


uma necessidade ordinária, ou seja, persistente e política, e é nessa perspec-
or

tiva que a história é construída, que assume com vigor sua posição científica.

Reconhecemos o espaço como produto de inter-relações, como sendo


ara

constituído através de interações, desde a imensidão do global até o


intimamente pequeno [...]. Compreendemos o espaço como a esfera da
ver dit

possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade


contemporânea, como a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; como
op

a esfera, portanto, da coexistência da heterogeneidade. Sem espaço, não


há multiplicidade; sem multiplicidade, não há espaço. Se o espaço é, sem
dúvida, o produto de inter-relações, então deve estar baseado na existência
da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos. Reconhece-
E

mos o espaço como estando sempre em construção. Precisamente porque


o espaço, nesta interpretação, é um produto de relações-entre, relações que
estão, necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser
efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se. Jamais está acabado,
nunca está fechado (MASSEY, 2008, p. 29).

O espaço é também aquele que age sobre os sujeitos, que causa mudanças
na sua formação, que afeta tanto quanto é afetado. É aquele que soa a própria
50

dinâmica da transformação das múltiplas vivências, que forma e transforma a


constituição dos dados povos. Assim, observamos que os espaços são carre-
gados de histórias, de trajetórias e marcas nele deixadas, ou seja, as relações
espaciais implicam também relações históricas que constitui povos e regiões,
relações abertas, em processo de construção, nunca concluídas, sempre de
encontro possibilidades inúmeras (MORAIS; GARNICA, 2016).

r
V
Devemos tomar as relações espaciais como relações políticas e os discur-

uto
sos sobre o espaço como o discurso da política dos espaços, resgatando
para a política e para a história, o que nos aparece como natural, como
nossas fronteiras espaciais, nossas regiões. O espaço não preexiste a uma
sociedade que o encarna (ALBUQUERQUE, 2011, p. 35).

R
a
Compreendemos, dessa forma, que espaço e história como coexistentes, e
intrinsecamente relacionadas, se posicionam em campos correlacionados, por

do
vezes nos mesmos discursos, dimensionam as produções culturais, os sujeitos
aC
e suas relações com os outros sujeitos na construção de suas narrativas. Assim,
afirmamos nossa justificativa discursando que o foco dessa aproximação é o

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são
entrelaçamento de engajamento político no qual espaço e história participam,
e reconhecem o produto dessas relações como global-local, homogêneos e
heterogêneos, particulares e coletivas.
i
A casa museu máximo Rebouças: considerações sobre o espaço
rev

de memória para o ensino


or

Até pouco tempo os museus eram vistos como instituições aristocráticas,


ara

reservado para amantes da arte e intelectuais. Lugares distantes do povo.


Isso começa a mudar, mesmo que lentamente. Os museus recebem um novo
ver dit

conceito historiográfico, assim como novas linguagens em sua concepção en-


quanto espaço que se fortalece como ambientes mais próximos da população,
op

tornando-os não apenas públicos, mas promovendo a interação na perspectiva


de abrir novos caminhos entre os povos.

A gente recebe um público diversificado. São amantes da cultura, estudantes,


E

turistas de outros países como Portugal, Noruega, Suíça, que vem a nossa
terra se deleitar com as nossas belezas e aproveitam para conhecer a nossa
história. Pessoas de cidades do nosso estado também tem frequentado bas-
tante o museu, Apodi, Mossoró, Baraúnas, Natal, Açu, Grossos, Currais
Novos e outras. Por mês temos uma frequência de mais de 200 visitantes
(REBOUÇAS, Máximo. Entrevista realizada no dia 07/11/2018 por Daniel
Syllas. Entrevista escrita disponível no arquivo dos pesquisadores).
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 51

A Casa Museu Máximo Rebouças carrega um pouco da história de Areia


Branca, município da região litorânea do Estado do Rio Grande do Norte. Cada
artefato do museu guarda um pouco da memória das famílias areia-branquenses,
objetos que exprimem não somente lembranças do passado da cidade, mas
recordações de pessoas que se instalaram e viveram na “Terra do Sal”, título
rendido ao município pela sua massiva produção salineira.
A ideia da Casa Museu Máximo Rebouças surgiu a partir do projeto

r
V
de uma escola da zona rural do município na qual o proprietário do museu

uto
era professor. O projeto buscava uma exposição com o tema “Resgatando a
história de Areia Branca”. Na oportunidade, o professor Máximo Rebouças
teve a iniciativa de recolher artefatos antigos pertencentes a pessoas da co-

R
munidade para compor a exposição. “Para minha surpresa consegui muitas

a
relíquias que chamei de pepitas, como documentos, fotografias, objetos de
várias utilidades, moedas e cédulas antigas, disco de vinil etc.”, diz o profes-

do
sor. A exposição foi um sucesso e fortaleceu o interesse em colecionar esses
aC
artefatos e em fundar o museu.
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O fundador da Casa Museu Máximo Rebouças, criada em outubro de


são
2003 e leva o nome do professor em homenagem à iniciativa, conseguiu
montar um acervo expressivo de objetos variados. A junção de peças doadas
pelos moradores mais antigos e muitas vezes compradas transformou o prédio,
antes comercial, em um espaço pequeno para tanto “cacareco velho” – como
i
rev

eram chamados os objetos do acervo por seus conhecidos mais próximos.


or

Uma reflexão importante relativa ao ato de constituição de um acervo


museal, tanto para a versão tradicional como para a configuração virtual
dessa instituição de preservação da memória, é que tal acervo nunca é
ara

um fato natural. Ao contrário, trata-se sempre de um ato de criação e


elaboração discursiva, construído em torno de objetos selecionados pelo
ver dit

acaso do tempo e selecionados pelo trabalho humano ancorado no desejo


de definir o que é digno de ser lembrado (ROZA, 2014, p. 233).
op

Com recursos próprios, o professor Máximo, assim conhecido no mu-


nicípio, financiou a reforma do espaço do museu, ampliando os ambientes e
construindo um primeiro andar no prédio. Todavia, os espaços não apresentam
E

dimensões apropriadas que acomodem as mais de dez mil peças expostas.


A Casa Museu Máximo Rebouças é registrada no Guia dos Museus
Brasileiros do IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus, e possui um acervo
bastante diverso, todo catalogado e organizado como consta no guia do
IBRAM – Antropologia e Etnografia, Ciência e Tecnologia, História, Imagem
e Som – que pode ser visto na página 151 do Guia referente aos museus do
Estado do Rio Grande do Norte (BRASIL, 2011).
52

Ao entrar na Casa Museu, podemos perceber uma variedade de peças e


objetos expostos em estantes e armários antigos, organizados de uma forma
que nos proporcionam estreitos corredores como o único espaço para se tran-
sitar pelo ambiente. Nas paredes, encontramos quadros e molduras expondo
imagens, fotos e documentos relacionados à história do lugar. Muitas peças
estão relacionadas a personalidades e entidades da história de Areia Branca.
Os espaços de homenagem no museu são muitos. Políticos, comerciantes,

r
V
padres, marítimos, profissionais da saúde, professores, empresas e instituições

uto
que se instalaram na cidade são lembrados através de representações expostas em
peças, documentos e objetos pessoais, como é o caso do dormitório da professora
Geralda Cruz, primeira professora de matemática da cidade, cujo nome atualmente

R
é perpetuado por denominar uma das escolas municipais de Areia Branca.

a
É possível perceber que as homenagens são muitas e que não estão
simbolizadas somente nas personalidades e autoridades que fiseram parte da

do
história do município. Do político ao pescador, do professor ao fotógrafo,
do padre ao barbeiro, de espaços públicos à instituições privadas, muitos
aC
são lembrados por meio dos pertences, posições ou serviços prestados à so-

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
ciedade areia-branquense. Uma das representações que mais chama atenção
dos visitantes, principalmente dos mais velhos, é a exposição da sala do Cine
São Raimundo, montada no primeiro andar do prédio e com artefatos que
pertenceram ao cinema que, na década de 1950 e 1960, era espaço de lazer e
i
rev
diversão dos jovens daquela época.
Assim como as muitas peças, as coleções estão bem visíveis no museu.
or

Armas antigas, selos, cigarros, relógios de algibeira, livros, filmes, revistas em


quadrinhos, eletrônicos como rádios, telefones e televisores, máquinas de datilo-
grafia, traduzem a natureza diversa da peças da Casa Museu Máximo Rebouças
ara

e que ressignificam o passado de muitos moradores da cidade de Areia Branca.


Estes artefatos proporcionam recordações da infância de muitos visitantes.
ver dit

O espaço de memória proporcionado pela Casa Museu Máximo Rebou-


op

ças não carrega consigo somente a história da cidade de Areia Branca. Por
trás de uma história oficial do município são compiladas diversas memórias
outras, não oficiais, experiências diferenciadas, visões, hábitos e costumes
deixados como lembranças e retratados em objetos e artefatos que, em posse
E

das pessoas, fizeram parte e contribuíram com a história local e nacional.

O conhecimento histórico pressupõe um trabalho teoricamente orientado


e constantemente submetido a critérios publicamente discutidos e cons-
tantemente passíveis de crítica e autocrítica. A memória é algo muito mais
abrangente, vincula-se ao modo pelo qual as culturas fazem relações entre
passado, presente e futuro. Enquanto a história criou o hábito de pensar
sobre suas fontes e suas considerações, a memória encarrega-se de lembrar,
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 53

com a crença de trazer ao presente o que se passou ou ainda se passa, a


partir de certos valores que podem, ou não, reivindicar validade universal.
A história, sobretudo nas últimas décadas, trata a memória como objeto
de estudo, como fonte para reflexões sobre o modo pelo qual as socieda-
des lembram, como documento sobre o papel das recordações nas várias
dimensões da vida cotidiana, como a religião, a política, a família, a festa
etc. (ROZA, 2014, p. 234).

r
V
Compreendemos que esse espaço assume o cenário de produtor de

uto
memórias quando da sua relação com os acontecimentos históricos, anula a
distância e o tempo da memória e das narrativas ainda pronunciadas pelos
objetos do museu, possibiltando também a potente criação de histórias. Desse

R
modo, temos um espaço vivo que pulsa e forma, afeta e transforma, como

a
proposto por Massey (2008).
A memória de um povo permanece atrelada aos objetos e artefatos que

do
fizeram parte da vida de cada sujeito. Dessa forma, o acervo pode contribuir
para a compreensão da historicidade de um povo e de um lugar.
aC
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A memória é a vida sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido,


são
ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incom-
i

pleta do que não existe mais. A memória é o fenômeno sempre atual, um


rev

elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado.


Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a
or

confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais e


flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências,
cenas, censura ou projeções (NORA, 1993, p. 9).
ara

A Casa Museu Máximo Rebouças torna-se um ambiente propício para a


ver dit

aprendizagem em história, um espaço de memória que possui potencialidades


para o ensino de História. Percebemos a Casa Museu como um ambiente
que retrata espaços outros, que expõe a memória das trajetórias imbricadas
op

no passado e ainda conectada com o ensino da história presente. Também


retrata o lugar físico, simbólico, das práticas, dos costumes, das crenças. São
construções subjetivas imbuídas de atravessamentos de espaços e sujeitos,
E

em outras estruturas sociais, políticas e culturais.

O espaço museológico e o ensino de História:


aproximações e possibilidades

A história como disciplina escolar criou suas raízes em um modelo ver-


ticalizado e determinado de ensino como percebido em determinados textos
54

abordados nos livros didáticos adotados pelos sistemas de ensino em todo


o país. Muitas vezes, as aulas de história são leituras dos acontecimentos
históricos ligadas aos personagens heroicos e aos fatos notáveis desses per-
sonagens traduzidas pelas visões dos autores e das editoras. A história oficial
ficou engendrada nos documentos curriculares, presa a verdades construídas
através de percepções imaginadas por um grupo minoritário da sociedade que
alavancam seus próprios interesses e se distanciando da realidade do aluno e

r
V
de grande parcela da população. Dessa forma, uma história “oficial” é con-

uto
cretizada em muitos currículos de ensino e enaltece os fatos em particular e
oculta a participação coletiva da sociedade nos eventos históricos.
Sendo assim, esse tipo de história perde a sua dinâmica temporal, e fica

R
presa a um passado inalcançável, distante de se lembrar e de vinculá-lo à rea-

a
lidade. Com isso, a história desvincula-se da memória, de sua autenticidade e
das possíveis “verdades” que carrega e do contexto social do povo.

do
Essa perspectiva de ensino de história acima é distinta da que pretende-
aC
mos defender. Abordamos uma história ensinada que dê sentido ao passado
e ao presente, e proporcione reflexões para a construção de um futuro. Ad-

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são
vogamos o ensino da história que possibilite a construção do conhecimento
histórico de uma sociedade e de uma época calcada na memória das vidas
em sua singularidade e, simultaneamente no coletivo, contribuindo para a
construção de identidades.
i
rev

A história como uma área que se ancora na memória para constituir-se


or

tem nos museus, nos monumentos, e nos elementos da cultura imaterial


como a dança, a alimentação e a música importantes lugares de me-
mória. É nesses espaços chamados de “lugares de memória” que cada
indivíduo pode compreender o passado e significar o presente em que
ara

vive (SANTOS, 2012, p. 3).


ver dit

Sobre os objetivos do ensino de história destacamos:


op

O ensino de História possui objetivos específicos, sendo um dos mais rele-


vantes, o que se relaciona à constituição da noção de identidade. Assim, é
primordial que o ensino de História estabeleça relações entre identidades
individuais, sociais e coletivas, entre as quais as que se constituem como
E

nacionais (BARROS, 2013, p. 12).

De acordo com essa perspectiva, o museu como lugar de memória, os


espaços como mobilizamos e o ensino de história incidem potentes conexões
entre os artefatos do museu e suas narrativas alicerçadas pelos espaços por
onde atravessaram na história.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 55

Os museus são espaços de memórias. Eles são instituições que carregam


histórias, tanto individuais quanto coletivas, de uma localidade específica ou
de uma nação. Até algumas décadas atrás os museus estabeleciam uma ínfima
relação com o povo. Podia-se até mesmo perceber em suas exposições a au-
sência dos fatos comuns, ou seja, não havia ênfase com as histórias ligadas
aos populares. Tais museus tinham o propósito de divulgar os fatos heroicos
e de expor com exaltação suas peças e coleções muitas vezes pertencente à

r
V
nobreza e aos grandes feitos. Segundo Julião (2006, p. 22 apud SILVA, 2015,

uto
p. 254), “esses museus eram caracterizados pelas pretensões enciclopédias”,
objetivando-se como grandes repositórios de curiosidades.
Em Silva (2015), podemos perceber que nas primeiras décadas do século

R
XX os museus passam a assumir princípios pedagógicos, sobretudo, no que

a
se refere a construção e fortalecimento do sentimento pátrio. A partir daí
esse distanciamento entre os espaços museológicos e o povo começam a ser

do
encurtados e ganham maior proximidade na atualidade.
aC
Um dos principais objetivos definidos nos PCN’s de história dos anos
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são
iniciais do ensino fundamental, diz respeito à questão da valorização das
diversas formas culturais existentes e também a relação entre passado e
presente. Sendo assim, seriam os museus, um lugar de grande contribuição
para as aulas de histórias, além de torná-las mais práticas e dinâmicas,
porque a criança não apenas escutaria sobre determinado conteúdo, ela
i
rev

estaria entrando em contato com artefatos de sua cultura que possam ainda
lhes parecer estranhos (SANTOS, 2012, p. 3).
or

Assim, a proximidade com os arquivos museológicos, as relações dos


indivíduos nos grupos de convívio, bem como sua participação nos eventos
ara

culturais e contribuições nos atos públicos e coletivos alicerçam a construção da


sua identidade e dão sentido a sua realidade social. Segundo Silva (2015, p. 254)
ver dit

“os museus históricos vão se desenvolvendo no Brasil ao longo do século XX,


na ânsia de perdurarem memórias e histórias locais, regionais e/ou nacionais”.
op

Não somente conhecer o passado é importante para compreender o presente,


mas conhecer sua própria história e o seu cotidiano fortalecem identidades.
E

Conforme as Orientações Curriculares para o Ensino Médio são importante


a introdução do debate em sala de aula para que se compreenda o papel da


memória na vida da população, dos vínculos que cada geração estabelece
com outras gerações, das raízes culturais e históricas que caracterizam a
sociedade humana (BARROS, 2013, p. 12).

Enxergar nos museus espaços que podem ocupar função social junto
à população requer pensá-lo como lugar de conhecimento, de vivência, de
56

agencimanetos e transformação. A modernização e as mudanças em seu ar-


cabouço deram sinais de renovação em sua estrutura e composição. É nessa
vertente que provocamos à discussão para a constituição de um projeto de
ensino de História que estabeleça uma aproximação profícua entre os museus
e o ensino de história usando como pano de fundo os espaços mobilizados
nesse texto.
O contato com arquivos museológicos poderia contribuir para o ensino

r
V
de História com ações significativas para a construção do conhecimento dos

uto
acontecimentos históricos, possiblitanto reflexões a respeitos de práticas
condizentes com as dos sujeitos envolvidos no processo de ensino. Logo,
nessa direção, discussamos com o estreitamento das relações entre espaço e

R
os artefatos do museu que atravessaram espaços outros e tempos passados,

a
pois compreendemos ser elementos constitutivos nos processos históricos e
carregados de representatividade.

do
De modo mais geral, ao se confrontarem com os objetos museológicos,
aC
em que se misturam a memória imbuída nos objetos do museu e os espaços,

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os educandos e educadores poderão ser provocados a pensar a respeito de
são
como, quando e onde os fatos históricos ocorreram. De que forma aquelas
peças chegaram naquele ambiente, a quem pertenceu, quanto tempo se passou.
Portanto, um processo de ensino que se constitua de ferramentas e artifícios
mais contundentes para a prática educativa sinalizam aprendizagens próximas
i
rev
de uma formação e construção social coerente com as particularidades dos
sujeitos ali envolvidos.
or

Considerações finais
ara

O presente capítulo teve como proposta estabelecer aproximações entre


o espaço e os museus como lugares de memória, para refletir possibilidades
ver dit

para o ensino de História. O caminho traçado para a composição deste trabalho


esteve alicerçado em três seções além da Introdução e das Considerações finais.
op

Podemos reconhecemos o espaço como produto e produtor de interações,


sendo assim os espaços museológicos producentes para a elaboração de pro-
postas para o ensino de história. A exemplo dessa perspectiva, a Casa Museu
E

Máximo Rebouças pode ser vista como proposta e possibilidade de lugar de


memória para o ensino em história. Esse museu apresenta-se como cenário
de trajetórias e espaços outros, marcado em e por seus objetos que carregam
rastros de acontecimentos históricos. Assim, vislumbramos esses artefatos
museológicos e os espaços do museu possibilitando a experimentação e cons-
tituição de memórias, carregando a dinamicidade da história, oportunizando
a construção de possibilidade para o processo de ensino.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 57

REFERÊNCIAS

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rev
Antíteses, Londrina, PR, v. 8, n. 16, p. 252-278, jul. /dez. 2015.
or
ara
ver dit
op
E

CAPÍTULO 5

IMAGENS ESTEREOTIPADAS E
SOCIALMENTE RECONHECIDAS.
O NORDESTE NOS ATUAIS LIVROS

r
V
DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

uto
Enock Douglas Roberto da Silva
Paulo Augusto Tamanini

R
a
As escolas da Rede Pública de Ensino recebem, periodicamente, as obras

do
aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, adquiridas e
distribuídas pelo Ministério da Educação-MEC, por meio do Fundo Nacio-
aC
nal de Desenvolvimento da Educação-FNDE. Não há dúvida que os Livros
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são
passaram, antes de chegar às mãos dos professores e alunos por criteriosa
avaliação e tiveram aval da Secretaria da Educação Básica de cada Estado
da Federação. Neste capítulo, utilizamos como fonte de análise as coleções
de livros didáticos de História que fazem parte do Programa Nacional do
i

Livro Didático (2013-2017) e que estão presentes na maioria das salas de


rev

aulas, dos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará. A primeira coleção


analisada é a de “ESTUDAR HISTÓRIA”, da autora Patrícia Ramos Braick,
or

da editora Moderna, componente curricular: História, Ensino Fundamental.


PNLD 2014, 2015, 2016. 1ª edição. A coleção é composta por 4 livros, do
6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.
ara

Os livros dessa coleção foram pensados para os jovens alunos do século


ver dit

XXI, que vivem em um mundo conectado pela internet e pelos telefones ce-
lulares, dominado pelas imagens e pela explosão de informações que chegam
via web. São tantos os conteúdos disponíveis na internet que, quando há ne-
op

cessidade de consulta, fica-se desorientado por conta da imensidão de opções


que aparecem. Essa coleção apresenta essa inovação, no direcionamento do
aluno conectado, promovendo interação entre aluno, livro didático e web.
E

A segunda coleção analisada foi a “COLEÇÃO INTEGRALIS: HIS-


TÓRIA” da editora IBEP, tendo como autores o professor Pedro Santiago
(Mestre em História, Unicamp), Célia Cerqueira (Graduada em Biblioteco-
nomia, UnB) e Maria Aparecida Pontes (Pedagoga, Doutora em Educação,
FMU). O objetivo dessa coleção é aproximar a disciplina de História aos
contextos dos alunos, incentivando uma aprendizagem dinâmica e não
muito longe das realidades experimentadas pelos discentes. Todas as obras
da coleção apresentam direcionamentos para utilização de recursos extras,
como televisão, internet, rádio, jornais, cinema e revistas.
60

A terceira coleção é a da “História Sociedade & Cidadania” elaborada


por Alfredo Boulos Júnior do Programa de Pós-graduação em História da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Guia do PNLD 2015 ao
avaliar a coleção informou que os conteúdos de cada volume desta coleção
estão agrupados em unidades temáticas introduzidas por uma página dupla
com imagens e textos. As temáticas seguem uma forma cronológica linear,
intercalando temas da História Geral com os da História do Brasil, com

r
V
ênfase na abordagem política e econômica.

uto
Imagens de um Nordeste estereotipado

R
Todas as imagens que constam neste tópico pertencem às já supra-

a
citadas coleções de livros didáticos. A figura abaixo, situa-se à página 49
do livro HISTÓRIA, 8º ano da Coleção Integralis, em que se encontram

do
representadas as principais áreas produtoras de açúcar no Brasil colônia.
A narrativa confirma que o Nordeste se destacou como o grande produtor
aC
dessa que foi uma das primeiras riquezas do país. Mostra que a produção

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


açucareira concentrou-se apenas na área litorânea, sem ainda mostrar as
são
subdivisões geográficas que perfazem hoje, os estados do Nordeste.

Figura 1 – Mapa da produção econômica na América portuguesa no Século XVI


i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Fonte: Coleção Integralis: História. 8º ano, p. 49.


HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 61

A região Nordeste se originou como espaço geográfico a partir do sé-


culo XVI. O historiador Durval Muniz Albuquerque Júnior assegura que o
Nordeste surgiu como um novo recorte espacial do Brasil a partir de 1920, e
que estava ligado aos processos de delineamento operacional da extração de
produtos. Segundo ele,

começa a surgir os discursos a separação entre a área amazônica e a área

r
V
“ocidental” do Norte, provocada principalmente pela preocupação com a

uto
migração de “nordestinos” para a extração da borracha e o perigo que isto
acarreta para o suprimento de trabalhadores para as lavouras tradicionais
do Nordeste (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 69).

R
Entende-se que nesse momento o Nordeste se oficializa como região

a
de fato e direito mesmo que a necessidade de superação fosse visivelmente

do
enorme, no processo de sua institucionalização, pois, antes acostumados ao
poder oligárquico do Estado do Norte. Como revela o mesmo autor em:
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

A visão restrita de espaço, como aquele sobre o qual se exerce o mando


são
pessoal ou oligárquico, vai ter de se ampliar para unir forças contra o pro-
cesso de subordinação crescente sofrido por estes grupos. Seus interesses
particulares, antes identificados como os interesses de seu Estado, passam
agora a ser pensados como interesses de um todo maior: o interesse regio-
i

nal um recorte espacial, onde todos os sujeitos se inclinariam na mesma


rev

direção (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 69).


or

E nesse contexto, o Sul se insere como entrave a formação na identidade


da região. O Nordeste emerge na sujeição a região sul do país, como espaço de
subordinação, de dependência já constatada no poder estatal nacional. Desde
ara

a exclusão das regiões do Norte no Congresso Agrícola em 1878, no Rio de


ver dit

Janeiro, retratam a forma de recessão e da situação econômica e política entre


Norte e o Sul na época. Em resposta, os nortistas -- diante da crise econômica
op

na produção açucareira, a seca de 1877-1879 (com repercussão nacional pela


imprensa) e a venda de escravos para a região sul – organizam o Congresso
Agrícola do Recife, “um fórum de duras críticas a situação discriminatória
do Estado Imperial em relação a este espaço o que tangia a investimentos,
E

política fiscal, construção de obras públicas e política de mão-de-obra” (AL-


BUQUERQUE JÚNIOR, 1999).
Durante quase três séculos (XVI-XVIII) a região Nordeste concentrou a
maior parte da população e grande parte das riquezas do Brasil. O sistema de
acumulação baseado na produção de cana-de-açúcar, ao contrário do café no
Sudeste, ocorreu num momento em que a ocupação brasileira representava o
enriquecimento da metrópole através da exploração da colônia. Saindo desse
62

período colonial, que é brevemente retratado nas coleções aqui analisadas,


adentrados ao período histórico que mais encontramos referências a região
Nordeste: o início do século XX. Foi quando o Nordeste como região geo-
gráfica foi criado, embasado num discurso de ser esta uma região carente de
investimentos (entenda-se ajuda). O Nordeste foi discursivamente pensado
como uma região marcada pela necessidade de ajuda que vinha das outras
regiões economicamente mais desenvolvidas e pelo forte apelo messiânico. Tal

r
V
discurso regionalista é refletida por Durval Muniz de Albuquerque Júnior, que

uto
refle sobre a construção de estereótipos e de práticas que legitimam discursos
preconcebidos (ALBUQUERQUE JR., 2011).
Reforça a ideia de messianismo o trecho encontrado no livro de História

R
da coleção Integralis, 9º ano, especialmente quando trata de Antônio Conse-

a
lheiro e o Arraial de Canudos:

do
A ideia de região como espaço Nordeste se reporta a elementos de caráter
social e político, que tem no tradicional e no místico, a formação de sua
aC
população e, das relações sociais e culturais que fizeram e que fazem

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


parte da história de um povo ou região, como o cangaço e o messianismo
são
que eram presentes no Nordeste, porém tinha ideologias diferentes, pois
o cangaço fazia uso das forças e o messianismo usava a oração e o paci-
fismo. [...]. Nos primeiros anos da República, o Sertão Nordestino era a
região mais pobre do Brasil. Marcada pela concentração de terras. Nesse
i
lugar, ocorreu um grande movimento, que os estudiosos trataram como
rev

messiânico, de cunho religioso. Deixaram de lado, assim, vários de seus


aspectos sociais, culturais e políticos. Mas não foram apenas as populações
or

do Sertão que procurou caminhos para mudar a própria realidade. Em ou-


tros lugares existiram ações menos organizadas, como a dos cangaceiros,
grupos armados que percorreram o Sertão entre o final do século XIX e
ara

meados do Século XX (Coleção Integralis: História. 9º ano, 2016, p. 68).


ver dit

Percebemos a frequente generalização de fatos, acontecidos em apenas


um estado da região, mas que é assumido para todo o Nordeste. O mesmo
op

acontece com o termo “Nordeste açucareiro”: será que toda a região Nordeste
era produtora da cana de açúcar? Ou seria apenas uma faixa litorânea? Há
também generalizações e representações distorcidas relacionadas a cultura,
E

religião, culinária etc.


Na coleção Integralis, os movimentos de revoltas e messianismo são
apresentados de maneira generalizada e superficial. Tais movimentos não
ocorreram em todo os estados da região, ficaram restritos a alguns. Entretanto,
as imagens e discursos presentes nos livros didáticos resumem a representar
o messianismo, o cangaço e o coronelismo como movimentos típicos da
região Nordeste.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 63

Ao analisar o discurso sobre o Nordeste, percebemos algumas caracterís-


ticas que se disseminaram acerca do perfil humilde, pobre de seus habitantes,
morando em casas de barro e palha, construídas envolta a uma Igreja. É tam-
bém possível inferir a característica de organização dos espaços, planejados
para se tornarem futuras cidades.
Menezes, informalmente pontua as formas de classificação do cangaço
e de como a violência de dominação e terror configurava a região:

r
V
uto
De um lanço de vista geral, poder-se-ia fixar o cangaceirismo clânico ou
agrário e o cangaceirismo político. Ou seja, o que decorreu de concen-
tração dos núcleos em fazendas, com seus agregados, pequenos feudos
que rivalizaram em lutas incruentas, nos tempos coloniais. E, já dento da
R
a
República, lutas por motivos políticos entre coronéis sertanejos dominando
os municípios, influindo nas eleições, tendo as urnas como motivo central
das competições. Bem sabemos que, no fundo, as molas são econômicas,

do
e revertem nesse sentido. Nos últimos quartéis do século, o banditismo,
que se desprendeu da propriedade rural, por cissiparidade, autonomizou-se
aC
em grupos volantes, agindo por conta própria; e aceitando empreitadas
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por vezes políticas, como no caso de Floro Bartolomeu comissionando


são
Lampião para combater os inimigos da legalidade de 1926 (MENEZES,
1970, p. 23, grifos do autor).

Com a desestabilização do coronelismo, a situação econômica e social


i

do Nordeste entra em declínio, em favor da baixa produção açucareira e al-


rev

godoeira e a concorrência com o mercado europeu, a região perde seu status


or

de polo econômico-social de ponta.

Figura 2 – Representação da figura do cangaceiro no


ara

livro do 9º ano da Coleção Integralis: História


ver dit
op
E

Fonte: Coleção Integralis: História. 9º ano, 2016, p. 72.


64

A análise da figura 2 nos permite entender que o cangaceiro era, antes


de tudo, preocupava-se com a aparência. Se os bandoleiros vestiam trajes
de cores escuras e se escondiam da polícia, homens como Lampião e Co-
risco, esmeravam trajes faustosos, com anéis e medalhas, lenços coloridos,
bornais repletos de bordaduras, chapéus de couro enfeitados com estrelas e
moedas. Uma estética rica, peculiar e original, que conferia uma blindagem
mística ao cangaceiro, satisfeito com a beleza e ainda seguro em meio a uma

r
V
suposta inviolabilidade.

uto
Figura 3 – Imagem do bando de Lampião

R
a
do
aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Fonte: Livro regional NORDESTE. 4º e 5º anos. 2017, p.262.

Na figura 3, o livro didático apresenta outra generalização quando informa


que o bando de Lampião era sinônimo de cangaço, ignorando a atuação de
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 65

outros grandes cangaceiros (como Corisco, Jesuíno Brilhante, líder do cangaço,


na cidade de Patu RN, por volta de 1870).
O Nordeste e os nordestinos são “invenções destas determinadas relações
de poder e do saber a elas correspondentes” (ALBUQUERQUE JR., 2011).
Os estereótipos que emergiram acerca do espaço físico chamado Nordeste são
diversos. Positivas ou negativas, as imagens criadas e socialmente reconhecidas
criaram a própria ideia da região. Para o autor a superação dos estereótipos

r
V
imagéticos e discursivos acerca da região passa pela compreensão das rela-

uto
ções de poder e de saber que produziram clichês e inventaram o Nordeste e
os nordestinos.

Considerações finais
R
a
O livro didático de História, esse recurso que em muitas situações se

do
torna o único disponibilizado aos docentes da rede pública para o ensino,
aC
também causa reflexões acerca de sua funcionalidade, elaboração e mecanis-
mos políticos envolvidos na sua produção. Capítulos repletos de informações
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são
sistematizadas, tentam dar conta de um percurso historiográfico geral, com
o auxílio de uma iconografia pouco explorada pela acuracidade dos pesqui-
sadores e professores.
i

De toda forma, o encantamento pelas imagens surge quase que imedia-


rev

tamente quando do manuseio das páginas que recontam o que um dia poderia
ter sido o passado. No comprometimento de narrar o acontecido, um tanto
or

de figuras se imposta. Por mais numerosas que sejam, estão ali para além de
ilustrar, de preencher vazios ou de apenas reforçar o já escrito. As imagens
ara

dizem, informam e ensinam. Não são somente os longos parágrafos, repletos


de nomes, datas, causas e consequências que tentam mediar saberes sobre o
ver dit

passado. Aliás, a forma apenas textual de ensinar causa tédio, cria um dis-
tanciamento da disciplina com a realidade presente e faz os alunos odiarem
op

a disciplina de História!
O mesmo acontece com a falta de valorização dos temas regionais e
locais que muito poderiam enriquecer os conteúdos de História, valorizando
E

em sala de aula, as múltiplas culturas que perfazem as identidades nacionais.


Enquanto isso não acontece, o Nordeste apresentado nos livros didáticos
continua sendo aquele estereotipado, cujas temáticas reverberam a ideia de
uma região sofrida, flagelada e que está à margem de um sonhado progresso.
Contudo, a História Local e Regional do Nordeste não se reduz a contem-
plar somente os episódios do Cangaço de Lampião e Maria Bonita. Há uma
riqueza cultural enorme a ser explorada, há temáticas acerca da política, da
66

religiosidade, do cotidiano e das técnicas de trabalho a serem redescobertas,


publicizadas e revalorizadas
Outrossim, temas pontuais devem ser tratados como pontuais. Registros
historiográficos de porte e repercussão maior tenderão a fazer o caminho
contrário. De todo modo, cada região do país mereceria ser conteúdo a ser
explorado em sala de aula e demonstrar suas potencialidades, seus registros
históricos, suas culturas, modos de percepção e de pertença a uma nação de

r
V
dimensão continental. Quem sabe, esses que são os atuais alunos de História

uto
e que sentem falta dos conteúdos regionais em seus livros, poderão ser os
futuros profissionais de Ensino que se notabilizarão por sua criatividade e por
valorizar a História Local!

R
a
do
aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 67

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Paulo, 2004.

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história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto
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JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus , 2007.


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LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual didático. Em aberto,


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História: Questões & Debates, Curitiba, Editora UFPR, n. 61, p. 105-132,
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r
V
Coleções livros didáticos analisados

uto
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História. Editora Moderna, componente
curricular: História, Ensino Fundamental. 1. ed. PNLD 2014, 2015, 2016.

R
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SANTIAGO, Pedro; CERQUEIRA, Célia. Coleção Integralis: História.
Editora IBEP. 1. ed. PNLD 2014, 2015, 2016.

do
VIANA, Maria. Nordeste: História e Geografia. Editora FTD. 1. ed. PNLD
aC
2014, 2015, 2016.

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

CAPÍTULO 6

A HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS


AFRICANOS. UM DESAFIO DO ENSINO
DE HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO

r
V
DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

uto
Francinaldo Rita da Silva
Guilherme Paiva de Carvalho

R
a
O conhecimento adquirido proporciona às pessoas condições de alterar

do
o ambiente social, intervir na natureza em benefício do bem-estar de todos.
aC
Novos saberes despontam para atender a necessidades que surgem no dia
a dia. A capacidade criadora dos atores sociais de transformar os recursos
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são
naturais, de adaptar o meio às novas realidades, evolui e transforma até a
própria natureza humana. Logo, as ações e as atividades criadoras estão
atreladas a significados valorados que resultam no patrimônio cultural
gerado por todos.
i

Como não só nos recursos naturais as pessoas encontram a satisfação


rev

para suas exigências, elas também podem satisfazer suas necessidades vitais
or

em alguma outra coisa, ou seja, um objeto de desejo a que lhe é atribuído um


valor3 devido porque nele se encontra o bem-estar do necessitado.
Norteadas por seus valores, que sedimentam o ordenamento social, as
ara

pessoas expressam condutas aceitáveis em proveito do bem comum. E espe-


ra-se que todos assim procedam em nome da coletividade, ainda que cada um
ver dit

seja dotado do livre arbítrio, pois, conforme já frisado em outra oportunidade:


op

O convívio social é permeado por uma produção de significados e va-


lores, consequentes do mundo cultural, que envolvem os indivíduos em
diferentes discursos e sistemas de representação, a partir de determinados
lugares de onde cada indivíduo se posicione e possa se manifestar (SILVA,
E

2007, p. 19).

A partir do mundo cultural estabelecido, por que das interações sociais e


de todas as realizações humanas, o ordenamento social é avalizado naqueles

3 “Os valores são objetos ideais, essências, significações, ou qualidades, existindo apenas como abstrações,
como criações da subjetividade. Não tem vida objetiva, são apenas projeções do espírito sobre a natureza,
como a luz que ilumina e dá vida à paisagem” (NÓBREGA, 1972, p. 16).
70

valores consolidados pela coletividade. Todavia, muitas vezes, atitudes ou


pensamentos adquirem legitimidade de acordo com as realidades sociopolíticas
historicamente constituídas.
Hodiernamente, alguns países democráticos do mundo globalizado
veem no investimento da educação de seu povo a saída para a evolução so-
cioeconômica, além de fator primordial para o exercício da cidadania. Para
tanto, o aspecto sociocultural torna-se relevante quando alinhado ao respeito

r
V
à diversidade étnico-racial.

uto
A despeito do reconhecimento histórico da contribuição desse amálgama
de saberes para a identidade cultural do Brasil, hoje ainda não está consoli-
dada a reformulação do ensino nacional para que se faça valer a educação

R
multicultural nas escolas e com a revisão histórica da contribuição de cada

a
povo, de forma que possa ocorrer a igualdade cultural.
A formação do Brasil e do povo brasileiro consiste numa seara de ci-

do
vilizações, cuja rica diversidade de culturas já existia antes dos invasores
aC
europeus se apoderarem do território brasileiro. O colonizador português
transplantou um tipo de organização de sociedade estratificada, hierarquizada

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são
e fundada na racialização, donde foram forjadas relações étnico-raciais numa
suposta cordialidade. Senão, consideremos a percepção acerca dessa realidade
apreendida por Aníbal Quijano (2005, p. 117):
i
A formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na América
rev

identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e


redefiniu outras. Assim, termos como espanhol e português, e mais tarde
or

europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país


de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identida-
des, uma conotação racial. E na medida em que as relações sociais que se
ara

estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram


associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com
ver dit

constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se


impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas
op

como instrumentos de classificação social básica da população.

A atual sociedade de hoje carrega no padrão de subordinação e práticas


de sujeição – um legado sócio-histórico em suposto ambiente de relações
E

harmônicas, permeado de flagrantes desigualdades sociais e de exclusão de


grupos minoritários, que são cotidianamente alijados de seus direitos.
É indiscutível que temos um ordenamento sociopolítico estruturado em
benesses à classe dirigente em detrimento da exploração dos demais grupos
marginalizados: povos historicamente marcados pela inferiorização. Assim,
lidamos com um colonialismo pernicioso de cosmovisão eurocêntrica:
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 71

Finalmente, o eurocentrismo é a perspectiva de conhecimento que foi


elaborada sistematicamente a partir do século XVII na Europa, como
expressão e como parte do processo de eurocentralização do padrão de
poder colonial/moderno/capitalista. Em outros termos, como expressão das
experiências de colonialismo e de colonialidade do poder, das necessidades
e experiências do capitalismo e da eurocentralização de tal padrão de poder.
Foi mundialmente imposta e admitida nos séculos seguintes, como a única
racionalidade legítima. Em todo caso, como a racionalidade hegemônica,

r
V
o modo dominante de produção de conhecimento (QUIJANO, 2002, p. 5).

uto
Tendo-se a educação como um eficaz mecanismo de transformação social,
e contra a discriminação racial que ainda solapa o imaginário coletivo, a Lei
10.639/2003 visa à promoção de uma reeducação das relações étnico-raciais
R
a
de encontro à forjada democracia racial.
O referido diploma jurídico, ao modificar a Lei 9.394/96 – que estabelece

do
as diretrizes e bases da educação nacional – determina que a obrigatoriedade
do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação
aC
Básica, para o resgate da contribuição do negro na formação da sociedade
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são
nacional, também terá incluso no conteúdo programático o estudo da História
da África e dos Africanos4. Consiste, pois, em ação afirmativa para contornar
as injustiças contra os negros e sua invisibilidade na historiografia nacional.
Compete ao Estado promover ações afirmativas de reparações e de
i

combate ao racismo velado contra a população afrodescendente. Segundo o


rev

Parecer que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-


or

cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura


Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2005, p. 11):
ara

Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cum-


pre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do
ver dit

Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos


para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa,
cidadão ou profissional. Sem a intervenção do estado, os postos à margem,
op

entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem


deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava as desigual-
dades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em
E

preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados.


4 “Art. 1º A Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A 79-B:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigató-
rio o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil” (BRASIL, 2005, p. 35).
72

A proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das


Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana vem de encontro ao quadro de injustiças e omissões historiográ-
ficas quando propõe, junto a políticas de reparações, o reconhecimento e a
valorização do povo negro. Haja vista o Parecer afirmar que: “Reconhecer é
também valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência
negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descen-

r
V
dentes na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas”

uto
(BRASIL, 2005, p. 12).
Diante do panorama de adversidades e dificuldades para a educação das
relações étnico-raciais no ambiente escolar, este trabalho tem por objetivo

R
apresentar uma abordagem acerca do desafio da obrigatoriedade do estudo

a
da “História da África e dos Africanos” para o ensino de História.

do
O ensino de História com o advento da Lei 10.639
aC

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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
são
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana não foram concebidas exclusivamente com o intuito de atender a
demanda do movimento negro, na persecução única de reparações à autoes-
tima da população negra excluída. Ao propor o reconhecimento da pluralidade
i
rev
cultural e a valorização das respectivas identidades, inexiste a preocupação
em desviar o foco eurocêntrico para o olhar central sobre a africanidades. Há
or

o compromisso de educação de relações étnico-raciais positivas através da


mudança de posturas excludentes, na formação de cidadãos conscientes da
diversidade e comprometidos com a construção da tão almejada sociedade
ara

democrática, em que todos sejam igualmente valorizados.


A promulgação da Lei 10.639/2003 dá condições de se promover a inter-
ver dit

culturalidade, uma revolução na abordagem de diferentes saberes no ensino


de relações étnico-raciais positivas. Nessa perspectiva, urge a necessidade
op

da problematização sócio-histórica que dê visibilidade ao papel exercido


pelas minorias historicamente marginalizadas nos desígnios da construção
da sociedade nacional.
E

Conforme o encargo apresentado pelo referido diploma jurídico, a abor-


dagem historiográfica recai, sobretudo, para o Ensino de História. Enquanto o
Estado interfere na esfera jurídica dos cidadãos, criando obrigações de ordem
unilateral como a determinação do Estudo da História da África e dos Afri-
canos, com fins de empreender relações étnicos-raciais positivas, compete à
prática pedagógica do Ensino de História explorar os meandros da empresa
colonial do Brasil com a imigração forçada dos africanos.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 73

Em razão da série de violências cometidas contra os escravos africanos,


o Ensino de História tem para si o papel de desconstruir os estereótipos e
desnudar os negros dos estigmas criados que lhe foram atribuídos ao longo
da colonização. Além de trazer à discussão as práticas de violências, que são
apagadas após a engendrada abolição da escravatura com o intuito de construir
uma identidade nacional, tendo por base a cosmovisão europeia.
A condenação do africano ao cativeiro foi uma atitude cristã destituída

r
V
de pecado, uma providência que dela não sobrevinha imoralidade ou conduta

uto
indecorosa. “A religião moldou mentes e almas, funcionando como principal
valor e referência da sociedade colonial.” (AMADO; FIGUEIREDO, 1999,
p. 105). Ainda que o colonizador recorresse à violência, ao morticínio, ou

R
qualquer meio desumano contrário aos ensinamentos cristãos. O abrigo nos

a
mitos e nos dogmas religiosos não se prestava à reprovação do tráfico negreiro,
senão para justificar sua exploração. A escravização dos negros apoiava-se em

do
preceitos éticos e morais, cuja legitimidade era assegurada pelo representante
aC
de Deus no mundo (a Igreja Católica) – postura condizente com o orbe cristão5.
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Sob o manto da sacrossanta Igreja, deu-se a legitimação da empresa


são
colonial sem que fossem condenados os meios de violência empregados a
fim de se obter a obediência irrestrita dos escravos. A partir desse quadro
sócio histórico, uma nova abordagem historiográfica se faz necessária como
revisão das injustiças praticadas e a invisibilidade sobre os grupos socialmente
i
rev

excluídos. Por conseguinte, é digno de relevo o apontamento feito por Ana


Morais e Paulo Tamanini (2018, p. 264-265):
or

Quanto mais se fizer um recuo no tempo da História do Brasil, percebe-se


o quanto os atos violentos eram recorrentes, exercitados pelos brasileiros
ara

que detinham algum poder de mando e, dependendo das conjunturas so-


cioculturais, reforçavam um status quo de legitimação de poder. Assim, se
ver dit

antes, atos violentos eram praticados2como forma de defesa com o pro-


pósito de continuidade à sobrevivência, a violência mais tarde se tornava
via facilitadora de domínio, sujeição ou escravização dos assemelhados.
op

Além de atender aos propósitos de conquista, amealhar bens ou agregar


territórios, servia também como instrumento de intimidação visando ao
controle do outro.
E

Não se trata apenas de tarefa difícil, mas também de um desafio para o


Ensino de História e de Cultura Africana contestar as distorções promovidas
por um colonialismo pautado em práticas racistas, xenofobia, intolerância,
5 “O ‘orbis christianus’ é uma imagem cristã medieval do mundo. Fundou-se na crença de que o mundo é
de Deus, cujo representante na terra é a Igreja Católica. Este Deus, por ser verdadeiro, exigia que todos o
reconhecessem e lhe prestassem culto. A verdade absoluta, eis o princípio do ‘orbis christianus’” (PAIVA,
1982, p. 21-22).
74

enfim, a negação do Outro, ao diferente. Conforme ressaltou Lorene dos Santos


(2011, p. 60), o encargo atribuído à disciplina de História, privilegiadamente,
visa à “educação das relações étnico-raciais na Educação Básica – como ex-
presso na Lei nº 10.639/03”, não só regulado por critérios epistemológicos,
mas também critérios político-sociais.
Compreender a formação do Brasil “inventado” pelo invasor português
implica uma acuidade sobre as temporalidades em que a diversidade foi des-

r
V
prezada e a contribuição dos grupos excluídos apagada. Assim, ignoraram-se

uto
os efeitos da aculturação sobre o colonizador, desprezaram-se os intercâmbios
culturais ocorridos entre os diferentes povos envolvidos, dando-se o foco
sobre o Outro com a finalidade única de desqualificá-lo.

R
Na persecução da igualdade racial, as Diretrizes Curriculares Nacionais

a
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana foi concebida contra as perversas con-

do
sequências da colonialidade6 vigente. Ademais, ela prever em uma de suas
determinações que a História da África deverá ser “tratada em perspectiva
aC
positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o con-

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são
tinente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos
afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos [...]” (BRASIL,
2005, p. 21).
É importante ressaltar que treze temas são apresentados para serem
i
rev
abordados em sala de aula, sem que sejam feitas referências a meios, a me-
todologias ou a estratégias que os conteúdos devam ser trabalhados, sem que
or

haja descrição pormenorizada dos assuntos apontados. Daí, como promover a


valorização dessa história tradicionalmente negada ou silenciada nos currículos
escolares? O Ensino de História é capaz de desconstruir essa realidade? Há
ara

como o professor se desvincular da abordagem pontual de eventos históricos


ver dit

ligados a datas comemorativas? Ao longo da abordagem contextualizada, a


seguir, em que se encerra essa problemática, terão parte esses questionamentos.
op

A História da África para a educação das relações étnico-raciais

Destituídos de consciência acerca do ambiente de interações cotidianas,


E

algumas pessoas não atentam para o bem comum quando ignoram o corrente
descaso de autoridades e as práticas ilícitas nas instituições públicas, além

6 “Enquanto colonialismo ‘refere-se estritamente a uma estrutura de dominação/exploração onde o controlo


da autoridade política, dos recursos de produção e do trabalho de uma população determinada domina
outra de diferente identidade e cujas sedes centrais estão, além disso, localizadas noutra jurisdição territo-
rial’, colonialidade ‘é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista’”
(QUIJANO, 2009, p. 73).
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 75

de grupos minoritários serem podados no exercício de cidadania: uma série


de mazelas sociais entranhadas na grande massa populacional marginalizada
que se reproduzem diariamente em maior ou menor gravidade – práticas
vigentes em descompasso com a persecução da sociedade democrática, justa
e solidária, prevista no texto constitucional.
Há 16 anos, a Lei 10.639/2003 promoveu mudanças nas práticas peda-
gógicas ao alterar a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional com a

r
V
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Entretanto,

uto
é notório o pouco caso dispensado à implementação do referido ensino, so-
bretudo do estudo da História da África e dos africanos.
Enquanto o país mostrou um retrocesso na estrutura educacional no

R
governo Temer, na atual administração inexistem perspectivas para uma

a
reeducação pautada na diversidade, senão um futuro nebuloso próprio de um
governo descompromissado e com tendências fascistas que se preocupa em

do
perpetuar benesses para a classe dirigente em detrimento da perda de direitos
aC
sociais dos demais cidadãos e a contenção de gastos públicos. A atual conjun-
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tura pauta-se, pois, numa involução social porque ameaça também o ambiente
são
escolar com medidas que visam à deturpação de valores e ampliação das já
gritantes desigualdades sociais.
Conquanto esteja vigente a norma de obrigatoriedade da temática “His-
tória e Cultura Afro-Brasileira”, vê-se ainda incipiente o estudo de História
i
rev

da África e dos africanos, estando a história da África restrita à história da


supremacia europeia. Há uma produção do conhecimento sobre a África e os
or

africanos discreta no Brasil, enquanto existe uma copiosa produção do campo


historiográfico sobre a escravidão negra.
Entretanto, pode-se contar já com uma consistente bibliografia de alguns
ara

pesquisadores brasileiros neste início de século. Tendo também ocorrido


ver dit

uma multiplicação de grupos de estudos africanos e afro-brasileiros – um


avanço significativo para a educação das relações étnico-raciais positivas,
op

desde o advento da Lei 10.639. Consiste numa realidade que positivamente


se reflete na escola, para enfrentamento das inúmeras dificuldades no tra-
balho de professores.
Considerando o enorme desafio que se coloca hoje à prática pedagógica
E

de professores de História, compreender as entrelinhas da historiografia


nacional, bem como sua relação com o continente africano e a própria
história da África, suscita a possibilidade de um olhar perscrutador sobre
a sociedade pluriétnica, estratificada e hierarquizada em que vive a popu-
lação brasileira. Assim, não é desnecessário o apontamento de Kabengele
Munanga (2015, p. 25):
76

A análise crítica da historiografia brasileira ainda existente mostra que essa


história foi ensinada de maneira distorcida, falsificada e preconceituosa,
comparativamente à história de outros continentes, principalmente do
continente europeu e dos brasileiros de ascendência europeia.

Se a história oficial ensinada se revela comprometida, porque é mostrada


de forma preconceituosa e distorcida, não menos preocupante se apresenta a

r
V
história da África tradicionalmente negada ou silenciada no currículo obriga-
tório. Sendo alvo de desqualificação, a África é ignorada, destituída de uma

uto
história, tradicionalmente manchada de estigmas e estereotipias. “Não é por
acaso que todas as ideologias de dominação tentaram falsificar e destruir as
histórias dos povos que dominaram. A história da África na historiografia

R
a
colonial foi negada e quando foi contada o foi do ponto de vista do coloni-
zador” (MUNANGA, 2015, p. 31). Por se tratar do berço da humanidade7, a

do
história desse continente é antiquíssima e, por isso, são também longínquos os
registros desqualificantes a ele atribuídos, não sendo tais preconceitos contra
aC
a África exclusivos da Europa contemporânea.

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são
O material didático trabalhado nas escolas brasileiras, em sua maioria,
reserva pouco espaço para apresentar uma África autêntica, em sua com-
plexidade, que considere sua multiplicidade de civilizações. Quando não é
apresentada uma visão discreta ou uma abordagem de trajetórias temporais
i
das sociedades africanas superficialmente, o material trabalhado em sala de
rev

aula traz textos modestos e insatisfatórios. Conforme ressalta Anderson Oliva


or

(2008, p. 197):

Apesar de apontarem de forma mais substanciada para possíveis temas


ara

e objetos a serem tratados nas salas de aula, os textos citados dedicam


pouca atenção à África, concentrando a maioria das propostas nas questões
ver dit

relacionadas aos estudos da história e cultura afro-brasileiras.


op

Ao desprezar os estudos sobre a África, a historiografia oficial pauta


pela cultura eurocêntrica como referência de povo civilizado, insistindo no
desapreço e estigmatização do antiquíssimo continente africano. O Ensino
E

de História pode se utilizar dos saberes históricos da ancestralidade africana


para contrapor àquilo que se encontra ainda incorporado ao imaginário social


de negação a tudo que está relacionado à África e aos africanos.

7 “A mais marcante das singularidades africanas é o fato de seus povos autóctones terem sido os progenito-
res de todas as populações humanas do planeta, o que faz do continente africano o berço único da espécie
humana. Os dados científicos que corroboram tanto as análises do DNA mitocondrial quanto os achados
paleoantropológicos apontam constantemente nesse sentido” (WEDDERBURN, 2005, p. 135).
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 77

Desconstruir essa realidade perniciosa requer do professor de História


muita sensibilidade e empenho. Usando de muita criatividade e aplicando
estratégias diversas para tornar suas aulas dinâmicas, o professor deve se
desvincular da abordagem pontual de eventos históricos ligados a datas come-
morativas, como mostra a prática cotidiana, e promover diálogos constantes
entre os diferentes saberes escolares. Durante seu árduo trabalho, o mediador
de conhecimentos deve apelar para problematização, suscitar junto aos alunos

r
V
questionamentos a partir dos prévios conhecimentos que estes apresentem.

uto
Trata-se de um grande desafio pôr em execução um estudo historiográfico
que atente para as reais condições históricas de uma África que não é destituída
de sua própria história. Contra os efeitos do constructo ideológico-social de

R
desqualificação latente no imaginário coletivo provenientes dos séculos de

a
sujeição colonizadora, importa o olhar sobre a África em sua diversidade,
em seus aspectos sociopolíticos, em suas múltiplas realidades históricas.

do
A compreensão sobre os povos africanos colonizados e, sobretudo, os es-
aC
cravizados, exige conhecimentos que se estendem além da grande tragédia
do tráfico negreiro empreendido pelos países dominadores. Conforme atesta
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são
Joseph Ki-Zerbo (2013, p. 17):

A África tem uma história. Abatido por vários séculos de opressão,


esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de es-
i

cravos, de exploradores, de missionários de procônsules, de sábios de


rev

todo tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria, da
barbárie, da irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada e
or

extrapolada ao infinito ao longo do tempo, passando a justificar tanto o


presente quanto o futuro.
ara

Felizmente o número considerável de Centros de Pesquisa sobre a África


ver dit

e a produção de pesquisadores envolvidos com a temática são realidades


que podem rebater o discurso já superado de inexistência de uma história
africana em seus primórdios, que muito se reflete na a educação das relações
op

étnico-raciais e para o próprio Ensino de História. E o professor não podem


se eximir de seu papel de educador e deixar-se influenciar pelas distorções
historiográficas e enveredar na persecução “direito à igualdade de condições
E

de vida, e de cidadania”, como também “igual direito às histórias e culturas


que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes
da cultura nacional a todos os brasileiros” (BRASIL, 2005, p. 9).
Como um espaço propício às discussões de combate às imagens depre-
ciativas da África e às manifestações do nosso racismo velado, o professor
deve cultivar a criticidade do aluno e inserir nas discussões o protagonismo
devido da antiquíssima África no cenário mundial. Diante desse quadro
78

apresentado, são pertinentes as considerações de Johnni Langer (2004, p. 53)


para o contexto apresentado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana:

O continente africano sempre foi um dos locais favoritos do imaginário


ocidental manifestar diversos simbolismos e fantasias. Um dos mais

r
V
persistentes estereótipos vinculados ao território da África seria que suas
terras sempre desenvolveram culturas nativas selvagens e perigosas – os

uto
famosos pigmeus, canibais e gigantescos negroides – ou etnias primitivas,
quase semelhantes ao tipo de vida que nossos antepassados mais remotos
levavam. Sem escrita, sem estado organizado e centralizado, e muito
mais importante – sem cidades, templos e construções de pedra. Portanto,

R
a
prescindindo de civilizações aos moldes ocidentais. Apesar de não muito
conhecidas, existem grandes estruturas arquitetônicas no continente (além

do
das egípcias), como as de Axum (Etiópia), Napata e Meroé (Sudão), Tum-
buctu e Jenne (Máli), Grande Zimbabwe, Cami e Naletale (Zimbabwe).
aC

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Caso insistamos no olhar enviesado sobre o continente africano, esta-
são
remos reproduzindo os valores em que foi alicerçada a sociedade desde os
primórdios daquela sociedade europeia transplantada para o Novo mundo.
A África em outras temporalidades sempre esteve em contato com outros povos
que atualmente são reconhecidos como afrodescendentes. Estes para serem
i
rev
compreendidos não podem se escusar de sua ancestralidade, das antiquíssimas
civilizações que lhe deram origem. Portanto, não foi concebida a Lei 10.639
or

com o intuito de mudar o foco etnocêntrico europeu pelo africano, como é


apontado nas determinações do Parecer aprovado em 2004, senão garantir o
igual respeito às diferentes culturas que contribuíram para a formação do Brasil.
ara

Considerações finais
ver dit

Promover uma educação de relações étnico-raciais, considerando as cir-


op

cunstâncias sócio-históricas em que se deu a formação do Brasil “inventado”


pelo colonizador português, não se restringe a mera determinação de uma
norma jurídica, senão ter atrelado a esta uma reeducação relações étnicos-ra-
E

ciais positivas que deem condições de as pessoas tomarem consciência dos


reais aspectos em que se consolidou a sociedade vigente.
Contra os efeitos do constructo ideológico-social de inferioridade
e de qualidades negativas da África só será levado em consideração se
o olhar sobre a África ao se expor sua rica diversidade de povos, o co-
nhecimento de suas ancestralidades, seus aspectos sociopolíticos e suas
múltiplas realidades históricas. A compreensão sobre os povos africanos
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 79

exige a pormenorização de seus saberes, suas multiculturas. Conforme já


salientado por Munanga (2015, p. 28):

Reconhecer que a África tem história é o ponto de partida para discutir a


história da diáspora negra que na historiografia dos países beneficiados
pelo tráfico negreiro foi também ora negada, ora distorcida, ora falsi-
ficada. Como é que os negros da diáspora poderiam ter uma história e
uma identidade se o continente de onde foram oriundos não as tinham?

r
V
(MUNANGA, 2015, p. 28).

uto
A leitura das entrelinhas da historiografia africana nos põe a par da
existência de tantas áfricas em razão das muitas civilizações em um con-

R
tinente que deu origem à comunidade humana – compostas de variados

a
povos afrodescendentes.
Por fim, temos o compromisso de uma educação de relações étnico-raciais

do
positivas por meio de posturas de respeito à diferencia e à igualdade étnico-
aC
-racial. Para tanto, é preciso formar pessoas conscientes de seus direitos e
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deveres e comprometidas com a busca de uma sociedade democrática em que


são
todos sejam igualmente valorizados. Sem desviar o foco etnocêntrico europeu
para um africano, mas assegurando o igual respeito às diferentes culturas que
contribuíram para a formação de um Brasil, que tanto almejamos.
i
rev
or
ara
ver dit
op
E

80

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CAPÍTULO 7

PALMILHANDO A
INSTITUCIONALIZAÇÃO
DO CURSO DE HISTÓRIA NA

r
V
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO

uto
RIO GRANDE DO NORTE – UERN
Gislânia Dias Soares

R
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Ocimara Fernandes Negreiros Oliveira
Paulo Augusto Tamanini

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A universidade, lócus de formalização do conhecimento e dos saberes,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

competências e habilidades necessárias à formação do cidadão, já foi pes-


são
quisada e debatida por muitos estudiosos. Mas, voltar nosso olhar para essa
instituição tão antiga e ao mesmo tempo nova instiga a abordagem acerca da
aprendizagem que nela se exercita.
i
rev

A função da universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata,


somente, de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não
or

se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a


conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais, de
ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara (TEIXEIRA, 1998, p. 35).
ara

Isto posto, iniciamos este Capítulo retratando aspectos relevantes da


ver dit

História da Educação superior brasileira, haja vista, ser essencial compreender


e contextualizar seu processo de construção e instalação no Brasil e, poste-
op

riormente, a implementação dos Cursos de História. Enquanto na Europa e


em praticamente todos os países americanos, o processo de criação de uni-
versidade era fluído, no Brasil, deu-se de forma retardatária quer pela falta de
E

interesse da Coroa Portuguesa ou pelo desinteresse dos detentores do poder


(ROSSATO, 2005).

O Brasil constitui uma exceção na América Latina: enquanto a Espanha


espalhou Universidades pelas colônias – eram 26 ou 27 ao tempo da in-
dependência – Portugal, fora dos colégios reais dos jesuítas, nos deixou
limitados às Universidades da Metrópole: Coimbra e Évora (TEIXEIRA,
1999, p. 297).
84

Segundo Rossato (2005), o ensino superior no Brasil nasceu no modelo


de instituto isolado e de natureza profissionalizante (engenharia militar e
medicina aplicada) em faculdades divorciadas organizacionalmente entre si,
e servia somente para contemplar as necessidades da colônia após a chegada
da Família Real portuguesa ao país, em 1808.
É mister destacar que as dificuldades encontradas pelas classes dominantes
em conseguir acesso para cursar as universidades da Europa, impulsionaram

r
V
também a criação de medidas para instituir o Ensino Superior no Brasil.

uto
Nesse sentido, podemos afirmar que a iniciativa de se formalizar os estudos
superiores no Brasil obedeceu aos interesses de uma pequena minoria fechada
e aristocrática (SAMPAIO, 1991).

R
No que concerne ao curso de História, nosso intuito é traçar seu percurso

a
historiográfico no país, desde o primeiro a entrar em funcionamento, a saber:
curso da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São

do
Paulo (USP), em 1934 até a criação do curso de História da Universidade do
aC
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), em 1966. Nossa pesquisa ancorou-se

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


no banco de dados do Ministério de Educação e Cultura (MEC)8.

Primeiros ensaios da Educação Superior no Brasil


são
Analisando a trajetória histórica da criação de universidade no Brasil,
i
percebemos uma considerável resistência, seja de Portugal, como reflexo de
rev

sua política de colonização, seja da parte de brasileiros, que não viam justifi-
or

cativa para a criação de uma instituição desse gênero na Colônia, considerando


mais adequado que as elites da época procurassem a Europa para realizar seus
estudos superiores (SAMPAIO, 1991).
ara

Partindo dos pressupostos supracitados, fica claro o motivo pelo qual


ver dit

a Coroa Portuguesa negou aos jesuítas, ainda no século XVI sua criação na
colônia. Em decurso, os alunos graduados nos colégios jesuítas iam para a
Universidade de Coimbra ou para outras universidades europeias, a fim de
op

completar seus estudos. Contudo, com a chegada da Família Real ao Brasil


em 1808 é inaugurado o ensino superior na colônia. Ensino esse, controlado
pelo Estado e orientado para a formação profissional (SAMPAIO, 1991).
E

Com a transmigração da Família Real para o Brasil são criados cursos e


academias destinados a formar, sobretudo, profissionais para o Estado, assim
como especialistas na produção de bens simbólicos (CUNHA, 1980).

8 Base de dados oficial dos cursos e Instituições de Educação Superior /IES, independentemente de sistema
de ensino. Os dados do Cadastro e-MEC devem guardar conformidade com os atos autorizativos dos cur-
sos e das IES, editados pelo Poder Público ou órgão competente das instituições nos limites do exercício
de sua autonomia, conforme Portaria Normativa nº 21, de 21/12/2017.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 85

Neste ano, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador


(hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), a de
Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina
da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos
após, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de
Engenharia da UFRJ). Seguiram-se o curso de Agricultura em 1814 e a
Real Academia de Pintura e Escultura. Até a proclamação da república
em 1889, o ensino superior desenvolveu-se muito lentamente, seguia o

r
modelo de formação dos profissionais liberais em faculdades isoladas,

V
e visava assegurar um diploma profissional com direito a ocupar postos

uto
privilegiados em um mercado de trabalho restrito além de garantir prestígio
social. Ressalte-se que o caráter não universitário do ensino não constituía
demérito para a formação superior uma vez que o nível dos docentes devia

R
se equiparar ao da Universidade de Coimbra, e os cursos eram de longa

a
duração (MARTINS, 2002, p. 1).

do
É oportuno observar ainda que, mesmo como sede da Monarquia, o Brasil
consegue apenas o funcionamento de algumas escolas superiores de caráter
aC
profissionalizante. Ou seja, “o novo ensino superior nasceu sob o signo do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são
Estado Nacional” (CUNHA, 1980, p. 62).
O padrão de ensino instalado se manteve quase inalterado até o final do
século XIX, quando algumas modificações passaram a dar ênfase à formação
tecnológica. Por sua vez, marcas de descontinuidades no que diz respeito, so-
i

bretudo, aos aspectos que envolvem sua relação com o Estado foram sentidas
rev

em cinco momentos: 1808, 1898, 1930, 1968 e 1985, descritos no Quadro 1.


or

Quadro 1 – Fatos que provocaram transformações no ensino superior


ara

Período Contexto histórico


ver dit

1808 O Brasil se eleva à condição de Reino, com a chegada da corte portuguesa.

1889 Ano da Proclamação da República e da nova Carta Constitucional.


op

Marca o fim da República Velha com o regime revolucionário de Getúlio Vargas,


1930
que dura até 1945.
Regime militar iniciado em 1964, e o Ato Institucional nº 5 retira da sociedade sua
1968
possibilidade de representação democrática.
E

É eleito um presidente civil. Nesse mesmo ano tem início os trabalhos da Assembleia
1985
Nacional Constituinte.
Fonte: Quadro elaborado pelos autores com dados extraídos de (SAMPAIO, 1991).

Fica patente que esses anos num contexto maior definem, em linhas gerais,
os períodos de mudanças no formato do sistema de ensino superior ao longo
de seus quase duzentos anos de existência. Desse modo, apreendemos que,
86

para cada momento histórico e econômico do país, modelos de universida-


des são pensados, gestados por políticas públicas e implantados por grupos
de interesses diversos, em que a sociedade e sua transformação por meio da
educação são o que menos importa (SAMPAIO, 1991).
À contramão, uma mudança substancial ocorrida na educação superior
no século XX consistiu no fato de destinar-se também ao atendimento à
massa e não exclusivamente à elite. Estudos da década de 1990 apontam

r
V
que no ensino superior, estudantes oriundos de famílias com renda de até 06

uto
salários mínimos, representavam aproximadamente 12% dos matriculados
em instituições privadas e 11% em instituições públicas (MARTINS, 2002).
Ainda, Segundo Martins,

R
a
tanto no setor privado, quanto no público, a proporção de estudantes
oriundos de famílias com renda acima de 10 salários mínimos ultrapassa

do
os 60%, o que desmistifica a crença de que os menos favorecidos é que
frequentam a instituição privada. Se por um lado, há um contingente
aC
expressivo de estudantes de nível superior proveniente das camadas de

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


renda intermediária, salta à vista que os menos favorecidos não usufruem
são
da igualdade de oportunidade de acesso ao ensino superior seja ele público
ou privado, não por falta de vagas ou de reforma deste, mas por problemas
sociais e deficiências do ensino fundamental (MARTINS, 2002, p. 3).
i
Até esse momento vimos como foi árdua a construção do ensino superior
rev

em nosso país. Muitos foram os entraves à sua implementação e ainda hoje


pagamos o preço do atraso. Entretanto, consideramos que o maior desafio
or

está em organizar e unificar o sistema de ensino superior composto por 2.448


Instituições de Ensino Superior – IES, a considerar as informações do último
ara

censo a qual tivemos acesso (INEP, 2017).


ver dit

Quadro 2 – IES Brasileiras por Organização


Acadêmica e Categoria Administrativa
op

Centro
Universidade Faculdade IF e Cefet
Universitário
Ano Total
E

Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada

2017 2448 106 93 8 181 142 1878 40 0

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2017).

Analisando o Quadro 2, constatamos que o setor privado se destaca na


oferta de vagas no tocante a educação superior. Por conseguinte, o acesso ao
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 87

ensino superior ainda é uma realidade distante de grande parte da população,


seja por oportunidade de acesso ou por oportunidades socioeconômicas e
culturais. Observamos ainda no Quadro 02 que, 87,9% das IES são priva-
das. As IES públicas somam 12,2%, assim distribuídas: 4,5% federal, 5,1%
estadual e 2,6% municipal, tornando-se imperiosamente necessário o inves-
timento em educação superior pública para caminhar rumo à equiparação
dessa disparidade. Em relação às IES públicas, a maioria concentra-se no

r
V
âmbito estadual.

uto
Consideramos pertinente traçar um caminho histórico da educação supe-
rior no Brasil para posteriormente abordar a institucionalização dos cursos de
História. Vimos que o ensino superior teve que, periódica e sistematicamente,

R
estar se desdobrando para atender tanto a momentos históricos quanto aos

a
princípios legais, mesmo estando em fase de construção.

do
Historiografia do ensino superior de História
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

A década de 1930 marca o início dos primeiros cursos de História no


são
Brasil, impulsionados pelo surgimento do Estado Novo, preocupado com a
formação de uma elite mais ampla e intelectualmente mais preparada. Para
tanto, estruturou um modelo de sistema educativo laico, partindo da capital para
o interior. Reformas educacionais aconteceram com a criação do Ministério da
i
rev

Educação e Saúde Pública, implementando um modelo formativo inspirado


nos ideais escolanovistas9, o que deixou os setores católicos descontentes,
or

haja vista, ainda exercerem forte influência no campo educacional brasileiro


(GHIRALDELLI JR., 2008).
Ainda segundo o autor, em 1934 foi criado o primeiro curso de História
ara

pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. No


ver dit

ano seguinte, 1935 a Universidade do Distrito Federal (UDF) institucionalizou


o curso de História, que mais tarde (1939) seria reestruturado na Faculdade
Nacional de Filosofia (FNFI) da Universidade do Brasil, Atual Universidade
op

do Rio de Janeiro, sendo esse o motivo de não estar no Quadro 3 como UDF,
e sim já diretamente como UFRJ.
Cada curso foi fundado por razões locais específicas, mas geralmente
E

estava associado a um projeto político mais amplo. Com exceção do curso


da Universidade do Distrito Federal – UDF, em 1935 os demais cursos eram

9 No final do século XIX se iniciava o escolanovismo, com duras críticas a escola tradicional. Esse movi-
mento foi o mais implacável combatente das teses pedagógicas tradicionais. O Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, publicado em 1932, representou um dos mais significativos e propositivos movimentos
nacionais em prol da implantação do sistema de educação pública. A escola passa a preocupar-se em
entender como o aluno aprende (LOURENÇO FILHO, 1978).
88

oferecidos de forma integrada à Geografia. Somente a partir de 1955, com a Lei


2.59410, esses cursos se tornaram independentes (GHIRALDELLI JR., 2008).

Quadro 3 – Trajetória da Institucionalização dos


Cursos de História de 1934 a 1966

Categoria
Ano Estado Cidade Região Instituição Grau
Acadêmica

r
V
1934 SP São Paulo Sudeste USP B/L Pública

uto
1935 RJ Rio de Janeiro Sudeste UFRJ B/L Pública
1938 PR Curitiba Sul UFPR B/L Pública

R
1941 BA Salvador Nordeste UFBA B/L Pública

a
1941 RJ Rio de Janeiro Sudeste UERJ B/L Pública
1943 RS Porto Alegre Sul UFRGS B/L Pública

do
1947 CE Fortaleza Nordeste UECE B/L Pública
aC
1947 RJ Niterói Sudeste UFF B/L Pública

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


1948 MG Juiz de Fora Sudeste UFJF B/L Pública
1950
1950
PE
PR
Recife
Ponta Grossa
Nordeste
Sul
são UFPE
UEPG
B/L
B/L
Pública
Pública
1951 SE São Cristóvão Nordeste UFS B/L Pública
i
rev
1952 PB João Pessoa Nordeste UFPB B/L Pública
Campina
1952 PB Nordeste UFCG B/L Pública
or

Grande
1952 AL Maceió Nordeste UFAL B/L Pública
1953 MA São Luiz Nordeste UFMA B/L Pública
ara

1953 ES Vitória Sudeste UFES B/L Pública


ver dit

1954 PA Belém Norte UFPA B/L Pública


1957 MG Belo Horizonte Sudeste UFMG B/L Pública
op

1957 RN Natal Nordeste UFRN B/L Pública


1957 SP Taubaté Sudeste UNITAU L Pública
1958 PR Londrina Sul UEL B/L Pública
E

1958 PI Teresina Nordeste UFPI B/L Pública


1959 SC Florianópolis Sul UFSC B/L Pública
1959 PR Jacarezinho Sul UENP L Pública
1959 CE Crato Nordeste URCA L Pública
continua...

10 A Lei nº 2.594, de 8 de setembro de 1955, dispõe sobre o desdobramento dos cursos de Geografia e
História nas faculdades de Filosofia.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 89
continuação
Categoria
Ano Estado Cidade Região Instituição Grau
Acadêmica
1960 PR Paranaguá Sul FAFIPAR L Pública
1960 PR União da Vitória Sul FAFIUV L Pública
1963 SP Assis Sudeste UNESP L Pública
1964 MG Montes Claros Sudeste UNIMONTES L Pública

r
V
1965 RS Santa Catarina Sul UFSM B/L Pública

uto
1966 MG Uberlândia Sudeste UFU B/L Pública
1966 SP Franca Sudeste UNESP B/L Pública
1966 RN Mossoró Nordeste UERN L Pública

R
a
Fonte: Quadro elaborado pelos autores com base nos dados extraídos do <emec.mec.
gov.br> B/L= Bacharelado/Licenciatura; L= Licenciatura. Acesso em maio 2019.

do
Verificando o contexto trazido pelo quadro 3, inferimos que os três pri-
meiros cursos foram implantados nas regiões sudeste e sul. O primeiro curso
aC
de História implementado no Nordeste foi em 1941, em Salvador. Já na Região
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são
Norte, o primeiro curso de História foi instituído em 1954.
O curso da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
de História foi o segundo a ser criado no estado após 32 anos desde a criação
do primeiro curso em 1934. Percebe-se também, que até 1966 nenhum curso
i
rev

de História foi implementado na Região Centro-Oeste. É inteligível que em


relação ao grau os cursos em sua maioria são Bacharelado/Licenciatura.
or

Gráfico 1 – Distribuição dos cursos por Região de 1934 até 1966


40%
ara

35%
ver dit

30%
op

25%

20%
35,30% 35,30%
15%
E

26,47%
10%

5%
2,93%
0
Sudeste Nordeste Sul Norte Centro-Oeste

Fonte: Gráfico elaborado pelos autores com dados extraídos


do <emec.mec.gov.br>. Acesso em: maio 2019.
90

O Gráfico 1, mostra que do surgimento dos primeiros cursos de História


até 1966, os mesmos estão assim distribuídos por região: Sudeste 35,60%,
Nordeste 35,60%, Sul 26,47%, Norte, 2,93% e Centro-Oeste, 0%. As regiões
Sudeste e Nordeste lideraram o número de cursos de História implantados
somando 70,60%. Em seguida, a Região Sul, com 26,47%, Região Norte,
2,93% e a Região Centro-Oeste, 0%.
Em relação à Região Nordeste e mais especificamente o Estado do Rio

r
V
Grande do Norte, o curso de Licenciatura em História ofertado pela UERN,

uto
foi o segundo curso ofertado no Estado, pois o primeiro foi implementado na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) foi cons-

R
tituída em 28 de setembro de 1968, pela Lei Municipal nº20/68, da cidade

a
de Mossoró-RN. Teve como primeira nomenclatura “Universidade Regional
do Rio Grande do Norte (URRN)”, sendo vinculada à Fundação Universi-

do
dade Regional do Rio Grande do Norte (FURRN). Outras duas Faculdades
aC
fazem-se presente na sua criação, a Faculdade de Ciências Econômicas de

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Mossoró, iniciada em 1943 e a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência
e da Técnica (FUNCITEC), fundada em 1963.são
Na conjuntura atual a instituição representa a educação superior es-
tadual do Rio Grande do Norte, estando presente de forma direta, em 05
cidades do Rio Grande do Norte, com seus campi avançados da educação
i
rev
superior, tendo maior representatividade no interior do estado, contri-
buindo na oferta de cursos de formação profissional em diversas áreas de
or

atuação, sendo 35 cursos de graduação, 14 cursos de pós-graduação em


nível de especialização, 22 cursos de mestrado e 04 cursos de Doutorado,
na modalidade presencial.
ara

O Curso de Licenciatura em História tem seu início em 16/11/1966


ver dit

pela Resolução nº 065/65 e foi instalado em 13/12/1966, tendo seu início


de funcionamento em 1967 e passando a ser reconhecido oficialmente com
op

sua estrutura departamental pelo decreto – – Lei 79.017, de 23/12/1976.


Este cumpre o papel de oportunizar a formação de profissionais voltados
ao ensino básico público que, por sua vez, representa 6,7% das vagas
oferecidas nos cursos de graduação da UERN, sendo distribuídas nas
E

cidades de Mossoró e Assu.


Em relação ao quantitativo de egressos, a instituição tem apresentado
anualmente o valor aproximado de 40 licenciados em História. É necessário
enfatizar que esses profissionais atuam na construção do pensamento crítico de
seus alunos, para que os mesmos possam ser atuantes nos processos políticos
e sociais das suas respectivas localidades e na sociedade em geral.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 91

Considerações finais

Esse estudo nos possibilitou identificar algumas questões importantes


sobre o percurso e constituição do curso de Graduação de História da UERN
(RN). Desde à resistência de criação de instituições universitárias no período
monárquico (FAVERO, 2000) aos reclames oriundos de políticas públicas
atuais que tentam atender à uma demanda suprimida de Educação Superior,

r
V
houve a necessidade de se pensar lugares de cultivo dos saberes formais.

uto
Se as Universidades são fruto das relações tecidas ao longo da história
da educação brasileira, elas espelham as correntes de pensamento que atraves-
saram o percurso educativo no Brasil. Basta lembrar que, inicialmente ela foi

R
a
pensada não para atender as necessidades de formação, mas pensada e aceita
como um bem cultural oferecido a minorias, um lugar dos privilegiados, um

do
lugar de distinção.
A trajetória dos cursos superiores de História no Brasil ressalta a percep-
aC
ção das desigualdades regionais no país. Ao passo que, em algumas regiões
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este ensino foi instituído na década de 30, em outras, isso aconteceu somente
são
duas décadas depois. Um desalinho, portanto, que não se restringe unicamente
às questões econômicas, mas às questões políticas.
No que concerne ao curso de História da UERN/Campus Mossoró-RN,
seu processo de instalação se deu em 1966 de forma incipiente, em que
i
rev

poucos professores tinham formação em História. O que nos leva a consi-


derar que esse curso não promovia uma formação para exercício pleno do
or

ofício do historiador, mas apenas para o magistério na Educação Básica. Em


contrapartida, percebemos que houve evoluções no que tange à organização
estrutural, quadro docente e práticas pedagógicas, fazendo assim com que os
ara

estudantes do curso, hoje, sejam capacitados não só ao ensino, mas também


ver dit

à pesquisa e à extensão.
op
E

92

REFERÊNCIAS

CUNHA, L. A. A Universidade Temporã. O Ensino Superior da Colônia


à Era Vargas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

FÁVERO, M. L. Universidade e poder. 2. ed. rev. Brasília: Plano, 2000.

r
V
GHIRALDELLI JR., P. História da educação brasileira. 3. ed. São Paulo:

uto
Cortez, 2008.

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

R
Censo da Educação Superior 2017 – Notas Estatísticas. Disponível em:

a
<http://inep.gov.br/dados/notas-estatisticas>. Acesso em: 3 abr. 2019.

do
LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da Escola Nova. 13. ed.
São Paulo: 15 Edições Melhoramentos, 1978.
aC
MARTINS, A. C. Ensino superior no Brasil: da descoberta aos dias atuais.

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
Acta Cir. Bras., São Paulo, v.17, suppl. 3, 2002. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86502002000900001>.
Acesso em: 3 abr. 2019.
i
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. E-mec – Sistema de regulação do ensino
rev

superior. Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Disponível


em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 6 a 11 maio 2019.
or

ROSSATO, R. Universidade: nove séculos de História. Passo Fundo:


UPF, 2005.
ara

SAMPAIO, H. Evolução do ensino superior brasileiro (1808-1990). Do-


ver dit

cumento de Trabalho 8/91. Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da


Universidade de São Paulo, 1991.
op

TEIXEIRA, A. Educação e universidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.

TERRA EDUCAÇÃO. Conheça a UERN. Disponível em: <https://www.


E

estudopratico.com.br/conheca-a-universidade-do-estado-do-rio-grande-do-
-norte-uern/>. Acesso em: 3 abr. 2019.

UERN. Curso de História. Disponível em: <http://fafic.uern.br/historia/


default.asp?item=historia-apresentacao>. Acesso em: 3 abr. 2019.

______. Histórico da Instituição. Disponível em: <http://portal.uern.br/


historia>. Acesso em: 3 abr. 2019.
CAPÍTULO 8

HISTÓRIA, PATRIMÔNIO CULTURAL


E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:
as conexões com o ensino de História

r
V
uto
Janaina Valéria Pinto Camilo

História, memória e documento histórico


R
a
“Falar de História não é fácil”, já afirmava o historiador Jacques Le Goff.

do
A história, continua, o autor, “não é uma ciência como as outras” (LE GOFF,
1990, p. 17) e há, ainda, aqueles que nem a consideram uma ciência. Assim,
aC
a complexidade de se entender a História reside na própria historicidade da
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

ciência ou do devir histórico.


são
Marc Bloch escreveu que a “História é a ciência dos homens no tempo”
(BLOCH, 2001, p. 55), sendo esta, conforme afirma o autor de “Apologia
da História ou o ofício do historiador”, a questão central para se entender
i

a História. Nesta linha de pensamento, Lucien Febvre – conforme lembra


rev

Jacques Le Goff – completou que não é somente a ciência do homem, mas


das sociedades humanas ou dos grupos organizados, revelando outras nuan-
or

ces para se compreender o fato histórico cujas interpretações dependem das


escolhas dos historiadores. E, assim, os historiadores passam a exercer um
ara

papel preponderante na transformação do monumento (registro do passado)


em documento (fonte de investigação), ação que retira os acontecimentos
ver dit

guardados no sono do esquecimento e revela-os como práxis social. A His-


tória faz parte, portanto, do jogo da memória de lembrança e esquecimento.
op

Esta relação entre História e memória torna-se o ponto norteador para


compreendermos a importância do patrimônio cultural no ensino de história,
que passa a ter como objetivo a salvaguarda dos bens materiais e imateriais
para a preservação das identidades e, portanto, das memórias constitutivas
E

da sociedade. Conforme escreveu a Profa. Katia Maria Abud na apresentação


do livro “Ensino de História e Patrimônio Cultural”, essas questões são im-
portantes para refletirmos “sobre quanto a Cultura Material e suas formas de
manifestação são indutoras de aprendizado em História” (ABUD, 2017, p. 5).
A formação da consciência histórica, afirma a Profa. Kátia Abud, como
objetivo do ensino de história – sempre tão vigiada – pressupõe “conheci-
mento do passado, a reconstrução dos caminhos percorridos pelos grupos
94

sociais no traçado de sua história”. Nesse traçado estão os vestígios que nós
historiadores(as) e professores(as) de história procuramos e reinterpretamos,
sendo uma prática indelével do nosso ofício. E ao procurarmos os “sinais”,
como já escreveu Carlo Ginzburg, nos deparamos com a cultura material e
imaterial, com o patrimônio histórico e a memória social que, uma vez reti-
rados do esquecimento pelo historiador, passam a ser documentos histórico
e, também, um importante registro para a educação patrimonial de gerência

r
V
também do ensino de história.

uto
Patrimônio cultural e ensino de História: uma relação necessária

R
A relação entre Patrimônio Cultural e História ou ainda Educação Patrimo-

a
nial e Ensino de História está sustentada no uso da cultura material e imaterial
como suporte de conhecimento, porque os objetos, os prédios históricos, as

do
ruas, as praças, as cidades, bem como os saberes, as tradições culturais, as
manifestações religiosas, as músicas e as danças nos contam sobre histórias
aC
de diferentes personagens: homens, mulheres, negros, negras, índios, índias,

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são
crianças etc. que deixaram, de forma consciente ou inconscientemente, seus
registros para outras gerações. O trato desses registros depende do trabalho do
historiador que transforma o Patrimônio Cultural, os bens materiais (moveis
ou imóveis) e imateriais – que são intangíveis – em suportes da memória e o
i
professor de História, por sua vez, transforma-os em suporte de conhecimento.
rev

Vale ressaltar que o patrimônio imaterial só muito recentemente, por meio do


decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000, é que passou a compor oficialmente a
or

categoria de Patrimônio Cultural Brasileiro.


Jacques Le Goff (1990), em seu artigo “História/Memória”, elucida que
ara

o termo História pode ser compreendido por meio de três objetos comple-
mentares: a História processo (dimensão tempo-espaço), a História ciência
ver dit

(campo das humanidades) e o terceiro que é a narrativa histórica produzida


pelo historiador (historiografia). Além dessas três acepções, Ricardo de Aguiar
op

Pacheco atribui uma quarta parte que é a disciplina escolar história. “Esta
seria o conjunto de atividades escolares voltadas à transmissão da narrativa
histórica, que foi produzida pela história ciência, sobre a história processo”
E

(PACHECO, 2017, p. 11). Como essas partes são interdependentes, o autor


alerta que não podemos achar que a disciplina escolar é a simplificação do
conhecimento científico, visto que André Chervel já afirmou que “as disci-
plinas escolares possuem um processo de formação disciplinar distintos das
suas ciências de referência.” (CHERVEL apud PACHECO, 2017, p. 11).
Assim, a disciplina escolar História é um campo de conhecimento autônomo
em relação à sua ciência de referência.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 95

Por este viés, é possível compreendermos o próprio ensino de história


por meio dos bens móveis e imóveis e, também, dos relatos das personagens
envolvidas no processo ensino-aprendizagem como os docentes e os discentes.
A análise desses documentos quando trabalhados pelo profissional da História,
segundo Thais Fonseca no livro “História & Ensino de História”, poderá revelar
que a História do ensino de história e muito instigante, sobretudo, porque a
disciplina ora esteve ligada ao processo de afirmação da identidade nacional

r
V
e, portanto, um instrumento de alienação ou como instrumento de resistência

uto
à metodologia tradicional e ao encarceramento dos saberes escolares.
O estudo da cultura material e dos relatos de experiências do cotidiano
escolar, do ponto de vista da “ciência histórica – como ciência da memória

R
social – tem como objeto de investigação o conjunto de eventos da experiência

a
humana” (PACHECO, 2017, p. 21). Assim, se pensarmos nas conexões entre
memória, patrimônio e ensino de história, observaremos, conforme afirma

do
Ricardo de Aguiar Pacheco que “a disciplina escolar de história tem a respon-
sabilidade de problematizar junto aos educandos as informações históricas que
aC
fazem parte da memória coletiva do tempo presente” (PACHECO, 2017, p. 21).
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são
Além disso, o autor apresenta a preocupação recorrente entre os historiadores,
que diz respeito à narrativa histórica construída pelo professor de História que:
não deve se preocupar em ensinar como um fato realmente aconteceu, mas
i

sim em problematizar como e por que se elegem determinados eventos


para figurar na memória social e os efeitos dessa seleção na sociedade
rev

atual e na comunidade local” (PACHECO, 2017, p. 22).


or

Por este viés, as interlocuções entre o patrimônio histórico e cultural e o


ensino de história apresentam-se como mais um viés complexo do devir histó-
ara

rico, pois trata-se de interpretar objetos e discursos – muitas vezes guardados


em museus, bibliotecas ou arquivos históricos – e transformá-los, como já nos
ver dit

orientou Jacques Le Goff (1984), de monumento em documento ou, ainda, nas


palavras de Françoise Choay (2001), de monumento em monumento histórico,
op

utilizando-os como marcas do passado, como exemplos de ações humanas


ao mesmo tempo em que o professor de História deve torná-los inteligíveis
aos alunos e alunas.
E

Os lugares de memória e os documentos não escritos para o


ensino de História

A partir de 1929, os historiadores franceses como os da primeira gera-


ção dos Annales, Marc Bloch e Lucien Febre, lançaram uma nova proposta
de se escrever a História que, diferentemente dos positivistas, não viam no
96

documento escrito a única fonte de pesquisa histórica. Para os historiadores


da Escola dos Annales:

A história faz-se documento escrito, sem dúvida. Quando estes existem.


Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não
existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar
para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais [...]. Numa palavra,
com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, demons-

r
V
tra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem

uto
(FEVBRE, 1985, p. 249).

Com esta afirmativa, os historiadores viram-se diante da diversidade

R
documental. A História podia ser escrita por meio da indagação de diferentes

a
fontes: escrita, sonora, ilustrado, oral, material etc. Os museus, arquivos e
bibliotecas passaram a ser lugares depositários dessa variedade de documentos

do
e, portanto, da pesquisa e do ensino de história. Nessas instituições, a memória
aC
coletiva valoriza-se e se constituiu em patrimônio cultural e histórico. Neste
sentido, Circe Bittencourt elucidou que os

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são
objetos de museus que compõem a cultura material são portadores de in-
formações sobre costumes, técnicas, condições econômicas, ritos e crenças
de nossos antepassados. Essas informações ou mensagens são obtidas
mediante uma ‘leitura’ dos objetos, transformando-os em ‘documento
i
rev
(BITTENCOURT, 2018, p. 284).
or

Os documentos expostos nos lugares da memória estão à espera do visi-


tante, que sendo o historiador, este escolherá aquele que servirá a sua práxis,
que consiste em “fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas
ara

por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as pro-
ver dit

duziram” (FEBVRE apud LE GOFF, 1990, p. 466). Assim, também ocorre na


transformação dos diferentes documentos (ou monumentos) em fontes para
op

o ensino de história e o desenvolvimento das aulas de História que podem


ocorrer, também, nas visitas aos museus, arquivos e bibliotecas – só para citar
alguns lugares –, e que podem revelar:
E

Imagens diversas produzidas pela capacidade artística humana também


nos informam sobre o passado das sociedades, sobre suas sensações, seu
trabalho, suas paisagens, caminhos, cidades, guerras [...] Fotografias ou
quadros registram as pessoas, seus rostos e vestuários e são marcas de
uma história [...] os filmes registram a vida contemporânea e constroem
o passado, revivendo guerras, batalhas e amores de outrora, ou ainda
imaginam o tempo futuro [são] imagens em movimento e com som [...]
não são registros de uma história tal qual aconteceu ou vai acontecer, mas
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 97

representações que merecem ser entendidas e percebidas não como diver-


são apenas, mas como um produto cultural capaz de comunicar emoções
e sentimentos e transmitir informações (BITTENCOURT, 2018, p. 284).

As aulas de História desenvolvidas por meio da observação e análise das


exposições museológicas ou das fontes primárias guardadas nos arquivos ou,
ainda, dos livros catalogados nas bibliotecas podem vir a ser, também, bens

r
V
móveis de cultura material ou imaterial e podem despertar a curiosidade dos

uto
alunos e alunas sobre as práticas sociais, políticas e culturais de um determi-
nado grupo social. Entretanto, esses documentos históricos “não se constituem
na narrativa histórica em si mesmos ou na história processo revelada diante

R
do aluno, mas sim em fontes sobre as quais se empregam diferentes procedi-

a
mentos e técnicas de investigação” (PACHECO, 2017, p. 12). Acrescenta-se
a esta afirmação, a conclusão da Professora Circe Bittencourt que observa a

do
importância do uso dos objetos museológicos, sobretudo,
aC
na inversão de um ‘olhar de curiosidade’ a respeito de ‘peças de mu-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

seus’ – que, na maioria das vezes, são expostas pelo seu valor estético e
são
despertam o imaginário de crianças, jovens e adultos sobre um ‘passado
ultrapassado’ ou ‘mais atrasado’ – em ‘um olhar de indagação’, de infor-
mação que pode aumentar o conhecimento sobre os homens e sobre sua
história” (BITTENCOURT, 2018, p. 286).
i
rev

Ressaltamos que os documentos guardados em instituições museológicas


or

ou em suas congêneres não são muitas vezes o limite da fonte a ser estudada.
Os prédios, que servem de abrigo para esses acervos também constituem, em
si mesmos, o valor de patrimônio cultural e, portanto, podem ser transforma-
ara

dos pela ação da investigação histórica em fontes de conhecimento. Desta


forma, verificamos a amplitude do conceito de patrimônio, que para Françoise
ver dit

Choay, por exemplo, pode ser compreendido por meio da origem da palavra,
visto que sua origem:
op

[está] ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma socie-


dade estável, enraizada no tempo e no espaço. Requalificada por diversos
adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito
E

‘nômade’, ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante [...] A ex-
pressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que
se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua
de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum:
obras [...] e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos
(CHOAY, 2001, p. 11).
98

Para além da fria materialidade das paredes dos edifícios tombados no


Brasil no começo do século XX, quando da implementação da política de pa-
trimônio conhecida como “pedra e cal”, o conceito de patrimônio ampliou-se
e no século XXI ganhou dimensões subjetivas e promovendo o conhecimento
de diferentes saberes e personagens. Neste viés, Gilberto Gil, quando Ministro
da Cultura, pronunciou que:

r
V
Pensar em patrimônio agora é pensar com transcendência, além das paredes,

uto
além dos quintais, além das fronteiras. É incluir as gentes. Os costumes, os
sabores, os saberes. Não mais somente as edificações históricas, os sítios
de pedra e cal. Patrimônio também é o suor, o sonho, o som, a dança, o
jeito, a ginga, a energia vital, e todas as formas de espiritualidade de nossa

R
gente. O intangível, o imaterial (GIL apud FLORÊNCIO, 2015, p. 25-26).

a
Além disso, a legislação apresenta os argumentos previstos, por exemplo,

do
no Direito Ambiental que regula a proteção do patrimônio histórico, o qual,
aC
na qualidade de direito difuso e indisponível, é tido como direito fundamental

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


do cidadão, incluindo-se tacitamente nas garantias do art. 5o da Constituição
são
Federal. Visto que, o “meio ambiente cultural é aquele que torna a vida humana
mais aprazível, mais completa, mais bonita, mais viva, mais interessante. Não
basta sobreviver, mas sim sobreviver com qualidade e dignidade cultural”
(FACHIN; FRACALOSSI, artigo eletrônico, 2016).
i
rev
Trata-se a proteção do patrimônio cultural de cláusula pétrea da Consti-
tuição Federal, sendo vedada sua supressão ou prejuízo por emenda constitu-
or

cional. E, assim, que o Artigo 216 da Constituição Federal de 1988 define que

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e ima-


ara

terial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à


identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
ver dit

brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos


de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
op

às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor


histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico (BRASIL, 1988 apud FLORÊNCIO, 2015, p. 26).
E

Assim, seria demasiadamente simplista alegar que o patrimônio é so-


mente o produto do conhecimento do passado. Ao contrário disso, a educação
patrimonial transforma os patrimônios culturais e históricos em fontes, por
exemplo, para o ensino de história e a nós, professores e professoras de His-
tória, cabe-nos ressaltar o imensurável valor histórico que os monumentos
históricos representam para a compreensão do tempo presente e daí, portanto,
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 99

que a educação patrimonial é uma forma, também, de preservação do patri-


mônio cultrual, de natureza material ou imaterial.
Por esta conexão entre patrimônio cultural, acervos museológicos e
ensino de história que pesquisadores brasileiros têm apresentado teses que
elucidam o potencial educativo dos museus, como por exemplo, Elaine Hirata,
do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP que constatou, por exemplo,
que para “boa parte dos professores, o museu assume uma função específica:

r
V
o seu acervo ilustra, de maneira concreta, as aulas de História” (HIRATA

uto
apud BITTENCOURT, 2018, p. 285). Além disso, especialistas afirmam que
a educação museológica é um processo de descobrimento pelo qual o objeto
de cultura material torna-se, simultaneamente, o objeto estético e o científico.

R
Por esse motivo, o desenvolvimento das aulas de História a partir da

a
observação do acervo museológico ocorre por meio de duas ações. A primeira
diz respeito ao desenvolvimento das sensibilidades estéticas, que para Circe

do
Bittencourt “é fundamental [para] uma aproximação do aluno com o objeto,
deixando-o expressar livremente suas impressões”. O segundo, diz respeito ao
aC
olhar científico de observação da cultura material e ocorre quanto “o aluno [é]
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são
introduzido na compreensão do objeto como integrante de uma organização
social, de uma parte da vida cotidiana, dos rituais, da arte de determinado
grupo social” (BITTENCOURT, 2018, p. 288).
i
rev

O Patrimônio Cultural, a Educação Patrimonial e a interlocução


com o Ensino de História
or

As temáticas do patrimônio cultural, da educação patrimonial e a relação


com o ensino de história receberam o apoio de um importante aliado que é o
ara

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que desde


2014 vem implementando ações que objetivam motivar discussões teóricas
ver dit

e práticas em torno da educação patrimonial. Por este motivo foi quando, em


op

2015, o IPHAN publicou o volume 1 dos “Cadernos do Patrimônio Cultu-


ral”, cuja temática central foi exatamente a educação patrimonial. Um dos
objetivos centrais da publicação é a fruição e a preservação dos patrimônios
materiais e imateriais, móveis e imóveis, públicos e privados brasileiros. E,
E

por esse material, os técnicos do IPHAN observam que a educação, formal e


informal, desenvolvida por meio das interpretações dos objetos, documentos
impressos e manuscritos, obras de arte e objetos de cultura material podem
revelar a importância da salvaguarda desses acervos, garantindo a gerações
futuras o sentimento de pertencimento a uma dada sociedade ou grupo social
e, também, o conhecimento das identidades múltiplas, podendo ser nesse
aspecto um suporte para o exercício da cidadania.
100

Segundo os autores que iniciaram essas discussões sobre educação pa-


trimonial, o patrimônio é revelador não somente do passado, mas também
“constrói e reconstrói um presente, que se atualiza constantemente com as
identidades e as interpretações da cidade, e ante as ações daqueles que vivem
e convivem na sociedade” (PINHEIRO, 2015, p. 13). Assim, o estudo da
História por meio dos bens materiais e imateriais suscitam questões sobre
“como decifrar as memórias em torno de suportes, de objetos, de signos,

r
V
de palavras, de expressões, de vestígios da presença do ser humano? Como

uto
colocá-las como protagonistas na missão de entender quem sou e onde estou
na cidade?”. Não existem respostas prontas, visto que elas dependem das in-
fluências teóricas e metodológicas do profissional da História. Por este viés,

R
é importante ressaltar que as “ações educativas para o patrimônio não está

a
em ‘capacitar’ para a preservação [...] mas na afirmação contínua de que as
pessoas são protagonistas no processo, sendo os seus valores e conhecimentos

do
produzidos reconhecidos” (PINHEIRO, 2015, p. 14).
aC
Além disso, no processo ensino-aprendizagem e a relação com o pa-

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


trimônio cultural “os valores que são inerentes a essa relação podem ser, na
são
contemporaneidade, um dos pontos mais significativos, eficazes e rentáveis
para garantir a valorização, preservação e difusão dos bens culturais e das
memórias interligadas a eles” (PINHEIRO, 2015, p. 13).
Reconhecer a importância da educação patrimonial e sua interface com a
i
rev
valorização e defesa do patrimônio histórico, cultural, artístico, arqueológico
e paisagístico, não nos parece uma tarefa simples, porém se faz extremamente
or

necessária! Assim como o direito de acesso à informação e ao conhecimento,


o patrimônio tem relação direta com o saber e o bem-estar de todas as pes-
soas. Neste sentido, é importante ressaltarmos, conforme estudos de Sônia
ara

Regina Rampim Florêncio (2015) que o tema da educação patrimonial não é


ver dit

uma temática atual do IPHAN, na verdade, ainda nos anos de 1930 quando
o Instituto chamava-se Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
op

nal – SPHAN, o anteprojeto de Mario de Andrade já expunha a importância


“do caráter pedagógico dos museus e das imagens para as ações educativas”
(FLORÊNCIO, 2015, p. 21). Essa preocupação se repetiu na gestão de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, na década de 1960, vindo a influenciar, ainda, Aloisio
E

de Magalhães à frente da Fundação Nacional Pró-Memória nos anos de 1970.


Entretanto, o termo educação patrimonial só passou a configurar nas ações
do IPHAN nos anos de 1980, quando chegou ao Brasil algumas experiências
britânicas que transformaram os museus e os patrimônios históricos em suportes
de educação. Naquela mesma época, a Fundação Nacional Pró-Memória criou
o projeto “Interação” que estabeleceu diretrizes do trabalho educativo com
foco na cultura, relacionando Educação Básica com os diferentes contextos
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 101

culturais existentes no Brasil e intencionava diminuir a distância entre a


educação escolar e os lugares da memória, que são espaços promotores da
multiculturalidade e, portanto, são lugares importantes para o exercício da
tolerância, do reconhecimento do diferente e do respeito às diferenças.
Assim, tanto o ensino de história quanto a educação patrimonial, além
das dimensões educativas, também revelam questões políticas sobre o si-
lenciamento da memória social das personagens negras, índias e pobres que

r
V
também fazem parte da história brasileira. O patrimônio cultural, assim como

uto
ocorreu com o ensino de história, sobretudo durante a primeira metade do
século XX, também foi instrumentos de poder e de manipulação das tradições
culturais, que se pretendia branca, civilizada e cristã. Por essa razão, segundo
Sônia Florêncio:
R
a
A Educação Patrimonial deve ser tratada como um conceito basilar para

do
a valorização da diversidade cultural, para a definição de identidades e de
alteridades no mundo contemporâneo, e como um recurso para a afirmação
aC
das diferentes maneiras de ser e de estar no mundo. O reconhecimento
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

desse fato, certamente, inserido em um campo de lutas e contradições,


são
evidencia a visibilidade de culturas marginalizadas ou excluídas da mo-
dernidade ocidental, e que são fundamentais para o estabelecimento de
diálogos interculturais e de uma cultura de tolerância com a diversidade
(FLORÊNCIO, 2015, p. 24).
i
rev

Assim, o conceito de educação patrimonial pode ser definido, ainda,


or

como ação constitutiva de todos os processos educativos formais e não for-


mais, cujo instrumento da ação é o patrimônio cultural visto como “recurso
para a compreensão sócio histórica das referências culturais em todas as
ara

suas manifestações com o objetivo de colaborar para o seu reconhecimento,


valorização e preservação. Além disso, Sônia Florêncio considera ainda que
ver dit

Os processos educativos de base democrática devem primar pela construção


op

coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente


entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comu-
nidades detentoras e produtoras das referências culturais onde convivem
noções de patrimônio cultural diversas (FLORENCIO, 2015, p. 24).
E

A relação entre patrimônio cultural, educação patrimonial e ensino de


história; diferentemente daquela “educação bancária” – sustentada na ideia
de que os educandos são consumidores de informações – denunciada por
Paulo Freire no livro “Pedagogia do oprimido”, as novas percepções contem-
porâneas compreendem a educação e a relação com o patrimônio cultural e
o ensino de história na perspectiva do processo, da reflexão constante e de
102

ação transformadora. E, ainda, sustentada na concepção de uma “educação


integral”, onde o processo de ensino-aprendizagem se dá não somente do lado
de dentro dos muros das escolas, mas em todos os lugares onde a dinâmica
de convivência entre homens e mulheres processam diferentes identidades,
saberes e tradições culturais. Neste sentido, vale ressaltar que a

Lei de Diretrizes e Bases, a LDB – 9394/96 prevê em seu artigo 1º, que

r
V
a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino

uto
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais, quer dizer, os espaços da vida (FLORÊNCIO,
2015, p. 27).

R
a
Por fim, concluímos que a educação que se pretende é aquela que serve
como mediação para a construção coletiva do conhecimento, pela apropriação

do
social do patrimônio cultural que identifica a comunidade como produtora de
aC
saberes, que reconhece, portanto, a existência de um saber local e a diversidade

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cultural. A função da educação democrática torna visível esses saberes e a
são
diferentes personagens: homens pobres, mulheres, crianças, velhos, negros,
negras, índios e índias que a História tradicional, em diferentes contextos,
tentou silenciar e esconder.
i
rev
or
ara
ver dit
op
E

HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 103

REFERÊNCIAS

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de História e Patrimônio Cultural: um percurso docente. Jundiaí, SP, 2017.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São

r
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Paulo: Editora Cortez, 2018.

uto
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Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

R
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CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora da

do
Unesp, 2001.
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FACHIN, Zulmar; FRACALOSSI, Willian. O meio ambiente cultural equi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

librado enquanto direito fundamental. Disponível em: <http://www.publi-


são
cadireito.com.br/artigos/?cod=a34bacf839b92377>. Acesso em: 4 out. 2016.

FEVBRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Presença, 1985.


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FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação patrimonial: algumas di-


retrizes conceituais. In: PINHEIRO, Adson Rodrigues S. (Org.) Cadernos
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do Patrimônio Cultural: educação patrimonial. Fortaleza: SECULTFOR/


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ver dit

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LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. Enciclopédia Einaudi. Portugal:


Imprensa Nacional/Casa da Moeda, v. 1. 1984.

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PACHECO, Ricardo de Aguiar. Ensino de História e Patrimônio Cultural:


um percurso docente. Jundiaí, SP, 2017.

PINHEIRO, Adson Rodrigues S. (Org.). Cadernos do Patrimônio Cultural:


educação patrimonial. Fortaleza: SECULTFOR/IPHAN, 2015. v. 1.
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev R
i são V
do
a uto
r
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CAPÍTULO 9

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
(HQS) E A SUA RELAÇÃO COM
A HISTÓRIA ENSINADA

r
V
uto
Jonathan Diógenes Costa
Paulo Augusto Tamanini

R
Na busca por mudanças e reflexões acerca do Ensino de História, pesqui-

a
sadores vêm se debruçando e apresentando novas perspectivas metodológicas,

do
redescobrindo outras fontes, o que reverbera também na prática pedagógica e
no Ensino de História, em sala de aula. Ademais, o debate sobre a variedade
aC
e o consequente uso pedagógico das fontes na História Ensinada revela o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

entusiasmo dos professores-pesquisadores em mediar conhecimentos acerca


são
do passado de uma forma mais abrangente, diversificada e menos polarizada.
O Primado da fonte escrita nas pesquisas de História, por muito tempo perdu-
rou, porque acreditava-se na sua autenticidade e veracidade testemunhal. E,
i

em sala de aula, apenas se reproduzia o que estas fontes diziam sobre um fato,
rev

um acontecimento. As fontes assumiam então, a condição de fundamento do


or

fato histórico, tomado como verdade absoluta e irrefutável, um instrumento


material revelador do passado.
Para Maria Auxiliadora Schimidt e Marlene Cainelli (2004, p. 112), a
ara

função do historiador se resumia em tão somente “extrair do documento a


informação que nele estava contida, sem lhe acrescentar nada de seu. O obje-
ver dit

tivo era, então, mostrar os acontecimentos tal como tinham sucedido”. Tanto
historiadores quanto professores, eram meros receptores de informações e
op

posteriormente, reprodutores de conteúdos que visavam explicar “as genealo-


gias das nações, os grandes nomes, as datas mais relevantes, os grandes acon-
tecimentos, desde sua origem até a atualidade” (idem, p. 112). Tal concepção
E

estava intimamente ligada à escola metódica de preceitos positivistas, que


acreditava que a comparação de documentos permitia reconstituir os aconte-
cimentos do passado, desde que encadeados numa correlação explicativa de
causas e consequências (JANOTTI, 2005).
Uma nova inteligibilidade dada às fontes históricas ampliava a compreen-
são e natureza da História como um campo investigativo distinto, a partir do
final do século XIX, graças às teorias estabelecidas por Karl Marx e Friedrich
106

Engels sobre a pretensa objetividade imparcial da História. De igual forma,


a História Ensinada sofria as influências dessa nova concepção da História
como área de saber, repercutindo no papel do professor e do aluno em sala
de aula. Segundo Schmidt e Cainelli (2004, p. 115):

Essa pedagogia deslocou para o aluno o centro do processo ensino-apren-


dizagem. Assim, passou a ser recomendado ao professor que se tornasse,

r
V
principalmente, orientador do aluno. No caso do ensino da História, a

uto
utilização de documentos tornou-se uma forma de o professor motivar
o aluno para o conhecimento histórico, de estimular suas lembranças
e referências sobre o passado e, dessa maneira, tornar o ensino menos
livresco e dinâmico.

R
a
A mudança dos protagonistas e das funções dos professores e alunos no

do
processo de mediação do conhecimento fez alterar a exclusividade do livro
como única ferramenta de transmissão de conteúdos de História, em sala de
aC
aula. Para além do Livro, mapas, globos, gráficos, gravuras etc. foram acres-

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cidos e auxiliavam na confecção de narrativas sobre um passado. Contudo,
são
a inserção de novas fontes permanecia sendo analisada com o mesmo olhar,
o mesmo trato metodológico tradicional da linearidade de acontecimentos,
dos grandes feitos heroicos. Desse modo, a fonte continuava sendo tomada
i
como uma prova irrefutável do passado. Faltava ainda, desenvolver um olhar
rev

crítico e problematizar as fontes e os conteúdos.


Somente com a renovação historiográfica trazida pelos Annales no século
or

XX, se fez ressurgir uma extraordinária expansão de utilização de diversos


tipos de fontes históricas, disponíveis ao historiador, para o Ensino e para
ara

a pesquisa. Essa variedade documental tornava a pesquisa sobre o passado


bastante desafiadora uma vez que as fontes escritas se tornavam apenas mais
ver dit

uma dentro de um universo de outras, para se narrar um passado. A inserção


de novas fontes abria ao “historiador a possibilidade de também trabalhar
op

com fontes não textuais: as fontes orais, as fontes iconográficas, as fontes


materiais, ou mesmo as fontes naturais” (BARROS, 2010, p. 75).
Ainda que tivesse alterada a concepção e natureza das fontes, continua-
E

vam a ser para os historiadores matéria-prima de suas narrativas, cercada por


abordagens específicas, métodos diferentes, técnicas variadas (PINSK, 2005,


p. 7). Complementar a essa visão, Dario Ragazzini (2001, p. 14) afirma que:

A fonte é uma construção do pesquisador, isto é, um reconhecimento que


se constitui em uma denominação e em uma atribuição de sentido; é uma
parte da operação historiográfica. Por outro lado, a fonte é o único contato
possível com o passado que permite formas de verificação.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 107

Nesta compreensão, as fontes não falam por si, são vestígios deixados,
representações, testemunhos de uma realidade passada que respondem aos
questionamentos feitos na tentativa de se extrair, confirmar, contestar ou
acumular informações de cunho historiográfico. Em outras palavras, pode-se
dizer que, na operação historiográfica, o sujeito que produz o conhecimento,
por estar inserido em contextos culturais e sociais, sofre as influências de seu
tempo e espaço. (BARROS, 2010). Logo, deve ser este fator levado em conta

r
V
quando da arguição das fontes.

uto
As HQs como fonte histórica

R
a
Pensar quais os métodos serão utilizados para se trabalhar uma miríade
de novas fontes, sejam elas de caráter visual, textual, audiovisual, dentre

do
tantas outras que se despontaram a partir dos Annales, permite ao historiador
contemporâneo prospectar novas metodologias de pesquisa e novas maneiras
aC
de ensinar História.
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No caso particular das Histórias em Quadrinhos (HQs), os historiadores


são
se deparam com a necessidade de pensá-las e utilizá-las como fonte especí-
fica, o que exige deles uma capacitação. O debate em torno dos quadrinhos
e sua utilização vem sendo defendido e ampliado por vários pesquisadores
i

das áreas de Ciências Humanas. Dentre eles, destacamos a fala de Sonia M.


rev

B. Luyten, pesquisadora da linguagem dos quadrinhos no Brasil: “Em todas


as áreas temos, portanto, a possibilidades de encontrar os quadrinhos. O que
or

importa, porém, é de onde vêm essas histórias e quem as escreve, pois elas
são excelentes veículos de mensagens ideológicas e de crítica social” (LUY-
ara

TEN, 1993, p. 7).


A compreensão das HQs enquanto uma linguagem híbrida que mescla
ver dit

imagem e texto, conjuga elementos necessários à formação de um discurso


coerente, pois traz em seu íntimo “possibilidades de uma nova forma de
op

expressão estética fortalecida e secundada pela imagética que acompanha o


texto” (LIMA, 2011, p. 3). Reconhecido por Nildo Viana em sua obra “o que
os quadrinhos dizem?”, quando ele afirma:
E

Uma das grandes questões dos quadrinhos está nas mensagens que eles
repassam. As HQ, desde o seu nascimento, são uma forma de comunicação
e, portanto, uma forma de enviar mensagem. Por meio das imagens dese-
nhadas, das palavras e diálogos, da representação pictórica, os quadrinhos
manifestam valores, sentimentos, concepções, etc. Neste processo, o papel
proeminente dos quadrinhos é repassar as ideias e valores dominantes
(VIANA, 2010, p. 2).
108

A opinião de ambos os autores nos permite atentar também para o


fato de que os Quadrinhos, enquanto fonte para o estudo da História, estão
permeados de ideias, valores, práticas e ideologias de seu autor; por isso
devem ser também analisados com um devido olhar crítico. Isto porque,
em toda narrativa, o autor ali está inserido! Logo, também as Histórias em
Quadrinhos (HQs) não devem ser analisadas apenas como construções li-
terárias inocentes, imparciais, tão pouco como meros conjuntos imagéticos

r
V
que seduzem um público infanto-juvenil por causa de sua linguagem, mas

uto
como um documento ou uma fonte passível de análise e problematização.
Segundo Jefferson Lima:

R
É chegado o momento em que podemos admitir, com certa segurança, que

a
estas fascinantes peças culturais podem servir na formação do conheci-
mento histórico, trabalhando com a ideia de agenciamento/subjetividade,

do
tanto como fontes, ou como ferramentas pedagógicas (LIMA, 2011, p. 5).
aC
Isto posto, vamos partir para exemplos práticos, analisando sob o crivo da

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


História das Imagens, as ilustrações acerca de temas tão caros e corriqueiros
da História do Brasil. são
Dom Pedro e a Independência do Brasil nas Histórias em
i
Quadrinhos (HQs)
rev
or

A edição de História do Brasil em Quadrinhos, publicada pela Editora


Europa, em 2008, contendo 65 páginas é a fonte de nossa explanação. Em sua
estreia, no segmento editorial de quadrinhos, a Editora Europa investia em
ara

uma obra de cunho didático que revisitava de forma lúdica um dos recortes
temporais mais importantes para a História do Brasil: da vinda da Família Real
ver dit

à Independência do Brasil. A equipe do projeto foi composta por Manoel de


Souza, em parceria com Edson Rossatto e Jota Silvestre (pesquisa histórica
op

e roteiro), Celso Kodama e Laudo (desenhos); Omar Viñole (cores) e André


Morelli (assistente de edição) que juntos desejavam contribuir com uma mo-
dalidade recursal muito instigante para se abordar a temática da Independência
E

do Brasil nas aulas de História.


HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 109

Figura 1 – A capa da HQ

r
V
uto
R
a
do
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são

Fonte: HQ: História do Brasil em Quadrinhos. Ed. Europa, 2008.


i
rev

A capa da edição mostra uma personagem emblemática para recontar


or

alguns aspectos do Brasil Colônia q eu aspirava pela Independência: Dom


Pedro I. Nesta, o sujeito é posto como figura de destaque, ao centro, trajando
a indumentária majestática da cerimônia de aclamação, empertigado militar-
ara

mente, representativo de um herói, um rei para o Brasil. A indumentária de


ver dit

Dom Pedro mostrava características elitistas da corte portuguesa, representada


pelas cores vermelho e azul (VOLPI, 2015).
Os autores utilizaram uma de suas personagens fictícias no quadrinho, o
op

professor Daguerre, que serve de ponte de ligação entre o conhecimento e os alu-


nos eventualmente desinteressados. Daguerre relata os acontecimentos expondo
fatos, datas, personagens e curiosidades, mostrando os eventos cronologicamente
E

e como estes foram se entrelaçando, engrenando a tessitura da História.


O processo de Independência do Brasil é um período histórico que tem
seu início com a chegada do Príncipe Regente, D. João VI, da Família Real
portuguesa e de considerável parte da Corte para a Colônia, em 1808. Como
ponto de ignição, o livro expõe de forma rápida alguns motivos que impul-
sionaram a saída da corte para o Brasil, não se esquecendo de mencionar o
Bloqueio Continental imposto por Napoleão Bonaparte.
110

Figura 2 – Napoleão Bonaparte

r
V
uto
R
a
do
aC

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
Fonte: HQ: História do Brasil em Quadrinhos. Ed. Europa, 2008, p. 11.

Nesse quadrinho, aparece uma adaptação do quadro “Napoleão em seu


i
estúdio”, de Jacques Louis David, de 1812, onde o artista retratou o impera-
rev

dor. A imagem mostra que Napoleão fora desenhado na madrugada, horário


sugerido pelo relógio ao fundo (4:30 AM) e por uma vela acesa ao seu lado,
or

reforçando a ideia de um homem infatigável, a serviço da nação francesa.


A edição ressalta que a Europa, no início do século XIX, passava por
uma crise militar e política. Duas grandes nações encontravam-se em con-
ara

fronto. De um lado estava a França, liderada por Napoleão Bonaparte e seu


ver dit

exército, que dominava o continente por terra. Do outro, a Inglaterra, com sua
enorme frota naval, que dominava os mares. E no meio deste embate estava
op

Portugal, que se encontrava economicamente pobre, apesar de suas inúmeras


colônias (APOLINÁRIO, 2014). Cedendo aos conselhos de ministros e da
própria Inglaterra, a mudança da corte para o Brasil foi vista como a melhor
opção para D. João VI, porque evitaria o conflito militar direto com a França
E

e impediria a invasão do Brasil pela Inglaterra.


Também, as HQs não escondem que a Independência resultava de uma
aliança política entre o príncipe D. Pedro I e a aristocracia rural brasileira. As
elites se aproximaram de D. Pedro para evitar a participação popular na luta
pela independência e garantir seus privilégios. Por isso, o Brasil que nasceu
da Independência era monárquico e escravagista.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 111

Figura 3 – A independência do Brasil

r
V
uto
R
a
do
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são

Fonte: HQ: História do Brasil em Quadrinhos. Ed. Europa, 2008, p. 48-49


i
rev

O quadrinho acima é uma adaptação do quadro “Independência ou Morte”


or

de Pedro Américo, de 1888. Na interpretação oficial, D. Pedro I, figura cen-


tral, está rodeado por soldados em semicírculo, vestidos com uniformes da
guarda nacional e uma comitiva formada logo atrás, e, no canto, um homem
ara

puxando uma carroça de boi. A cena se torna mais caricata com o príncipe
ver dit

regente erguendo sua espada às margens do Rio Ipiranga, em um terreno


topograficamente elevado, quando decretava a Independência do Brasil, em
7 de setembro de 1822. A imagem retratada por Pedro Américo é tida como
op

representação oficiosa do fato em si, que foi construída para ser aceita e di-
fundida como marco histórico da separação da colônia brasileira em relação
à metrópole portuguesa. A informação foi repassada e reproduzida nos livros
E

didáticos, sites, cinema, novela, minisséries. Todavia, faz-se necessário a


problematização dessa fonte, pois tanto a pintura original de Pedro Américo
quanto a da HQs possuem um discurso performático, reificam a ideia fictícia
de como aconteceu o momento do grito de Independência.
O primeiro governante a difundir esta imagem acerca da Proclamação
da Independência do Brasil foi D. Pedro II, filho de D. Pedro I, que governou
o Brasil no período de 1840 a 1889. A tela original de Pedro Américo foi
112

encomendada pelo Imperador em parceria com a comissão de construção do


monumento do Ipiranga em São Paulo.
A historiografia hoje, percebe a imagem que consagrou o 7 de setembro
como uma representação, e que não relata com exatidão o ocorrido no Dia da
Independência. Foi uma cena produzida pela imaginação do pintor. O próprio
Pedro Américo reconheceu que seria impossível fazer uma relação entre a
pintura e o episódio descrito. “Não apenas porque havia uma grande diferença

r
V
de tempo (a tela foi pintada em 1888, e a Independência ocorreu em 1822),

uto
mas também porque não seria possível reconstituir minuciosamente o acon-
tecido, faltavam relatos”, explicou a historiadora e professora da USP, Cecília
Helena de Salles, coautora do livro “O Brado do Ipiranga”11.

R
Contudo, em sala de aula, o professor de História poderá aproveitar a

a
imagem da Proclamação da Independência para lançar algumas questões aos
alunos, para fazê-los pensar atentamente sobre o que a figura mostra. Quais

do
suas incongruências, desajustes? Por exemplo: não era comum, na época,
aC
usar cavalos, mas sim mulas, para fazer o trajeto da Serra do Mar, região

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brasileira montanhosa (OLIVEIRA, 1999). O professor poderá também
são
ressaltar o anacronismo da existência da Guarda Nacional, circundando D.
Pedro I, lembrando que a ela só veio a ser criada em 1831, durante o período
regencial, após a saída de D. Pedro I. Igualmente, seus uniformes se mos-
tram suntuosos demais, para aquele tipo de viagem. E a comitiva também
i
não poderia ser tão numerosa, dado os custos da expedição. A geografia
rev

do Ipiranga também foi alterada para soerguer a figura do herói, dando-lhe


or

destaque, no momento do grito da Independência. Assim como a figura de


um civil na ponta sugere a participação popular, o que de fato não ocorreu.
Já que a aristocracia rural da época queria a permanência da estrutura que
ara

se formara no Brasil (escravagista, latifundiária e monárquica). A paridade


ver dit

entre a HQs aqui analisada e as telas originais pode levar à sala de aula
questões pertinentes. Embora todos os elementos apresentados, adaptações,
op

roteiro, desenhos, fontes primárias e secundárias estejam baseados em fon-


tes, problematizar inclusive as fontes faz parte da função do Historiador.

Considerações finais
E

A utilização de fontes ou documentos no Ensino da História não é uma


proposta recente. Há registros que comprovam sua incorporação aos âmbitos
acadêmicos e escolares durante os séculos XIX e XX, desde o positivismo,

11 Disponível em: <http://g1.globo.com/Sites/Especiais/Noticias/0,,MUL1294850-16107,00 QUADRO+DO+-


GRITO+DA+INDEPENDENCIA+E+OBRA+DA+IMAGINACAO+DO+PINTOR.html>.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 113

à Nova Escola e a dos Annales. O que mudou foi o entendimento quanto à


sua utilização e finalidades didáticas. Se primeiramente serviam para apenas
ilustrar o que a escrita tinha instituído, atualmente, serve como elemento de
arguição e problematização. Por isso, é imprescindível o trabalho do professor
em sala de levar os alunos ao exercício do fazer História.
Segundo as palavras de Flávia Eloisa Caimi (2008, p. 14):

r
V
O desafio é, tomando os documentos como fontes, entendê-los como

uto
marcas do passado, portadores de indícios sobre situações vividas, que
contêm saberes e significados que não estão dados, mas que precisam
ser construídos com base em olhares, indagações e problemáticas co-
locadas pelo trabalho ativo e construtivo dos alunos, mediados pelo

R
trabalho do professor.

a
Logo, o desafio de se trabalhar com as HQs como fontes requer uma

do
capacitação dos profissionais de ensino, exige uma formação permanente
aC
e mais direcionada à leitura de imagens. Isto porque, as Imagens não são
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mais objetos de interesse apenas das Artes, mas também da Antropologia,


são
da Psicologia, da História e da Linguística. Nesse contexto, as HQs devem
ser percebidas pelos historiadores como um conjunto de imagens-textos não
somente por sua natureza estética, mas como uma outra forma de linguagem
capaz de mediar conhecimentos. Qualquer fonte de registro imagético por si
i

só, não constitui uma fonte de informações precisa e completa. O Ensino de


rev

História acentua que isoladamente toda fonte institui-se um ínfimo fragmento


or

da História, necessitando de correções, junções, comparações, certificações.


A imagem não é só fonte de pesquisa. Ela também pode reverberar as
apreensões do presente. Isso só faz sentido se o leitor conseguir extrair a maior
ara

quantidade de significados ocultos das imagens (BURKE, 2004). Para tanto,


ver dit

cada vez mais se torna necessário, o pesquisador e professor ir além da zona


de conforto, buscar novos métodos de ensino, recrudescer suas habilidades e
op

assegurar-se de um trabalho interdisciplinar.


É necessário estar atento para o fato de que também as imagens podem
apenas repetir um discurso, uma narrativa já instituída. Por ser um método
recente de contar a história, não necessariamente significa que ela é revolu-
E

cionária, controversa, crítica e que favoreça um pensar historiográfico atual.


Por vezes, as imagens apenas reificam um modo de narrativa ultrapassada,
desatualizada, alheia às novas perspectivas de mediação do conhecimento a
que todo professor está sujeito. Portanto, por mais moderno e atual que sejam
os artefatos, se seu uso não corresponder às demandas de problematizações, as
HQs e as imagens de modo geral serão apenas o mais do mesmo, recontando
uma História alijada das percepções de seu tempo.
114

REFERÊNCIAS

APOLINÁRIO, Maria Raquel. História: Projeto Araribá Plus. 2. ed. São


Paulo: Moderna, 2014.

BARROS, José D’ Assunção. Fontes históricas: olhares sobre um caminho

r
V
percorrido e perspectivas sobre os novos tempos. Albuquerque: revista de

uto
História, Campo Grande, MS, v. 2, n. 3, p. 71-115, jan./jun. 2010.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Florianópolis:

R
Edusc, 2004.

a
CAIMI, Flávia Eloisa. Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de

do
produção de conhecimento histórico escolar? Anos 90, Porto Alegre, v. 15,
n. 28, p. 129-150, dez. 2008.
aC

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JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes históricas como fonte. In: FON-
são
TES históricas. PINSK, Carla Bassanezi (Org.). São Paulo: Contexto, 2005.

LIMA, Jefferson. Sugestões para a pesquisa dos quadrinhos como fontes


históricas. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH.
i
rev
Anais... . São Paulo, jul. 2011.
or

LUYTEN, Sônia M. Bibe. O que é Histórias em Quadrinhos. São Paulo:


Brasiliense, 1993.
ara

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão de (Org.). O


brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999.
ver dit

RAGAZZINI, Dário. Para quem e o que testemunham as fontes da história da


op

educação? Educar, Curitiba, Editora da UFPR, n. 18, p. 13-28, 2001.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História:


Pensamento e ação na sala de aula. São Paulo: Scipione, 2004.
E

VIANA, N. O que os quadrinhos dizem? Revista Sociologia, São Paulo,


Escala, n. 29, 2010.

VOLPI, Maria Cristina. A Roupa Nova Do Imperador: Dom Pedro I E Dona


Leopoldina Em Trajes De Grande Gala. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (467),
p. 257-274, abr./jun.2015.
CAPÍTULO 10

ALUNO LOGADO, CIDADÃO


CONECTADO: ensino de
história e inclusão digital

r
V
uto
Maria do Socorro Souza
Paulo Augusto Tamanini

R
a
Os avanços tecnológicos e a explosão informacional causada principal-
mente pela internet fizeram com que as instituições educativas passassem a se
preocupar em entrar no ritmo das transformações, por meio da apropriação das

do
tecnologias emergentes e da consequente integração à sociedade do conheci-
aC
mento e da informação. Em decorrência disso, os governantes começaram a
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instrumentalizar as escolas com tecnologias digitais (computador multimídia,


são
lousa digital etc.) e acesso à internet. Malgrado esse esforço, sabe-se que a
mera instrumentalização tecnológica do ambiente educativo não conduz à
inclusão digital do aluno (BONILLA; PRETTO, 2011). É necessário mudar os
paradigmas educacionais, reconfigurando conteúdos, metodologia, inovando
i
rev

as formas de ensinar e aprender, fora e dentro da sala de aula, e o modo de


avaliar o conhecimento (MORAN, 2013). A previsibilidade e a repetição no
or

fazer docente podem se tornar óbices insuportáveis e intransponíveis para o


aluno aprender; logo, é preciso diversificar (id., ibid.).
ara

Para isso, Moran (2013) defende práticas inovadoras, mediante um equi-


líbrio entre tecnologias simples e digitais, atividades presenciais e virtuais, de
ver dit

modo que o aluno aprenda em todos os ambientes por onde circula. A diversi-
ficação na forma de uso das tecnologias, via técnicas diferentes e atrativas, é
op

igualmente defendida por este autor, que orienta o professor a trabalhar com
“conteúdos articulados a muitos desafios, projetos [...], ênfase em pesquisa,
compartilhamento, discussão, produção, sínteses, práticas refletidas, colabo-
rativas, com flexibilidade de espaços e tempos, de momentos presenciais e
E

virtuais, com atividades grupais e individuais” (MORAN, 2013, p. 62).


Para Pinsky e Pinsky (2018), a História é referência na sociedade, de-
vendo, portanto, ser bem ensinada. Em um contexto cada vez mais globalizado,
usar as tecnologias digitais na aula de História é um dos passos em direção
ao ensino de qualidade, pois representa a ação efetiva em direção à formação
da identidade individual e social, à participação e transformação social e à
116

cidadania. Assim, articulando ensino de História, sociedade e tecnologias,


via atividades e postura críticas, pode-se favorecer um uso qualificado desses
artefatos na aula de História, de modo a facilitar a execução das tarefas coti-
dianas e a solução de eventuais desafios que vão surgindo ao longo da vida,
contribuindo, assim, para a inclusão digital e social do aluno.

Os usos das Tecnologias Digitais na aula de História e sua

r
V
contribuição para a Inclusão Digital

uto
Analisar de que forma os usos pedagógicos que o professor de História
das escolas públicas de Mossoró/RN faz das tecnologias digitais, em especial

R
a internet, favorece a inclusão digital do aluno e sua consequente formação

a
como sujeito crítico, ativo, participativo e reflexivo e que constituiu o principal
objetivo desse Capítulo.

do
Problematizar a inclusão digital a partir dos usos que o professor de Histó-
ria faz das tecnologias digitais visa promover reflexões sobre a inserção destes
aC

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artefatos na sala de aula, bem como proporcionar aos professores alternativas
são
para sua utilização crítica, de modo a suprir a exigência de se formar sujeitos
capazes de agir, com criticidade, sobre os problemas que vivenciam, solucio-
nando-os. Nesse sentido, a pesquisa apresenta relevante contribuição social para
a temática das tecnologias na educação e da inclusão digital, no que se refere
i
rev
tanto ao desenvolvimento teórico quanto metodológico, haja vista defender a
necessidade de uso crítico, criativo e reflexivo das tecnologias digitais na sala de
or

aula de História para a consequente formação de cidadãos, sujeitos da história.


Com relação ao conceito de inclusão digital, a referida pesquisa adotou as
ideias de Bonilla e Pretto (2011), consolidada por Lemos (2007; 2011). Bonilla
ara

e Pretto (2011, p. 10) relacionam a inclusão digital à noção de inclusão social,


ver dit

compreendendo aquela como “a possibilidade de os sujeitos sociais terem


acesso e se apropriarem das tecnologias digitais como autores e produtores
de ideias, conhecimentos, proposições e intervenções que provoquem efeti-
op

vas transformações em seu contexto de vida”. Nessa perspectiva, o incluído


digital é alguém que utiliza as tecnologias digitais para além do seu aspecto
técnico, buscando melhorar suas condições de vida.
E

Percurso metodológico

A necessidade de desvelar se o uso que o professor de História faz das


tecnologias digitais em sua prática pedagógica favorece a inclusão digital do
aluno direcionou o foco do estudo em tela para uma pesquisa qualitativa, de
campo, do tipo explicativa.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 117

Aplicando-se as características de Bogdan e Bliken (1994), três escolas


da rede pública estadual e municipal constituíram a fonte direta de onde os
dados da presente pesquisa foram extraídos. Os sujeitos do estudo foram
três professores de História da rede pública de ensino de Mossoró/RN, aqui
denominados PEF, PEM, PMF, para resguardo de privacidade, e sua seleção
deu-se mediante critérios determinados: ser professor de História da rede
púbica estadual ou municipal de Mossoró/RN e fazer uso das tecnologias

r
V
digitais nas aulas. Embora o tamanho da amostra tenha sido pequeno, por ser

uto
um estudo qualitativo e por estarem as escolas onde os professores atuam geo-
graficamente distribuídas, de modo a abranger públicos distintos, demonstrou
ser suficiente no sentido de atender aos objetivos da pesquisa. A entrevista

R
semiestruturada e a observação não participante constituíram os procedimentos

a
técnicos empregados para a coleta de dados. As transcrições das entrevistas
realizadas e os registros das observações no diário de campo constituíram o

do
corpus de análise. A análise de conteúdo foi o método utilizado para analisar
aC
os dados (BARDIN, 2016).
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Embora se constituísse em uma pesquisa de cunho acadêmico, como


são
resultado das leituras e dos dados produzidos, foi criado um portal virtual,
Portal de História, composto de recursos educativos direcionados ao ensino
de História, que não será discutido nesse trabalho.
Todos os cuidados com uma adequada postura ética foram adotados.
i
rev

Após a anuência escrita da Secretaria de Educação do Município de Mossoró


e da Diretoria Regional de Ensino estadual local, responsáveis pelas escolas
or

envolvidas na pesquisa, o aceite dos professores e a visita aos gestores das


escolas para a apresentação do projeto, seus objetivos e metodologia, o projeto
foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), proce-
ara

dimento requerido para a autorização da pesquisa, e aprovado sob o parecer


ver dit

de nº 3.181.267, em 1 de março de 2019. Após a aprovação e a assinatura do


Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e da autorização de uso
op

de som e imagem, a pesquisa foi iniciada.

Análise dos resultados


E

A partir da leitura flutuante do material coletado (transcrição das entre-


vistas e anotações das observações), o corpus a ser analisado foi definido,
codificado em unidades de registros (no caso, frases), por meio de recortes,
agrupado, por tema, em quatro categorias (Perfil do professor de História;
Tecnologias na sala de aula de História; Formas e finalidades do uso das
tecnologias digitais e Tecnologia e inclusão digital) acompanhadas de sub-
categorias e, por fim, com respaldo no referencial teórico do estudo, foram
118

feitas as inferências e a interpretação dos dados, que consistiu em buscar


apreender os sentidos expressos e implícitos encerrados no material coletado.
Esse processo foi realizado em consonância com o aporte metodológico de
Bardin (2016), articulando-se os depoimentos dos entrevistados e as anotações
do diário de campo com a questão da pesquisa e a base teórica nela adotada.
Em seguida, foi efetuada uma análise comparativa entre os resultados da
análise das entrevistas e os das observações, justapondo-se as categorias de

r
V
cada análise, observando-se aspectos similares e diferentes.

uto
A análise das categorias temáticas e suas respectivas subcategorias, iden-
tificadas nos depoimentos e nas anotações do diário de campo das observações,
será realizada em seguida, por proximidade temática.

R
a
Perfil do Professor de História

do
Da análise dos dados obtidos, foi possível concluir que dois dos profes-
aC
sores pesquisados são o que Prensky (2001) denomina nativos digitais pois,
nascidos no fim da década de 80 e na década de 90, cresceram imersos nas

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são
tecnologias, tendo como partes integrais de suas vidas computador, internet,
celular, e-mail e mensageiros instantâneos, enquanto o terceiro pesquisado,
com 42 anos, é considerado imigrante digital. O tempo de docência é de 4,
7 e 18 anos, tanto nas séries finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino
i
Médio. Apesar da idade e tempo de docência serviço poderem influenciar
rev

os usos das tecnologias, pois o nativo digital, mais familiarizado com a


or

cultura digital, está mais aberto a inseri-las em seu fazer docente, enquanto
o imigrante é mais propenso a rejeitá-las, às vezes até pela falta de domínio
técnico, não é o que atestam os dados analisados. O professor mais experiente,
ara

imigrante digital, demonstra ser mais voraz no desejo de diversificar suas


ver dit

aulas usando tecnologias.


Os três pesquisados, em resposta à pergunta: “Você se identifica como um
op

professor da era digital?”, consideraram o uso que fazem das tecnologias limi-
tado, reconhecendo a necessidade de aprender mais, para inseri-las nas aulas:

Eu acho assim: eu tento. Mas, eu não me acho ainda.... Eu acho que tem
E

muita coisa que eu ainda preciso dominar. Mas também já consegui avan-
çar em muita coisa, pela curiosidade, pela não vergonha em perguntar.
Porque eu acho que hoje em dia uma parcela significativa de professores
me parece ser assim: “ah, eu sou professor, então eu deveria saber”, aí
tem vergonha de perguntar (PEM, 28 mar. 2019).

Percebe-se, neste excerto, o intenso rastro da concepção tradicional de


ensino, em que o papel do professor é o de sabe-tudo. Mas, segundo Prensky
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 119

(2012), com a tecnologia, o contexto mudou e o aluno tornou-se autor de


sua aprendizagem, tendo o professor um papel intelectual, “fornecendo aos
alunos contexto, assegurando qualidade e ajuda individualizada” (p. 203).
Bonilla e Souza (2011), contudo, aduzem ser este um modelo metodológico
liberal, inadequado, portanto, para a inclusão digital que conduz à cidadania.
Para estas autoras, nos ambientes de aprendizagem, pesquisa e construção do
conhecimento da cultura digital, o professor não é mais aquele que ensina,

r
V
tampouco os alunos aqueles que aprendem; ambos se tornam sujeitos e par-

uto
ceiros de aprendizagens, construtores e coautores de conhecimento.
Apesar de não se sentirem professores da cultura digital, quanto ao acesso
às tecnologias, todos afirmaram ter, em casa, computador, internet e celular,

R
e usarem a rede todos os dias, em média, de duas a três horas (dois profes-

a
sores) e cinco horas (um professor), para acessar redes sociais, se informar
ou pesquisar. Bonilla e Pretto (2011) reconhecem ser a internet um relevante

do
meio de acesso à informação, mas defendem que seu uso seja “acompanhado
de um fortalecimento da produção cultural e científica” (p. 11), para que “o
aC
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diálogo entre o local e o universal ganhe uma dimensão igualitária e ampla


são
e a escola insira-se nesse processo de forma autoral e ativista” (id., ibid.).
No entanto, para que a escola possa ser um espaço produtor de informação
e conhecimento na rede, é preciso que seus professores sejam autores e não
meros consumidores do conteúdo que nela circula, como é o caso aqui.
i
rev

Ainda nessa vertente, os professores pesquisados, ao serem perguntados


se já haviam criado e compartilhado algum material educativo (blog, grupo no
or

Whatsapp ou Facebook) para fins pedagógicos, relataram que nunca, embora


tenham participado de grupos criados por alunos. No que tange à formação
continuada para o uso pedagógico das TDIC, apenas dois dos três professores
ara

participaram de cursos, enquanto o terceiro iniciou uma formação, mas não


ver dit

concluiu. Os três lamentaram não terem recebido, na graduação, preparação


para o uso pedagógico das tecnologias.
op

No que se refere ao uso da rede como auxílio pedagógico para as aulas


de História, os investigados afirmaram usá-la para pesquisar conteúdos, re-
cursos e formas de usá-los. A busca é feita, em regra, em portais educativos
de História e no YouTube, sendo o alvo slides prontos, vídeos, charges, banco
E

de questões de prova e imagens para usar nas aulas ou inserir em slides, o que
denota uma postura do professor como receptor no uso dos artefatos digitais
do ciberespaço. Falta-lhes, assim, o olhar crítico sobre as tecnologias e seu
uso, advogado por Mattelart (2002), Arruda (2013) e Setton (2010), entre
outros. Até que ponto isso pode influenciar na formação crítica, reflexiva e
ativa do aluno face à História e seu papel nela?
120

Tecnologias digitais no Ensino de História: formas e finalidades dos usos

Bonilla (2009) assevera ser a escola constituidora da cultura digital, por


meio dos seus espaços tecnológicos. Imbricada com a vida, a comunidade, o
trabalho e a cultura, a escola é um “espaço de inserção dos jovens na cultura de
seu tempo – e o tempo contemporâneo está marcado pelos processos digitais”
(id., ibid., p. 186), ocasionados pela intensa presença das tecnologias digitais

r
V
na vida das pessoas, especialmente a internet. Mas, como os entrevistados

uto
concebem o termo tecnologia?
Em uma concepção instrumental, eles veem a tecnologia como um recurso
para facilitar a vida humana, embora citem também o acesso à informação

R
e ao mundo como seus fins. PEF (29 mar. 2019), em uma visão mais crítica,

a
considera as tecnologias “tudo aquilo que [...] amplia a nossa ação dentro de
uma realidade”, inserindo-se aí os usos, os processos advindos da inteligência

do
humana, aproximando-se, assim, do conceito de Kenski (2007, p. 22-23),
aC
para quem tecnologia: engloba “a totalidade de coisas que a engenhosidade

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do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso,
são
suas aplicações”. A tecnologia serve, portanto, para potencializar a ação do
homem na busca por melhorar seu entorno.
Segundo os dados analisados, os três pesquisados ainda não atuam no sen-
tido de tornar as escolas públicas onde lecionam espaços de inserção da cultura
i
rev
digital, haja vista ser quase nulo o uso que fazem das tecnologias digitais na
aula de História, notadamente da internet: “uso mais o projetor multimídia e o
or

computador. A internet, nem tanto, porque já levo os vídeos prontos, devido à


dificuldade do acesso. Mas, passo pesquisa para eles fazerem em casa usando
a rede” (PMF, 28 mar. 2019). Esse uso incipiente da internet inviabiliza a plena
ara

inclusão digital dos alunos de História, já que o ciberespaço constitui uma


ver dit

relevante forma de acesso a diferentes fontes de informação, interação, produ-


ção e compartilhamento de conteúdo (BONILLA; PRETTO, 2011). Embora
op

não usem a internet em sala, os pesquisados citaram o Google Earth, charges,


mapas e, principalmente, vídeos e filmes como os recursos da rede mais úteis
para trabalhar o conteúdo de História. Quanto à razão de não usarem a rede, os
pesquisados enumeraram o funcionamento precário ou inexistência do labora-
E

tório de informática das escolas e a conexão lenta. Justificando o não uso das
tecnologias móveis para inserir os recursos da rede na aula, especialmente do
smartphone, afirmaram que nem todos os alunos possuem celular e, entre os
que possuem, alguns não têm internet em seus aparelhos. Apesar desses óbi-
ces, os pesquisados não desistem, buscando alternativas para superá-los, seja
realizando cotas entre os docentes para pagar uma conexão à internet melhor
e mais rápida, seja baixando os materiais que querem usar nas aulas em casa.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 121

Notebook, projetor multimídia ou computador interativo12 e vídeo são,


conforme os pesquisados, os artefatos digitais mais utilizados por eles e com
os quais se sentem mais seguros, por já saberem como manuseá-los, fato
corroborado ao relatarem que sentem dificuldade de trabalhar com a lousa
digital e o tablet, por não terem o domínio técnico. Percebe-se, desse modo,
que o acesso e o domínio técnicos são pressupostos para a inclusão digital,
embora, por si só, não garantam o uso qualificado das tecnologias, pois não

r
V
levam ao exercício pleno da cidadania (LEMOS, 2011). O Google Earth,

uto
mapas, charges, trechos de filmes, música, textos de jornais e revistas, TV
e câmera fotográfica também foram citados como tecnologias utilizadas nas
aulas. A despeito das inúmeras vantagens dos jogos digitais no ensino de

R
História, como a abordagem atraente de temáticas históricas (ARRUDA,

a
2014; GIACOMONI; PEREIRA, 2013), apenas um docente já utilizou jogos
em suas aulas. Dois alegaram falta de preparo e de tempo para se familiarizar
com o jogo e planejar a aula.
do
aC
De que forma, porém, os professores usam essas tecnologias? Consoante
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

os dados analisados, usam para: elaborar esquemas e resumos; ler e debater


são
textos, charges, fotos, quadros ou imagens; produzir e expor charges; criar
paródias, vídeos e de apresentações em slides; exibir slides, filmes, docu-
mentários e vídeos; cotejar vídeos, filmes ou textos, de fontes diferentes,
abordando o mesmo tema; analisar mapas e documentos históricos; apresen-
i
rev

tar seminários a partir da leitura de textos ou recortes de textos; expor fotos,


por exemplo, do bairro, trabalhando a história local. Como já mencionado,
or

a pesquisa é a única atividade realizada usando a internet e é sempre feita a


distância. Nesse caso, não haja combinação do presencial com o virtual, como
defende Moran (2013).
ara

Com relação às finalidades de uso dos artefatos, os relatos apontam que


ver dit

as tecnologias são usadas com o propósito de iniciar ou estimular o debate na


sala, mas também de ilustrar ou reforçar o conteúdo, especialmente a música
op

e o vídeo. O uso interdisciplinar, planejado e colaborativo das tecnologias foi


um ponto defendido por todos os sujeitos da pesquisa. A colaboração, efeti-
vada via trabalho em grupo, ajuda na superação das dificuldades individuais.
Embora as formas de uso das tecnologias não enfatizem, tanto quanto
E

deveriam, a formação crítica e reflexiva do aluno, impedindo-o de participar


autônoma e ativamente da sociedade (LEMOS, 2011), pelo tipo de uso que o
professor faz das tecnologias digitais, pode-se afirmar que a inclusão digital

12 O computador interativo é um dispositivo desenvolvido pelas universidades federais de Santa Catarina e


Pernambuco, no bojo do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo
Integrado), e funciona como computador, projetor multimídia e lousa digital. Só foi entregue às escolas
estaduais que ofertam o Ensino Médio.
122

do aluno de História das escolas estaduais e municipais de Mossoró/RN está


parcialmente ocorrendo, pois ele, ao usar as tecnologias, produz, debate,
opina, apresenta, cria, pesquisa e compartilha conteúdo e informação com
seus colegas, mesmo não distribuindo no ciberespaço. Está, portanto, sendo
produtor de conhecimento (BONILLA; PRETTO, 2011), posicionando-se
frente ao seu grupo social, e participando, como sujeito, de sua história, como
mostra o excerto abaixo:

r
V
uto
Os textos que debateram foram retirados de jornais e revistas e eram sobre
o tema que estava sendo trabalhado. Se eu não me engano, era sobre a
Proclamação da República. Aí, eu dividi o tema em vários subtemas e dis-
tribuí com os grupos: a crise militar, a crise entre o império e os militares,

R
a
a crise entre a igreja, os militares e o império e a crise entre os fazendeiros,
proprietários de escravos e o império. Eles leram, debateram, fizeram um
resumo e apresentaram, em forma de charge. Depois, perguntei se podia

do
expor as charges e eles gostaram da ideia [...] (PEM, 28/03/2019).
aC
Indagados se os recursos digitais, acessíveis via internet, podem poten-

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são
cializar o ensino de História, os entrevistados asseveraram que sim, embora
PEM (28 mar. 2019) tenha reiterado a falta de estrutura das escolas públicas
em propiciar uma conexão otimizada da rede e seu uso acrítico quando a tarefa
envolve pesquisa, pois muitos alunos se limitam ao Ctrl+C/Ctrl+V, ou seja, a
i
copiar/colar o que encontram nos sites, sendo seu único trabalho, como aduz
rev

Fonseca (2010, p. 9) “imprimir o texto e entregar ao professor”. Ela assevera


or

que é preciso orientar, acompanhar, discutir e avaliar em todas as fases, da


problematização à publicização dos resultados, os projetos de trabalho que
envolvem pesquisa. PEF (29 mar. 2019) aduz que essa potencialização pode
ara

ocorrer via ampliação da “questão do raciocínio histórico, no sentido de os


alunos terem a oportunidade de construir uma compreensão, por exemplo, de
ver dit

um fato histórico, de uma forma muito mais dinâmica e leve, não no sentido
de memorizar, mas no sentido de se relacionar com o conteúdo”.
op

Além dessa, os professores entrevistados conseguem divisar outras


vantagens do uso das tecnologias digitais no ensino de História, como as
diversas fontes disponíveis na rede, melhoria no rendimento, colaboração
E

entre os alunos, estímulo à autoria e criticidade (em menor grau do que os


outros itens citados), motivação e interesse. Motivação e atração para o aluno
são vantagens citadas pelos três professores em várias falas: “as tecnologias
dinamizam a sala de aula, porque tem dias em que a aula pode parecer um
pouco chata e, às vezes, a gente traz algo mais interessante para o aluno e ele
acaba atraído” (PEF, 29 mar. 2019); “Facilitam a compreensão do conteúdo,
motivam, e outra coisa, você acaba mexendo no cotidiano da aula, tornando-a
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 123

mais atraente” (PEM, 28 mar. 2019). PEF (29 mar. 2019) coloca, ainda, que
os artefatos digitais servem para facilitar o trabalho docente: “Eu diria que
também seria até facilitar o meu trabalho pedagógico; realmente, a tecnologia
facilita o trabalho pedagógico”.
Essas falas expressam uma preocupação em associar o uso das tecnolo-
gias com a ação pedagógica do professor, sem se voltar à formação crítica do
aluno. Manifestam, por conseguinte, uma visão instrumental da tecnologia,

r
V
como se seu único fim fosse tornar a aula atrativa para o aluno, motivando-o.

uto
Consoante Lemos (2011), a inclusão digital só pode ocorrer quando o indiví-
duo usa as tecnologias para exercitar plenamente sua cidadania e não somente
por meio do acesso a computadores e internet. Logo, para a plena inclusão

R
digital, cabe pensar a “formação global do indivíduo para a inclusão social”

a
(id., ibid., p. 16), ultrapassando o teor meramente tecnicista. Malgrado essa
percepção de tecnologia como mero instrumento, os entrevistados ressaltam

do
que seus benefícios dependem da forma como serão usadas pelo professor,
aC
isto é, do que os alunos irão fazer com elas. Para eles, é preciso deixar claro o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

objetivo pedagógico e planejar bem a atividade a ser feita com as tecnologias.


são
Inquiridos sobre de que forma as tecnologias podem ajudar a combater
a imagem que a História tem de disciplina memorística e expositiva, o que a
torna desinteressante e cansativa para o aluno, PEF (29/03/2019) falou que,
“com as tecnologias, o aluno sai de sua zona de conforto, de ou só ouvir o
i
rev

que estou falando ou achar que se decorar aquela frase do livro, já aprendeu”.
Destacou o estímulo à interdisciplinaridade, com a qual o aluno “aprende a
or

relacionar o conteúdo com conhecimentos de outras disciplinas”. A formação


crítica e reflexiva do aluno, por intermédio do uso da tecnologia, abaixo rela-
tada, é outra forma de combate ao ensino transmissivista de História:
ara

A possibilidade que ela, a tecnologia, dá, por exemplo, de expor vídeos,


ver dit

acho que ajuda nesse sentido. A própria charge, ou a imagem mesmo;


às vezes, eu gosto de pedir para fazerem a leitura da imagem. Coloco
op

a imagem lá e isso já foge daquela coisa só falando. Uma vez eu estava


abordando a Independência do Brasil e coloquei aquele quadro famoso
de D. Pedro com a espada na mão e a gente foi fazendo a leitura de cada
coisa ali: onde é que estava o povo ali, quem eles enxergavam naquele
E

quadro e, à medida que eles encontravam a resposta, fazíamos o debate.


As tecnologias ajudam a fazer o aluno participar mais, a trazê-lo para o
debate (PEM, 28 mar. 2019).

Diante do discutido, é possível identificar de que forma os professores


de História das escolas públicas estaduais e municipais de Mossoró usam as
tecnologias digitais. Essas formas favorecem a inclusão digital e social do
aluno? O debate que se segue pode ajudar a encontrar essa resposta...
124

Tecnologia e inclusão digital

Fonseca (2010), ao tratar da intencionalidade educativa subjacente


ao ensino de História, alega que as escolhas teóricas e metodológicas dos
professores estão intimamente ligadas às suas posições políticas. Para ela,
“a história ensinada é sempre fruto de uma seleção, ou como atualmente se
diz, de um ‘recorte’ temporal, histórico. As histórias são frutos de múltiplas

r
V
leituras, interpretações de sujeitos históricos situados socialmente” (id., ibid.,

uto
p. 2), sendo o passado tal qual se conhece condicionado pela visão de quem
o recortou para registrá-lo, a partir do seu presente.
Direcionando o olhar para as tecnologias, os pesquisados acreditam serem

R
estas manifestações da cultura que refletem o contexto social e as intenções de

a
seus criadores, com vistas a influenciar seus usuários. Para PEM (28 mar. 2019),
“nada é neutro, tudo o que é criado para o público, tem uma intenção”. Arruda

do
(2013, p. 38) cita como exemplo o ciberespaço que, por ser criado pelo homem,
é “permeado de seus paradoxos, contradições e relações de poder”.
aC

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


Se a História ensinada resulta da escolha de recortes feita por um dado
são
sujeito social e historicamente situado, é imprescindível que a sala de aula se
torne um espaço de crítica, de discussão, de reflexão, de modo que os alunos se
percebam como parte do elenco da História. Para isso, porém, é preciso que o
professor de História se conscientize de sua “responsabilidade social perante os
i
rev
alunos, preocupando-se em ajudá-los a compreender e [...] a melhorar o mundo
em que vivem” (PINSKY; PINSKY, 2018, p. 22). Nesse sentido, as tecnologias,
or

embora também imbuídas de subjetividades, podem ajudar imensamente.


Entretanto, é necessário que os docentes tenham claro uma concepção de
inclusão digital condizente com essa responsabilidade social de que Pinsky e
ara

Pinsky (2018) falam. Ante a pergunta sobre o que seria incluir digitalmente
ver dit

os alunos, os entrevistados responderam: “Me vem à cabeça oportunizar o


acesso dos alunos às tecnologias, independentemente das limitações desse
op

aluno” (PEF, 29 mar. 2019); “Seria dar mais o acesso, porque quando eles
têm o acesso, eles desenvolvem mais rapidamente a prática do uso, a técnica.
Como professora, seria permitir que eles tenham o acesso às tecnologias
que, muitas vezes, não têm em casa” (PMF, 28 mar. 2019). Conforme as
E

falas, percebe-se que, para esses professores, incluir consiste unicamente em


possibilitar o acesso e o domínio técnico. Um dos entrevistados, contudo, já
mostra uma diferença significativa em relação a essa visão:

Hoje em dia, eu acho que a inclusão ainda está muito voltada em propor-
cionar o acesso à tecnologia. Não é só o acesso, porém, mas também a
compreensão daquilo que ele vai querer fazer com ela, do uso dela. Não
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 125

é só o acesso, apesar de eu acreditar que ainda não é todo mundo que


tenha, não. [...] A inclusão é o acesso qualificado, um acesso consciente,
em que os alunos saibam o que estão fazendo, pois se vê muito aluno em
sala de aula com celular, mas o que está fazendo? (PEM, 28 mar. 2019).

Para esse professor, incluir vai além do mero acesso e domínio técnico,
pois implica usar de modo consciente as tecnologias, embora ainda não
signifique um uso em que o aluno seja produtor e distribuidor de conteúdo

r
V
(LEMOS, 2011). Os três pesquisados admitem que, ao realizarem alguma

uto
atividade com o uso das tecnologias, o papel do aluno é mais de consumidor
das informações e conteúdos por elas veiculados do que de produtor. Reco-
nhecem, porém, que o professor deve oportunizar espaços de produção na

R
aula. PMF (28 mar. 2019), que atua somente no Ensino Fundamental, associa

a
a postura de receptor dos alunos a essa modalidade de ensino, afirmando que
ainda lhes falta nessa fase a criticidade e a autonomia e que eles são incapazes

do
de problematizar as informações que acessam.
aC
A questão que se faz é: até que ponto essa visão de inclusão e do papel
do aluno ao aprender usando tecnologias interfere na forma como o professor
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são
usa as tecnologias e, consequentemente, na formação crítica, reflexiva e ci-
dadã do aluno, ou seja, em sua inclusão digital? Se ser incluído digitalmente
significa participar ativamente das decisões que envolvem as várias esferas
da vida pública, produzir e compartilhar informações e conhecimento em e
i

na rede, acessar criticamente os conteúdos que circulam nas mídias e redes


rev

sociais, atuando como sujeito da história local e global, é possível inferir, dos
or

dados analisados, que as formas de uso das tecnologias pelos professores in-
vestigados, apesar de favorecerem, mostram-se insuficientes para promover a
inclusão digital dos alunos, necessária para exercer plenamente sua cidadania.
ara

O amparo para tal afirmação advém tanto das formas de uso (ou do
não uso) das tecnologias digitais, especialmente a internet, como do papel
ver dit

que o professor assume em suas aulas. Um exemplo disso é que, conforme


os dados analisados, após a exibição de vídeos, os professores explicam os
op

acontecimentos ali mostrados, sem dar oportunidade ao aluno de se mani-


festar. A transmissão de informação, ranço do método tradicional, em vez
da construção do conhecimento, mostra-se muito forte, sendo a presença
E

das tecnologias mera forma de atrair a atenção do aluno. Logo, a dinâmica


comunicacional da aula ainda se funda no modelo de transmissão um-todos


(BONILLA; SOUZA, 2011), reproduzindo-se o autoritarismo e linearidade
típicos da educação bancária (FREIRE, 2003) ou do que Mattelart (2002)
chama de modelo vertical de ensino. Nesse caso, “tudo o que o aluno tem
a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção,
ficar quieto e repetir tantas vezes forem necessárias” (BECKER, 1994, p. 90),
resultando daí indivíduos que, renunciando ao direito de pensar, desistiram
126

de sua cidadania e, por conseguinte, “qualquer projeto que vise a uma trans-
formação social escapa a seu horizonte, pois este sujeito deixou de acreditar
que sua ação seja capaz de qualquer mudança” (id., ibid.).
Infere-se que os alunos nunca compartilharam conteúdo na rede, atuando
sempre como consumidores acríticos, já que, conforme foi mencionado su-
pra, a única atividade desenvolvida com eles é a pesquisa a distância, cujo
resultado é copiado sem ser analisado criticamente. Mesmo as tentativas no

r
V
sentido de fazer os alunos problematizarem os resultados encontrados, via

uto
elaboração de resumos ou resenhas de filmes, produção de slides, paródias,
charges e vídeos do tema pesquisado, relacionando com situações do tempo
presente, não escondem sua não participação e contribuição nos diversos

R
processos interativos, sociais e políticos que ocorrem no ciberespaço, o que

a
impede o pleno exercício de sua cidadania, constituindo-se este outro ponto
para que ele não esteja, de fato, incluído digitalmente.

do
Entretanto, conforme os dados analisados, os pesquisados acreditam que
os usos das tecnologias digitais, incluindo as do ciberespaço, podem, sim,
aC
contribuir para que o aluno se torne um sujeito crítico e reflexivo, um cidadão,

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


capaz de intervir como autor no seu contexto social, cultural, econômico, po-
são
lítico, desde que sob o acompanhamento do professor e realizados de modo
planejado, interdisciplinar e colaborativo. Nesse sentido, Fonseca (2010), ao
coligir algumas propostas metodológicas e estratégias de ensino que vêm se
i
consolidando no ensino de História, cita as práticas interdisciplinares desen-
rev

volvidas “por meio de projetos de ensino que articulem temas históricos aos
demais componentes curriculares” (p. 9), a produção de saberes históricos
or

na sala de aula via projetos e a incorporação e diversificação de diferentes


fontes, linguagens e artefatos da cultura contemporânea no processo de ensino
e aprendizagem. O trabalho por projetos também é defendido como estratégia
ara

de inserção das tecnologias na sala de aula (MORAN, 2013), por propiciar


ver dit

interdisciplinaridade, autonomia e colaboração no ensinar e aprender História.


Com relação ao Portal de História, disponibilizado sob o endereço
wwww.portalhistoria.net.br, cujo fim foi inventariar tecnologias digitais e
op

possibilidades de usos críticos e autorais para o ensino de História artefatos


digitais e formas de uso para o ensino de História, os entrevistados sugeriram
tecnologias variadas, conforme a modalidade de ensino, e sugestões de uso que
E

despertem o pensamento reflexivo e crítico do aluno: “Não adianta ter tudo nas
mãos e você não saber como usar. Poderia ter um vídeo, mas com uma dica
de como usar, uma experiência que outro professor já tenha feito” (PEM, 28
mar. 2019). O entrevistado sugeriu a socialização no Portal de planos de aula e
experiências de aula de outros professores de História. O portal oferece, assim,
planos de aula e projetos desenvolvidos por professores de História de outras
regiões do país. Além disso, deixa aberto para que os usuários possam enviar
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 127

seus planos de aula ou projetos, consolidando a democracia na rede. Filmes,


vídeos, música, imagens, charges, textos, documentários e questões de prova
foram as sugestões de conteúdo dos pesquisados para o Portal de História.

Considerações finais

A História, construída cotidianamente, é ação de todos os indivíduos e

r
V
coletivos sociais. Dessa forma, seu ensino não pode se dar dissociado da vida

uto
dos sujeitos que a constroem e da cultura onde está inserida. Na atualidade,
vive-se na cibercultura ou era digital, marcada pela presença das tecnologias
digitais, notadamente a internet. Estar conectado é poder se comunicar, infor-

R
mar (se), de modo célere e instantâneo, com o mundo todo, algo a que o aluno

a
da Educação Básica está acostumado, por ter nascido imerso nesse contexto.
Esta pesquisa buscou analisar de que forma os usos que os professores

do
de História fazem das tecnologias digitais contribuem para a inclusão digital
dos alunos. Por meio da análise dos dados coletados e da discussão com os
aC
autores que embasaram este estudo, pode-se dizer que o objetivo traçado para
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

responder esta questão foi atingido.


são
Verificou-se que todos os professores pesquisados utilizam tecnologias em
suas aulas e em sua vida pessoal, embora este uso ainda se mostre incipiente em
sua prática pedagógica. Notebook e projetor multimídia ou computador intera-
i

tivo foram citadas como as tecnologias mais usadas, juntamente com o vídeo.
rev

No entanto, os professores também fazem uso de outras tecnologias, embora


de modo mais esporádico. Apesar das potencialidades da rede, ela nunca foi
or

utilizada na aula presencial, somente a distância e para pesquisas. As atividades


realizadas com as TDIC são variadas, com destaque para a exibição de vídeos e
trechos de filmes e produção de resumos, slides e charges. Os fins identificados
ara

para usar as tecnologias foram especialmente reforçar o conteúdo ou motivar o


ver dit

aluno. Quanto à forma de trabalhar com as tecnologias, os professores relataram


a preferência pelo uso planejado, interdisciplinar e colaborativo.
op

Apesar de colocar os alunos para produzir conteúdo a partir do tema


estudado e provocar o debate via confronto entre mídias diferentes acerca do
mesmo tema, o aluno ainda assume quase sempre uma postura de receptor
acrítico ou consumidor das tecnologias e do que nela circula. Por conseguinte,
E

o acesso às tecnologias digitais e suas formas de uso na aula conduzem, em


parte, à inclusão digital, mas o aluno de História ainda não está incluído so-
cialmente, pois o não uso da internet, exceto para pesquisas livres a distância,
sem o acompanhamento e a orientação do professor, impede que ele participe
do que a rede oferece, que produza e compartilhe conteúdo, deixando de ser
autor e divulgador de informação, um nó na rede da inteligência coletiva de
Lévy (2007) e, por essa razão, deixando de ser cidadão.
128

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R
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do
aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

CAPÍTULO 11

O PERÍODO DE REDEMOCRATIZAÇÃO
NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA.
AS IMAGENS QUE CONCLAMAM

r
V
UM BRASIL DEMOCRÁTICO

uto
Risalva Ferreira Nunes de Medeiros
Paulo Augusto Tamanini

R
a
O livro didático encontra-se presente na cultura escolar por muitas gera-

do
ções, perpassando várias fases, acontecimentos e transformações sociais. De
modo geral, é construído por objetos complexos de relações. Para Monteiro
aC
(2013, p. 209), os livros didáticos são “[...] produtos de relações entre grupos”
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são
que envolvem diferentes agentes em sua constituição e apropriação, sendo
frutos de ações e demandas sociais específicas. São materiais que divulgam de
forma massiva o conhecimento socialmente legítimo, tendo por característica
a sua produção atrelada às relações entre o saber escolar, as políticas educacio-
i

nais, as instituições editoriais e os autores das obras didáticas (MONTEIRO,


rev

2013). No caso da disciplina de História, serve aos professores como um dos


or

principais alicerces de orientação teórica e metodológica na construção e


efetivação de suas aulas (JÚNIOR, 1997).
Por apresentar-se como um material relevante às práticas escolares,
ara

torna-se indispensável questionar e analisar as formas, intenções, princípios,


imagens e objetivos que compõem o livro didático de maneira substancial.
ver dit

Tomando especificamente a disciplina de História, é indispensável a presença


op

da ciência nos critérios qualitativos sobre as diretrizes norteadores dos ma-


teriais didáticos, afinal são construídos no presente, por alguém que narra o
passado. Nesse recorte, a percepção da História é sempre subjetiva, construída
por homens, com suas próprias ideologias e concepções.
E

Para Zamboni (2008, p. 243):

A educação no século XXI é um desafio e tem como característica a com-


plexidade decorrente da multiplicidade de mudanças e transformações
ocorridas em todos os setores da vida social, principalmente na segunda
metade do século passado. E as políticas públicas referentes à escola não
acompanharam o deslocamento populacional, os avanços tecnológicos e
132

científicos e as mudanças socioculturais. Adicionados a esses fatores, os


currículos escolares não expressam os paradigmas da cultura contempo-
rânea. Milhares de crianças e adultos estão fora da escola e de qualquer
outro projeto educacional. O princípio da escola democrática, baseado
nos ideais liberais, nos quais a educação foi tomada como um direito
universal, ainda não se realizou, embora seja datado do século XVIII.
A educação proposta na época atendeu às necessidades da nascente bur-
guesia, forjou uma identidade nacional e contribuiu para a formação do

r
V
Estado nacional moderno. Um projeto único e homogêneo de educação

uto
significou, na prática, excluir, consolidar distinções e criar ambiguida-
des. Nesse sentido, a educação e a disciplina de História tiveram caráter
enciclopédico e moral, marcado pela ideia de progresso, que deveria dar
visibilidade à Nação.

R
a
A partir do trecho acima, entende-se que quando as estruturas educacionais

do
estão definidas e abrem o caminho para distribuir e interagir com a informação,
a transformação advinda com essa influência transcende para outras áreas do
aC
conhecimento. Pode-se dizer, então, que a educação tem por objetivo formar

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
cidadãos conscientes, o que só será possível com a compreensão crítica da
sociedade em que vivem e dos fatores que a produziram. Daí a importância
fundamental do estudo crítico da História, sem dúvida um dos elementos
essenciais na formação desse cidadão.
i
Nota-se, portanto, que o livro didático é um material atravessado por
rev

dimensões complexas das culturas escolares e, ao mesmo tempo, das culturas


or

extraescolares. Entretanto, ao confrontar as diferentes propostas de leitura


de imagens visuais nele impressas, percebe-se como a produção dos saberes
docentes e escolares participam da formação das tendências dominantes, que
ara

priorizam, atualmente, determinadas metodologias de leitura de imagens em


detrimento de outras.
ver dit

Sobre a análise de imagens nos livros didáticos Tamanini (2018, p. 263-


264) afirma:
op

[...] Tendo-se o contexto histórico como algo indispensável para se enten-


der uma realidade social retratada no livro, observou-se que era de suma
E

importância analisar as imagens presentes nos livros didáticos, uma vez


que elas proporcionam ao aluno espectador possibilidades várias para a
compreensão do mundo simbólico do passado. Se as imagens suscitam
questionamentos, despertam novos olhares sobre o fato histórico. Tor-
nou-se importante preparar o aluno para que ele também pudesse arguir
sobre as figuras que representam um fato ou um personagem do passado.
Percebeu-se que também o recurso imagético se torna suporte para as
representações do mundo e os elementos que compõem o texto ilustrativo
podem também induzir à reflexão, levam à releitura dos fatos.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 133

Acredita-se, pois, que a leitura de imagens possibilita ao aluno diversas


intepretações e pode revelar conceitos, preconceitos, ideologias, valores cul-
turais e as relações que este tem com o objeto em análise. Comprovam essa
afirmação os livros didáticos do período da ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985) destinados a crianças e jovens, cujas imagens objetivavam a
manipulação ideológica. Averiguar as imagens acerca do fim desse período
nos atuais livros de História do Ensino Médio sob a perspectiva da História

r
V
das Imagens é o objetivo deste estudo, a fim de verificar de que maneira

uto
contribuíram com a redemocratização do Brasil.
O presente estudo coteja os trabalhos de Paiva (2006) e Zamboni (2007,
2008), que analisaram as imagens nos livros didáticos para além de uma função

R
a
ilustrativa, auxiliando o aluno na construção de um conhecimento histórico
reflexivo e crítico.

do
O Período Militar e a Redemocratização do Brasil
aC
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A década de 1960 foi marcada por vários acontecimentos sociais, pro-


são
testos e mobilizações em países capitalistas e socialistas. Esses anos foram
chamados de “Anos Rebeldes”. No Brasil, ocorreu a queda da democracia e
a instalação da ditadura, com manifestações estudantis, sindicatos dos traba-
i

lhadores e artistas das diversas áreas. Os artistas mantiveram vivos os anseios


rev

por tempos de liberdades e de superação das desigualdades sociais.


Com o golpe militar do dia 31 de março de 1964, o afastamento do
or

presidente da república, João Goulart, e a posse do marechal Castelo Branco


o Brasil enfrentou vinte e um anos de ditadura (1964 a 1985), o que trouxe
ara

consequências graves para a democracia. Iniciou-se um regime de exceção


que durou até 1985. Nesse período, não houve eleição direta para presidente.
ver dit

O Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados e houve


censura à imprensa.
op

Após a deposição do presidente João Goulart, foi instalada no poder uma


junta militar, formada pelo general Artur da Costa e Silva, pelo brigadeiro
Francisco Correia de Melo e pelo almirante Augusto Rademaker. Dos anos de
E

1964 a 1969, o regime militar utilizou a edição de Atos Institucionais (AI) para
impor decisões que visavam garantir a permanência dos militares no poder.
Esses atos eram decretos e normas que se colocavam acima da Constituição
vigente, mesmo depois dos militares outorgarem sua própria Constituição
Ditatorial, em 1967. O decreto garantia amplos poderes ao executivo, como
cassar mandatos, suspender direitos políticos, aposentar funcionários civis e
134

militares e decretar estado de sítio sem autorização do Congresso. Instalou-se,


pois, o regime autoritário, assim definido por Chauí (2001, p. 435):

Por autoritarismo entendem um regime de governo em que o Estado é


ocupado através de golpe (em geral militar ou com apoio militar), não há
eleições nem partidos políticos, o poder executivo domina o legislativo e
o judiciário, há censura do pensamento e da expressão e prisão (por vezes
com tortura e morte) dos inimigos políticos.

r
V
uto
Os Atos Institucionais foram utilizados, portanto, como mecanismos
de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, estabelecendo
para eles próprios diversos poderes extra constitucionais. Esses atos não estão

R
mais em vigor desde o fim do Regime Militar.

a
Havia vários projetos que propunham uma saída para o contexto que

do
o Brasil vivenciava. Os liberais, mais moderados, defendiam a liberdade de
expressão e de organização partidária, o fim da censura, o respeito aos di-
aC
reitos civis. Já a esquerda, dividida entre comunistas, petistas e trabalhistas,

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queriam algo mais. Para estes, a democracia deveria defender os direitos
são
sociais dos trabalhadores, sua participação efetiva nas decisões políticas e a
busca de uma divisão de renda mais justa. Sobre democracia, Santos (1999,
p. 270-271) enfoca:
i
rev

O capitalismo não é criticado por não ser democrático, mas por não
ser suficientemente democrático. Sempre que o princípio do Estado e
or

o princípio do mercado encontraram um modus vivendi na democracia


representativa, esta significou uma conquista das classes trabalhadoras,
mesmo que apresentada socialmente como concessão que lhes foi feita pelas
ara

classes dominantes. A democracia representativa é, pois, uma positividade


e como tal deve ser apropriada pelo campo social da emancipação. [...] a
ver dit

nova teoria democrática deverá proceder à repolitização global da prática


social e o campo político imenso que daí resultará, permitirá desocultar
formas novas de opressão e de dominação, ao mesmo tempo que criará
op

novas oportunidades para o exercício de novas formas de democracia e


de cidadania.
E

Vale salientar que a consolidação e o aprimoramento da democracia


representam um dos principais desafios do país, nos dias atuais. A política no


Brasil deve superar o senso comum e valorizar a democracia como forma de
organização do poder que pressupõe conflitos e tensões, demonstrando que
os direitos dos cidadãos são garantidos pela sua participação e mobilização
e que o poder não pertence ao governo em sua função, mas aos cidadãos que
constituem o país.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 135

O início dessa democratização deu-se no final do governo Figueiredo,


quando foi apresentada uma emenda constitucional que estabelecia a escolha
do próximo presidente do Brasil pelo voto direto. Uma enorme mobilização
popular de apoio à emenda resultou em grandes comícios, em várias partes
do Brasil, com o slogan “Diretas já!”. No entanto, a emenda foi rejeitada
pela Câmara dos Deputados. O próximo presidente ainda seria eleito por via
indireta. Tudo o que o movimento das Diretas já representou para os brasi-

r
V
leiros naquele período podemos ver no trecho do artigo elaborado pelo então

uto
deputado constituinte, Paulo Paim:

Não podemos nos esquecer que a campanha ‘Diretas Já’ (1984) fez crescer a

R
esperança em meio a nossa gente. Desejava-se a rápida transição, ansiava-se

a
pela abertura democrática. O Brasil viu o crescimento dos movimentos estu-
dantis. Pouco a pouco estava conquistando o direito à liberdade de expressão

do
e rumava ao exercício pleno da cidadania. Começavam-se a se desenhar
as primeiras linhas do que viria ser a Constituinte (PAIM, 2008, p. 134).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

No início de 1985, Tancredo Neves, candidato pela Aliança Democrática,


são
foi eleito presidente da República pelo colégio eleitoral, tendo como vice José
Sarney, representante da chapa contraria a do regime militar. O governo militar
chegava ao fim e o processo de redemocratização começava a se estruturar.
No entanto, em razão de problemas de saúde, Tancredo não assumiu o
i
rev

cargo, sendo empossado o seu vice, José Sarney, que havia apoiado o governo
militar e chegou a liderar o partido situacionista, migrando para a oposição
or

pouco antes das eleições. Tancredo morreu dias após a posse de Sarney e o
Brasil, governado por um presidente civil, começava a superar os vinte e um
anos de regime militar.
ara
ver dit

Olhando algumas imagens da Redemocratização


op

No cotidiano, as imagens são encontradas de diversas formas: pintadas,


desenhadas, fotografadas, moldadas, impressas, esculpidas ou cinematográ-
ficas. Elas contribuem no modo de ver as coisas, pensar, sentir e perceber o
mundo que nos cerca. As imagens transmitem significados conforme aquilo
E

que atribuímos a elas. Acerca do Período da Redemocratização, elas não


são diferentes!
Os livros didáticos geralmente apresentam imagens gráficas atraentes
e que ocupam um espaço destacado em suas páginas. “[...] E, é importante
lembrar, quanto mais colorida, mais bem traçada, mais pretensamente próxima
da realidade, no passado e no presente, mais perigosa ela se torna” (PAIVA,
136

2006, p. 18). Mas a função que ocupam em relação aos textos que as acom-
panham é, muitas vezes, a de mera ilustração, ou apenas para confirmar as
informações escritas. Isso acaba por desvalorizar as fontes visuais, que devem
ser exploradas ou até se opor aos textos, instigando o aluno a pensar e a refletir
sobre as representações imagéticas.
A iconografia é, certamente, uma fonte histórica das mais ricas, que traz
embutida as escolhas do produtor e todo o contexto no qual foi concebida,

r
V
idealizada, forjada ou inventada. Nesse aspecto, ela é fonte como qual-

uto
quer outra e, assim como as demais, tem que ser explorada com muito
cuidado. Não são raros os casos em que elas passam a ser tomadas como
verdade, porque estariam retratando fielmente uma época, um evento,
um determinado costume ou uma certa paisagem. Ora, os historiadores e

R
os professores de história não devem, jamais, se deixar prender por essas

a
armadilhas metodológicas (PAIVA, 2006, p. 17).

do
É correto afirmar que as imagens não podem ser vistas como verdades
absolutas sem antes serem exploradas. É relevante a complexidade de signi-
aC
ficados e interpretações que as metodologias de uso de imagens podem trazer

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
ao ensino de História. Por meio delas surgem caminhos para elaboração de
novas estratégias voltadas à produção de saberes docentes na relação com os
saberes discentes.
É importante reconhecer que as informações que as imagens transmitem
i
são inacabáveis, isto é, não se esgotam em si mesmas. Portanto, a imagem
rev

retrata a realidade, mas sempre tem muito mais a ser apreendido, além da visão
or

que uma primeira leitura pode trazer. Existem as leituras visíveis ou explí-
citas das imagens e, também, as implícitas. De fato, todas as representações
iconográficas deixam lacunas que necessitam ser pesquisadas, descobertas
ara

e ressignificadas.
ver dit

Percebe-se, então, que a imagem não é a verdade em si, nem a represen-


tação absoluta e fiel de fatos históricos. Como todo registro histórico, depende
op

do olhar de seu produtor e de quem a observa. As imagens como fontes his-


tóricas não têm representações completas e nem definidas, portanto, os seus
leitores podem realizar diferentes interpretações de linguagens.
O trabalho com imagens deve, pois, possibilitar discussões sobre o con-
E

texto social, temporal e espacial em que foi elaborada, com a finalidade de


perceber seus significados para o contexto atual, como também para outros
contextos sociais e históricos, não apenas como simples reflexos de suas
épocas e lugares.
Qualquer imagem precisa ser bem utilizada, bem explorada e, geral-
mente, articulada a um texto. Deve ser possível de ser interpretada, pois
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 137

representa uma determinada época. Dessa forma, se constitui em uma


autêntica fonte de informação, de pesquisa e de conhecimento, a partir da
qual o aluno pode perceber diferenças e semelhanças entre épocas, culturas
e lugares distintos.
O uso de imagens relacionadas à parte pedagógica e ao Ensino de His-
tória, possibilita, portanto, a interpretação da história sobre um outro viés.
Nessa perspectiva, as imagens são instrumentos ricos para o Ensino acerca

r
V
do passado, pois trazem o registro do imaginado, do representado, do criado

uto
do reconstruído. Junto ao texto são analisadas como uma fonte única em que
a linguagem pictórica e textual discorrem sobre um pretenso passado.
Alertando para o fato do exercício de leitura de imagens sobre a dimensão

R
do complexo processo histórico brasileiro, Paiva (2006, p. 55) afirma:

a
O que se verá é que, por vezes, pequenos detalhes podem significar

do
chaves para exames aprofundados; que comparações entre imagens e
entre elas e outros documentos podem revelar aspectos camuflados dessa
aC
história; que porções importantes dessa realidade passada estão apenas
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são
sugeridas nessas imagens e que elas nunca vêm com uma espécie de
legenda definitiva, por meio da qual o leitor, seja qual for a sua época,
poderá lê-las e compreendê-las. As representações iconográficas, assim
como qualquer outro documento, repito, são lidas sempre no presente,
por meio de filtros e de chaves, para continuar fazendo uso dessas me-
i

táforas, que pertencem ao presente, pelo menos na maioria das vezes.


rev

Por isso, elas adquirem novos significados a cada nova leitura, a cada
nova época, e por isso também elas oferecem novas respostas às novas
or

indagações que são colocadas. Nem a imagem que pretendeu ser a mais
fiel das cópias de uma realidade qualquer jamais o será, assim como
acontece com qualquer interpretação historiográfica.
ara

Com efeito, haverá sempre opiniões divergentes em relação a uma


ver dit

mesma imagem. Serão olhares diferentes para o mesmo objeto. No caso da


op

Ditadura Militar, torna-se importante analisar os motivos de sua produção e


divulgação, uma vez que estratégias, interesses e formas de perpetuação de
grupos envolvidos deverão ser considerados.
Na realização deste estudo, observou-se, no interior do livro didático,
E

algumas imagens do quadro histórico do Período Militar.


A primeira imagem (Figura 1) retrata a movimentação de tropas militares
que dá largada ao Golpe em 31 de março de 1964. Mostra os carros blinda-
dos, chamados “brucutus”, nas ruas de São Paulo. Essa imagem, em preto e
branco e em destaque nos livros didáticos de História, transmite um discurso
de poder em que se salienta o modo como os soldados estão paramentados:
botas, fuzis e capacetes.
138

Figura 1 – Movimentação de tropas militares dá


largada ao Golpe em 31 de março de 1964

r
V
uto
R
a
do
aC
Foto: Kioshi Araki/Agência (2016).

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são
Outra imagem (Figura 2), também em preto e branco, retrata a mobilização
estudantil na rua 25 de Março, em 1977, com faixas, cartazes e pichações em
muros. Ela traz palavras de ordem contra a ditadura: “Abaixo a ditadura”,” Pelo
fim da censura”, “Contra o imperialismo”. A imagem revela que, em caso de
i
rev

confronto, os manifestantes arremessavam o que estivesse ao alcance das mãos:


paus, pedras, tijolos. As pichações ajudavam a deixar marcas na paisagem urbana,
or

lembrando a mobilização contra o regime. Essa é, sem dúvida, uma marca de


contexto social e temporal e que os Livros Didáticos de História trazem às salas
de aula, presentificando um período nebuloso da História do Brasil Republicano.
ara
ver dit

Figura 2 – A mobilização estudantil na Rua 25 de Março em 1977


op
E

Fonte: Jorge Butsuem/Arquivo da editora/EA. (2016).


HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 139

A próxima imagem (Figura 3), em preto e branco, relembra a greve dos


metalúrgicos em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, em maio de
1979. O movimento foi comandado pelo líder sindical Luiz Inácio da Silva, o
Lula. Ela representa a luta dos trabalhadores em reivindicações por melhores
salários e a abertura política. O movimento grevista teve início em 1978, com
paralisações espontâneas dos metalúrgicos, protestando contra as políticas de
arrocho salarial e reivindicando liberdade e autonomia sindical. Após essa

r
V
greve, houve outras em 1979 e 1980, envolvendo também outras categorias,

uto
como a dos petroleiros, professores e bancários, por todo o Brasil, o que evi-
denciou uma ascensão do movimento trabalhista no período.

R
Figura 3 – Luiz Inácio Lula da Silva discursando em uma greve

a
de metalúrgicos do ABC Paulista, em maio de 1978

do
aC
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são i
rev
or
ara

Fonte: Arquivo/Agência Estado. (2016).


ver dit

A imagem do comício pelas Diretas Já! (Figura 4), realizado na praça da


Sé, em São Paulo, com a presença de cerca de 300 mil pessoas, aparece colorida
op

nos livros didáticos de história. As insígnias são fortemente destacadas e os


sentimentos e expressões foram suavizados pelas cores. Essa imagem registra
um cenário de vivências de batalhas e lutas políticas, mas também expressa
E

esperança, perspectivas nas reinvindicações aos direitos sociais e políticos.


As imagens que reproduzem a campanha Diretas Já! nos livros didáticos de
história, em sua maioria, são coloridas, representando a liberdade política,
liberdade de expressão, e o Brasil pôde ver o crescimento dos movimentos
estudantis em busca do exercício pleno da cidadania
140

Figura 4 – Comício pelas Diretas Já, realizado na


praça da Sé, em São Paulo, em 1984

r
V
uto
R
a
do
aC

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Fonte: Maurício Simonetti/Pulsar imagens. (2016).

Para Paiva (2006, p. 31):


são
Os contextos diferenciados dão, portanto, significados e juízos diversos
i
às imagens. O distanciamento no tempo entre o observador, o objeto de
rev

observação e o autor do objeto também imprime diferentes entendimen-


tos, uma vez que, como já sublinhei, as leituras são sempre realizadas no
or

presente, em direção ao passado. Isto é, ler uma imagem sempre pressupõe


partir de valores, problemas, inquietações e padrões do presente, que muitas
vezes, não existiram ou eram muito diferentes no tempo da produção do
ara

objeto, e entre seu ou seus produtores.


ver dit

Assim posto, são vários os fatores que possibilitam a leitura e a com-


preensão das imagens, tornando-as essenciais para o ressurgimento e para o
op

avanço da história cultural. No caso daquelas que compõem os livros didá-


ticos de história, percebeu-se que são poucas as que representam o período
da ditadura. Por isso, não são relevantes para o conhecimento profundo dos
E

acontecimentos acerca do período militar.

Considerações finais

Este estudo possibilitou a compreensão de que o livro didático é um


material atravessado por dimensões complexas das culturas escolares e,
ao mesmo tempo, das culturas extraescolares. Ao confrontar as diferentes
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 141

propostas de leitura de imagens visuais, impressas nos livros didáticos, foi


possível ver como a produção dos saberes escolares participam da formação
das tendências dominantes, que priorizam, atualmente, determinadas metodo-
logias de leitura de imagens em detrimento de outras. É necessário frisar que
o livro didático faz parte da cultura e da memória visual de muitas gerações
e que, ao longo de tantas transformações na sociedade, ele ainda possui uma
função relevante para o aluno, tendo a missão de atuar como mediador na

r
V
construção do conhecimento.

uto
A análise das imagens no período da Redemocratização revelou a im-
portância destas enquanto recurso de aprendizagem desde que estimulem a
reflexão. Isso implica dizer que nem todas são autoexplicativas. Essas ima-

R
gens trazem o registro do vivenciado, flagrado com o intuito de veiculação

a
de informações a partir de uma ótica, ou seja, aquela vivenciada por quem
as produziu. A análise dessas imagens faz cutucar as intenções, os interesses

do
políticos, que tentavam construir uma memória sobre a Ditadura e sobre o
aC
Período de Redemocratização.
Com o fim do Governo Militar, em março de 1985, é possível perceber
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

são
através das imagens nos livros didáticos, uma sensação de esperança e, ao
mesmo tempo, de apreensão quanto a redemocratização do país. Como cita
Paulo Paim (2008) “Não podemos nos esquecer que a campanha ‘Diretas Já’
(1984) fez crescer a esperança em meio a nossa gente”. Portanto, as imagens
i

vieram contribuir na redemocratização do país, no sentido de fixar narrativas


rev

a liberdade política, liberdade de expressão e o Brasil pôde ver o crescimento


or

dos movimentos estudantis em busca do exercício pleno da cidadania, sendo


elas uma das vozes privilegiadas nesse processo de restauração do país.
Em síntese, pode-se dizer que o uso de imagens relacionadas à parte
ara

pedagógica e de Ensino possibilita a interpretação da História a partir da vi-


ver dit

sualidade. Entretanto, é necessário frisar que, nos livros didáticos, as imagens


são apenas um recurso que solicita uma leitura atenta e dirigida, pois elas
op

estão ali com uma função, para além da ilustração: ela também é um tipo de
narrativa que se apropria de uma linguagem.
E

142

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do
aC
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são i
rev
or
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ver dit
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E

E
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r
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CAPÍTULO 12

ARQUITETURA ESCOLAR E
DISCIPLINARIZAÇÃO DOS SENTIDOS.
OS USOS DE IMAGENS DO PASSADO

r
V
EM UM COLÉGIO JESUÍTA NOS TEMPOS

uto
DA NACIONALIZAÇÃO VARGUISTA
Rogério Luiz de Souza

R
a
do
A Política de Nacionalização do início dos anos 1930, no Brasil, e do
período subsequente, denominado de Estado Novo, estava comprometida com
aC
um projeto que visava, entre outras coisas, à regeneração social e à recondução
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dos sujeitos a uma postura de identificação com determinados paradigmas de


são
brasilidade. Esse projeto quis imprimir nos sujeitos uma facticidade subjetiva,
ou seja, quis criar valores e projetos de vida que deveriam aparecer como rea-
lidade única na concretização de uma nova nação e na consciência individual.
i

A arquitetura do Estado Novo, ao evocar os sentidos, quis tornar os


rev

sujeitos consumidores e reprodutores de uma representação de mundo, de


uma crença em relação à identidade nacional brasileira. E sob o império dos
or

sentidos disciplinados e habituados, essa mesma arquitetura acabou permitindo


um “sentir brasileiro” que levou a experimentá-lo, saboreá-lo, tocá-lo, ouvi-lo,
ara

cheirá-lo e vê-lo no interior de um sistema cultural e simbólico construído


pela maquinaria ordenadora do poder. A utilização de imagens teve, pois, a
ver dit

intenção de espalhar, como afirma Alcir Lenharo, em sua obra A Sacralização


da Política, “uma carga emotiva e sensorial, de modo a atingir facilmente o
op

público receptor, detonando respostas emotivas que significassem, politica-


mente, estados de aceitação, contentamento, satisfação – reações passivas e
não críticas” (LENHARO, 1986, p. 16). Podemos por analogia dizer, então,
E

que alcançar os sentidos era alcançar – logo em seguida e de igual modo – o


corpo, para habituá-lo e torná-lo tanto mais obediente quanto era mais útil.
Em assim sendo, conforme Michel Foucault, “formar-se uma política de
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada
de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos” (FOUCAULT,
1987, p. 127) e, para nós, uma manipulação calculada de seus sentidos ou
percepções. Isso quer dizer também que a arquitetura sensitiva estimula e
146

transmite complicados sinais convencionais e codificados, passíveis de serem


interpretados e refletidos, não resta dúvida; mas que são evocados amiúde,
nesse contexto autoritário, com o objetivo limitado de serem capturados única e
instantaneamente pelos sentidos ao se rarefazer a dimensão reflexiva. Podemos
dizer, desse modo, que o mundo dos sentidos não é um estado ou condição
inferior do sujeito do conhecimento, mas um estado de sujeição muitas vezes
provocado por aqueles que, no exercício do poder, querem anular a condição

r
V
autônoma e reflexiva do sujeito do conhecimento.

uto
A questão que logo nos vem, então, é sobre como é possível manter os
sujeitos nesse estado de sujeição sensitiva, pois esses mesmos sentidos ligados
que estão, por uma compreensão filosófica, ao mundo do impulso e dos ins-

R
tintos não estariam, por si só, desligados dos sistemas de controle, resistindo?

a
Nesse caso, a ação disciplinar dos agentes institucionais do Estado Novo
acaba se justificando tanto pela necessidade de manter os sentidos em alerta

do
constante quanto pela necessidade de ligá-los aos sistemas de controle, sujei-
aC
tando-os à vigilância sistemática e à repressão efetiva. O processo de sujeição

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passa, pois, pela domesticação e autodomínio dos sentidos através da percepção
são
de uma arquitetura sensitiva normalizada, repetida e ritualizada permanente-
mente. E a emergência ou começo dessa arquitetura sensitiva estado-novista
talvez esteja tão mais voltada ao seu aparato ritualístico e imagético quanto
às suas próprias estruturas físicas. Porque a prática ritual faz parte do jogo de
i
rev
poder, do domínio social, sugerindo aos sentidos no processo de domesticação
e de habituação as imagens recorrentes que essencializam determinados va-
or

lores e cristalizam um imaginário de unidade e, por corolário, de brasilidade.


O espaço do rito faz crer, pois, que a criação da sociedade ou da nação,
nesse caso, nasce e depende da própria vontade do sujeito. E a partir daí, esse
ara

sujeito se vê inserido na construção de um mundo referendado por um rito que


ver dit

repete várias vezes e usa de imagens e gestos para imprimir nos sentidos os
sinais convencionados que devem funcionar como elementos exclusivos na
op

interpretação dos anseios maiores da nação apontados pelo regime autoritário


do Estado Novo. E assim é que ao encontrá-los inscritos no meio da praça, nas
ruas, nas paredes dos salões nobres e das casas e, enfim, nas multiplicidades
de tantos outros espaços públicos e privados, reconhece-se não apenas uma
E

tendência estética, mas uma intenção política.


A força “arregimentadora” do espaço ritual e daquilo que ficou aureolado
após seu descerramento – o próprio sinal visível e cheio de significações dos
quadros, retratos, painéis, placas, bustos, estátuas – disciplina e habitua os
sentidos dos sujeitos a partir de um conjunto limitado de imagens. Esse sis-
tema de regras e valores fixos é capaz não somente de aglutinar e de chamar
a atenção para si, mas de estabelecer uma ética única, entre aquela situada no
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 147

espaço doméstico e aquela, agora arquitetada por um sistema ritual sensitivo,


no espaço público, visando à unificação de um sistema social no qual espaço
doméstico e espaço público seriam vistos como uma realidade totalizante.
Nesse sentido, os ritos públicos de caráter geralmente cívico-religioso,
mais do que criar uma ética a ser assumida no espaço social comum, inventa-
ram e fabricaram imagens que referenciavam uma ética uniforme a ser válida
também para os sujeitos no espaço privado e naquele mesmo espaço público

r
V
que deixou de sofrer a intervenção direta do rito. Ou seja, a ética dos sistemas

uto
espaciais ou, em outros termos, a ética daquela arquitetura sensitiva em seu
contexto de reprodutibilidade e que se impôs a olhos vistos pelo conjunto de
imagens ou de suas representações pressupôs a ética criada pela imagética do

R
rito, numa relação indissolúvel entre os princípios de responsabilidade pelo

a
bem coletivo e os de realização pessoal. E esse conjunto, pois, de imagens,
diz Marilena Chauí, foi um

do
espelhamento ampliado e iluminado da experiência imediata, dotadas da
aC
capacidade de unificar aquilo que nesta última aparece fragmentariamente.
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Unindo o disperso, a imagem, espelho dos dados imediatos, exclui a re-


são
flexão e, simultaneamente, cria a ilusão de conhecimento, graças ao seu
aspecto ordenador (CHAUÍ; FRANCO, 1979, p. 46).

Isso nos ajuda a pensar que na domesticação ou na disciplinarização dos


i

sentidos estimula-se e fabrica-se, pois, um senso-estético que leva os sujeitos


rev

a se sentirem competentes e autônomos em reafirmar e reproduzir os seus


or

elementos, os seus códigos, os seus gestos. Esse controle de si, experimentado


ou sentido como sendo uma opção ou escolha, sedimenta a convicção de que
os sujeitos têm um papel ativo no mundo e que podem ser úteis e importantes.
ara

Essa sensação não é senão a exteriorização de competências comportamentais


ver dit

habituadas ou adestradas que se tornam essencialmente um “valor de mercado”.


O silêncio cúmplice também se modela aqui, pois se exige mais dos
sentidos do que da reflexão. Coube, pois, à arquitetura sensitiva do Estado
op

Novo, em sua reprodutibilidade, objetividade e conteúdo essencial, a tarefa


de ser também um autor social por excelência. Nela se percebe a ação per-
sonificada do falar e do ouvir. E nesse caso, podemos dizer que são as suas
E

próprias paredes com suas imagens suspensas e retratos dependurados que


parecem ouvir e, portanto, reunir a força ordenadora dos discursos dispersos,
fragmentados e, em nome dessa força, parecem falar para os sujeitos como
intérpretes qualificados dos sentidos, das significações e do conteúdo essencial
daquela nova epistème. E isso se multiplica, se repete, imita, circula e ganha
uma dimensão gigantesca, enchendo os espaços públicos e privados, invadindo
a cotidianidade e transformando-se em um imenso corpo cheio de desejos,
148

vontades e medos. A arquitetura sensitiva diz para os sentidos dos sujeitos o


lugar em que eles devem ocupar na sociedade. Portanto, a capacidade forma-
tiva daquela arquitetura pulsante moveu as pessoas, aprofundou a sujeição
dos sentidos, instituiu um senso-estético e limitou a postura reflexiva porque,
entre outras coisas, manteve seu aspecto repetitivo e uniforme.
O que estava em jogo, sabemos, era a construção de um sentimento
pretensamente único de brasilidade em vista de uma nacionalidade que fi-

r
V
zesse frente à heterogeneidade étnica, ao regionalismo político e à falta de

uto
uma unidade econômico-cultural. E ter presente a brasilidade nos e pelos
sentidos era um exercício disciplinar cotidiano que entrava nas estratégias de
reprodução, repetição, controle, vigilância e punição estado-novista. Tanto

R
os momentos solenes ligados ao sistema ritual sensitivo de entronização do

a
crucifixo nos tribunais do júri ou a inauguração de um retrato no espaço escolar
ou a exposição de um quadro em um museu de arte ou o descerramento de

do
um mural no hall de entrada de uma repartição pública como a proliferação
aC
de quadros, retratos e imagens nas paredes do espaço privado das casas ou

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de bares, mercearias e pequenos estabelecimentos comerciais nos revelam a
são
estreita relação entre a propaganda estado-novista e o uso que se fez dessas
imagens e retratos. Seja um quadro como o “Depois do Rodeio” de Martinho
de Haro13 (prêmio nacional viagem ao Exterior de 1938), verdadeiro flagrante
regionalista do tipo local e documento de costume brasileiro que se associa
i
rev
aos “Mocinha do Subúrbio”, “Tropeiros”, “Chimarrão”, “Mulata” e “Baile
do Postinho” da mesma fase do pintor e que remete por sua apropriação
or

como obra premiada aos elementos fortes do traço regionalista brasileiro do


presidente da República, Getúlio Vargas; seja o retrato de uma numerosa fa-
mília atestando nas paredes dos lares o matrimônio monogâmico indissolúvel
ara

para a procriação da prole saudável; tudo isso indica a condição estratégica


ver dit

de disciplinarização dos sentidos por uma arquitetura sensitiva do ambiente


público e doméstico nos quais os sujeitos se encontram e que eles mesmos
op

participam, reproduzem e consomem como sendo seus.


O importante a destacar é que a dinâmica dessas imagens tanto afirma
um paradigma a ser consumido e habituado como faz indicar para além das
fronteiras dos quadros e retratos aquilo que se deve negar e ter medo no mundo
E

real. Nesse caso, as imagens – ao se habituarem nos sujeitos pela percepção


dos sentidos controlados e por esgotarem nelas mesmas uma unidade e to-
talidade epistêmica das significações e intenções fragmentadas das práticas

13 Pintor, desenhista e muralista brasileiro, Martinho de Haro iniciou-se na pintura em Lages, Santa Catarina.
Estudou na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro de 1927 a 1937. Viajou à Paris em 1938,
onde estudou com Otto Friez. Retornou ao Brasil em 1939, permanecendo em Florianópolis até o final de
sua vida em 1985.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 149

e dos discursos – saltam de suas molduras, metamorfoseiam-se em corpos


cheios de desejos e medos, respondem a um ordenamento social, discriminam
os corpos e os espaços de acordo com a perfectibilidade inventada e repetida,
limitam a postura reflexiva e habituam os sentidos a uma forma de perceber
e conhecer o mundo.
Para nós, os efeitos de dominação dos sentidos pela arquitetura sensitiva
são, portanto, de duas ordens: uma interna, porque aprofunda a sujeição ao

r
V
domesticar os sentidos para uma única e determinada direção e experiência

uto
do real, e uma outra, externa, porque prepara o sujeito a identificar o que torna
nocivo à ordem, àquela mesma definida pela arquitetura sensitiva do ambiente.

R
O Espaço escolar e a arte de disciplinar os sentidos

a
A capacidade, pois, formativa dessa arquitetura encontramo-la, como já

do
dissemos, em todos os lugares, invadindo a cotidianidade e tomando corpo.
aC
Não se trata aqui de fazer a História de todos esses lugares, no que podem
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ter cada um de singular, mas de localizar apenas um exemplo desse processo


são
disciplinar dos sentidos. Situá-lo-emos – e nada é mais óbvio – em um es-
paço escolar, já que nesse espaço o sujeito em sua fase impressionável – a
infância, a adolescência e a juventude – se vê absorvido completamente por
mecanismos controladores de sua personalidade em formação. O que, em
i

suma, significa dizer ou fazer acreditar na possibilidade de uma aprendiza-


rev

gem de autocontrole dos impulsos e emoções desde que se saiba direcionar,


or

domesticar, disciplinar, controlar, habituar e, enfim, automatizar os sentidos.


Isso, como sabemos, comporta dor e deixa cicatrizes. O balanço positivo que
se quer imprimir é o estabelecimento de um padrão de conduta bem-sucedido,
ara

adaptado e habituado às pressões e tensões do contexto social. O “valor de


ver dit

mercado” que isso carrega exige do sujeito em formação uma competência


comportamental e, portanto, sensitiva que lhe será benéfica nas relações de
op

aparência, de poder e de saber, mas que também lhe dará a visão mais exata
de si e dos demais, em vista da posição social que se está ou pretende estar.
O espaço escolar fazia parte do processo de nacionalização. Depois da
vitória dos “revolucionários” de 1930, o governo varguista teve pressa em
E

enterrar o passado liberal. Para que isso fosse possível, o estado contou com
um aparato de divulgação e habituação dos sentidos que extrapolou a esfera
da propaganda política e emaranhou-se nas instituições e no cotidiano das
pessoas. Não bastava o triunfo, precisava-se persuadir e convencer a todos
da disposição dos agentes estatais em construir uma pátria ordeira e genuina-
mente brasileira. As instituições escolares deveriam defender esse propósito
e se constituírem como instrumentos de viabilização desse nacionalismo.
150

A autêntica escola seria aquela que condenaria o individualismo e promoveria


os sentimentos nacionais. Segundo José Antônio Tobias,

O ponto de partida para a educação brasileira conseguir acertar na procura


de autenticidade e de brasilidade era abandonar, o mais cedo possível, o
tradicional e espalhado vício da imitação servil e humilhante do estrangeiro.
Para se conseguir autenticidade era necessário colocar-se num nacionalismo
distante do individualismo (TOBIAS, 1986, p. 313).

r
V
uto
Colocar a instituição escolar em primeiro plano era, portanto, a condição
necessária para superar o complexo de inferioridade. Disso nascia o incontido
desejo de agrupar tudo e todos em uma mesma finalidade social e patriótica.

R
a
A educação escolar existiria para formar o educando dentro dos princípios
do corpo social hierarquizado, definido pelo Estado. A reforma de Francisco

do
Campos (1931) e a reforma de Gustavo Capanema (1942) para a educação
brasileira apontaram para essa direção e garantiram, pela primeira vez no
aC
Brasil, uma organização e um método comum para todas as escolas públicas

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e particulares, sob o controle do Departamento Nacional de Educação. Na-
cionalizava-se o ensino! são
A ação da escola deveria influenciar o educando de tal maneira que o
envolvesse e o penetrasse de civilização, a fim de torná-lo membro ajustado
do corpo social. A finalidade fundamental do ensino seria, portanto, formar a
i
rev

personalidade, adaptar o ser humano às exigências da sociedade, socializá-lo,


habituá-lo. Já o ensino secundário, para Gustavo Capanema,
or

teria mais precisamente por finalidade a formação da consciência patriótica.


O ensino secundário se destinaria à preparação dos homens que deve-
ara

riam assumir as responsabilidades maiores dentro da nação, dos homens


portadores das concepções e atitudes espirituais que era preciso infundir
ver dit

nas massas, que era preciso tornar habituais entre o povo (NÓBREGA,
1952, p. 311).
op

Todos deveriam cooperar, negando-se a si mesmos, em prol do povo-uno.


Opor-se a isto era cair numa indeterminação de identidade, num individualismo,
tornando-se um “outro” fora da relação social. Todo sistema escolar deveria
E

ser responsável pelo autodomínio das paixões humanas e de um tipo ideal


identificado com as estruturas sociais – um sujeito homogeneizado, fabricado
pelo discurso nacionalista e habituado por uma arquitetura sensitiva própria,
que ultrapassaria as letras e que se esperava transformar em realidade con-
creta. O controle social tinha que começar desde cedo, educando e alertando
a criança e o jovem para o perigo a que estavam sujeitos, para que não se
tornassem futuros traidores da pátria, pervertendo a moral e os bons costumes.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 151

Segundo o Arcebispo de Florianópolis, ferrenho defensor da nacionalização,


D. Joaquim de Oliveira, tinha-se pressa em habituar seus sentidos e formar “o
coração da criança, desde tenra, desde o lar, e desde a escola, pelos princípios
da austera, da verdadeira moral, ensinando-lhe o que lhe incumbia, atingindo
o necessário desenvolvimento, para consigo, para com o próximo e para com
a pátria” (OLIVEIRA, 1920, p. 12).
Nos colégios católicos e nas escolas públicas, a instrução deveria reves-

r
V
tir-se de referenciais cívico-religiosos. O Ginásio Catarinense, considerado

uto
um dos melhores estabelecimentos escolares do Brasil, tinha também sua
importância nesse processo de formação dos sentidos dos sujeitos e, é claro,
no processo de nacionalização. Passou mesmo de Ginásio para Colégio por

R
força do Decreto-Lei n° 11.235, de 06 de janeiro de 1943, em pleno Estado

a
Novo. Desde então denominado de Colégio Catarinense – instituição escolar
da Companhia de Jesus, que por cem anos vem oferecendo ensino, quase

do
sempre, aos filhos da elite letrada e dirigente do estado de Santa Catarina –
aC
iniciou suas atividades escolares em 15 de março de 1906. Sua emergência,
em regime de internato e externato masculino, vinha de certa ineficácia do
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são
governo catarinense em garantir um instituto de ensino secundário público
e da vontade da hierarquia católica em assegurar um colégio sem as feições
liberais da Primeira República.
O Colégio Catarinense, portanto, não poderia deixar de estar situado
i
rev

nesse contexto de reformas político-educacionais do Estado Novo. Suas portas


não haviam sido fechadas. O processo de nacionalização que se efetivara e se
or

impusera a esse mundo escolar em particular, tirou da direção dos jesuítas, é


certo, a autonomia e a definição dos conteúdos curriculares, mas lhe assegurou
um lugar de destaque. Afinal, sua alma cristã, seus moços, seu esforço pelo
ara

regramento, sua adesão ao projeto nacional confirmavam e tranquilizavam o


ver dit

governo federal. Era entendido como um aparelho óptico capaz de divisar o


futuro. Como instituto secundário, era um mecanismo importante e influente
op

para promover os ideais nacionais entre uma mocidade masculina que deveria
assumir as responsabilidades maiores dentro da nação. Segundo o inspetor
federal, o Colégio Catarinense não era somente um estabelecimento de estudo,
mas, em verdade,
E

era uma grande casa de família onde todos se dedicavam a uma só finali-
dade que era a de preparar jovens para serem dignos da sociedade e que
pudessem ingressar na vida prática com sólidos conhecimentos culturais,
religiosos e sociais. Não saíam tontos, porque iam fortalecidos pela fé
(GINÁSIO CATARINENSE, 1940, p. 39).
152

Esses moços deveriam estar ligados a um empreendimento social, vi-


sando “a grandeza do Brasil”. Para se alcançar esses propósitos, três foram
os imperativos pedagógicos que guiaram a ação educativa dos padres do
colégio nesse momento de ebulição nacionalista: “sujeita-te”; “esforça-te”;
e “domina-te” (GINÁSIO CATARINENSE, 1933, p. 53). Os alunos deve-
riam guardar à risca até as pequenas prescrições disciplinares, de si próprias
insignificantes, mas que se impunham com positiva necessidade aos alunos

r
V
que se queriam educar, isto é, aprender a obedecer e prezar a autoridade e as

uto
ordens dos seus prepostos.
A “revolução” de 1930 inaugurara um momento emergencial, uma nova
era, na qual se queria prever os efeitos e garantir a estabilidade social longe de

R
qualquer alteridade estranha ao regime e ao “bom encaminhamento social”. Os

a
sujeitos deveriam internalizar os valores que seriam capazes de proporcionar a
verdadeira engenhosidade humana. Era o momento da introspecção de valores

do
inventados, nos quais supostamente se estaria realizando a rememoração das
aC
raízes nacionais. De nada valeriam as tecnologias, a ciência e a educação se

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os sentidos não estivessem voltados para uma mesma percepção da realidade
são
e, portanto, habituados a “olhar” em uma mesma direção. Esta nova civili-
zação que se construía deveria levar em conta a integração incondicional da
mocidade e a disciplina físico-moral de seus corpos e de seus sentidos, habi-
litando-a, antes de tudo, ao serviço da pátria. Os que se afastassem deveriam
i
rev
ser excluídos da relação social, pois subvertiam a ordem e negavam as práticas
regulamentares do agir uniformizado. Portanto, as instituições escolares, como
or

o Colégio Catarinense, deveriam servir para enquadrar os ineptos e adaptá-


-los à sociedade que se desejava. Era bem claro o objetivo estado-novista:
queria-se forjar um sujeito ideal; uma mocidade ideal comprometida com
ara

o corpo social; um tipo ideal capaz de suplantar as incorreções morais e as


imoderações do ambiente profano; um tipo ideal, reconhecidamente, cristão,
ver dit

saudável e virtuoso. E enquadrada nesta perspectiva, a mocidade do Colégio


op

era convocada a se engajar no novo empreendimento civilizatório.


Dentro do contexto da política de nacionalização que se estendeu até
1945, o modelo pedagógico implantado no Colégio Catarinense exigira o
reconhecimento de uma autoridade, o sacrifício pela edificação da pátria, a
E

“invenção” e apropriação de uma brasilidade e a internalização de valores


ético-cristãos considerados capazes de reordenar as condutas sociais e de
perspectivar um projeto nacionalista. A busca por um corpo são e uma alma sã
exigia de todos a vigilância constante dos hábitos e dos costumes cotidianos.
O cultivo da virtude cristã era a condição sem a qual não haveria o progresso
de nação. Por isso mesmo, os professores e os padres prefeitos do colégio
assumiam o papel de formadores das noções higiênicas e morais da mocidade.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 153

Entendiam que a realização dessa mocidade centrava-se, pois, na sua


adaptação a um meio social cristão.

O Colégio Catarinense ufanava-se por ver entre as fileiras nacionais


discípulos seus, que outrora honraram os bancos escolares. A semente
lançada produziu os desejados frutos. Mestres e prefeitos do Catarinense
não deixaram de incutir em seus educandos, a par da ciência, o amor
incondicional aos supremos ideais da religião e da pátria (COLÉGIO

r
V
CATARINENSE, 1944, p. 9).

uto
As comemorações cívico-religiosas no Colégio revelam, pois, a montagem
arquitetônico-sensitiva e as intenções de um projeto e uma prática naciona-

R
lista. Ritualizando um sistema comum de crenças e de significados capazes de

a
estabelecer uma unidade interpretativa, a recorrência a estes espaços aglutina-
dores traduzia os sentimentos dos seus representantes e revelavam a vontade

do
de seus autores. Esse processo inculcador, todavia, dependia – como estamos
aC
insistindo desde o início desta nossa discussão – da disciplinarização/sujeição
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dos sentidos por meio de uma arquitetura sensitiva capaz de habituá-los em


são
sua cotidianidade. E nesse caso, a prática ritual aparece geralmente como
primeiro componente dessa arquitetura, sugerindo aos sentidos, no processo
de disciplinarização e habituação, as imagens recorrentes que essencializam
determinados valores e cristalizam um imaginário de unidade e, por corolário,
i
rev

de brasilidade. A comemoração, por exemplo, do primeiro aniversário do


Estado Novo, em 10 de novembro de 1938, no Colégio Catarinense já nos
or

sugere esse entendimento sobre a força “arregimentadora” do ritual, a ponto


de ganhar as páginas do Diário Oficial do Estado.
ara

Às nove horas, no galpão desportivo daquele modelar estabelecimento de


ensino, teve lugar a solenidade, que constou do seguinte: Hino à Bandeira,
ver dit

por todos os alunos; Saudação à Bandeira, do Sr. Inspetor Antenor Moraes


pelo aluno Temístocles Muniz; Discurso pelo Padre Bertoldo Braun, Prefeito
op

Geral; Minha Terra, poesia pelo aluno José Gallotti e Hino Nacional, por
todos os alunos; a seguir foi pronunciado o inspirado e patriótico discurso
pelo Padre Prefeito Geral (GINÁSIO CATARINENSE, 1938, p. 74).
E

Como podemos perceber, essa solenidade esteve revestida de um ritual que


acabou, com o inspirado e patriótico discurso do Padre Prefeito, insinuando que

Getúlio Vargas harmonizou todos os membros da nação; legislou institui-


ções sábias para o operário, evitando que ele caísse nas garras do comu-
nismo; legislou a proteção da propriedade; legislou normas necessárias
tendentes a integrar, no corpo da nossa nacionalidade, elementos ainda
estranhos a ela; e regulamentou a entrada de estrangeiros, impedindo que
154

o Brasil se tornasse um viveiro de anarquistas. [...] Por isso, juremos hoje


fidelidade à nossa Pátria e juremos ódio de morte ao nosso maior inimigo,
ao comunismo. [...] Oxalá Deus guie a mão de Getúlio Vargas para conti-
nuar nesta obra grande que lhe está confiada, moralizando cada vez mais
nosso país (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO, 1938, p. 3).

Não seria por outra razão que a estrutura curricular contemplaria esses

r
propósitos, explicando-os dentro do entendimento nacionalista. O aumento

V
das cargas horárias para o ensino de História, Geografia e Língua Nacional

uto
e a introdução das disciplinas de Economia Política e Sociologia indicavam
o eixo no qual girava o currículo escolar. Nesses espaços curriculares, pre-
ferencialmente, os alunos deveriam ser moldados nos princípios morais e

R
a
religiosos da pátria brasileira, reconhecendo a partir dos estudos da Ciência
Econômica e da Sociologia o direito à propriedade e o respeito à família e ao

do
Estado (GINÁSIO CATARINENSE, 1942, p. 12). Mas o solene ritual – ao
confirmar e sacralizar esses princípios morais – dava aos sentidos uma sen-
aC
sação de ordenamento, normalidade e “habituidade”, já que a reação coletiva

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condicionava à percepção de uma única e determinada realidade.
são
Outros tantos atos solenes de igual força ritual se sucederam ao longo
do período, enchendo os sentidos com o espetáculo de imagens, tal como
foi na inauguração da nova ala em 1940 ou da nova portaria em 1942, nas
comemorações do IV centenário da Companhia de Jesus, nas formaturas, nas
i
rev

festas das congregações marianas ou numa simples cerimônia de inauguração


de um retrato.
or

A solenidade de inauguração de um quadro do Padre José de Anchieta e


dos retratos do ex-governador do estado, Vidal Ramos, do Duque de Caxias
ara

e do Almirante Barroso expressou uma estreita relação entre a propaganda


estado-novista e o uso que se fez desses quadros e retratos.
ver dit

Às 15 horas realizou-se no Ginásio Catarinense a inauguração de um


op

quadro do padre José de Anchieta, oferta de um grupo de ex-alunos da-


quele estabelecimento e dos retratos a óleo do sr. coronel Vidal Ramos,
fundador do Ginásio, do Duque de Caxias e do Almirante Barroso, es-
tando presentes os srs. dr. Nereu Ramos, interventor federal no Estado;
E

D. Joaquim Domingues de Oliveira, arcebispo metropolitano (GINÁSIO


CATARINENSE, 1942, p. 12).

O descerramento do quadro do padre jesuíta José de Anchieta acontecera


nas comemorações do IV Centenário da Companhia de Jesus. Essa prática
ritual conferia à cerimônia uma força regularizadora que implicava uma relação
com um passado apropriado. Afinal, menos lembrado foi o próprio fundador,
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 155

Inácio de Loyola. Ficaram por conta das figuras de Anchieta, Nóbrega e Vieira
todos os discursos e pronunciamentos oficiais. Isso traduzia o momento forte
de efervescência nacionalista. Buscava-se nos jesuítas lusitanos, e somente
neles, uma forjada continuidade de práticas tipicamente luso-brasileiras, con-
substanciada na raça, na língua portuguesa e na fé católica. Apropriava-se de
uma história em vista daquilo que se queria legitimar e construir no presente.
E nas paredes do colégio, retratava-se o ideal de brasilidade.

r
V
Anchieta passara a ser, no discurso do cronista, “o pioneiro da consciência

uto
nacional e o símbolo da fé, da ciência, da virtude, do patriotismo” (GINÁSIO
CATARINENSE, 1942, p. 12), antes mesmo do nascimento da ideia de Brasil
ou de nação brasileira. Eis, pois, aí, uma linguagem que contém armadilhas e

R
ao mesmo tempo uma função prática e social. Como falamos anteriormente,

a
essa imagem de Anchieta habituaria os sentidos a uma forma de perceber e
conceber a realidade. Para o momento estado-novista de criação de uma nova

do
identidade nacional, “a juventude [do Colégio Catarinense] que aprendia o
aC
temor de Deus, que se formava no cultivo das ciências, não podia esquecer,
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que era dever de todos e imposto por Deus, o amor à pátria, o amor íntegro,
são
o amor capaz de todos os sacrifícios” (GINÁSIO CATARINENSE, 1942,
p. 16). A glorificação de Anchieta, ou melhor, dessa arquitetura sensitiva
permitida pelo rito, deveria levar o jovem a reconhecer quais eram as origens
do Brasil e a renovar o batismo nacional (GINÁSIO CATARINENSE, 1942,
i
rev

p. 37). Por isso, Getúlio Vargas – ao considerar nacionais as homenagens à


Companhia de Jesus, por motivo do IV centenário de sua fundação (Decreto no
or

6.355 de 27 de setembro de 1940) – declarara que a Companhia de Jesus teria


realizado a base da civilização nacional e possibilitado a existência de uma
cultura nacional do mais alto sentido, imprimindo à sociedade em formação a
ara

disciplina moral que perdurou (GINÁSIO CATARINENSE, 1942, p. 1). Mas


ver dit

o ritual de descerramento e os discursos queriam dizer mais do que isso. Se


dos jesuítas lusitanos do passado dependeu o Brasil, dos colégios inacianos,
op

agora, dependeriam o progresso e a vitória da pátria.


A formação forjada por uma arquitetura visual dos sentimentos nacionais
– pensando como um processo de sujeição a uma cultura, a uma língua e a
uma fé comum – deveria ser espalhada e ensinada nesses núcleos de ensino.
E

Qualquer prática que atravancasse o avanço dos ideais de nacionalização


estava de antemão condenada. Fazia-se acreditar que a ordem estado-novista
realizaria os anseios do bem comum, salvando a população brasileira dos
inimigos reais e imaginados. Desse ponto de vista, o conceito de democracia
não estaria definido nas razões de uma maioria popular autônoma, mas na
postura disciplinar de um governo autoritário e forte, que dizia ser capaz de
realizar e agrupar o ideal de justiça social desejado por todos.
156

No princípio da autoridade deveria ser encontrada a forma de dar ritmo


compassado aos movimentos sociais, de reprimir os ânimos exaltados dos
políticos, de assegurar, através da educação escolar, os sentimentos, as ideias e
os valores comuns da brasilidade. Esse princípio, para desespero de um outro
– o da liberdade –, emergia de uma matriz arbitrária, repressora e autoritária.
A liberdade, nessa cosmovisão, corromperia o sonho, o projeto. A sociedade
anterior teria dado mostras dessa deficiência. E ela era considerada decadente

r
V
e caótica exatamente pela liberdade que dava. Para se imprimir um novo ritmo

uto
à vida nacional, apresentou-se como necessário um governo forte, austero,
que encarnasse supostamente as inspirações da nação brasileira. E a ditadura
de Vargas deveria confirmar essa expectativa, ao ressignificar o princípio

R
da autoridade.

a
A visita de Getúlio Vargas à capital do Estado de Santa Catarina em
março de 1940 projetou esta imagem de otimismo e de transformação social,

do
centrando a esperança da coletividade na formação de uma pátria unida, mo-
aC
derna e próspera. Ele representava – para os alunos do Colégio Catarinense
que se fizerem presentes à solenidade – o corajoso combatente da alteridade

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são
anômala e o símbolo da ordem estabelecida, legitimada e confirmada pela
Igreja católica. Essa visita cercara-se de todo o poder envolvente de rituali-
zação, num impulso forte de adesão, como se estivesse processando naqueles
dias a completude de um destino. Dois anos depois,
i
rev

Com a presença do Exmo. Sr. Interventor Federal e altas autoridades


or

militares, eclesiásticas e dos alunos, realizou-se no dia 08 de setembro


de 1942 a solenidade de inauguração da nova portaria do Ginásio. [...]
E convidado pelo Diretor, dirigiu o Sr. Dr. Nereu Ramos ao salão de honra
para descerrar o retrato de Getúlio Vargas, fazendo-o sob acalorada salva
ara

de palmas. Ainda convidado pelo Diretor, o Sr. Coronel Valdir Lopes da


Cruz descerrou o retrato do Sr. Dr. Nereu Ramos, bem como Monsenhor
ver dit

Harry Bauer que descerrou o retrato do Exmo. Arcebispo Metropolitano,


grande amigo e bem-feitor do Ginásio, D. Joaquim Domingues de Oliveira
op

(A GAZETA, 1942, p. 2).

Nas cerimônias cívico-religiosas e nas festas dos congregados marianos


do Colégio, tão semelhantes quanto eram os grandes desfiles do Dia do Traba-
E

lho com a presença do presidente da República, Getúlio Vargas – como todos


seus colaboradores – passava a ser visto enquanto um abnegado herói que
guiava e convocava a todos para ajudar a construir uma nação e levantar do
marasmo e da insônia os possíveis desesperançados. Nas paredes do Colégio,
também estava retratado seu olhar penetrante e inflexível de brasilidade. Vê-lo
ou sentir-se visto por ele naquela cotidianidade – já que a imagem comporta
essa dupla funcionalidade – era situar o jovem no espaço conflituoso do poder,
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 157

deixando aos sentidos a sensação – porque também está motivada pelo rito
– de encontrar nesse retrato a segurança e a estabilidade sociais. O que quer
dizer, segundo Bronislaw, que

As situações conflituais entre poderes concorrentes estimulam a invenção


de novas técnicas de combate no domínio do imaginário. Por um lado,
estas visam à constituição de uma imagem desvalorizada do adversário,

r
procurando em especial invalidar a sua legitimidade; por outro lado,

V
exaltam através de representações engrandecedoras o poder cuja causa

uto
defendem e para a qual pretendem obter o maior número de adesões
(BRONISLAW, 1985, p. 300).

R
O fato de sentir-se habituado a ver esse retrato ou aquele quadro – o que

a
é permitido pelos sentidos numa determinada arquitetura sensitiva – confere
segurança e tranquilidade ao esforço de todos de se sentirem integrados e
reconhecidos naquele espaço.
do
aC
Por isso, a ascensão à presidência da República era de fato cada vez mais
vista como necessária para que se pudesse destruir o mal que espreitava a
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são
nação. Nas palavras do cronista do Colégio, encontramos a construção dessa
imagem do herói salvador da pátria:

O Estado, em especial, o Estado Novo, orientado pelo notável chefe que é


i

Getúlio Vargas, encara de frente, em todos os setores, o problema da família


rev

brasileira. As leis trabalhistas se baseiam nas encíclicas papais e tendem a


garantir ao operário o salário família, base da família numerosa. O Estado
or

Novo realmente é o pai do Brasil: a ele o nosso apoio irrestrito. O que Getúlio
Vargas fez para facilitar e harmonizar todos os membros da nação não há
palavra que exprima dignamente (GINÁSIO CATARINENSE, 1943, p. 13).
ara

Realmente não havia palavra que exprimisse. Por essa razão, esses
ver dit

discursos teriam que se transformar necessariamente em imagens, capazes


de materializar instantaneamente o conteúdo epistêmico de suas próprias
op

intenções. Getúlio era visto como o herói a quem Deus abençoou através de
seus representantes na terra, dando-lhe o poder de ser chefe de uma nação.
A fabricação desse herói, por retratos e quadros que se repetiam e se repro-
E

duziam nos espaços, exigia uma parcela de espontaneidade criadora e outra


parcela de construção intencional. A referência ao líder-herói trazia a ideia de
ordem, de disciplina e de progresso. Mas a missão que lhe cabia de restaurar
e de ordenar uma nação deveria estar em conformidade com os critérios da
moral cristã. Era a unidade nacional e religiosa que se buscava. Portanto, o
organismo social teria que funcionar adequadamente sem as improvisações
e as “anomalias” que geravam a diferenciação.
158

Ninguém poderia ficar de fora desta empreitada. Os quadros e retratos


descerrados – ao invadir a cotidianidade daquele colégio – indicavam mesmo
o grau de comprometimento de alguns sujeitos. Mas todos deveriam assumir
integralmente o ideal de brasilidade, sem se opor ou resistir. As imagens
suspensas nas paredes estavam lá para dizer isso aos sentidos. Os padres do
Colégio Catarinense, formadores do caráter e dos sentidos, teriam a função
primeira de alargar os sentimentos nacionais e de criar uma identidade ho-

r
V
mogênea entre seus alunos. Cada moço deveria reconhecer-se em Vargas,

uto
considerado como autêntico defensor dos interesses da nação brasileira. Enfim,
deveriam esses padres colaborar com a ordem, vendo-se como responsáveis
diretos pela execução dessas metas.

R
Portanto, a constituição de uma arquitetura sensitiva no espaço escolar

a
deveria ajudar – como uma verdadeira maquinaria de propaganda e controle – a
compor a trama estado-novista e a promover a domesticação/disciplinarização

do
dos sentidos. As ritualizações e as técnicas de reprodutibilidade das imagens
aC
tiveram a função de divulgar, generalizar, uniformizar, habituar e manter os

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sentidos em alerta constante e, portanto, ligá-los, condicioná-los ao sistema
são
de controle. Eis a força dessa arquitetura! Afinal, as paredes ouvem e falam.
Elas se personificam, metamorfoseiam-se diante dos olhos, transformam-se
em arquitetura viva e sensitiva ao suspender e ao mostrar, com toda a sua
carga de intencionalidade, determinadas imagens. Eis, portanto, a arte de
i
rev
disciplinar os sentidos!
or
ara
ver dit
op
E

HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 159

REFERÊNCIAS

BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade. In: Magia


e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BRONISLAW, Bazcko. Imaginação Social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi.

r
V
Lisboa: Imprensa Oficial – Casa da Moeda, 1985.

uto
CHAUÍ, M.; FRANCO, M. Ideologia e participação popular. São Paulo/
Rio de Janeiro: Cedec; Paz e Terra, 1979.

R
a
CAPANEMA, Gustavo. Exposição de motivos da Lei Orgânica do ensino

do
secundário. In. NÓBREGA, Vandick Londres da. Enciclopédia da Legislação
do Ensino. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1952.
aC
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. Florianópolis, 14 nov. 1938.


são
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.

GINÁSIO CATARINENSE. Relatórios. Florianópolis, 1930 a 1945.


i
rev

GINÁSIO CATARINENSE. IV Centenário da Companhia de Jesus. Flo-


or

rianópolis, 1940.

JORNAL. A Gazeta. Florianópolis, 11 de set. 1942.


ara
ver dit

LENHARO, Alcir. A sacralização da política. São Paulo: Papirus, 1986.


op

OLIVEIRA, D. Joaquim D. O problema da instrução (Carta Pastoral).


Florianópolis: Cisne, 1920.

SOUZA, Rogério L. Uma história inacabada: os cem anos do Colégio Ca-


E

tarinense. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2005.

TOBIAS, José Antônio. História da Educação Brasileira. São Paulo:


IBRASA, 1986.
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev R
i são V
do
a uto
r
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CAPÍTULO 13

DIVERSIDADE E O ENSINO DE
HISTÓRIA: mulheres no processo de
colonização através do filme “desmundo”

r
V
uto
Silene Ferreira Claro

O mundo em que vivemos hoje apresenta-se com grande complexidade


R
a
e marcado pelos mais variados conflitos. Tal cenário é, em grande parte,
decorrente da ampliação da noção de sujeitos históricos que as sociedades

do
aceitam como tais, principalmente em relação ao avanço das pesquisas na
área das Ciências Humanas.
aC
Durante o século XX, situações como a Segunda Guerra Mundial, além
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dos vários conflitos ocorridos durante a chamada Guerra Fria (1945-1989),


são
geraram, entre intelectuais e dentro dos movimentos sociais, questionamen-
tos e passou-se a entender que cada cultura, cada grupo humano tem sua
especificidade e merece ser tratado e reconhecido em sua singularidade.
i

Muitas questões passaram a ser destacadas e estudadas isoladamente, como


rev

a sexualidade, a família, as questões étnico-raciais, e, o que nos interessa


especificamente aqui, os feminismos, o protagonismo da mulher ao longo da
or

História e as questões de gênero.


ara

Gênero
A definição mais corrente de gênero é a que o considera uma categoria
relacional, ou seja, gênero é entendido como o estudo das relações sociais
ver dit

entre homens e mulheres, e como essas relações são organizadas em dife-


rentes sociedades, épocas e culturas. Os pesquisadores que utilizam essa
op

categoria de análise fazem questão de frisar que no campo das relações


entre homens e mulheres há uma distinção entre a esfera biológica, que
é o sexo propriamente dito e suas características físicas, e a esfera social
e cultural, que é a identidade de gênero. Assim, não há uma essência
E

masculina ou uma essência feminina imutáveis e determinadas por ca-


racterísticas biológicas. O que há são construções sociais e culturais que
fazem que homens e mulheres sejam educados e socializados para ocupar
posições políticas e sociais distintas, normalmente cabendo aos homens as
posições hierárquicas mais elevadas, enquanto às mulheres são reservadas
as posições menos privilegiadas. Desse modo, o conceito de gênero tem
muito a ver com a forma como são percebidas as relações de poder entre
homens e mulheres. Segundo ele, as identidades masculina e feminina são
162

construções sociais e culturais que impõem aos sexos condutas, práticas,


espaços de poder e anseios diferentes. Tudo isso baseado nas distinções
que a própria sociedade constrói para o feminino e o masculino, e não
em diferenças naturalmente predeterminadas entre homens e mulheres
(SILVA; SILVA, 2009, p. 166).

A situação das mulheres, na sociedade brasileira, é bastante complexa e

r
pode ser avaliada e discutida enquanto elemento estrutural, pelo conhecimento

V
histórico. A partir de tal reflexão, podemos destacar que a sociedade brasileira

uto
é marcada pela violência de gênero, conforme os dados abaixo:

“VIOLÊNCIA SEXUAL

R
– O Brasil registrou 1 estupro a cada 11 minutos em 2015. [...]

a
– Cerca de 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. Quem
mais comete o crime são homens próximos às vítimas. (Fonte: Ipea, com

do
base em dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notifi-
cação do Ministério da Saúde)
aC
– Há, em média 10 estupros coletivos notificados todos os dias no sistema

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


de saúde do país. (Dados do Ministério da Saúde de 2016, obtidos pela
são
Folha de S. Paulo). 30% dos municípios não fornecem estes dados ao
Ministério. Ou seja, esse número ainda não representa a totalidade.
– Somente 15,7% dos acusados por estupro foram presos (Dados do
estado de São Paulo obtidos pelo G1, referentes aos meses de janeiro a
i
julho de 2017)
rev
– O mesmo levantamento apontou que na cidade de São Paulo há 1 estupro
em local público a cada 11 horas.
or

– No estado do Rio de Janeiro, há um caso de estupro em escola a cada


cinco dias e 62% das vítimas tinham menos de 12 anos. (Dados do Instituto
de Segurança Pública obtidos pelo EXTRA e referentes a Janeiro/2016 a
ara

Abril/2017. Nota-se aqui que não há distinção entre os níveis de ensino e


que há meninos vítimas de violência sexual)
ver dit

– No Metrô de São Paulo registra-se 4 casos de assédio sexual por semana.


(Dados de 2016 obtidos pelo Estadão) (SOARES, 2017).
op

A situação levantada pela reportagem, infelizmente, pode ser observada


diariamente na sociedade brasileira, além de outras como a desigualdade
existente entre homens e mulheres no mercado de trabalho; as agressões
E

oriundas da homofobia, além da permanência de uma ideologia patriarcal


na sociedade brasileira. Tais questões precisam ser pensadas e discutidas em
todos os setores da sociedade e, em especial, por aqueles profissionais que
atuam na Educação Básica.
No âmbito do ensino de História, as aulas tornam-se um espaço privile-
giado para tal discussão. Partimos da ideia de que o conhecimento histórico
tem a função dupla, de orientar os indivíduos no tempo, e contribuir com a
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 163

construção da identidade, seguindo a concepção desenvolvida por Jörn Rüsen.


Neste sentido, as aulas de História tornam-se momentos de extrema impor-
tância, quer seja no combate às relações desiguais entre homens e mulheres,
quer seja na construção das identidades de meninas e meninos, visando uma
sociedade democrática, cidadã e inclusiva. Para tanto, é fundamental avaliar
como se deu – e continua acontecendo – a luta das mulheres para protagoni-
zarem os próprios destinos.

r
V
uto
Na sala de aula, devemos estar sempre atentos para mostrar que a domi-
nação masculina e a violência de gênero estão baseadas em percepções
de gênero desenvolvidas e alimentadas por diversos mecanismos do meio
social: pela escola, pela própria família, na vida profissional e assim por
R
a
diante. Em suma, a dominação de gênero (que pode ter uma face bem
sutil e invisível), quase sempre, é incorporada pelas mulheres dominadas,
devido à forma como as instituições sociais são constituídas e as ima-

do
gens que elas transmitem. No meio escolar, devemos nos acautelar para
não reproduzirmos preconceitos arraigados em livros didáticos, filmes,
aC
músicas e em outras linguagens. É fundamental estimular nas alunas e
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

nos alunos uma conduta de suspeita perante os discursos produzidos nos


são
mais diversos meios de comunicação, analisando, por exemplo, como os
filmes e as novelas apresentam as ideias de feminilidade e masculinidade
(SILVA; SILVA, 2009, p. 168).
i

Para analisar as questões de gênero, o protagonismo feminino e a His-


rev

tória do Brasil a partir da visão de outros sujeitos históricos, optamos, aqui,


fazer uma breve análise do filme Desmundo (2001) e, a partir deste trabalho,
or

analisá-lo numa perspectiva de Didática da História.


ara

[...] entre o final da década de 1960 e meados da de 1970, historiadores da


então Alemanha Ocidental, iniciaram discussões sobre a importância da
ver dit

História para orientação da vida prática, função que é anterior ao conhe-


cimento mediado pela ciência. Dessas discussões constitui-se um novo
campo, a Didática da História. Ela é considerada por alguns pensadores
op

como área integrante das reflexões teóricas da Ciência da História (RÜ-


SEN, 2010 (A); RÜSEN, 2006; BERGMANN, 1989/1990). Para outra
linha de pensamento, a Didática da História se encontraria na fronteira
E

entre a Ciência da História e as áreas da Pedagogia e da Psicologia ou,


ainda, como uma subárea da História que transite e dialoga com outras
áreas das ciências sociais (SADDI, 2010). A reivindicação dos defensores
da Didática da História é a de que os historiadores retomem suas relações
com a vida prática, proporcionando e mediando conhecimentos que pos-
sibilitem a orientação no tempo, conectando passado, presente e futuro.
Esse último tempo, sob a perspectiva de Rüsen, não pode ficar de fora das
preocupações do historiador, pois ele deve assumir que a História promove
orientações no tempo presente a partir de respostas encontradas no passado
164

e, tal posicionamento no tempo presente gera o planejamento para o futuro.


Há ainda, do ponto de vista da Didática da História, a preocupação com
todas as formas de conhecimento histórico que circulam, cotidianamente,
na vida das pessoas e que servem como forma de orientação no tempo.
Assim, o aprendizado histórico, grande preocupação da Didática da His-
tória, não acontece apenas na Escola, ele é realizado por meio da História
veiculada pelos meios de comunicação, pelos museus, pelos monumentos,
pelas histórias orais compartilhadas pelas comunidades que nela baseiam

r
V
suas identidades. Colocada dessa forma, a Didática da História demonstra
o quanto é importante a mediação do historiador, com sua cientificidade e

uto
metodologia de pesquisa, realizando uma intervenção racional nos vários
conhecimentos (CLARO, 2014, p. 2-3).

R
Por dentro do filme Desmundo

a
O filme “Desmundo”, do ano de 2001, dirigido por Alain Fresnot, com

do
roteiro de Anna Muylaert, foi baseado no livro homônimo, escrito por Ana
aC
Miranda. Trata-se de um romance que narra uma história que se passa no Brasil

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colonial, por volta de 1570. A pedido dos padres jesuítas, a Coroa Portuguesa
são
enviou várias órfãs para que se casassem com os colonizadores, impedindo
assim, que estes homens se perdessem nos prazeres dos trópicos. Entre elas
encontrava-se a jovem Oribela, muito sensível e devota, que não se confor-
mava com o destino e o noivo escolhido, sendo, portanto, dada a Francisco
i
rev

de Albuquerque, um senhor de engenho, como forma de punição. Apresenta


a uma história de violência e resistência, que permite vislumbrar o início da
or

colonização no Brasil, desmitificada, mostrando os sujeitos da colonização


mais próximos do que os documentos históricos apresentam, dando voz às
ara

mulheres durante tal processo.


Para as aulas de História, interessa ao professor levar em consideração
ver dit

que o filme foi produzido em português arcaico, o que contou com vasta
pesquisa, podendo desenvolver atividade conjunta com professor de Língua
op

Portuguesa, Literatura e Artes.


Além disso, a cenografia desenvolveu, também, pesquisa durante cerca
de dois anos, captando objetos do período retratado ou produzindo réplicas.
Assim, toda a atmosfera do filme remonta, com verossimilhança, a vida no
E

Brasil colônia, retratando as vilas, os engenhos, os jesuítas, a câmara dos


vereadores e o exercício do poder, pelos “homens bons”. O filme foi produ-
zido em uma vila cenográfica construída especialmente para as filmagens, na
região de Ubatuba-SP, contando com um projeto baseado em muitas pesquisas
históricas. Além disso, os índios que aparecem em cena são realmente índios,
que foram levados da região amazônica, para participarem do filme.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 165

No que se refere às pesquisas realizadas, podemos observar que muitas


imagens do filme reproduzem, de alguma forma, foram baseadas em icono-
grafia existente. Assim, é possível fazer um trabalho interdisciplinar com
Artes também neste quesito.

Figura – Imagem da chegada de Oribela: a visão de dentro


do navio – 54 seg Navio Negreiro – Rugendas

r
V
uto
R
a
do
Fonte: Disponível em: <http://www.unilab.edu.br/wp-content/uploads/2016/03/
Navio-Negreiro.-Rugendas.-1830-345x199.png>. Acesso em: 16 maio 2019.
aC
Figura – Cena no engenho – 54 min
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são i
rev
or
ara
ver dit

Figura – Cena final no Engenho – 1h30


op
E

166

Figura – Imagens de engenhos

r
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a
do
aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Fonte: SOARES, Mariza de Carvalho Soares. Engenho sim, de açúcar não o engenho
de farinha de Frans Post. Varia hist. V .25 n .41. Belo Horizonte jan./jun. 2009
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 167

Filme Desmundo: a estrutura colonial

O filme permite analisar o início da colonização portuguesa na América,


marcado pela vinda de vários aventureiros da Coroa. A grande empreitada,
que visava conquista e exploração de terras no Novo Mundo, está inserida
num complexo contexto europeu do início da Era Moderna. A América serviu,
assim, como uma espécie de válvula de escape para as sociedades ibéricas, que

r
V
enviavam todos aqueles que eram indesejados e, muitas vezes, irrecuperáveis,

uto
para povoar o continente descoberto, situação que fica muito marcada pelas
personagens do núcleo familiar de Francisco de Albuquerque.
Muitos destes europeus que chegaram no Brasil vinham na condição de

R
a
degredados e, assim sendo, bastante propensos a se desgarrarem dos valores
cristãos, praticando todos os tipos de “pecados”, e a insinuação da relação

do
incestuosa entre Francisco, a mãe e a irmã, dá ensejo a tal discussão. Visando
combater a permissividade nos trópicos, os padres aqui presentes, eram os
aC
responsáveis por manterem a moral e educarem – ou reeducarem – os que se
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encontravam na terra. Para tanto, solicitavam aos reis o envio de mulheres


são
brancas. Esta situação coloca a nu a situação da mulher na constituição da
sociedade patriarcal na América Portuguesa que, juntamente com os indígenas
e negros africanos, se encontravam submetidos aos interesses de seus senhores.
Destacamos, também, que o processo de colonização se baseou na pro-
i
rev

dução açucareira, com grande poder econômico dos senhores de engenho,


de um lado, e com a autonomia das Câmaras Municipais, governadas pelos
or

chamados “homens bons”. Estas situações podem ser observadas, e deba-


tidas, a partir das cenas iniciais do filme, em que as órfãs são levadas para
conhecerem seus noivos, na Câmara Municipal. Também é possível verificar
ara

a rotina do senhor de engenho, quando a narrativa se passa na propriedade


ver dit

de Francisco de Albuquerque. Aliás, nas cenas que se passam no engenho, é


possível também analisar os conflitos entre a Igreja e os colonos, acerca da
op

escravização indígena.
Através da narrativa do filme, também, é possível analisar o papel dis-
ciplinador e punitivo da Igreja Católica, em especial em relação às mulheres.
A lição da Dona Brites, na hora do banho das órfãs, é um bom momento
E

para a discussão sobre as representações do papel que as mulheres deveriam


exercer no casamento, inclusive indicando as artimanhas para que as jovens
conseguissem alcançar seus desejos.

Corre a missa. De repente, uma troca de olhares, um rápido desvio do


rosto, o coração aflito, a respiração arfante, o desejo abrasa o corpo. Que
fazer? Acompanhada dos pais, cercada de irmãos e criadas, nada podia
168

fazer, exceto esperar. Esperar que o belo rapaz fosse bem-intencionado,


que tomasse a iniciativa da corte e se comportasse de acordo com as re-
gras da moral e dos bons costumes, sob o indispensável consentimento
paterno e aos olhos atentos de uma tia ou de uma criada de confiança (de
seu pai, naturalmente).
Esse era o estereótipo, o bom modelo, o comportamento que se esperava
no despertar da sexualidade feminina. Claro que nem sempre as coisas
se passavam assim, e o esforço feito para que tudo corresse conforme o

r
V
previsto indica de saída, contrario sensu, que a explosão do desejo da mo-

uto
cinha virgem à senhora casada era não raro difícil, muito difícil mesmo, de
controlar. Das leis do Estado e da Igreja, com frequência bastante duras, à
vigilância inquieta de pais, irmãos, tios, tutores, e à coerção informal, mas
forte, de velhos costumes misóginos, tudo confluía para o mesmo objetivo:

R
abafar a sexualidade feminina que, ao rebentar as amarras, ameaçava o

a
equilíbrio doméstico, a segurança do grupo social e a própria ordem das
instituições civis e eclesiásticas (ARAÚJO, 2017, p. 45).

do
A trajetória da personagem Oribela, órfã beata, filha de comerciante em
aC
Portugal, e da freira Maria, que acompanhou as jovens nubentes, permitem

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


analisar os estereótipos das mulheres no período colonial. Oribela, menina
são
arredia, foi levada a contragosto para a colônia portuguesa, para se casar com
um dos “nobres da terra”, conforme SCHWARTZ (1988), que identificou a
ascensão dos degredados a nobres, por se tornarem donos de terras. No Brasil
i
colonial, as relações sociais que se formaram não reproduziam as de Portugal.
rev

Elas se constituíram em torno da possa da terra e, a partir daí, as relações


de poder foram estabelecidas. A possibilidade de Francisco de Albuquerque
or

desposar a jovem branca, católica e ainda receber dotes, confirma seu prestígio
social que, em nada, se associava à nobreza de modos ou de caráter.
ara

O próprio contrato de casamento, realizado na Casa de Câmara e Cadeia,


ressalta outro aspecto do período colonial. Trata-se das estruturas administra-
ver dit

tivas descentralizadas, que foram a característica da colonização portuguesa,


diferentemente do que fizeram os espanhóis. Apenas com a descoberta do ouro,
op

na região das Minas Gerais, é que se começou a pensar em uma administração


centralizada. Mas, durante quase todo o período colonial, eram os donos das
terras, os mesmos degredados que aqui se tornaram nobres, que exerciam os
E

poderes executivo, legislativo e judiciário, através das Câmaras.


Ainda tratando da Câmara é importante destacar a figura de Ximeno
que, durante a narrativa, formará o triângulo amoroso com Oribela e Fran-
cisco de Albuquerque. No livro de Ana Miranda, Ximeno era muçulmano.
Mas, na versão para o cinema, aparece como judeu, ou melhor, cristão novo.
A temática da Inquisição, como aparece em diálogo do Ximeno com Oribela,
sobre a existência de muitas “forcas santas” em Portugal, é importante a ser
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 169

destacada, visto que nos livros de história, quase não há referência aos cris-
tãos novos e perseguição a judeus. Alain Fresnot, ele próprio e sua família,
teriam fugido da Europa, durante o período da ascensão do nazismo. Como
toda obra cinematográfica que narra um momento histórico, é importante
observarmos o quanto do presente dos idealizadores da obra está presente
em suas abordagens, construção de enredo, cenografia.
A figura do Ximeno, mercador, é o contraponto da figura de Francisco

r
V
de Albuquerque, o senhor de engenho e caçador de indígenas, insinuando,

uto
algumas vezes, a figura do bandeirante, e porta de entrada para o sertão, pavor
da personagem Oribela. Ximeno, por outro lado, mercador, viajante, seria o
elo entre a moça e o Velho Mundo.

R
A velha Maria, a freira mais idosa, representa o domínio que a sociedade

a
e a Igreja faziam sobre a mente e o corpo da mulher. Logo na chegada, ela
é ríspida em relação às moças, para que tomassem cuidado com o sol, que

do
não deveria queimar as peles, brancas. Afinal, era a brancura da pele que as
aC
tornavam tão importantes. No decorrer da narrativa descobrimos que ela teria
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

praticado adultério e, como castigo, fora recolhida ao convento, tornando-se,


são
compulsoriamente, freira. Este era o castigo oferecido às mulheres que não
cumpriam as leis do Estado, da Igreja. Assim, é possível notar que os homens
tinham direito sobre a vida das suas mulheres. E, voltando a Oribela, foi com
base nesse direito que Francisco optou por castigá-la e depois perdoá-la, por
i
rev

conta da primeira fuga. E, também, a forma como ele se apropriou do corpo


dela, refletindo a ideia de que a mulher deve servir o homem.
or

A historiadora Laura de Mello e Souza analisa a sociedade mineira do


século XVIII, os chamados desclassificados sociais. Este conceito, abrangente,
pode ser entendido como a marginalização de homens livres no sistema co-
ara

lonial, ou seja, a sociedade estruturada entre os senhores, proprietários das


ver dit

terras, e os escravos, aqueles que produziam a riqueza dos senhores. Nesta


sociedade, muito bem polarizada, não deixava espaço para os trabalhadores
op

livres, sendo estes tratados de forma inferior aos escravizados, visto que, em
suas atividades, não geravam riqueza, especialmente numa sociedade que se
inseria no capitalismo. Sem cair numa visão anacrônica, é possível identificar,
através do filme Desmundo, os precursores de tais desclassificados, homens
E

tão pobres que não tinham valor perante a sociedade. Tal situação pode ser
observada através dos trabalhos realizados e dos diálogos dos homens que
construíam a vila, quando da chegada das órfãs.
Outra questão abordada no filme, que pode trazer uma discussão im-
portante sobre diversidade, é em relação a deficientes. No início do filme, no
momento do contrato de casamento, é possível perceber que uma das órfãs
era cega, revelando que Portugal também se “livrava” de deficientes físicos,
170

mandando-os para a colônia. Em outro momento, quando Oribela passa a


viver junto ao núcleo familiar de Francisco, se depara com a irmã dele, uma
menina com Síndrome de Down. Oribela se assustou no começo, mas depois
passou a se divertir, rindo da menina, para irritação da sogra.

Sugestão de atividade na Educação Básica

r
V
Esta obra cinematográfica pode ser trabalhada com de alunos do primeiro

uto
ano do Ensino Médio, levando em consideração a classificação etária, que
é de 14 anos. Devemos observar as cenas mais polêmicas e, ao exibi-lo na
escola, a sugestão é a de cortar as mesmas, explicando o motivo para os alu-

R
nos. No caso de solicitar que assistam em casa, comunicar as famílias sobre

a
o conteúdo das cenas mais polêmicas. Após analisar a formação da sociedade
brasileira, podemos dar especial atenção à questão da mulher e a sociedade

do
patriarcal brasileira. Uma boa estratégia é, se a escola fizer uso de materiais
didáticos, após assistirem ao filme e fazerem a leitura do material, solicitar aos
aC
nossos alunos que busquem informações sobre as permanências da sociedade

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
representada no filme Desmundo no Brasil atual. Uma sugestão de exercício
de pesquisa é sobre a Lei Maria da Penha. A partir de tal pesquisa, os alunos
podem apresentar, em forma de cartazes, diálogos, debates, ou até mesmo
vídeos, as informações que encontraram e estabelecerem as relações com o
i
filme assistido. Além da lei, sugerir aos estudantes que pesquisem sobre as
rev

condições das mulheres na sociedade brasileira, além de dados sobre violência


or

doméstica, por exemplo. A partir daí, propor a reflexão de como tais situações
podem afetar o cotidiano deles na atualidade.
Muitas outras atividades podem ser realizadas a partir da análise e
ara

discussão deste filme. Pode-se trabalhar o choque cultural entre indígenas,


ver dit

negros e europeus. Trabalhar a catequização dos povos indígenas pelos jesuí-


tas e, a partir daí, avaliar a situação dos índios na sociedade contemporânea.
op

Da mesma forma, discutir como nosso país tem recebido os refugiados de


várias partes do mundo e se a prática da xenofobia é coerente com a própria
constituição da sociedade brasileira. A partir da personagem Oribela, discu-
tir as formas que as mulheres encontraram, durante o período colonial, para
E

exercerem alguma forma de poder. O importante é que, acima de tudo, o tema


escolhido, que terá como base da análise o filme, deve partir de um problema
do presente para, então, buscarmos respostas no passado. Assim, alcançamos
uma aprendizagem significativa.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 171

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or
ara
ver dit
op
E

E
ver dit
sã or op
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rev R
i são V
do
a uto
r
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CAPÍTULO 14

IMAGENS DA MULHER NOS


LIVROS DIDÁTICOS HISTÓRIA.
UM PRIMEIRO OLHAR

r
V
uto
Vanusa Maria Gomes Noronha
Paulo Augusto Tamanini

R
O presente capítulo tem como objetivo suscitar a discussão sobre a figura

a
da mulher veiculada nos atuais livros didáticos de História. Este trabalho jus-
tifica-se pela necessidade de entender qual imagem feminina é disseminada

do
nos livros didáticos, quais papéis são condicionados à mulher na sociedade
aC
atual e de que forma são abordados nos livros didáticos.
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A sociedade em que vivemos é marcadamente caracterizada pela diver-


são
sidade cultural, pela variedade de percepções e apreensão de sentidos. Essa
multiplicidade de modos de viver em diversos campos e práticas sociais
influencia também na maneira como o Ensino se dá em ambientes escolares.
i

Nas aulas de História, por exemplo, nas quais os processos comunicativos são
rev

contemplados, estudados e discutidos, refletir sobre o papel do feminino na


sociedade, por exemplo, é suscitar nos alunos um viés crítico sobre o respeito
or

à mulher e suas conquistas.


Segundo Schmidt e Cainelli (2010), um dos principais significados
apontados para a aprendizagem histórica é transformar informações em
ara

conhecimento, apropriando-se das ideias históricas de forma cada vez mais


ver dit

complexa, no sentido da construção de uma literacia histórica, ou seja, de


seu próprio processo de alfabetização significativa. Logo, a partir de um
op

tema tão importante, surgiu a ideia de pesquisar coma a figura feminina é


abordada nos livros didáticos de História do 9º ano aprovado pelo PNLD
(Projeto Araribá, 2014), procurando verificar quais estereótipos foram
E

superados e quais persistem. Dentro do grande grupo “mulher” também


nos interessa um comparativo entre mulher branca x mulher negra. Para


alcançar nosso objetivo vamos descrever as características da figura femi-
nina a partir das imagens retratadas nos livros didáticos e analisar quais
as marcas, papeis sociais e culturais da figura feminina, são abordadas
nos livros didáticos.
176

Um breve soslaio acerca do Livro Didático

Segundo Stray (1993, p. 77-78), o livro didático é definido, como um


produto cultural composto, híbrido, que se encontra no “cruzamento da cul-
tura, da pedagogia, da produção editorial e da sociedade”. No âmbito escolar
atual, o livro didático concorre com outros artefatos como quadros, mapas,
enciclopédias, audiovisuais, softwares didáticos, CD-Room, Internet, entre-

r
V
tanto, persiste ocupando um papel central.

uto
O caminho percorrido pelos livros didáticos até as escolas brasileiras teve
início em 1929, com a fundação de um órgão específico para legislar sobre políticas
do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL). Seu intuito era promover

R
a
a efetivação do livro didático nacional, mas depois desse primeiro momento,
demorou algum tempo para seguir adiante, e somente em 1934, no governo do
presidente Getúlio Vargas, o INL recebeu suas primeiras atribuições, como editar

do
obras literárias para a formação cultural da população, elaborar uma enciclopédia
aC
e um dicionário nacionais e expandir o número de bibliotecas públicas.
Somente em 1938, o livro didático voltou ao destaque das discussões,

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
quando foi instituída por meio do Decreto-Lei nº 1.006, de 30 de dez. 1938
a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que estabelecia a primeira
política de legislação para tratar da produção, do controle e da circulação dessas
obras. Esta comissão possuía mais a função de controle político-ideológico
i
rev

do que propriamente uma função didática (FREITAG et al., 1989).


Com a extinção da COLTED, em 1971, e o término do convênio MEC/
or

USAID, o INL passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o


Ensino Fundamental (PLIDEF), assumindo as atribuições administrativas e
de gerenciamento dos recursos financeiros. Em 1976, o INL foi extinto e a
ara

Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) tornou-se responsável


ver dit

pela execução do PLIDEF. Por meio do decreto nº 77.107, de 4 de fev. 1976


o governo iniciou a compra dos livros com recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) e com as contribuições dos estados.
op

Porém os recursos não foram suficientes para atender todos os alunos do ensino
fundamental da rede pública, e a solução encontrada foi excluir do programa
a grande maioria das escolas municipais.
E

Outras mudanças continuaram no ano de 1983 quando, em substituição à


FENAME, foi criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que in-
corporou vários programas de assistência do governo, incluindo o PLIDEF. Das
inúmeras formas experimentadas pelos governantes para levar o livro didático à
escola, no período de 1929 a 1996, só com a extinção da FAE, em 1997, e com
a transferência integral da política de execução do PNLD para o FNDE é que
se iniciou uma produção e distribuição contínua e massiva de livros didáticos.
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 177

O Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, reuniu as ações de aquisição


e distribuição de livros didáticos e literários, anteriormente contempladas pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e pelo Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE). Com essa mudança, o Programa Nacional do
Livro e do Material Didático – PNLD também teve seu escopo ampliado com
a possibilidade de inclusão de outros materiais de apoio à prática educativa
para além das obras didáticas e literárias: obras pedagógicas, softwares e jogos

r
V
educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo, materiais de formação

uto
e materiais destinados à gestão escolar, entre outros.
Desde 2019, os livros dos anos iniciais passaram a ser do aluno, não
precisando ser devolvidos ao final do ano letivo, o que faz do livro um recurso

R
para futuras pesquisas e consultas. Diante desse breve resgate da história do

a
livro didático, nos interessa aqui investigar como a mulher é retratada nos
livros didáticos para os conteúdos de ensino de história. A seguir uma breve

do
discussão sobre o papel da mulher.
aC
Marcando o perfil feminino na Historiografia
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são
Nossa sociedade possui características de um regime patriarcal, na qual
as mulheres historicamente tiveram os seus direitos negados, foram vítimas
de opressão, preconceito e silenciamento de sua história. A figura da mulher
i
rev

se limitava ao núcleo familiar, ao casamento, aos cuidados com a casa e


com os filhos. A sua participação no espaço público era restrita, e o acesso
or

ao trabalho fora do lar, à educação escolar e os direitos políticos foi durante


muito tempo proibido.
Segundo Michelle Perrot, em seu livro Minha história das mulheres, o
ara

silêncio inicial ocorreu pelo fato do confinamento das mulheres às tarefas de


ver dit

casa e ao pouco convívio com pessoas externas à vida privada; seguido pelo
silêncio das fontes, já que as mulheres deixaram poucos registros escritos
op

sobre a sua vida, sua trajetória, e os vestígios existentes eram feitos pelo
olhar do homem, na maioria das vezes, a partir de estereótipos sociais que
inferiorizam o papel feminino:
E

o silêncio mais profundo é o do relato. O relato da história constituído


pelos primeiros historiadores gregos ou romanos diz respeito ao espaço
público: as guerras, os reinados, os homens “ilustres”, ou então os “homens
públicos”. O mesmo ocorre com as crônicas medievais e as vidas dos san-
tos: fala-se mais de santos do que de santas. Além disso, os santos agem,
evangelizam, viajam. As mulheres preservam sua virgindade e rezam. Ou
alcançam a glória do martírio, que é uma honra suntuosa.
178

As rainhas merovíngias, tão cruéis, as damas galantes do Renascimento,


as cortesãs de todas as épocas fazem sonhar. É preciso ser piedosa ou
escandalosa para existir (PERROT, 2015, p. 17-18).

Ainda de acordo com a autora, o surgimento de uma história das mulheres


só ocorreu na década de 1960, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, devido
a razões científicas, sociológicas e políticas. Como já dissemos anteriormente,

r
V
os vestígios relacionavam a mulher à família, e os papéis do marido eram

uto
considerados superiores. Em contrapartida os papéis femininos eram dimi-
nuídos, ocasionando, assim, um apagamento da história da mulher. Segundo
Perrot (2015, p. 22):

R
a
[...] Convencidas de sua insignificância, estendendo à sua vida passada
o sentimento de pudor que lhes havia sido inculcado, muitas mulheres,
no ocaso de sua existência, destruíram – ou destroem – seus papeis pes-

do
soais. Queimar papéis, na intimidade do quarto, é um gesto clássico da
mulher idosa.
aC
Todas essas razões explicam que haja uma falta de fontes não sobre as

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mulheres nem sobre a mulher, mas sobre sua existência concreta e sua
são
história singular. No teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra.

Dito de outra forma, as mulheres são citadas na História, de uma forma


geral, não como pessoas que tiveram voz, mas como figuras que apenas exis-
i
rev
tiram despercebidas, pois a elas não lhes era dado nenhum valor. As mulheres
perdiam tudo, até seu sobrenome (PERROT, 2015). Em virtude disso, o papel
or

feminino foi visto, e, por vezes, ainda o é, como inferior, relegando à mulher
a um papel secundário frente ao poder masculino.
Desta forma, a visão da mulher como “inferior” ao homem não é um fato
ara

recente e está condição se dava em diversas esferas. Para os gregos, a mulher


era vista como ser inacabado, defeituoso, e isso justificava sua inferioridade.
ver dit

Outros grandes filósofos e estudiosos da Antiguidade fizeram da figura femi-


op

nina um ser menor e, por isso, não consideravam a igualdade entre homem e
mulher, ao contrário, o que se ligava ao mal era associado à mulher.

[...] Das leis do Estado e da Igreja, com frequência bastante duras, à vi-
E

gilância inquieta de pais, irmãos, tios, tutores, e à coerção informal, mas


forte, de velhos costumes misóginos, tudo confluía para o mesmo objetivo:
abafar a sexualidade feminina que, ao rebentar as amarras, ameaçava o
equilíbrio doméstico, a segurança do grupo social e a própria ordem das
instituições civis e eclesiásticas (ARAÚJO, 2017, p. 45).

A mulher era vista como um ser inacabado, por isso precisava ser vigiada
a fim de que sua sexualidade fosse contida, ou seja, era controlada por todas
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 179

as instituições: família, igreja e sociedade, caso contrário poderia estragar


a vida não só dela, mas da sociedade. O importante era que as instituições
estivessem sólidas e protegidas do mal que poderia ser causado pela mulher.
As formas de interação entre as culturas se expandiram com o desen-
volvimento da tecnologia, devido à rapidez com que as informações são
divulgadas nos meios de comunicação e nas mídias sociais, exigindo cada
vez mais do aluno, um posicionamento crítico nas situações diversas do seu

r
V
cotidiano. Mas não podemos quantificar até que ponto o avanço da tecnologia

uto
recria significados impostos pela hegemonia e até onde privilegia a criticidade.
De acordo com Silva (2018), as representações e ideologias estão presen-
tes em todas as manifestações comunicativas. Em diferentes campos, sejam

R
temas sociais, políticos ou das religiões:

a
[...] as novas interpretações, propiciarão a criação de outras representações,

do
caracterizados especialmente pelas resistências e heroísmo desses sujeitos.
Desse modo, a produção imagética, mais precisamente, as representações
aC
da cultura [...] nos livros didáticos são essenciais para despertar o inte-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

resse de professores e estudantes para construir novos saberes e atitudes.


são
Partindo dessa abordagem, é importante os professores problematizarem
a leitura e a percepção das imagens (SILVA, 2018, p. 34).

Desse modo, as atribuições e significados presentes nos eventos comuni-


i

cativos, imprimem na realidade o que pensamos, defendemos ou rejeitamos,


rev

seja nas mais diferentes questões, das simples às complexas, utilizamos o


nosso posicionamento crítico e nossas interpretações sobre as representações
or

e ideologias. As questões sobre a mulher, sofrem influência no livro didático?


A hegemonia política interfere também, nas escolhas dos conteúdos de história,
ara

ocultando questões relacionadas à mulher que não sejam da ideologia dominante?


Pretendemos averiguar como essas questões são abordadas atualmente para
ver dit

descrever as características da figura feminina a partir das imagens retratadas nos


livros didáticos e analisar quais as marcas, sociais e culturais da figura feminina
op

estão presentes. Trataremos a seguir, dos aspectos metodológicos da pesquisa.

Metodologia e Análise
E

O foco deste estudo é investigar como a mulher é retratada em livros


didáticos nos conteúdos de ensino de história. Para alcançar este objetivo op-
tamos por uma metodologia de caráter qualitativo, a fim de captar as relações
entre os elementos deste estudo, a partir da análise de imagens que tracem o
perfil da mulher em um exemplar do 9° ano da coleção Projeto Araribá, de
livros didáticos de História, do ano de 2014, da Editora Moderna.
180

Figura 1 – Capa do Livro História

r
V
uto
R
a
do
aC

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
Fonte: APOLINÁRIO, 2014.

A partir do critério destaque, ou ausência deste, selecionamos três imagens:


i
rev

Figura 2 – Lampião e seu bando, 1936. Da esquerda para direita: Vila


Nova, cangaceiro desconhecido, Luís Pedro, Amoroso, Lampião, Cacheado,
or

Maria Bonita, Juriti, cangaceiro desconhecido e Quinta-Feira


ara
ver dit
op
E

Fonte: APOLINÁRIO, 2014, 9º Ano, p. 60.


HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 181

A imagem acima foi retirada do capítulo 2: A República chega ao Brasil,


no tema 3: Os conflitos no campo, no tópico: cangaço. O texto que antecede
esta imagem fala sobre o cangaço, destacando Virgulino Ferreira, o lampião,
como mais conhecido dos cangaceiros. Relata sobre sua vida, começando
pela infância até a liderança do cangaço.
Maria Bonita é citada apenas como “companheira” de Lampião, não dando
nenhum destaque à sua vida antes do cangaço, nem tão pouco características

r
V
físicas ou emocionais, como as referidas a Lampião: “uma espécie de Robin

uto
Hood do sertão” ou “revolucionário”.
Percebemos que a figura feminina não ganhou nenhum destaque sendo
citada apenas por ser “companheira” do elemento principal: o homem. Portanto,

R
a imagem de Maria Bonita aparece de forma secundária, ou seja, a figura da

a
mulher, como já foi dito por Perrot (2015), não têm voz, e são vistas como
figuras que apenas existiram despercebidas, pois a elas não lhes era dado
nenhum valor.
do
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

Figura 3 – Mãe migrante, foto de Dorothea Lang, Califórnia,


são
Estados Unidos, 1936. Biblioteca do Congresso Washington
i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Fonte: APOLINÁRIO, 2014, 9º Ano, p. 107.

A imagem em destaque foi retirada do capítulo 4: A crise da democracia


e a Segunda Guerra Mundial, no tema 1: A crise de 1929, no tópico Roosevelt
182

e a adoção do New Deal. A imagem está associada a um texto que fala sobre
um programa de combate à crise econômica adotado por Roosevelt. Em ro-
dapé, a fotógrafa explica que a imagem está relacionada ao impacto da grande
depressão na vida dos trabalhadores rurais da época.
Na imagem aparece uma mulher, uma “mãe migrante” em busca de
emprego e alimento para a subsistência de seus filhos. Apesar de ser uma
foto famosa e mundialmente reconhecida por representar o grande sofrimento

r
V
dos trabalhadores, num momento de crise econômica, essas questões não

uto
são aprofundadas no texto, sendo necessária uma leitura complementar para
melhor entender a representatividade expressa nas feições tristes de uma mãe
que sofria porque não tinha como suprir as necessidades dos filhos.

R
Parece-nos que o destaque dado à figura da mulher, está direcionado à

a
representação da mulher-mãe, que protege e luta por seus descendentes, mas
não contempla outros grupos que, mesmo não sendo mães, foram igualmente

do
importantes na luta, por exemplo, dos direitos sociais que antes eram desti-
aC
nados somente aos homens.

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


são
Figura 4 – Almerinda Farias Gama, primeira mulher
representante classista a votar nas eleições para Assembleia
Nacional Constituinte. Rio de Janeiro, julho de 1933
i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Fonte: APOLINÁRIO, 2014, 9º Ano, p. 135.

Nossa terceira imagem foi extraída do capítulo 5: A era Vargas, no tema


1: A revolução de 1930, do tópico a Constituição de 1934. A figura mostra o
primeiro voto feminino nas eleições da Assembleia Constituinte. Diferente das
imagens anteriores, o destaque é dado à figura feminina, representado pelo fato da
concessão do direito ao voto que anteriormente era somente do homem. No livro
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 183

não são apontados os detalhes da vida de Almerinda, mas a partir de uma pesquisa
bibliográfica, apuramos que ela foi advogada, feminista e líder sindical nascida em
Maceió. Ela mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, inseriu-se no mercado de
trabalho, e logo tornou-se presidente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos.
Como representante classista, Almerinda Gama, foi indicada pelo Sindicato dos
Datilógrafos e Taquígrafos e pela Federação do Trabalho do Distrito Federal para
Câmara Federal, tornando-se a única mulher, em 1933, a votar como delegada

r
V
dos representantes classistas na eleição para Assembleia Nacional Constituinte.

uto
Empolgada pela política Almerinda candidatou-se, em 1934, nas eleições para a
Câmara Federal e o Senado, mas não conseguiu se eleger.
Mesmo não tendo sido eleita, Almerinda Gama marcou com tenacidade

R
um lugar na história da construção da cidadania feminina abrindo espaço para

a
mulher negra participar do cenário político nacional, fato marcado na foto,
por seu sorriso de contentamento. Assim, as características relacionadas a essa

do
figura feminina são de mulheres que batalham pela igualdade de direitos, seja
aC
por trabalho, voto, e representam todas as mulheres, independente de estado
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civil, cor ou nível social.


são
As características relacionadas a essa figura feminina são de mulheres
que batalham pela igualdade de direitos, seja por trabalho, voto, e representam
todas as mulheres, independente de estado civil ou nível social.
i

Considerações finais
rev
or

Nas poucas imagens selecionadas, se faz necessário pensar cuidadosamente


sobre as questões ideológicas e sociais que sobrepujam a força da visualidade.
Esta seleção não foi guiada por uma prévia defesa de bandeiras, sejam de femi-
ara

nismo ou superioridade de um gênero sobre outro. Entretanto se faz necessário


ver dit

discutir sobre o ainda presente preconceito imposto, quais os papéis da mulher


na sociedade comum e como os Livros Didáticos de História disso tratam.
op

Dessa forma, percebemos que por trás de cada imagem existe uma
mensagem a ser decifrada, muitas vezes, atrelada à uma elite pensante que
propaga a inferiorização de certos grupos, dentre eles, a população feminina.
Esses temas, representados pelas imagens, precisam ser colocados à tona nas
E

escolas e analisados, discutidos para que a reflexão e o senso crítico sejam


práticas vivenciadas nas salas de aula, com vistas à formação de cidadãos
mais éticos e respeitosos às diferenças.
Diante da análise feita, observamos que os discursos propagados nas ima-
gens apontam que, a sociedade ainda precisa aprender a respeitar a pluralidade
cultural e a diversidade de gêneros, aceitando que a mulher tem o seu valor,
independentemente de sua cor, opção sexual, atividade profissional ou religião.
184

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In:


DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 10. ed. São
Paulo: Contexto, 2017.

r
V
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos

uto
e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2015.

R
a
SILVA, E. D. R.; TAMANINI, P. A.; MARIANO, T. de S. Da representação

do
aos estereótipos: o Nordeste e os negros escravizados nos livros de história.
In: TAMANINI, P. A. (Org.). O ensino em perspectivas: múltiplas aborda-
aC
gens, outros enfoques e a interdisciplinaridade no ofício docente. Curitiba:

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


CRV, 2018.
são
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. 1.
ed. São Paulo: Scipione, 2009.
i
rev

STRAY, Chris. Quia Nominor Leo: Vers une sociologie historique du manuel.
In: CHOPPIN, Alain (Org.). Histoire de l’éducation. n. 58 (numéro spécial).
or

Manuels scolaires, États et sociétés. XIXe -XXe siècles, Ed. INRP, 1993.
ara
ver dit
op
E

CAPÍTULO 15

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS


GINÁSIOS VOCACIONAIS: uma
intridução ao debate (São Paulo, 1961-1969)

r
V
uto
Yomara F. Caetano de Oliveira Fagionato

Os ginásios vocacionais foram experiências desdobradas e interligadas


R
a
das renovações pedagógicas realizadas nas classes experimentais. Essas úl-
timas, consolidadas na LDB de 1961, os ginásios Vocacionais, que são aqui

do
considerados um desdobramento das classes experimentais secundárias”
(VIEIRA; DALLABRIDA, 2016, p. 512). Nesse caminho aberto, a experiência
aC
brasileira do ensino vocacional realizada em solo paulista teve ligação com o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

discurso nacional-desenvolvimentista da década de 1960, inserida no âmbito


são
da urbanização e modernização.
A materialização do projeto de ensino vocacional contou com a criação
do Serviço de Ensino Vocacional (SEV), em 1961, coordenado pela educa-
i

dora Maria Nilde Mascellani. Figura central que gerenciou as seis instituições
rev

criadas com apoio de sua equipe técnica. Por meio do Decreto n. 38.643, de
1961 os vocacionais e o SEV começaram a funcionar. Esse último foi um
or

órgão ligado ao setor especial da Secretaria de Educação do Estado de São


Paulo, continha a atribuição de coordenar o Sistema de Ensino Vocacional,
ara

ou seja, o conjunto dos ginásios e dos colégios vocacionais.


Esse sistema educativo emergiu no bojo da política empreendida pelos
ver dit

integrantes do Partido Democrata Cristão (PDC), desenvolvido no governo


de Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (1959-1962)14, tendo como uma
op

figura chave Luciano Vasconcelos de Carvalho, Secretário de Educação


paulista (1960-1961), responsável também por convidar Maria Nilde Mas-
cellani para auxiliar, criar e coordenar o projeto de uma nova escola, a qual
E

atendesse jovens insatisfeitos com o ensino secundário tradicional e técnico,


ação motivada por sua ligação com o discurso desenvolvimentista-moder-
nizante do pós-guerra.

14 Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (advogado e professor universitário) foi membro da família tradicio-
nal paulista Rodrigues Alves. Na gestão de Jânio, foi da administração governamental de 1953 até 1958,
por indicação de Queiroz Filho (BUSETTO, 2000). Carvalho foi lançado à candidatura para o Governo do
Estado de São Paulo. Época em que concorreu com Adhemar de Barros, o qual foi apoiado pelos comu-
nistas, sendo levado a manifestar-se a favor do nacionalismo.
186

Nesse período, como forma de resolver essas mazelas sociais e educa-


cionais, a política paulista desenvolvimentista, concebida pelo governo de
Carvalho Pinto, compartilhou a plataforma política orientada via ideal da
Democracia Cristã. Esse governo formou uma equipe, cujo perfil da política
educacional promovida pelo secretário de educação paulista Luciano Vascon-
celos de Carvalho atrelou-se ao projeto do governador Carvalho Pinto que
foi de “aplicação de um programa educacional consonante com as propostas

r
V
defendidas pela Democracia Cristã na área da educação” (BUSETTO, 2002,

uto
p. 141). Luciano Vasconcelos de Carvalho, em 1960, ano de sua indicação
como secretário de educação paulista, visitou as classes experimentais realiza-
das na cidade de Socorro (SP), observando suas salas de aulas. Relatou Maria

R
Nilde Mascellani que esse secretário foi sensível em expandir a experiência

a
para outras cidades do Estado.
O grupo político democrata cristão (incluindo o secretário de educa-

do
ção), no governo paulista de Carvalho Pinto, passou a difundir amplamente
aC
a proposta de democracia com práticas e discursos revestidos do ideal de

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planejar uma administração moderna ligada ao trabalho técnico. Segundo
são
Áureo Busetto (2002, p. 154), o sentido técnico “para os democratas cristãos
à gestão carvalhista representava a execução da moderna, racional, moraliza-
dora e democrata tarefa que cabia ao poder público, ou seja, contraposta ao
clientelismo político e distante do liberalismo conservador”. Essa estratégia
i
rev
contribuiu sobremaneira para visibilizar uma opção política de democracia
distinta tanto do liberalismo conservador de direita, quanto da proposta
or

dos comunistas de esquerda, buscando a justiça social por outra via. Com
isso, a proposta de democracia cristã recebeu o codinome de Terceira Via,
empreendida pelo grupo democrata cristão paulista na política no governo
ara

de Carvalho Pinto.
ver dit

Nesse bojo, a política carvalhista paulista, considerada desenvolvimentista


e reformista, empreendeu pontos de contato com o movimento do catolicismo
social, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, compreendendo-o como
op

uma nova forma de agir e pensar com criticidade em relação aos dilemas e
desigualdades sociais brasileiros. Esses princípios compartilhados pelos de-
mocratas cristãos aproximaram-se do movimento denominado de catolicismo
E

social, nesse contexto inicial dos vocacionais, marcando a política educacional


do secretário. Foi diante dessa política paulista que o Sistema de Ensino Vo-
cacional justificou o argumento de escolha do seu próprio termo. Tanto que o
modelo de democracia baseou-se em “uma reforma de valores que se achava
capaz de harmonizar as forças de arcado às necessidades do desenvolvimento
social, colocando os princípios da ética cristã como instrumento de reordenação
econômica e política das nações” (SOUZA, 2015, p. 20).
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 187

Desta postura, em 1962, os primeiros ginásios estaduais começaram a


funcionar, a saber: o Ginásio Estadual Oswaldo Aranha (na cidade de São
Paulo), o Ginásio Estadual Vocacional João XXIII (em Americana), e, o Ginásio
Estadual Vocacional Cândido Portinari (em Batatais). Em 1963, entram em
funcionamento mais dois ginásios, um em Barretos e outro em Rio Claro. Em
1968, foi instalado um ginásio em São Caetano de Sul, ano em que iniciaram
o colegial e os cursos noturnos do ginasial no Vocacional Oswaldo Aranha.

r
V
O AI-5 recrudesceu a vida social brasileira, quando o Estado ditatorial fechou

uto
o Sistema de Ensino Vocacional, em 12 de dezembro de 1969. Por meio de
decreto encerrou-se todas as atividades do SEV e das escolas e descaracterizada
a proposta dos vocacionais. Maria Nilde Mascellani, parcela de sua equipe

R
técnica, professores e ex-alunos envolvidos nessa experiência tiveram suas

a
detenções decretadas (CHIOZZINI, 2014).
Os vocacionais realizaram um ensino secundário em busca de unir a

do
formação de cultura geral com a cultura técnica e profissional, criando um
aC
currículo integrado às práticas comerciais, agrícolas ou industriais. Essas
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

escolas funcionaram, em todo o período de orientação educacional e vocacio-


são
nal, utilizando trabalho em equipe, ensino integrado por meio da área-núcleo
dos Estudos Sociais, diferentes formas de avaliar, e as práticas: dos estudos
dirigidos e dos estudos do meio. Essa última prática relacionava suas ativi-
dades extramuros com temáticas previamente levantadas, via planejamento
i
rev

em conjunto com os estudantes e educadores (aula-plataforma), e depois


sistematizada em classe. Os saberes da história tornaram-se centrais nessa
or

cultura escolar, sendo respeitada sua especificidade quando tratada pela área.
Essa teve a carga de coordenar as demais matérias, em busca de se construir
um currículo integrado (FAGIONATO, 2018b).
ara

Utilizo a perspectiva de Roger Chartier (1988) sobre a noção de apropriação


ver dit

quando considera que os bens culturais são usados singularmente, de modo que a
recepção tem o signo da criatividade e de suas resistências e/ou reconfigurações.
Essas apropriações dos atores educativos sobre uma determinada disciplina-saber
op

(História), ocupantes tanto no Serviço de Ensino Vocacional (SEV), quando em


diferentes ginásios, interessam para se ler as fontes15 e as historiografias produ-
zidas sobre os vocacionais. Dessa maneira que busco destacar nesse capítulo o
E

valor do ensino de história norteando a área de Estudos Sociais nessa cultura


escolar. Os saberes da história foram capazes de integrar as demais matérias
nos vocacionais? Foi uma questão que ocupou tanto a equipe do SEV, quanto
os diversos atores educativos dessa experiência.
15 Fontes estão salvaguardadas no acervo do Centro de Memória da Faculdade de Educação da Universi-
dade de São Paulo (CMFEUSP) e no Centro de Documentação e Informação Científica ‘Professor Case-
miro dos Reis Filho’, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CEDIC-PUC).
188

Modelos pedagógicos dos vocacionais

Nesse debate, os atores educativos dos ginásios vocacionais e do SEV


estiveram empenhados, entre 1961 até 1969, em explicitar as orientações
filosóficas e educacionais voltadas para formação do homem brasileiro situa-
dos no espaço e no tempo. De forma sintética essas orientações filosóficas e
educacionais foram permeadas pelo repertório do movimento da Escola Nova,

r
V
ao mesmo tempo há referências do personalismo advindo do filósofo francês

uto
jesuíta, – Emmanuel Mounier (1905-1950), e do uso de obras do Pe. Teilhard
de Chardin (1881-1955), bem como do educador Paulo Freire (1921-1997).
Conforme Ângela Rabelo M. B Taberlini (1998) foram variados os autores

R
apropriados pelos idealizadores dessa experiência com o fim em fundamentar

a
a concepção de educação.

do
Circularam entre os atores educativos dos vocacionais, ao longo da expe-
riência pensamentos pedagógicos de John Dewey (1859-1952), da psicologia
aC
da aprendizagem de Jerome S. Bruner (1915-2016), combinados à psicologia

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


do desenvolvimento de Jean Piaget (1896-1980). Do primeiro teórico, além do
são
protagonismo dado aos jovens, empregaram amplamente a noção de experiên-
cia, incluindo a emancipação em busca da ampliação da mesma experiência
de vida. Sob essa perspectiva, Dewey trabalhou a “correlação entre interesse
e disciplina, experiência e pensamento, pensamento e educação” (NUNES,
i
rev

2000, p. 154). J. Dewey considerava de suma importância o estudo das ciên-


cias pelos jovens, ao defender que isso provocaria o desenvolvimento de seu
or

caráter e de seu espírito, com a necessidade de comunicar os resultados das


pesquisas científicas para formar-se uma opinião pública acerca de determi-
nado tema, enfatizando, a ligação entre democracia e pensamento racional.
ara

Na esteira de Jean Piaget, os atores educativos dos vocacionais partiram


ver dit

do pressuposto de que toda aprendizagem vem do próprio jovem, fazendo


com que os seus interesses e o ambiente escolar estivessem envolvidos nessa
op

perspectiva. Para realizar o planejamento pedagógico, os professores dos vo-


cacionais deveriam preocupar-se com a motivação do educando na situação
de ensino, procurando elaborar objetivos ou metas específicas. Da questão de
como motivar o jovem e da busca pelo agir diante de suas reais necessidades,
E

nasceriam os motores de toda psicologia do desenvolvimento, partindo das


ideias gerais, as quais eram ampliadas e depois aprofundadas no processo
educativo vocacional, sobretudo levavam-se em conta debates “constituído
pelos elementos teóricos necessários para interpretar uma situação vivida pelo
grupo” (PANNUTTI, 1976, p. 34).
Coexistiu com os usos de J. Piaget outra proposta: a psicologia da apren-
dizagem de Jerome Bruner, que considera o ensino mediante conceitos. Nessa
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 189

perspectiva, o “conceito é a representação mais simplificada e generalizada


de qualquer realidade” (PANNUTTI 1976, p. 44), sendo ele que organizaria
os dados da realidade e possibilitaria a compreensão, a explicação e a solu-
ção de situações novas, partindo de noções mais amplas para outras mais
específicas, para “depois da análise dos dados chegamos ao essencial, isto é,
ao que há de generalizável nela” (PANNUTTI, 1976, p. 45). Para a área de
Estudos Sociais, na cultura escolar prescrita pelo SEV, foram selecionados e

r
V
organizados os conceitos considerados prioritários para serem assimilados por

uto
qualquer estudante dos vocacionais que analisasse uma determinada realidade
social (FAGIONATO, 2018b).
Nesse sentido uso a perspectiva da história das disciplinas escolares para

R
identificar o núcleo da disciplina, na relação entre as práticas de ensino da sala

a
de aula como por meio dos “grandes objetivos que presidiram a constituição
das disciplinas” (JULIA, 2001, p. 12). Opero o conceito da disciplina-saber

do
enquanto recorte de saber, e ao mesmo tempo compreendo que no campo das
aC
disciplinas tanto o saber, quanto o corpo “são as duas faces de uma mesma
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

moeda” (VEIGA-NETO, 1996, p. 57).


são
Os elementos que distinguem o sentido da interdisciplinaridade em re-
lação ao termo de integração seriam dados pela transformação de gerada nas
unidades de cada parte, segundo Santomé (1998). Para ele, a integração seria
caracterizada pela “inter-relação de diferentes campos de conhecimento com
i

finalidade de pesquisa ou de solução de problemas” (SANTOMÉ, 1998, p. 112),


rev

o que mudaria as estruturas de cada área do conhecimento, cujo trabalho de


or

colaboração docente afetaria e criaria uma estrutura de conhecimento. Não


consta, nas prescrições do SEV o termo interdisciplinaridade. Nesse período,
o que circulou foi o termo integração.
ara
ver dit

Integração da disciplina-saber da História na área de Estudos Sociais


op

Depois de quatro anos de funcionamento da experiência e formada a


primeira turma de estudantes dos vocacionais, o supervisor da área de Estudos
Sociais, Newton Cezar Balzan (1966) enunciou que era cedo para definir-se
o que seria os Estudos Sociais, bem como fechar o seu campo, quando argu-
E

mentou “que se assim fizéssemos estaríamos impedindo o desenvolvimento


de um grande número de experiências que poderão enriquecer a área, dan-
do-lhe vida e dinamismo” (BALZAN, 1966, p. 2). O termo área constou em
documentos da experiência, com maior ênfase, a partir da circulação desse
Relato de Estudos Sociais Essa fonte colocou os Estudos Sociais como uma
área integradora, capaz de dinamizar e atender tanto a centralidade, quanto
a significância em se relacionar a todos os demais saberes curriculares, no
190

decorrer das práticas docentes e discentes dos vocacionais. Essa noção de


áreas, no plano prescritivo, faria funcionar o entrelaçamento entre as matérias
umas com as outras em nível de conteúdo, das técnicas pedagógicas e dos
objetivos (BALZAN, 1966).
Segundo Newton Cesar Balzan, “os professores de Estudos Sociais atuam
sempre em duplas, das quais um elemento é formado em Geografia e outro em
História, por Faculdades de Filosofia” (SERVIÇO DE ENSINO VOCACIO-

r
V
NAL, 1967b, p.2). Mesmo na dúvida em torno dos limites de campos entre a

uto
Geografia humana, História e a Sociologia, o professor Balzan sugere que fazer
Estudos Sociais seria trabalhar “com os métodos científicos e os conteúdos
específicos da História e da Geografia, voltados para objetivos muitas vezes

R
comuns” (BALZAN, 1966, p. 2), embasados em uma investigação social. Essa

a
apropriação advinda do campo da Sociologia buscava superar a divisão entre os
campos das disciplinas-saber Geografia, História e da própria Sociologia, pois

do
“nutre-a e ao mesmo tempo nutre-se dela, estimula a pesquisa, correlacionam
aC
resultados, exigindo a vida nas partes e retornando, de um estudo destas para

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


uma compreensão mais ampla do conjunto” (BALZAN, 1966, p. 2). Diante
são
disso, ressaltado os conteúdos o supervisor listou os objetivos de ensino para
os ginásios, enfocando o desenvolvimento social do educando. Estudos Sociais
tornou-se capaz, segundo essa prescrição, de promover a integração social
dos jovens na perspectiva vocacional.
i
rev

Promover a integração social do jovem no meio em que vive; [...]


or

– que outras áreas poderiam atuar mais frequentemente e com tantas


possibilidades, senão História e Geografia, no atendimento aos objetivos
propostos, mesmo considerando-se que todas as áreas do currículo estão
voltadas para este fim?
ara

[...] Na realidade, há objetivos que podem ser trabalhados mais por Geo-
grafia e outros mais por História; há objetivos que podem ser trabalhados
ver dit

tanto por uma, como por outra dessas áreas. Mas, há uma série deles, a
maioria talvez, que devem ser trabalhados em conjunto pelas duas áreas,
op

pois, situam-se naquela zona intermediária, campo comum a ambas as


ciências; aqui, um isolamento entre Geografia e História seria perda de
tempo e de oportunidade. Mas, não paremos aí. Para que a maioria desses
objetivos sejam trabalhados na prática, através de conteúdos e técnicas
E

que realmente levem à formação da personalidade integral do adolescente,


é necessário dotar a História e Geografia de todo um conteúdo de ordem
sociológica, ou, pelo menos, não perdê-lo de vista (BALZAN, 1966, p. 1-2).

As matérias comuns entre as ciências foi uma das prescrições da


equipe técnica do SEV. No Relato de Estudos Sociais (BALZAN, 1966)
há a convocação especialmente dos professores de Geografia e de História
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 191

para realizarem os objetivos que justificassem a existência deles nos pró-


prios ginásios. E, atribuindo a essas disciplinas-saber, além da valorização
de seus conteúdos a de uma zona intermediária de contato entre ambas.
Os Estudos Sociais continham os conteúdos prescritos da Geografia Geral
e do Brasil e da História Geral e do Brasil. Nos programas do ensino de
história verificava-se o nível psicossocial do educando e, ao mesmo tempo,
em busca do debate dos problemas e das necessidades sociais e econômicas

r
V
do Brasil dos anos 1960.

uto
A união do conteúdo de cada disciplina-saber seria realizada via planeja-
mentos. Nesses existiria a previsão de práticas a serem aplicados aos educandos
visando a inserção do jovem em sua comunidade local, aproximando-se da

R
proposta do catolicismo social daquele período. Todavia, nota-se a valori-

a
zação, nas fontes investigadas do desenvolvimento da disciplina-saber da
história a serviço do diálogo de se incluir o jovem como conhecedor da sua

do
própria história de vida, mas, também da história do seu entorno, da história
aC
relacionada aos fatos, à civilização, ao estudo do passado, esses conteúdos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

dentro da relação entre causa e efeito. Nesse sentido, mesmo que valorizada
são
a integração disciplinar há no caso da disciplina-saber de história na cultura
escolar prescrita do SEV. Coadjuvante nesse cenário o professor de Geografia
que seria unido pelo objetivo de ensino em comum com o ensino de história,
qual seja, o desenvolvimento da personalidade:
i
rev

Trabalhando em comunidades as mais diversas, os professores de Geografia


or

e de História muito poderiam fazer pelos adolescentes que cursam o pri-


meiro ciclo do ensino médio. Alguns objetivos dessas duas disciplinas são
os mesmos, quer se trabalhe com alunos desde ou daquele local; são aqueles
que procuramos das condições para o desenvolvimento da personalidade.
ara

Alguns desses objetivos estão ligados mais diretamente ao conhecimento:


ver dit

Levar o aluno a conhecer os processos de transformação da sociedade


através do tempo; desenvolver no aluno a consciência da causalidade
histórica, do inter-relacionamento entre os fatos, dentro da dinâmica de
op

causa e efeito; dar ao aluno a oportunidade de usufruir de todo o acervo de


experiências humanas, acumulado pela civilização, através do conhecimento
histórico que o estudo do passado permite; levar o aluno a compreender
as formas de relacionamento homem-meio; outros estão voltados mais
E

para a formação de atitudes, muitas vezes comuns às duas disciplinas:


desenvolver o hábito de consultar obras especializadas, compreendendo
satisfatoriamente a leitura; desenvolver a habilidade para o uso do voca-
bulário especializado (BALZAN, 1966, p. 1-2).

O fragmento explicitou os limites entre os campos da Geografia Humana,


História e da Sociologia. Entretanto, o professor Newton Cesar Balzan colocou
192

que “esses fatos como coisas já superadas [...]. O que nos interessa, [...] a
tomada de consciência de que embora em todo campo de estudo haja um nú-
cleo, que é ponto de determinada ciência, há as zonas intermediárias onde as
ciências contribuem mutuamente” (BALZAN, 1966, p. 2). Outra epistemologia
foi colocada para o campo da disciplina-saber de história, posta pela defesa
escolanovista do uso da área dos Estudos Sociais como núcleo. Os docentes,
pela narrativa do supervisor de Estudos Sociais, eram incentivados a buscar

r
V
no saber escolar a integração entre todas as matérias curriculares (inclusive as

uto
áreas técnicas) para forjar uma cultura escolar específica para o vocacional.
Isso exigiu uma produção de conhecimento histórico singular com recorte de
tema, objetos e sujeitos, para que se atendesse às demandas propostas pelas

R
aulas-plataformas, ocorridas nos diferentes ginásios, que dialogava com os

a
diferentes aspectos dos saberes docentes, inseridos no mundo contemporâneo,
sob o crivo do catolicismo social paulista.

do
Nota-se na fonte do ano de 1966, Relato de Estudos Sociais (BALZAN,
1966), na introdução o desafio de integração disciplinar em forma de pro-
aC
blemática dando o título de “A área de Estudos Sociais’ – o que é e o que

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são
pretende?” (BALZAN, 1966, p. 1). Em seguida, convocou os professores de
Geografia e de História para articular no mínimo os objetivos de ensino dessas
duas disciplinas-saber “que fazem parte de um sistema de ensino renovado
[...] na realidade, em se tratando dos objetivos de Ginásio Vocacional, a maior
i
rev
porcentagem deles incide na faixa de problemáticas sociais” (BALZAN, 1966,
p. 1), devendo ser prescrita uma relação estreita com a comunidade, onde cada
or

ginásio estivesse funcionando.


A partir disso, percebe-se uma nova expressão de relevância da área de
Estudos Sociais, no ano de 1966, quando todos os supervisores de área dos
ara

ginásios dedicavam-se à produção dos relatos de cada campo. A historiografia


ver dit

aponta a atitude da coordenação do SEV, exercida por Maria Nilde Mascellani,


como estratégia16 de enfrentamento das tensões e ameaças de fechamento,
op

para produzir-se documentação sobre a experiência, sendo que esses relatos


“representaram uma das iniciativas de sistematização do conhecimento pro-
duzido nas escolas desde a sua origem” (CHIOZZINI, 2014, p. 55).
No decorrer dos anos da experiência educativa, o conteúdo da área
E

de Estudos Sociais foi alvo das prescrições do SEV como esclarecido por

16 As referidas fontes quando analisadas buscavam sintetizar a experiência via: organização, documentação
e descrição da proposta política e pedagógica dos vocacionais. Esse documento da área de Estudos
Sociais tinha finalidade de autoavaliação do percurso. Propositalmente, sua escrita ocorreu em 1965, ano
em que há tensão entre Secretaria da Educação de São Paulo e o SEV. A leitura da historiografia informa a
constante ameaça de fechamento em que os vocacionais vivenciaram, tais como: cortes de verbas e trocas
de nove secretários de educação (NEVES, 2010; CHIOZZNI, 2014).
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 193

Newton Balzan. Repete-se a definição de que Estudos Sociais “não é Histó-


ria e Geografia, consideradas isoladamente, e, nem tão pouco a soma dessas
duas disciplinas, mas a perfeita integração de ambas, imbuídas de uma linha
sociológica” (SERVIÇO DE ENSINO VOCACIONAL, 1967b, p. 2). Tem-
-se, nesse momento, outro ponto normativo frequentemente colocado como
problema: a necessidade de “aquisição de novos conhecimentos por parte do
professor, para que ele se transforme naquilo que ele ainda não é, a saber,

r
V
professor de Estudos Sociais” (SERVIÇO DE ENSINO VOCACIONAL,

uto
1967b, p. 2). Dessa maneira, no decorrer da experiência, ocorreram cursos,
formações e reuniões de trabalho juntamente com os supervisores de área,
sempre com a presença de docentes. Newton Cesar Balzan, em 1967, enfocou

R
a necessidade de formação docente como solução do problema em realizar

a
formação integral do educando.
Os professores ao buscarem ensinar a disciplina de história foram lançados

do
os desafios do contexto do catolicismo social prescrita no Sistema de Ensino
aC
Vocacional, quando atribuiu a responsabilidade de núcleo aos Estudos Sociais,
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sendo que, a análise global/universal do saber da história seria buscada.


são
Neste contexto, Estudos Sociais impõem-se pela atualidade, pela neces-
sidade com que nos defrontamos em assegurar ao educando uma visão
global acerca do mundo em que vive.
i

O fato, sem dúvida alguma, é válido também para o Brasil, onde anualmente
rev

grande parte da população é arrancada do meio rural através da industria-


lização, fazendo surgir problemas novos, frequentemente graves: massas
or

inteiras que podem ser colocadas a serviço de minorias e de demagogos,


originando riscos que passam a envolver a própria democracia; pressão
massificadora da sociedade que aumenta.
ara

Daí como veremos nos capítulos seguintes, a área de Estudos Sociais ir


mesmo além dos amplos limites que a união entre aquelas três discipli-
ver dit

nas sugere e funcionar sempre como área-núcleo da qual partirão todos


os grandes problemas e para a qual fluirão os conceitos explorados nas
demais áreas (BALZAN, 1966, p. 4).
op

Após abordar as prescrições dos objetivos dos ginásios vocacionais e os


objetivos lançados para a área de Estudos Sociais, criou-se um perfil docente
E

que deveria trabalhar necessariamente em grupo. Isso foi colocado para uma
dupla (um professor de Geografia e outro de História) em termos normativos,
indicadores do movimento crescente do protagonismo da área de Estudos
Sociais. Os saberes, sobretudo da história se tornaram um norte em volta da
área dos Estudos Sociais, responsável pelo lançamento dos temas e problemas
em aulas-plataformas.
194

Considerações finais

Newton Cesar Balzan (1966), na função de supervisor da área prescreveu


a interdependência entre História, Geografia e a Sociologia, tendo objetivos
comuns a serem alcançados como forma de combate “nos processos de in-
dustrialização e urbanização, na burocracia, na especialização, e, portanto, na
crescente compartimentalização, suas características mais notáveis” (BALZAN,

r
V
1966, p. 4). Os desafios do catolicismo social lançados para a cultura escolar

uto
prescrita do Sistema de Ensino Vocacional foi atribuída a responsabilidade
de núcleo de todo processo educativo para a área de Estudos Sociais, mas,
sobretudo por meio de um norte dado pelo saber da história, como capaz de

R
a
ocupar uma zona intermediária de contato com as demais matérias discipli-
nares (inclusive a geografia).

do
Em suma, nessa época havia a necessidade de uma visão conjunta sobre
os problemas brasileiros acerca do levantamento de assuntos atuais, e por isso
aC
se defendia a ideia de que o saber da História daria esse cimento, a qual deveria

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perseguir temas (unidades) possíveis de serem abordados integralmente pelo
são
conjunto de todas as áreas curriculares. A prescrição da noção de integração
dos conteúdos extraídos das disciplinas-saber da História, disposta como
ensino-aprendizagem, movimentou tanto o perfil do corpo docente, quanto o
dos discentes dos vocacionais, assim como as novas formas de tratamento dos
i
rev

conteúdos históricos, na experiência prescritiva dos vocacionais foi próxima


da abordagem do catolicismo social.
or
ara
ver dit
op
E

HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 195

REFERÊNCIAS

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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

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R
São Paulo, 1998.

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do
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aC
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


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História da Educação. v. 15, n. 2, p. 492-519, maio/ago. 2016.
i
rev
VIEIRA, Letícia. Um núcleo pioneiro na renovação da educação secun-
dária brasileira: as primeiras classes experimentais do estado de São
or

Paulo (1951-1961). 2015. 200 p. Dissertação (Mestrado em Educação) –


Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós- Graduação em
Educação, Florianópolis, 2015.
ara
ver dit
op
E

SOBRE OS AUTORES

Ana Meyre de Morais


Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN).
Graduada em Pedagogia pela UERN. Membro do Grupo de Pesquisa Imagens e
Ensino: percepções, métodos e fontes (CNPq). E-mail: ameyremorais@gmail.com

r
V
uto
Anna Rafaella de Paiva Dantas
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tec-
nológica (PROFEPT/IFRN). Graduada em História pela Universidade do
R
a
Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em História do Brasil
pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. E-mail: anarpaiva1@hotmail.com

Cléia Maria Alves


do
aC
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e
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Tecnológica do (PROFEPT) IFRN. Possui graduação em História (licen-


são
ciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Nor-
te-UFRN (2003). Possui Especialização em Metodologia do Ensino no
Instituto Superior de Educação de Cajazeiras Paraíba (2005-2006). Pro-
i

fessora de História na rede Estadual de ensino do Rio Grande do Norte.


rev

E-mail: cleiamary2009@hotmail.com
or

Daniel Syllas Pereira Sousa


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN).
ara

Graduado em Pedagogia pela UERN. E-mail: daniel.syllas@outlook.com


ver dit

Enock Douglas Roberto da Silva


Mestre em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN). Graduado em Pedagogia pela
op

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e em História pela


Universidade Potiguar (UNP). Membro do Grupo de Pesquisa Imagens e Ensino:
percepções, métodos e fontes (CNPq). Professor do Ensino Fundamental da
E

Secretaria de Estado da Educação do Ceará. E-mail: enockdouglas@hotmail.com


Francinaldo Rita da Silva


Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO,
associação ampla UERN, UFERSA, IFRN. Graduado em Letras Português
– Inglês pelo Centro Universitário Don Domênico (UNIDON) SP. E-mail:
frslex@bol.com.br
198

Francisco das Chagas Silva Souza


Professor titular do IFRN, Campus de Mossoró. Professor do Programa de
Pós-Graduação em Ensino (IFRN/UERN/UFERSA), do Programa de Pós-
-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (Mestrado Profissional
em Rede Nacional), Polo IFRN/Mossoró e do Programa de Pós-graduação
em Educação (IFRN/Natal). Possui graduação em História (UFPB) e Douto-
rado em Educação (UFRN). Líder do Grupo de Estudos em Ensino e Práticas

r
V
Educativas (GENPE/IFRN). E-mail: chagas.souza@ifrn.edu.br

uto
Gislânia Dias Soares
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), da

R
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade Federal

a
Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Professora da rede municipal de

do
ensino de Mossoró – RN. Membro do Grupo de Pesquisa Imagem e Ensino:
percepções, métodos e fontes (CNPq) E-mail: gdsbento@hotmail.com
aC

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Guilherme Paiva de Carvalho são
Doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília. Docente permanente
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (UERN) e
do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN). E-mail:
i
rev
guimemartins@uern.br
or

Janaina Valéria Pinto Camilo


Graduada em História pela Universidade Federal do Pará ( – UFPA). Mestrado
e Doutorado em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas
ara

(UNICAMP), onde também realizou Estágio Pós-doutoral no Departamento


ver dit

de História. Professora Substituta de História do Instituto Federal do Rio


Grande do Norte, campus Mossoró. E-mail: janainavpcamilo@gmail.com
op

Jonathan Diógenes Costa


Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN).
Membro do Grupo de Pesquisa Imagens e Ensino: percepções, métodos e
E

fontes (CNPq/UFERSA). E-mail: jonathandiogenes@hotmail.com

Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato


Bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa do CNPq – Nível 1A. Doutora em História
do Tempo Presente (UDESC); Membro do Observatório do Ensino Médio de
Santa Catarina (OEMESC); Integrante do Grupo de pesquisa: Cultura Escolar,
História e Tempo Presente (UDESC); Integrante do Laboratório de Didática e
HISTÓRIA ENSINADA: uma prosopografia do ensino de história, no Brasil 199

Ensino de História, da Universidade Regional de Blumenau – LADIH/FURB.


E-mail: yocaetano@hotmail.com

Marcelo Bezerra de Morais


Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (UERN) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSNSINO
– UERN/UFERSA/IFRN); membro do Grupo de Pesquisa História Oral e

r
V
Educação Matemática (GHOEM). E-mail: morais.mbm@gmail.com

uto
Maria Aparecida Dias Lima
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), da

R
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade

a
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Professora da rede

do
municipal de ensino de Mossoró – RN. Membro do Grupo de Estudos e Pes-
quisas com Narrativas (Auto)Biográficas em Educação – GEPNAE. E-mail:
aC
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aparecida_cdi@hotmail.com
são
Maria do Socorro Souza
Mestre em Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSEN-
SINO), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UERN/UFERSA/IFRN).
i
rev

Professora da rede estadual e municipal de ensino de Mossoró – RN. Atua


no Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal (NTM) e no Núcleo de
or

Tecnologia Educacional Jerônimo Rosado (NTE). Membro do Grupo de


Pesquisa Imagens e Ensino: percepções, métodos e fontes (CNPq). E-mail:
socsouza@hotmail.com
ara
ver dit

Ocimara Fernandes Negreiros Oliveira


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/UFERSA/IFRN),
op

Professora de curso técnico na Universidade Potiguar. Graduada em Administração


de Empresas, Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi, 2010. Membro
do Grupo de Pesquisas Imagens e Ensino: percepções, métodos e fontes (CNPq).
E-mail: oci_mara@hotmail.com
E

Paulo Augusto Tamanini


Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/
UFERSA/IFRN). Coordenador do Grupo de Pesquisa Imagens e Ensino: per-
cepções, métodos e fontes (CNPq). Membro do Athens Institute for Education
and Research (ATINER) e do Athens Center for Classical & Byzantine Studies
200

(Atenas, Grécia). Doutor em História (UFSC), com Estágio Pós-Doutoral em


História (PNPD/CAPES/UFPR). E-mail: paulo@tamanini.com.br

Risalva Ferreira Nunes de Medeiros


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), as-
sociação ampla UERN, UFERSA, IFRN. Membro do Grupo de Pesquisa
Imagens e Ensino: percepções, métodos e fontes (CNPq). Coordenadora

r
V
Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Norte.

uto
E-mail: risalvaferreira@hotmail.com

Rogério Luiz de Souza

R
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. Professor titular

a
do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Catarina e professor colaborador do Doutorado em Estudos

do
Globais da Universidade Aberta de Lisboa. É pesquisador internacional do
aC
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de

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Lisboa e pesquisador do CNPq. E-mail: rogerklaumann@gmail.com

Silene Ferreira Claro


são
Professora no Programa Pós-Graduação de História da Faculdade Campos
Salles – SP. Pós-Doutora em História pela FFLCH-USP (2016). Doutora em
i
rev
História Social pela FFLCH-USP (2008). Bacharel e Licenciada em História
pela FFLCH-USP (1998-9). E-mail: silene.claro@gmail.com
or

Simone Maria da Rocha


Doutora em Educação. Docente do departamento de Linguagens e Ciências Hu-
ara

manas da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e do Programa


ver dit

de Pós-Graduação em Ensino-POSENSINO UFERSA/UERN/IFRN. Líder do


Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas (Auto)biográficas em Educação
op

(GPENAE/UFERSA/CNPq). Pesquisadora e Colaboradora do Grupo Interdis-


ciplinar de Pesquisa, Formação, (Auto)Biografia e Representações (GRIFAR-
-UFRN-CNPq). Membro-fundadora da Associação Norte-Nordeste de História
de Vida e Formação (ANNHIVIF – 2007). E-mail: simone.rocha@ufersa.edu.br
E

Vanusa Maria Gomes Noronha


Membro do Grupo de Pesquisa Imagens e Ensino: percepções, métodos e fontes
(CNPq/UFERSA). Aluna Especial no Programa de Pós-Graduação em Ensino
(UERN); Especialista em Psicopedagogia e Graduada em Pedagogia-UERN.
Professora do Ensino Básico da Rede Pública da Secretaria da Educação do
Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: vanusa.noronha@yahoo.com.br
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E
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sã or op
ara aC
rev R
i são V
do
a uto
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R
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do
aC

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são i
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or
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op
E

SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 × 23 cm
Mancha: 12,3 × 19,3 cm
Tipografia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 12 | 16 | 18 pt
Arial 7,5 | 8 | 9 | 10 pt
Papel: Pólen 80 g/m² (miolo)
Royal Supremo 250 g/m² (capa)

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